revista noz 1

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LUIZ CARLOS TOLEDO PROJETO DE URBANIZAÇÃO DA ROCINHA ANARQUITETURA ALGUMA COISA ESTÁ FORA DA ORDEM SIMMEL A METRÓPOLE E A GRANDE CIDADE CONTRAPONTO: REVITALIZAÇÃO revista de estudantes de arquitetura da PUC-Rio NOZ # 1 agosto 2007 R$ 10,00 www. revistanoz.com

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Revista de arquitera

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Page 1: Revista Noz 1

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Page 2: Revista Noz 1

Encadernar anseios, questionamentos, críticas, divagações. Para nós, a iniciativa de fazer uma revista de arquitetura pareceu, mais do que uma saída, uma necessidade. Muitas vezes privile-giados pela vitalidade do começar, muitas vezes atingidos pelos deslizes da imaturidade. É, sem dúvida, especial sermos alunos dessa nova escola.

Sob medida para um curso com pouca história e muitas expectativas, criamos um espaço capaz de registrar a produção de professores e alunos e, sobretudo, de absorver discussões ainda sem lu-gar no programa formalizado, buscando contato com profissionais que pudessem enriquecer esse discussão. A revista seria para nós, acima de tudo, um exercício constante de reflexão e posiciona-mento crítico.

Nessa primeira edição, adotamos como ponto de partida quatro grandes sessões: anarquitetura debate a questão imobiliária e suas conseqüên-cias; zoom propõe uma discussão a partir de um recorte geográfico da cidade; ruídos trata da sub-jetividade que envolve a vida citadina; retrovisor abrange os limites da intervenção do arquiteto e a relação com o preexistente.

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Page 3: Revista Noz 1

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ANARQUITETURA

Alguma coisa está fora da ordemVerônica Rodrigues

Arquitetura dos Irmãos RobertoLuiz Felipe Machado

Arquitetura versus Edifi caçãoJorge Mario Jáuregui

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Page 6: Revista Noz 1

Verônica RodriguesArquiteta e Urbanista,Professora do CAU-PUC-RioA música Carta ao Tom 1974, com-posta por Vinicius de Moraes e Toquinho, se refere com triste-za a um Rio de Janeiro que se modifi ca. Nos nostálgicos ver-sos, os poetas lamentam que...

Nossa famosa garota nem sabia/ a

que ponto a cidade turvaria este Rio

de amor que se perdeu/... e lem-bram com saudades dos tem-pos em que... se via da janela / Um

cantinho de céu e o Redentor...

Três anos depois, com um

humor tipicamente carioca,

Toquinho, Tom Jobim e Chico

Buarque lançam como resposta

a Carta do Tom, uma paródia que,

carregada de ironia, dá forma,

humor e volume à sensação

de vago mal estar – desse Rio

turvado – citado por Vinicius.

A letra, ao fazer claras referên-

cias à especulação imobiliária

e suas conseqüências para a

cidade, deixa claro que a músi-

ca popular, além ser uma ma-

nifestação artística de grande

penetração, é capaz de registrar

fatos comuns e importantes do

cotidiano urbano.

O tom jocoso, de quem ri da

própria desgraça, oferece cum-

plicidade ao ouvinte e, ao mes-

mo tempo, cria formas lúdicas

alternativas de fazer pensar, de

despertar – no monótono reper-

tório do dia-a-dia - a capacidade

de observação e crítica à própria

cidade e aos modos de viver e/ou

sobreviver a ela.

O olhar preciso dos poetas

faz das três pequenas estrofes

uma exata crônica do Rio de

Janeiro, como se vê na ima-

gem da maratona necessária

para escapar do pivete e chegar

ao elevador, e no desconforto

de quem vê pela janela o Cris-

to Redentor substituído pela

imagem da especulação imo-

biliária onipresente, deifi cada

e personifi cada na fi gura de

Sergio Dourado.

Sergio Dourado foi o res-

ponsável por uma das maiores

empresas imobiliárias do Rio

de Janeiro. Famosa nos anos

70/80, esta fi rma foi uma das

que contribuiu para transfor-

mar a cidade em uma galeria

de tapumes de obra, ornamen-

tados por gigantescas placas

iluminadas, onde as iniciais

Alguma coisa está forada ordem

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SD surgiam em letras brancas

sobre um fundo verde bandei-

ra. A presença desta marca bas-

tava para sinalizar que mais

uma casa estava condenada à

demolição para dar lugar ao

progresso da cidade.

Por trás destes tapumes er-

guiam-se os edifícios apoiados

sobre os novos embasamentos

para garagem, coroados pelos

puc (pavimentos de uso co-

mum). As unidades residen-

ciais, por sua vez, começavam,

discretamente, a minguar: os

pés direitos baixavam enquan-

to as áreas úteis diminuíam.

Em contrapartida, os aparta-

mentos ganhavam as varan-

das, isto é: uma profusão de sa-

cadas (projetadas da lâmina do

prédio por um pequeno balan-

ço permitido por lei), onde mal

cabia um vaso de plantas.

Para divulgação dos em-

preendimentos, as equipes de

propaganda criavam slogans

que deslocavam a atenção

para as fachadas em mármo-

re, as esquadrias em alumínio

e para o playground.

Hoje, trinta anos depois da

música citada, os tapumes es-

condem espetáculos imobiliá-

rios. Respaldados e encabeçados

por campanhas publicitárias

maciças e competentes, estes

complexos empreendimentos

vendem pacotes de felicidade

embrulhados com uma para-

fernália de bens imateriais tais

como: segurança com liberda-

de, lazer, conforto, serviços e

comodidades. Estes são os no-

vos clubes – residências.

Fachadas faraônicas e pre-

tensiosas abrigam os exíguos

apartamentos cujas plantas

apresentam distribuições rígi-

das, e os interiores denunciam

a falta de percepção de que a

diversidade de realidades e si-

tuações vividas nos dias de hoje

exigem projetos fl exíveis. Os es-

paços criados não acompanham

as mudanças freqüentes que

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tas às diversifi cadas deman-

das, como o convívio de fi lhos

de uniões anteriores (muitos

presentes somente nos fi nais

de semana) e fi lhos em comum,

ou fase da adolescência que se

estende, etc.

Como acomodar essas ne-

cessidades aos espaços reais?

Como garantir um mínimo

de privacidade, conforto e

bem-estar?

Por outro lado, a mídia e

as exposições que exploram

o espaço habitado, além de

apresentarem, com freqüên-

cia, ambientes totalmente

fora da realidade e de escala,

confundem, muitas vezes,

interiores com decoração

e lançam diariamente no

mercado vários materiais de

acabamento, equipamentos

e complementos que pare-

cem fazer parte do univer-

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so de uma outra sociedade. Como

conseqüência, tem-se quilômetros

de cenografi as e novas necessidades

que seduzem com glamour e preços

altos e convidam a um viver concei-

tual... Mas quem mora no conceito?

Como se vive num espaço conceitual

ou se senta numa cadeira conceitual?

É como se o marketing avançasse

sobre as pranchetas; os folders dos re-

centes lançamentos de edifícios resi-

denciais sequer apresentam as plantas

baixas dos apartamentos e, no entan-

to, se esmeram na apresentação das

perspectivas das áreas de lazer repletas

de piscinas, jardins babilônicos, sau-

nas e churrasqueiras, brinquedotecas,

lan houses, salas de jogos, etc. Estas

são as conhecidas estratégias para des-

viar a atenção dos espaços privados

cada vez menores em metragem qua-

drada e – principalmente – em espírito.

A justifi cativa é de que as áreas de uso

comum promovem uma maior socia-

lização na interação com os vizinhos,

mas o outro lado da moeda mostra que

este convívio exclui as diferenças, que

estes contatos intramuros, feitos entre

pessoas com padrões socioculturais

semelhantes, são privados dos con-

trastes necessários para a aquisição

de referências fundamentais para as

relações humanas. Não há troca e a

única certeza é de que já vimos este

fi lme e, portanto, conhecemos os gue-

tos de onde saem as novas gerações de

pitbulls da classe média.

Todas estas questões se desdobram

num sem fi m de outras, mas algu-

mas fi cam suspensas no ar: por que

o cliente quer assim? O que falta à

arquitetura contemporânea para que

o público prefi ra, em geral, ambientes

cenográfi cos, falsos? Seria o excesso de

bibelôs - presente desde o vestuário até

a cidade - uma reação à assepsia im-

posta? Necessidade de pertencimento?

Símbolo de status? O que houve, ou

por que é ou fi cou assim?

Será que nós, arquitetos, esque-

cemos que também somos cidadãos,

andamos nas ruas e moramos em

casas? Perdemos a capacidade de ob-

servação e escuta?

Iñaki Abalos, no prefácio do livro

A boa-vida, diz:(...) [quando] o arquiteto

torna-se usuário, passa a olhar através dos

olhos do habitante, e assim adota uma atitu-

de mais próxima à de uma pessoa qualquer,

perdendo essa couraça que o domínio de uma

disciplina cria, (...).

Será que o pensar e o agir sobre a

arquitetura e o urbanismo não estão

se bastando a seu próprio meio, aos

profi ssionais e teóricos da área, e dei-

xando de se enriquecer com a troca

ou a contraposição das diferenças?

Será que estamos fechados entre as

grades de um único (con)domínio do

saber? Citando novamente Abalos:

(...) só a partir da desprofi ssionalização do

olhar podemos aprender a enxergar com os

nossos próprios olhos, e a mirar aquilo que

realmente desejamos ver.

Parece que, se não conseguimos

respostas ou soluções satisfatórias,

Alguma coisa está fora da ordem, como diz

Caetano Veloso. Se estamos cientes

de que um projeto de arquitetura só

pode ser aprovado e executado através

da necessária assinatura de um arqui-

teto, fi ca claro que de alguma forma

nós, arquitetos, somos coniventes e,

talvez, até por omissão, co-autores

desses empreendimentos e dos novos

conceitos do viver no ambiente urba-

no contemporâneo.

Minha janela não passa de um quadrado.

Todo esse panorama faz pensar

na genialidade deste verso que apon-

ta para o vazio gerado pela perda de

dimensões: a janela privada de tri-

dimensionalidade e de poesia não

passa de um plano geométrico, é

uma alegoria da banalidade do olhar

quando este perde a profundidade

e se acomoda a um mundo chato,

achatado de idéias.•

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Segundo o psicanalista francês Jacques Lacan, o que diferencia a arquitetura do edifício é a potência lógica que ordena além do que o edi-fício suporta de possível utilização. Assim, nenhum edifício, salvo que se reduza a um casebre, poderá prescin-dir desta ordem que o torna parente do discurso. E esta ordem não é, na arte da construção, um fato somente eventual, diz ele. Esta potência ló-gica ordenadora de que fala Lacan é justamente o “bem escasso” que vem depredando a cidade e a arquitetura no Rio nas ultimas décadas.

Desde sempre a cidade tem sido, além do lugar material que habita-mos, a grande máquina da produção cultural humana. Sobre a cidade contemporânea, nesta sorte de Big-Bang furioso desencadeado pelas lógicas do capitalismo na sua face global, paira uma ameaça. A da dis-solução simbólica e material de uma

cidade que nos pertença. E hoje, muito freqüentemente, sentimos que habitamos pedaços de realidade, que não só não constituem uma op-ção vital, mas são meros refúgios.

Trata-se de uma cidade de hostili-dades e de riscos, uma cidade de mun-dos distantes; uma cidade partida entre as áreas da especulação imobili-ária formal e as de extrema pobreza.

Existe o acordo, pelo menos no aspecto discursivo, de que territorial-mente a cidade deve sarar suas feri-das, suas fraturas e desigualdades. Ocorre que estas fraturas e desigual-dades se verifi cam também no nível do cultural e do simbólico.

Ingentes quantidades de metros cúbicos de construção sepultam bairros como Botafogo, Flamengo, Laranjeiras, Ipanema, Leblon e Gá-vea, com pura edifi cação. Sem ne-nhuma criatividade. Apenas o mais banal mau gosto e a recusa a pensar.

Jorge Mario Jáuregui

Arquiteto e Urbanista, coordenador do Centro de Estudos

Arquitetônico-Urbanísticos do Rio de Janeiro, investigador

associado ao Laboratório de Morfologia (SICyT-FADU/UBA),

Universidade de Buenos Aires, membro do cartel “Arte e

Psicanálise” – Instituição psicanalítica “Letra Freudiana“ – RJ

arquiteturaversusedifi cação

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Page 11: Revista Noz 1

É como se as empresas construtoras que operam nesses bairros, e na Bar-ra da Tijuca, se movessem segundo o indicador da mais baixa qualidade possível. Negando-se a pensar fora da área econômica. Tudo reduzido a uma mera questão de lucratividade, sem mais nada a levar em conta. Nem a cidade, nem o meio ambien-te, nem a arquitetura, nem a urba-nidade, nem sequer o bom gosto. Apenas construtos, lugares onde se depositar gente, constituindo en-claves que em pleno tecido de bairro fraturam a continuidade urbana.

Consideremos uma destas “pe-ças” que pulam por toda parte e que ofendem a cidade e sua rica cultura arquitetônico-urbanística acumula-da até a modernidade.

Normalmente com um pavimento térreo enjaulado (grades para a suposta defesa da segurança dos moradores), a continuidade público-privado é obsta-culizada e a relação do passante com o edifício é inamistosa da parte do edi-fi cado, pois não permite qualquer em-patia. Isto quando não aparece aquele “rodapé” brutal dos pavimentos dos estacionamentos que são uma verda-

deira afronta à relação edifício-cidade-pedestre de maneira civilizada.

A continuação, a repetição dos pa-vimentos-tipo, feita da maneira mais banal possível, sem a menor criati-vidade, apenas empilhando o mes-mo pavimento até onde a legislação permitir, impõem a presença dessas verdadeiras piadas que vão do kitsch ao neo-clássico e do arremedo tecno aos ridículos envidraçados espelhados, sem nenhuma graça por sinal.

O “arremate” é sempre uma peça de terror. Não há arremate. Nor-malmente, um fi nal abrupto sem nenhuma elaboração, bem ao longe da quinta fachada de que falava Le Corbusier com toda pertinência. Os amontoados de caixas-d’água, casas-de-máquina, equipamentos de ar condicionado, etc, confi guram uma verdadeira cena de mau gosto, olha-da desde cima.

Mas a culpa não é só das “constru-toras” (deveríamos dizer com mais propriedade, predadoras) senão do comprador fundamentalmente. Ele, inculto arquitetônica e urbanistica-mente, compra literalmente qual-quer coisa, e aceita qualquer entorno

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Page 12: Revista Noz 1

resultante. Não tem nenhum nível de exigência. O que lhe põe na frente ele compra. Seja lá o ridículo que for. E isto em grande parte devido à falta de crítica, de informação circulante disponível nos meios de comunicação, especialmente jornais e televisão. O “videota” ou leitor médio não tem ao seu alcance ne-nhuma forma de educação nestas áreas, fi cando absolutamente vul-nerável, pois não faz a menor idéia nem dispõe de qualquer informação qualifi cada sobre o que seja arqui-tetura (haja visto o que compra) e um espaço urbano rico, capaz de favorecer a identifi cação do cidadão com seu entorno físico e cultural. A pobreza de informações específi cas vinculadas nos meios principais é tamanha, que surpreende qualquer visitante estrangeiro pelo contraste com o volume de construções. Há muita quantidade de construção sem nenhuma qualidade. E isto torna o bairro e a cidade cada vez mais desagradáveis, inóspitos e autistas. A indiferença ao espaço público, a ocupação monofuncional, com bai-xíssimo nível de elaboração estética

(para não dizer nenhum), tornam a cidade, o ambiente e a vida em socie-dade, cada vez mais pobres.

A autonomia do pensamento, o convite a ampliar os marcos de sa-beres e linguagens específi cos arti-culando enfoques de vários campos de saber, a integração da imagem e da palavra, e a confrontação de experiências de vários países podem ser pontos de partida úteis para se pensar estratégias e políticas redire-cionadoras do nosso devir urbano.

Portanto, é toda uma forma de pensar, agir e valorar o que deve ser submetido à revisão crítica profun-da, promovendo o debate público so-bre esta questão fundamental para a qualidade de vida em sociedade. Não adianta se esconder dentro de bair-ros fechados, torres countries ou ruas com guaritas privadas, verdadeiros espaços-lixo, pois tudo isso só au-menta o isolamento, a indiferença, a mesquinharia e resulta na chatice do entorno construído.

Somos nós cidadãos que devemos exigir mais, pensando generosa-mente sobre a cidade e a sociedade da qual fazemos parte.•

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ANARQUITETURA

do lat. an-architectu-ra

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2. Ausência de intenção

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NOZ12

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Page 16: Revista Noz 1

a contribuição dos irmãos Roberto para a habitação coletiva no Rio de Janeiro

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Arquitetura dos irmãos Roberto

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Page 17: Revista Noz 1

Edifício Dona Fátima e Finúsia

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1 5 10

conforto para os futuros habitantes. A partir da década de 1940, inicia-se por Copacabana um processo de ocupação in-tenso desses bairros, os vazios sendo ocupados e as casas sendo substi-tuídas por edifícios de até doze pavimentos de altura, criando muitas oportunidades de traba-lho para os arquitetos, e também para os Rober-to. Morar em um edifí-cio de apartamentos à beira mar representava, para parcela da socieda-de pertencente a uma classe economicamente privilegiada, a realiza-ção de um sonho.

A iniciativa privada exigia maior rigor na

A coerência encontra-da na obra dos irmãos Roberto, e especialmen-te no conjunto estudado, pode ser compreendida como o resultado de uma rotina de trabalho entre o escritório e o canteiro, na qual a observância às aspirações dos clientes e aos limites programá-ticos e orçamentários estavam sempre presen-tes. Não havia possibili-dade, desde a concepção inicial do projeto à rea-lização da obra, para o devaneio ou perda de tempo. Depois das pri-meiras vitórias em con-cursos, MMM Roberto contou com uma clien-tela crescente e diversifi -cada da iniciativa públi-

ca e privada, através da qual cresceu econômica e profissionalmente, impulsionado por um ritmo acelerado e contí-nuo de atividades inter-nas. Além disso, o Rio de Janeiro, sendo a capital da República, recebia os maiores investimentos por parte do poder pú-blico em obras de melho-ramentos concentradas entre o Centro e a Zona Sul da cidade.

No início da década de 1930, os chamados bair-ros oceânicos da Zona Sul carioca, Leme, Co-pacabana, Ipanema e certa parte do Leblon, já dispunham da rede ne-cessária de serviços para garantir segurança e

pavimento tipo

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1 5 10

alocação dos recursos, sendo o empreendi-mento considerado um sucesso na medida que o resultado da operação fi nanceira fosse positi-vo. Os mecanismos de controle dos resultados, por parte da clientela e por parte dos parceiros profi ssionais, principal-mente os engenheiros, eram mais efi cientes do que nos contratos com as instituições do poder público. Nessas circuns-tâncias, clientes e espe-cialistas eram considera-dos pelos Roberto como parceiros, aliados na luta pela realização de lucros e de um ideal maior, a construção de uma es-pacialidade visando a

melhoria das condições de vida de todos através do emprego das técnicas construtivas mais efi ca-zes e modernas.

Um duplo compromis-so surge dessa realidade: a busca por uma arquite-tura contida nos limites fi nanceiros e programá-ticos ao mesmo tempo que instigada pela supe-ração dos paradigmas de qualidades construtiva, funcional e expressiva. Tal tarefa exigia uma in-tensa organização e uma enorme quantidade de informações representa-das nos desenhos.

Em Resumo de uma Te-oria (1937), Marcelo Ro-berto afirmava que a boa arquitetura exigia

tanto a habilidade do arquiteto como a boa execução da obra. Para ele, sendo o programa somente um dado con-creto, os espaços é que deveriam responder às necessidades constan-tes e variáveis do ho-mem. De outra forma, era preciso atender às determinações do pro-grama e transcender na criação dos espaços, na inventividade e na qua-lidade construtiva.

Os conceitos de funcio-nalidade e de qualidade construtiva relacionam-se na medida em que ambos contribuem para a efi ciência do projeto. Embora sejam noções relativas, a funciona-

térreo

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lidade, aos hábitos, e a qualidade construtiva, aos recursos fi nanceiros e tecnológicos, a efi ciên-cia pode ser medida pela relação custo-benefício do volume produzido em função dos meios em-pregados. A qualidade construtiva demanda a escolha adequada de sis-temas e de materiais de acabamento, objetivando economia, durabilidade e expressão do edifício.

No conjunto estudado, verifi cam-se evoluções no sistema estrutural, o intercolúnio crescente e a busca pela esbeltez das peças do sistema em concreto armado. Em relação aos mate-riais de acabamento, há pesquisa de elementos mais apropriados para o emprego no programa específi co, destinado às classes de maior poder aquisitivo, nos quesitos manutenção, durabili-dade e expressividade.

Os sistemas de prote-ção solar e as esquadrias têm um significado crucial na obra dos Ro-berto, pela evolução de seus desenhos na busca pela maior efi ciência, e pelo emprego de mate-riais tecnologicamente evoluídos, introduzindo um novo repertório de formas e cores vivas. O conforto térmico resul-

ta da orientação correta dos compartimentos e da criação de mecanismos de proteção instalados nas fachadas, com o propósito de amenizar, no interior dos aparta-mentos, os efeitos das elevadas tempreraturas externas. O conforto vi-sual interno é obtido pelo cuidado em posicionar com esmero as aberturas para a melhor ilumina-ção dos compartimentos e para a melhor visibili-dade do morador em di-reção ao exterior.

O conforto funcional no conjunto estudado resulta de uma evolução do desenho das plantas, pela criação de circula-ções agradáveis, e pela justa disposição e bom dimensionamento dos ambientes. Por outro lado, a busca constante por soluções diversifi ca-das, a enorme variedade de modelos de unidades em um mesmo edifício, e a grande quantidade de apartamentos duplex (1/3 do total de 964 uni-dades do conjunto), in-dicam o empenho, com bons resultados, dos arquitetos pela criação de espaços dinâmicos e inventivos.

Relativamente à ex-pressividade dos edifí-cios, observa-se a fi liação dos arquitetos às noções

clássicas de composição, pelo uso de sequências numéricas de proporção áurea na determinação dos traçados das plantas e das fachadas. O já referi-do uso de cores vivas, com combinações não usuais, desperta curiosidade no conjunto estudado.

O pavimento de acesso desse conjunto deve ser considerado com aten-ção especial. Concebido como o prolongamento da rua, o então denomi-nado pilotis caracteriza-se pela transparência de seus ambientes de passagem e de estar. O pilotis confi gura-se pela organização de elemen-tos de forma, de cor e de textura de beleza insti-gante, como painéis, lagos, jardins e pilares, elementos que faziam parte de uma cidade que muito se transformou.

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O edifício Dona Fá-tima e Finúsia (1951) marca o início de novas pesquisas da expressão arquitetural na carrei-ra dos irmãos Roberto. Contemporâneo ao edi-fício Marquês do Herval (1952), suas fachadas compõem-se de planos descontínuos, cujas angulações conferem-lhes leituras dinâmi-cas. A transparência e a noção de continuida-de encontradas em seus pilotis fazem parte de um mesmo motivo, o da integração entre os es-paços externos e inter-nos, pela continuidade espacial, pela conquis-ta, na época, de uma nova realidade urbana. A alteração sistemática das características dos edifícios que compõem esse ambiente urbano, cujas qualidades arqui-

tetônicas merecem ser preservardas, precisa ser combatida.

O edifício Dona Fá-tima e Finúsia adquire importância especial, pela proximidade da morte de Mílton Rober-to, em 1953. Ele é um dos últimos exemplares desenhado pelos três ir-mãos, em um escritório recém inaugurado na rua do Ouvidor, onde uma das novidades eram as grandes pranchetas ho-rizontais, baixas e equi-padas com réguas T, em substituição às antigas pranchetas de inclinação regulável e equipadas com tecnígrafos.

Os habitos profis-sionais modifi cam-se, como os sociais, poden-do ser guardados em do-cumentos de memória. Valores permanentes, como as qualidades de

uma arquitetura bem proporcionada, precisam ser preservados de fato.

As datas 1935 e 1996 re-ferem-se respectivamen-te à primeira associação entre Marcelo Roberto (1908-1964) e Milton Roberto (1914-1953), e a morte de Maurício Ro-berto (1921-1996).

MMM Roberto foi a si-gla criada pelos irmãos quando do ingresso de Maurício, ainda estu-dante, na sociedade. A sigla MMM Roberto, substituta de MM Rober-to, foi mantida por Mar-celo e Maurício mesmo após a morte prematura de Mílton, em 1953, sen-do substituída, a partir de 1964, ano da morte de Marcelo, por M Roberto Arquitetos.

São estes edifícios: MMM Roberto (1945), Jú-lio Barros Barreto (1947),

Piancó (1949), Maman-guape (1950), Guarabira (1950), D. Fátima e Finú-sia (1951), João Mendes Magalhães (1951), Sado-ck de Sá (1952), Almiran-te Sadock de Sá (1953), Sambaíba (1953), Angel Ramirez (1954), Panora-ma (1955), Parque (1956), Dalton (1957), Barão de São Clemente (1959), São Joaquim (1959), Guarapes (1959), Bela Vista (1962), Salvador (1962), Verlaine (1966) e Gold Blue (1969).

Os concursos da ABI (1935) e do aeroporto Santos Dumont (1937) tiveram grande impor-tância na carreira dos Roberto por serem ini-ciais. Dois grandes pro-jetos sucessivos conquis-tados por dois arquitetos ainda muito jovens, em um escritório montado para participarem do primeiro concurso.•

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36

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31

ZOOM

L. C. Toledo fala sobre o projeto de urbanização da Rocinha

Uma conversa no Centro de educação e cultura lúdicaA. Mendonça, A. Coutinho, M. Palmeiro

ParticipaçãoM. Fernanda Lemos, Fernando Betim

AnotaçõesLarissa de Aguiar

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Page 24: Revista Noz 1

Projeto deurbanizaçãoda Rocinha

uma entrevista com Luiz Carlos Toledo

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Page 25: Revista Noz 1

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Page 26: Revista Noz 1

Luis Carlos Toledo: Se a comuni-dade escolhida não fosse a Roci-nha, possivelmente eu não teria participado do concurso. Meu interesse pela Rocinha, assim como o de outros membros de nossa equipe, é bastante antigo. No meu caso iniciou-se a mais de 10 anos, quando projetei a Vila Olímpica da Rocinha, projeto que infelizmente não foi implan-tado. Este projeto consistia em três grandes lajes dispostas em seqüência, suspensas sobre a La-goa Barra, numa espécie de pro-longamento natural do túnel Zuzu Angel. Formavam, em conjunto, uma superfície retangular de 200 metros de comprimento por 30 metros de largura, que se esten-dia da saída do túnel até a atual passarela. A idéia da laje, espaço criado para abrigar as atividades esportivas de que a Rocinha tan-to necessita, surgiu durante as inúmeras vezes que subi a Roci-nha para projetar, a pedido da as-sociação de moradores, algumas pequenas intervenções urbanís-ticas na comunidade. Eu sempre me admirava da forma como os moradores aproveitavam as lajes de suas moradias para desenvol-ver diversas atividades, inclusive as de lazer. A idéia da Vila Olím-pica surgiu desta forma, como uma extensão do engenho e do saber local. A laje não se limitava a oferecer os espaços necessários às atividades esportivas, culturais e de lazer, permitia ainda que a transposição da Estrada Lagoa Barra pudesse ser feita com mais segurança, através de escadas, rampas e até mesmo por elevado-res hidráulicos, projetados para atender aos portadores de neces-sidades especiais. As obras da Vila Olímpica chegaram a ser licitadas

no fi nal da gestão do prefeito Luiz Paulo Conde, mas com a posse do prefeito César Maia o projeto foi abandonado. Minha experiência em planejar em parceria com a população da Rocinha vem des-ta época, pois, se a idéia inicial da laje foi minha, seu desenho e principalmente as atividades que nela iriam se realizar foram amplamente discutidos com a co-munidade durante quatro meses em que nos reuníamos semanal-mente na sede da Região Admi-nistrativa, na Estrada da Gávea, então dirigida por Jorge Mamão, recentemente falecido.

Quando soube do concurso, me senti na obrigação de parti-cipar, pois nunca me conformei do projeto não ter ido adiante. Certamente nós da M&T não so-mos especialistas em projetos para comunidades carentes, apesar de termos em nosso cur-rículo a elaboração dos projetos de Favela-Bairro da Vila Man-gueiral, do Pavão Pavãozinho e do Cantagalo, além de um pro-jeto “Bairrinho”, feito para uma pequena comunidade de Irajá, vizinha à área onde foi implan-

tado o Rio Cidade, que também foi de nossa autoria.

Nossa participação no con-curso, portanto, se deveu ao desejo de aplicarmos uma me-todologia que fosse capaz de integrar de forma definitiva a Rocinha ao resto da Cidade. Uma metodologia de planeja-mento baseada na participação e que nos permitisse ir além dos projetos de caráter pontual que, tradicionalmente, vem sendo implementados pelo programa Favela-Bairro. Contavamos, nes-te sentido, com uma experiência recente, que foi a elaboração, durante 2005 e 2006, de onze planos diretores participativos, coordenados pela M&T, na Re-gião Serrana do Espírito Santo.

Nossa idéia era construir um plano diretor que pudesse envol-ver efetivamente a população or-ganizada da Rocinha, trabalhan-do com eles e não para eles.

NOZ: O concurso de idéias para a Rocinha, do qual você foi vencedor, é um assunto bastante atual e merece ser discutido de forma ampla por nós estudantes de arquitetura. O que despertou seu interesse em participar desse concurso?

Vila Olímpica da Rocinha

24 ZOOM

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Page 27: Revista Noz 1

comunidade

da rocinha

equipe

técnica

1 contratoopinião

idéias

registro

2 aquecimentoproposta

proposta

leitura técnica

3 dramatização

ação

papeis

confl itos

contradições

soluções

propostas

leitura

técnica

4 compartilhar

emoção

interesse

fi lmar

mensagem

emoção

5 processamento relato

processo

prancha

“x”participação

oferta

dem

an

das

REAL

PRETÉRITO

IDEAL

PORVIR

RELATOS

CENAS

CONTRATOS

Uma questão relativa ao concurso propria-mente dito é sobre sua metodologia. Essa metodologia foi o diferencial de seu projeto?

Acho que sim. Acredito que para se ter êxito, em qualquer con-curso, é preciso criar o que eu chamo, parodiando Louis Kahn, uma idéia força. No concurso da Rocinha, essa idéia foi, sem dú-vida alguma, a participação. Um outro ponto que contribuiu para nossa vitória foi um grande cui-dado na composição da equipe, formada não só por profi ssionais com grande experiência em pro-jetos semelhantes, mas também por arquitetos e engenheiros que já tinham trabalhado na Rocinha e que com ela tinham uma forte relação profissional e emocio-nal. Sem conhecimento prévio e muita paixão, é muito difícil ter sucesso em um concurso como foi o da Rocinha, no qual concor-reram excelentes profi ssionais.

O que veio a se mostrar ain-da mais importante foi o fato de termos convidado para participar da equipe dois moradores da Rocinha, o Paulo César Valé-rio, mais conhecido como PC e o Ediglê. A contribuição destes companheiros, durante todo o tempo que durou o concurso, foi fundamental para o resultado que alcançamos.

Um outro ponto importante para nossa vitória foi a esco-lha que fizemos de uma área exemplar, onde pudemos apro-fundar nossas propostas. O edital do concurso solicitava claramente que as equipes de-finissem uma área exemplar e, inacreditavelmente, se não estou enganado, nossa equipe foi a única a fazê-lo.

diagrama da participação

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Page 28: Revista Noz 1

mirante

espaços para aeração e insolação

área exemplar

fábrica de pré-moldados

estacionamento

proposta de ampliação

condomínio residencial

indicação para tombamento

regularização

da Rua 4

Baia

Creche Referência

unidade pré-hospitalar

núcleo de habitações

provisórias

Projeto Semente

urbanização

no talvegue

conjunto de edifi cações

indicação para tombamento

blocos residenciais

ligados por passarelas

Como foi feita a escolha dessa área exemplar?

Procuramos uma área típica da comunidade, na qual os pro-blemas de adensamento exces-sivo, topografi a desfavorável à urbanização, falta de acessibi-lidade, ocupação de talvegues e condições de saúde precá-rias, entre outros, fossem evi-dentes. Na escolha desta área, a presença do PC e do Ediglê na equipe foi fundamental, dado o grande conhecimento que tinham da Rocinha. A área, fi -nalmente escolhida, localiza-se no centro da comunidade e tem como limites a Estrada da

Gávea e a Rua 4. Nesta área, num trabalho que envolveu toda a equipe, fi zemos um le-vantamento bastante preciso do uso do solo efetivo e do número de pavimento das edi-fi cações. Outro fator que nos levou a apontar esta área como exemplar foi o fato de que nela se encontra a maior parte das áreas planas disponíveis na comunidade, hoje ocupadas por garagens de ônibus e que, com o início do Plano Diretor, começam a ser desapropriadas pelo Governo do Estado.

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Page 29: Revista Noz 1

Espaço de Integração: Via Ápia/Zuzu Angel

O anel viário é um espaço de integração entre a cidade formal e a cidade informal?

O anel viário foi proposto tendo como objetivo criar melhores condições de acessibilidade en-tre os sub-bairros e funcionar como um delimitador do cresci-mento horizontal da Rocinha.

No entanto, se pensarmos nas ações de refl orestamento e implantação de hortas pre-vistas para as áreas fora do anel, o papel simbólico desta proposta deverá ser bastante ampliado, na medida em que toda a cidade possa acompa-nhar a parceria entre Estado e Comunidade na recuperação paisagística das encostas que envolvem a Rocinha.

Um ponto que gera muita discussão no projeto é a criação de um anel viário em torno da Roci-nha. O que seria esse anel?

Acreditamos que a vertica-lização crescente das edifica-ções da Rocinha, assim como seu crescimento horizontal só poderão ser contidos a partir do estabelecimento de um pac-to social entre a sua população e os poderes públicos, pacto construído a partir da perma-nente presença dos três níveis de governo na comunidade. Presença que se daria pela aplicação de políticas públi-cas de regularização fundiária, educação, saúde, saneamen-to, segurança, entre outras, e através do permanente acom-panhamento e fiscalização das

construções, obrigação do Go-verno Municipal, o que só será possível após a criação de uma legislação urbanística para a Rocinha.

É nesse contexto que propo-mos a implantação de um anel viário que, contornando a co-munidade, além de facilitar a comunicação entre os diferentes sub-bairros da Rocinha funciona-rá como seu limite natural. Além dele, envolvendo toda a comuni-dade, propomos um grande pro-grama de refl orestamento que devolva à cidade parte da cober-tura vegetal perdida e um progra-ma de hortas comunitárias.

Existe um consenso não só em toda a cidade, mas principal-mente na própria comunidade que a Rocinha precisa parar de crescer. Somente quem passa por suas travessas, algumas ve-zes verdadeiros túneis sem ilu-minação e ventilação, como no caso da Rua 4, se dá conta da to-tal necessidade de contermos o crescimento da favela, que hoje já possui dezenas de prédios com mais de oito pavimentos. Tão grave como a recente verti-calização da comunidade é sua expansão horizontal praticada em direção às áreas de risco ou de interesse ambiental.

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Page 30: Revista Noz 1

Então, quais os espaços de integração criados pelo projeto com a área de São Conrado e da Gávea, que são bairros de classe média alta?

As diferenças urbanísticas e edi-lícias de comunidades como a Rocinha se evidenciam em seus espaços fronteiriços, limites vir-tuais entre a favela e a cidade dita formal.

Sempre nos preocupamos em dotar essas áreas de equipamen-tos que possam ser usados em conjunto pelos moradores destes dois mundos, que, não podemos nunca nos esquecer, pertencem à mesma cidade!

Assim, na Gávea, onde fun-ciona a Escola Americana, que está de mudança para a Barra, propusemos criar uma escola técnica, a primeira da Zona Sul, que certamente terá como alu-nos não só os jovens da Rocinha como também de toda a cida-de e, em especial, os jovens da Zona Sul do Rio.

Do lado de São Conrado, pre-vimos a implantação de um mer-cado do produtor, um centro cul-tural, uma creche e uma grande área de lazer entre o CIEP Ayrton Senna e a escola de samba. Sob esta área será construído um es-tacionamento e serão ampliadas as atuais instalações de uma co-operativa de reciclagem.

Os trafi cantes terão que apren-der a lidar com situações novas, todas elas voltadas para a me-lhoria das condições de vida da comunidade a qual pertencem. Não temos nenhum especialista em segurança em nossa equipe, além do que não entendemos nada de tráfi co nem de violên-cia. Tendo ao nosso lado toda a comunidade da Rocinha, não estamos preocupados, pelo me-nos até o momento, com uma eventual reação negativa.

Existem na Rocinha, como você disse, áreas mais pobres e áreas mais ricas. Você acha que especialmente para as áreas mais pobres ocorreria um aumento no custo de vida após a implantação do projeto?

Isso é verdade, pois grande parte dos moradores da Roci-nha passarão a arcar com des-pesas como taxas e impostos que remuneram os serviços que passarão a dispor.

Por outro lado, as obras de reestruturação viária, de sane-

amento, ilumina-ção e os novos equi-pamentos urbanos e habitações que serão implantados

valorizarão as atuais proprie-dades, principalmente após sua regularização fundiária.

Muitos moradores dese-jarão realizar lucros e vende-rão suas residências, poden-do permanecer ou mudar da Rocinha. Só o tempo dirá, o processo de transformação da Rocinha só se completará em médio prazo, já que, como diz um de seus moradores, não será apenas uma transforma-ção urbanística e sim uma “ur-banização de mentes”.

Você estava falando dessa relação com os mora-dores e nos veio a questão do tráfi co. Como você acha que o tráfi co de drogas da Rocinha pode reagir à intervenção?

Espaço de Integração : Praça, Mercadão e Centro Cultural

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Page 31: Revista Noz 1

Esse concurso para Rocinha foi um concurso de idéias patrocinado pelo Governo do Estado. O fato de a Rocinha ser na Zona Sul, ter uma visibilidade grande e um potencial turístico para a cidade foram fatores estimuladores para se ter escolhido a Rocinha e não a Favela da Maré, por exemplo?

Acho que sim. Mas não podemos minimizar o papel da população da Rocinha nesta decisão. Um fato pouco divulgado é que a proposta de se elaborar o Plano Diretor da Rocinha surgiu num fórum organizado pelo Governo do Estado do qual participaram associações de moradores não só da Rocinha como de São Conrado e da Gávea. O fórum, que funcionou durante quase um ano, tinha várias câmaras técnicas, sendo que a de urba-nismo estabeleceu, como uma de suas diretrizes, a realização do Plano Diretor.

Espaço de Integração: Creche Referência e Centro Esportivo

Qual o tempo de obra estimado para a implan-tação do projeto?

Por fi m, dado o início da elaboração do projeto básico e do levantamento topográfi co da Ro-cinha, quais as suas expectativas em relação a completa implantação do projeto?

As melhores possíveis, não obs-tante as difi culdades naturais de implantação de uma pro-posta como esta. Sinto um es-forço muito grande do Governo do Estado neste sentido e não podemos esquecer que o Rio de Janeiro há muitos anos não vive uma situação tão favorá-vel no que se refere à harmo-nia entre os Governos Federal, Estadual e Municipal.•

Existe uma primeira etapa pre-vista para os próximos quatro anos, mas, para que todas as ações já previstas e as que de-verão surgir após o processo participativo sejam implanta-das, acho que será preciso pelo menos uma década.

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Page 32: Revista Noz 1

Proposta geral do projeto

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Page 33: Revista Noz 1

Participação?

O termo participação

se tornou tão usual que

naturalmente podemos nos

remeter a ambientes de

discursos sociais, políticos

e até econômicos. Para não

corrermos o risco de bana-

lizarmos o seu emprego, e

sob o prisma da prática da

construção dos espaços e

dos objetos, gostaríamos de

propor nesse artigo o ques-

tionamento do signifi cado

desse termo e as impli-

cações da sua utilização.

Vamos refl etir, então, sobre

os desafi os e obstáculos que

essa prática participativa

encontra na sua aplicação.

O primeiro desafi o é a pró-

pria construção do acordo

e do entendimento coletivo

sobre o termo. O segundo

é a barreira – a ser rompida

– provocada pela urgência

produtiva contemporânea,

que acaba por banir de

seu processo produtivo

os diferentes saberes e a

pluralidade cultural, o que

é, em si, contrário à idéia

de coletividade e inclusão,

própria do conceito de

participação.

Quem quer que participemos?

Maria Fernanda LemosArquiteta e Urbanista, Professora de projeto do CAU-PUC-Rio, Mestre em Urbanismo pela UFRJFernando BetimArquiteto e Urbanista, Artista Plástico, Professor de Projeto do CAU-PUC-Rio, Mestre em Design pela PUC-Rio

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Page 34: Revista Noz 1

À reprodução indiscrimi-

nada do termo participação

nas últimas décadas – sob

bandeiras como da sus-tentabilidade do planeta

e da gestão democrática

das cidades – somou-se

um movimento de crítica

e repulsa às apropriações

pouco comprometidas com

o signifi cado e com os obje-

tivos reais da palavra. Hoje,

além do uso recorrente,

muitas vezes indevido, e

das já castigadas críticas

que continuam se repro-

duzindo, chega o tempo

em que não é mais possível

fugir da consciência dessa

forma de produção do es-

paço que se insere em uma

forma de produção política

e social. Seria bem mais

simples se não precisásse-

mos assistir a solicitações

e convocações explorató-

rias que imploram adesão

para ações de interesse

nem sempre coletivo.

Na primeira defi nição,

aquela que trata do sig-

nificado da palavra no

contexto exclusivo da lín-

gua, participação signifi ca

o ato de participar, ou de

ter parte em algo. Inda-

guemos então: quem toma

parte em quê?.

Se colocarmos, agora,

a nossa investigação no

contexto do já referido ur-

banismo democrático, pode-

mos supor que quem toma

parte são todos os agentes

envolvidos numa determi-

nada decisão que lhes afeta

pessoalmente e coletiva-

mente. Se pensarmos na

gestão da cidade, na gestão

das verbas de uma cidade,

no plano para a ocupação

de uma determinada área

de expansão da cidade, ou

mesmo no projeto de um

equipamento de uso cole-

tivo, a participação seria,

então, a tomada de deci-

sões relativas a cada uma

dessas ações, por todos os

agentes envolvidos: cida-

dãos, gestores, instituições,

organizações, empresários,

investidores, etc.

Observamos também a

idéia de construção coletiva

e, conseqüentemente, de co-munhão nas ações constru-tivas, mas para que haja esta

comunhão é necessário que

haja respeito das diferenças e

aceitação do outro. Estamos

diante do caminho confl itu-

oso da inclusão.

Por fi m, será necessá-

rio entender participação

como um processo de ges-

tão, planejamento, projeto

e construção. Essa forma

de gestão, planejamento,

projeto e construção, tal-

vez não seja nova, mas as

mudanças que ela promo-

ve em relação a processos

utilizados anteriormente

estariam de acordo com a

capacidade de as diferen-

tes pessoas participantes

acompanharem? O que de-

termina o sucesso de um

processo participativo além

de: construção de um acor-

do, inclusão e aceitação de

diferenças e pluralidade?

Quem participa? Do quê? Como?

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Page 35: Revista Noz 1

Nesse contexto, há uma

incoerência entre a velo-cidade própria dos nossos tempos – ainda moder-

nos? – e o ritmo próprio da construção coletiva a que

a idéia de participação nos

remete. Um dos aspectos

fundamentais desse tema

é a possibilidade, ou não,

da prática da construção

participativa dos espaços

em que vivemos poder

acompanhar o ritmo de-

senfreado das urgências e

das demandas de hoje.

Temos muita pressa, e

esta pode ter algumas de

suas raízes no modelo indus-

trial adotado pelas nações

competitivas do planeta.

Em 1914, na Reunião

Anual do Deutsche Werk-

bund em Colônia, Henry

Muthesius e Henry Van de

Velde estabeleceram uma

confrontação de fundamen-

tos conceituais que histo-

ricamente determinaram

uma ruptura do processo

artesanal em relação à pro-

dução industrial padroniza-

da. Estas questões repercu-

tem até hoje, quando nos

envolvemos com uma ques-

tão maior, que é o equilí-

brio ambiental a partir da

sustentabilidade do planeta

e de seus habitantes nem

sempre incluídos.

Neste confronto de

idéias, Muthesius estabe-

lece abertamente a defesa

da urgente padronização

e racionalização da arte

para a produção de bens,

como estratégia de sobre-

vivência nacional. Já Van de

Velde contra-argumenta

com a necessidade de in-

clusão dos artistas neste

processo, de tal modo que

haveria que se considerar o

tempo natural advindo do

ciclo criação e realização

artísticos necessário para

consolidar esta nova esté-

tica padronizada.

Desta dualidade ganha-

ram peso manifestos (se-

mana de 22) de apelo ao

progresso advindo da má-

quina e da estética subtraí-

da desta. Apelo à velocidade

e à reconstrução de valores

estéticos e culturais. Incu-

timos ao longo deste perí-

odo modernista uma série

de conceitos que vieram aos

poucos alterando o ritmo

de nossas vidas e o próprio

espaço que habitamos. Ar-

quitetos produzem espaços

como máquinas de morar, e

também desenvolvem obje-

tos e mobiliários com este

novo pensamento. A veloci-

dade se impõe na produção,

no uso e na substituição não

só de objetos como também

de valores sociais.

Alteraram-se o ritmo de aprendizado, o ritmo de criação e o ritmo de produção.

Construíram-se cida-

des com este pensamento,

produziram-se veículos de

locomoção, desenvolveram-

se tecnologias para produ-

ção de objetos e vestuários

que permitissem agilizar

o tempo de atividades e

otimizar este tempo para

produzir ainda mais.

Ainda vivemos sob clima

de insegurança. Surgem e

terminam guerras que nos

relembram a necessidade

de competitividade pro-

posta por Muthesius. O

consumo desenfreado de

matérias-primas e o uso de

energias não-renováveis

desencadearam um des-

compasso com a capacida-

de da natureza para prover

material e recuperar suas

condições de equilíbrio. Se

somamos a este quadro a

efi ciência tecnológica pro-

porcionada pelos princí-

pios de aceleração produ-

tiva e de competitividade,

teremos um quadro ainda

mais preocupante.

No entanto, encontra-

mos hoje uma série de ca-

sos exemplares de como

setores produtivos têm

percebido o valor de asso-

ciar atividades artesanais a

seus processos produtivos.

A incorporação dos saberes

culturais e conhecimentos

artesanais num planeja-

mento maior de políticas

econômicas talvez surpre-

enda pela quantidade de

possibilidades e de aber-

tura de novas frentes de

pesquisa, tanto para ob-

Velocidade e criação

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Page 36: Revista Noz 1

Participação, então, signi-

fi ca inclusão: inclusão de

pessoas e inclusão de sabe-

res. Inclusão e saberes que

a modernidade rejeita no

processo produtivo carac-

terizado pela urgência, con-

fl itante com o processo de

construção coletiva.

A posição dos biólogos

H. Maturana e F. Varela so-

bre o conhecimento é de

que trazemos uma heran-

ça biológica comum, que

carrega os fundamentos de

um mundo comum. Das

heranças lingüísticas di-

ferentes surgem todas as

diferenças de mundos cul-

turais, que como homens

podemos viver dentro de

nossos próprios limites bio-

lógicos. Todo conhecer hu-

mano pertence a um desses

mundos, e, neste contexto,

é sempre vivido dentro de

uma tradição cultural.

Mostram ainda que

vivemos num ambiente

de autonomia e interde-

pendência, e que como

seres humanos só temos

o mundo que criamos com

os outros, e isto é funda-

mental para a manutenção

dos organismos vivos. O

ser humano, como parte de

um corpo vivo maior, não

pode ignorar a necessida-

de de incluir em qualquer

processo produtivo seus

semelhantes, pois estes

obrigatoriamente intera-

gem no mesmo espaço em

que convivem.

V. Papanek, por sua vez,

apresenta uma grande

preocupação com o cres-

cimento desgovernado do

consumo de bens associa-

do ao aumento popula-

cional. Para tal propõe a

participação das pessoas

nas decisões produtivas.

Propõe também o saber

da arquitetura e do design

tratado de forma mais am-

pla, desde o ensino básico,

como uma aprendizagem

vital ao ser humano.

Um ritmo de produção

que se reduz com a partici-

pação do saber tradicional

e de sua produção artística

permite também a recom-

posição do ambiente natural

para uma economia equili-brada. O futuro se torna uma

quimera ao revisitarmos a

história e observarmos a

velocidade com que trans-

formamos o planeta.

Uma revisão no compor-

tamento da sociedade, de

seus modelos de desenvol-

vimento, da real necessi-

dade de possuir bens se faz

necessária. Uma visão sus-

tentada pela proposta de

não adquirirmos bens, mas

alugarmos ou criá-los.

E quem sabe, se, por um

sonho, combinarmos todos

de desacelerarmos nossa

atividade produtiva, pode-

remos responder objetiva-

mente ao verdadeiro risco

de sobrevivência um dia

levantado por Muthesius.

Com certeza mal não faria.

Inclusão de saberese inclusão de pessoas!

tenção de novos produtos

como para o aprimoramen-

to resultante desta massa

de criadores incorporados

ao sistema produtivo. O

ritmo de produção, embora

mais lento, provavelmen-

te é mais adequado às re-

composições necessárias

do ambiente produtivo, e

com bom planejamento

obtém-se muito menor

gasto de energia contabi-

lizada, tanto no produto

fi nal quanto no ciclo de

vida útil do produto.

O arquiteto Hassan

Fathy já havia percebido

uma alteração cultural

na práxis construtiva dos

egípcios em 1942, e relata

a transformação dos mé-

todos construtivos com

a implementação do pla-

nejamento racionalista e

industrializante nos projetos

arquitetônicos. A introdu-

ção da linguagem técnica

no processo construtivo

carregou consigo todo um

modelo construtivo apoia-

do nos materiais pré-fabri-

cados e comercializáveis.

Este fator marginalizou

não só os mestres, com

seu conhecimento secular,

como também o aprendi-

zado transmitido por estes

aos mais novos. A agonia

de uma tradição construti-

va baseada na participação

comunitária. O emprega-

dor antes também par-

ticipante deste processo

se viu frente a um novo

interlocutor: o arquiteto,

senhor das ações e decisões

construtivas e detentor do

conhecimento desta nova

linguagem técnica apre-

sentada às comunidades.

A decadência artesanal

foi acompanhada direta-

mente da má qualidade

construtiva e inadequa-

ção ambiental dos espaços

onde vivemos.

Quando tratamos o co-

nhecimento do passado,

corremos sempre o risco

de abordá-lo segundo os

conhecimentos do presen-

te, introduzindo juízos de

valor inoportunos. Nestes

casos de incorporação de

saberes tradicionais por ou-

tros saberes, nossa percep-

ção é de que devemos estar

principalmente refl exivos

sobre o possível dano que

pode provocar ao ambiente

e seus ocupantes, e mes-

mo sobre os prejuízos às

informações que podem se

perder, em detrimento da

própria ciência.

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Page 37: Revista Noz 1

Gostaríamos de deixar em

aberto o tema para refl e-

xão. Se nós, designers,

arquitetos e urbanistas,

projetamos para o nosso

tempo e se o projeto de

arquitetura e urbanismo

for tratado como uma re-

fl exão teórica e produção

de conhecimento, talvez

devêssemos cuidar da

construção e apropriação

dos conceitos e ideais que

são próprios do nosso tem-

po, assim como assumir

Para refl exão...

a responsabilidade pela

propagação destes.

Para terminar, e para

instigá-los, vamos lembrar

um dos diversos slogans

divulgados por estudantes

franceses em 68, que ilus-

tra ironicamente o risco do

uso inconseqüente do ter-

mo participação. Diziam os

estudantes:

...eu participo; tu partici-pas; ele participa; nós par-ticipamos; vós participais; eles decidem... •

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Uma conversa no

Adriano MendonçaAntonio Pedro Coutinho Maria Isabel PalmeiroAlunos do CAU/PUC-Rio

“Centro deeducaçãoe culturalúdica”da ASPA, Rocinha

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A conversa surgiu a partir do convite de um amigo, parceiro do ponto de cul-tura. O número do lugar, localizado no Largo do Boiadeiro, na Rocinha, nunca soubemos, porque, na primeira vez, subimos acompanhados. Depois, já sabíamos o caminho, que sempre fi zemos sem mui-tas paradas ou desvios de percurso. O ponto de cul-tura funciona como fomen-tador de atividades educa-tivas e lúdicas, espalhadas por diferentes espaços da comunidade, inclusive es-colas. A pequena sala, de 50 m², deveria passar a ser o seu centro de referência, espaço de concentração e registro de suas ativi-dades. O coordenador, Firmino, foi nosso principal interlocutor.

Na primeira conversa, fa-lamos com o Firmino sobre o projeto e conhecemos alguns meninos que participam de atividades do ponto. Não tinha um briefing. Fomos descobrindo o que é o pon-to de cultura ao longo das conversas, e até hoje não temos noção de tudo o que ele representa na favela.

Nossa expectativa de fazer um projeto em uma favela girava em torno de algumas fantasias e alguns fantasmas teóricos. Aos poucos, a expe-riência foi se tornando mais palpável, mais concreta, mas ainda muito distante de uma compreensão da situação real. Em algumas situações, estivemos diante de sinais de violência e sentimo-nos talvez mais vulneráveis por nos vermos como estranhos. O agir naturalmente, nada

natural, pareceu ser o único procedimento.

Nossa participação acon-teceu em uma série de con-versas. Sempre que alguma coisa ia ser feita ou que surgia alguma necessidade, o Firmino nos chamava, e íamos conversar. Foi assim que tudo foi executado. Tive-mos um único encontro com os executores, dois pedreiros da Rocinha mesmo, tendo a planta baixa e as perspecti-vas como única base. Nos rendemos à sua lógica cons-trutiva, que se impôs como o jeito que aqui se faz. Uma lógica que descarta o pla-nejamento e o desenho, em nome do jeitinho viciado do desperdício e da gambiarra. Talvez nosso maior erro.

Tivemos total liberdade, respeito por nossas idéias. O canal foi mantido sempre

A EXPERIÊNCIA

aberto e direto. O espaço tem algo de muito conta-giante, que permeou nosso trabalho de ânimo. E a fa-vela, a despeito de todos os problemas, sempre provoca o desejo pela beleza. Uma beleza que é resultado de uma ação, de um movimen-to de vida.

O ponto ainda não está pronto. A sala já está sendo utilizada, as aulas já volta-ram a acontecer, mesmo sem todo o mobiliário, que está ainda só em desenho, sem as fachadas verdes pla-nejadas, ou o kit-multimídia prometido. É um projeto em andamento. E pra nós sem-pre estará em aberto.

Agradecimentos a Natércia, Firmino, Vicente, pela opor-tunidade, pela confiança, e pela conversa.

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Com pequenas janelas, a sala era pouco iluminada e ventilada pelo alto. Uma das janelas, tal o desnível do entorno, quase coincidia com a calçada. O programa proposto previa uma saleta multi-uso, banheiros para crianças e adultos, e má-xima fl exibilidade de uso no ambiente principal. Havia uma forte ênfase em questões de segurança e privacidade.

A nossa proposta se pau-tou por três princípios: má-xima fl exibilidade de usos, economia de recursos e conforto térmico e lumíni-co. Para isso, propusemos:

Eliminação de elemen-tos fi xos no ambiente prin-cipal, com mobiliário móvel

planta baixa

O PROJETO

das janelas e da porta, que se tornaria um gran-de portão de abertura da sala para a comunidade. Outra foi o uso de plantas na fachada, que atuariam como peneiras verdes e con-tribuiriam para amenizar a aridez da paisagem.

O primeiro item a ser negociado foi a fartura de aberturas. A segurança do esperado kit multimídia era prioridade. A fantasiada abertura para a comunidade é bastante controlada, um pouco desconfi ada.

O segundo, o acesso a defi cientes aos banheiros. Não importava todos os inconvenientes que impos-sibilitariam sua chegada, a sala deveria estar apta ao

e um sistema de cortinas e varais aliados à estrutu-ra existente, para possível separação de ambientes e disposição de materiais. A saleta multiuso foi agrupa-da e nivelada com a área de banheiros, concentrando, de um só lado, na cota 0,20, os espaços fi xos.

Para a divisão dos ba-nheiros e saleta, foi utili-zado um único material: uma placa reciclada de material plástico alumina-do; leves, de baixo custo e propriedades térmicas fa-voráveis. Os pisos e paredes foram mantidos da forma como estavam.

Para ventilar e iluminar naturalmente o espaço, propusemos a ampliação

seu deslocamento, se refe-renciar tal medida. O mate-rial demolido foi utilizado para elevar o piso da sala multi-mídia, acertando-o com o banheiro.

As divisórias foram es-truturadas em “metalon”. Um desentendimento en-tre os faz-tudo contribuiu para o mau acabamento na aplicação dos painéis. As esquadrias foram todas reutilizadas, ajustadas às novas medidas.

O mobiliário proposto aproveita os nichos exis-tentes, a saliência das vi-gas (usadas como suporte das cortinas) e a localização central do pilar (torna-se mastro dos cabos dos varais e outros penduráveis).•

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Larissa de Aguiar BarbosaAluna do CAU/PUC-Rio

anotações

É cada vez mais aparente a informali-dade nas relações humanas, negócios, no mundo da música, entre outras ati-vidades. A arquitetura e o urbanismo não poderiam estar excluídas desse pa-norama. Na verdade, para os arquitetos a informalidade é tão antiga quanto a própria arquitetura, já que, ao lado da vontade primeira do abrigo e do querer arquitetônico, está a informalidade técnica, a artística que, posteriormente desenvolvida e culturalmente estabele-cida, traz regras e formalidades.

Mesmo assim o tema favela pa-rece muito recente. A denominação foi trazida pelos soldados vindos da Guerra de Canudos, que assim chama-vam o morro que usavam como ponto estratégico no sertão. Popularizou-se o termo, assim como foi popularizada essa tipologia de traçado e construção. E somente no século 20 é que a questão torna-se polêmica, quando as favelas começaram a incomodar os acadêmicos e políticos de discurso higienista, devi-do ao crescimento da autoconstrução informal no Rio de Janeiro.

Atualmente, as favelas são en-contradas no Brasil inteiro, sendo

Recife a cidade com maior porcenta-gem de habitantes favelizados, segui-da de Belo Horizonte e Porto Alegre. Estima-se que esse tipo de construção, não preocupado com o traçado urbano e espontâneo por natureza, é o que mais ocorre no mundo, tornando a aproximação dos arquitetos a essa realidade imprescindível.

Um século foi gasto na tentativa de dizimá-las. E para muitos leigos a perspectiva ainda é essa, murar e destruir. É claro que muitas vezes de-saparecer com o problema pode parecer muito fácil para alguns, principal-mente quando se vê como por uma vitrine, distanciado pelos elevados e pela velocidade, conformando apenas manchas na visão.

O distanciamento não apenas so-cial ocorre desde o ensino acadêmico, o qual muitas vezes, não aproxima o aluno desse tema e, o que é mais grave, relega a prática da técnica construtiva aos estágios e trabalhos complementares. Estabelece-se, assim, um relaciona-mento problemático entre os profi s-sionais e os clientes em potencial, no qual os primeiros detêm a técnica teó-

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rica, e os últimos, a prática empírica. Após a graduação, ainda é mais difícil o aprofundamento nessas questões por desconhecimento e/ou pela aparente irrelevância do assunto.

O sistema é agravado quando a principal característica da arquitetura informal esbarra no cerne arquitetô-nico: o controle, o planejamento e o querer artístico. Como fazer-nos úteis a esse mercado que, certamente, tem capacidade de comprar materiais de construção, tem um relativo domínio da técnica e necessidade urgente de moradia? O que podemos depreender dessa realidade?

Em Estética da Ginga, Paola Beres-tein coloca em discussão um novo pro-fi ssional, assim como a necessidade do arquiteto em controlar o processo criativo e o produto acabado – o que será construído. A autora propõe um articu-lador, amparando com seus conheci-mentos técnicos as vontades e necessi-dades construtivas. trabalhando mais por infl uência do que como defi nidor do projeto e do produto fi nal.

Obviamente que, para isso aconte-cer, é necessário ampliar o diálogo com os novos clientes e melhorar o entendi-mento do que é morar na favela. E como entender isso sem o convívio? Faz-se impossível uma aproximação adequada se o que orienta nossos conceitos são as novelas da televisão, as notícias nos jor-nais e, até mesmo, documentários su-perfi ciais sobre o assunto. Esses meios de comunicação são, em sua maioria, reconhecidamente homogeneizadores

e formadores de estereótipos. Padrões e estereótipos são neces-

sários quando se faz preciso ler um es-paço e seus códigos. Precisamos dessas referências para guiar-nos no espaço urbano. Em contrapartida, precisamos relativizar nossos preconceitos frente, principalmente, ao medo. Milhões de reais e dólares são gastos por ano pela indústria do medo. Tudo isso em um ciclo vicioso mantido pelo preconceito e o distanciamento.

Como profi ssionais, temos que fugir do olhar comum. Indagar o que lemos e vemos. Para exemplifi car, cito uma experiência narrada na primeira semana de arquitetura e urbanismo da Universidade PUC-Rio - Ser Urbano por Marisa Vassimon, do Canal Futura: em uma visita a uma favela carioca, vendo o fotógrafo, as crianças, que jogavam bola, perguntam se ele preferia que elas tirassem os sapatos e as camisas. O fotógrafo, surpreso, pergunta o porquê. As crianças responderam: é normal representantes da mídia pedirem para que a foto fi que melhor.

É preciso entrar nas vielas, con-versar com os moradores, conviver com suas difi culdades. Perguntar e se pro-por a aprender um pouco dessa sabe-doria construtiva da espontaneidade. Afi nal de contas, temos de reconhecer que, na pior das circunstâncias, foram capazes de construir a cidade deles.

Parece fantasia, mas já existem algumas iniciativas. Tomemos o exem-plo da ONG Usina-Centro de trabalhos para o ambiente habitado em São Pau-

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lo, que, por meio de uma política de mutirões autogeridos e equipes multi-disciplinares, propõe projetos baseados na participação e educação popular, por meio dos quais os futuros usuários par-ticipam da discussão sobre conceitos de urbanização, regras de vizinhança, legislação, entre outros.

A elaboração do projeto é partici-pativa, sempre levando em conta que serão construídos em mutirão, o que tem efeito direto na escolha do siste-ma construtivo, da implantação e do programa a ser seguido. Geralmente, as estruturas são autoportantes ou, em alguns projetos, metálica, como no caso da Associação Paulo Freire (2005). É uma forma de livrar a mão de obra por meio do uso de estruturas leves e de rápi-da execução, já que a maior parte da força de trabalho é feminina, diz Jade Percassi. Como ONG, o grupo trabalha junto às administrações municipais, às as-sociações de moradores com recursos governamentais e privados.

No Rio de Janeiro, ressalto não os grandes projetos de urbanização das favelas como o Favela-Bairro e até mesmo o Bairrinho, mas uma ação de prevenção e convívio. O Posto de Orien-tação Urbanística e Social – Pouso, que consiste em uma equipe de profi ssio-nais multidisciplinar que discute, nas comunidades, desde questões urba-nísticas, de cidadania e problemas de construção, como infi ltrações e proble-mas elétricos. São oferecidos também alguns cursos, como o de Capacitação de Trabalhadores da Construção Ci-

vil, com os quais os alunos sempre se surpreendem, mesmo já tendo anos trabalhando na construção civil, como o caso do Sr. Sebastião, que diz nunca ter prestado atenção a detalhes como observar a metragem de uma janela e a parede onde ela deve ser aberta, para não confrontar com a casa do vizinho.

Para a arquiteta Maria Helena Röhe Salomon, do POUSO de Vila Ca-noas, em São Conrado, o maior desafi o é o controle e o acompanhamento do crescimento da comunidade. O arqui-teto é desprovido de meios legais para demolição e transferência de famílias, especialmente aquelas que têm suas casas em área de risco (geralmente em decorrência de burocracias e falta de interesse político). É preciso muita pa-ciência para convencer os moradores a não acrescentarem mais um andar em suas residências, ou mesmo a constru-ção de uma nova. O que resulta é um relacionamento mais próximo entre os moradores e os arquitetos. A própria comunidade, no fi nal das contas, re-conhece a importância da assistência técnica e até pede por intervenções para o controle dela mesma.

Frente a estes exemplos, fi ca evidente que a atuação de arquitetos junto às comunidades não é nenhu-ma utopia. É uma responsabilida-de que temos, assim como médicos frente ao enfermo, de atuar, porque temos o conhecimento para, no míni-mo, auxiliar àqueles que na medida do possível constroem seu próprio ambiente urbano. •

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RUÍDOS

A cidade como textoRenato Gomes

Simmel: A metrópole e a grande cidadeRicardo Benzaquen

RelicárioJuliana Sicuro

Tabuleiro da ruaAos sete maresOs sete novos

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A CIDADE COMO TEXTO

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Dar uma defi nição defi nitiva, globalizada, to-talizante de cidade, hoje, é muito complicado. As defi nições recorrentes de oposição cam-po- cidade, ou a cidade em um sentido mais funcional, apesar de não estarem incorretas, não dão conta desse fenômeno muito com-plexo. Por isso, García Canclining vai mostrar que para dar conta de uma certa concepção de cidade tem-se de levar em consideração o que chama de multiculturalismo, ou seja, a cidade a partir da coexistência de culturas múltiplas. Quer dizer, desmembrando a ci-dade podemos identifi car diversas camadas, não simplesmente sobrepostas, mas mistu-radas na própria superfície. Então, hoje, uma oposição campo - cidade não daria conta de uma megalópole, que se apresenta com vários sentidos: o sentido da produção, do consumo, do imaginário, da memória.

A concepção de cidade do Calvino, que está no texto “As seis propostas para o próximo milênio”, vai descrever a cidade a partir de um símbolo complexo capaz de exprimir a tensão entre o traçado ge-ométrico e o emaranhado de existências humanas. Existe então uma base traçada, geometrizada, racional, que se relaciona com o planejamento, com a realidade das estatísticas, mas há também as existên-cias humanas agregadas a isso, ou seja, a vida das pessoas, os desejos, os medos, a memória. A cidade se faz dessa com-plexidade, que é uma tensão entre essas duas esferas.

Há uma memória da cidade, seus arqui-vos, fotografi as, o que foi registrado pela literatura, pelo cinema, pelos documentos, e há também a cidade da memória, que diz respeito às experiências vividas por cada um. A literatura ajuda muito a ver essa diversidade de impressões.

Não é que a cidade não tenha um sentido objetivo; ela tem sua estrutura formal, becos, esquinas, largas avenidas. E esses elementos formais vão servir como base para a metaforização das diferentes

cidades. Se compararmos o Rio de Janeiro de Pereira Passos, que tem como modelo Paris, vamos ver grandes diferenças para a Barra da Tijuca, cujo modelo é Miami. Ou comparar o Rio com Brasília, uma cidade que a princípio não teria sinal de trânsito nem esquina.

Como disse Calvino: a cidade conta sua história nas grades, nos ângulos das esquinas, nos muros descascados. Ela tem marcas, e compete ao sujeito a leitura desses elementos. É aquilo que Roland Barthes vai dizer no texto “Urbanismo e semiologia”: nós lemos a cidade no mo-mento em que a habitamos, a visitamos, a atravessamos. Lemos um discurso que tem um enunciado e uma enunciação, pressupõe um sujeito que lê a partir de uma percepção específi ca, levando em consideração suas memórias, seus desejos, seus medos, sua subjetividade.

Por isso o Calvino fala da cidade como um símbolo complexo. As cidades invisí-

veis, na verdade, é um livro de teoria da cidade, uma suma dos modos de ler e escrever a cidade.

As cidades que Marco Pólo descreve para Kublai Kahn são cidades de um impé-

rio que o próprio imperador não conhece, são cidades imaginárias. Ele trabalha todo um imaginário desde As mil e uma noites e as viagens de Marco Pólo até chegar ao imaginário da ci-dade moderna que seriam para ele cidades sem for-ma, como também daque-las que só mudam de nome no aeroporto. O livro fala das diversas possibilidades de leitura, tornando visível aquilo que é invisível.

E cada uma dessas possibilidades que o livro

levanta é também um tópico teórico para o entendimento urbano. E o próprio Calvi-no dá metáforas para a tensão complexa que descreve para ele a cidade: o cristal e a chama. O cristal, nesse caso represen-tado pela rigidez do império, pela mente algebrizante de Kublai Kahn em tensão com a outra voz que é a imaginação do viajante, Marco Pólo.

NOZ - Arquitetos procuram entender a cidade

a partir de sua espacialidade. No seu livro To-

das as cidades, as cidades, nos é apresentada uma

defi nição de Calvino que trata a metrópole a

partir da metáfora do “cristal e da chama”. De

que modo você defi niria a cidade?

nós lemos a cidade no momento em que a

habitamos, a visitamos, a atravessamos.

Lemos um discurso que tem um enunciado

e uma enunciação, pressupõe um sujeito

que lê a partir de uma percepção

específi ca, levando em consideração suas

memórias, seus desejos, seus medos, sua

subjetividade

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O imperador vai dizer: eu já sei o que você faz, você inverte, recombina elementos pra criar diferentes cidades. E se prestar-mos atenção, o índice apresenta um jogo racional perfeito, como um programa que conduz leituras várias e possíveis; no fundo é uma combinatória, que implica um pa-pel mais ativo do leitor, ao recombinar os elementos dados.

Então concluindo, não existe uma ci-dade. Talvez essas múltiplas interpretações nos coloquem diante dessa complexidade, cuja leitura implica a interdisciplinaridade. Desse modo, nenhuma leitura dá conta da totalidade da cidade que se torna ilegível nesse sentido. As leituras se dão, cada vez mais, a partir de recortes, de uma fragmen-tação. Buscar um sentido da cidade seria proliferar essas leituras.

Quais são, para você, os principais marcos na

evolução do entendimento de cidade na lite-

ratura, mais especifi camente de experiência

urbana? Quais são os principais símbolos que

emergem dessas leituras?

O foco do meu trabalho está na cidade moderna e pós-moderna. Na verdade, a cidade grega, barroca, medieval me interessam apenas como resíduos na modernidade. Então vamos falar aqui, fazendo uma sistematização simplifi cada, de como que a literatura vai representar a cidade moderna.

Pegando a literatura de Balzac ou Vitor Hugo, já temos retratos interessantes da cidade no séc XIX. Mas, talvez, o grande marco na leitura da cidade moderna seja

Baudelaire, não só nos seus poemas, mas também nos seus poemas em prosa. Ele é o primeiro que vai falar da lírica da cidade. Na ver-dade não descreve Paris; vai ler Paris pelas alegorias. Essa Paris de Baudelaire vai ser depois estudada por Benjamin, que destaca as fi guras de Baudelaire, para ler, para representar essa cidade de um determinado

ponto de vista, que deu origem também a uma representação da cidade, através de suas alegorias.

Um outro marco na literatura nesse sentido vai ser Edgar Alan Poe, no fi nal do século XIX, sobretudo com o texto funda-mental “O homem da multidão”. Esse texto remete à questão do fl âneur.

A fi gura do fl âneur surge no momento em que emerge a cultura da rua e o papel da multidão. Ele seria essa fi gura de transição para o mundo moderno. É primeiramente aquele que fl ana, que anda pela cidade com os sentidos aguçados, contracena com essa multidão. Interessa-se por tudo, mas não se identifi ca com nada. Essa fi gura, então, passa a ser uma alegoria da cidade moderna que vai ser usada nos estudos não só de Benjamin, mas também de outros autores. Com as inovações técnicas e materiais, o uso do ferro e do vidro na arquitetura, criam-se novos espaços, novas relações com espaço. As galerias envidraçadas de Paris, por exem-

nenhuma leitura dá conta da totalidade

da cidade que se torna ilegível nesse

sentido. As leituras se dão, cada vez mais, a partir de recortes, de

uma fragmentação. Buscar um sentido da cidade seria proliferar

essas leituras.

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plo, propiciariam a atividade do fl âneur. Essa fi gura é uma espécie de resistência às inovações da atividade fabril, pois o ritmo do fl âneur não é o ritmo da produção (é importante lembrar que estamos aqui simpli-fi cando a complexidade de um personagem emblemático da cidade moderna).

Simmel descreve em “A metrópole e a vida mental” a cidade moderna a partir da quantidade de estímulos simultâneos que ela proporciona, onde o homem urbano tem que se proteger. Essa proteção se con-funde com uma atitude blasé, uma certa indiferença com o que está acontecendo. Não é que o fl ânuer seja indiferente, mas ele não se identifi ca com o ritmo da pro-dução. O fl âneur redimensiona o ócio da aristocracia em oposição ao negócio. Mas esse ócio não vai encontrar espaço no mundo moderno, então ele tem que reverter esse ócio em alguma atividade, encontrar uma utilidade para sua fl ânerie. Vai se tornar ou o repórter ou o detetive. E é nesse momento que surge a novela policial. Essa fi gura de certa maneira vai sendo absorvida pela vida moderna.

A condição do fl âneur está diretamente associada à concepção da rua como lugar de viver. A cultura moderna vai transformar a rua em local de circulação.

Temos aí uma matriz da interpretação de cidade que é o homem que anda nas ruas. Essa imagem é recorrente até os dias de hoje, por exemplo, na literatura de Rubem Fonseca, o conto “A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro”, de 1992. A outra matriz viria de um conto do Holffman, “A janela de esquina do primo”, que seria o homem olhando da janela. Alguém vê a cena da cidade, uma cena movente, a partir de um enquadramento, de uma moldura para o que vai acontecendo na praça, como em um teatro.

Um outro marco é o Ulisses, de James Joyce, de 1922. Se passa em um dia em Du-blin. Seria uma viagem de Ulisses, seu des-locamento pela cidade e a leitura que vai fazendo dela.

Há uma grande proliferação de textos sobre as cidades no decorrer dos séculos à medida que a realidade vai se tornando cada vez mais urbana. Fica complicado fa-zer um panorama tão sintético, pois esse movimento não é evolutivo, são acrescidas

ao longo da história da literatura diferentes abordagens e interpretações das várias re-presentações do urbano.

Um aspecto interessante, voltando ao conto de Poe, é como que se lê um fenôme-no novo. Não tendo ainda uma linguagem específi ca para isso, então ele usa molduras antigas. Vai fazer toda uma relação com imagens da natureza, o mar de cabeças para falar da multidão; ou revela a cidade moderna como uma fl oresta perigosa, uma selva de pedra. Você precisa ter os senti-dos mais aguçados. Benjamin disse em “A infância em Berlin em torno de 1900” que se orientar na cidade não signifi ca muita coisa, o importante é você se perder na cidade, é ler a cidade com um olhar estran-geiro. E então você começa a estabelecer certos marcos de orientação. E orientar-se na cidade é dar um sentido, é tentar buscar sentidos. Acho muito interessante o pro-cesso de metaforização para representar a cidade. Metáforas do corpo humano, o coração da fl oresta, a circulação, a cabeça, o ventre; metáforas muitas vezes arcaicas para falar de um fenômeno novo. E surgem associações da cidade moderna relacionada à Babel, a Sodome e Gamone, que são mitos bíblicos, ou mesmo à imagem da cidade como um labirinto, que é a desorientação do sentido. Retoma-se o mito grego para se ler a cidade moderna, vendo também a multidão como um labirinto.

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Nosso conceito de cidade é construído a partir

de narrativas, relatos, criações literárias que

então contribuem para a formação de um ima-

ginário coletivo. Em que medida a complexi-

dade urbana do Rio de Janeiro é compreendida

nos símbolos que essas narrativas nos apre-

sentam? Em que medida o caos que caracteriza

hoje o Rio de Janeiro compromete a própria

noção primeira de cidade?

A literatura no Brasil vai se tornando ba-sicamente urbana, apesar de toda uma tradição do romance regional. O Rio de Janeiro, por exemplo, é lido sob determi-nadas matrizes, a partir de determinados mitos, o mito da cidade mulher, da cidade maravilhosa, a própria corrosão desse mito, a imagem do malandro, do samba, da praia. Ou seja, existe uma série de representações que podem nos ajudar a ler o Rio de Janeiro, a partir desses mitos e da desconstrução dos mesmos com toda a realidade da violência urbana, do caos a que vocês se referem. E o caos, de certa forma, já está pressuposto na própria noção de megalópole, apesar de haver especifi cidades no Rio de Janeiro.

Eu uso como corte histórico, para entender o Rio de Janeiro hoje, a Refor-ma Pereira Passos que vai transformar o Rio em uma cidade moderna, digamos assim. Essa cidade vai ser feita como uma tentativa de fazer a Paris nos tró-picos, que foi um projeto político e não um projeto social. Esse projeto é uma tentativa de apagar um

passado colonial. A partir daquele momen-to uma cidade será européia e outra será africana, como disse Lima Barreto. Então as medidas que são tomadas pra isso, expulsar os pobres do centro da cidade, despejá-los dos cortiços, etc darão início ao que hoje chamamos de cidade partida. E hoje ela não se apresenta como bipartida simplesmente, mas estilhaçada.

É nesse momento que vai se criar o mito da Cidade Maravilhosa, que, junto a outros, vão aos poucos minimizando as contradições. E esses mitos permanecem por muito tempo, até que começam a ser

corroídos pela realidade, com suas contradi-ções, com a violência urbana, pela exclusão social. E não é que não houvesse violência antes, podemos encontrar imagens que já relatam as contradições, as diferenças de classes, os contrastes.

A tentativa de criar uma cidade mo-derna dá origem, também, ao mito do cosmopolitismo do Rio, representado, por exemplo, pelo porto. É como se Pereira Passos abrisse a cidade para o mundo. Há toda uma simbologia por trás disso, como se revela também no mito da avenida, concretizado na Avenida Central, simbolizando essa idéia de Paris nos trópicos. Por outro lado, hoje, o que ocorre é, além de uma re-funcionalização, uma res-semantização dos espaços, criando novos sentidos. Um exemplo claro disso seria a Lapa hoje. A Lapa surgiu como bairro boêmio no fi nal dos anos 20. Já nos anos 70 esse cenário vai ser reescrito em decadência. Há uma cena muito bonita do livro Lábios

que beijei, do Agnaldo Silva, que descreve a morte de uma prostituta. O personagem do livro assiste, num quarto decadente, a essa morte. Tem uma visão de dentro e de fora: dentro a prostituta está morrendo, e com ela está morrendo uma Lapa em nome da moral e dos bons costumes simbolizados na catedral. No fi nal, com parte da Lapa rende demolida e um personagem vai dizer: a Lapa não morreu, ela não existiu, só exis-tiu no nosso imaginário. E outros autores vão dizer isso, que essa é uma Lapa mítica criada por todo um imaginário.

Voltando ao caos, o que está no nosso imaginário hoje é o medo, a bala perdida, que vai além da bala perdida propriamente dita, passa a haver todo um imaginário por trás disso. E como narrar hoje esse imaginário da violência? Como representar o irrepresentável? Como ler o ilegível? Se você não tem meios de ler, não tem meios de representar aquilo que foge da capaci-dade de representação. E como fazer para proliferar leituras da cidade? Existe uma expressão do Michel de Certeau que gosto muito de usar: “a cidade é o palco de uma guerra de relatos”. Há uma tensão constante

É um excesso de tudo, talvez até da

linguagem, que apela para a redundância, a indicar a banalização

que afeta não só o cotidiano de quem

vive na cidade, como também a

representação da experiência urbana.

E como narrar hoje esse imaginário da violência? Como representar o irrepresentável? Como ler o ilegível? Se você não tem meios de ler, não tem meios de representar aquilo que foge da capacidade de representação.

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entre os pequenos discursos cotidianos, a captação do efêmero, do instante, coisa que a crônica, que o cinema vão fazer, revelando essa guerra discursiva.

O caos vem das condições sociais e políticas. No entanto, isso é um fenômeno que marca a sociedade contemporânea. Como ler, como lidar com isso? A ques-tão político-social existe: a ausência do estado, a ausência da cidadania, a vida precária; agora, como isso se dá nas repre-sentações da literatura, da mídia? A cidade aparece como o lugar da solidão, onde se vive no mundo fechado dos apartamen-tos. Tem uma cena que não é no Rio, é em São Paulo, a última cena do livro Eles

eram muitos cavalos, de Luij Ruffato, em que um casal está trancado den-tro de casa, dominados pelo medo, ouvindo ba-rulhos da violência que estaria arrebentando lá fora. Tal cena simboliza muito essa cul-tura do medo, como se vê na realidade mostrada pelos meios de comunicação, sempre em excesso. É um excesso de tudo, talvez até da linguagem, que apela para a redundância, a indicar a banalização que afeta não só o cotidiano de quem vive na cidade, como também a representação da experiência urbana.

Nós estamos tentando ler a cidade. Proliferar essas representações e recupe-rar o imaginário são maneiras de enten-dermos melhor a cidade, já que ela se apresenta como várias, com sua multi-culturalidade. Não se pode deixar de levar em consideração essas culturas múltiplas para entender a megalópole.

A idéia de cidade múltipla desmente de certa maneira o sentido da utopia, que a modernidade prometia, a cidade perfeita. Seria, então, projetar pela nostalgia um ideal do passado ou projetar pela utopia um ideal do futuro? E Calvino vai dizer que não é uma coisa nem outra. Onde está a cidade perfeita? A idéia é buscar, e não eliminar a tensão porque a tensão não se elimina, é a tensão constante de uma guerra de relatos.

Como diz Marco Pólo a Kublai Khan: o importante é descobrir quem e o que não é inferno no meio do inferno. Não é fácil pen-

sar a cidade, mas é fascinante ao mesmo tempo. Hoje, para projetar um prédio ou fazer uma intervenção urbana tem que se levar em conta esse imaginário. Tem de se levar em conta também o imaginário da cidade, seu patrimônio invisível, intangível. É relevante, nesse sentido, atravessar a multiplicidade de discursos que constitui a realidade urbana, mas sem deixar-se do-minar pelo hábito, pelo já codifi cado, para não correr o risco de não ver mais. Buscar caminhos nesse emaranhado de discursos é construir sentidos, proliferar leituras. Nós, habitantes ou visitantes da cidade, somos, necessariamente, seus leitores.•

Onde está a cidade perfeita? A idéia é buscar, e não eliminar a tensão porque a tensão não se elimina, é a tensão constante de uma guerra de relatos.

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relicárioJuliana SicuroAluna do CAU/PUC-Rio

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“Cidades lendárias achadas no fundo do mar: arqueólogos anunciaram a descoberta de ci-dades faraônicas submergidas há 2,5 mil anos no litoral egíp-cio e cuja existência até agora só era conhecida por lendas e narrações antigas.”

Certa vez, numa terra qualquer em dia inexato, uma enchen-te tomou conta da cidade onde viviam pessoas comuns, como

nós - você e eu. Num gesto im-piedoso, arrancou dos que ali moravam pertences, bens, relí-quias, quem sabe. Os morado-res viam correr naquelas águas amarronzadas seu passado em forma de objetos desfi gu-rados, cacos indistinguíveis, papéis esfacelados. Ouvindo o acontecido, logo pensei no desespero da falta de abrigo, nas marcas deixadas

nas paredes, escadas, livros, cartas. Esses objetos eram, sem dúvida, o invólucro de um tempo, os rastros da me-mória de um povo que por um instante corria o perigo de cair no esquecimento.

“A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que refl ui das recordações e se dilata... mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão” Ítalo Calvino As Cidades Invisíveis

As fotografias. Para muitos faria falta o registro imagético daquilo que foi vivido. A im-portância desse registro esta-ria vinculada, talvez, ao valor atribuído à memória visual, sendo ela a forma mais concre-ta como se expressam nossas recordações. Confi amos a tal ponto nas imagens que conte-mos na memória, que sentimos necessidade de recordar para que os fatos sejam percebidos como reais. A fotografia pode ser enten-dida como a expressão mais concreta do desejo do homem de eternizar momentos. A von-tade de guardar instantes em caixinhas de papel para poder revê-los a qualquer hora com toda a sua preciosidade. Guardaram as fotografi as que encontraram mesmo mancha-das e disformes. Afi nal de con-tas, o que realmente importa naquele pedaço de papel tingi-do de memória é a capacidade de desencadear momentos já vividos a partir do olhar. Esse mecanismo permanece ati-vo independente da imagem propriamente dita. Fotogra-fias sem imagem parecem ilustrar o que seria a distorção do tempo e das nossas próprias percepções a respeito do nosso próprio passado.Não há nada de mais instigante e intrigante que o conteúdo do

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tempo. A vivência se transforma em conte-údo impalpável: memória. Volátil, fl exível, mutante, conteúdo este sujeito, inevita-velmente, a distorções involuntárias, sau-dosismos, traumas ou até mesmo ao tão temido esquecimento. Antes disso, conte-údo que pressupõe a impressão imediata e a reinvenção constante à medida que um instante se distancia do presente e ganha com isso diversas conotações. Aquilo que vemos e vivemos fi ca marcado querendo ou não. Esquecidos, distorcidos, não importa, os fatos reais nos constituem e, portanto, sua infl uência nas ações futuras independe da recordação. E o que é falar de realidade, da concretude de fatos que tem como des-tino inevitável tal imprecisão.Calvino nos conta em As Cidades invisíveis a história de Zora, cidade que tem como propriedade permanecer na memória de seus visitantes. O olhar percorre suas ca-sas, portas e janelas como lendo uma par-titura musical, na qual a posição de cada elemento confi gura um conjunto harmô-nico, sem tirar nem pôr.

“mas foi inútil a minha viagem para visi-tar a cidade: obrigada a permanecer imóvel e imutável para facilitar a memorização, Zora defi nhou, desfez-se e sumiu. Foi es-quecida pelo mundo.”Ítalo Calvino, As Cidades Invisíveis

É uma necessidade do homem tornar con-creto o que lhe parece fugir de controle pela sua subjetividade. Guardamos, fotografa-mos, fi lmamos, construímos. Tornamos memória concreto e tijolo, tornamos vivên-cia literatura, fotografi a, cinema. Aprisio-namos em caixinhas, em porta-retratos, em quartos, salas, casas, cidades, que serão visitadas por outros que roubam um pou-quinho desse passado para si. O viajante para Ítalo Calvino vê os lugares por onde passa como “espelhos em negativo”, pois a partir do contato com o espaço de outros reconhece o pouco que é seu, descobrindo o passado que não teve e não terá.

“...e quem sabe, então o Rio será alguma cidade submersa. Os escafandristas virão explorar sua casa, seu quarto, suas coisas, sua alma, desvãos. Sábios em vão tentarão decifrar o eco de antigas palavras, fragmen-tos de cartas, poemas, mentiras, retratos, vestígios de estranha civilização..”Chico Buarque •

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“O primeiro monumento a ser declara-do patrimônio no Japão é a ruína de um edifício que sobreviveu à bomba de Hi-roshima. É a partir desse momento que os japoneses começaram a pensar sobre isso. Lá, todos os templos são refeitos de 200 em 200 anos, com outros materiais. Tóquio é a própria cidade sem memó-ria, quase a representação contrária da cidade patrimonial. Isso está ligado ao fato de os japoneses viverem com a idéia de que, a qualquer momento, um ter-remoto é possível. Não há necessidade de conservar nenhum prédio porque o chão vai afundar. Ao mesmo tempo, os rituais são vividos diariamente, as tradi-ções estão vivas e, por isso, não há uma necessidade de petrifi cá-las.”

Henry-Pierre Jeudy em entrevista a Folha de São Paulo publicada originalmente em 06/06/05, www.folha.com.br.

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Simmel:A metrópole e a grande cidade

Ricardo Benzaquen

Historiador, Professor do

Departamento de História da

PUC-Rio, Professor Pesquisador

IUPERJ,Doutor em Antropologia

Social pela UFRJ.

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que haviam sido conhecidos, havia uma infi nidade de outros trabalhos preocupados com um enorme leque de questões - Rembrant, Goethe, a relação entre os se-xos, a religião, enfi m, um imenso conjunto de ques-tões, boa parte delas tendo como referência o mundo da metrópole moderna.

Indo direto ao ponto, seria importante chamar atenção para o próprio título que eu dei para minha intervenção hoje aqui: Simmel, a metrópole e a gran-de cidade. De um lado, com muita freqüência essas categorias são vistas como sinônimos. A minha sen-sação é de que hoje em dia, mas já levando em conta esse segundo momento da recepção do trabalho do Simmel, já é possível separar uma coisa da outra.

Vamos primeiro falar de metrópole que, afi nal de contas, marcou todo o trabalho dele e foi efetivamen-te a responsável pela difusão da sua obra nos últimos cem anos. Chamo atenção para que nem toda grande cidade precisa ser submetida ao conceito de metró-pole. Existem cidades enormes, tanto do ponto de vista espacial quanto inclusive no que se refere à sua profundidade histórica, que não se encaixariam preci-samente na idéia de metrópole tal como ele vai desen-volver nesse artigo A Metrópole e a Vida Mental.

Para pensar metrópole como um conceito na obra dele, é indispensável que tenhamos algum tipo de referência ao tipo de argumento que ele vai desenvol-ver acerca de um certo tipo de experiência sobre a sub-jetividade ao longo do século XIX. Um dos pontos para o qual eu vou chamar atenção é que a discussão não é simplesmente um exame sobre a experiência urbana tal como inclusive boa parte da história de Chicago imaginou ao longo dos últimos 40, 60 anos. O con-ceito de metrópole para Simmel vem associado a um certo tipo de indagação acerca da maneira pela qual a subjetividade foi experimentada nesta mesma me-trópole, pelo menos a partir do século XIX. Se a gente quiser uma referência, só por comodidade, digamos assim, podemos pensar em Berlim. Ele vai usar Ber-lim em vários lugares, que para ele funcionava como uma grande metrópole. Outros autores iriam preferir Paris. Eu diria que Londres não se encaixa nesse mo-delo, nem Londres nem Roma, em particular. Mas o

Apesar de não ter uma relação direta, sistemática, com o curso de arquitetura e pensando em que contri-buição eu poderia trazer para o nosso debate, me pare-ceu que o mais indicado, o mais correto, talvez, fosse tentar chamar atenção para a obra de um fi lósofo, sociólogo da cultura, chamado Georg Simmel.

Seria interessante falar de Simmel basicamente pelo seguinte: eu diria que, do ponto de vista da so-ciologia urbana e do tipo de refl exão histórica sobre as cidades, a obra dele muito provavelmente é aquela que mais contribuiu para o campo de debate ao menos desde os anos 50.

Simmel viveu basicamente no fi nal do século XIX, início do século XX. Era um berlinense, chegou até a ser professor universitário, mas na maior parte do tempo ele sobreviveu apenas como jornalista dando palestras e aulas particulares. Enfi m, é uma fi gura da vida intelectual berlinense.

Se formos pensar em termos da recepção da obra do Simmel no ocidente, temos dois grandes momen-tos: um primeiro momento por volta dos anos 50 (até um pouco antes, na verdade) e outro que eu diria que se iniciou entre 10 e 20 anos atrás.

Os anos 50 foram o ponto culminante dessa pri-meira recepção do trabalho dele. Seu trabalho vai ser incorporado na chamada Sociologia de Chicago, importante escola sociológica norte-americana, dedi-cada a lidar com temas eminentemente urbanos e que faz uma leitura muito peculiar da refl exão do Simmel, com base em um certo conjunto de textos dele. Dentre eles, eu destacaria um artigo, que está inclusive tra-duzido pro português, que se chama A metrópole e a vida mental, publicado no livro O Fenômeno Urbano.

Boa parte da refl exão da escola de Chicago se concentrava em examinar a cidade – a cidade como laboratório. Tinham uma enorme preocupação em dar conta não simplesmente das tradições, mas do conjunto de pequenas rupturas, novas sociabilidades associadas a todas as cidades, em particular da grande cidade, da metrópole.

O segundo grande momento dessa recepção da refl exão de Simmel no ocidente, se iniciou há uns 10, 20 anos atrás, quando se percebe que, além dos textos

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tipo de investigação na qual ele, antes de qualquer coi-sa, estava interessado só podia ser encontrado numa cidade como Berlim, do tipo de Berlim.

Para poder entender a subjetividade típica da me-trópole, é de certa forma inevitável voltar um pouco atrás, discutir muito rapidamente a questão da expe-riência subjetiva em comunidades mais tradicionais - para isso podemos usar o início do século XIX como referência. Nesse caso, talvez fosse importante cha-mar atenção para o fato de que a idéia de subjetividade vem associada e contrastada com a noção de objeti-vidade. Simmel fala de uma cultura subjetiva que defi niria o sujeito não simplesmente concebido como seres humanos, indivíduos quaisquer, mas eventu-almente comunidades locais ou nacionais. A idéia de cultura subjetiva refere-se a um certo tipo de carac-terística responsável pela identidade mais específi ca de qualquer tipo de entidade em exame. A discussão começa a ganhar força nesse ponto. Não é possível se ter um entendimento mais sofi sticado de qualquer experiência subjetiva, quer ela passe pela noção de indivíduos, quer ela passe pela noção de identidade comunitária, nacional ou até mais amplas, sem que ao mesmo tempo se leve em consideração a maneira pela qual essa experiência vinha articulada com o que ele chama de cultura objetiva.

Cultura objetiva, portanto, remete a toda aquela soma de informações, inovações, novidades inte-lectuais e materiais que eventualmente estivessem conectadas com um elemento capaz de garantir iden-tidade - a isso que eu estou chamando de experiência subjetiva. Simmel insiste sobre o fato de que é funda-mental que cada experiência subjetiva desenvolva um certo nexo com aquilo que lhe é exterior, ou seja, com aquilo que lhe é objetivo, aquilo que resiste ao desen-volvimento do sujeito. Exatamente para que esse su-jeito, digamos que provocado, fertilizado, fecundado para aquilo que é diferente dele, tenha condições de atingir um resultado maior, mais sofi sticado, tenha condições de se desenvolver de maneira mais comple-xa e mais sofi sticada do que aquela com que ele teria se desenvolvido, se deixado simplesmente entregue a uma espécie de ampliação do seu núcleo interior.

Evidente que isso diz respeito a todo um conjunto de debates ligados ao idealismo alemão. A idéia de cultivo é essencial para que se entenda essa conexão entre o subjetivo e o objetivo. O exemplo clássico é a própria atividade do jardineiro, metáfora típica do romantismo alemão, a idéia de que as árvores, entregues a seu estado natural - ele fala em pereiras

- certamente poderiam produzir pêras comestíveis, gostosas, desde que elas fossem submetidas ao tra-balho do jardineiro. Estas, entrando em contato com aquilo que lhe é externo, teriam condições de crescer ainda mais. Uma pêra silvestre não seria tão boa para se comer quanto a cultivada.

Agora, tem um ponto que é essencial para que a gente possa entender o argumento que vem a seguir: o fato de que esse contato entre o interno e o externo só se realiza de maneira correta quando a interven-ção daquilo que é externo, o trabalho do jardineiro, não ofende, não modifi ca essencialmente a natureza dessa experiência subjetiva. Uma coisa é transformar essa experiência no sentido de torná-la mais sofi sti-cada, cultivá-la, aperfeiçoá-la, outra coisa é um tipo de intervenção que modifi ca completamente a sua natureza. É evidente que o contato entre interior e exterior, entre o subjetivo e o objetivo, traz as duas possibilidades ou pelo menos traz uma possibilidade e o risco de modifi cação daquilo que seja interno pelo contato com o externo. O argumento ganha aí outro signifi cado. Nesse sentido, para Simmel, boa parte da experiência subjetiva, com a qual ele vai trabalhar, so-bretudo aquela mais associada ao século XVIII e à pri-meira metade do século XIX, nos remete diretamente a esse tipo de articulação entre cultura subjetiva e cultura objetiva, na qual o crescimento do sujeito não é apenas uma expansão do seu núcleo mais interno, do seu ponto central, mas, ao contrário, é uma trans-formação desse núcleo. Ele se mantém num estado superior, crescentemente sofi sticado, mais complexo, enfi m, todo um conjunto de argumentos que podem caminhar na mesma direção.

Por que seria importante discutir experiência subjetiva e objetiva, as suas relações com a metró-pole? Exatamente porque ele insiste sobre o fato de que essa feliz articulação entre o interno e o externo teria caracterizado boa parte da história ocidental. Ele lida com esse argumento basicamente pensando em pequenas cidades ou nas grandes cidades antigas, dos séculos XVII e XVIII. O ponto dele é que essa feliz articulação de certa forma se rompe precisamente no início do século XX.

Há todo um conjunto de argumentos que teriam que ser convocados para dar conta dessa ruptura. É como se, de repente, o que eles chamam de divisão social do trabalho ampliasse o mundo objetivo de tal maneira, que teria como resultado o surgimento do mundo das mercadorias. Isso se sucede de tal modo que se torna impossível ao sujeito uma relação articulada,

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integrada com o mundo objetivo. Ao contrário, o mun-do objetivo ganha absoluta independência em relação ao sujeito. É impossível para qualquer portador de uma experiência subjetiva uma relação feliz, controlada, moderada com aquilo que lhe é externo, capaz de lhe dar condições de utilizar aquilo que é externo para au-xiliar no seu aperfeiçoamento sem ao mesmo tempo desvirtuar o seu sentido mais específi co.

O que se dá é o oposto: é um sujeito que começa a ser bombardeado por um conjunto cada vez maior, mais variado, de elementos desse mundo objetivo que vão se produzindo numa quantidade e velocidade tão gigantesca que rigorosamente desnorteiam esse indivíduo. Esse portador de uma experiência subjeti-va é colocado quase que em uma situação de receber os mais distintos e variados golpes a cada momento do dia. Então, um dos argumentos essenciais para a defi nição do que seria metrópole passa pela idéia de que aquele que vive na metrópole é submetido a um bombardeio incessante das mais variadas, súbitas e surpreendentes impressões, uma atrás da outra. Pre-cisamente porque esse mundo objetivo desenvolveu-se a tal ponto, com a tal independência da experiência interior, que se torna impossível para os sujeitos uma conexão com aquilo que se passa à sua volta.

O que vai caracterizar a metrópole é precisamente o que mais adiante, sobretudo a partir das refl exões do fi lósofo Walter Benjamim, passou a ser conhecido como experiência de choque. Veja que estou conec-tando experiência de choque com esse mundo objetivo completamente autonomizado, convertido numa es-pécie de sucessão de impactos fulminantes associados a inúmeras experiências que são agora impossíveis de serem resumidas ou até compreendidas por qualquer sujeito. Berlim, Paris, Londres, Nova York e, eviden-temente, Roma, Rio de Janeiro, Buenos Aires talvez pudessem ser associadas a esse tipo de experiência, quase como se houvesse uma espécie de civilização metropolitana marcada precisamente por esse sujeito no limite melancólico.

O homem das multidões, de Edgar Alan Poe, remete especifi camente a esse tipo de experiência, o cidadão metropolitano atraído por um intenso, súbito e variado conjunto de estímulos indo de um lado a outro sempre a procura de movimento. Isso a tal ponto que inevitavelmente existem algumas con-seqüências. Uma delas é uma espécie de ampliação intelectual desse ser metropolitano, como se o inte-lecto fosse uma parte mais superfi cial da psicologia de cada um, seguramente mais superfi cial que os senti-

mentos. Daí a decorrente hipertrofi a do habitante da metrópole, conseqüência do aumento da densidade do intelecto exatamente para poder suportar ou mesmo se adaptar a esse mundo de choques permanentes. O intelecto, por defi nição, retira a substância específi ca das coisas, estabelece conexões entre elas, conceitos, categorias, diminui o colorido peculiar de cada expe-riência. Por isso mesmo, funciona como o elemento que é capaz de pelo menos tentar amortecer o choque produzido por essa cultura objetiva.

Não é só o intelecto que se desenvolve. Também a vida mercantil, a ação da economia monetária sobre todas as esferas da existência, provoca uma dimi-nuição do colorido, do que há de singular em cada experiência, para tudo converter em objeto de cálculo, em precisão. Com esse encaminhamento é possível pensar aquele homem da metrópole como um ser eminentemente melancólico.

Não se trata de pensar aqui na melancolia clás-sica, como foi examinada por Aristóteles, ou então como a que reaparece durante o Renascimento, mais adiante representada por Albert Durer. Não é exata-mente a esse tipo a que me refi ro. Essa melancolia clássica era quase que o preço que certos homens pagavam pela sua vocação propriamente intelectual. Sua imersão no mundo da refl exão tinha como resul-tado uma postura melancólica. A melancolia a qual tanto Simmel quanto Benjamim vão estar se referin-do por intermédio desse homem das multidões não tem basicamente um caráter produtivo, ela não se refere a um ou outro grande autor. Baudelaire pode ainda ser associada a fi gura heróica de um artista que enfrenta de peito aberto esses choques para reti-rar daí algum tipo de ganho intelectual. Mas o me-lancólico associado ao homem das metrópoles tem um sentido completamente diferente. É exatamente esse ser desorientado, dirigido de fora para dentro, inconstante, porque são pequenas explosões, são diferentes focos de atenção que surgem ao mesmo tempo. É como assistir televisão mudando de canal para canal, vendo dois segundos e meio de cada pro-grama: no fi nal do dia você está com os nervos esti-rados, depois de ver tanta coisa, olhar sem ver, sem compreender, incorporar à sua experiência interior ao menos parte daquilo que desfi lou a sua frente.

Essa tem sido a leitura padrão da contribuição de George Simmel para tal discussão. O homem metropo-litano seria este ser completamente bombardeado pelos mais diferentes choques e, no limite, encaminhando-se para uma postura muito mais melancólica.

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Mais recentemente, nos últimos 10 anos, começa-ram a ser publicados alguns textos do Simmel sobre o tema das grandes cidades que sugerem um outro enten-dimento dessa questão. Não que ele estivesse se contra-dizendo, produzindo um argumento diferente desse que resumi acima. Simmel apenas vai chamar atenção para o fato de que existem cidades enormes, gigantescas, que não recaem sob o conceito de metrópole.

Um dos ensaios mais interessantes é Roma, uma análi-se estética, no qual ela fi gura como a anti-metrópole por excelência, o avesso de Paris, o oposto de Berlim. E o que torna Roma tão diferente de uma metrópole? Nesse tex-to, o principal argumento de Simmel é o de que Roma deve ser entendida como uma obra de arte, num sentido muito preciso do termo. No que se refere à defi nição do espaço, Roma vai aparecer como uma localidade na qual os mais diferentes planos vão se combinar, sendo que essa diferença não chega a causar nenhum tipo de estranheza. As ruas de Roma, para o autor, são ruas que conhecem uma oposição entre o alto e o baixo ou se en-caixam em planos diferentes. Experiências distintas vão se complementando, não somente experiências geográ-fi cas como temporalmente distintas.

Roma é uma cidade muito grande do ponto de vista do espaço, é de uma profundidade histórica quase incomparável do ponto de vista da história do ocidente. Remete ao Império Romano, à Idade Média, aos papas e ao Vaticano, ao Renascimento, é claro; é uma cidade gigantesca em que as diferentes épocas históricas coexistem articuladas entre si.

Na metrópole, as distinções são associadas a um mundo objetivo, às diferentes sensações, impulsos que vão chamando a atenção de cada um para as mais distintas experiências. Em Roma, ao contrário, tanto a variedade espacial quanto a gigantesca complexidade histórica teriam pouco a pouco se harmonizado, con-fi gurando uma beleza que implica a harmonia entre elementos opostos. Roma para ele tem essa estranha beleza, gigantesca, monumental. Salientando esse aspecto histórico, diferentes épocas vão se combinando, fornecendo uma imagem minimamente articulada; articulação, porém, que não faz desaparecer a enorme variedade contida em cada um entre os diversos ele-mentos. O curioso é que nesse tipo de cidade o gigan-tismo, essa profundidade enorme, esse tamanho des-mesurado, essa complexidade quase infi nita, não pesa sobre aqueles que a visitam ou que lá moram. Simmel insiste muito sobre esse ponto: a idéia de que a gran-diosidade romana não pesa sobre aqueles que entram

em contato com ela. Ao contrário, ela tem um efeito muito peculiar: é como se esse tipo de grande cidade fi zesse com que tudo aquilo que é menos importante na vida de cada um, tudo aquilo que é cotidiano, todo esse conjunto de mesquinharias que ocupam grande parte da experiência subjetiva parecesse perder a importân-cia diante de uma grandiosidade, de uma experiência tão sublime como aquela que poderia ser encontrada num lugar como Roma. É como se cada um se despisse daquilo que é menos importante e que paradoxalmente costuma ocupar um lugar tão grande e se colocasse espi-ritualmente nu diante dessa grandeza romana. Diante ao sublime, corporifi cado em Roma, aquilo que há de mais sublime em cada um, que é essa identidade mais específi ca, essa capacidade de operar sobre a sua própria vontade, tem condições de também ganhar força e de certo modo de se fortalecer, se sofi sticar com o contato, com a riqueza embutida na experiência romana.

Vejam como que, de certo modo, a grande ci-dade pode, por um outro caminho, manter viva a relação entre sujeito e objeto que ele vai examinar ao longo do século XIX, com muita freqüência asso-ciada a essa discussão mais tipicamente alemã em torno da idéia de cultivo.

Há outras maneiras de se restabelecer o nexo entre experiência subjetiva e mundo exterior, um nexo no qual o mundo exterior não funcione como o elemento que diminui a riqueza interior tal como nas metrópo-les. Ao invés disso, teríamos em Roma uma experi-ência comparável a que ele vai identifi car ao longo de boa parte do século XVIII e do século XIX, na qual aqui-lo que é externo contribui para a sofi sticação de cada um. Cada um deixa de lado tudo aquilo que é menos importante em si ao entrar em contato com algo tão esmagador, tão impressionante quanto esse conjunto de diferentes experiências articuladas entre si. E, por isso mesmo, o contato com uma cidade desse tipo, ao invés de produzir desorientação no sujeito, produz o efeito oposto: faz com que ele se enriqueça sem per-der, porém, a sua característica mais signifi cativa.

Eu tentei mostrar como que a partir da refl exão de Georg Simmel podemos não só lidar com a experiência metropolitana, que atualmente tem sido objeto da atenção da maior por parte dos cientistas sociais, mas também como modular o próprio entendimento acer-ca da cidade. Nem toda cidade moderna é uma metró-pole. Esta não é uma categoria que tem um sentido descritivo, é um conceito que serve para dar conta de certas experiências e não de outras.•

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o peixe da angústia,o mundo transparente.trago um belo pássaro por

de trás do cabelo.

os tigres na calçada,ruas sem cor,a tarde grávida de mim,a tarde grávida de mim.

unhas me cravam a pele de delicado metal,

dias de vento,o mesmo que nadar no céu.

entre lama e estrelas,caminhar é ter falta

de lugar.estou na minha avenida,eu vejo fl ores e choques

elétricos.

continuo me perdendo nas mesmas esquinas.

palco iluminado.temos que nos recriar

todos os dias.

tabuleiro da rua

augusto de guimaraens cavalcanti

para paul éluard

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a cidade é um naufrágioe suas metálicas colorações

cinzentasnos remetem aos encarcerados

universoscravejados nestes edifíciosque se erguem do oceano como mastros derruídosde uma nau sem esperanças

a cidade é um naufrágio com suas torres destruídasatravessadas pelo ódio alado

do impossívelo esqueleto retorcido em

ferro e fogono desmanchar da tarde sob

a cortina de fumaça

a cidade é um naufrágioum naufrágio universal.um enorme monstro que sorve avidamentetal como animal sedentoo intemporal líquido do fi m

a cidade é um naufrágionão há botes salva-vidas não há terra no horizonte

a cidade é um naufrágioe nós o último e anônimoafogado suspiro inanimado...

aos sete mares domingos

guimarães

www.ossetenovos.org

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[email protected]

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TFG: Complexo PaneleirasAmanda Miranda

ContrapontoCarlos Vainer / Sílvio Zancheti

Intervenção no bairro portuário do RecifeAmélia Reynaldo

Vazios UrbanosAndrea Borde

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A ARQUITETURA COMO AGENTE PERPETUADOR CULTURAL E TRANSFORMADOR URBANO.

O Espírito Santo, marca-do pela famosa moqueca capixaba feita nas pa-nelas de barro escuras, apresenta na cidade de Vitória, mais precisa-mente no bairro de Goia-beiras Velha, um grupo de mulheres que se reco-nhecem como Paneleiras de Goiabeiras, por ali mo-rarem e trabalharem, e que vivem da produção artesanal dessas panelas. Este ofício, de caracterís-tica familiar, segue uma tradição de cerca de 400 anos, seguindo os mes-mos rituais de produção realizado outrora pelos índios Tupi-Guarani e

Una, que anteriormente habitavam a região.

Em 1987, com o apoio da Prefeitura e da Lei Rubem Braga (lei muni-cipal de incentivo à cul-tura), foi estabelecido o galpão da Associação das Paneleiras de Goiabeiras (APG), que é um ponto turístico da cidade e o lo-cal coletivo de produção e venda das panelas, mas que, atualmente, encon-tra-se com uma série de problemas estruturais e funcionais, além de não comportar mais o número de pessoas que trabalham no local. Para agravar ain-da mais a situação, há o

projeto da Prefeitura da Rota Manguezal, que pro-põe a construção de uma nova via às margens do mangue, e que conse-qüentemente, cortará o terreno do galpão, dimi-nuindo ainda mais suas instalações. Em 2001, as paneleiras ganharam re-conhecimento nacional ao obterem o primeiro registro como um bem imaterial, no livro dos saberes do IPHAN.

Dentro deste quadro, proponho a criação de um novo local de trabalho para essas mulheres, que contará também com espa-ços de cultura e lazer e que

Complexo Paneleiras

por isso será denominado de Complexo Paneleiras. O terreno selecionado é o do atual galpão, acrescido dos 4500m² do terreno à frente, pertencente a uma antiga fábrica desativada de pré-moldados.

Mais do que ajudar na perpetuação dessa cultu-ra, o Complexo Panelei-ras estará viabilizando a manutenção do modo pelo qual estas mulhe-res se reconhecem como parte de um grupo, com características e local pró-prio, compondo assim sua identidade e fazendo com que suas vozes sejam ati-vas na sociedade. •

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implantação

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Page 71: Revista Noz 1

casas paneleiras

terrenos

cortes

planta de locação

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Page 72: Revista Noz 1

contra-ponto:revitali-zaçãoMuito além da recuperação física de um imóvel histórico, há envolvida nos projetos de revitalização a ne-

cessidade de uma postura consciente perante os desdobramentos econômicos, políticos e sociais atrelados a um projeto dessa na-tureza. Também há a necessidade de discussão dos mecanismos artifi ciais de preservação da identidade e da expressão cultural ofuscados sob a preocupação com a arquitetura, o monumento, o patrimônio material, isoladamente. A ausência de uma refl exão critica e a abordagem geralmente superfi cial desses aspectos con-duz a equívocos muitas vezes irreparáveis, que podem começar na aceitação passiva de lugares-comuns, como o do próprio conceito de revitalização.

A questão se complexifi ca ainda mais ao nos referirmos à recuperação de centros históricos, associados a processos de reestruturação urbana. Distanciando-se dos planos das décadas de 1980 e 1990 (Bairro do Recife, Corredor Cultural do Centro do Rio, Pelourinho), as avaliações vão sendo feitas e duras criticas aos modelos adotados proliferam. De um modo ge-ral, critica-se a desarticulação das ações e seus efeitos colaterais, mas entre os profi ssionais envolvidos no debate há perspectivas bastante distintas. Buscando conhecê-las, entrevistamos o pro-fessor da UFPE e fundador do CECI (Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada) Silvio Mendes Zancheti, que introduz sua avaliação da revitalização de áreas históricas como estra-tégia de desenvolvimento local. Entrevistamos também o pro-fessor da UFRJ, e um dos autores de A Cidade do Pensamento Único, Carlos Vainer, que adota uma postura crítica em relação aos pro-cessos de gentrifi cação e mercantilização da cultura, acarretados pelos projetos de revitalização, e que defende uma cidade mista.

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Page 73: Revista Noz 1

Silvio Mendes Zancheti: A res-posta está em adotar uma abordagem da conservação integrada (CI). Essa abor-dagem, formulada inicial-mente nos anos 1970, na Itália e, formalizada nos documentos da Declaração e Manifesto de Amsterdã (1975) preconiza que os cen-tros históricos devem fazer parte do planejamento da cidade como elementos que conferem valor para o desenvolvimento local e, também, devem ser in-terpretados como ativos culturais irreprodutíveis que, para conferirem valor ao processo de desenvolvi-mento, devem ser conser-vados considerando os as-pectos de autenticidade.

Os projetos de revitali-zação de centros históricos no Brasil têm pecado por considerarem a CI segun-do abordagens específi cas. Principalmente não têm sido elaborados dentro do bojo de um plano de desenvolvimento urbano da cidade (são projetos de desenvolvimento de uma pequena parte da cidade) e abandonaram as questões da autenticidade.

NOZ: De que maneira

a revitalização de cen-

tros históricos deve

ser articulada, para

deixar de ser um em-

preendimento isolado e

passar a fazer parte de

uma estratégia maior de

desenvolvimento eco-

nômico local?

Qual seria o modelo

ideal de relacionamen-

to entre o poder pú-

blico e a iniciativa pri-

vada? Como evitar que

haja transferência de

investimentos do pri-

meiro para o segundo?

SMZ: Não existe um modelo ideal para esse relaciona-mento, pois depende de um grande número de fato-res ligados, especialmente, ao quadro político/institu-cional, social e econômico do país ou da cidade onde ocorre o projeto. Entretan-to, está cada vez mais claro que o poder público não tem a capacidade de con-duzir um processo de revi-talização de áreas urbanas de interesse cultural sem a parceria com os atores privados, especialmente os proprietários de imóveis e os investidores nas ativi-dades locais.

Para que qualquer proje-to de revitalização possa ser bem sucedido será necessá-ria, pelo menos, a aplicação de recursos públicos signi-fi cativos na infra-estrutura urbana, na melhoria da qua-lidade dos espaços públicos e na formação de um sistema de gestão do projeto, efi cien-te e efi caz, que atuem por um longo período.

Também, será neces-sário formar mecanismos de compensação para os grupos sociais que serão penalizados nos processos, como, por exemplo, os mo-radores mais pobres e os comerciantes de pequenos negócios. A valorização inevitável dos imóveis da área de projeto dispara mecanismos de gentrifi -cação que não podem ser evitados, mas seus efeitos podem ser minimizados.

Como minimizar esses

efeitos?

SMZ: A gentrifi cação é uma conseqüência, quase que inevitável, de qualquer projeto de revitalização, devida aos efeitos de valo-rização do solo e dos imó-veis urbanos. Na resposta acima já ressaltei as neces-sidades de formular meca-nismos de compensação social, que são os únicos possíveis quando o projeto não é formulado tomando-se em consideração as pos-sibilidades de ocorrência dos processos de elitização e exclusão social.

A única saída para re-solver em parte, ou mini-mizar, o problema é realizar um projeto que: a) tenha uma ampla participação de todos os envolvidos com os efeitos (negativos e positi-vos) possíveis do projeto; b) que a participação te-nha caráter normativo e não só consultivo; c) que se trabalhe com alternati-vas de projeto; d) que as alternativas de projetos sejam avaliadas quanto aos aspectos sociais, eco-nômicos, ambientais e cul-turais e, fi nalmente, e) que seja criados instrumentos participativos de análise de custo e benefício de todas as alternativas.

Qual a sua avaliação

dos projetos de revi-

talização de centros

históricos no Brasil a

partir do final da dé-

cada de 1980?

SMZ: Os projetos de revita-lização foram muito impor-tantes, por que colocaram as municipalidades como as principais instituições de promoção da conserva-ção patrimonial urbana; fi zeram com que as áreas históricas fossem, fi nal-mente, interpretadas como ativos culturais capazes de gerar valor no interior do desenvolvimento local; fo-ram projetos de desenvol-vimento local.

Em meio a tantos fa-

tores e agentes, o que

compete ao arquiteto

para o êxito de um pro-

jeto dessa natureza?

SMZ: Cabe participar do processo multidisciplinar sabendo trabalhar com competência dentro do seu campo da arquitetura, da conservação de bens imó-veis e da forma do espaço público. Infelizmente, as escolas de arquitetura não ensinam ao arquiteto a tra-balhar com os bens cons-truídos, especialmente, na escala urbana.

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Page 74: Revista Noz 1

Quais os problemas

decorrentes da parce-

ria entre os setores

público e privado nos

projetos de revitaliza-

ção no Brasil?

CV: Como disse acima, as-sistimos a uma disputa pela apropriação e con-trole dos recursos – lo-cacionais, imobiliários, culturais, de infra-estru-tura – que constituem os centros urbanos. Quando se associa aos capitais pri-vados, o estado se subme-te à lógica da valorização privada dos patrimônios. A valorização imobiliária passa a ser o objetivo mesmo dos projetos e empreendimentos. Para isso é necessário limpar a área, expulsar os usos considerados menos no-bres. Trata-se de reprodu-zir nos centros, revitaliza-dos e recuperados, a lógica mesma dos condomínios fechados, shopping cen-ters e outros espaços mar-cados como exclusivos de determinadas classes ou segmentos de classe.

A valorização imobi-liária domina o processo de intervenção e a ope-ração urbanística revela seu verdadeiro sentido de operação imobiliária.

O projeto hoje exis-tente na Prefeitura para a recuperação e revitalização da Área Portuária repro-duz esta lógica. Ao fi nal, o que veremos, são os investimentos públicos fi nanciando operações de valorização imobiliária, que acabarão por transfe-rir para grupos privilegia-dos os recursos urbanos

Carlos Vainer: Há um equí-voco em olhar para o cen-tro de Rio de Janeiro ou de São Paulo e dizer que estas áreas precisam ser re-vitalizadas. Na verdade, qualquer pessoa que cir-cula pelo centro do Rio ou de São Paulo percebe a enorme vitalidade social e humana. A vida circula ali com enorme energia, só que, em alguns segmen-tos ou sub-áreas, é a vida dos destituídos, de seto-res mais pobres: camelôs, moradores de rua, men-digos, e uma infi nidade de outros grupos sociais ocupam e atuam nessas áreas, conferindo-lhes um colorido e vida muito particulares. Certamente, não são os grupos mais ricos de nossas cidades, mas afinal de contas, quem foi que disse que só estes são dotados de vida? Certamente, não são os segmentos mais dinâmicos do capital na-cional e internacional, mas quem foi que disse que apenas o grande ca-pital é dotado de vida em nossa sociedade?

NOZ: Você afirma que

os debates sobre a re-

vitalização de centros

históricos geralmente

incorrem no equívoco

de considerar essas

áreas carentes de vi-

talida de, enquanto a

carência destas seria

de outra ordem. Quais

seriam as principais

mudanças apresenta-

das nos projetos de

intervenção a par-

tir da revisão desse

conceito?

Com isso quero dizer que a expressão re-vitali-zação incorre no equívoco de esconder a vida real de muitos de nossos centros urbanos, como se houves-se uma única e autoriza-da forma de vida urbana: a das classes médias e altas. Também a expres-são recuperação, embora normalmente pretenda designar os processos de resgate do patrimônio arquitetônico e urbanís-tico, expressa projetos de recuperação social, isto é, de retomada dos centros por determinados grupos sociais e usos.

Os centros históricos, quase sempre, em outros momentos históricos de nossas cidades, foram ocupados pelos setores mais dinâmicos do capi-tal e serviram como área de residência e/ou lazer dos grupos sociais privi-legiados. Por uma série de razões, que variam de cidade para cidade, e que somente estudos de caso específi cos podem eluci-dar, em muitas cidades os grupos dominantes fo-ram se deslocando para outras áreas – novos cen-tros (veja-se São Paulo, com o deslocamento do Centro Velho para a Aveni-da Paulista das sedes das grandes empresas, muitas das quais, agora, fazem novo deslocamento em direção à Avenida Faria Lima e áreas adjacentes). Ao abandonarem as velhas áreas centrais, ou ao rede-fi nirem seus usos, abriram espaço para que grupos empobrecidos e outros usos ali se instalassem.

Nos idos de 1905, para tomar o caso do Rio de Janeiro, as reformas de Pe-reira Passos viabilizaram-se, graças a um acelerado e violento processo de ex-pulsão dos pobres da área central da cidade, para a implantação da Avenida Rio Branco e o novo por-to. Hoje, estas mesmas áreas, desertadas pelos usos então implantados e tomadas, ao menos em parte, por usos conside-rados pelo grande capital (inclusive imobiliário) e pelas camadas privilegia-das como pouco nobres, ou de pouca vitalidade, correm o risco de serem novamente expulsos.

Assim, ao invés de revitalização ou recupe-ração de patrimônio imo-biliário, o que assistimos, nos centros de muitas de nossas cidades, é a uma disputa social para defi -nir por quem e como se-rão apropriados e usados nossos espaços centrais – com suas infra-estruturas e recursos imobiliários. Os investimentos em re-generação urbanística e imobiliária parecem justifi cáveis somente se estiverem precedidos de uma limpeza social. É como se nos dissessem: só vale a pena restaurar imóveis, resga-tar o patrimônio, se pusermos para fora os pobres, com seus pobres usos. Na reforma do Pelourinho, na velha Sal-vador, e nos projetos que hoje estão em andamento no centro de São Paulo, se diz explicitamente que é necessário eliminar os usos existentes e deslocar seus usuários.

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Page 75: Revista Noz 1

Como a questão do

turismo poderia ser

introduzida de maneira

menos nociva à espon-

taneidade das manifes-

tações culturais locais?

CV: O turismo não pode ser pensado separada-mente de um projeto para a cidade como um todo. E este projeto tem que ter como ponto de partida os citadinos, os moradores da cidade. Submeter à cidade ao turismo é o mesmo que submeter à cidade à es-peculação: num caso e no outro a cidade é reduzida a espaço de valorização do capital. A cidade não pode ser pensada como uma mercadoria a ser vendida no mercado tu-rístico. Ela tem que ser pensada a partir e para aqueles que a constroem e fazem viver.

A idéia central a pro-mover, a meu ver, é a da cidade mista. Senão vejamos. O que faz a riqueza de uma cidade? Ou melhor: o que faz de uma cidade uma verda-

deira cidade? Se tomamos a Escola de Chicago, que fundou, por assim dizer, a sociologia urbana, dois dos atributos essenciais da cidade são a hetero-geneidade e a densidade. A cidade é o que é porque é densa e diversa. Ora, a que nos conduzem os condomínios fechados, as áreas comerciais ex-clusiva, os espaços ur-banos exclusivos? A que nos conduzem as áreas turísticas separadas, onde o turista entra em contato com uma cidade destitu-ída de urbanidade, pos-to que reduzida à mera paisagem, museifi cada e estereotipada?

Eles instauram uma in-fi nidade de cidadelas, que são a negação mesma da cidade. Nossas cidades es-tão sendo destruídas pela segmentação e fragmenta-ção em uma infi nidade de cidadelas. A urbanidade, a vida propriamente urbana desaparecem. A possibili-dade da interação entre diferentes grupos se es-vai, e com ela o essencial aprendizado, democrático e civil, cultural e civilizató-rio, que não nasce senão do contato e diálogo entre o diverso, heterogêneo.

Eu tenho defendido, de maneira cada vez mais convicta, algo completa-mente diferente. Defendo uma CIDADE MISTA, que é a única forma de cida-de digna deste nome. Há experiências, pelo mundo afora, sobretudo nos Es-tados Unidos e Canadá, de normas e diretrizes urbanísticas que impõem, a todo e qualquer projeto

disponíveis nos centros urbanos e os recursos pú-blicos aí investidos. Tudo isso assume a forma de: homogeneização social dos espaços, especulação imobiliária, privatização dos espaços públicos.

Estaremos assistindo a mais um processo do que a literatura especializada tem chamado de gentri-fi cation, que poderíamos chamar, em português, de enobrecimento ou, simples-mente, aburguesamento.

urbano de mais vastas di-mensões, que assegurem a heterogeneidade – de usos, de grupos sociais, de formas de vida, etc. Assim, todo novo empre-endimento, por exemplo, na Barra, deveria prever habitações de vários tipos para usuários de diferentes níveis de renda. Isso seria a morte de um padrão de urbanização fundado na especulação imobiliária e na destruição da cidade – entendida como espaço do heterogêneo denso – ou da densidade heterogênea.

Se nos constituímos, enquanto uma cidade com espaços democráticos, onde o diverso tem encon-tro marcado, ela também está aberta ao turista. Não queremos espaços segre-gados, e não queremos segregar o turista em es-paços turísticos – no sen-tido de espaços separados para turistas. Queremos um turismo que traga gen-te para participar de nossa vida urbana, e não turistas que venham visitar um ci-dade inexistente, feita es-pecialmente para eles e de onde o nativo indesejável foi expulso. Ao invés de ofe-recer ao turista paisagens e espaços museifi cados, simulacros de vida urba-na, vamos colocá-lo em contato com nossa cida-de, no que ela tem de vital e rico. Não somos e não queremos ser cidades-resort, mas somos e queremos ser cidades vivas, acolhedoras, abertas ao contato e diá-logo com outras culturas e experiências.

Assim, ao invés de ser pensado simplesmente

como mercadoria, o tu-rismo, ele também, passa a ser concebido como ex-periência urbana, civiliza-tória, em que o citadino e o visitante se encontram, no meio de outros tantos encontros urbanos. E isso também gera uma intensa atividade econômica. Não é necessário tratar a cidade como mercadoria a ser em-pacotada para turistas para gerar atividade econômica, empregos e renda.

O processo de “gentrifi -

cação” tem sido um dos

aspectos mais criticados

dos projetos que tive-

ram inicio na década de

90. Há avanços no modo

de encarar esse assunto

nas intervenções mais

recentes, buscando

atender os interesses

dessa parcela desalojada

da população, ou pouco

mudou efetivamente na

última década? Que des-

dobramentos devemos

esperar do surgimento

de empreendimentos

imobiliários destinados

à classe média na Lapa,

por exemplo?

CV: Infelizmente, ali onde surgem as chamadas PPP – parcerias público-privadas –, ali onde se experimen-tam as chamadas operações urbanas e os projetos de re-vitalização, assistimos à re-produção, quase inevitável, da lógica da apropriação e valorização privadas dos espaços, infra-estruturas, investimentos e patrimô-nios culturais públicos.

Mas a Lapa fornece um admirável contra-exemplo. Há 10 anos atrás, a Lapa

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Page 76: Revista Noz 1

Intervir e congelar um

patrimônio, seja ele ma-

terial ou imaterial, sob

a égide da preservação

da memória e da iden-

tidade cultural, pode

impedir seu desenvolvi-

mento, suas mutações

ao longo da história

e decretar sua morte.

Mas seria possível atu-

almente acreditar na

sobrevivência natural

dos valores importan-

tes de uma cultura?

seria qualifi cada como ne-cessitada de uma operação urbana de revitalização e recuperação por muitos destes urbanistas-plane-jadores de plantão, que invocam o culturalismo pós-moderno, mas prati-cam o puro pragmatismo da valorização imobiliária. Mas nada disso ocorreu. Nenhum grande projeto. Algumas pequenas inter-venções e o dinamismo de alguns agentes locais, que geraram, com mínima intervenção do estado e do capital imobiliário, um processo que faz da Lapa um modelo de cidade. Mo-delo porque a Lapa que te-mos hoje, é, permanece, um extraordinário exem-plo de mixidez, de hetero-geneidade densa, isto é, de cidade. Sua vida é rica, di-versa. Nas noites se obser-va uma convivência, quase sempre respeitosa, embora não livre de tensões, de jo-vens de classe média das Zonas Sul e Norte, velhos freqüentadores, amantes da MPB de várias idades, moradores do bairro, ca-melôs de todo tipo, profi s-sionais do sexo de vários gêneros, artistas e tudo o mais que se pode desejar. Isso faz da Lapa um lugar maravilhoso, rico, expres-são do que há de melhor em nossa cidade.

Aqui vale lembrar que é por ser isso tudo que a Lapa se transformou, nos últimos anos, em um lugar quase obrigatório de visitação tu-rística. O que nos ensina, se isso ainda é necessário, que não se promove o tu-rismo construindo espaços turísticos”ou promovendo

atrações turísticas, mas, sim, sobretudo, propiciando e favorecendo o encontro e a vida urbanas.

Certamente isso pode-rá conduzir a um processo de valorização imobiliária e a uma perda de vitali-dade. Em situações com esta, uma diretriz clara em direção à cidade mista, le-varia a intervenções públi-cas que, sem pretenderem congelar a cidade, o que é típico de um conserva-dorismo passeísta e patri-monialista, que não me atrai, teria como elemento central preservar a diver-sidade – no patrimônio edifi cado, nos usos, nos residentes e usuários.

Numa cidade perma-nentemente ameaçada pe-las tendências segregacio-nistas, pela fragmentação em cidadelas, talvez não exista política mais impor-tante que aquela que tenha por fi m assegurar a hetero-geneidade densa, a preser-vação (onde ainda existe), o crescimento (onde a cidade se expande) e a recuperação (onde a cidade já foi toma-da pela lógica exclusivista) da cidade mista.

CV: A chamada preservação é, sempre, seja de que tipo for, uma invenção. Inven-ção de novos sentidos para as edifi cações, invenção de novos usos, invenção de no-vos valores. Na verdade, a preservação nunca nos traz de volta o passado, mas apenas uma visão e uso presentes de determina-dos resquícios, fragmentos, desse passado. Projeta-se, assim, no presente, uma imagem do que o passa-do foi e do que ele teve de bom para ser preservado. Mas, em muitos casos, a preservação é, na verdade, mistifi cação. O que quer dizer a recuperação (físi-ca, material) da edifi cação de uma antiga cadeia ou de um velho mercado de escravos, no qual hoje se alinham lojinhas de souve-nirs para turistas? Alguém acredita que este tipo de uso nos traz à memória o sofrimento dos escravos e a brutalidade da escra-vidão? É claro que não. O passado transformado em paisagem, cenário, merca-do turístico não nos ensina absolutamente nada, nem resgata coisa alguma: ape-nas ilustra a capacidade in-fi nita do capital de transfor-mar, tudo o que toca, em valor mercantil.

Trata-se, pois, de saber quem recupera e resgata. Para quê e para quem? A cultura é um processo di-nâmico em que também se disputam sentidos, valores simbólicos e signifi cados para as coisas, inclusive para a cidade e suas edi-fi cações. Não tenho sim-patia nem pelo urbanismo arrasador do modernismo,

que via em cada sobrevi-vência um anacronismo a ser varrido sob a égide da racionalização pura e absoluta dos espaços, nem por um pós-modernismo com pretensões cultura-listas que tudo transforma em espaços temáticos, nos quais reinam a valorização do capital, a mercantiliza-ção e espetacularização da cidade.

Por que não reconhecer, como aconteceu na experi-ência localizada da Lapa e em uma infi nidade de ou-tras micro-experiências, que os citadinos podem, e sabem, protagonizar a cidade e suas transforma-ções? Arquitetos, urbanis-tas e planejadores teriam que adotar um postura bem mais modesta que a usual. Teriam que abdicar da pretensão de dizerem às pessoas como morar e viver na cidade, segundo modelos ideológicos que expressam as forças do-minantes – econômicas, políticas e ideológico-cul-turais. E, quem sabe, po-deriam colocar-se a serviço dos citadinos, para ajudá-los a encontrar a melhor maneira de expressar, no espaço urbano, seus meios e modos de vida, e a viver uma urbanidade feita de encontros, e, desta forma, fazer da vida urbana uma possibilidade de democra-cia e de emancipação?•

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Page 77: Revista Noz 1

Amélia Reynaldo Arquiteta, Professora do Curso de Arquitetura

e Urbanismo da Universidade Católica de

Pernambuco e Doutora pela Universidade

Politécnica da Catalunha

O Bairro Portuário do Recife constitui na atualidade uma ilha de 100 ha situada entre o Atlântico e o rio Capibaribe. A sua urbanização data dos pri-mórdios do período colonial, tendo desempenhado um im-portante papel como local de articulação entre o âmbito ru-ral da então província de Per-nambuco e a Europa.

A lingüeta de terra, suporte ao ancoradouro natural dos ar-recifes, com superfície de 10 ha no século XVI, amplia-se ao longo do tempo por sucessivos aterros. Até o início do século XX constitui o centro de negócios do Recife e habitação de comer-ciantes e pessoas ligadas às ati-vidades de exportação e impor-tação, decorrentes da marcante presença do porto.

A alteração da relação de troca da produção internacio-nal repercute em nível nacio-nal a partir de fi ns do século XIX, gerando, entre outras, a necessidade de adaptação dos portos às novas exigências da

época. Parte do Bairro do Re-cife passa por um processo de renovação urbana, com subs-tituição do padrão arquitetô-nico e urbanístico confi gurado no período colonial e, conse-qüentemente, com a alteração dos usos até então existentes. Reduz-se a habitação e as ati-vidades comerciais dividem, com as fi nanceiras, a ocupação do território. As vias de maior largura que as então existentes e convergentes no moderno cais são elementos marcantes do novo traçado, que inaugura o modelo de crescimento urba-no rádio-concêntrico introdu-zido por Hénard no urbanismo francês, nos primeiros anos do século XX. A infl uência fran-cesa orienta a arquitetura das construções que confi guram as fachadas das avenidas Mar-quês de Olinda e Rio Branco e as alterações estéticas do ca-sario do período colonial não substituído pelo projeto urba-nístico do engenheiro Alfredo Lisboa (1911).

Intervenção no bairro portuáriodo Recife

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Até meados do século XX, a eco-nomia do Bairro, assim como a do Recife, seguia o ritmo oscilante da atividade portuária associada à produção agrícola regional e as inconstâncias do mercado inter-nacional. Nesse contexto, o bairro viveu momentos de prosperidade, estagnação, renovação e decadên-cia. Na década de 1970 o porto do Recife, seguindo tendência mun-dial, sofre as mudanças nos modos de transporte e estocagem portuá-rias e cede parte das suas ativida-des para o Complexo Industrial Portuário de Suape, implantado no sul da Região Metropolitana do Recife. O deslocamento das atividades comerciais e fi nancei-ras para o bairro de Santo Antônio e das residências para o bairro de São José e a expansão urbana a oeste e ao sul do Recife geraram a confi guração de novos centros de comércios e serviços, retirando a vitalidade da cidade antiga. O Bairro do Recife inicia um proces-so de decadência com perda de ati-vidades e população e decadência física de suas infra-estruturas e do seu estoque construído.A intenção de revertê-la surge em fevereiro de 1988, como estratégia de preserva-ção e valorização do patrimônio construído e estava contida entre as ações de médio prazo da pro-posta de Revitalização do Centro do Recife (1986).

Os debates acumulados até então permitiram o desenvol-vimento de uma nova lógica de intervenção urbana iniciando-

se pelos espaços regulados por normativas de proteção e, mais ainda, com um baixo desempe-nho interno da estrutura urbana e com possibilidade de desempe-nhar um papel signifi cativo na dinâmica urbana da cidade e, como tal, com repercussões posi-tivas na sua base econômica.

O Plano de Intenções para a Re-abilitação do Bairro do Recife (1987 e vigente até 1989)[1] estabelecia como objetivos (i) integrar o porto à cidade; (ii) o máximo aprovei-tamento da infra-estrutura urba-na existente; (iii) a utilização do estoque construído ocioso; (iv) a manutenção da população mora-dora, melhorando suas condições de habitabilidade; (v) a proteção e valorização do patrimônio his-tórico, cultural e simbólico; (vi) a integração do porto e do bair-ro à rede de circulação regional e nacional, principalmente na direção norte; (vii) a potencia-lização da circulação interna da área portuária através da redução do estrangulamento do acesso sul (rodoviário e ferroviário); (viii) a atração de atividades que fazem falta à cidade; as que organizam ou complementam as existentes; as estratégicas, pensadas como geradoras de atividades; e as que formam parte do imaginário de-senvolvimentista aproveitando a reserva simbólica, física e am-biental do espaço.

No âmbito do pensamento do planejamento urbano, a oportu-nidade de inovar na requalifi ca-

ção da estrutura urbana da cidade contida no Plano, contribuiu para a refl exão sobre a reinterpretação da estrutura urbana do espaço construído, com questões so-bre a resistência da morfologia e da tipologia tradicionais para a absorção de novas atividades com pre-servação dos edifícios de valor histórico e cultural, renovação dos edifícios passí-veis de substituição e melhoria das infra-estruturas urbanas e dos espaços públicos, priorizando a perma-nência da população moradora; inclusão da habitação como atividade básica da área, dotando-a de equipamentos co-munitários de apoio à habitação e aos tra-balhadores do porto (creche, escola, res-taurante popular, núcleo de vida coo-perativa, etc.).

Apoiado na aná-lise das características físicas, funcionais e sociais do bairro, o Plano de Intenções supõe um conhecimento do espaço e, nor-teado por conceitos distintos daqueles até então vigentes nas diretrizes das políticas de intervenção nas áreas prote-gidas, propõe uma política de gestão, um zoneamento, uma

[1] Elaborado por um

grupo interdisciplinar

formado por Antônio

Montenegro (histo-

riador), Evandro Sales

(sociólogo), Maria José

Marques (arquiteta),

Maria Paula Gonçal-

ves (arquiteta), Marta

Domingues (arquiteta),

Romero Pereira (arqui-

teto), Silvia Pontual

(assistente social), Vera

Martins (arquiteta) e

Vital Pessoa de Melo

(arquiteto) sob a co-

ordenação de Amélia

Reynaldo.

[2] Gonçalves, Maria

Paula e Reynaldo, Amé-

lia. Porto Digital: a di-

mensão urbana. Lisboa:

Revista PORTUS, 2002.

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Page 79: Revista Noz 1

mica Federal. Por outro lado as atividades instaladas a partir de 1987 e, mais fortemente, a partir de 1993 abandonam paulatina-mente o bairro. As atenções sobre as potencialidades do bairro para abrigar atividades de tecnologia da informação e comunicação estiveram presentes desde o fi -nal da década de 1980 e somente se concretizam a partir de julho de 2000, quando o Governo do Estado de Pernambuco lança o Porto Digital como uma inicia-tiva que busca conciliar o desen-volvimento das atividades TIC com a reabilitação do patrimô-nio urbano e ambiental do Bairro do Recife[2]. O empreendimento envolve o desenvolvimento da cidade da tecnologia – criação de um ambiente de negócios de tecnologia de ponta – apoiado na reutilização das estruturas ob-soletas e subutilizadas do bairro portuário contribuindo para a sua reabilitação urbana.

Com o processo de reabilitação iniciado em 1987 tem-se a queda de 33% da ociosidade dos edifí-cios, novos usuários dos bares e restaurantes instalados e tu-ristas passaram a freqüentar a área e o número de moradores de baixa renda triplicou. O impacto dos investimentos, entretanto, revelou-se limitado a determi-nadas áreas do bairro. É nesse contexto que se insere a iniciativa do Porto Digital que tem, como estratégia, reunir, nas estrutu-ras obsoletas do bairro portuário

aplicada ao Pólo Bom Jesus (de-sapropriação e restauração de 5 imóveis disponíveis, através de aluguel, à iniciativa privada), o interesse da iniciativa privada em ofertar atividades de lazer e gastronomia e a receptividade e disponibilidade da população em desfrutar do espaço requalifi cado garantiram a vitalidade de partes do bairro. As manifestações cultu-rais, inclusive o Carnaval, passam a desfrutar de um novo palco de

eventos diluído nas ruas, praças e cais do bairro, com público ga-rantido pelos diversos segmentos sociais. O projeto do Marco Zero (1999) – piso contínuo envolvendo os espaços públicos da convergên-cia das vias do traçado da reforma urbana do início do século XX, tendo no centro a rosa dos ventos do artista plástico pernambucano Cícero Dias – introduz, na área, uma condição privilegiada para a realização de grandes eventos, antes limitados às areias da praia de Boa Viagem.

O segundo momento da rea-bilitação do bairro está marcado, por um lado, pela reconversão do edifício da antiga Alfândega no centro comercial Paço Alfândega (2002), requalifi cação urbanística do cais da Alfândega, melhoria de espaços públicos das ruas Madre de Deus e da Moeda e restauração de edifícios importantes como a sede da Associação Comercial de Pernambuco, dos Correios e a ins-talação de centros culturais como do Banco Real e da Caixa Econô-

Paço Alfândega

Rua do Bom Jesus

exaustiva atração de atividades e a elaboração de projetos pon-tuais defi nidos como prioritá-rios para o início do processo de intervenção, que se defi nia como de longo prazo.

A partir de 1993 os objetivos do Plano de Intenções são reajus-tados, as preocupações sociais perdem força no processo de reabilitação que dá lugar à má-xima valorização do potencial turístico-cultural do bairro. As áreas de maior densidade de ativos de valor turístico confi guram os pólos de intervenção prioritária (Bom Jesus, Alfândega e Pilar). A efi ciência da estratégia pública

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Page 80: Revista Noz 1

do Recife, os agentes motores da economia de inovação tecnoló-gica – empresas, universidade e governo –, ampliando a abran-gência dos esforços de reabilita-ção urbana e criando a sinergia associada à produção de conheci-mento, desenvolvimento de com-petência e competição no merca-do nacional e internacional.

A implantação do Porto Digi-tal é complexa e ampla, envol-vendo a criação de órgão gestor, operações de transferência de usos, recuperação física de imó-veis, infra-estrutura urbana, atração de negócios de TIC e de apoio (estacionamento, centros comerciais, hotéis e habitação), mecanismos de incentivo para a instalação de empresas e progra-mas de inserção da população de baixa renda na economia digital. A perspectiva é que essas ações tragam para o Bairro do Recife mais de 3,5 mil novos usuários, dos quais 2 mil estudantes uni-versitários de informática num horizonte de duas décadas.

O Plano de Desenvolvimento do Porto Digital busca direcionar as suas ações estratégicas atra-vés da negociação com agentes públicos e privados, que inclui a apresentação das construções e áreas ociosas do bairro como as de ocupação preferencial para os usos de interesse direto (condomí-nios de TIC, incubadoras, centro de treinamento de empresários) e indireto (habitação, comércio, serviços, lazer, cultura, entrete-nimento), os projetos estratégi-cos e a visão de futuro apontada para o período 2015-20.

Na atualidade, a instalação de cerca de 100 empresas de tecnolo-gia de informação e comunicação é a responsável pela restauração e/ou requalifi cação com adequa-ção funcional de cerca de 20 mil m² de construção, gerando 3 mil novos empregos num período de apenas 5 anos.

A reabilitação do Bairro do Re-cife é um processo em andamento. O desafi o do Porto Digital de se tornar plataforma referencial em negócios de TIC, mundialmente, dos espaços comerciais, de cultu-ra e lazer, de atuarem como atra-ção signifi cativa é tão ambicioso quanto o de contribuir para a re-abilitação do bairro portuário de Recife. É certo, entretanto, que o investimento em estruturas con-solidadas, bem localizadas e obso-letas, e na melhoria da qualidade de vida de sua população constitui uma estratégia a ser perseguida.

Enquanto a política de reabi-litação européia se consolida no início dos anos de 1980[3], tanto através de medidas precisas de valorização das qualidades dos espaços protegidos[4], quanto na manutenção dos princípios de or-ganização da paisagem cultural, a iniciativa brasileira de preser-vação do patrimônio obedece a distintos instrumentos norma-tivos, em nível federal, estadual e municipal, sendo que o Decreto Lei nº 25/1937 lidera a formação do pensamento preservacionista nacional e obedece ao espírito da lei francesa de 1913 e apresenta historicamente uma defasagem em relação à recente produção normativa e de procedimentos na conservação do patrimônio. Ape-sar de avanços signifi cativos na proteção dos conjuntos urbanos (Compromisso de Salvador, 1972), a histórica atuação nacional no âmbito da efetiva preservação do patrimônio – sustentabilidade e eqüidade social – não contabiliza muitos exemplos.

A reabilitação do Bairro do Re-cife detém uma instigante trajetó-ria, sem, entretanto, inscrever-se entre as melhores experiências no tema: as propostas de inclusão social não se efetivaram (restau-ração e adequação funcional de imóveis antigos para moradia da população favelada e instalação de

equipamentos coletivos e sociais, como creche, escola, restaurante popular), os novos usos e ativida-des instalados no fi nal dos anos de 1980 e início dos 90 mudaram de endereço e o escritório local de planejamento não resistiu às mu-danças de gestores municipais e fechou suas portas. O desejável êxito do centro comercial Paço Al-fândega, por exemplo, pode ser responsável por parte do fracasso de muitos empreendimentos espalhados na ilha, principalmente os de alimentação. É bem verdade que uma nova atividade de natureza expansiva instala-se na área. Entretanto, além das atividades de tecnologia da in-formação e comu-nicação é de funda-mental importância que o planejamento do território a ser re-abilitado possa con-templar a existência de espaço público de qualidade e serviços urbanos adequados, a realização de eventos culturais acessíveis e diversos, a atração de um conjunto de ati-vidades comerciais e de serviços e, princi-palmente, a criação de mecanismos efi -cientes para a me-lhoria das condições de habitabilidade da população morado-ra na Comunidade do Pilar e a sua per-manência no bairro. Neste sentido devem orientar-se os esfor-ços para inscrever a reabilitação do Bairro do Recife entre as práticas relevantes da política de proteção do patrimônio no Brasil.•

[3] LEVY, Jean-Paul.

Centres villes en muta-

tion. Paris: Editions du

CNRS, 1987. p. 143/146.

[4] Até os anos de 1960,

a regulamentação dos

monumentos históricos

e a ação das coletivida-

des públicas estiveram

essencialmente consa-

gradas ao inventário e à

proteção. Em 1975 todos

os bairros centrais de

Paris e outros bairros

do entorno do coração

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de inscrição. Na atua-

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protegida. Mais de 1,2

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dade) fosse legislado, a

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NI, 1981)

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Page 81: Revista Noz 1

Andréa BordeProf. Dra. FAU/UFRJ Pesquisadora Associada

PROURB/FAU/UFRJ

As grandes cidades contemporâneas têm seu futuro urbano for-temente associado à transformação dos terrenos e edifícios em situação de vazio urbano. Cidades, como o Rio de Janeiro, cujo te-cido urbano consolidado apresenta inúmeras situações de alteri-dade e descontinuidade conformadas pela presença de terrenos e edifícios esvaziados. Vazios que, diferentemente dos espaços livres de construção e das áreas para expansão urbana, são resultado de um processo de esvaziamento representativo, muitas vezes, de crises estruturais do sistema produtivo. Esses vazios esvazia-dos que permanecem desocupados (sem ocupação), desafetados (sem uso), ou subutilizados (com utilização abaixo do potencial construtivo) atuam como pontos de desequilíbrio, de instabilida-de e de transformação urbana com funções, valores e signifi cados na produção e percepção do espaço urbano específi cos.

A apreensão dos diferentes níveis de signifi cação dos vazios urbanos constitui-se, assim, em uma questão paradigmática para a compreensão da dinâmica urbana dessas cidades e do papel que os vazios urbanos podem desempenhar na construção de uma nova sociabilidade urbana. Para tanto, é necessário identifi car os principais tópicos que orientam a discussão contemporânea so-bre os vazios urbanos e promover análises que considerem articu-

um desafi o para o futuro

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Page 82: Revista Noz 1

ladamente os diversos momentos do seu processo de formação: o vazio, que corresponde às relações que o vazio urbano estabelece atualmente com o tecido urbano e seu impacto na dinâmica ur-bana; o esvaziamento, os fatores que levaram à formação e per-manência da situação de vazio urbano; e, o preenchimento, que corresponderia ao eventual processo de transformação dessas si-tuações. Vale destacar que, embora as intervenções urbanas reali-zadas em áreas de vazios urbanos correspondam, provavelmente, ao momento mais documentado do processo dos vazios urbanos, é necessário que sejam elas articuladas aos dois momentos ante-riores para compreender como as reativações dos vazios urbanos se inserem no atual contexto urbano e porque algumas delas não preenchem, efetiva e simbolicamente, os vazios urbanos.

O enfrentamento desta questão é particularmente importan-te para a compreensão dos caminhos apontados para o desen-volvimento urbano das grandes cidades dos países em desenvol-vimento. Cidades como o Rio de Janeiro, nas quais os vazios do tecido consolidado e infra-estruturado representam uma signifi -cativa desigualdade urbana, considerando o esvaziamento resi-dencial da área central e o crescimento em direção às periferias ao longo do século XX.

Considerando a revisão conceitual demandada para a com-preensão desse fenômeno urbano contemporâneo, optou-se pela proposição de critérios e categorias de análise que permitissem estabelecer conexões entre os processos de produção do espaço urbano e de formação dos vazios urbanos a serem considerados em sua gestão e transformação.

O vazio urbano começa a se constituir como um fenômeno sig-nifi cativo, e a despertar refl exões no campo do urbanismo, a par-tir da crise estrutural do sistema produtivo, de meados da década de 1970 que, entre outros aspectos, contribuiu para o aumento do estoque de terrenos e edifícios industriais desfuncionalizados e para as difi culdades colocadas à sua refuncionalização. Manti-dos vacantes, edifi cações e quadras inteiras do tecido industrial e de sua área em torno, foram arrastados a uma situação de va-zio urbano. Na década de 90 ocorre uma infl exão no processo de formação dos vazios urbanos, bem como nas refl exões teóricas

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Page 83: Revista Noz 1

Neste mapa esquemático é

possível observar a heterogeneidade

do tecido urbano do grande vazio

projetual da Avenida e seu processo

de formação que conformaram

uma diversidade de vazios urbanos,

cujas alteridades promovem

permanências e descontinuidades.

Quadro de Tecidos Urbanos da Avenida Presidente Vargas e da área em torno.

produzidas sobre o tema. As regras impostas pelo capital às novas estruturas produtivas fl exibilizam as relações de trabalho, redu-zem o papel do Estado, submetem-no ao mercado fi nanceiro e promovem a falência do bem-estar social. As demandas criadas pela nova ordem mundial exigem novas estruturas urbanas, as cidades precisam se constituir em pontos nodais do novo sistema urbano em redes, o que leva as cidades a promoverem uma acele-ração nos processos de transformação urbana. Os vazios urbanos passam a ser considerados oportunidades para o capital fi nancei-ro, com interesses imobiliários, mas também fundiários, para o qual não interessa mais a manutenção das situações de vacância que pontuam o tecido consolidado das grandes cidades.

Assim, tudo aquilo que poderia desacelerar o ritmo fi nanceiro – demandas sociais, terrenos e edifícios vacantes, legislação ur-bana, ações planejadas, etc. – passa a ser considerado obstáculo ao funcionamento do sistema. Por outro lado, o que pode acelerar e atrair o fl uxo de capitais – terrenos livres e infra-estruturados, mão-de-obra especializada, ações pontuais, planejamento estra-tégico, etc. – passa a ser visto como uma chance para o pleno desenvolvimento desse sistema. Os vazios urbanos, percebi-dos como expressões de decadência, deterioração e degradação urbanas, em um mundo que privilegia a imagem e a visibilidade como forma de poder e a produtividade como forma de inserção social, passam a ser locais privilegiados para os novos projetos de requalifi cação e renovação urbanas. Neste contexto, o proje-to urbano tornou-se um instrumento para fazer emergir cidades atraentes a partir das estratégias urbanas relacionadas aos va-zios esvaziados do tecido urbano. Intervir nos vazios urbanos se confi gura, assim, como uma ação que visa reverter os impactos negativos que essa percepção do espaço urbano pode produzir nas formas de produção e acumulação do capital, neste momen-to, predominantemente urbano. As intervenções urbanas promo-vidas nas diferentes situações de vazio urbano (vazios intersti-ciais, vazios arquitetônicos, vazios de grandes dimensões, etc.) de cidades como Barcelona, Paris, Londres e Berlim transformam suas dinâmicas urbanas, inserindo-as no novo sistema urbano e tornando-as referenciais para outras cidades.

No entanto, talvez pela não compreensão dos fatores sociais, políticos, econômicos e simbólicos que colaboraram para a for-mação e permanência das situações de vacância urbana, foram cometidos, no campo das práticas e das intervenções urbanísti-cas, alguns exageros e omissões nas últimas décadas que contri-

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buíram, ao contrário do que se poderia supor, para a formação de novos vazios urbanos. Evidenciando, assim, que não existe apenas uma possibilidade de atuação em situações de vazio ur-bano; e que essas ações devem estar atentas aos processos que levaram à formação desses vazios, suas articulações com o tecido urbano e com a construção de uma cidade mais justa para seus cidadãos. Neste sentido, Clichevsky (2002) reforça a importância de a gestão dos vazios urbanos integrarem as políticas públicas de equidade urbana, da qual participariam tanto o setor público como os demais setores sociais. O poder público deveria atuar tanto transformando os vazios urbanos existentes, como coibin-do a formação de novos vazios, a fi m de que estes não fossem mais associados ao vazio de poder (Fausto e Rabago, 2001).

É necessário retomar a noção do urbano como lugar do en-contro, da pluralidade e que demanda ações solidárias em prol de uma cidade mais justa. Um lugar em que um outro mundo é possível, distinto daquele proposto pelo pensamento hegemônico do capital internacional. Um mundo em que os vazios urbanos podem se constituir em um outro lugar, a partir do qual se viabili-ze a articulação das questões contemporâneas nas escalas global e local, no atendimento às diversas e urgentes demandas sociais, políticas, econômicas e simbólicas.

A transformação dos vazios do tecido consolidado, como for-ma de se deter uma possível dispersão urbana em direção aos va-zios das áreas de expansão, tem sido considerada tanto uma pos-sibilidade de agravamento das condições ambientais do centro e adiamento da requalifi cação da periferia (Portas, 2000), como uma oportunidade de maximização da infra-estrutura instalada através do adensamento sustentável do tecido urbano consolida-do (Rogers, 2001). Não parece, contudo, que seja uma questão de privilegiar a atuação em vazios centrais ou periféricos, mas, sim, de adotar estratégias de atuação diferenciadas a fi m de promover uma rearticulação mais ampla do tecido urbano. A opção pelo projeto urbano não deve ser hegemônica, automática, sem plane-jamento, mas uma opção conseqüente integrante de um escopo de ações planejadas.

É importante ressaltar, ainda, o papel que algumas ações cultu-rais emblemáticas desempenharam no contexto das reativações dos vazios urbanos. Iniciativas que promoveram a reafetação e refuncionalização tanto de vazios intersticiais como arquitetôni-cos, para atividades temporárias, tais como, entre outras: os jar-dins comunitários cultivados em vazios desocupados, geralmente intersticiais, na Europa e nos Estados Unidos, a conversão de edi-fícios vazios, sobretudo na Europa; a apropriação artística das si-tuações de vazios urbanos nas cidades européias e norte-america-nas, desde a década de 1960, com o movimento de contracultura. Uma iniciativa inovadora, neste sentido, tem sido a ocupação temporária de edifi cações em situação de vazio urbano por um período de tempo pré-determinado pela associação cultural Usines Ephémères. Essa associação promove, em convênio com a prefeitu-ra e o proprietário do imóvel, a utilização temporária por jovens

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artistas contemporâneos. Após o período acordado, o imóvel é retomado pelo proprietário “recapitalizado”, que realiza, então, as obras necessárias à transformação de uso. Esta iniciativa articula, deste modo, demanda não atendida (de locais para a produção da arte contemporânea de jovens artistas) e ocupação provisória, como forma de conter a deterioração progressiva da edifi cação vacante e a desestabilização da área em torno.

No Rio de Janeiro, a Avenida Presidente Vargas constitui-se em uma das situações de vazio urbano mais emblemáticas da área central. A Avenida se insere no contexto dos vazios conforma-dos pelas grandes intervenções promovidas pelo poder público, no século XX, nesta área de grande signifi cação histórica, formal e funcional para a cidade, no afã de criar terras públicas em área valorizada (como os arrasamentos dos morros do Castelo e Santo Antonio e a abertura de grandes vias). Ao atravessarem diversos momentos da historia urbana carioca estes vazios projetuais po-dem estar indicando, que teriam deixado de ser elementos transi-tórios e passado a se constituir em elementos estruturadores da confi guração espacial da área central.

O grande vazio projetual confi gurado pela Avenida Presidente Vargas participa de vários momentos do processo de esvazia-mento da área central: (i) a abertura do trecho inicial, entre a Igreja da Candelária e o Campo de Santana, no início da década de 1940, promoveu desterritorializações e incontáveis terrenos subutilizados para fi ns de estacionamento; (ii) a abertura de grandes vias cruzando a Avenida, como os elevados da Perime-tral, Trinta e Um de Março e Paulo de Frontin, e as primeiras estações abertas do sistema metroviário, criaram vazios urba-nos que desarticularam ainda mais o tecido urbano da Avenida; e, fi nalmente, (iii) o grande vazio urbano criado pelo estado de espera, em que permaneceu o trecho entre o Campo de Santana e a Praça da Bandeira. Ao longo de mais de sessenta anos de his-tória da Avenida, essas situações de desafetação, desocupação, subutilização e desestabilização foram se sobrepondo e gerando outras tantas situações de vazio urbano.

Av. Presidente Vargas:

corte esquemático e margens norte

e sul. Os dois panoramas expõem

as contradições do tecido heterogêneo

da Avenida marcado pela presença de

pequenas, médias e grandes extensões de

vazios urbanos em ambas as margens.

No primeiro vê-se desde o edifício da

Estação Central e o Morro da Providência

ao fundo até os edifícios altos da área

central de negócios. No segundo, desde as palmeiras do parque urbano do Campo de

Santana até o edifício Balança, mas não cai, um marco residencial

da Avenida, uma seqüência de terrenos

desocupados ou subutilizados

rompida apenas por um edifício.

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Maquetes e perspectivas do projeto da Av. Pres. Vargas:Expectativas não verifi cadas. Percebe-se nesta restituição gráfi ca da Av. Presidente Vargas (2006) desde a Baia de Guanabara até a Av. Francisco Bicalho, o contraste entre o trecho inicial, marcado pela presença da Igreja da Candelária, inaugurado em 1944, e o trecho seguinte até hoje esparsamente ocupado. Este trecho inicial é uma expansão da área central de negócios da Av. Rio Branco. A partir do Campo de Santana a expectativa de ocupação não se verifi cou. A maioria das edifi cações deste trecho é institucional ou empresas públicas privatizadas.

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Mesmo sendo consideradas pelo Plano Diretor de 1992, como prioritárias à ocupação, e quase todas as análises empreendidas sobre a Av. Presidente Vargas apontem para a existência de gran-des vazios ao longo da via, não foram, ainda, elaboradas propos-tas urbanísticas que considerassem a avenida, em toda a sua ex-tensão, e seus vazios urbanos. A Avenida permanece não apenas como uma grave cisão espacial, mas, sobretudo, como um vazio projetual paradigmático da área central. Ela organiza um tecido heterogêneo, permeado de situações de vazio urbano, cujas ten-sões demandam análises articuladas e ações integradas.

Os aspectos pertinentes à maioria das grandes cidades con-temporâneas e à Avenida Presidente Vargas, na cidade do Rio de Janeiro, aqui abordados permitem considerar que os vazios ur-banos representam um desafi o para a construção de uma nova sociabilidade urbana. Desafi o confi gurado tanto pela necessidade de coibir a formação de novas situações de vazio urbano, como pela proposição de ações urbanísticas (políticas pùblicas de mi-nimização da iniqüidade social, projetos urbanos, iniciativas da sociedade civil, etc.) articuladas, nas escalas global e local, que promovam a reativação dos vazios urbanos e o desenvolvimento dessas cidades. Os vazios urbanos despontam, assim, como áreas de manejo da forma urbana capazes de contribuir para a promo-ção de um futuro urbano mais cidadão.•

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Page 87: Revista Noz 1

o que é o curso?

O curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio está

diretamente ligado aos departamentos de Engenharia

Civil, Artes & Design e História. Tem como objetivo for-

mar o aluno para trabalhar como profi ssional de projeto

em arquitetura e urbanismo, em construção civil e em

paisagismo. Também prepara o estudante para atuar na

área da preservação do patrimônio artístico e cultural.

Concebido de maneira a fornecer instrumentos pro-

jetuais e técnicos, assim como desenvolver o pensamen-

to crítico necessário para a inserção do novo profi ssional

no mercado de trabalho, o curso fundamenta-se numa

proposta de ensino integrado. Essa concepção se refl ete

na estrutura curricular, com grande destaque para as

disciplinas de projeto de arquitetura. A participação de

professores de diversas áreas, compartilhando conteúdos

e desenvolvendo novas competências, busca a integra-

ção efetiva entre a teoria e a prática, a criatividade e o

pensamento crítico. Já o programa de estágio possibilita

ao aluno exercitar o dia a dia da profi ssão no Escritório

Modelo, participando de projetos de cunho social ou

trabalhando em escritórios de arquitetura e urbanismo.

O currículo inclui, ainda, disciplinas eletivas livres,

oferecidas no âmbito do curso ou por outros depar-

tamentos da PUC-Rio. Outra marca da graduação em

Arquitetura e Urbanismo são as chamadas atividades

extracurriculares, com destaque para viagens nacionais e

internacionais, organizadas por professores e alunos. Os

convênios com universidades estrangeiras também ofe-

recem aos estudantes a possibilidade de realizar viagens

de intercâmbio internacional.

coordenador do cursoProf. Otávio Leonidio

diretor do departamento de engenharia civilProf. Celso Romanel

diretor do departamento de artes&designProf. Luiz Antonio Luzio Coelho

supervisores de ProjetoProf. Alder Catunda Timbó Muniz

Prof. Andrés Martin Passaro

Prof.ª Claudia Maria P. N. de Miranda

Prof. Fernando Betim Paes Leme

Prof. Hermano Viriato de Freitas Filho

Prof.ª Maria Fernanda R. C. Lemos

Prof. Marcelo R. V. D. de M. Bezerra

Prof. Marcos Osmar Fávero

supervisores de ÁreaProfª. Maria Cristina Nascente Cabral (História e Teoria)

Profª. Iclea Reys de Ortiz (Tecnologia e Construção)

Prof. Silvio Dias de Moura (Representação)

Prof. Pedro da Luz Moreira (Urbanismo, Paisagem e

Meio Ambiente)

equipeConsuelo da Silva Carvalho

Prazo proposto para a conclusão do curso

5 anos letivos máx: 10 anos letivos

Secretaria: Edifício Cardeal

Leme • Sala 301 tel 3527–1828

fax 3527–1195

[email protected]

http://www.arq.puc-rio.br

Esta revista foi impressa em offset pela Gráfi ca

Gol no papel Couché Matte 90 g/m2. As princi-

pais famílias tipográfi cas usadas na composi-

ção do texto são Fedra Sans e Fedra Serif A,

ambas de Peter Bilak.

Portaria SESu/MEC nº 52

de 26/05/2006

D.O.U. de 29/05/2006

curso de arquitetura e urbanismo da puc-rio

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ANARQUITETURA

Alguma coisa está fora da ordem/ Verônica Rodrigues/ p.04

Arquitetura dos Irmãos Roberto/ Luiz Felipe Machado/ p.08

Arquitetura versus Edifi cação/ Jorge Mario Jáuregui/ p.14

ZOOM

L. C. Toledo apresenta o projeto de urbanização da Rocinha/ p.22

Uma conversa no centro de educação e cultura lúdica/ A. Mendonça, A. Coutinho, M. Palmeiro/ p.31

Participação?/ M. Fernanda Lemos, Fernando Betim/ p.36

Anotações/ Larissa de Aguiar/ p.39

RUÍDOS

A cidade como texto/ Renato Cordeiro Gomes/ p.44

Simmel: A metrópole e a grande cidade/ Ricardo Benzaquen/ p.52

Relicário/ Juliana Sicuro/ p.56

Tabuleiro da rua & Aos sete mares/ Os sete novos/ p.62

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TFG: Complexo Paneleiras/ Amanda Miranda/ p.66

Contraponto/ Carlos Vainer, Sílvio Zancheti/ p.70

Intervenção no bairro portuário do Recife/ Amélia Reynaldo/ p.75

Vazios Urbanos/ Andrea Borde/ p.79

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