riqueza das sobras 3

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Óleo de soja não é viável, diz economista www.jc.com.br/economia J.F.Diorio/AE A cooperativa de Curupati, que reúne 53 fa- mílias de pescadores do Açude do Castanhão, em Jaguaribara, Sertão do Ceará, produz 50 toneladas de tilápias em tanques-rede por mês. Cinco toneladas, ou seja, 10% são de vís- ceras. No início do projeto, cinco anos atrás, o resíduo era enterrado no entorno do açude, ge- rando problemas ambientais como a imper- meabilização do solo. Nos últimos dois anos, os cooperados acharam um fim mais rentável e menos impactante: a extração de óleo, vendi- do a usinas de biodiesel e fábricas de sabão. O trabalho é artesanal. As vísceras são cozi- das, permitindo a separação da parte sólida (35%), destinada à ração ou à adubação. O que resta, o equivalente a 65% do volume, é óleo bruto. O litro é vendido a R$ 0,50. A ren- da mensal média dos cooperados, segundo o pescador Francisco Lopes, é de R$ 1.100. “A gente vende todo o peixe e o óleo, cerca de 2 mil litros por mês, e divide a renda.” Para o engenheiro de pesca Oswaldo Segun- do, responsável pelo projeto na Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Ceará, o lucro se- rá ainda maior quando os pescadores refina- rem o óleo e passarem a vendê-lo direto às usi- nas e fábricas. “Por enquanto, eles destinam o óleo a atravessadores”, justifica. O óleo de peixe, comprovam testes da Fun- dação Núcleo de Tecnologia Industrial do Cea- rá (Nutec), é eficiente. “O problema é a estabi- lidade, que é menor. Mas isso pode ser resolvi- do misturando com óleos mais duráveis, co- mo o da mamona”, explica o químico da Nu- tec, Jackson Queiroz. As misturas são comuns em usinas de bio- diesel. “A exemplo do óleo da mamona, uns são mais viscosos do que a Agência Nacional de Petróleo (ANP) permite, outros se degra- dam mais rápido”, exemplifica James Melo, coordenador da usina de Caetés, em Pernam- buco, ligada ao Centro de Tecnologias Estraté- gicas do Nordeste (Cetene-MCT). A usina de Caetés opera com óleo de fritura (5%) e de algodão (95%, que também é consi- derado um subproduto). Depois de retirados os pêlos, sobra o caroço, que é esmagado para a produção de farelo. “Aproximadamente 85% são de farelo para ração animal, 11% de óleo e o restante é perdido por causa da umidade”, avalia o empresário José Cavalcanti da Silva Júnior, que produz ração em Garanhuns. “Vendo o litro a R$ 1,40, tanto para a usina de biodiesel de Feira de Santana (BA) quanto para a indústria alimentícia.” Sobra do processo de fabricação industrial do óleo de palma, a borra é responsável por 0,37% de todo o biodiesel do País. É fabricada numa empresa chamada Agropalma, no Esta- do do Pará. De toda a sua produção, 4% eram a borra do óleo que é transformada em biodie- sel, o que corresponde a 20 milhões de litros de biodiesel por ano. A empresa, que processa mais de 90% de todo o óleo de palma do País, usa uma patente do pesquisador da UFRJ Do- nato Aranda. Fotos: Oswaldo Segundo/Divulgação O crescimento da produção do biodiesel no País não pode se basear apenas no aumento da sua principal matéria-prima, que é a soja, responsável por mais de 80% de tudo que é transformado no biocombustível. “Essa expan- são não é sustentável”, define o economista da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Furlan Amaral. A falta de sustentabilidade ocorre porque da extração do óleo de soja – que é a matéria-pri- ma para o biodiesel – sobra o farelo. “Não tem como todo esse farelo ser absorvido pelo mercado”, comenta Amaral, acrescentando que o excesso de farelo também jogaria o pre- ço do produto para baixo, o que traria prejuí- zo aos plantadores da oleaginosa. Para cada tonelada de soja esmagada, são produzidos 190 quilos de óleo e 780 quilos de farelo. Atualmente, esse farelo é vendido para a indústria de ração de animais. A sugestão do economista é para que sejam aproveitados os resíduos e intensificadas as pesquisas com as lavouras de girassol e colza. O teor de óleo da soja é de 19%, enquanto o girassol e a col- za têm, respectivamente, 41% e 40%. “É por is- so que está se falando sobre o biodiesel brasi- leiro ter várias matérias-primas”, diz. O governo federal concentrou esforços para a mamona ser a fonte do biodiesel, inserindo o cultivo na agricultura familiar. A experiên- cia não deu certo. Muitas fábricas que funcio- nam à base de mamona pararam por falta de matéria-prima. “Não fazemos biodiesel com mamona, pois ela tem custo muito elevado”, diz o diretor de produção da Serrote Redondo, Evânio Oliveira, em São José do Egito, Sertão de Pernambuco. Atualmente, a sua fábrica também está parada por falta de matéria-pri- ma. Oliveira usa o caroço de algodão como fonte. O óleo de mamona é o que tem o preço mais elevado entre todos os óleos que podem ser usados para fazer biodiesel no País. O bio- diesel feito com a mamona também apresen- ta alta viscosidade, ficando fora dos critérios definidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). “A mamona ficou inviável para a agricultu- ra familiar e o preço não foi satisfatório para o produtor”, resume o diretor de políticas agrí- colas da Federação dos Trabalhadores na Agri- cultura (Fetape), Adelson Freitas. No Agreste Meridional de Pernambuco, mais de 5 mil produtores plantavam a oleaginosa em 2007. Hoje, quase não existe mais pequeno agricul- tor cultivando a planta na região. RIQUEZA DAS SOBRAS » economia O aproveitamento do óleo feito de vísceras de peixe e do caroço de algodão, assim como o porquê do fracasso da mamona, são os destaques do último dia da série Riqueza das sobras, assinada por Angela Fernanda Belfort e Verônica Falcão. O governo federal priorizou a mamona no início do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), em 2003. Hoje, a planta perdeu espaço não apenas para outras oleaginosas, principalmente a soja, como para subprodutos da pecuária e da indústria. O biodiesel é menos poluente que o diesel. Enquanto o combustível fóssil leva milhões de anos para ser formado, o óleo vegetal e o animal se originam de fontes renováveis. SOBRAS Caroço de algodão é esmagado para produzir farelo destinado à ração animal. O óleo restante é transformado em biodiesel R ESTOS DO ALGODÃO E DA PISCICULTURA VIRAM BIODIESEL ANTES E DEPOIS Vísceras do peixe cultivado no açude cearense do Castanhão eram enterradas. Agora servem para fazer biodiesel

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Page 1: Riqueza das sobras 3

Óleo de sojanão é viável,diz economista

www.jc.com.br/economia

J.F.D

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/AE

A cooperativa de Curupati, que reúne 53 fa-mílias de pescadores do Açude do Castanhão,em Jaguaribara, Sertão do Ceará, produz 50toneladas de tilápias em tanques-rede pormês. Cinco toneladas, ou seja, 10% são de vís-ceras. No início do projeto, cinco anos atrás, oresíduo era enterrado no entorno do açude, ge-rando problemas ambientais como a imper-meabilização do solo. Nos últimos dois anos,os cooperados acharam um fim mais rentávele menos impactante: a extração de óleo, vendi-do a usinas de biodiesel e fábricas de sabão.

O trabalho é artesanal. As vísceras são cozi-das, permitindo a separação da parte sólida(35%), destinada à ração ou à adubação. Oque resta, o equivalente a 65% do volume, éóleo bruto. O litro é vendido a R$ 0,50. A ren-da mensal média dos cooperados, segundo opescador Francisco Lopes, é de R$ 1.100. “Agente vende todo o peixe e o óleo, cerca de 2mil litros por mês, e divide a renda.”

Para o engenheiro de pesca Oswaldo Segun-do, responsável pelo projeto na Secretaria deDesenvolvimento Agrário do Ceará, o lucro se-rá ainda maior quando os pescadores refina-rem o óleo e passarem a vendê-lo direto às usi-nas e fábricas. “Por enquanto, eles destinamo óleo a atravessadores”, justifica.

O óleo de peixe, comprovam testes da Fun-dação Núcleo de Tecnologia Industrial do Cea-rá (Nutec), é eficiente. “O problema é a estabi-lidade, que é menor. Mas isso pode ser resolvi-do misturando com óleos mais duráveis, co-mo o da mamona”, explica o químico da Nu-tec, Jackson Queiroz.

As misturas são comuns em usinas de bio-diesel. “A exemplo do óleo da mamona, unssão mais viscosos do que a Agência Nacionalde Petróleo (ANP) permite, outros se degra-dam mais rápido”, exemplifica James Melo,coordenador da usina de Caetés, em Pernam-buco, ligada ao Centro de Tecnologias Estraté-gicas do Nordeste (Cetene-MCT).

A usina de Caetés opera com óleo de fritura(5%) e de algodão (95%, que também é consi-derado um subproduto). Depois de retiradosos pêlos, sobra o caroço, que é esmagado paraa produção de farelo. “Aproximadamente 85%são de farelo para ração animal, 11% de óleoe o restante é perdido por causa da umidade”,avalia o empresário José Cavalcanti da SilvaJúnior, que produz ração em Garanhuns.“Vendo o litro a R$ 1,40, tanto para a usinade biodiesel de Feira de Santana (BA) quantopara a indústria alimentícia.”

Sobra do processo de fabricação industrialdo óleo de palma, a borra é responsável por0,37% de todo o biodiesel do País. É fabricadanuma empresa chamada Agropalma, no Esta-do do Pará. De toda a sua produção, 4% erama borra do óleo que é transformada em biodie-sel, o que corresponde a 20 milhões de litrosde biodiesel por ano. A empresa, que processamais de 90% de todo o óleo de palma do País,usa uma patente do pesquisador da UFRJ Do-nato Aranda.

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O crescimento da produção do biodiesel noPaís não pode se basear apenas no aumentoda sua principal matéria-prima, que é a soja,responsável por mais de 80% de tudo que étransformado no biocombustível. “Essa expan-são não é sustentável”, define o economistada Associação Brasileira da Indústria de ÓleosVegetais (Abiove), Daniel Furlan Amaral.

A falta de sustentabilidade ocorre porque daextração do óleo de soja – que é a matéria-pri-ma para o biodiesel – sobra o farelo. “Nãotem como todo esse farelo ser absorvido pelomercado”, comenta Amaral, acrescentandoque o excesso de farelo também jogaria o pre-ço do produto para baixo, o que traria prejuí-zo aos plantadores da oleaginosa.

Para cada tonelada de soja esmagada, sãoproduzidos 190 quilos de óleo e 780 quilos defarelo. Atualmente, esse farelo é vendido paraa indústria de ração de animais. A sugestãodo economista é para que sejam aproveitadosos resíduos e intensificadas as pesquisas comas lavouras de girassol e colza. O teor de óleoda soja é de 19%, enquanto o girassol e a col-za têm, respectivamente, 41% e 40%. “É por is-so que está se falando sobre o biodiesel brasi-leiro ter várias matérias-primas”, diz.

O governo federal concentrou esforços paraa mamona ser a fonte do biodiesel, inserindoo cultivo na agricultura familiar. A experiên-cia não deu certo. Muitas fábricas que funcio-nam à base de mamona pararam por falta dematéria-prima. “Não fazemos biodiesel commamona, pois ela tem custo muito elevado”,diz o diretor de produção da Serrote Redondo,Evânio Oliveira, em São José do Egito, Sertãode Pernambuco. Atualmente, a sua fábricatambém está parada por falta de matéria-pri-ma. Oliveira usa o caroço de algodão comofonte.

O óleo de mamona é o que tem o preçomais elevado entre todos os óleos que podemser usados para fazer biodiesel no País. O bio-diesel feito com a mamona também apresen-ta alta viscosidade, ficando fora dos critériosdefinidos pela Agência Nacional do Petróleo(ANP).

“A mamona ficou inviável para a agricultu-ra familiar e o preço não foi satisfatório parao produtor”, resume o diretor de políticas agrí-colas da Federação dos Trabalhadores na Agri-cultura (Fetape), Adelson Freitas. No AgresteMeridional de Pernambuco, mais de 5 milprodutores plantavam a oleaginosa em 2007.Hoje, quase não existe mais pequeno agricul-tor cultivando a planta na região.

RIQUEZA DAS SOBRAS

»economia

Oaproveitamento do óleo feito de vísceras depeixe e do caroço de algodão, assim como

o porquê do fracasso da mamona, são os destaquesdo último dia da série Riqueza das sobras, assinadapor Angela Fernanda Belfort e Verônica Falcão. Ogoverno federal priorizou a mamona no início doPrograma Nacional de Produção e Uso do Biodiesel

(PNPB), em 2003. Hoje, a planta perdeu espaço nãoapenas para outras oleaginosas, principalmente a soja,como para subprodutos da pecuária e da indústria. Obiodiesel é menos poluente que o diesel. Enquanto ocombustível fóssil leva milhões de anos para serformado, o óleo vegetal e o animal se originam defontes renováveis.

SOBRAS Caroço dealgodão é esmagado paraproduzir farelo destinadoà ração animal. O óleorestante é transformadoem biodiesel

RESTOS DO ALGODÃOE DA PISCICULTURAVIRAM BIODIESEL

ANTES E DEPOIS Vísceras do peixe cultivado no açude cearense do Castanhão eram enterradas. Agora servem para fazer biodiesel