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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
MARIANA DIAS DE MORAES
AUTONOMIA MUNICIPAL OU DESCENTRALIZAOSUBORDINADA?
A questo do saneamento nos novos municpios daBaixada Fluminense
Rio de Janeiro 2008
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MARIANA DIAS DE MORAES
Autonomia Municipal ou Descentralizao Subordinada?
A questo do saneamento nos novos municpios da Baixada
Fluminense.
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Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Programa dePs-Graduao em Planejamento Urbano e Regional daUniversidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dosrequisitos necessrios obteno do grau de Mestre emPlanejamento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz Alves Natal
Rio de Janeiro2008
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MARIANA DIAS DE MORAES
Autonomia Municipal ou Descentralizao Subordinada?
A questo do Saneamento nos novos municpios da Baixada
Fluminense.
.
Dissertao submetida ao corpo docente do Instituto dePesquisa e Planejamento Urbano e Regional daUniversidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, comoparte dos requisitos necessrios obteno do grau deMestre em Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado emBANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________Prof. Dr. Jorge Luiz Alves Natal OrientadorInstituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional UFRJ
_________________________________________________________________Prof. Dr. Alberto de Oliveira
Instituto de Economia - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ
_________________________________________________________________Prof. Dr.Cristina Lontra NacifEscola de Arquitetura e Urbanismo - Universidade Federal Fluminense - UFF
_________________________________________________________________Prof. Dr. Orlando Alves dos Santos JuniorInstituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional UFRJ
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Ao Cristiano
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Agradecimentos
Neste perodo, de concluso de um processo que j dura mais de dois anos, tenho muito e
muitos a agradecer. Agradeo primeiramente ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional, nosso IPPUR do qual tenho muito orgulho de fazer parte. Agradeo a CAPES,
pelo apoio financeiro sem o qual seria impossvel chegar at aqui.
Agradeo ao meu orientador Jorge Luis Alves Natal por toda a pacincia em idas e vindas,pelas rduas revises e por todos os artigos indefinidos retirados, pelas aulas inspiradoras de
Economia Poltica que fizeram uma arquiteta como eu tentar desbravar este caminho, e o mais
importante, pelas orientaes chaves nos momentos necessrios.
Agradeo aos professores Orlando Alves dos Santos Jr e Alberto de Oliveira pelas
contribuies positivas e fundamentais no perodo da Qualificao s quais busquei me
nortear durante o processo final de concluso do trabalho.
Agradeo a todos os professores do IPPUR por todas as aulas inspiradoras e provocadoras que
contriburam de modo mpar para a minha formao.
Agradeo a todo o corpo administrativo do IPPUR com o qual sempre pudemos contar em
todos os momentos, inclusive por todo apoio a nossa empreitada do CINEMOTIM,
especialmente a Zuleika, Josimar, Joo, Pedro, Vera, e D. Maria Jos. Agradeo a toda aequipe da Biblioteca, sempre solcita e por todo o suporte fundamental nesse processo.
Agradeo a todos os amigos da turma de mestrado de 2006 pelas eternas discusses, pelo
apoio na rdua caminhada e pelos momentos de escape, em especial aos amotinados
Danielle Barros pelo carinho, Camilla Lobino por nossa afinidade imediata, Marcella
DAgosto pela amizade de fino trato, Andr Rangel e Marcelo Medeiros por serem meus
parceiros e amigos queridos, Igor Vitorino pelos risos e conspiraes, Julio Dias por nossa
cumplicidade irnica e a Leonardo Bueno pela motivao dos encontros.
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Agradeo equipe da Prefeitura de Belford Roxo, por todas as dicas, dados e discusses
frutferas que muito ajudaram ao desenvolvimento desta dissertao, em especial: Myrian
Assis, Paulo Aguiar e Giovanni Guidone.
Agradeo equipe da Agrar pelos anos de trabalho em conjunto, pela amizade desenvolvida e
por terem me proporcionado fazer parte de trabalhos que foram experincias de vida, em
especial a Schirley Machado, Cleo, Luiz Machado, Felipo, Pedro Aleixo, Nylana Assad e
Jorginho.
Agradeo a Cristina Nacif pela amizade, carinho e companheirismo que moldaram nosso
trabalho em conjunto em Belford Roxo.
Agradeo Angela Marquadt por todos os ensinamentos e o carinho sempre presentes.
Agradeo aos amigos do APD-Rio de quem tenho muitas saudades, em especial: Ana Paula
Grether, Wania Lucia da Costa, Lucia Roma, Gilberto Bernardino (in memorian), Sabrina
Vidal,Gianfrancesco Costantini eSizue Imanishi.
Agradeo a todos os amigos que fazem parte da minha vida, mesmo que no estejam aquicitados saibam que so importantes para mim. E aos amigos especiais que amo e que sempre
esto por perto mesmo que distantes: Luciana Vaccari por ser minha irmzinha, Isabel
Siqueira pela incondicional alegria e presena de luz na minha vida, Julieta Romeiro por todos
os risos e furadas em que nos metemos juntas, Leonardo Name por nossas afinidades cidas,
Georgiana Goulart por toda a parceria feliz em vrios momentos importantes da minha vida,
Eliene Tozetto por termos sido uma dupla dinmica da pesada e por todos os bonos das
viradas, Luciano Torres e Maria Lucia Bastos meus afilhados que eu adoro, Rafael Segond eSuzana Dominguez meus amigos suos que trazem equilbrio ao sexteto, Ftima Oliveira
pelas adorveis maluquices, Erica Canellas, Samea Monteiro, Erica Palmeira, Hlio Almeida
e Adriana Vilar por todas as nossas parcerias na faculdade, no trailer, nas festas, e por hoje em
dia ao menos uma vez ao ano.
Agradeo minha segunda famlia pelo amor, apoio incondicional e suporte nas horas
difceis: Ana Cristina Diniz Pelosi, Helena Diniz Pelosi (in memoriam), Marcio vila e Rafael
Pelosi Pellegrini.
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Agradeo ao meu marido Cristiano Pelosi Pellegrini, por toda a dedicao, companherismo e
parceria que marcam nossa vida em comum. Agradeo pelo apoio incondicional s minhas
escolhas e pelos sinais de alerta quando estive perdida. Agradeo pela compreenso quanto ao
cansao, agradeo pelo violo no tocado, pelo eterno cuidado e por toda a vida que temos
pela frente.
Por fim, e mais importante, agradeo ao meu pai Francisco Jos de Moraes por todos os
ensinamentos, pelos valores passados, pelas histrias contadas, agradeo por sua histria de
vida ter pautado a minha, pelo apoio e amor incondicional. Agradeo a minha me Olga
Maria Dias de Moraes por sempre me deixar ser quem fui e quem sou, por me incentivar a
pintar as paredes e compreender a minha preguia, por todo amor doado sem pudor a mim e minha famlia. Agradeo aos meus irmos, Ana Paula Dias de Moraes e Francisco Jos Dias
de Moraes por me ensinarem a falar, a brincar e por me fazerem ser melhor em cada momento
da minha vida, e finalmente, agradeo aos meus cunhados Cristiane Sampaio e Cristiano
Fayer pela alegria de aumentarem a nossa famlia com duas lindas e adorveis sobrinhas:
Luiza e Laura.
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RESUMO
Palavras chave: Constituio de 1988, Descentralizao Poltica, Baixada Fluminense
A Constituio Federal de 1988 representou um marco no federalismo brasileiro,
estabelecendo um novo arranjo federativo entre os governos propiciando maior autonomia aos
governos subnacionais. A partir dela o ente municipal ganhou notvel importncia, nunca
antes experimentada seja do mbito fiscal quanto poltico. Assim como a descentralizao
poltica e fiscal representou um consenso, a suposio de que a descentralizao dos serviospblicos seria mais democrtica, alm de mais eficiente, elevando a qualidade de vida da
populao, tambm o era. Esta descentralizao resultou no aumento das transferncias
tributrias s esferas subnacionais, e isto impulsionou grande exploso de emancipaes e
criaes de novos municpios em todo o Brasil. Muitos municpios foram criados com a
expectativa de que o acesso a essa nova receita poderia representar a soluo para os
problemas locais. Na Regio Metropolitana do estado do Rio de Janeiro, mais
especificamente na regio da Baixada Fluminense, esse processo foi observado especialmenteem Nova Iguau, onde quatro de seus distritos, Belford Roxo, Queimados, Japeri e Mesquita
emanciparam-se ao longo da dcada de 1990 a 2001. Acreditava-se que a autonomia
municipal era a soluo para os conflitos e garantiria melhores condies de vida populao
daqueles distritos. No entanto, no se previa que aquele mesmo arranjo produzido pela
Constituio de 1988 trazia consigo, alm do aumento de recursos, uma nova carga de
responsabilidades atribudas esfera municipal, representando em muitos casos
incompatibilidade entre recursos e responsabilidades. Os limites da ao municipal, noentanto, vo alm disto, dado que temas como infra-estrutura urbana e saneamento bsico no
se encerram sobre os limites municipais. No obstante, esses temas foram utilizados como
bandeira dos movimentos de emancipaes atravs de um discurso pela melhoria das
condies de investimento pblico em infra-estrutura e na disputa por uma melhor
distribuio dos recursos municipais. Estabelecendo um paradoxo dado que de pronto
compreende-se que a atuao municipal fica aqum das expectativas promovidas pela
emancipao. Deste modo, a partir da anlise das polticas de saneamento realizadas no
perodo entre as dcadas de 1970-1990 e dos recursos municipais, das transferncias
constitucionais e voluntrias busca-se evidenciar as problemticas trazidas pelo novo papel
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que os municpios tm assumido e teriam de assumir frente ao arranjo federativo estabelecido
pela Constituio de 1988.
ABSTRACT
key-words: Constitution of 1988, Decentralization Policy, Baixada Fluminense
The Federal Constitution of 1988 represented a transition point in Brazilian federalism, setting
a new arrangement between the governments levels providing more autonomy to subnational
governments (states and municipalities). From there the local government has earned
remarkable importance, never before experienced, such as a tax level as a political level. The
decentralization policy and tax represented a consensus just as the assumption that thedecentralization of public services would be more democratic, and more efficient, elevating
the quality of life. This resulted in increasing decentralization of tax transfers to subnational
levels, and this spurred emancipations and creation of new municipalities throughout Brazil.
Many municipalities have been created with the expectation that access to this new revenue
could represent the solution to local problems. In the Metropolitan Region of the state of Rio
de Janeiro, more specifically in the region of the Baixada Fluminense, this process was
observed particularly in Nova Iguacu, where four of its districts, Belford Roxo, Queimados,Japeri and Mesquita emancipate themselves throughout the 1990s to 2001. It was believed
that the autonomy was the solution to the conflict and ensure better living conditions for the
people of those districts. However, he was not expected that the same arrangement produced
by the 1988 Constitution brought with it, besides the increase in resources, a new load of
responsibilities assigned to the local sphere, representing in many cases incompatibility
between resources and responsibilities. The limits of action of these government of the new
cities, however, go beyond this, because issues such as urban infrastructure and sanitation arebeyond their limits of competence. Nevertheless, these issues were used as a flag of the
movement of emancipation through a speech by improving conditions for public investment
in infrastructure and in the fight for a better distribution of municipal resources. Establishing a
paradox because the municipal action falls short of expectations promoted by emancipation.
Thus, from the analysis of policies on sanitation in the period between 1970-1990 decades and
municipal resources, constitutionals and voluntaries transfers try to highlight the problems
brought about by the new role the municipalities would have to assume front of the federal
arrangement established by the Constitution of 1988.
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SUMARIO
INTRODUO ........................................................................................................................... 12
CAPTULO 1 - O Federalismo e a Constituio Brasileira de 1988 ...................................... 17
1.1 O novo arranjo federativo brasileiro.................................................................................... 18
1.2 A Reforma do Estado no Brasil........................................................................................... 22
1.3 O consenso da descentralizao .......................................................................................... 23
1.4 O novo arranjo poltico e fiscal e as novas atribuies municipais..................................... 26
1.5 A exploso de emancipaes no Brasil ............................................................................... 30
CAPTULO 2 A histrica desigualdade social na Baixada Fluminense e seus
movimentos de emancipao ...................................................................................................... 33
2.1 Um breve histrico da ocupao recente da Baixada Fluminense ...................................... 34
2.2 O desenvolvimento de Nova Iguau.................................................................................... 36
2.3 Os movimentos de emancipao em Nova Iguau.............................................................. 37
2.3.1 A emancipao de Belford Roxo.................................................................................. 40
2.3.2 A emancipao de Queimados ..................................................................................... 41
2.3.3 A emancipao de Japeri .............................................................................................. 42
2.3.4 A emancipao de Mesquita......................................................................................... 43
2.4 Consideraes gerais ........................................................................................................... 44
CAPTULO 3 Desmontando o discurso das emancipaes Anlise da Poltica de
Saneamento na Baixada Fluminense e o processo de descentralizao (1970-1990) ............. 46
3.1 Os investimentos pblicos em saneamento na Baixada Fluminense no perodo anterior
s emancipaes (dcadas de 1970-1980) ................................................................................. 46
3.2 Os investimentos pblicos em saneamento aps as emancipaes (1990) ......................... 51
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3.3 A descentralizao da poltica de saneamento .................................................................... 59
3.4 O paradoxo das emancipaes: entre os limites da ao municipal e a questo
metropolitana ............................................................................................................................. 63
CAPTULO 4 Autonomia municipal ou descentralizao subordinada? ............................. 70
4.1 Anlise da composio dos recursos oramentrios municipais ......................................... 70
4.2 Anlise das despesas municipais e da autonomia financeira............................................... 80
4.2.1 Anlise das despesas municipais .................................................................................. 80
4.2.2 Anlise da Autonomia Financeira Municipal............................................................... 90
4.3 Anlise das Transferncias Voluntrias - Os Convnios Federais estabelecidos com os
municpios em estudo ................................................................................................................ 97
4.4 Anlise Comparativa dos investimentos em saneamento (Recursos Municipais x
Transferncias Voluntrias)..................................................................................................... 108
4.5 Autonomia Municipal ou Descentralizao Subordinada? ............................................... 112
5 CONCLUSO ........................................................................................................................ 117
6 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 121
NDICE DE ILUSTRAES
Figura 1 Emancipaes do Municpio de Nova Iguau Dcada de 1990, 40
Grfico 1 Origem dos recursos Municpio de Belford Roxo, 75Grfico 2 Origem dos recursos Municpio de Queimados, 76Grfico 3 Origem dos recursos Municpio de Japeri, 77Grfico 4 Origem dos recursos Municpio de Mesquita, 78Grfico 5 Origem dos recursos Municpio de Nova Iguau, 79Grfico 6 Despesas Municipais, 82Grfico 7 Grau de Autonomia Financeira, 93Grfico 8 Indicador de Autonomia Financeira de Belford Roxo, 94Grfico 9 Indicador de Autonomia Financeira de Queimados, 95Grfico 10 Indicador de Autonomia Financeira de Japeri, 96Grfico 11 Indicador de Autonomia Financeira de Mesquita, 97Grfico 12 Indicador de Autonomia Financeira de Nova Iguau, 98
Tabela 1 N de Municpios no Brasil 1940/2000, 32
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Tabela 2 Municpios da Baixada Fluminense Origem e Ano de Instalao, 39Tabela 3 Composio do Oramento Municipal Receitas Prprias x Receitas de
Transferncias, 73Tabela 4 Composio do Oramento Municipal Origem das Receitas Municipais, 73
Tabela 5 Composio do Oramento Municipal Royalties, 74Tabela 6 Transferncias Constitucionais do Governo Federal aos Municpios, 80Tabela 7 Quadro Geral das Despesas Municipais, 81Tabela 8 Despesas Municipais de Belford Roxo, 83Tabela 9 - Quadro de Despesas Correntes de Belford Roxo, 83Tabela 10 - Quadro de Despesas de Capital de Belford Roxo, 84Tabela 11- Quadro de Despesas Municipais de Queimados, 85Tabela 12 - Quadro de Despesas Correntes de Queimados, 85Tabela 13 - Quadro de Despesas de Capital de Queimados, 86Tabela 14 - Quadro de Despesas Municipais de Japeri, 86Tabela 15 - Quadro de Despesas Correntes de Japeri, 87
Tabela 16 - Quadro de Despesas de Capital de Japeri, 88Tabela 17 - Quadro de Despesas Municipais de Mesquita, 88Tabela 18 - Quadro de Despesas Correntes de Mesquita, 89Tabela 19 - Quadro de Despesas de Capital de Mesquita, 89Tabela 20 - Quadro de Despesas Municipais de Nova Iguau, 91Tabela 21 - Quadro de Despesas Correntes de Nova Iguau, 91Tabela 22 - Quadro de Despesas de Capital de Nova Iguau, 92Tabela 23 - Quadro Geral - Mdia de Autonomia Financeira, 93Tabela 24 - Quadro Indicativo de Autonomia Financeira de Belford Roxo, 93Tabela 25 - Quadro Indicativo de Autonomia Financeira de Queimados, 94Tabela 26 - Quadro Indicativo de Autonomia Financeira de Japeri, 96Tabela 27 - Quadro Indicativo de Autonomia Financeira de Mesquita, 97Tabela 28 - Quadro Indicativo de Autonomia Financeira de Mesquita, 97Tabela 29 Quadro Resumo exigncias para acesso s Transferncias Voluntrias, 103Tabela 30 - Total Convnios R$ - Governo Federal Municpios (1996-2008), 106Tabela 31- Total Convnios Municpio de Belford Roxo (1997-2006), 106Tabela 32 - Total Convnios Municpio de Queimados (1997-2006), 107Tabela 33 - Total Convnios Municpio de Japeri (1997-2006), 108Tabela 34 - Total Convnios Municpio de Mesquita (1997-2006), 109Tabela 35- Total Convnios Municpio de Nova Iguau (1997-2006), 110Tabela 36- Total Convnios Infra-estrutura urbana entre Governo Federal Municpios
(1999-2009), 111Tabela 37 - Total dos Convnios / Total Convnios em Infra-estrutura urbana entreGoverno Federal Municpios (1999-2009), 113
Tabela 38 Quadro Resumo Convnios / Receita Municipal / Despesas de capital/Convnios em Infra-estrutura urbana entre Governo Federal Municpios, 114
Tabela 39 Quadro Resumo Emendas Constitucionais que afetaram a autonomiamunicipal, 116
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INTRODUO
O federalismo brasileiro instituiu-se num movimento de descentralizao de
poder, buscando um maior equilbrio entre as esferas sem destituir-se do poder central. O
modelo federalista pressupe cooperao poltica e financeira entre o governo federal e os
outros entes participantes da federao. A federao brasileira marcada por movimentos de
coeso e fragmentao, e estes movimentos vo configurar diferentes arranjos polticos e
fiscais ao longo de sua histria.
A Constituio de 1988 configurou um movimento de fragmentao, atravs dos
movimentos pela descentralizao de poder entre o ente federal e os entes subnacionais, de
modo a romper com o padro desenvolvimentista e estabelecer novas relaes entre os entes
federativos, e tambm um novo papel do Estado.
O novo arranjo federativo tomava como base a busca por deixar para trs o
perodo do governo militar e instaurar uma nova relao entre os entes federativos e tambm
entre estes e a sociedade. A palavra de ordem era descentralizar, entendendo adescentralizao como sinnimo de democratizao do Estado e combate ao autoritarismo.
Pretendia-se com a nova Constituio, em suma, dar fim caracterstica centralizadora da
esfera nacional.
Nestes termos, a Constituio Federal de 1988 representou um marco no
federalismo brasileiro, estabelecendo um novo arranjo federativo entre os governos
propiciando maior autonomia aos governos subnacionais. Foi inclusive, a partir dela que oente municipal ganhou notvel importncia, nunca antes experimentada seja do mbito fiscal
quanto poltico.
Assim como a descentralizao poltica e fiscal representou um consenso, a
suposio de que a descentralizao dos servios pblicos seria mais democrtica, alm de
mais eficiente, elevando a qualidade de vida da populao, tambm o era. Do mesmo modo, o
contrrio, a centralizao era associada a formas autoritrias e ineficazes do ponto de vista das
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polticas pblicas. O cenrio configurava-se como descentralizador tanto no mbito poltico e
fiscal quanto na das polticas pblicas e prestao de servios.
Esta descentralizao resultou no aumento das transferncias tributrias s esferas
subnacionais, e isto impulsionou grande exploso de emancipaes e criaes de novos
municpios em todo o Brasil. Muitos municpios foram criados com a expectativa de que o
acesso a essa nova receita poderia representar a soluo para os problemas locais.
Na Regio Metropolitana do estado do Rio de Janeiro, mais especificamente na
regio da Baixada Fluminense, esse processo foi observado especialmente em Nova Iguau,
onde quatro de seus distritos, Belford Roxo, Queimados, Japeri e Mesquita emanciparam-se
ao longo da dcada de 1990 a 2001.
O protagonismo das cidades emerge com fora, e acreditava-se que a autonomia
municipal era a soluo para os conflitos e garantiria melhores condies de vida populao
daqueles distritos. Utilizava-se um discurso recheado de positividades que no previa que
aquele mesmo arranjo produzido pela Constituio de 1988 trazia consigo, alm do aumento
de recursos, uma nova carga de responsabilidades atribudas esfera municipal.
Cabe destacar os perodos que precedem e sucedem as emancipaes - as dcadas
de 1980-90 - marcadas por crises fiscais, retrao da capacidade de investimento pblico, e
tambm pelo avano do neoliberalismo que muda a atuao do Estado e, conseqentemente,
as polticas pblicas. O planejamento regional, por exemplo, passa a seguir a lgica de
projetos fragmentados e pontuais. J a questo metropolitana se transforma em no-questo e
suprimida pela emergncia da aclamada autonomia local. Estas mudanas so sentidas
nitidamente nos programas de investimento em saneamento bsico na Baixada Fluminense.H uma clara mudana em relao forma de atuao pblica em se tratando do
entendimento da questo, anteriormente compreendida como regional, passando ela a ser
associada a investimentos pontuais, como verificado na dcada de 1990. perceptvel
tambm que a atuao municipal bastante restrita, quando no completamente inexistente
em se tratando desses investimentos. Por um lado, pode-se afirmar que se trata de uma
questo de insuficincia de recursos, por outro, no caso, de uma demanda por servios e
investimentos pblicos incompatvel com a capacidade de investimento municipal.
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Os limites da ao municipal, no entanto, vo alm da incompatibilidade entre
recursos e responsabilidades. Temas como infra-estrutura urbana e saneamento bsico no se
encerram sobre os limites municipais. No obstante, esses temas foram utilizados como
bandeira dos movimentos de emancipaes atravs de um discurso pela melhoria das
condies de investimento pblico em infra-estrutura e na disputa por uma melhor
distribuio dos recursos municipais.
Deste modo, o paradoxo se estabelece dado que de pronto compreende-se que a
atuao municipal fica aqum das expectativas promovidas pela emancipao. Alm de toda a
propagao dos ideais do localismo, compreende-se que as cidades no so completamente
autnomas e tambm no so apenas reflexos da estrutura social, ou seja, os governosmunicipais tm limites, mas tambm no podem ser apreendidos como passivos em relao
sua atuao frente aos demais entes federativos. Deste modo, a partir de uma anlise dos
recursos municipais, das transferncias constitucionais e voluntrias, e tambm como tais
recursos so aplicados no mbito do oramento municipal, busca-se evidenciar as
problemticas trazidas pelo novo papel que os municpios tm assumido e teriam de assumir
frente ao arranjo federativo estabelecido pela Constituio de 1988.
Temtica e objetivos expostos, a dissertao estrutura-se em quatro captulos,
buscando conduzir uma linha articulada tanto cronolgica quanto temtica desde o
estabelecimento do novo arranjo federativo, passando pela criao de novos municpios, a
atuao municipal e seus limites, at a anlise dos recursos municipais.
Assim sendo, no Captulo 1, so analisadas as mudanas que a Constituio
Federal de 1988 trouxe no que tange o arranjo federativo brasileiro, configurando um novoarranjo poltico, institucional, fiscal e administrativo no pas. Busca-se entender a conjuntura
que desencadeou as transformaes do modelo federalista no Brasil a partir de sua
constituio e das peculiaridades de seu arranjo. A descentralizao foi o marco da
constituinte em funo do entendimento de que esta possibilitaria uma relao mais
democrtica entre o Estado e a sociedade. No entanto, esta descentralizao alcanada serviu
de esteio preconizando a Reforma do Estado brasileiro baseada no iderio das foras
liberalizantes seguidoras da utopia do mercado livre que, por sua vez, tambm se beneficiam
da fragilizao do ente federal. O consenso da descentralizao abordado em seguida, assim
como as novas atribuies municipais, mostrando que o aumento de recursos para as esferas
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subnacionais foi correspondido por aumento de atribuies, cujo balano no constituiu um
saldo positivo. Contudo, esta emergncia de poder do ente municipal conjugada a maior
flexibilidade na legislao de criao de municpios promoveu o que se denominou exploso
de emancipaes. Em geral, estas emancipaes ocorreram como forma de acessar recursos
fiscais, em um jogo em que a cooperao federativa d lugar a uma relao competitiva entre
os entes federativos.
O Captulo 2tratar dessa exploso de emancipaes aps a Constituio de 1988
na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro, mais especificamente na Baixada Fluminense e
no municpio de Nova Iguau, articulando sua histrica segregao scio-espacial e a
precariedade em infra-estrutura urbana com os movimentos que promoveram asemancipaes de Belford Roxo, Queimados, Japeri e Mesquita ao longo da dcada de 1990.
Neste ponto da dissertao a metodologia adotada segue duas vertentes distintas
de anlise como forma de compreender e avaliar as emancipaes municipais ocorridas: a
primeira busca avaliar se a emancipao municipal representou de fato melhorias do ponto de
vista do saneamento bsico identificando a participao do ente municipal nos programas e
investimentos realizados no setor de saneamento bsico na Baixada Fluminense; e, a segundavertente busca avaliar a autonomia municipal no mbito fiscal, identificando a capacidade de
investimento dos municpios em questo.
Deste modo, o Captulo 3 centra a anlise nos investimentos pblicos em infra-
estrutura urbana realizados na regio da Baixada Fluminense ao longo das dcadas de 1970 a
1990. A anlise do perodo anterior s emancipaes tem o objetivo de caracterizar o quadro
da precariedade em infra-estrutura e localizar os atores pblicos responsveis pelosinvestimentos. A anlise do perodo da dcada de 1990 busca ilustrar o perfil da atuao
governamental na Baixada Fluminense, aps as emancipaes, atravs do levantamento dos
investimentos pblicos em saneamento, dado que esta questo foi utilizada como bandeira
para as emancipaes. Deste modo, a partir deste levantamento, o objetivo foi identificar a
atuao destes novos municpios no que tange descentralizao das polticas sociais em
curso, em especial, a poltica de saneamento, explicitando o questionamento acerca dos
limites da ao municipal no que tange o investimento em saneamento e infra-estrutura
urbana, buscando evidenciar o paradoxo das emancipaes realizadas na Baixada Fluminense.
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E, finalmente, no Captulo 4 se procedeu anlise dos recursos municipais,
atravs do levantamento dos recursos prprios, das transferncias constitucionais e das
transferncias voluntrias, incluindo anlise a respeito do papel das transferncias voluntrias
no que trata os investimentos na rea do saneamento e infra-estrutura urbana, de modo a
questionar o processo de descentralizao e a autonomia municipal.
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Captulo 1 - O Federalismo e a Constituio Brasileira de 1988
Neste captulo ser abordada a conformao do novo pacto federativo brasileiro apartir da elaborao da Constituio de 1988, e da Reforma do Estado, que acaba por
configurar um novo arranjo poltico, institucional, fiscal e administrativo do pas.
Inicialmente, faz-se um breve retrospecto buscando entender a formao da
federao brasileira a partir do exame de aspectos que possam elucidar a conformao do
arranjo poltico-institucional que se desenvolve ao longo do tempo no pas. Sendo a
caracterstica central da nova constituio a descentralizao poltica e fiscal, onde as esferas
subnacionais elevam sua participao e ganham notvel importncia no cenrio federativo.
Entendia-se descentralizao como sinnimo de democratizao.
Em seguida, busca-se compreender os iderios das foras internacionais que
preconizam a Reforma do Estado brasileiro e a configurao de um novo papel do Estado.
Tais foras, liberalizantes, que seguem a utopia do mercado livre, buscam a descentralizao
do ente federal como forma de diminuio do intervencionismo da esfera nacional,
caracterstico do modelo anterior de desenvolvimento que este viria a substituir.
A confluncia de interesses acerca do estabelecimento da descentralizao
tratada em seguida, mostrando que o consenso entre essas foras polticas promoveu
efetivamente a descentralizao poltico-administrativa e fiscal atravs da promulgao da
mencionada Constituio.
Acreditava-se que a descentralizao significaria maior eficincia, dado que o
controle local possibilitaria uma maior democratizao do acesso aos investimentos e servios
pblicos. No entanto, ao mesmo tempo em que houve o aumento das transferncias de
receita, ocorreu tambm aumento significativo das responsabilidades das esferas
subnacionais. E na maioria das vezes, o balano no foi positivo para os municpios.
Para compreender melhor este arranjo, segue uma breve anlise centralizada nos
mbitos fiscais e de atributos que se estabelecem ao nvel da esfera municipal, buscando
compreender como se forma a nova receita tributria dos municpios de forma a avaliar oslimites e as possibilidades que se impem a esta descentralizao.
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O significativo aumento das transferncias para as esferas subnacionais e a maior
flexibilidade na legislao de criao de municpios suscitou uma exploso de emancipaes
no Brasil, que ser abordada no item 1.5. Em muitos casos, tais emancipaes ocorreram
fundamentalmente, seno unicamente, como forma de acessar recursos fiscais, em um jogo
em que a cooperao federativa d lugar a uma relao competitiva entre os entes federativos.
1.1 O novo arranjo federativo brasileiro
O federalismo um sistema que pressupe cooperao poltica e financeira entre
o governo federal e os demais entes que participam da federao. Tal sistema varivel deacordo com a forma que ele se constitui em cada pas. E, assim sendo, apresenta relaes
polticas, econmicas e scio-culturais diversas entre as esferas que os compem. Segundo
Burgess(1993), a constituio de uma federao guiada por um leitmotivque tambm pode
se expressar de maneiras variadas de acordo com suas peculiaridades e seu tempo histrico.
Assim como, por exemplo, o federalismo americano foi constitudo para fortalecer a unidade
nacional de modo que no se ferisse gravemente a autonomia e poderes dos estados
americanos, j demasiadamente autnomos. Desta maneira, foram estabelecidos mecanismosde balanceamento do poder como pesos e contrapesos (checks-and-balances) entre as
esferas. Segundo Abrucio e Costa(1999), outro aspecto importante do federalismo americano
e que explica o seu sucesso, que todos os jogadores do pacto federativo devem partir de
uma condio que tenda simetria, ou seja, em que haja a maior igualdade de condies
possvel. Sendo o sucesso do jogo dependente da expectativa dos jogadores quanto
manuteno desta simetria, evitando o estabelecimento de um jogo de competio no-
cooperativa. A cooperao dentre os entes federativos o que fortalece o pacto federativo, e ainexistncia dela pode culminar em um jogo competitivo predatrio que acaba por fragilizar a
federao.
O federalismo brasileiro foi inspirado no federalismo americano, buscando a
constituio de um pacto federativo, onde se promovesse o maior equilbrio entre as esferas
de poder. No entanto, pode-se afirmar que a formao da federao brasileira partiu de um
movimento oposto ao americano. Enquanto a federao americana se constituiu centralizando
o poder a partir das ex-colnias autnomas que buscavam a unidade federativa como forma de
fortalecimento de poder, a brasileira que j era centralizadora e unitria, constituiu-se
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descentralizando poder entre vrias unidades sem destituir o poder central. Ou seja, enquanto
que nos Estados Unidos o movimento foi centralizador, no Brasil o movimento foi
descentralizador. Isto configurou um movimento mais desagregador do que agregador, mais
centrfugo que centrpeto. Somando-se ao fato de que a opo pelo modelo federalista no
Brasil tambm no partiu de um movimento simtrico, tal qual sua fonte de inspirao. A
distribuio de poder entre as provncias (estados) foi extremamente desigual, diferentemente
dos Estados Unidos, posto que os jogadores brasileiros no se apresentavam com igualdade
de condies no cenrio federativo. Segundo Abrucio e Costa(1999), essa assimetria, ao longo
da histria federativa brasileira, levou formao de coalizes de determinados estados contra
outros que acabou por atrapalhar a cooperao na unidade nacional.
O mecanismo federativo em geral acompanhado da descentralizao,
pressupondo algum grau de autonomia entre seus entes federativos. Porm, de acordo com
Lijphart (1984 apud ARRETCHE, 1996), a descentralizao no uma condio sine qua non
para o estabelecimento do federalismo, de forma que possvel identificar diferentes arranjos
entre o binmio centralizao-descentralizao em diferentes pases e em diferentes perodos.
O arranjo do sistema federativo brasileiro, igualmente, passou por diferentes transformaes
ao longo do tempo.
A constituio da Federao brasileira foi marcada por movimentos de coeso e
fragmentao. Antes dos anos de 1930, de acordo com Oliveira (1993) o Brasil assemelhava-
se a um arquiplago de economias regionais constitudo por uma economia primrio-
exportadora articuladas com o mercado externo e desarticuladas internamente. O processo de
industrializao no Brasil promoveu um movimento de coeso nacional, dado que a partir da
expanso cafeeira se desdobra a arrancada da industrializao nacional, promovida ecomandada pelo Estado brasileiro, que atravs de aes diversas, promove a integrao das
regies de forma a constituir o mercado interno nacional.
Esse movimento, articulado direta e indiretamente pelo Estado at meados dos
anos 70, de acordo com Natal (1995), promoveu um amplo escopo de polticas e de
ordenamentos institucionais que resultaram na coordenao-pactao das diversas classes e
fraes de classes no sentido de promover a industrializao, o que acabou por possibilitar a
construo do mercado e tambm da integrao nacional.
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Como essa industrializao se expandiu de forma muito desigual pelo territrio, o
pacto federativo brasileiro se constituiu marcado pelas desigualdades regionais. A
centralizao da industrializao no eixo sul-sudeste fez com que as demais regies se
desenvolvessem de modo subordinado a este. Em resumo, as disparidades regionais
confluram no arranjo poltico-institucional do pas configurando uma federao assimtrica, e
influenciando em larga medida a configurao de poder no pas.
O Brasil tambm apresenta uma relao peculiar entre a Unio e os estados, posto
que praticamente nunca se pautou por prticas democrticas em funo do pas ter vivido um
largo perodo (1930 a 1980) de fortalecimento do governo federal nos planos polticos,
administrativos e econmicos, baseado fundamentalmente nos governos autoritrios doEstado Novo e do regime militar. Este jogo comea a mudar a partir da crise instaurada no
perodo militar, quando o governo passa a sofrer derrotas polticas importantes, os governos
estaduais passaram a barganhar mais recursos e poder. Isto vai ocorrendo de tal forma que o
governo militar, procurando prolongar o perodo ditatorial, vai cedendo aos estados, e estes
comeam a recuperar suas parcelas do bolo tributrio ainda no final da dcada de 70. Vale
destacar, numa perspectiva regional, que os estados que mais se contrapunham ao governo se
localizavam no eixo sul-sudeste, o que acabou influenciando algumas decises deinvestimento, medida que o governo decide conceder mais representatividade poltica aos
estados do Norte e do Centro-Oeste1
1 O que acaba por ocasionar no futuro a super-representatividade dessas regies nas instituies polticasfederais.
como forma de ampliar sua base de apoio na tentativa de
prolongar o regime, passa a realizar investimentos produtivos nestas regies. A efervescncia
do sindicalismo em So Paulo, que se contrapunha ao governo militar, tambm pode ser
considerada como um dos fatores, mas no pode se negar de que existia a idia por parte dos
militares de um plano de desenvolvimento nacional, e por isso, muitas empresas estatais
foram instaladas em outras regies fora do eixo sul-sudeste. Outro fator utilizado comobarganha poltica para sustentao do governo, foi a federalizao de parte das dvidas dos
estados, que representavam quantias elevadssimas. No entanto, cabe destacar que estas no
foram as razes fundamentais para a realizao de investimentos fora do eixo sul-sudeste,
dado que existia a orientao de fomentar a integrao nacional atravs da estratgia de
descentralizao da poltica industrial baseada na complementaridade da matriz produtiva,
dado que as matrias primas que iriam subsidiar as indstrias se localizavam fora do eixo Rio-
SP.
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Porm, ao final da dcada de 1970, e ao longo dos anos 80, o cenrio
internacional se transforma: uma crise monetria internacional se instala e o pacto do Estado
de Bem-Estar Social se fragilizou. Agravou-se, sobremodo, a capacidade de investimento do
Estado, j que as polticas econmicas mundiais se voltam para realizar ajustes estruturais e
cortes de gastos pblicos2
.
A incapacidade do ente federal de sustentar o ambiente prspero caminhou junto
com as derrotas polticas em vista da eleio de governadores de estados importantes que
levantavam a bandeira da redemocratizao, e tambm da efervescncia dos movimentos
sociais que exigiam a realizao de eleies diretas do pas. O governo militar inicia oprocesso de distenso lenta, segura e gradual. Com Figueiredo, o ltimo general-presidente,
no incio dos anos 80, a recesso se instaura e ele cunhou a expresso economia de guerra
como signo dessa crise econmica que, por sua vez, acabou gerando tambm reflexos no
ambiente poltico-institucional.
O pas experimentou assim, o fim do padro desenvolvimentista e, com sua
imerso, levou junto com ele o Estado capaz de promover investimentos que, em largamedida, conduzira a integrao nacional, qual seja, a busca por mais equilbrio entre as
regies. Desta maneira, o pacto federativo se fragilizou medida que o ente federal no se
apresentou mais capaz de mediar os conflitos com as esferas subnacionais.
A fragilizao federal passou a constituir, de certa maneira, como uma ferramenta
para o processo de redemocratizao do pas. Dado o movimento das Diretas J, em uma
eleio ainda indireta Tancredo Neves se elegeu e, com sua morte, Sarney assumiu a
presidncia da repblica se comprometendo a promover a organizao de uma novaConstituio para o pas.
A Constituio de 1988 realizou um novo pacto federativo entre as esferas. Este
novo arranjo poltico-administrativo estabelecido pela Constituio Federal de 1988 ser
abordado mais adiante, em um prximo tpico. Porm, como forma de elucidao prvia, o
novo pacto acaba por efetivar o poder j emergente da esfera estadual, que a que mais se
beneficia com o novo arranjo, alm de privilegiar os municpios com aumento de suas receitas
2 Alia-se na composio deste cenrio a suspenso dos emprstimos internacionais para os pases emdesenvolvimento, voltando os credores a cobrar seus devedores, intensificando ainda mais a crise no pas.
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de transferncias, de modo que as esferas subnacionais se tornaram os beneficirios, ao passo
que o ente federal perdia parte de sua fora centralizadora, quer em termos de recursos quer
em termos de poder.
1.2 A Reforma do Estado no Brasil
A agenda da Reforma do Estado no Brasil entra em cena a partir de 1989 com a
eleio de Fernando Collor de Melo, impactando profundamente o sentido do pacto
estabelecido pela Constituio que acabara de ser aprovada (um ano antes).
A descentralizao apregoada pela nova Constituio no tinha o objetivo deservir s reformas neoliberais que se seguiriam a partir de 1989. A descentralizao
constituda a partir do recm firmado pacto federativo tinha o sentido de se opor ao Estado
autoritrio do governo militar, e a descentralizao era quase sinnima de democratizao de
poder entre as esferas de governo.
Contudo, j se fazia presente no cenrio mundial a idia de que era preciso
reformar o Estado. Tal reforma passa a constar da agenda de vrios pases em funo da criseeconmica instaurada no mundo, e no seria diferente no Brasil. Era preciso descentralizar,
diminuir gastos e dar fim aos vestgios da era desenvolvimentista de interveno estatal direta.
A idia era de que se precisava de um novo Estado para dar conta das novas relaes que se
instauravam no mundo na nova era, a era da chamada globalizao.
A reforma do Estado Nacional fazia parte do iderio neoliberal que vencia o
Estado do Bem-Estar Social, e se espalhava pelo mundo, promovendo a desregulamentaocomo forma de assegurar liberdade s foras do mercado, recuperando a utopia de que o
mercado livre promoveria o equilbrio. Era preciso, portanto, que o Estado deixasse de ser
intervencionista, e mais, deixasse de ser centralizador.
Segundo Harvey (1992), o perodo de acumulao fordista compreendia o
convvio entre o grande capital, o grande governo e o grande trabalho. O neoliberalismo, que
se contrapunha ao antigo regime, exigia a flexibilidade tanto na produo quanto no trabalho e
no consumo, dando cabo do Estado-providncia. O movimento do capital demandava a
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fragilizao da esfera nacional, que ocorria em nome de um processo globalizante do mercado
internacional. E assim se seguiu, rompendo as antigas estruturas do Estado.
A ideologia neoliberal preconiza maior poder esfera local, e pensa o territrio
mundial interconectado atravs de redes de cidades mundiais globais. Tal reconfigurao do
territrio necessita de antemo de uma nova organizao do Estado e, portanto, um novo
pacto federativo. Como conseqncias desta reestruturao, entre outros aspectos, verifica-se
a emergncia de espaos desconectados institucionalmente e economicamente de seu entorno
imediato e conectados em rede com o mundo, caracterizados como ilhas de excelncia que
compreendem industrias e servios especializados que poucas relaes estabelecem com os
entes federativos em que esto inseridos, decretando assim, uma nova ordem que procura nose submeter aos interesses polticos e nem diviso poltica-administrativa vigente. Para que
haja a possibilidade dessa insubordinao necessrio que haja fragmentao dos interesses
entre as esferas de governo e tambm que no haja planejamento com vistas a estabelecer
projetos cooperativos entre as esferas. Ou seja, quanto mais fragmentado politicamente,
maiores so as possibilidades de flexibilidade para fins da instaurao da nova ordem. A
fragmentao aliada s assimetrias regionais estabelece um sistema federativo competitivo
radicalizado entre as esferas, sejam elas: estados contra estados, estados contra unio, oumunicpios contra municpios etc, de modo a fragilizar ainda mais o arranjo federativo.
A competio entre as esferas assume ento a figura de disputas estabelecidas
atravs da concesso de incentivos fiscais para a instalao de empreendimentos produtivos.
Estabelece-se ento a guerra fiscal como instrumento de planejamento e investimento do
poder pblico mediante a ausncia de polticas nacionais de desenvolvimento. A
descentralizao que fragilizou o ente federal mostrou, tambm, o seu lado mais duro namedida em que o Estado se entregou definitiva e inequivocamente nas mos do mercado. Ao
seguir o mercado e o capital privado perde-se de vista a estruturao de polticas que
pudessem dar conta de estabelecer um pacto mais eqitativo inter-regional e intra-regional.
1.3 O consenso da descentralizao
A terceira onda de democratizao tem produzido nos pases nela envolvidos
diferentes experincias e resultados. Em alguns, a redemocratizao implicou aelaborao de Constituies refundadoras, gerando novos pactos e compromissos
polticos e sociais. Em outros, ela foi acompanhada da descentralizao poltica efinanceira para os governos subnacionais. Em muitos pases federais, a
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redemocratizao, a descentralizao e as novas Constituies mudaram o papel dosentes federativos. O Brasil um exemplo onde todos esses fatores ocorreramsimultaneamente. A Constituio de 1988 desenhou uma ordem institucional efederativa distinta da anterior. Voltada para a legitimao da democracia, osconstituintes de 88 optaram por duas principais estratgias para constru-la: a
abertura para a participao popular e societal e o compromisso com adescentralizao tributria para estados e municpios. Da primeira estratgia resultouuma engenharia constitucional consociativa em que prevaleceu a busca de consensoe a incorporao das demandas das minorias. A segunda moldou um novofederalismo, tornando-o uma das mais importantes bases da democracia reconstrudaem 1988. (SOUZA, 2001).
O perodo em que se situa a redemocratizao brasileira a partir dos anos de 1980
foi acompanhado de perspectivas reformistas do Estado, muito influenciadas por ideais
descentralizadores. A descentralizao3
passa a ser o marco referencial na discusso acerca da
reforma e do modelo de gesto do Estado que se pretendia neste perodo para o pas, sendo a
Constituio de 88, promotora da referida descentralizao no mbito da estrutura poltico-
administrativa do Brasil. Com ela, institui-se um novo federalismo, que descentraliza o
governo federal concedendo maiores poderes e autonomia s unidades subnacionais.
Este perodo tambm foi caracterizado por uma convergncia entre os objetivos tanto
das foras polticas de esquerda, quanto das de direita. Ambos acreditavam que a
descentralizao seria amplamente benfica no que tange possibilidade de se instituir umarelao poltica mais democrtica para uns e a possibilidade de uma maior eficincia na
gesto pblica para outros. De forma que a partir de orientaes polticas distintas foi
construdo um consenso em torno da reforma do Estado e da descentralizao.
O consenso foi o esprito dominante do processo da Constituinte, e em torno dele
construiu-se a nova Constituio Federal. Contudo, este processo se constituiu marcadamente
democrtico e conflituoso em que se fizeram presentes foras polticas regionais, foraspolticas do antigo regime, foras progressistas, os movimentos sociais, as entidades de classe
e a populao em geral, promovendo uma coalizo de foras nunca antes experimentadas no
3 A ideologia municipalista constitui uma das construes discursivo-programticas mais antigas e resilientesda cultura poltica brasileira. Essa resilincia e capacidade de renovao est associada, fundamentalmente, ambigidade do conceito.(MELO, 1993, p.85) Em diferentes perodos da histria brasileira o municipalismomobilizou significativos segmentos polticos e populares e orientou, sob o signo da modernizao do Estado,diversificados projetos:de uma crtica centralizao poltica e ausncia de participao e representao, elese associou crtica autoritrio-modernizante de cunho agrarista ao sistema scio-poltico da Repblica Velhaque, no Estado Novo, enxergou no municpio o espao plebicitrio e pr-poltico por excelncia.(MELO, 1993,
p.98) Assim como protagonizou o debate na Constituio de 1946, o discurso municipalista renova-se atravs doparadigma da descentralizao, em 1988, e define o perfil da nova Constituio Federal. ( in MOURA, R. &KORNIN,T. ,2004)
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pas. Isto no representou um jogo simples e a opo pelo consenso fez adiar muitas decises
importantes que se constituam como alvo de conflitos. No obstante, uma idia central estava
presente: a discusso sobre a reforma do estado onde a centralizao de poder na esfera
federal deveria ser aniquilada. Como contraponto a isto, o oposto passou a ser o objetivo
central, de forma que quase nem se discutia as conseqncias que a descentralizao traria
esfera federal, nem ao menos as limitaes que uma reforma fiscal descentralizadora poderia
ocasionar para as polticas que necessitariam ser de ordem nacional. A descentralizao
poltica refletia-se muitas vezes na reforma e redistribuio tributria entre as esferas, de
modo que muitas responsabilidades e prestaes de servios passariam a ficar a cargo dos
estados e municpios, e as disputas passaram a se concentrar nessa relao. Segundo Arretche
(1996):Passou-se a supor que, por defnio, formas descentralizadas de prestao deservios pblicos seriam mais democrticas e que, alm disso, fortaleceriam econsolidariam a democracia. Igualmente, tal consenso supunha que formasdescentralizadas de prestao de servios pblicos seriam mais eficientes e que,
portanto, elevariam os nveis reais de bem-estar da populao. Portanto, reformas doEstado nessa direo seriam desejveis, dado que viabilizariam a concretizao deideais progressistas, tais como eqidade, justia social, reduo do clientelismo eaumento do controle social sobre o Estado. Simetricamente, passou-se a associarcentralizao a prticas no-democrticas de deciso, ausncia de transparnciadas decises, impossibilidade de controle sobre as aes de governo e ineficciadas polticas pblicas. As expectativas postas sobre a descentralizao e a viso
negativa das formas centralizadas de gesto implicariam, como conseqncia, anecessria reduo do escopo de atuao das instncias centrais de governo.
Muito se pode desconstruir a respeito dos aspectos positivos da descentralizao e
tambm dos aspectos negativos da centralizao. Este binmio est longe de ser uma relao
simples, e a descentralizao no pode ser considerada garantia e nem sinnimo de melhorias
no quadro das desigualdades. De acordo com Souza (1998), pode-se dizer que a experincia
brasileira de descentralizao tributria tem contribudo para a consolidao da democracia e
tambm para a emergncia de novos atores no cenrio poltico e diversos centros de podersoberanos, de forma que governadores dos estados mais forte economicamente e prefeitos das
capitais passaram a constituir um poder maior de negociao com a esfera federal em relao
negociao de polticas pblicas nacionais. Contudo, por outro lado, esse poder maior das
esferas subnacionais no significou reduo das desigualdades regionais. Designar s esferas
subnacionais a responsabilidade pelo enfrentamento de problemas que deveriam ser tratados
em escala nacional no representou a soluo esperada pela descentralizao. Do mesmo
modo que o governo federal foi enfraquecido nos mbitos poltico e fiscal, tambm foi
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reduzida sua capacidade de promover polticas nacionais de enfrentamento das velhas
disparidades regionais.
A ausncia de um processo coordenado de descentralizao poltica-
administrativa do Estado estimulou o surgimento de atribuies concorrentes entre as
instncias de governo e, por outro lado, o vazio de aes em outras reas, especialmente no
mbito social e em infra-estrutura. E embora as esferas subnacionais tenham ampliado
significativamente seus gastos, inclusive nas reas sociais, ainda esto muito longe de
conseguir suprir suas necessidades, especialmente nas regies mais precrias. Com isso pode-
se refletir que a descentralizao no foi suficiente para dar conta das demandas existentes, e
que a discusso acerca das redefinies dos papeis entre as esferas de governo no foramsuficientes. Estas redefinies centraram-se na redistribuio fiscal, supondo-se que mais
recursos para as esferas subnacionais fossem resolver todos os problemas.
1.4 O novo arranjo poltico e fiscal e as novas atribuies municipais
Com a promulgao da Constituio de 1988 houve uma expressivadescentralizao na distribuio dos recursos tributrios e do poder poltico no Brasil[...] No entanto, aps a promulgao da Constituio, o papel do Estado como
provedor de polticas econmicas e sociais tem passado por reformulaes, aomesmo tempo em que se enfatiza a importncia dos mecanismos de mercado.Completando esse ciclo de transformaes, reformas econmicas, especialmente asvoltadas para o controle da inflao, tm reduzido a ao do governo federal na
proviso de infra-estrutura e de servios pblicos locais e regionais (SOUZA, 1992;1994).
A Constituio de 1988 promoveu uma grande reforma no que tange
distribuio de recursos entre os entes federativos. Apesar de no se poder dizer que aConstituio estava centrada apenas no aspecto fiscal, ele que se apresenta como discusso
central ao longo do processo.
Em uma federao, o arranjo que se estabelece na distribuio de recursos e
atribuies, de fundamental importncia no que tange perspectiva de alcanar um maior
desenvolvimento, assim como possibilidade de se atingir eqidade fiscal e tambm maior
equilbrio federativo entre as foras que o compe. Um sistema inadequado poderia acirrar as
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contradies e disputas intergovernamentais, promovendo exatamente o oposto do que se
desejava alcanar.
Cabe relembrar que a concepo do novo arranjo fiscal brasileiro a partir da
Constituio de 1988, foi desenhado em um ambiente poltico que tinha a descentralizao
como consenso. Como conseqncia desta descentralizao, o novo sistema poltico elevou os
municpios a uma condio de autonomia particular e incomum dentre os arranjos federativos
do mundo4
.
Pode-se afirmar que o sistema tributrio adotado a partir de 1988 foi efetivamente
descentralizado, e aumentou significativamente as transferncias federais para as esferasestaduais e municipais, aumentando assim a capacidade de gastos destes ltimos.
Vale destacar que o processo de descentralizao em diversas federaes, ou em
um tipo ideal, primeiramente se define a distribuio dos encargos em cada nvel de governo
para, em seguida se definir o sistema de partilhas dos tributos. Isto ocorre nesta ordem para
que haja a compatibilidade entre as atribuies definidas para cada ente federativo e os
recursos. Ou seja, as atribuies que definem a diviso dos recursos. No Brasil, ao contrrio,realizou-se a descentralizao tributria. No entanto, no foi realizado um efetivo acordo
sobre a nova distribuio das atribuies, o que alm de causar concorrncia de encargos entre
as esferas, conforme dito anteriormente, no significou o estabelecimento correlativo entre
atributos e recursos.
Em relao distribuio de recursos, e a composio oramentria que passam a
ter os municpios, faz-se necessrio identificar quais so as receitas que integram o oramentomunicipal. A saber, a composio oramentria municipal, em relao s fontes, constitui-se
da seguinte forma: recursos prprios essencialmente provenientes do Impostos sobre A
Propriedade Territorial e Urbana - IPTU, sobre a transmisso inter vivos de bens imveis
ITBI e sobre servios de qualquer natureza - ISS, e recursos provenientes das transferncias
externas compostas fundamentalmente pelo ICMS, IPVA e o Fundo de Participao dos
Municpios.
4Segundo Prado (2003), usualmente os governos locais apresentam-se subordinados s instncias estaduais deforma que a federao opera comumente com um oramento central e mais umas dezenas de oramentosestaduais, no Brasil, esse nmero multiplica-se para em torno de 5.500 oramentos autnomos.
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Desde 1988, os municpios passaram a ter direito a quotas mais elevadas do
Fundo de Participao dos Municpios (agora reforado por parcelas maiores, de 22,5%, do
Imposto de Renda - IR e do Imposto sobre Produtos Industrializados IPI, ambos federais), e
s seguintes parcelas - majoradas - dos impostos de competncia da Unio e estados dentre
outros: 50% das receitas do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural relativa aos imveis
neles situados ITR (federal) e do Imposto sobre a Propriedade de Veculos Automotores
licenciados em seus territrios IPVA (estadual); 50% da arrecadao do Imposto de Renda
Retido na Fonte - IRRF sobre rendimentos pagos pelo prprio municpio; 25% da receita do
Imposto sobre a Circulao de Mercadorias e Servios ICMS (estadual).
Estimativas recentes5
indicam que os municpios recebem, por meio do FPM,
cerca de 5% dos tributos do pas repartidos segundo critrios distintos: os 27 municpios das
capitais de estados recebem 10% do total do Fundo, enquanto que os 90% restantes so
distribudos pelos municpios do interior, segundo critrios populacionais. Pelas transferncias
do ICMS, principal imposto estadual, os municpios recebem outros 5% dos recursos
tributrios nacionais segundo critrios de contribuio do municpio para a gerao do
imposto (75%) e outros a serem definidos em cada estado e aprovados em lei estadual (25%restantes).
O Fundo de Participao dos Municpios6
vm crescendo em importncia frente
fundamentalmente capacidade dos municpios de gerarem receitas prprias. Estima-se que
para a maioria dos municpios brasileiros a arrecadao de IPTU e ISS difcil de ser
realizada por demandar constituio e atualizaes de cadastros de contribuintes e contratao
de um corpo tcnico altamente qualificado.
Vale fazer um apndice em relao ao ICMS, apesar de se situar na esfera
estadual, dele dependem os municpios atravs do recebimento de sua cota-parte, o que denota
demasiada importncia tambm para a esfera municipal. Sua constituio, assim como se
apresenta atualmente, ocorreu durante a Assemblia Nacional Constituinte onde foi proposto
5Bremaeker (2001), F.E.J.6Agrupamento de recursos estaduais e federais, que por lei, deve ser distribudo entre todas as prefeituras com
base de clculo percentual em funo de sua populao.
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o aumento do Imposto sobre circulao de mercadorias - ICM e sua transformao em ICMS 7
Imposto sobre Circulao de Mercadorias e sobre Prestaes de Servios de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicao . O ICMS, assim constitudo,
uma receita muito importante para as esferas estaduais e municipais, representando um
volume de recursos extraordinrio. Ao incidir diretamente nas atividades econmicas e
tambm de servios, ele se mostra o principal imposto para os estados mais desenvolvidos
economicamente. Ademais, sendo um imposto estadual, sua alquota apresenta-se varivel em
cada estado, e esta variabilidade permite que ele seja usado como instrumento nas disputas
interestaduais por investimentos produtivos.
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Tendo explicitado em parte as fontes de recursos municipais, cabe destacar as
atribuies que se distriburam para os municpios. A bem da verdade, no se delineou um
pacto efetivo, porm, junto aos repasses federais, havia certa determinao de um escopo de
gastos que o municpio deveria fazer. Ocorreram algumas municipalizaes de polticas,
como a educao, sade, habitao e tambm de infra-estrutura urbana.
Em relao educao e sade8, apesar do grau de autonomia dos municpios,havia uma orientao9
7O ICMS constitui e constitua no perodo o principal imposto em termos de volume de arrecadao e fonte derecursos para estados e municpios e alm de ser ampliado ele tambm passou a incorporar mais seis impostosfederais em sua base. Sua cobrana foi alvo de propostas, no entanto a idia de que ele fosse cobrado apenas nomomento do consumo no foi aderida nem pelos estados menos desenvolvidos que possivelmente ganhariamcom essa alterao e muito menos pelos mais desenvolvidos que perderiam receita. Os primeiros se interessavammais em discutir e garantir os repasses das transferncias federais do FPM do que sobre o ICMS. E apesar de ter
havido aumento das transferncias de recursos mediante a descentralizao, em proporo, as regies nordeste enorte permaneceram recebendo as menores parcelas de transferncias de recursos per capita de impostos deantes.
prvia por parte do governo federal de quanto se deveria gastar do
oramento e dos repasses com essas esferas. Quanto poltica habitacional, a municipalizao
8A partir de 1995, a Unio tambm regularizou e ampliou as chamadas transferncias voluntrias de recursos aestados e municpios, vinculadas ao financiamento de obras ou prestao de servios, dentre as quais destaca-se, pela importncia, a transferncia de recursos do Sistema nico de Sade SUS, aprofundando o processo dedescentralizao no sentido da municipalizao da receita nacional. Como resultado desse processo, entre 1988 e2000, a participao dos Municpios no bolo tributrio nacional - que inclui impostos federais e estaduaisresponsveis por 90% da carga tributria global - elevou-se de 10,3% para 12,7% do total, a dos estados cresceude 22,5% para 24,5% do total, enquanto a Unio viu sua participao na receita total disponvel encolher de67,2% para 62,7% no perodo. A participao dos municpios na receita tributria global de 2000 eleva-se a15,4% se forem consideradas tambm as transferncias voluntrias da Unio.
9Na maioria dos casos, tais dotaes eram desrespeitadas e, como forma de conter esse processo, foi aprovada alei de responsabilidade fiscal em 2001, que alm de reprimir que ocorressem gastos sem receita, determinavacom exatido, o percentual do gasto com educao e sade do oramento pblico entre outros, sob pena deresponsabilizao criminal do prprio governante.
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imps severos limites a sua atuao, caracterizados, ou pela ausncia de poltica, ou por
polticas de melhoramento das condies precrias preexistentes.
Em relao ao investimento em infra-estrutura, a limitao da escala local
apresenta-se ainda mais severa. Ao se tratar de saneamento, por exemplo, as aes geralmente
no obedecem aos limites municipais, ultrapassando-os. Assim sendo, a nova organizao
federativa pouco poderia contribuir para suprir o dficit existente em praticamente todo
municpio brasileiro. As aes municipais se limitam a maquiar a realidade, e pode-se
observar tambm que ocorre um forte atrelamento quando de sua realizao, com perspectivas
polticas clientelistas. A dotao de investimento em infra-estrutura tambm ser utilizada
como bandeira poltica utilizada para promover emancipaes municipais, o que se mostrar
adiante neste trabalho.
Se fato que a nova Constituio teve xito na descentralizao das receitas, no
se pode afirmar que foi acompanhada de concomitante descentralizao dos encargos e
responsabilidades pelas trs esferas de governo. Mesmo tendo evidncias que significaram
algum tipo de avano, como na rea da educao e da sade, a descentralizao do gasto
pblico vem ocorrendo de forma desordenada e no configura esforo coordenado em direo
a um novo equilbrio federativo. Apesar da Constituio de 88 ter procurado instituir umreequilbrio federativo, ela no conseguiu equacionar o desequilbrio pr-existente entre as
fontes de recursos oramentrios receitas prprias e de transferncias e as necessidades de
gasto locais.
1.5 A exploso de emancipaes no Brasil
No Brasil, o processo de emancipao de municpios relativamente antigo, eapesar de apresentar-se varivel quanto intensidade, ele vem apresentando consistncia ao
longo de mais de 60 anos, e o nmero de municpios vm se multiplicando em largas
propores. O processo iniciado na dcada de 1940 se intensificou nas dcadas de 1950 e
1960, e foi estabilizado entre 1970-80 em funo das restries impostas pelo governo militar
cujas exigncias eram difceis de serem cumpridas. No entanto, no perodo da
redemocratizao, entre 1980 e 1990, tal processo reiniciado com intensidade em funo
principalmente da promulgao da Constituio de 1988, onde os municpios brasileiros
ganham o status de ente federativo e alcanam novo nvel de poder.
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A conexo entre o movimento emancipacionista e a mudana de regime poltico
intensa. Na passagem do perodo autoritrio para a redemocratizao toma corpo a associao
da descentralizao como forma de democratizao do poder. A reorientao federativa
brasileira acabou por favorecer as unidades subnacionais. Assim sendo, tanto estado quanto
municpio passaram a contar com mecanismos que lhes permitiam significativa autonomia
poltica, de forma que tais redefinies de competncias entre as esferas de poder foram
notabilizadas pela ampliao de suas atribuies. O poder local emergiu com fora e tambm
com muitas responsabilidades.
De uma forma ou de outra, a construo deste novo pacto federativo deu impulso
a um significativo processo de descentralizao cujo desdobramento, em vrios casos, deu-sena forma de uma exploso de emancipaes e criao de novos municpios em todo o Brasil.
Algo que entre as dcadas de 1980 a 2000 gerou cerca de 1586 municpios, o que representa
cerca de 28% do total de municpios no Brasil.
Tabela 1 N de Municpios no Brasil 1940/2000
REGIES ANOS1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000Norte 88 99 120 143 153 298 449
Nordeste 584 609 903 1376 1375 1509 1791Sudeste 641 845 1085 1410 1410 1432 1668Sul 181 224 414 717 719 873 1189
Centro-Oeste 80 112 244 306 317 379 463
TOTAL (Brasil) 1574 1889 2766 3952 3974 4491 5560
Fonte: IBGE e TSE.
A emancipao municipal, a partir da dcada de 1980, passou a se submeter a
novas regras e os estados passaram a ter autonomia institucional para sancionar as
emancipaes de seus municpios. Tal diminuio das exigncias representou tambm um dos
fatores preponderantes para o ritmo acelerado das emancipaes.
As emancipaes municipais foram um fenmeno que no pode ser diretamente
relacionado ao grau de desenvolvimento nem a clivagens regionais. De outra maneira: todas
as regies do Brasil apresentaram, em nmeros, ndices similares de aumento do nmero de
municpios. Cabe destacar, no entanto, que este processo ocorreu de forma intensa no Norte,
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com 119% de crescimento relativo no nmero de municpios, seguido pela Regio Sul com
65,4%, Centro-oeste 64,2%, e com crescimentos abaixo da mdia nacional, apresentam-se as
regies Nordeste com 30,3% e Sudeste com 18,3%.
Este processo de fragmentao territorial e poltica foi alvo de preocupaes em
funo do crescimento do nmero de municpios fundamentalmente no interior dos estados,
com populao inferior a 10.000 habitantes. O processo foi de tal monta que em 1996 entrou
em vigncia a Emenda Constitucional n 15, de 12 de dezembro de 1996, com vistas a conter
o processo de emancipao em tela. Essa emenda, por sua vez, modificou a redao do 4 do
artigo 18 da Constituio estabelecendo que: deve-se definir o perodo para que se inicie o
processo de emancipao de um municpio; definir os critrios para a elaborao e divulgaode um Estudo de Viabilidade Municipal, que ser requisito para a autorizao de um
plebiscito; e que a consulta, via plebiscito, dever contar com a populao dos municpios
envolvidos no processo.
Ao fim e ao cabo, muitos municpios foram criados com a perspectiva de acessar
recursos tributrios e servios pblicos que antes no tinham acesso ou influncia sobre
decises a este respeito. A emancipao passa a se tornar a soluo milagrosa para alcanarum novo padro de desenvolvimento, ou mesmo de melhorias de servios pblicos e em infra-
estrutura urbana. De acordo com Bremarker (2001),
Bem ou mal a comunidade passa a gerir seus destinos quanto educao, sade e assistncia social. Alm disso, passa a construir e depois a conservar as vias urbanas,as estradas e caminhos vicinais, a cuidar da limpeza pblica e, de alguma forma,
prover o saneamento bsico. Alem do mais, a comunidade passa a ter acesso a umasrie de servios de competncia da Unio e dos Estados, nas reas da sade,educao, assistncia social, administrao fazendria, agricultura, comunicaes,
judicirio, segurana pblica, trabalho, previdncia, transporte e trnsito.
Utilizando-se desta perspectiva, muitos municpios foram emancipados, inclusive
os que se situam como objeto deste trabalho, cujo processo ser observado no captulo
seguinte.
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Captulo 2 A histrica desigualdade social na Baixada Fluminense e seus
movimentos de emancipao
Este captulo pretende articular a histrica segregao scio-espacial da Baixada
Fluminense e sua precariedade em relao infra-estrutura urbana com os movimentos pr-
emancipao dos municpios originados em Nova Iguau nas dcadas de 1990-2000, aps a
promulgao da Constituio de 1988. Tm-se como premissa que a escassez de polticas
pblicas do Municpio de Nova Iguau para os distritos (que dessem conta de suprir as
carncias existentes) motivou grupos e elites locais a verbalizar que a sada para seus
problemas dar-se-ia atravs da emancipao municipal.
Este captulo tem carter ilustrativo no que concerne descrio dos processos, a
medida que no objetivo do trabalho tratar dos conflitos ocorridos no processo de
emancipao dos distritos de Nova Iguau, e sim localizar a premissa e confront-la mediante
o desenvolvimento do trabalho.
Inicialmente, ser feito um breve retrospecto do processo de ocupao da Baixada
Fluminense, focalizado a partir do fim do ciclo da laranja e incio da industrializao
brasileira, onde esta se constitui como periferia metropolitana vis--vis a concentrao
industrial e econmica na capital do Rio de Janeiro. A ocupao das reas da Baixada neste
perodo marcou a transformao de seu carter agrcola em urbano. Das fazendas de laranja, o
territrio se reorganiza e se divide produzindo loteamentos em larga escala, cuja precariedade
de infra-estrutura urbana, equipamentos e servios barateavam os custos e possibilitava o
acesso da camada de renda mais baixa alijada do centro urbano da capital. Dado o processo de
periferizao metropolitana marcado pela segregao scio-espacial e precariedade em infra-estrutura urbana, surgem movimentos sociais urbanos que buscam exigir do Estado
investimentos pblicos que dessem conta da produo de um ambiente com menos carncias.
O Estado localizado como o ator que possibilitaria esta transformao e nele que se
concentram os esforos para viabilizar essas mudanas.
Dado o processo de Reforma do Estado e da Constituio de 1988, os movimentos
sociais urbanos buscam atravs da descentralizao poltica a possibilidade real detransformar a lgica do investimento pblico atrelado aos movimentos do capital e coloc-lo a
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servio de suprir as carncias existentes no local. Deste modo, as lutas pela emancipao
adquirem reais possibilidades de transformao na medida em que a esfera municipal adquire
autonomia at ento nunca experimentada.
Deste modo, este captulo ir abordar as emancipaes que se sucederam em tal
perodo, descrevendo seu processo, de forma a inferir que os movimentos emancipatrios
utilizaram como bandeira principal a luta pela realizao de investimentos pblicos,
fundamentalmente em infra-estrutura urbana de forma a fazer frente histrica precariedade
em que se encontravam (e ainda se encontram).
2.1 Um breve histrico da ocupao recente da Baixada Fluminense
A formao e o desenvolvimento econmico da Baixada Fluminense esteve
intimamente ligado ao desenvolvimento do municpio do Rio de Janeiro. A Baixada
Fluminense aps o declnio do ciclo da laranja busca se reestruturar a partir do processo de
industrializao que ocorria no Brasil aps a 2 Guerra Mundial, quando o pas passa por uma
intensa transformao, passando de agrcola a um pas com caractersticas urbano-industriais.
Sendo o Rio de Janeiro a capital do pas, a cidade concentrava a maioria dos investimentosprodutivos10
. Tal concentrao regional promoveu a ocupao de sua periferia, tal que a
Baixada Fluminense acaba por se desenvolver como regio perifrica capital, passando a
abrigar numeroso contingente de mo-de-obra originrio principalmente do Nordeste,
absorvendo a populao migrante fugida da misria instalada no campo e que buscava, alm
da sobrevivncia, o sonho da ascenso social graas ao mercado de trabalho em expanso
originrio da industrializao nos grandes centros urbanos.
A industrializao brasileira caracterizou-se pela extrema desigualdade em relao
distribuio de recursos refletindo na intensa segregao scio-espacial por parte da
ocupao de seu territrio nos grandes centros urbanos. Esta segregao scio-espacial
promoveu a ocupao das reas perifricas a esses centros. Nestas periferias metropolitanas
eram comuns a precariedade em infra-estrutura urbana, servios, equipamentos, e ausncia ou
insuficincia de emprego, alm de se localizarem a enormes distncias em relao s reas
centrais.
10 O perodo se caracteriza pela substituio de importaes e os investimentos produtivos concentravam-se emindstrias de bens de consumo durveis e de bens de capital.
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A atuao do Estado em relao ao ordenamento territorial constitua-se em
regular intensamente as reas que eram de interesse do capital e sua produo situadas no
municpio-sede, e a liberar, no controlando reas que pudessem atuar como bolses para
absorver a mal remunerada mo-de-obra necessria para reproduo do mesmo. Isto
promoveu a ocupao de reas precrias localizadas na periferia metropolitana. Estas reas
desvalorizadas no constituam alvo da especulao imobiliria, sendo, portanto, acessveis,
constituindo-se assim em fator de atrao para as populaes de baixa renda que no
conseguiam ter acesso moradia na capital.
Outra das razes principais da ocupao da Baixada que esta possua umagrande oferta de terras ociosas, graas a muitas fazendas que entraram em declnio e foram
fracionadas em loteamentos. Segundo Brito e Cardoso (2004), este processo de loteamento foi
realizado sem contar com investimentos em infra-estrutura urbana e tambm sem o apoio de
administraes locais que fossem capazes de controlar de forma legal a expanso desses
loteamentos privados. O resultado foi uma expanso descontrolada de loteamentos precrios
em infra-estrutura, de forma a atender a necessidade de habitao e servios derivados para a
mo-de-obra cada vez mais necessria para a emergente indstria no Rio de Janeiro. ABaixada Fluminense acabou por constituir-se, neste perodo, por cidades-dormitrio11
.
A precariedade de infra-estrutura urbana era marcante e estava engendrada no
processo que possibilitou o acesso moradia das camadas populares. O Estado priorizou o
investimento voltado para o desenvolvimento do capital e no para suprir as carncias de sua
populao. O modelo de expanso do capital industrial no Brasil se pautou pela combinao
de investimento estatal e mo-de-obra farta e barata, de modo que aos trabalhadores eramofertados salrios que no condiziam com os custos de sua reproduo, o que impedia o
acesso moradia nas reas da cidade cuja localizao privilegiada era objeto de especulao
imobiliria12
. De acordo com Bernardes (1983),
11 Atualmente, questiona-se esta condio de cidade-dormitrio em funo do grande avano industrial edesenvolvimento econmico comparativamente ao incio da industrializao brasileira. No entanto, muitos
municpios ainda apresentam um grande fluxo de populao residente que trabalha na capital.
11A especulao imobiliria foi um dos fatores determinantes do deslocamento das camadas mais pobres paraas reas perifricas, seja na cidade ou nas cidades prximas, como foi o caso da Baixada.
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O Rio de Janeiro, segunda cidade brasileira em investimentos industriais e primeiraem especulao imobiliria, destacou-se no perodo de 1940-60 como uma dascidades que mais abrigava migrantes; aqui o capital gera emprego no setorsecundrio e tercirio, mas no momento em que esta massa trabalhadora precisa demorar, de utilizar dos novos meios tcnicos e culturais para a sua reproduo,
precisa consumir, defronta-se com salrios erodidos frente elevao dos preos dosprodutos industriais e agrcolas importantes para a sua reproduo, defronta-se comum rebaixamento absoluto do seu salrio real e com a especulao imobiliria quecomanda o processo de valorizao do espao e juntamente com o capital industrialtornam rgidos os oramentos pblicos, absorvendo dotaes necessrias resoluodos problemas dessa massa populacional.
Foi a partir dessas condies que as cidades perifricas ao Rio de Janeiro
comearam a se desenvolver, foi assim tambm com o municpio de Nova Iguau. Em
seguida, trataremos do desenvolvimento especfico do municpio de Nova Iguau, j que este
o municpio que originou todos os outros que se constituem como objetos deste estudo.
2.2 O desenvolvimento de Nova Iguau
O desenvolvimento do municpio de Nova Iguau se deu tal qual ao das cidades
da periferia metropolitana, ao redor da capital, o Rio de Janeiro. No entanto, neste perodo,
Nova Iguau exercia certa centralidade medida que possua, j neste perodo, estrutura
urbana com comrcio diferenciado e servios que as cidades vizinhas no contavam.
A cidade do Rio de Janeiro, enquanto ncleo centralizador dos investimentos,
expandiu-se atravs da sua periferia, espraiando sua industrializao e conectando-se mais
intimamente com sua periferia atravs da expanso de sua rede urbana, acrescendo mais
atividades no interior de seu espao metropolitano. Deste modo, Nova Iguau passa a se
constituir em cidade industrial e tambm cidade-dormitrio.
A cidade de Nova Iguau buscou a sada da crise do fim do ciclo da laranja
atravs da industrializao e contou para tanto com a ocupao de seu territrio graas aos
investimentos em saneamento na Baixada e tambm com a implantao da Rodovia
Presidente Dutra que cortava estrategicamente o municpio.
A expanso industrial na Baixada, especialmente em Nova Iguau, ocorreu em
funo dos investimentos em infra-estrutura como abertura de novas rodovias e saneamento
ao longo da dcada de 1970. Como dito anteriormente, os investimentos pblicos centravam-
se na perspectiva de viabilizar os investimentos produtivos, assim a implantao dos
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empreendimentos industriais localizou-se ao longo das suas novas rodovias e das reas
centrais. Este investimento em infra-estrutura foi realizado de tal modo que no alcanou as
reas mais distantes deste ncleo, fazendo com que a precariedade nestas reas, onde se
abrigava usualmente a populao mais pobre, no se alterasse significativamente. De outro
modo, a implantao de infra-estrutura urbana voltada para os investimentos produtivos no
municpio no foi agente transformador da realidade local.
Nova Iguau industrializa-se efetivamente, e passa a contar com importantes
distritos industriais em seu territrio. Esta industrializao pertence ao movimento de
expanso industrial nas regies perifricas capital, e alm do municpio de Nova Iguau, a
Baixada Fluminense como um todo participa efetivamente deste movimento (vide omunicpio de Duque de Caxias, por exemplo). Porm seu desenvolvimento econmico no
deu conta de reparar as carncias crnicas do municpio e seus distritos. No perodo da dcada
de 1980, com a ecloso de diversos movimentos sociais urbanos, estas carncias aglutinaram
pessoas em torno de movimentos sociais cujo enfoque se deu na luta por melhores condies
de vida na regio.
2.3 Os movimentos de emancipao em Nova Iguau
O processo de fragmentao do Municpio de Nova Iguau iniciou-se na dcada
de 1940, com a emancipao de Duque de Caxias em 1944, de Nilpolis em 1947 e So Joo
de Meriti em 1947. Na dcada de 1990 mais um surto de emancipaes vai fragmentar ainda
mais Nova Iguau com as emancipaes de Queimados, Belford Roxo, Japeri e em 2001,
Mesquita tambm se emancipa de seu territrio. Sabe-se que o municpio de Nova Iguau
constitudo de muitos distritos e cabe neste captulo a tentativa de evidenciar alguns dosmotivos pelos quais, primeira vista, segundo Rodrigues (2006), Nova Iguau se assemelha a
uma fbrica de municpios.
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Tabela 2 Municpios da Baixada Fluminense13
Municpio
Origem e Ano de Instalao
Origem Ano de Instalao
Nova Iguau Vila de Iguau -
Itagua Vila de Itagua -
Mag Vila da Estrela -
Duque de Caxias Nova Iguau 1944
Nilpolis Nova Iguau 1947
So Joo de Meriti Nova Iguau 1947
Paracambi Itagua 1960
Queimados Nova Iguau 1990
Belford Roxo Nova Iguau 1993Guapimirim Mag 1993
Japeri Nova Iguau 1993
Seropdica Itagua 1997
Mesquita Nova Iguau 2001
Fonte: (1) Pesquisa de Informaes Bsicas Municipais 2001. IBGE.
A precariedade de infra-estrutura urbana foi utilizada como discurso fomentador
dos movimentos que buscavam a emancipao na Baixada Fluminense. A partir da disputa em
torno do acesso ao investimento pblico foi estabelecido o senso comum de que se elevando
categoria de municpio, possibilitaria uma melhor aplicao dos recursos no local. Aliado ao
fato de que as receitas aumentariam significativamente em funo do acesso ao Fundo de
Participao dos Municpios.
Tal processo de fragmentao foi observado, especialmente em Nova Iguau14
,
onde quatro de seus distritos, Belford Roxo, Queimados, Japeri e Mesquita elevaram-se categoria de municpio no perodo entre o ano de 1990 e 2001.
13A Baixada Fluminense atualmente constituda por um conjunto de quatorze municpios situados na RegioMetropolitana do Rio de Janeiro, sendo eles: Magaratiba, Itagua, Seropdica, Queimados, Paracambi, Japeri,
Nova Iguau, Mesquita, Nilpolis, So Joo de Meriti, Belford Roxo, Duque de Caxias, Mag e Guapimirim.
14A maior parte dos municpios atuais da Baixada Fluminense originou-se por desmembramento do municpiode Nova Iguau. J na dcada de 1940, este municpio deu origem a trs outros: Duque de Caxias, Nilpolis eSo Joo de Meriti.
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Figura 1 Emancipaes do Municpio de Nova Iguau Dcada de 1990
A precariedade de investimentos, fundamentalmente em infra-estrutura, tinha
como contraposio o volume de recursos que eram transferidos por receita prpria pelos
ento distritos de Belford Roxo e Queimados, com um significativo parque industrial. Estes
dois municpios apresentavam at ento a maior concentrao de indstrias de maior porte do
municpio de Nova Iguau e apesar dessa regio apresentar maiores investimentos em infra-
estrutura urbana, esta se d atrelada ao desenvolvimento da indstria local