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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 396 ÀS VÉSPERAS DE GILBERTO FREYRE: OS DEBATES ACERCA DA EUGENIA NA CONSTITUIÇÃO DE 1934 351 On the eve of Gilberto Freyre: The debates on eugenics in the 1934 Constitution Taísa Regina Rodrigues 352 Resumo Este artigo analisará o artigo 138 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil promulgada em 16 de julho de 1934.Tal delimitação temática se justifica pela inclusão da concepção eugênica em uma constituição nacional. Preliminarmente, pretende-se produzir uma reflexão teórica de como a eugenia foi recepcionada no Brasil. Após, se procederá à construção de um mosaico do pensamento intelectual da época e fazer um diálogo com o que fora debatido nos Anais da Constituinte de 1934. Deste modo, se verificará em que termos a eugenia foi debatida e recepcionada na Constituição em comento. Palavras-Chave: Constituição Brasileira de 1934; Eugenia; Educação. Abstract This paper analyzes article 138 of the Constitution of the United States of Brazil enacted on July 16 th , 1934. This limited subject-matter is warranted by the inclusion of the concept of eugenics in a national constitution. Firstly, we present a reflection on 351 Artigo submetido em 04/04/2016, pareceres de aprovação em 02/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016. 352 Mestranda em teoria e filosofia do direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. e-mail: tai.regina1989@ gmail.com.

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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 396

ÀS VÉSPERAS DE GILBERTO FREYRE: OS DEBATES ACERCA DA EUGENIA

NA CONSTITUIÇÃO DE 1934351

On the eve of Gilberto Freyre: The debates on eugenics in the 1934 Constitution

Taísa Regina Rodrigues352

ResumoEste artigo analisará o artigo 138 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil

promulgada em 16 de julho de 1934.Tal delimitação temática se justifica pela inclusão da concepção eugênica em uma constituição nacional. Preliminarmente, pretende-se produzir uma reflexão teórica de como a eugenia foi recepcionada no Brasil. Após, se procederá à construção de um mosaico do pensamento intelectual da época e fazer um diálogo com o que fora debatido nos Anais da Constituinte de 1934. Deste modo, se verificará em que termos a eugenia foi debatida e recepcionada na Constituição em comento.

Palavras-Chave: Constituição Brasileira de 1934; Eugenia; Educação.

AbstractThis paper analyzes article 138 of the Constitution of the United States of Brazil

enacted on July 16th, 1934. This limited subject-matter is warranted by the inclusion of the concept of eugenics in a national constitution. Firstly, we present a reflection on

351 Artigo submetido em 04/04/2016, pareceres de aprovação em 02/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016.

352 Mestranda em teoria e filosofia do direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. e-mail: [email protected].

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how eugenics was received in Brazil. Then, we discuss the intellectual thinking that prevailed at the time, linking it with the discussions that occurred in the Annals of the Constitutional Convention. Thus we examine how eugenics was debated and received in the 1934 Brazilian Constitution.

Keywords: 1934 Brazilian Constitution; Eugenics; Education.

1. Introdução

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934 foi promulgada, sendo construída com um corpo de 187 artigos, somando-se mais 26 artigos nas disposições transitórias. Este artigo analisará o artigo 138, alínea “b”, qual seja, “cabe aos entes federados estimular a educação eugênica;”.353

Tal delimitação temática se justifica pela inclusão da concepção eugênica em uma constituição nacional. Preliminarmente, pretende-se produzir uma reflexão teórica de como a eugenia foi recepcionada no Brasil. A dinâmica se dará através do exame de diversos interlocutores, compondo um artigo enriquecido por uma fusão de vozes, sendo uma compleição de fragmentos jurídicos e literários, em que, diante de uma miscelânea histórica, tentará se reaproximar dos fatos e construir o discurso que ora se objetiva.

Preliminarmente, serão abordados alguns dos intelectuais que se dedicavam ao estudo do perfil do brasileiro. Inseridos em um contexto de recepção de teorias eugênicas, vários estudiosos do início do século XX aspiravam a uma nova roupagem do brasileiro, em que escudados por argumento científico - o qual eugenia era vista praticamente como sinônimo de modernidade e progresso – acreditavam ser possível evoluir e reintegrar o brasileiro, caminhando para o desenvolvimento nacional.

Compreender a interlocução entre as concepções eugênicas e sua ingerência nas práticas jurídicas no corpo social clarificará a conjuntura em que este tema ganhou espaço em uma constituinte brasileira. Em outras palavras, buscar-se-á reconstruir a trajetória em que as ideias eugênicas saíram da abstração da elite intelectual e inseriu-se na lei suprema.

Para isso, serão analisadas obras dos literatos Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Estes pensadores retrataram em suas obras o momento do Brasil em que viveram, transmitindo para os leitores o que conjecturavam sobre a população e proporcionam um bom panorama do país nas primeiras décadas do século passado.

353 BRASIL. Constituição de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm> Acesso em: 26/02/2016. Art 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:(...)b) estimular a educação eugênica;.

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Ultrapassada esta fase introdutória do cenário nacional, se passará à apreciação legislativa. Com finalidade de se alcançar conhecimento ainda obscurecido, as fontes utilizadas para a elaboração deste artigo serão os Anais da Assembleia Nacional Constituinte de 1933/1934.

A partir do mergulho no conteúdo do que antecedeu a inclusão do artigo 138, “b” na Constituição promulgada em 16 de julho de 1934 e do estudo da literatura do período, pretende-se verificar como a eugenia brasileira foi absorvida em termos políticos e se a sua discussão limitou-se apenas a educação ou expandiu-se para outras áreas.

Esta pesquisa está sendo realizada em sede de dissertação de mestrado e encontra-se em fase incipiente. Assim, o assunto não será esgotado, sendo apresentadas apenas as conclusões preliminares. Há muitas outras fontes e autores que estão em processo de estudo. Serão salientados apenas nuances de um tema prolixo e em fase de execução.

O debate aqui pretendido se dará em prol de um exercício de memória e não se propõe a uma reconstrução fidedigna do passado político-jurídico do objeto escolhido. Este trabalho reveste-se da consciência que o labor histórico é lacunar, buscando-se absorver algumas das circunstâncias mais significativas em que o tema edificou-se e contextualizá-lo.

A hipótese da pesquisa é verificar como a eugenia foi recepcionada no Brasil e se a sua inclusão na Constituição de 1934 – educação eugênica - foi o único modo com o qual a eugenia participou dos debates constituintes.

O raciocínio desenvolvido na investigação será predominantemente indutivo, sem prejuízo do indutivo, uma vez que as vertentes de racíocionio não excluem-se obrigatoriamente. E, por fim, a investigação será do tipo histórico-jurídico, sendo aquelas que, analisam determinado instituto pelo crivo de espaço/tempo.354

2. Ambiência da introdução das concepções eugênicas no Brasil

Preliminarmente é importante uma breve ambiência do que é eugenia. Francis Galton355, em 1883, formulou o vocábulo “eugenia”. Assim sendo, dedicou-se ao estudo da hereditariedade, em que aplicava métodos estatísticos à biologia, e liderou um movimento científico que dedicou-se a detectar os melhores caracteres hereditários

354 GUSTIN, Miracy B. S., (Re) pensando a pesquisa jurídica. 4 ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2015. p. 20 e segs.

355 Francis Galton (1822 – 1911), criador da biometria – vertente de estudo que aplica metodologia estatística na disciplina de biologia, com ênfase na hereditariedade. Foi o organizador do movimento eugênico na Inglaterra, o qual ecoou por muitos outros países. PICHOT, André. O Eugenismo: Genetistas Apanhados pela Filantropia.Lisboa, Instituto Piaget, 1995. p.18.

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humanos, mediante a lógica da biometria, e fomentar a perpetuação destes. Seguindo o mesmo raciocínio, buscavam a extinção dos caracteres considerados degenerativos. Diante disto, Galton asseverava sobre o aperfeiçoamento da raça humana e apontava os fatores de degradação da mesma.356

As primeiras décadas do século 20 foram protagonistas das mudanças sociais impulsionadas por diversos fatores, quais sejam: a revolução industrial (em um contexto nacional pós-abolicionista); a urbanização (simbioticamente interligada ao fenômeno de industrialização); o movimento de imigração; e somando-se a estes, o crescente sentimento de nacionalização, em que a necessidade de aprimoramento da “raça” brasileira se tornava premente. A modernização do país, o progresso da nação, começara a ser visto como possível somente mediante modificações nas estruturas sociais do Brasil, principalmente no que tange a formação da raça, saúde e educação.357

Como adiante se verá, acalentados por esses ideais, a gama de intelectuais e políticos aspiravam a edificação de uma nova roupagem ao indivíduo brasileiro, sob égide das concepções eugênicas, em que esta era vista como “a nova religião do futuro”358, atrelada à modernidade, com respaldo no arcabouço científico moderno.

Para iniciar a ambiência do imaginário nacionalista dos intelectuais brasileiros, se procederá à comunhão da História do Direito com a Literatura. A associação aqui pensada pretende reavivar o tema em comento, permitindo uma melhor compreensão dos fatos históricos e da cultura nacional, desprezando-se o mero caráter instrumental desta união heterogênea de campos do saber.

Parceria que se motiva ao passo que ambos os campos possuem o seu procedimento semelhante, qual seja, um mesmo movimento interno de criação, que edificam conjecturas que serão apropriadas pela intelectualidade nacional, como se verá.

Afirmar que a História do Direito opera com o mesmo modus operandi da literatura – no aspecto da criação - pode causar certo desconforto, entretanto, com base na lição de Hespanha, os fatos históricos não possuem existência empírica autônoma, não estão adormecidos nas lacunas dos registros históricos à espera de alguém que os resgate.359

356 Ibid., p. 18 e segs.357 SCWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no

Brasil – 1870 – 1930. São Paulo: Cia das letras, 1993. p.11 e segs.358 KEHL, Renato. Lições de eugenia. Rio de Janeiro: Livraria Alves, 1929. p.6.359 HESPANHA, Antonio Manuel. Cultura jurídica européia; síntese de um milênio. Florianópolis:

Boiteux, 2005.p.24.

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O trabalho do historiador é de criação ao passo que este seleciona o fato, a perspectiva sob a qual debruçará sua análise, as fontes documentais, em que sua subjetividade e a forma com a qual recepciona as informações é inexorável ao trabalho realizado.

Isto posto, afirma-se que serão analisados fragmentos literários que ressoam na história, sendo escolhidos de acordo com a maior pertinência ao tema proposto. Nesta senda, a intelectualidade brasileira – sob o recorte temporal selecionado - assumiu a responsabilidade de observar a realidade social do país e definir a identidade nacional, sempre em comparação com os avançados europeus.

Assim, construiu-se a imagem do brasileiro e estudou-se a gênese da identidade nacional, tendo como pedra de toque a questão das raças, em que os brasileiros tinham a mestiçagem e o clima como fator de inferioridade.

Dentre as obras literárias de maior relevo que ilustram o quadro nacional do início do século XX, “Urupês” (1915) de Monteiro Lobato360. O escritor estabeleceu uma ótica depreciativa do caboclo brasileiro, trata-se de obra escrita contemporaneamente à sua vivência no vale do Paraíba, caracterizando o início do século XX no Brasil mediante descrições esmiuçadoras.

Em Urupês, no conto “Bocatorta” o escritor parece adotar postura contrária à miscigenação das raças, inferiorizando a figura de um negro em diversas

passagens: “– o ladrão foi o negro... é preciso tocar de lá o raio do maldelazento. Aquilo, Deus que me perdoe, é bicho ruim interado.361”

Descreve este personagem de forma monstruosa, dando ênfase em sua feiura, mas não se limita às críticas na seara da beleza física, estende-as ao campo da moralidade. O conto que se inicia com descrições como: “Filho duma escrava de meu pai, nasceu, o mísero, disforme e horripilante como não há memória de outro”362, encerra-se com a perpetuação de seu mau caráter quando o personagem revela-se necrófilo.

360 José Bento Monteiro Lobato (1882-1948), nascido em Taubaté, São Paulo, no dia 18 de abril de 1882, fez graduação em Direito, dedicou-se à agricultura no Vale do Paraíba. Tem como algumas obras: Idéias de Jeca Tatu, conto, 1918; Urupês, conto, 1918 Cidades Mortas, conto, 1920;Negrinha, conto, 1920;O Saci, literatura infantil, 1921. Disponível em: < http://www.e-biografias.net/monteiro_lobato/> Acesso em: 26/03/2016.

361 LOBATO, Monteiro. Urupês. p.216 * Versão Online Versão Online disponível em: <http://republicadolivroletrasuniderp.blogspot.com.br/2010/05/monteiro-lobato-urupes.html> Acesso em: 26/03/2016.

362 Ibid.

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Na mesma obra, Lobato dedicou-se a estabelecer um dos personagens mais famosos da literatura brasileira, a figura do Jeca. Este é o “reflexo” do brasileiro do interior, campestre, em que o brasileiro sertanejo caracterizou-se como um homem entregue às doenças, preguiça e ignorância.

E na análise dos liames, Lobato acentua entre os fatores determinantes para a condição de seu personagem, o meio em que este vivia. Como Jeca está inserido em clima tropical e tem como base de sua alimentação a mandioca, cujo cultivo não demanda grande labor, isso contribuiu para moldar as características acima citadas.

Em contrapartida de alguns países da Europa, em que seus indivíduos foram obrigados a serem engenhosos para garantia da própria existência.363 Assim: “O vigor das raças humanas está na razão direta da hostilidade de ambiente. Se a poder de estacas e diques o holandês extraiu de um brejo salgado a Holanda, essa jóia do esforço, é que ali nada o favorecia.”364

Lobato é um dos intelectuais do início do século XX que se dedicou a estabelecer a identidade cultural brasileira, cujas concepções derivam de teorias europeias, em que a raça, o clima e as condições geográficas habitadas são condições fundamentais para se estabelecer a evolução de determinado povo.365

Com suas obras, o escritor passou a ser um dos principais representantes do movimento eugenista no Brasil, sendo Urupês a obra que inspirou os sanitaristas e denunciou o abandono e o descaso do Brasil sertanejo.366

As contribuições deste escritor são inúmeras e selecionar fragmentos que transpareçam seu ideário é tarefa árdua. No entanto, com o fito de encerrar as contribuições deste líder do movimento sanitarista, um último fragmento em que se esclarece que o povo brasileiro precisa ser reabilitado através da higiene, uma vez que havia muita mão de obra, todavia enfraquecidas, sob égide das doenças. “Há fome de braços. (...) É que os braços estão aleijados. Há os de sobra, mas inefficientes, de musculos roidos pela infecção parasitaria (...) Entretanto, a solução definitiva para o problema eterno da lavoura quem dará é a hygiene.”367

363 SILVEIRA, Éder. A cura da raça eugenia e higienismo no discurso médico sul- rio-grandense nas primeiras décadas do século XX. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2005, p.86 e segs.

364 Id.365 O estudo das teorias europeias é de fundamental importância ao tema, porém não será objeto

deste trabalho. Para tanto, conferir :A Sociedade Pura - de Darwin a Hitler de André Pichot -Instituto Piaget, 2002

366 SILVEIRA, Éder, Op. Cit., p. 89.367 LOBATO, Monteiro. Problema Vital. São Paulo: Ed. Da Revista do Brasil, 1918. p. 19.

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Ainda nos meandros literários, Euclides da Cunha368 que publicou a obra “Os Sertões” (1902), em que desvela seu caráter desfavorável à miscigenação racial. “ (...)A mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. Ante as conclusões do evolucionismo, ainda quando reaja sobre o produto o influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior.369”

Cunha foi o responsável por traçar a figura do sertanejo, sendo um sujeito com péssima aparência física, tendo como um dos principais traços de personalidade a preguiça. Esta se refletia no modo de andar e falar do sertanejo. Contudo, o escritor aclara que quando necessário esse quadro de preguiça reverte-se e o sertanejo revela força.370 Na literatura de Cunha é indubitável a preocupação com os desdobramentos da mestiçagem.

Cunha baseava-se no arcabouço teórico da época e não via o passado da constituição racial do Brasil como dádiva, mas, sim, possuía olhar prospectivo, imputando à contingência de um futuro próximo o branqueamento da raça, uma vez que a mestiçagem era a causa de atraso nacional.371

Tal é posição de Lilia Moritz Schwarcz, em sua obra “O espetáculo das raças”, a autora aclara que os cientistas, políticos, literatos das primeiras décadas do século XX possuíam árdua tarefa, qual seja: a aceitação e assimilação das teorias estrangeiras, nas quais os europeus eram sempre os mais evoluídos, e adaptação destas à miscigenação brasileira.372

Schwarcz leciona que a eugenia foi concebida de maneira distinta da que originou-se em outros países. No Brasil a eugenia interligou-se com a questão da higiene e proclamava pela reabilitação dos sujeitos.373

368 Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (1866-1909), nascido no Rio de Janeiro, foi um escritor, jornalista, professor e poeta brasileiro, ocupou a cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras. Morreu no Rio de Janeiro, no dia 15 de agosto de 1909. Dentre suas obras: Os Sertões, 1902; e Contrastes e Confrontos, 1906. Disponível em: < http://www.e-biografias.net/euclides_cunha/> Acesso em: 26/03/2016.

369 CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984. Disponível em: <http://www.dominio-publico.gov.br/download/texto/bv000091.pdf > Acesso em: 10/03/2016.

370 (...)desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos.(...)É o homem permanentemente fatigado. Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude. Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude. Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto;(...) Ibid.

371 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. Cit., p. 115.372 Ibid., p.18 – 19.373 Ibid., p.217.

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Saindo da seara literária, se adentrará na análise de alguns intelectuais. Renato Kehl374 foi um expressivo representante do movimento eugênico no Brasil, mantinha amizade próxima com Lobato, com o qual trocava cartas. Fez muitos livros, boletins e participação em congressos, lecionava que a eugenia seria: “a verdadeira religião do futuro, a sciencia da felicidade, porque se esforça pela elevação moral e pfysica do homem, afim dota-lo de qualidades optimas, de fornecer-lhe elementos de paz na família, na sociedade, na humanidade.”375

Oliveira Viana376, em sua obra “Populações Meridionais do Brasil”, obra escrita em 1922, apresenta intensa aproximação com a ideologia racista,

para o autor há três raças: o branco, o mestiço e o negro, sendo que cabe a raça branca as funções superiores dentro da sociedade, pois só a raça ariana possuía a ambição de progresso no trabalho e deviam dominar as outras duas raças inferiores tanto socialmente quanto juridicamente, mediante as normas da moral ariana.377

Gilberto Freyre378, literato que inspirou o título deste artigo se deve ao fato de que publicou, em 1933, obra intitulada “Casa Grande e Senzala”. Nesta obra, Freyre assume posição de vanguarda, ao passo que em contraposição à concepção majoritária da elite intelectual da época em que estava inserido, Freyre traz o caráter positivo da herança negra e os aspectos de eugenia na mestiçagem com estes. Assim, Freyre opõe-se ao ideário que a raça negra é fator de atraso à nação e desvela sua roupagem positiva à pátria.379

374 Renato Kehl (1889-1974), nascido em Limeira, São Paulo, faleceu no Rio de Janeiro em 1974. Um dos principais representantes do movimento eugênico no Brasil,teve formação na área médica. Publicou muitas obras, dentre elas: Eugenia e medicina social. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1920; Melhoremos e prolonguemos a vida: a valorização eugênica do homem. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1923; A cura da fealdade. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves; 1923. Disponível em: <http://www.historiaecultura.pro.br/cienciaepreconceito/instrumentos/instrumentosbiografias.htm> Acesso em: 26/03/2016.

375 KEHL, Renato. Op. Cit., p.6.376 Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951): Jurista, professor, etnólogo, historiador

e sociólogo brasileiro nascido em Rio Seco de Saquarema, Estado do Rio de Janeiro, dentre muitos feitos, vale citar que foi membro da Comissão Especial de Revisão da Constituição (1933-1934). Suas principais obras são: O idealismo na constituição (1920), Populações meridionais do Brasil (1922), resultado de longos anos de estudos e pesquisas sobre as questões da formação brasileira e Raça e assimilação (1932), dentre outras. Disponível em: << http://www.interpretesdobrasil.org/sitePage/61.av>> Acesso em: 16/02/2016.

377 VIANNA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio (1ª ed.: 1918). 1952. p. 170, 178 e 180.

378 Gilberto Freyre, (1900-1987) nascido em Recife, Pernambuco, faleceu na mesma cidade. Foi um sociólogo, historiador. Possui muitas obras, dentre elas: Casa Grande & Senzala (1933);Guia Prático, Heroico e Sentimental da Cidade do Recife (1934); Sobrados e Mucambos (1936). Disponível em: < http://www.e-biografias.net/gilberto_freyre/> Acesso em 26/03/2016.

379 FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Edição crítica de Guillermo Giucci, Enrique Larreta, Edson Fonseca. Paris: Allca XX, 2002. (Coleção Archivos).

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O panorama aqui exposto é apenas uma pequena face do que ocorreu no país, mas já é suficiente para ambientar a temática deste artigo. Esta preocupação com a identidade nacional e a reabilitação do brasileiro, longe de ter sido uma discussão restrita à elite intelectual nacional, acompanhou e transformou a sociedade, tendo em 1917 a fundação da Liga Pró-Saneamento e a Sociedade Eugênica de São Paulo.380

Ao longo do artigo ainda serão apresentadas outras concepções que alicerçavam o imaginário nacionalista de evolução do povo brasileiro, em que a superação da figura preguiçosa, doente, com desvios de moral, passaria a ser de pessoas saudáveis – tanto no aspecto físico quanto no psicológico - e trabalhadoras.

Pelo o que fora até agora exposto, conclui-se que a eugenia no Brasil fora recepcionada de maneira diferente daquela ocorrida nos países que teve maior expressão, quais sejam, Alemanha e Estados Unidos. Nestes países,

leis de esterilização forçada dos considerados degenerados, e, as políticas de extermínio alemãs foram expressões da política eugênica por eles incorporadas. Já no Brasil, o ideário eugênico manifestou-se de forma mais branda, pretendiam-se mudanças com olhar sob a herança genética dos indivíduos.381382

Em suma, a eugenia e a higiene passaram a ser a chave para resolução de diversos problemas nacionais. Com o uso do arcabouço científico e maior imputação de responsabilidade - e, por que não, de esperanças - aos médicos, para reabilitação e reintegração do brasileiro, almejava-se a ordem e o progresso nacional.

3. Os debates no anteprojeto da Constituição promulgada em 16 de julho de 1934

Foram examinados 22 volumes dos Anais da Constituição de 1934.383 Logo no primeiro volume, no capítulo dedicado a discussão da educação e saúde, página 105, a assembleia constituinte dedicou-se a discutir que o progresso das nações se dava pela educação do povo, fazendo referência ao termo educação em sentido amplo, sendo “física e moral, eugênica e cívica, industrial e agrícola. Tendo por base, a instrução primária de letras e a técnica e a profissional.”384

380 Não se ignora a grande contribuição de Artur Neiva e Belissario Penna, com a publicação de relatórios realizados após viagem ao Piauí e outros Estados. Leitura fundamental para melhor compreensão do tema, “Viagem Científica” de Artur Neiva e Belissario Penna.

381 SANDEL, Michael J. Contra a perfeição: Ética na era da engenharia genética. Civilização Brasileira, 2013.p.78 e segs.

382 SCHWARCZ, Op. Cit., p.226 e segs.383 Annaes da Assembléa Nacional Constituinte 1933-1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v.

I-XXII. 1934.384 Annaes da Assembléa Nacional Constituinte 1933-1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. I,

1934.p. 105.

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O que revela-se muito interessante, é observar a incorporação da caracterização do sertanejo de Euclides da Cunha, pelos juristas da assembleia constituinte. Pela riqueza do conteúdo e por tamanha contribuição ao tema, confira-se o trecho na íntegra:

A par da instrução, à educação: dar ao sertanejo, quasi abandonado a si mesmo, a conciência dos seus direitos e deveres; fortalecer-lhe a alma. convencendo-o que existe solidariedade humana; enrijar-Ihe o físico pela higiene e pelo trabalho, para premiá-lo, enfim, com a alegria de viver, proveniente do confôrto conquistado pelas próprias mãos. No Brasil, o homem rude do sertão, sempre pronto a atender aos reclamos da Pátria nos momentos de perigo, é matéria prima excelente e, se vegeta decaído e atrazado, culpemos a nossa íncúria e imprevidência, Por vezes, o seu aspecto é miserável, mas, no corpo combalido, aninha-se a alma forte que venceu a natureza amazônica e desbravou o Acre.385

Note-se que o discurso se construiu no sentido de que precisavam dar educação ao sertanejo, “criai-lhe a capacidade de pensar, instruindo-o, educando-o, e rivalizará com os melhores homens do mundo.”386 Pregavam que tinham que estimular o trato físico mediante a higiene e o trabalho. Responsabilizavam-se ante o atraso do sertanejo e viam no projeto de devir a esperança de salvação do brasileiro, assim:

Convençamo-nos de que todo brasileiro poderá ser um homem admirável e um modelar cidadão. Para isso conseguirmos, há um só meio, uma só terapêutica, uma só providência: - é preciso que todos os brasileiros recebam educação.387

Ao aclararem que é dever do Governo Provisório engrenar toda a nação na cooperação para a resolução do problema da educação nacional, fazem crítica de que a educação nunca foi tratada com seriedade no país.388

Ainda no primeiro volume, no capítulo destinado a organização do trabalho e assistência social, fica visível a preocupação pela higiene e eugenia também no que se refere aos menores de idade.389

No segundo volume, ao discutirem sobre o parlamentarismo versus presidencialismo, página 480-481, Agamenon De Magalhães, jurista, fez referência a

385 Id.386 Id.387 Ibid., p.105 -106.388 Ibid., p. 106.389 (...)A nova Secretaria de Estado tinha corno se vê, função preestabelecida e perfeitamente

justificável. Como se tem desenvolvido sua atividade, demonstrou o resumo dos atos do Governo Provisório, contendo numerosas iniciativas em matéria de organização do trabalho (...)f) a condição do trabalho de menores, procurando cercar êsses pequenos operários ou empregados da proteção que exige a sua condição social e da assistência aconselhada e reclamada pelas boas normas da higiene e eugenia; Ibid., p.115.

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magistrados, como homens intelectuais e sem desvios de moralidade, e os equiparou como se figuras eugênicas fossem. Mais do que isso, são nivelados à nobreza e que encarnam “(..)os caracteres da raça brasileira, afirmando a nossa capacidade para a democracia, a cultura, a inteligência e as virtudes morais que elevam e afloram os brasileiros.”390

Compulsando o quarto volume, página 175, no capítulo destinado à assistência social, é interessante verificar que o artigo 138 teve sua redação modificada quando incluído no texto constitucional, ao passo que a educação eugênica vinha acompanhada do vocábulo “sexual”.

Neste sentido, afirmavam a finalidade da eugenia, qual seja, de dotar cada indivíduo o sentimento de responsabilidade na formação racial nacional, com observância das condições fisiológicas da procriação humana, somada ao estudo das determinantes disgenéticas e ou/as que podem influenciar de modo direto ou indireto na valoração da espécie.

Pregavam a necessidade da educação sexual concomitante à educação eugênica, com vistas ao combate às doenças venéreas e também como preocupação com o devir da raça brasileira.391

Prosseguindo na análise do documento em comento, apresenta-se um debate eugênico que não fora incorporado no texto constitucional, o exame pré-nupcial. Assunto recorrente entre os intelectuais da época, com propagação dos ideários até mesmo nos jornais392.

Afirmando-se que o povo brasileiro não era ainda um povo adiantado, como os da Alemanha, para adotar medidas avançadas nas questões do tipo racial brasileiro.393

O exame pré-nupcial era visto como medida de prevenção e deveria proteger o que há “mais precioso há para a nacionalidade, a formação física do indivíduo, condição de que depende o indivíduo mental e moral, dadas as estreitas relações que ligam entre si essas três faces da personalidade”.394

390 Annaes da Assembléa Nacional Constituinte 1933-1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. II, 1934. p. 480-481.

391 Annaes da Assembléa Nacional Constituinte 1933-1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. IV, 1934. p. 175.

392 O jornal a manhã, do dia 27 de janeiro de 1929, traz várias questões de Eugenia, dentre elas, a regulamentação eugênica do casamento e o exame médico pré-nupcial. Commemoração do 1º centenário da Academia nacional de medicina. A Manhã. Rio de Janeiro, p.4, 27 jan.

393 Ibid., p. 266.394 Ibid., p.267.

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Ainda no quarto volume, discutem que deve ficar a cargo da União a legitimidade para propor mediante legislação, ações para promover ações eugênicas e educacionais, somada à proibição da formação no Brasil de territórios com agrupamento de imigrantes, com o intuito de preservar a nação.395

Outra questão exaustivamente debatida nos atos preparatórios à Constituição promulgada em 16 de julho de 1934 foi a temática da imigração.

Citando nomes de peso como Euclides da Cunha e Oliveira Viana, no tocante a formação da raça e grupos étnicos, o que se afirma no texto dos anais é que a revolução racial torna-se premente para a nação brasileira.

Asseverando a respeito da imigração, “ (...)de todas essas correntes imigratórias está provado pela experiência, que aquelas que mais nos convêm são as do ramo ariano sul-europeu. (..)”396

O fragmento acima citado é um exemplo da preocupação de vários membros da assembleia constituinte. Com muitas restrições em relação à imigração de africanos e japoneses, defendiam a entrada dos imigrantes do ramo ariano sul-europeu, mediante argumentos que a herança genética destes seria crucial para o aperfeiçoamento da raça brasileira.

Um dos fatores levantados como preocupação era a da formação de territórios e minorias étnicas, dificultando ainda mais o projeto de nacionalização e fixação da identidade nacional.

O que se revela singular em meio a esse clamor pelo bem nacional e da preservação racial brasileira, mediante o controle da imigração ao território nacional, é a exaltação da Alemanha hitlerista e Itália fascista, conforme o próprio texto: “Se países milenares, de raça perfeitamente caracterizada e fixada se preocupam precipuamente com o problema (exemplo: a Alemanha hitlerista e a Itália facista), porquê haviamos nós de descurá-Io?(...)”.397

Ainda sobre a imigração, citam lição de Selh Humphrey, na obra “The Racial Prospects”, que “o vigor da raça e o abatimento da raça são, entre todos, os fatores mais importantes da grandeza e da decadência das nações. A formação da raça é, pois, a chave do predomínio da civilização por vir”.398

395 Ibid., p.274.396 Ibid., p. 274 – 275.397 Ibid.,p.275.398 Ibid., p.490.

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Fazem menção ao Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, ocorrido em 1929, em que se alertou a respeito dos perigos da “imigração promíscua, no ponto de vista dos interesses de raça e da segurança política e social da República.”399

Ao longo dos volumes ora há discursos que proíbem a entrada de imigrantes originários das raças negra e amarela, ora permitem pequena proporção da segunda. Em outros momentos avaliam a viabilidade do exame de sanidade física e mental para todo e qualquer estrangeiro que tenha como destino o território nacional.400

A questão do exame pré-nupcial foi novamente debatida, e chegou-se a conjecturar que seriam defesos os casamentos realizados sem a realização deste exame por médico legista.401

Até mesmo a importância da educação física verifica-se nestes debates. Tendo em vista que exercícios físicos comprovadamente provocam eugenia e fortalecem os indivíduos ao trabalho, a valorização deste modo de educação coopera com o desenvolvimento da nação.402

O que fora mostrado até pode levar a enganosa conclusão de que as vozes que compunham a assembleia constituinte eram uníssonas. Contudo, o 6º volume, reverte esta questão.

Morais Andrade traz o conceito de Eugenia traçado por Alfredo Elis Junior, tendo como objetivo a defesa dos argumentos sobre a imigração dos japoneses. Estes sustentam que aqueles que são contra a imigração nipônica entendem a eugenia como beleza física.

Aduzem que a eugenia é vista sob o aspecto da fortaleza física, intelectual, boa moral, poder artístico e força da alma.403Somando-se a isto, desvelam que: “Eugenia é antes o conjunto de fatores reduzidos a algarismos e aplicados com uma dada fórmula

399 Ibid., p.492.400 Annaes da Assembléa Nacional Constituinte 1933-1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. V,

1934. p. 492-493 e p. 546.401 Annaes da Assembléa Nacional Constituinte 1933-1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v.

IV, 1934. p. 291.402 Ibid., p.336.403 Eugenia não pode ser só a ciência da beleza física.Ela abrange muito mais coisas, e coisas que

se prestam a percepção muito mais concreta. Compreende também a fortaleza física de um Dempsey ou de um Hackenshmidt, como também abrange o intelecto de um sócrates, de um Cícero, de um Newton, de um, Lineu, de um Claude Bernard, ou de um Rui Barbosa. Ela deve compreender a beleza moral de um S. Francisco de Assis, ou de um Marco Aurélio, ou ainda de um, Junior Bruto. Ela deve abranger todo o poder artístico de um Miguel Angelo de um Byron, ou de um Massenet. Ela deve compreender toda a força de alma precisa em um Bayard, ou de um d’Artagnan. Annaes da Assembléa Nacional Constituinte 1933-1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. VI, p.343.

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Algébrica, na qual cada um dos fatores referidos tenha uma influencia determinada. (...)Será o índice da eugenia.”404

A argumentação dos membros consagrada nos anais da constituinte de 1934 chegou a sustentar que a eugenia era o problema máximo da raça brasileira, uma vez que traduzia problemas de ordem econômica, na seara de saúde pública, da educação e da imigração.405

Um dos membros da assembleia decidiu citar Renato Kehl ao longo das discussões, e fez questão que constasse nos anais da constituinte fragmento de uma carta deste intelectual, claramente contrária à imigração nipônica no Brasil: “é um crime de lesa-pátria permitir a entrada indistinta e anárquica, em massa de imigrantes, ‘sobretudo’ de asiáticos, no nosso país. A tanto equivale transformar o Brasil em uma verdadeira “Sapucaia” de raças (...).”406

O Exame pré-nupcial aparece novamente ao longo do oitavo volume dos anais, em que este deve ser prescrito, paralelamente à propagação da educação eugênica.407408

Pelo estudo feito até o momento, os demais volumes quando tratam de eugenia, parecem tratar dos mesmos temas aqui já comentados, principalmente no que tange as questões imigratórias.

Com base no que fora aqui posto, parece que concepção predominante na assembleia constituinte era que se fosse praticada eugenia – na seara da educação, exame pré-nupcial e imigração - estariam implantando ações governamentais de avançado nacionalismo.

4. Algumas considerações preliminares da pesquisa desenvolvidaApesar de ser uma pesquisa em fase inicial, algumas conclusões já se tornam

possíveis. Os membros da assembleia constituinte de 1933-1934 dedicaram vários

404 Ibid.405 Ibid., p. 469.406 Ibid., p.472.407 Annaes da Assembléa Nacional Constituinte 1933-1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v.

VIII, p.227408 Ainda sobre a educação eugênica, vale conferir fragmento da página 227 dos anais da

constituinte, qual seja: No que tange à educação eugênica, e a sua importancia na saúde da raça, é o bastante, para demonstrar a sua magnitude, citar uma das proposições da Sociedade Alemã de Higiene Racial: “A condição imprescindível para a consecução dos fins da higiene racial é a instrução e a educação eugênicas. Todas as escolas frequentadas pela mocidade devem ter cursos suficientes de Biologia e Eugenia. Todas as escolas superiores devem ser dotadas de cadeiras especiais para o estudo da hereditariedade humana e higiene racial (Eugenia), com possibilidades de pesquisas. A Eugenia deve constituir tema de ensino e de exame para os médicos e para as outras profissões, às quais assiste o dever de esclarecer o povo. Id.

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momentos à discussão dos ideais eugênicos. O que no final foi consagrado em apenas um único dispositivo foi fruto de longo processo e não se restringiu apenas à seara da educação.

As concepções eugênicas foram amplamente debatidas quando tratavam sobre a imigração e também a respeito do exame pré-nupcial, este último relacionado tanto no combate às doenças venéreas quanto nos assuntos que tangem à preservação da família e saúde infantil.

A gama de argumentos favoráveis à implementação destas medidas são de conteúdo variável, mas o que parece uníssono é o desejo pela homogeneização da raça nacional, mediante o aperfeiçoamento tanto hereditário – com argumentos sobre proibição de miscigenação daqueles considerados com herança genética avançada – quanto à educação e higiene.

Não obstante a opinião majoritária entre a elite intelectual sobre a figura do brasileiro e sua miscigenação não ser vista como algo glorioso, a concepção da eugenia no Brasil ocorre de uma forma bem mais suave, ao passo que aclaravam a possibilidade de recuperação e reintegração do brasileiro, ao mesmo tempo em que desejavam fortalecer o sentimento de identidade nacional, com o controle imigratório e a proibição de formação de pequenos territórios.

A pesquisa continuará sendo realizada com o estudo de diversas outras fontes que antecedem os trabalhos que levaram à promulgação da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934, bem como se procederá a verificar se essas medidas eugênicas realmente chegaram a ser postas em prática na década de 30 no Brasil.

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