revista nossa américa niemeyer

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Nossa Revista do Memorial da América Latina - Edição Especial - Ano 2012 - R$15,00 3

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Page 1: Revista Nossa América Niemeyer

Nossa Revista do Memorial da América Latina - Edição Especial - Ano 2012 - R$15,00

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Page 2: Revista Nossa América Niemeyer

WWW.MEMORIAL.SP.GOV.BR

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Page 3: Revista Nossa América Niemeyer

EDITORIAL

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JOÃO BATISTA DE ANDRADEGERALDO ALCKMINMARCELO ARAÚJO

DEPOIMENTO

08 OSCAR NIEMEYER

ENCONTRO

16 MARCO DO VALLE

LINGUAGEM

23 MARIA ISABEL IMBRONITO

ESTÉTICA

28 LAURO CAVALCANTI

PRIVILÉGIO

35 FERNANDO FRANK CABRAL

PROPOSTA

42 MARIA CRISTINA CABRAL

DESAFIO

46 RODRIGO QUEIROZ

LEGADO

53 PERCIVAL TIRAPELI

PARADIGMA

60 GUILHERME WISNIK

PONTO DE VISTA

63 PAULO MENDES DA ROCHA

REFERÊNCIA

68 LUIS EDUARDO BORDA

OBRAS

75 DA REDAÇÃO

CRÔNICA

78 ALMINO AFFONSO

PARCERIA

82 DARCY RIBEIRO

ENTREVISTA

86EDUARDO RASCOV

PETER GODFREY

DESIGN

90 FÁBIO MAGALHÃES

TRAÇO

94 OSCAR NIEMEYER

HOMENAGEM

98 RODRIGO QUEIROZ

REPERCUSSÃO

108 DA REDAÇÃO

MARKETING

116 DA REDAÇÃO

TRAJETÓRIA

120 DA REDAÇÃO

SAMBA

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OSCAR NIEMEYER, EDU KRIEGER

CAIO ALMEIDA

GOVERNADORGERALDO ALCKMIN

SECRETÁRIO DA CULTURAMARCELO ARAÚJO

FUNDAÇÃO MEMORIALDA AMÉRICA LATINA

CONSELHO CURADOR

PRESIDENTEALMINO MONTEIRO ÁLVARES AFFONSO

SECRETÁRIO DA CULTURAMARCELO ARAÚJO

SECRETÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA (em exercício)LUIZ CARLOS QUADRELLI

REITOR DA USPJOãO GRANDINO RODAS

REITOR DA UNICAMPFERNANDO FERREIRA COSTA

REITOR DA UNESPJULIO CEZAR DURIGAN PRESIDENTE DA FAPESPCELSO LAFER

REITOR DA FACULDADE ZUMBI DOS PALMARESJOSÉ VICENTE

PRESIDENTE DO CIEERUY ALTENFELDER SILVA

DIRETORIA EXECUTIVA

DIRETOR PRESIDENTEJOãO BATISTA DE ANDRADE

DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DA AMÉRICA LATINAADOLPHO JOSÉ MELFI

DIRETOR DE ATIVIDADES CULTURAISLUIZ FELIPE BACELAR DE MACEDO

DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO SERGIO JACOMINI

CHEFE DE GABINETEIRINEU FERRAZ

REVISTA NOSSA AMÉRICA

DIRETORJOãO BATISTA DE ANDRADE

EDITORA EXECUTIVA/DIREÇÃO DE ARTELEONOR AMARANTE

ASSISTENTE DE REDAÇÃOMÁRCIA FERRAZ

DIAGRAMAÇÃOFELIPE DE PAULA LOPES (ESTAGIÁRIO)EVERTON SANTANA (COLABORADOR)

ASSISTENTE DE DIAGRAMAÇÃODAYANE DA SILVEIRA XISTO (ESTAGIÁRIA)

REVISÃO (ESTAGIÁRIO)ELIAS CASTRO

LEITURA FINALLUIS AVELIMA

COLABORARAM NESTE NÚMEROAlmino Affonso, Ana Candida Vespucci, Bernardo Gutiérrez, Castor Fernandez, Dalva Thomaz, Daniel Pereira, Edu Krieger, Caio Almeida, Eduardo Rascov, Everton Santana, Fábio Magalhães, Fernando Frank Cabral, Fernando Leça, Guilherme Wisnik, Gonçalo Júnior, Lauro Cavalcanti, Luis Avelima, Luis Eduardo Borda, Luiz Claudio Lacerda, Marco do Valle, Maria Cristina Cabral, Maria Isabel Imbronito, Mário Castelo, Mário Lima, Nelson Kon, Oscar Niemeyer, Percival Tirapeli, Paulo Mendes da Rocha, Rogério Reis, Rodrigo Queiroz, Rogério Randolph, Tânia Rabelo.

CONSELHO EDITORIALAníbal Quijano, Carlos Guilherme Mota, Celso Lafer, Davi Arrigucci Jr., Eduardo Galeano, Luis Alberto Romero, Luiz Felipe de Alencastro, Luis Fernando Ayerbe, Luiz Gonzaga Belluzzo, Oscar Niemeyer, Renée Zicman, Ricardo Medrano, Roberto Retamar, Roberto Romano, Rubens Barbosa, Ulpiano Bezerra de Meneses.

NOSSA AMÉRICA é uma publicação trimestral da Fundação Memorial da América Latina. Redação: Avenida Auro Soares de Moura Andrade, 664 CEP: 01156-001. São Paulo, Brasil. Tel.: (11) 3823-4669. Vendas: (11)3823-4618 Internet: www.memorial.sp.gov.br Email: [email protected].

Os textos são de inteira responsabilidade dos autores, não refletindo o pensamento da revista. É expressamente proibida a reprodução, por qualquer meio, do conteúdo da revista.

SECRETARIA DEESTADO DA CULTURA

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Para alguém de minha geração, falar do arquiteto Oscar Niemeyer é tocar fundo em nossa emoção. Vivi minha adolescência nos anos 1950, sai do interior mineiro em busca de uma formação educacional e profissional melhor. Saltei primeiro para Uberaba, depois Belo Horizonte, até chegar a São Paulo em 1960. Cheguei exatamente no ano em que Bra-sília foi inaugurada e os nomes de Niemeyer e Lúcio Costa estavam na boca, no pensamen-to e na imaginação de todos. Afinal eles não tinham construído só uma cidade. Mas, “a cidade”, a capital de um novo Brasil que se buscava e pretendia pelo sonho de Juscelino Kubitschek. No fundo, compartilhávamos o mesmo sonho. Sonhávamos juntos, todos.

Aquele era um período de intensa movimentação da juventude brasileira nos grandes centros, ao lado de uma verdadei-ra revolução nas artes, na cultura brasileira num sentido mais amplo. Muitos valores nos moviam: o espírito crítico efervescente na União Nacional dos Estudantes (UNE), no Teatro Oficina, no Teatro de Arena, nas ideias transformistas de Augusto Boal, Gian-francesco Guarnieri, no Cinema Novo de Glauber Rocha, no movimento musical da Bossa Nova... Mas, precedendo toda essa verdadeira agitação cultural, um fato nos marcou profundamente, como o valor sim-bólico maior de todos os nossos sonhos: a construção de Brasília, emoldurada na sen-sualidade arredondada e na crença no futuro saídas das mãos de uma mente brilhante – Oscar Niemeyer.

Ali estava estampada nossa crença num país que já não era mais do futuro, mas onde o futuro se construía com tamanho talento, ur-gência e promessas. Era ousadia demais cons-truir a capital de uma nação tão grande, quase um continente, no meio do nada, com seus pré-dios e torres de desenhos que lembravam naves espaciais que víamos no cinema. Era a mate-rialização da fantasia, da ficção científica. Para nós, que só pensávamos em formas de fazer do Brasil um lugar melhor, aquilo simbolizava a possibilidade ou a viabilidade de qualquer coisa. Tudo porque Niemeyer, em tão pouco tempo, soube cristalizar esse momento de transforma-

ções com sua fé nesse futuro que se tornava pre-sente diante de todos nós.

Com aquela Brasília de Niemeyer, o Brasil exibia sua força cultural e sua importân-cia em todo o mundo. Veio daí a consolidação do ideal de que éramos o país do futuro, embo-ra prevalecesse a ideia de que não passávamos ainda de um gigante adormecido. Apesar de todos os problemas, de tantas injustiças, misé-ria – e em grande parte calçados na urgência de uma saída –, o que as obras de Niemeyer nos diziam é que era preciso acreditar na che-gada do futuro. Nesse sentido, falava muito mais do que os conceitos em si que estavam por trás das suas ideias de como deveria ser uma arquitetura contemporânea. Hoje, meio século depois, a força de seus projetos concre-tizados fisicamente ainda revela essa certeza e nos aponta novos caminhos a seguir. Essa é a essência do seu legado, que consagra a impor-tância dele para a arquitetura mundial.

Tudo isso justifica a presente edição es-pecial de Nossa América como uma homenagem a esse grande brasileiro que marcou e marca a vida cultural de nosso país, onde deixou plantada a semente dos sonhos que sempre o moveram: a esperança num mundo melhor. Escolhidos a dedo pela importância de seus trabalhos acadê-micos ou de relevância profissional prática, doze nomes importantes da arquitetura nacional em atividade aceitaram o convite para realçar, nas páginas que seguem, por que Niemeyer é tão re-levante para essa impressionante arte que é dar forma e conteúdo a monumentos, a paredes que cercam o mundo e o fazem refletir a imagem de um povo, de um país, de um tempo.

Nessa Edição Especial, contamos ainda com as honrosas participações do Se-cretário de Cultura do Estado de São Paulo, Marcelo Araújo e o editorial do Excelentís-simo Sr Governador do Estado, Geraldo Al-ckmin, que dá o testemunho de seu apreço pessoal e de todo o Estado de São Paulo por esse grande brasileiro que é Oscar Niemeyer.

João Batista de Andrade é presidente da Fundação Memorial da América Latina.

Page 6: Revista Nossa América Niemeyer

Oscar Niemeyer 105 anos: presença destacada no cenário da arquitetura interna-cional, desde 1936, quando, impressionando o arquiteto franco-suíço Le Corbusier, par-ticipou do projeto para a construção do Mi-nistério de Educação e Saúde (atual Edifício Gustavo Capanema, sede da Funarte, no Rio de Janeiro). A partir de então, não parou mais de provocar, em várias partes do mundo, es-panto e admiração (“surpresa arquitetônica”, no seu linguajar). Sua atuação deixou marcas indeléveis na paisagem e interferiu na sociabi-lidade de importantes metrópoles.

Depois do Rio de Janeiro, São Paulo talvez seja o estado que mais teve o privilégio de contar com o seu gênio, à exceção de Brasí-lia, naturalmente. São Paulo/Niemeyer – uma relação antiga, que começou ainda na década de 1940, no Vale do Paraíba, coincidentemen-te minha região de origem. Logo após a Se-gunda Guerra Mundial, em 1947, o arquiteto foi chamado para projetar a sede do Centro Técnico da Aeronáutica, em São José dos Campos. Era o início de um complexo tecno-lógico que tornou a cidade um centro de re-ferência mundial em pesquisas aeroespaciais.

Nos anos de 1950, São Paulo era “a cidade que mais cresce no mundo, a cidade que não pode parar”, como se dizia na época. Era necessário modernizá-la ainda mais. Os-car Niemeyer abriu um escritório na Rua 24 de Maio e se pôs a trabalhar. Da sua pranche-ta saiu o Edifício Montreal, inaugurado em 1954, na confluência das Avenidas Ipiranga e Cásper Líbero, com sua fachada protegida do

sol pelos famosos brises. Saíram o Edifício e a Galeria Califórnia, interligando as ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros, com pilares em “V”, nas duas fachadas, “detalhe” niemeyeriano por excelência, que se tornou moda. O Edifício Copan, integrando condo-mínio residencial, centro comercial e de lazer. E os edifícios Eiffel, na Praça da República, e Triângulo, próximo à Praça da Sé. E o que dizer do Parque Ibirapuera, com a Marquise, o Auditório, o prédio da Bienal, a Oca e ou-tras obras?

Depois de uma ausência de duas déca-das, Niemeyer voltou a criar espaços singula-res em São Paulo, nos anos 80. O que seria da cidade sem o seu Sambódromo, que valorizou o samba paulistano e deu protagonismo ao povo dos bairros distantes? E, principalmen-te, o que seria da capital sem o seu Memorial da América Latina, complexo arquitetônico que, de certo modo, reapresenta e resume as soluções concebidas pelo Mestre, em sua lon-ga jornada criativa, e que deu o pontapé inicial ao processo de revitalização da Barra Funda?

O Estado de São Paulo é e será eter-namente grato a Oscar Niemeyer, o arquiteto das curvas e das formas livres, cuja criativida-de percorreu quase todo o século XX, avan-çando pelo século XXI. Celebramos Oscar Niemeyer – exemplo de vida que diz respeito a todos e que engrandece a humanidade.

Geraldo Alckmin é o governador do Estado de São Paulo.

Geraldo Alckmin

SÃO PAULO INSPIRA NIEMEYER

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A extensa obra de Oscar Niemeyer se faz presente na paisagem urbana e no coti-diano de diversas cidades brasileiras, quase sempre na forma de edifícios públicos com os quais a população se relaciona no dia a dia. Os projetos do arquiteto carioca estão intrin-secamente ligados à vida cultural e social da capital paulista. Um dos conjuntos mais im-portantes de sua autoria foi criado em 1954 para comemorar os 400 anos da cidade. O Parque do Ibirapuera, desde seu nascimento um dos espaços públicos mais importantes de São Paulo, é marcado pela presença imponen-te de obras como a Oca, o Pavilhão Ciccillo Matarazzo (sede da Bienal de São Paulo), o Auditório Ibirapuera – construído apenas em 2004, mas já previsto no projeto original, as-sim como a sinuosa marquise, que interliga todos esses edifícios. No Centro, o residen-cial Copan surgiu como elemento tão signifi-cativo no ambiente urbano que, para muitos, tornou-se símbolo visual da capital paulista. E, finalmente, Niemeyer deu forma ao ideal do antropólogo Darcy Ribeiro em seu projeto para o Memorial da América Latina, que nes-ta revista presta uma justa homenagem a essa grande personalidade brasileira. Para a Se-cretaria de Estado da Cultura de São Paulo é uma honra poder participar desta publicação, que acrescenta novos olhares a uma produção hoje reconhecida como patrimônio cultural de todo o Brasil.

Marcelo Araújo

Marcelo Araújo é o Secretário de Estado da Cultura do Estado de São Paulo.

UMA JUSTA HOMENAGEM

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Page 8: Revista Nossa América Niemeyer

DEPOIMENTO

“A VIDA É UM SOPRO”

Oscar Niemeyer

Com a desenvoltura e a sere-nidade de sempre, Niemeyer falou à revista Nossa Améri-ca sobre os temas de seu inte-resse. Entre reflexões sobre o passado e projeções para o fu-

turo, Niemeyer revelou uma certeza: o que im-porta é “criar um mundo mais feliz para todos”.

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Oscar Niemeyer

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Apoio vitAl“O Quércia vinha me convocando para

pedir o projeto e me lembro com prazer que ele sempre foi muito gentil, sempre dando apoio ao que a gente queria, de maneira que a obra correu sem problemas. Ele é uma pessoa que admiro, por isso foi um trabalho que rea-lizei com prazer, ao lado de pessoas empenha-das em fazer o que é direito, com boa vontade, entusiasmo. E parece que a obra provoca isso que estou observando: interesse, como vocês também, querendo melhorar, acertar, implan-tar novas ideias, atrair mais gente. Eu agradeço muito a todos.”

GrAnde pArceiro “Como eu tinha muito contato com

o Darcy, ele vinha sempre ao escritório, era feito um irmão para mim. Ele tinha ideias demais, era preciso contê-lo um pouco, mas

sua participação foi muito útil; foi muito bom. Ele era tão inteligente, ele pensou em todos elementos que deveriam constituir o projeto.”

respostA às críticAs “O espaço faz parte da arquitetura, en-

tão, no caso do Memorial, eu queria o espaço maior, para as peças aparecerem melhor. Eu acho que era importante isso.

Quanto às críticas, acho que o arquiteto deve fazer o que gosta e não o que os outros gostariam que ele fizesse.

E à crítica não se responde, tanta bo-bagem junta, gente que não entende nada de arquitetura. Eu tenho por princípio não criticar colegas, respeito. Cada um tem a sua ideia, faz o que julga melhor. A única maneira de levar adiante um trabalho com interesse é com essa liberdade que o arquiteto precisa.

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“Já se passaram tantos anos, mas confesso que o Memorial da América Latina é uma obra que fiz com muito empenho. Guardo boas lembranças das pessoas com quem trabalhei. O Quércia me chamou e foi muito gentil, me atendeu em tudo que eu pedi para desenvolver o projeto. Eu sugeri a presença do Darcy Ribeiro, um velho amigo, que também mostrou muita dedicação. Depois apareceu Cecília Sharlach, outra amiga que ajudou muito, com

igual interesse. E, hoje, vocês que estão concluindo a obra e adicionando novas ideias. De modo que eu tenho que agradecer a todos. Já se passou tanto tempo, são tantos os projetos, que guardo uma vaga ideia de como estudei a biblioteca e os demais blocos. Lembro dos que colaboraram comigo, todos gentis, mas estou precisando rever o trabalho feito, não é? Projetei vãos grandes, generosos, mas a pas-sarela tinha uma coluna, então, como eu queria manter

Caminho Niemeyer,

Niterói.

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Uma obra pública deve sempre mos-trar o progresso da engenharia. Sempre ex-plico bem esse ponto de vista. Explico como a arquitetura evoluiu, como os arquitetos da antiguidade não podiam fazer o que hoje nós fazemos. Lembro que para fazer uma cúpu-la, eles se limitavam a trinta, quarenta metros; hoje fiz a cúpula do Museu de Brasília com oitenta metros.

Menciono até o arquiteto que fez o Palá-cio dos Doges querendo fazer um vão maior sem meios. Conto como a arquitetura evoluiu. Quando, por exemplo, começaram a subir os prédios para reduzir as distâncias, o que resolveu o problema foi o elevador. São aspectos que interferem na arqui-tetura, que disso se apropria para poder caminhar.

Falo de como surgiram estes novos centros de arquitetura vertical, a maioria deles péssimos, sem a distância lateral, horizontal de que necessitam.

É engraçado que eu justamente la-mento que a gente tenha que discutir arqui-tetura e ouvir tanta bobagem, é tão fácil de se explicar.”

o pApel do concreto“A gente faz uma arquitetura especu-

lando no concreto, e o prédio pronto surpre-ende. Uma obra de arte tem que provocar surpresa e emoção, caso contrário não repre-senta nada, é repetição. De modo que a gen-te faz uma arquitetura assim, baseando-se na técnica com muito apuro, mas especulando nas estruturas.

No momento, eu estou fazendo um museu para a Espanha. É um museu grande, com sala de exposições, um auditório enorme. Então, a arquitetura que a gente faz se difun-diu. Há gente de fora pedindo projetos, agora também estamos fazendo para a Alemanha.”

o espírito, resolvi tirar a coluna. Mas ela já estava fina-lizada, e sendo usada, por isso o pessoal da obra dizia: “Vai ser difícil, o Quércia não vai entender, causa uma impressão ruim para o público”. Mas eu falei com ele e ele foi generoso. Disse: “Faz o que você quiser, tira a coluna se for preciso”. Foi uma coisa que nunca aconteceu, que eu me lembre, em uma obra que eu tenha trabalhado. Então escoramos a passarela, tiramos a coluna e criamos um ele-

mento externo de sustentação. Realmente ficou melhor. E também no que se refere à mão: fiz um texto, expliquei a ele que América Latina sofria ameaças, sofre até hoje, agora mais do que nunca, de modo que deveria haver um elemento de protesto. Fiquei muito contente de poder fazer aquela mão, porque ela representa bem o sangue correndo no punho, a luta da América Latina para se manter sobe-rana neste mundo de ameaças de sangue.”

Memorial Juscelino Kubitschek, Brasília.

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Nº2

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Oscar Niemeyer e Lucio Costa

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Atenção à AméricA lAtinA “A América Latina precisa de mais cuida-

dos. Nós estamos em um momento de ameaças e não sabemos até que ponto a coisa chega na América do Sul. De modo que hoje nós temos falado de América Latina com mais frequência, lembrando da Amazônia, do mundo de invasões que estamos vivendo.

Eu acho que hoje, mesmo a palavra patrio-tismo a gente tem que usar com mais frequência, a gente tem que crescer e ser patriota, não adianta se especializar em arquitetura, em engenharia ou medicina; é preciso que o jovem participe, estude filosofia, história, enfim, cresça sabendo que ele vai atuar em um mundo tão perverso que o espera.

Temos feito durante muito tempo pres-são quanto a isso: adicionar ao ensino superior a noção de pátria, o mundo está muito ruim.”

educAção pArA A vidA“Se você falar com um rapaz de Cuba, ele é

politizado; mesmo na Europa os jovens têm aulas

de literatura, mas também de política. Eles têm a consciência de que precisam defender o país, têm que estar ligados ao povo. Eu acho importante hoje, porque o ser humano é muito frágil, sempre receptivo, e este mundo em que nós vivemos não é nosso, nós apenas fazemos parte dele. Então eu acho que o caminho deve ser o mais simples, o que a gente faz não é tão importante assim, eu sempre digo que a vida é mais importante que a arquite-tura. O importante é que no mundo sejam todos iguais, que as pessoas se deem as mãos, que haja equilíbrio e solidariedade. Que você veja o outro. Não querendo descobrir defeitos, mas achando que todos têm um lado bom. Lenin dizia que “dez por cento de qualidades já é suficiente”. De modo que a educação deve levar o ser humano a com-preender que nada é tão importante, o importante é criar um mundo mais feliz para todos. O impor-tante é a vida, é viver.”

coleGA premiAdo “Eu digo que Paulo Mendes da Rocha

merece, aliás, existem muitos arquitetos bons no

Auditório Ibirapuera, São Paulo.

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Brasil, cada um com sua proposta. O que vale é a modéstia, saber que nada é assim tão impor-tante, a vida é um sopro, é um minuto. Não há razão, por exemplo, para achar que quem está lutando, protestando por um mundo melhor é mais importante do que eu com meu trabalho, porque o meu trabalho eu faço com muito em-penho, na prancheta o dia inteiro.”

soberAniA reGionAl “No momento eu vejo que é preciso gente

com a coragem do Chávez, que quer virar a mesa, fazer da América Latina soberana, sem problemas. O Lula, por exemplo, ele podia estar mais para a esquerda, poderia ser mais radical, mas pelo menos ele não atrapalha, ele concorda que a América La-tina precisa de cuidados, que o pobre é pobre, que existe miséria; ele é um operário, de modo que está do lado do povo, isso eu acho importante.”

ArquiteturA pArA todos “São tantos prédios bem feitos, tantas

cidades que crescem bem. Acho que falta à ar-

quitetura é o conteúdo humano, ela precisava se dirigir a todos generosamente. Mas não: eu trabalho para quem? Trabalho para os gover-nos, para a classe dominante. Pouca gente tem a oportunidade de fazer obras para o povo. En-tão, um dia a arquitetura será mais simples, será distribuída igualmente a todos. Mas os grandes construtores, de caráter coletivo, por contraste serão maiores, os teatros serão maiores, o povo todo irá participar de uma maneira mais intensa.

Agora, a habitação, esta sim será mais sim-ples, mas todos vivendo decentemente; o caminho da arquitetura é esse. Outra questão, é que tudo muda também em função da técnica que aparece, que permite espaços maiores, soluções diferentes, as cidades crescendo de forma controlada. Não é o caso de cidades como Brasília, que é uma cidade símbolo, a capital do país. Mas as cidades moder-nas vão crescer separadas das demais, e crescer aos poucos, outras vão surgir envolvidas por grandes espaços livres. É ideia, e as ideias são difíceis de se realizar. Você faz uma cidade, ela cresce, vai se degradando, a circulação é ruim...”

brAsíliA e rio

“Brasília apresenta aspectos bastante po-sitivos, as habitações estão próximas das escolas, próximas do comércio local, de modo que a vida lá é mais organizada. Sabe: eu gosto é do Rio, desta esculhambação, assalto, tudo isso. Mas se você perguntar para qualquer habitante de Bra-sília, eles não querem sair, eles querem ficar lá, eles gostam.”

convicções firmes “Agora o arquiteto tem que ter convic-

ção, medir às vezes uma coisa que ele sabe que é radical demais, que é difícil fazer. Por exemplo: fui a Havre, na França. O prefeito me mostrou o terreno, queria uma praça, eu olhei a área e disse: “Eu queria afundar a praça quatro me-tros”. Ele me olhou espantado, nunca ninguém havia pedido para afundar uma praça, e uma praça onde havia um teatro. Mas ele rebaixou, e eu tinha razão, pois ela está à beira-mar e eu queria protegê-la dos ventos e do frio. Então a praça foi tombada, e hoje está muito bonita, é conhecida, e elogiada. De modo que nós temos que ter coragem de pedir, e exigir, não é? Caso contrário, não poderemos fazer.”

Depoimento prestado a Fernando Leça, na época de sua gestão como presidente do Memorial da América Latina, e a Mário Lima, gerente de Comunicação do Memorial

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EM TEMPOS DEPROFUNDAS MUDANÇAS

ENCONTRO

O encontro de Oscar Nie-meyer com a obra e a pessoa de Le Corbusier, em 1936, deu-se em meio a um complexo processo de modernização da ar-

quitetura brasileira, já em curso desde a pri-meira visita de Le Corbusier ao Brasil. Coinci-dentemente, nesse mesmo ano de 1929 Oscar Niemeyer matriculava-se na Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro. Segue-se um período de profundas mudanças: com a

NIEMEYER, LÚCIO COSTA E CORBUSIER

Marco do Valle

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Revolução de 1930, tomava o poder Getúlio Var-gas, criando o Ministério da Educação e Saúde, cujo chefe de gabinete, Rodrigo Mello Franco de Andrade, nomeara em 8 de dezembro de 1930 o arquiteto Lúcio Costa como diretor, com plenos poderes para reformular a Escola Nacional de Belas Artes. A experiência renovadora implanta-da por Lúcio Costa duraria até setembro de 1931, quando ele foi exonerado do cargo, sob protes-to dos estudantes, que iniciaram uma greve.[01] Segawa, p. 79. Ainda em 1931, Lúcio Costa irá associar-se ao arquiteto Gregori Warchavchik, com quem manterá escritório até 1933. Nesse período sabemos que Oscar Niemeyer, a partir do terceiro ano da escola, irá trabalhar no escri-tório Warchavchik-Lúcio Costa como desenhista. A sociedade de Warchavchik e Lúcio Costa foi prejudicada pela crise econômica de 1929, como

também pela revolução constitucionalista de São Paulo em 1932. Lúcio Costa então terá um escri-tório com o arquiteto Carlos Leão, no período de 1933 a 1936. Curiosamente, Oscar Niemeyer mantém eclipsado em suas memórias o período de trabalho no escritório de Warchavchik-Lúcio Costa, referindo-se diretamente ao período em que trabalha no escritório de Lúcio Costa-Car-los Leão. Relata Niemeyer: “E apesar das minhas dificuldades financeiras preferi trabalhar, gratui-tamente, no escritório do Lúcio Costa e Carlos Leão, onde esperava encontrar respostas para mi-nhas dúvidas de estudante de arquitetura”. [02] Niemeyer, p. 42.

Oscar Niemeyer recebeu seu diploma de engenheiro arquiteto na Escola Nacional de Be-las Artes em 1934. A partir de 1935, seu primei-ro ano de formado, iniciou sua vida profissional,

Casa sem dono, Lucio Costa. COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995.p.89

Casa Schuwartz, Warchavchik e Lucio CostaCOSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995. p. 77

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Page 18: Revista Nossa América Niemeyer

ainda nesse mesmo escritório. No mesmo ano, o anteprojeto dos vencedores do concurso da nova sede do Ministério da Educação e Saúde, Archimedes Memória e Francisque Cuchet, que propunham um projeto de ornamentação mara-joara, tinha sido preterido por Gustavo Capane-ma, que, por arbítrio pessoal, decidiu desprezar o resultado do concurso, chamando Lúcio Costa em setembro de 1935 para projetar a nova sede

do ministério. “Lúcio Costa não tomou o encar-go apenas para si. Convocou os arquitetos que haviam apresentado anteprojetos modernos no concurso para formarem uma equipe sob sua chefia: Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão e Jorge Moreira. Ernani Vasconcellos reivin-dicou um lugar por ser assistente de Moreira e Oscar Niemeyer fez o mesmo, pelo lado de Lú-cio Costa. Assim organizado o grupo passou a

desenvolver o novo projeto.”[03] Segawa, p. 89. Temos hoje a impressão de que o Ministério da Educação e Saúde foi mais importante do que a Cidade Universitária para o projeto do minis-tro Gustavo Capanema. No entanto, o principal projeto do Ministério da Cultura e de seu mi-nistro era o projeto da Cidade Universitária, que quase se confundia com o planejamento de seu ministério, segundo Shwartzman. Capanema ins-titui, em 1935, uma comissão e um “escritório do plano da universidade”, ao mesmo tempo em que mantinha a de ideia contratar o arquiteto italiano Marcello Piacentini, autor da Cidade Universitária de Roma, orgulho do regime fascista. Piacentini acaba aceitando vir por um curto período, apesar das insistências de Capanema de que necessitaria de mais tempo. “Chega ao Rio de Janeiro em 13 de agosto de 1935, com a passagem paga pelo governo italiano e um pequeno honorário do governo brasileiro. Retorna no dia 24 do mesmo mês, deixando a promessa de voltar no fim do ano com um auxiliar, quando então pretendia executar os planos completos e as maquetes do grande projeto.”[04]Shuwartzman, p. 97.

A essa altura, contudo, uma peque-na tempestade já se armava. Uma carta do

Casa de Álvaro Osório de ALmeida, Lucio Costa.COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995. p. 103

Clube Esportivo, Oscar Niemeyer.Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal (s/d)

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Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro ao ministro estranhava o con-vite ao arquiteto italiano, lembrando o decreto de 1933, que vedava aos estrangeiros o exercí-cio de profissões liberais no país. “Lúcio Costa, consultado a respeito de Piacentini por Capa-nema, emitiu um parecer contrário à atribuição do projeto ao arquiteto italiano, submetendo à apreciação do ministro o nome de Le Corbusier como contrapartida. Gustavo Capanema aco-lheu a sugestão e tomou as providências para trazê-lo ao Brasil. O convite a Le Corbusier para uma série de conferências no Rio de Janeiro foi um álibi para que o arquiteto franco-suíço viesse para uma consultoria sobre o projeto da sede do MES e da Cidade Universitária do Brasil (CUB), sem afrontar diretamente a legislação que veda-va o exercício profissional de estrangeiros no país.”[05] Segawa, p. 90.

O encontro físico da equipe brasileira de arquitetos com Le Corbusier, em sua segunda viagem ao Brasil, é relatado por Carlos Leão, em uma entrevista de junho de 1981: “A 13 de julho de

1936, todos os arquitetos do projeto do Ministério se acotovelavam no hangar do Zeppelin, situado a quarenta e cinco quilômetros do centro do Rio de Janeiro. A péssima aterrissagem do engenho preocupou os arquitetos, mas Le Corbusier foi o primeiro a descer e imediatamente pôs os arqui-tetos a trabalhar.”[06] Harris, p. 80. Lúcio Costa, neste primeiro encontro com Le Corbusier, tem a missão de informá-lo corretamente sobre seu papel e sobre quem realmente o havia convidado. Niemeyer relata em suas memórias o seu primeiro encontro descrevendo Le Corbusier: “Mas o pri-meiro contato que tivemos foi em 1936 no Rio, quando, pressionado pelo Lúcio, Gustavo Ca-panema, ex-ministro da Educação, resolveu con-vocá-lo para uma série de palestras. Tarefa que, revoltado contra a incompreensão que o cercava profissionalmente, aflito para demonstrar seu ta-lento, Le Corbusier converteu logo em dois novos trabalhos, a sede do Ministério da Educação e Saú-de e a Universidade de Mangueira. Naquela época ainda caminhávamos na periferia da sua arquitetu-ra. Tínhamos lido sua obra excepcional como sa-

Plano urbanístico do Rio, Le Corbursier.PEREIRA, Margareth Campos da Silva; PEREIRA, Romão Veriano da Silva; SILVA, Vasco Pereira da; SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Le Corbusier e o Brasil. São Paulo. Tessela/Projeto, 1987. p.94

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grado catecismo, mas ainda não estávamos, como se verificou, integrados nos seus segredos e minú-cias”. [07] Niemeyer, p. 90. É significativo lembrar que este primeiro encontro de Niemeyer com Le Corbusier não foi um encontro direto, mas inter-mediado por Lúcio Costa.

Niemeyer já havia publicado seu primei-ro projeto, “Clube Esportivo”, realizado no úl-timo ano da Escola Nacional de Belas Artes em 1934, o qual está ligado às experiências moder-nas de Lúcio Costa, especialmente o projeto da Casa de Osório de Almeida.

Quando foi perguntado a Lúcio Costa se Le Corbusier achava Niemeyer um jovem pro-missor, respondeu afirmando a condição de Os-car Niemeyer como um tímido desenhista talen-toso e aprendiz interessado. Havia uma diferença substancial entre a trajetória percorrida por Lúcio e Oscar no período que separa a primeira da segun-da visita de Le Corbusier. Lúcio vivia um momento em que, apoiado por sua equipe, tinha amadureci-do seus conhecimentos e estudado a arquitetura internacional no período anterior. À frente de uma equipe de arquitetos modernos, já havia concluído o projeto do Mesp - Ministério da Educação e Saú-de Pública. Esse desenvolvimento pessoal não foi fácil para o arquiteto, mas revelou-se fundamental para os caminhos da arquitetura brasileira, pois o caminho da modernização de nossa arquitetura e a escolha pelo “modernismo” de Le Corbusier e dos Ciams - Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna- foram cristalizados a partir deste segundo encontro. Abandonou o “Neocolonial” em 30 por descontentamento e chegou ao segundo encontro, conforme Katinsky: “Eis por que consideramos o

encontro do arquiteto Lúcio Costa com a obra e a pessoa de Le Corbusier como a identificação de problemas comuns e posturas éticas comuns, en-contro de artistas maduros e não de discípulo ca-nhestro e mestre inquestionável, antes descoberta de uma “co-naturalidade”, como dizem os pensa-dores medievais. E sua defesa intransigente do gran-de mestre franco-suíço, além de ser uma questão de elementar justiça, não deve obscurecer o fato de que sua aceitação das teorizações de Le Corbusier nunca foi cega.” [08] Katinsky, p. 22-23. Das qua-lidades e do amadurecimento de Lúcio Costa pare-ce ter dependido o sucesso do processo e a forma como os arquitetos brasileiros se encontraram com Le Corbusier e com ele se relacionam a partir de então, dando uma direção ao futuro da arquitetura brasileira. Niemeyer partirá definitivamente para a compreensão da arquitetura corbusiena.

Quem era Le Corbusier em sua segunda viagem ao Brasil? - “Os primeiros cinco anos da década de 30 foram de intensa atividade. Com a Ville Savoye já em obras, Le Corbusier partiu para a planificação do Pavilhão Suíço, dos prédios de apartamentos Immeubles em Paris e de duas resi-dências de fim-de-semana. A esse tempo, começa-va a integrar materiais texturizados à sua arquitetu-ra, contrastando superfícies polidas e brilhantes.” [09] Harris, p. 38. Outra maneira de ver essa produ-ção é considerá-la pequena e não patrocinada pelo Poder Público, comparando-a com o conhecimen-to teórico do arquiteto. “A Le Corbusier, suíço de nascimento e formado por pequena faculdade em sua região natal, nada mais restava senão pequenas encomendas de amigos intelectuais – residências de veraneio ou ateliers, no campo ou arredores de

Projeto da Argélia, projeto urbanístico de Le Corbusier.BOESIGER, Willy. Le Corbusier 1910-1965. Barcelona, Gustavo Gili, 1971. p.328

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Paris. Até 1936, ano de sua vinda para ser consul-tor do plano da sede do Mesp, Le Corbusier havia construído, além de oito projetos na Suíça – dos quais cinco em sua pequena cidade natal –, doze residências em Paris e subúrbio parisiense, uma residência e o conjunto de Péssac no interior fran-cês.”[10] Cavalcanti, p.71. O que importava é que até 1936 Le Corbusier já havia produzido todo um sistema arquitetônico e urbanístico. “Depois de 1933, o urbanismo ganhou precedência em Le Corbusier, embora planos e mais planos fossem rejeitados. Os projetos da Argélia ocuparam Le Corbusier de 1931 a 1942, e seus outros planos de renovação urbana tiveram o ponto de partida na reunião do CIAM, em 1933, que produziu a “Car-ta de Atenas”.[11] Harris, p. 39.

Os desdobramentos entre os projetos rea-lizados no período anterior à chegada de Le Cor-busier, em sua presença e posteriormente à sua partida formam um conjunto de projetos em que fica explícito tanto o aprendizado do repertório corbusieano como as novas questões suscitadas para uma arquitetura moderna brasileira. Foram muitos os projetos desenvolvidos: 1. O projeto para o MESP, desenvolvido antes da chegada de

MESP.LISSOVSKY, Maurício e MORAES DE SÁ, Paulo Sérgio. Colunas da Educação: a construção do Ministério da Educação e Saúde (1935-1945). Rio de Janeiro: MinC/IPHAN/FGV/CPDOC, 1996. p.155

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Le Corbusier pela equipe brasileira, posterior-mente denominado de “Múmia”. 2. O projeto de Le Corbusier do MESP, para a Praia de Santa Lu-zia. 3. O projeto de Corbusier para o espaço pre-visto no Castelo. 4. O projeto da equipe brasileira posterior à partida do mestre Corbusier, o qual foi construído. 5. O projeto de Le Corbusier para a Cidade Universitária do Brasil. Por fim, 6. O pro-jeto de Lúcio Costa para a Cidade Universitária do Brasil. Ao analisar detalhadamente, em nosso interesse, cada um dos projetos realizados com a presença de Le Corbusier no Brasil em 1936, as reformulações destes pelas equipes brasileiras, podemos perceber um conjunto de repertórios e procedimentos que estarão presentes nos desdo-bramentos de cada um desses arquitetos. Salienta-mos especialmente os repertórios de Lúcio Costa e de Niemeyer, este extremamente marcado pelos procedimentos formais da arquitetura corbusiea-na: 1. O conceito de “leveza de nossa arquitetura”, comparada à de Le Corbusier, determinado pela duplicação do pé-direito e por diferentes diâme-tros dos pilotis, resultado de parceria entre Lú-cio Costa e Oscar Niemeyer. 2. A incorporação à arquitetura de Niemeyer das pesquisas técnicas sobre o concreto armado, desenvolvido inicial-mente junto ao engenheiro Emílio Baumgart, um dos pioneiros brasileiros da vanguarda internacio-nal dessa técnica. 3. A utilização do “pano de vi-dro” e do brise-soleil. 4. O “volume trapezoidal” do auditório e sua interpenetração com o corpo do salão de exposições do Mesp serão um proce-dimento recorrente na obra de Niemeyer. 5. Os azulejos portugueses serão sempre utilizados em sua obra, como também as referências às “pal-meiras”, imperiais ou não. 6. As formas cubistas referentes à maquinaria e “transatlânticos” de Le Corbusier estão presentes de maneira ambígua no Mesp, pois os volumes do último piso podem ser

lidos como transatlânticos “Capanemaru”, mas os do térreo são referências diretas às formas bio-mórficas de Hans Arp (1888-1966). 7. A praça da CUB, projetada por Lúcio Costa e desenhada por Niemeyer, formando grandes perspectivas in-fluencia os grandes eixos visuais sobre Niemeyer e os eixos fenomênicos de Lúcio Costa. 8. A praça da CUB de Lúcio Costa, com o edifício da reito-ria, consideramos uma referência indiscutível ao Congresso Nacional de 1958, incluindo a “cúpula do planetário”. 9. O auditório da Aula Magna da CUB de Lúcio Costa será uma referência direta ao Teatro Municipal de Belo Horizonte (1943). 10. A “espiral de ângulos retos” do Museu do Co-nhecimento (1936) da CUB, de Le Corbusier, não foram incorporados ao repertório de Niemeyer a não ser com “espiral em curvas” na pequena Capela do Palácio do Alvorada (1957). Nestes pontos elencados notamos as diferenças dessa fi-liação, que se encontram na reinvenção e criação de novas concepções conceituais e formais. No caso de Niemeyer, estão acrescidas de um proce-dimento de redesenho e invenção formando um repertório próprio.

Quando se perguntou a Lúcio Costa se a es-tadia de Le Corbusier no Brasil teria trazido algum benefício para ele mesmo, respondeu: “Bem, com aquela sensibilidade terrível dele, em qualquer país que fosse, sempre absorvia alguma coisa. A riqueza dele era exatamente essa – era sensível ao regionalis-mo e era cosmopolita ao mesmo tempo. De modo que era uma pessoa muito rica”.[12] Costa, p. 146.

Marco Valle é artista plástico, arquiteto pela FAU/USP, mestre em artes pela ECA/USP, doutor em arqui-tetura pela FAU/USP com a tese Desenvolvimento da forma e procedimentos de projeto na arquitetura de Oscar Niemeyer (1935-1998) e professor e pesquisador em artes e arquitetura no Instituto de Artes da Unicamp.

BIBLIOGRAFIA01. SEGAWA, Hugo. Arquitetura no Brasil 1900-1990. Editora da Universidade de São Pau-lo: São Paulo, 1997, p. 79.02. NIEMEYER, Oscar. As Curvas do Tempo - Memórias/Oscar Niemeyer. Editora Revan: Rio de Janeiro, 1998, p. 42.03. SEGAWA, Hugo. Idem, ibidem, p. 89.04. SHUWARTZMAN, Simon; BOMNEY, Ma-ria Bousquet; e COSTA, Maria Ribeiro. Idem, ibidem, p. 97.05. SEGAWA, Hugo. Idem, ibidem, p. 90.06. HARRIS, Elizabeth Davis. 1987. Le Corbu-sier: Riscos Brasileiros. Trad. Gilson César Car-doso de Sousa e Antonio de Pádua Danesi. São Paulo, Nobel, p. 80.07. NIEMEYER, Oscar. As Curvas do Tempo - Memórias/Oscar Niemeyer. Editora Revan; Rio de Janeiro, 1998, p. 90.

08. KATINSKY, Julio R. In GOROVITZ, Ma-theus. 1993. Os Riscos do Projeto: Contribuição à Análise do Juízo Estético na Arquitetura. São Paulo/Brasília, Studio Nobel/ Editora Universi-dade de Brasília, p. 22-23.09. HARRIS, Elizabeth Davis. 1987. Le Corbu-sier: Riscos Brasileiros. Trad. Gilson César Car-doso de Sousa e Antonio de Pádua Danesi. São Paulo, Nobel, p. 38.10. CAVALCANTI, Lauro. Preocupações do Belo. Editora Taurus: Rio de Janeiro, 1995, p. 71.11. HARRIS, Elizabeth Davis. 1987. Le Corbu-sier: Riscos Brasileiros. Trad. Gilson César Car-doso de Sousa e Antonio de Pádua Danesi. São Paulo, Nobel, p. 39.12. COSTA, Lúcio. 1987. “Presença de Le Cor-busier”, in Lúcio Costa: Registro de Uma Vivên-cia. Ibidem, p. 146.

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LINGUAGEM

SURPRESA,NOVIDADE, INVENÇÃO

MONUMENTALIDADE & PROGRAMA

A arquitetura de Oscar Niemeyer é frequente-mente associada às pala-vras surpresa, novidade, invenção. O arquiteto comumente confirma a

preocupação em desvincular de sua ar-quitetura características que nos remetem aos edifícios que conhecemos, de romper com a linguagem sedimentada em nossa memória, e propor algo novo.

Maria Isabel Imbronito

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Essa característica da obra de Oscar Nie-meyer é evidente. Sua consagração advém do pleno acerto do traço, da força calculada da for-ma, carregada de uma sabedoria que se traduz em algo que chamaríamos de belo. Entretanto, o fato de serem suas obras de tal modo impactan-tes e belas tende a ofuscar ensinamentos simples e preciosos sobre arquitetura.

Muito além da surpresa que possam causar por sua concisão e abstração, Oscar Niemeyer projeta edifícios. Desse ponto de vista, a materialidade da construção está con-templada, bem como a relação entre forma, programa e estrutura.

No conjunto arquitetônico da Pampu-lha, projetado na primeira metade da década de 40, os edifícios em volta da lagoa surgem como uma profusão de formas e combinações de materiais que inundam os sentidos. Essa exu-berância permite, ainda neste momento, revelar a materialidade da construção tal como a co-nhecemos. Ou seja, os materiais utilizados como revestimentos estabelecem uma ligação entre as formas recém apresentadas ao nosso imaginário e o ambiente construído que nos era familiar. De modo não menos importante, participam

dessa percepção elementos do ambiente natural: céu, água, ar, vegetação, e também as obras de arte aplicadas à arquitetura, que guardam certa relação com a figuração.

A revisão crítica pela qual passa Os-car Niemeyer a partir da segunda metade dos anos 50 termina por destituir de suas obras os tratamentos superficiais abundantes e a pro-fusão de formas combinadas, na tentativa de evidenciar a ideia fundamental de cada proje-to. Conforme escreve em seu texto intitulado Depoimento, de 1958:

“(...) passaram a me interressar as solu-ções compactas, simples, geométricas; os pro-blemas de hierarquia e de caráter arquitetônico; as conveniências de unidade e harmonia entre os edifícios e, ainda, que estes não mais se ex-primam por seus elementos secundários, mas pela própria estrutura, devidamente integrada na concepção plástica original.”

Se, por um lado, perde-se a exaltação dos sentidos, proporcionada por granitos, ce-râmicas, madeiras, e a alegria que estes espaços proporcionam, Oscar Niemeyer passa a buscar em seus projetos a forma concisa, que aten-da a dimensão monumental e simbólica que

Congresso nacional, 1957 - Croqui. Fonte: CORONA, 2001:751

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advém do enfrentamento da questão do “cará-ter” arquitetônico a que o arquiteto se refere. Nos projetos que seguem essas diretrizes, sob a força do traço original, apresenta-se uma es-tratégia de hierarquia das formas e de acerto dos programas, com disposições que exaltam alguma parte do programa em detrimento de outras, preservando em programas comple-xos a boa solução das plantas e implantações. Isto pode ocorrer dentro de um mesmo pro-jeto, na complementaridade do embasamento com a forma principal em destaque, mas tam-bém na articulação de diferentes volumes que compõem um conjunto arquitetônico maior. É justamente essa hierarquia clara que permi-te preservar a forma pura e garante a limpeza das plantas, ao mesmo tempo em que o aspec-to funcional dos edifícios é atendido de modo muito eficiente.

Um exemplo adequado para ilustrar esse procedimento é o edifício para o Con-gressosNacional de Brasília, de 1958. O edi-fício está disposto sob uma plataforma, cujo piso é uma praça de onde emergem duas calo-tas. Contido na base do volume/plataforma, o edifício é implantado em cota rebaixada com

relação às vias laterais e, assim, discretamen-te eliminado das visuais, graças ao trabalho de terrapleno que estabelece a laje da praça e suas cúpulas em nível com a Esplanada dos Minis-térios. A leitura da planta do nível sob a praça revela a articulação entre as Câmaras dos De-putados e Senadores. A planta tem uma gênese muito simples: um hall central, uma Câmara de cada lado, e uma galeria generosa de circula-ção ao fundo, que conecta tudo. As calotas que emergem da laje, acima, não são assimiladas como algo que possa abrigar um programa, mas como elementos totalmente abstratos e repletos de significados, o que exprime bem a preocupação de Niemeyer com as questões de “caráter arquitetônico” a que o arquiteto se re-feriu em seu Depoimento.

Essas soluções de projeto, nas quais o embasamento permite o funcionamento de edifícios que afloram puros, são aplicadas por Oscar Niemeyer em inúmeras circunstân-cias, de objetos arquitetônicos mais simples até programas mais complexos. No Centro Cultural que ocupa uma quadra em Le Havre (1972), o embasamento toma a forma da praça desenhada em dois níveis. A parte renrebaixa-

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da da quadra permite acesso no nível inferior aos dois troncos de edifícios, que emergem em meio às formas sinuosas da praça, e que abrigam o teatro e o auditório em um volu-me, e a sala polivalente em outro. Questões de acessos secundários, de carga, são resolvi-dos de modo direto e independente pela sim-ples duplicação do nível de piso da praça. O arquiteto atinge um projeto de pronunciada expressão, que é obtida com pleno domínio da forma associada à simplicidade das organi-zações em corte e planta, que comovem por sua obviedade e clareza.

Nos projetos de Niemeyer caracteri-zados por um único volume puro e de per-fil contínuo, muitas vezes consequência da extrusão radial do corte, o forte elemento arquitetônico obtido não é imediatamente as-similado como abrigo de um programa possí-vel. Esses projetos frequentemente recorrem a um embasamento generoso para conter os

usos incompatíveis com o desenho do obje-to uniforme que se pronuncia, e que exercem também o papel de desenhar os percursos de chegada e contemplação e construir o afasta-mento necessário para a apreensão do objeto arquitetônico na paisagem. Poderíamos men-cionar como exemplares notáveis o Museu de Niterói e a própria Catedral de Brasília.

Programas mais extensos permitem melhor análise do enfrentamento dos pro-blemas de hierarquia das formas, que passa a ocupar Oscar Niemeyer conforme sua citação em Depoimento. Além da separação e distin-ção embasamento/objeto aflorado, na qual o embasamento tem papel menor na composi-ção, surge o problema de hierarquia entre ele-mentos distintos. Alguns projetos que trazem essa situação são a Sede do Partido Comunis-ta Francês (1965) e a Bolsa do Trabalho de Bobigny (1972). Em ambos, nota-se a existên-cia de uma grande área compartimentada para

Sede do Partido Comunista Francês.

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uso de escritórios, além da presença de um plenário/auditório, tratado como espaço de exceção. O volume construído que acomoda a área compartimentada do programa assume expressão neutra e funciona como pano de fundo ao elemento escultórico, cujo interior abriga o espaço extraordinário, com grande efeito de contraste. O embasamento continua a exercer o papel fundamental de articulação entre os volumes, construindo a relação entre o edifício e o entorno ou paisagem e definindo os acessos e os itinerários, que podem assumir ar solene ou conduzir a fruição do usuário. Por meio do redesenho de uma porção do ter-reno, Oscar Niemeyer promove passeios ar-quiteturais, construindo tanto a aproximação ao edifício quanto o afastamento necessário à apreensão da própria arquitetura.

Maria Isabel Imbronito, arquiteta, mestre e doutoranda pela FAU-USP.

Bolsa do Trabalho, Bobigny.

BIBLIOGRAFIA:

CORONA, Eduardo. Oscar Niemeyer: uma li-ção de arquitetura. Apontamentos de uma aula que perdura há 60 anos. São Paulo: FUPAM, 2001.NIEMEYER, Oscar. Meu sósia e eu. Rio de Ja-neiro: Revan, 1999 (2ª ed.).Revista AU. Arquitetura e Urbanismo, n.15, dez 1987 / jan 1988. Revista Módulo n.43, jun/jul/ago 1976.

NOTA:NIEMEYER, Oscar. Depoimento. Rio de Ja-neiro: Módulo, pp.3-6, 1958.

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ALGUNS PROJETOS DAS DUAS ÚLTIMAS DÉCADAS

ESTÉTICA

Oscar Niemeyer pertence à se-gunda geração moderna do século XX. Nascido em 1907, no Rio de Janeiro, foi o pri-meiro arquiteto a antever o es-gotamento do princípio racio-

nalista de que a forma deveria estar subordinada à função. Nos projetos que realiza para o Conjunto da Pampulha, em 1942 e 1943, introduz curvas e formas escultóricas. A forma livre se transforma no principal elemento de uma obra que amalgama arquitetura, arte, tecnologia e paisagismo, explo-rando o uso ilimitado das potencialidades plásti-cas e estruturais do concreto armado.

PLENO USO DA FORMA LIVRE

Lauro Cavalcanti

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Interior da Oca, Ibirapuera, São Paulo

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O arquiteto brasileiro apontou rumos alternativos à burocracia estética que rondava o modernismo por meio de uma linguagem pessoal que confrontou o racionalismo do interior do pró-prio movimento moderno, e demonstrando novas possibilidades de o modernismo lidar com formas provenientes da estreita relação entre arquitetura e estrutura.

De 1984 a 2007, a importância, a qualida-de e a distribuição geográfica de suas obras notabi-lizariam qualquer jovem arquiteto que as realizas-se. No caso de Niemeyer reforçam a sua brilhante trajetória reafirmando princípios e apostando na ousadia, liberdade e saber tecnológico.

Foram 187 projetos concebidos e 65 rea-lizados, entre os quais os Centros Integrados de Educação Popular (Cieps, Estado do Rio, 1984), o Panteão Tancredo Neves (Brasília, 1984), o Es-paço Lucio Costa (Brasília, 1992), o Conjunto do Memorial da América Latina (São Paulo, 1988-1989), o Museu de Arte Contemporânea de Ni-terói (1993-1996), o Museu de Curitiba (Paraná, 1963-2003) o Centro Administrativo do Governo de Minas (2003) e o Caminho Niemeyer em Ni-terói (1999-2004).

Em 1984 o Brasil fervilhava com a cam-panha pelas Diretas Já que tomara a rua das prin-cipais capitais e terminou em mega-comício na Candelária, Rio de Janeiro, reunindo no palanque impressionante arco de oposicionistas e no asfalto mais de um milhão de pessoas. No ano anterior, novos governadores haviam assumido por meio do voto popular e Niemeyer retornara definiti-vamente ao país, após longo período de exílio na França, idas e vindas ao Brasil e atividades inten-sas em vários países da Europa e África do Norte. Em 1983 realiza a primeira grande exposição de seu trabalho no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e inaugura a Passarela do Samba. Entu-siasmado com a nova situação do país e, particu-larmente, com a ação de seu amigo Darcy Ribeiro, vice-governador da gestão de Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro, Niemeyer produz o pro-jeto-símbolo daquele governo: os centros integra-dos de educação –Cieps-, popularmente conhe-cidos como “Brizolões”. As escolas de educação integral almejavam apoiar integralmente o aluno. De manhã aulas, à tarde estudo, atividades físicas, culturais e atendimento médico. Era igualmente esperado que o novo espaço introduzisse novos hábitos e aumentasse a auto-estima do estudante.

O projeto do Ciep foi a primeira experiên-cia do arquiteto em padronização de arquitetura. A questão da reprodutibilidade está intimamente ligada a programas populares e à habitação de

baixa renda, tomada como um dos objetos princi-pais dos modernistas no sentido de fornecer uma justificativa ética ao movimento que abolira orna-mentos não apenas por motivos estéticos mas para permitir resolver, em grande escala, o problema da morada popular. De acordo com Le Corbusier, to-dos os programas de construções do século vinte estavam nas mãos dos engenheiros, exceto aquele relativo à casa popular. Propunha que os arquitetos a elegessem como o objeto principal e justificativa ética de sua atuação profissional. Comunista, Nie-meyer sempre se recusou a adotar o tema da habi-tação popular como carro-chefe e justificativa do movimento moderno. A casa deveria ser uma só

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para ricos e pobres, não devendo a morada popu-lar constituir em um programa específico. Pensava, ainda que a justiça devia ser obtida por meio de lutas sociais e jamais na “simplificação” das for-mas para obter obras baratas. Argumentava que, desse modo, não se conseguiria resolver o proble-ma estrutural da sociedade capitalista, ao mesmo tempo que se criaria um novo impedimento e li-mitação para o exercício da inventividade criativa. Niemeyer fazia, contudo, a ressalva que somen-te em regime socialista se justificaria a adoção de métodos padronizadores. Coerente, acreditando na proposta social de Darcy Ribeiro, concebeu um projeto cujos módulos eram produzidos em

usinas que adquiriram a alcunha de “Fábricas de Escolas”. Naquelas escolas procurou conceber a arquitetura indissociável da estrutura que as ca-racterizasse, de modo a destacá-las dos prédios vizinhos. Com a palavra Niemeyer: “Construídos também junto a favelas, os Cieps vieram corrigir o equívoco que sempre existiu entre nós: manter nas construções próximas a essas áreas uma arqui-tetura mais modesta, como que acompanhando a pobreza que as caracteriza. Lembro os mais rea-cionários a dizerem que eram caros demais, sem perceber que as crianças nas favelas entravam neles orgulhosas, como se isso constituísse o começo de uma vida melhor.”

Caminho Niemeyer, Niterói.

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O Memorial da América Latina se origi-nou do desejo do então governador Orestes Quér-cia de situar em São Paulo o mais importante cen-tro cultural do continente latino-americano. Darcy Ribeiro foi encarregado de elaborar o programa que consistia eme seis prédios espalhados em duas praças unidas por uma passarela: uma Biblioteca, Restaurante, Salão de Atos, Auditório, Pavilhão da Criatividade e Centro de Estudos. Os dois terrenos situavam-se no bairro de Barra Funda, com área total de 90.000 metros quadrados, não distante da atual estação do metrô. Pretendia-se com o projeto fazer uma ilha arquitetônica que, com suas formas alvas e arrojadas, ajudasse a reabilitar a região cin-za e triste, com tráfego pesado e desestruturado tecido urbano. O arquiteto, por outro lado, viu ali a primeira oportunidade de aplicar em seu país os avanços tecnológicos utilizados na década ante-rior no projeto da Universidade de Constantine, em Alger. Em colaboração com o engenheiro José Carlos Sussekind, dotou os edifícios de estruturas ousadas, com destaque para a biblioteca na qual os dois apoios estão fora do prédio, unidos por uma viga de 90 metros e o interior totalmente livre. A unidade do conjunto foi garantida pelo uso de grandes superfícies curvas, pintadas de branco. O Auditório com três abóbodas constituía, de certo modo, uma releitura das curvas utilizadas na Igreja da Pampulha. Apenas o Pavilhão da Criatividade,

destinado a exposições, apresentava uma estrutura mais convencional. Enorme praça cívica foi dotada da primeira escultura ao ar livre do arquiteto: mão aberta com sete metros de altura e chaga aberta representando a América Latina. Infelizmente, a esperada revitalização da região ainda não ocorreu. Esse fato, somado ao uso tímido de seus espaços, fez com que o projeto não tenha sido, ainda, apro-veitado em toda sua potencialidade.

Em 1996 é inaugurado o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, situado em pro-montório elevado com magnífica vista da Baía de Guanabara, das montanhas e da cidade do Rio de Janeiro. Um apoio central libera a construção do solo, que dele brota como um elemento natural, permitindo uma continuidade visual entre arqui-tetura e paisagem. Rampa escultural conduz à en-trada no segundo pavimento, fazendo com que o visitante realize um percurso em espiral no qual se alternam , em todos os ângulos, o museu e a estu-penda vista. Obra de afirmação do homem e inte-gração com a natureza, um espelho d´água em sua base ecoa as águas da Baía de Guanabara, enquan-to o seu perfil exibe o mesmo ângulo do distante Pão de Açúcar . O Museu se transformou em ver-dadeiro fenômeno de visitação e suas formas fo-ram adotadas como símbolo da cidade de Niterói. Poucas vezes uma cidade madura se identificou tanto com um arquiteto: encontra-se em vias de

Museu de Arte Contemporânea, Niterói.

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conclusão o Caminho Niemeyer. Consiste em uma grande praça junto ao mar, um teatro, um centro de convenções, um memorial, a sede da Funda-ção Oscar Niemeyer, uma catedral e um templo evangélico. O conjunto se espalha pela margem da Baía de Guanabara, entre o centro de Niterói e o Museu de Arte Contemporânea. Apesar de entre-cortado por prédios já existentes de grande escala, o conjunto se impõe na trama urbana pela unida-de, alvura, leveza e radicalidade de suas estruturas. A catedral é a preferida de Niemeyer: “A minha ideia era criar uma grande cúpula de concreto, solta no ar, com diâmetro de 40 metros. Embaixo seria a nave. E fiquei a imaginar como deveria mantê--la na posição desejada. A solução que encontrei é tão simples e arrojada –três apoios apenas- que com ela, desculpem-me a imodéstia, transformei uma cúpula na mais bela e original cateral que de-senhei.” Merece destaque, ainda, em Niterói, a recém-inaugurada Estação de Barcas no bairro de Charitas. Elegante ponte coberta conduz os passa-geiros à estação circular sob a proteção de delgada marquise curva.

Em 2002 foi inaugurado, em Curitiba, o Museu Oscar Niemeyer. Era um prédio de sua au-toria, construído há 40 anos, com vãos de 30 e 60 metros, fachadas cegas e iluminação zenital. Nie-meyer adicionou um grande salão, de forma elípti-ca, solto no ar, com 70 metros de comprimento e

30 metros de largura. Ancora-se em base de con-creto que abriga os elevadores e escadas internas. Rampas suaves de acesso, ao ar livre, completam a composição, dentro do vocabulário inconfundí-vel do criador de Brasília.

Niemeyer concebeu uma rampa que pro-piciava um passeio arquitetônico e conduzia ao prédio em estrutura metálica branca, suspenso um metro do solo para obter mais leveza. A cobertu-ra, a um só tempo simples e engenhosa, cobria e definia os espaços, com uma liberdade plástica que assinala a marca do arquiteto. O espaço in-terno apresentava, abaixo do nível do chão, uma caixa de concreto e vidro destinada a exposições. O minimalismo e a leveza da estrutura obedeciam aos princípios de Niemeyer de que todo projeto deve poder ser resumido em pequeno “croquis” e que, uma vez terminado o esqueleto de apoio, a sua arquitetura deva estar pronta.

Foi enorme a repercussão do projeto e o arquiteto brasileiro foi saudado pela imprensa lon-drina como o “Picasso da Arquitetura”.

Um auditório para 850 pessoas completou em 2005 o conjunto original do Ibirapuera, origi-nalmente concebido nos anos 1950. O palco foi disposto na extremidade da construção, de modo a também servir para espetáculos ao ar livre e de-cuplicar o número de espectadores. A sua elegante forma piramidal provoca um interessante contraste

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com a cúpula da Oca e a curva da grande marquise do parque. Lástima o serviço de patrimônio paulis-ta haver se oposto à edificação de um caminho co-berto que integraria os prédios da Oca e do Audi-tório ao sinuoso caminho coberto. Se realizada, essa extensão da marquise preservaria a unidade do con-junto e a concepção original do projeto de 1951.

O eixo monumental de Brasilia estava in-completo. A capital não possuía um museu nacio-nal. Em 1999 Niemeyer projetou seu complemento: o Setor Cultural. Do lado sul, o museu e a biblioteca ligados por galeria subterrânea ao centro musical, cinemas e planetário, situados na face norte.

Foram inaugurados em dezembro de 2006 o Museu e a sede brasiliense da Biblioteca Nacional. O vão de 80 metros da cúpula do mu-seu, a circulação por meio de rampas externas e o sinuoso mezanino sustentado por cabos que pendem da abóboda, reafirmam a possibilidade de ousadia estrutural e capacidade de inovação tecnológica e formal no Brasil.

Oscar Niemeyer trabalhou, no início de sua carreira, durante dois anos no Instituto do Patrimônio. No que toca à sua arquitetura, con-tudo, a tradição é um ponto de partida, jamais um objetivo ou ponto de chegada. O compro-misso do arquiteto sempre foi o da construção de uma identidade cosmopolita brasileira.

Prefere usar a história como filiação à sua linha evolutiva, em invés de absorvê-la como compromisso limitador. Niemeyer busca fazer hoje o passado de amanhã. Fiel a seus princípios materialistas-dialéticos, a sua preo-

cupação fundamental é com a técnica enquan-to elemento da ciência para conduzir ao pro-gresso. Busca, todavia, associá-la a uma visão poética e não mecanicista do homem. Nesse sentido, a arquitetura é a criação de um mo-mento único que deve surpreender e emocio-nar. Como possibilidade poética a arquitetura inaugura o momento e reinstala a humanidade na percepção de cada um .

A obra de Oscar Niemeyer é uma cele-bração do saber tecnológico humano que propi-cia gestos de transcendência do cotidiano. Não lhe bastariam soluções corretas e racionais pois elas não sensibilizariam o usuário. A emoção vi-sual é, ao lado do testemunho criativo do tempo presente, a maior função de sua arquitetura que instaura, hoje, a tradição de amanhã.

Lauro Cavalcanti é arquiteto e doutor em Antropologia Social. Autor de vários livros e artigos sobre o Modernis-mo na Arte, na Arquitetura e na Sociedade. Professor da Escola Superior em Desenho Industrial da UERJ e diretor do Paço Imperial/ IPHAN.

BIBLIOGRAFIACORBUSIER, Le – La Maison des Hommes. Paris. Éditions Gonthier, 1942CAVALCANTI, Lauro- Quando o Brasil era Moderno: Guia de Arquitetura 1928-1960Rio de Jjaneiro, Editora Aeroplano, 2001.Niemeyer, Oscar - Oscar Niemeyer: Minha Ar-quitetura 1937-2004.

Museu Oscar Niemeyer, Curitiba

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SOLUÇÕES COMPLEXAS E MARCANTES

PRIVILÉGIO

A cidade de São Paulo tem o privilégio de ser, talvez, de-pois de Brasília, a cidade com maior número de obras do arquiteto Oscar Niemeyer. O Edifício Copan e o Parque do

Ibirapuera com a marquise e os edifícios como a Bienal e a Oca tornaram-se símbolos da ci-dade. Outras obras são menos conhecidas, ou menos reconhecidas, como a Galeria Califór-nia e os edifícios Triângulo, Montreal e Eiffel.

A BELEZA NA SÍNTESEAUDITÓRIO SIMÓN BOLÍVAR

Fernando Frank Cabral

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Dessa série de obras importantes da ar-quitetura brasileira, o conjunto de seis edifícios iniciais do Memorial da América Latina, inau-gurados em 1989, configura um dos conjuntos arquitetônicos mais marcantes não só da cidade como da obra de Oscar Niemeyer. E o Auditó-rio Simon Bolívar é talvez um dos de seus proje-tos mais completos e bonitos.

O Memorial da América Latina está im-plantado na Barra Funda, em terreno com len-çol freático raso, o que dificultou, pelo custo elevado, o rebaixamento da avenida que o corta no sentido longitudinal. Assim, o conjunto ficou dividido em duas partes: de um lado, com aces-so direto à estação de metrô, estão a Biblioteca, o antigo Restaurante (atual Galeria Marta Traba) e o Salão de Atos, que formam a Praça Cívica, com piso inteiramente pavimentado, sem árvo-res e sem jardins, destinada às manifestações po-pulares. Do outro lado da avenida, ligados por meio de uma passarela elevada estão os edifícios da Administração, o Pavilhão da Criatividade e o Auditório. Posteriormente foi acrescentado o edifício do Parlamento Latino Americano, tam-bém projeto de Oscar Niemeyer.

A volumetria dos principais edifícios do Memorial da América Latina é resolvida basi-camente por meio de grandes superfícies de concreto e vidro com contrapontos verticais bem marcados. É uma arquitetura sem filigra-nas, econômica de desenho, com uma cor para o vidro, uma cor para as estruturas de concreto e uma cor para a praça pavimentada, que não tem desenho no piso para não somar nenhu-ma linha ao conjunto construído. Os edifícios, quando vistos à média distância não apresen-tam nenhum detalhe.

Como todo artista, Oscar Niemeyer, no decorrer de sua carreira, desenvolveu várias linguagens. Algumas delas foram por ele reto-madas em diversas ocasiões, reelaboradas em função de novas necessidades, técnicas e con-textos urbanos. Alguns edifícios do Memorial da América Latina são exemplos destas retomadas, recorrentes na sua obra.

No Salão de Atos, na Biblioteca e no Auditório Simon Bolívar, Oscar Niemeyer volta ao partido espacial da Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha de 1940, já anteriormente retomado, em 1968, no edifício do auditório da Universidade de Constantini na Argélia: abóba-das de concreto que, a partir do solo, criam os espaços que o programa requer.

O Salão de Atos tem uma só abóbada: com um programa simples, um espaço para atos

políticos e culturais, que também abriga o pai-nel Tiradentes de Cândido Portinari. É o foco da Praça Cívica. Sua entrada é marcada pelas altas colunas interligadas pela grande viga e o parla-tório colocado no espelho dágua.

A Biblioteca é formada por duas abóba-das apoiadas em uma viga central. É também um edifício com programa relativamente simples, re-solvido com a mesma leveza e graça da Igreja da Pampulha.

O Auditório Simon Bolívar é o maior e o mais complexo edifício do conjunto. Primeiro, pe-los grandes espaços necessários para abrigar as di-versas atividades previstas no programa. Depois, pela complexidade dos acessos e das circulações internas decorrentes dessa diversidade.

O edifício tem duas plateias, com 1600 poltronas, para apresentação de música, de dan-ça e para realização de congressos e convenções. Seus espaços principais – foyer, platéias e palco – são criados por meio de três abóbadas sucessivas de concreto, duas delas apoiadas numa grande viga, também de concreto.

Sem possibilidade de rebaixar o palco, solução adotada por Oscar Niemeyer no Tea-tro Nacional de Brasília, por exemplo, a solu-ção espacial e ao mesmo tempo estrutural das abóbadas sucessivas permitiu a criação de um amplo espaço interno sem aumentar a altura do edifício, o que comprometeria a escala do con-junto na esplanada.

Resolvidos os grandes espaços para foyer, platéias e palco no corpo principal do edi-fício, duas áreas de apoio específicas para artis-tas e para congressistas foram desenhadas como anexos: dois volumes, paralelepípedos neutros, semi-enterrados, soltos, visualmente isolados, um em cada lado do Auditório.

Embora a volumetria das abóbadas su-cessivas nos remeta à Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha, desenhada quase 50 anos antes, os dois edifícios são diferentes: o pro-grama e os espaços do Auditório são maiores e suas circulações mais complexas. A solução das abóbadas precisou, portanto, ser redesenhada para que respondesse adequadamente às novas necessidades.

Na Igreja da Pampulha o espaço princi-pal - nave e altar - é criado pela junção de duas abóbadas interligadas longitudinalmente. No Au-ditório há uma inversão do sentido da planta: os espaços principais – foyer, plateias e palco - são criados pela junção das abóbadas colocadas lado a lado, duas delas apoiadas numa grande viga de concreto, que ultrapassando os limites do espaço interno, têm seus apoios no exterior do edifício.

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Os acessos do público, tanto na Igreja como no Auditório são resolvidos de maneira singela, no mesmo nível da esplanada, indica-dos pelas marquises, sem nenhum elemento arquitetônico espetacular. Não têm a longa passarela que atravessa o lago como na Edi-tora Mondadori em Milão ou no Palácio dos Arcos em Brasília. Não tem a rampa sinuosa ascendente como a do Museu de Arte Con-temporânea de Niterói.

No Auditório, o passeio arquitetôni-co acontece no interior do edifício: a chegada surpreendente, a partir do pequeno “túnel”, ao foyer duplicado pelos espelhos, a subida pela rampa ou pelas escadas de acesso às plateias.

No foyer, os espelhos e os vidros dos caixilhos ampliam, de maneira quase mágica, os espaços externos e internos do edifício. Os vidros escuros refletem, externamente, a paisagem durante o dia. À noite, internamen-te, refletem o foyer iluminado. Além disso, no foyer, o efeito do reflexo do espelho que ocupa toda a parede que o separa da plateia é surpreendente. Com a “eliminação” da pa-rede e o reflexo do ambiente, o resultado é o rebatimento do espaço de 1400 m2, duplicado com todos os seus elementos arquitetônicos. Quando o foyer está repleto, cheio de gente caminhando pelas escadas e rampa, o resulta-do é ainda mais impressionante.

Fachada do Auditório Simón Bolívar.

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Os complexos problemas de circulação do Auditório - duas plateias, foyer e anexos de artistas e de congressistas - foram resolvidos de maneira simples e sintética. A partir do foyer o público se divide: quem vai para plateia maior sobe a rampa central chegando ao seu nível mais alto, descendo em seguida em direção ao palco pelos corredores entre poltronas. Quem vai para a plateia menor, posterior, do outro lado do palco, sobe pelas escadas helicoidais laterais alcançando as duas galerias que circundam o edifício, uma de cada lado, também no seu nível mais alto. Essas galerias se desenvolvem paralelas aos caixilhos,

entre os vidros e as paredes internas do auditório.Desenhados como volumes indepen-

dentes, uma passarela e um bloco de escadas de concreto conectam-se à abóbada posterior, resolvendo a saída de emergência sem quebrar a unidade formal do edifício.

Tanto artistas como congressistas têm aces-sos externos aos respectivos anexos, que se comuni-cam internamente com o palco, que está levemente elevado em relação à esplanada, através de um túnel levemente rebaixado, que os interliga. No túnel tam-bém estão localizados o fosso da orquestra e outros espaços destinados a serviços técnicos.

Foyer: visão impactante das escadas de acesso ao auditório.

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Oscar Niemeyer costuma dizer que a partir de Brasília sua arquitetura passou a ser definida pela estrutura. Antes mesmo de Bra-sília encontramos edifícios projetados por ele em que a arquitetura está definida pela estru-tura: a Igreja de São Francisco na Pampulha é, sem dúvida, um deles.

No projeto do Auditório Simon Bolívar essa característica se repete: o espaço do edifício está claramente definido pela estrutura formada pelas três abóbadas de concreto. Os ambientes são completados pelas paredes laterais das pla-teias e pelos caixilhos das galerias e do foyer.

Os espaços criados pelas abóbadas apoiadas no solo são por natureza muito flui-dos na medida em que integram, numa única superfície, as paredes e o teto. Nas abóbadas su-cessivas do Auditório essa fluidez é ainda maior porque as cascas se multiplicam criando espaços inesperados, como se estivessem apoiadas umas nas outras, em equilíbrio aparentemente instá-vel. Nas plateias duplas essa fluidez é ressaltada pelas abóbadas pintadas internamente de preto e pelas paredes laterais revestidas com carpete azul escuro. O resultado é um amplo espaço, mais intuído que visto.

Arquitetura definida pelas estruturas.

Arquitetura definida pelas estruturas.

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Como já observamos, ao retomar partidos e linguagens elaborados e desenvolvidos anterior-mente, Oscar Niemeyer não os repete. As soluções são renovadas, reinventadas, demonstrando seu ex-cepcional controle dos programas complexos, dos espaços, dos percursos e das perspectivas. Sempre experimentando e criando o novo com sua capaci-dade de invenção aparentemente inesgotável.

No Auditório Simon Bolívar, Oscar Nie-meyer consegue, mais uma vez, a síntese carac-

terística e recorrente na sua obra: resolver os problemas técnicos e funcionais de programa, espaço e estrutura por meio de uma solução formal que cria a beleza e, com ela, a emoção indispensável na arquitetura.

Fernando Frank Cabral é arquiteto, mestre pela FAU-USP e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas. Fez parte da equi-pe de projeto de Oscar Niemeyer na Argélia.

Galerias laterais ligam as duas plateias que somam quase dois mil lugares.

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PROPOSTA

A poética de Oscar Niemeyer ins-creve-se na modernidade pela emergência de um novo, cujo valor é atribuído à invenção da forma fluida, autoral e irreprodu-tível. Sua poética é estranha aos

parâmetros do movimento moderno europeu dos anos de 1920, que buscava aplicar a produção serial na arquitetura, em benefício da sociedade. Paradig-mas produzidos por esse movimento foram deba-tidos e aplicados na arquitetura dos museus e dos espaços expositivos ao longo do século XX.

E DE VAZIOS

JOGOS DE

MASSASMaria Cristina Cabral

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A obra de Oscar Niemeyer tornou-se uma referência importante na arquitetura mo-derna, e questiono se seus espaços expositi-vos também exerceram grande influência, e se produziram alguma proposição paradigmática. Qual a origem e quais as transformações dessa possível proposição, ao longo dos quase oitenta anos de prática profissional do arquiteto? Como sua obra tão autoral se inscreve na tradição mo-derna do expor?

Na modernidade, a transformação dos espaços arquitetônicos está relacionada a nova concepções de espaço e tempo, e se tornou pos-sível graças à aplicação de tecnologias industriais. A ideia moderna de espaço expositivo amplo, flexível e transparente, remonta aos pavilhões de exposições do século XIX, sendo o exemplo mais marcante o Palácio de Cristal de Londres (1851). Mudanças na natureza da arte, no início do século XX, afetaram as relações entre sujeito e objeto. Os artistas foram os primeiros a ex-plorarem as relações entre seus trabalhos e suas inserções no espaço físico, e a recusarem a ideia

de museu como caixa de tesouros. Ao optarem pela livre fruição, as vanguardas históricas pro-curaram definir o papel da arte e sua função so-cial através de uma produção ativa e vigorosa na crítica e na construção de uma nova sociedade.

Embora os artistas modernos tivessem conceitos bastante distintos, eles tinham em co-mum um novo entendimento espaço-temporal. Na percepção do espaço como fenômeno, mui-tos artistas buscaram então a síntese espacial. Entre a primeira geração de arquitetos moder-nos, três mestres propuseram novas soluções para espaços expositivos que se tornaram para-digmáticas, Le Corbusier, Mies van der Rohe e Frank Lloyd Wright.

Le Corbusier concebeu muitos projetos para museus, galerias e pavilhões de exposições. Seu projeto exemplar foi o Museu do Cresci-mento Ilimitado (MCI), rascunhado em 1930 e retomado em diversas ocasiões, não tendo sido jamais executado integralmente. A espacialida-de é proposta em estruturas modulares organi-zadas sucessivamente em planta, em forma de

JOGOS DE

MASSAS

Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.

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,espiral, e elevadas por pilotis a três metros do solo, agrupadas em torno de uma área central de grande altura. A iluminação interna combina luz natural zenital com artificial. O percurso interno é definido pelo visitante, e a circulação é livre dentro de um edifício em espiral progressiva composta de planos ortogonais.

No ideário corbusiano, são pensados as viabilidades econômica e construtiva, as ques-tões museológica e museográfica, e o valor cul-tural do conteúdo exposto. A proposta corbu-siana engloba uma nova tipologia arquitetônica do expor, e um novo entendimento do con-ceito de museu, diferenciando-se das propostas dos outros dois arquitetos.

Nas propostas de Mies van der Rohe, destacam-se o Pavilhão de Barcelona (1929), o projeto do Museu para cidade pequena (1942) e a Neue National Galerie de Berlim (1962). A concepção espacial do arquiteto exerceu forte influência sobre a arquitetura mundial, após os anos de 1950. A planta livre e a cobertura plana horizontal sustentada por pilares esbeltos carac-terizam sua obra. O espaço universal que inte-gra interior e exterior em um ato contínuo tor-nou-se referência para a arquitetura moderna, e para o caso específico dos museus. No Brasil, o MAM no Rio de Janeiro, de Affonso Reidy, e o MASP em São Paulo, de Lina Bo Bardi, são exemplos da aplicação dessa concepção.

A terceira proposta moderna paradig-mática foi idealizada por Frank Lloyd Wright no Museu Guggenheim (1943) em Nova York. Nesse projeto, o arquiteto trata o espaço vazio central envolvendo-o por um cinturão e ilumi-nando-o zenitalmente por uma cúpula central. O volume externo do edifício é um tronco de cone invertido que rompe com a escala do en-torno. O princípio de circulação é inusitado: o visitante atinge o topo do espaço por elevador e desce por uma rampa helicoidal contínua, que abriga as funções de circulação e de exposição. O espaço arquitetônico interno impõe-se peran-te os objetos inseridos, expondo-se também.

A duas proposições espaciais presentes nos espaços expositivos de Niemeyer, a planta livre miesiana e o espaço plástico wrightiano, foram amplamente criticadas pelos curadores e críticos, por não apresentarem condições satis-fatórias para exposição de obras de arte. Essa crítica também é atribuída aos espaços expositi-vos de Oscar Niemeyer.

A extensão da obra de Oscar Niemeyer dificulta a enumeração dos projetos destinados exclusivamente a espaços expositivos. Entre

estes, inscrevem-se os museus da Terra (1974), do Mar (1974), do Cosmos (1974), do Homem (1978) e do Índio (1982); os pavilhões do Brasil (1939), na Feira de Nova York, em parceria com Lucio Costa, do parque Ibirapuera (1951-54) e o recente Summer Pavilion (2003), a convite da Serpentine Gallery, em Londres. Além desses exemplos, outros tiveram suas funções originais modificadas, como o Pavilhão da Bienal de São Paulo e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, ambos no Parque Ibirapuera; ou o antigo Cas-sino (1942), atual Museu de Arte da Pampulha.

Dois projetos paradigmáticos da con-cepção niemeyeriana para espaços expositivos são os museus de Arte Moderna de Caracas (1954-55) e o de Arte Contemporânea, MAC, de Niterói (1993). O primeiro, ainda que não te-nha sido construído, tornou-se uma referência, pela ousadia tecnológica e pelo significado sim-bólico dessa edificação monumental. Trata-se de um tronco de pirâmide reta de base quadrada invertido, implantado em uma encosta rochosa dominando a cidade, em local de destaque.

Niemeyer inaugura com esse projeto a escolha formal que reproduziu no MAC, uma forma original, marcante e autoral, cuja im-plantação em destaque reforça suas qualidades e cria a ideia de lugar, interferindo e comple-tando a paisagem.

Em Caracas, a cobertura translúcida en-fatiza a ideia de contraste entre o exterior ne-gado e a espacialidade interna banhada de luz natural, reforçada pela instabilidade sugerida na forma invertida do edifício. Internamente, a for-ma livre do mezanino possibilita uma sucessão de ângulos de visão que dinamizam o espaço pe-los olhares sucessivos. Na poética niemeyeriana, o museu de Caracas marca um distanciamento da combinação de elementos arquitetônicos própria de suas obras anteriores, em prol da for-ma única, essencialmente plástica.

Concebido no início dos anos 1990, o MAC faz parte de um período no qual o museu assume um papel de catalisador nos projetos de regeneração urbana. O novo papel do museu foi atribuído inicialmente por James Stirling, na Staatsgalerie de Sttugart (1979), e seguido por outros como no bem-sucedido projeto de Frank O. Gehry para o Guggenheim de Bilbao (1991).

Se, por um lado, a arquitetura do MAC serve aos propósitos turísticos, há que se avaliar seu impacto sobre a vida da cidade, como o au-mento do fluxo de automóveis e de turistas, ou como a população se relaciona com a instituição. Por outro lado, o MAC distancia-se dos museus

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contemporâneos, na medida em que o projeto ignora as exigências técnicas, cada vez mais com-plexas da arquitetura de museus.

Como aspecto positivo, valoriza-se a plás-tica do edifício. Destacam-se no MAC, os ângulos de visão sucessivos e diferentes que se iniciam na rampa externa de acesso, contrapondo o volume com a paisagem. Internamente, a dinâmica man-tém-se na curvatura do núcleo central de grande altura, nas frestas das paredes da circulação lateral, e nos diversos artifícios criados como, por exem-plo, o banco de concreto que afasta o observador do fechamento de vidro. Em todo o percurso, o olhar do visitante é conduzido pelas paredes en-curvadas, através dos vazios, sendo aproximado e afastado da paisagem distante. Niemeyer produz uma dinâmica espacial interna, centrada na visão, mas também na experiência do corpo, da escala, protagonizada pela arquitetura. As obras de arte são expostas segundo uma disposição submetida à força dos espaços internos sempre dominantes, o que os torna alvo de crítica desfavorável de cura-dores e de artistas.

A ideia de um volume sustentado por um apoio central com as laterais em balanço foi uti-lizada por Niemeyer em outros projetos como nos museus da Terra, e do Mar, em Brasília; e mais recentemente no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba (2002). No entanto, não é possível afirmar que esse partido se constitua em um pa-radigma do programa na obra do arquiteto.

Como nos mestres da primeira geração do movimento moderno internacional e como em muitos artistas modernos, a poética de Nie-meyer circunscreve um número determinado de formas que fazem parte de um repertório finito. Entretanto, em Niemeyer, as possibilidades de emprego tornam-se infinitas, na medida que elas são definidas nas circunstâncias da ação, tanto no gesto projetual, como na fruição subjetiva do espectador, fenômenos que não se repetem nem no tempo e nem no espaço.

Os espaços expositivos de Niemeyer seguem também a mesma premissa, espaços internos fluidos, tais como no movimento mo-derno, embora não transparentes. Neles, o jogo de massas e de vazios cria um novo lugar que se relaciona com o exterior, sempre segundo as condições do sítio, e nunca a priori, portan-to longe de se configurar como um modelo a ser seguido. Na dinâmica das formas da poética niemeyeriana, a visão é com certeza o sentido privilegiado, e através dela, o observador cons-trói o novo entendimento do espaço e das obras nele inseridas.

Maria Cristina Cabral é arquiteta, doutora em Histó-ria, pesquisadora de História e Teoria da Arquitetura e professora da PUC-RIO.

Oca, Parque do Ibirapuera, São Paulo.

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DESAFIO

O episódio que envolve o proje-to e a construção da sede do Ministério da Educação e Saú-de (MES-1935/1945), além de indicar a emancipação da linguagem da arquitetura mo-

derna brasileira, rumo à síntese entre as influências das vanguardas e o compromisso com uma tradi-ção local, pode ser compreendido como o experi-mento embrionário que revelará Oscar Niemeyer. No projeto do MES, Niemeyer, ao transpor para o terreno definitivo o partido de um estudo de

VANGUARDA E TRADIÇÃO

SÍNTESE ENTRE

IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS NA PAMPULHA

Rodrigo Queiroz

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No alto à esquerda, Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha(1940) - vista posterior. À direita, Ministério da Educação e Saúde (1936). Abaixo à esquerda, Cassino da Pampulha (1940). À direita, Casa de Baile - Pampulha (1940). Fonte: acervo Rodrigo Queiroz. Abaixo, hotel resort da Pampulha - não construído (1940).Fonte: acervo Papadaki, 1950:104.

Le Corbusier para um terreno à beira-mar, exe-cuta uma interpretação nacional dos postulados corbusianos, encontrando o nexo entre forma, superfície, desenho e paisagem a partir da ado-ção de uma arquitetura vazada, aérea, contínua e aberta que antevê, em diversos momentos, as soluções aplicadas em projetos como o Pavilhão do Brasil em Nova Iorque (1938/1939) e o pró-prio conjunto da Pampulha (1940).

E será nesse instante que, segundo Lucio Costa, “aflora” o gênio de Niemeyer.

Reconhecendo patente sensibilidade de Niemeyer, Lucio Costa abre mão de realizar sozinho o projeto para o Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque de 1939, cujo concurso de projeto foi vencido pelo pró-prio Lucio Costa, e prefere convidar Oscar Nie-meyer – segundo colocado no concurso – para realizar um novo projeto em parceria.

Com essa estratégia, Lucio Costa encon-tra a maneira ideal de projetar o gênio criativo de Niemeyer e a arquitetura moderna brasileira em dimensão internacional.

A postura de Costa surte efeito. Em 1943, é aberta no Museu de Arte Moderna de Nova York a exposição Brazil Builds – Architecture New and Old – 1652 – 1942. Grande parte do interesse em se organizar a exposição vinha do efeito positivo gerado pelo projeto do Pavilhão do Brasil do panorama da Feira de Nova Iorque, além da declarada intenção política, onde os ame-ricanos se esforçavam para estabelecer vínculos de afeição com os “países aliados”.

Em 1938, Oscar Niemeyer e Lucio Cos-ta se estabelecem em Nova Iorque, por ocasião do desenvolvimento do projeto para o Pavilhão. Durante o período de elaboração do projeto, Niemeyer é convocado pelo próprio Lucio a voltar para o Brasil.

Costa indica Niemeyer para realizar aquele que seria o primeiro exemplar da arqui-tetura moderna no estado de Minas Gerais: o Grande Hotel de Ouro Preto.

Definitivamente, o projeto não era apenas de uma construção moderna. Tratava-se de uma delicada intervenção em um contexto e uma am-

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bientação coloniais. Niemeyer, em Ouro Preto, funde a modernidade do prisma suspenso sobre pilotis e plataforma, ao telhado de uma água e aos elementos vazados em treliça de madeira presentes nos peitoris dos terraços dos apartamentos.

Passados dois anos, em 1940, Benedito Valadares, governador mineiro que já havia enco-mendado o Grande Hotel de Ouro Preto, convida Niemeyer para realizar o projeto de um Cassino na cidade de Belo Horizonte. Nesse instante, nascia a obra seminal da arquitetura moderna brasileira: o conjunto arquitetônico da Pampulha, cujo projeto teve prosseguimento na gestão do prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek de Oliveira.

Após o Cassino, vieram os estudos da Casa de Baile, do Iate Clube, do Golfe Clube, do Hotel Resort, da Igreja de São Francisco de Assis e da residência de fim de semana de Jusce-lino Kubitschek.

O Cassino, primeiro projeto do conjunto - apesar do caráter expressivo do salão de baile e da profusão radiante de diversos materiais e da espacialidade do interior do salão de jogos – ain-da mantém um vínculo literal com o legado de Le Corbusier, principalmente com as casas brancas puristas da década de 1920. No Cassino, ao mes-mo tempo em que Niemeyer preserva a membra-na purista suspensa, exterioriza a forma livre que se apresenta ainda conectada à forma pura.

Na Casa de Baile, a separação entre os volumes iniciada no Cassino atinge maior índi-ce de fluidez, com a planta circular do salão do restaurante e da pista de dança que se espraia em marquise sinuosa até encontrar um pequenino volume oblongo que abriga o vestiário.

No Iate Clube, telhado “borboleta” e versão agigantada e transparente da casa Er-razuris de Le Corbusier (1930), Niemeyer alas-tra a abertura ao limite físico da fachada. Não

há rasgo, a janela atinge as bordas do piso, da cobertura inclinada e das empenas laterais. O espaço purista e pictórico de Le Corbusier é colocado em cheque na transparência do Iate, esbelta moldura da Lagoa da Pampulha.

No projeto do Golfe Clube, Niemeyer aproveita o partido formal da casa projetada para Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral em 1938, dilata ligeiramente a escala e distende horizontalmente o objeto composto pela justa-posição de abóbada e telhado invertido.

O Hotel Resort, bloco em curva, reminis-cência diminuta da fita ondulante proposta por Le Corbusier para o Rio em 1929, suspende-se sobre laje sinuosa que abriga as áreas de estar coletivo.

iGreJA de são frAncisco de Assis

É no projeto da Igreja de São Francisco de Assis, entretanto, que Niemeyer concebe um objeto que transcende a regra das lajes estrutu-radas por retículas de pilares e inaugura sua pri-meira experiência efetiva com a forma livre. Não há a diferenciação entre cobertura e fechamento. Tudo é uma coisa só: a linha que emerge do chão em diagonal, encurva-se em abóbadas sucessivas.

Na vista posterior da Igreja, observamos apenas a sequência de quatro abóbadas, sendo que somente as extremas tocam, em plano in-clinado, o solo. A abóbada que abriga o altar sobressai-se às cascas da sacristia e da sala do padre. Assim como nos demais edifícios do conjunto, nota-se a presença da cerâmica pinta-da, mas agora desprovida do significado vincu-lado à tradição luso-brasileira contida no motivo pintado nos fechamentos em cerâmica presen-tes nos demais edifícios do conjunto.

A cerâmica que reveste o fechamento posterior da Igreja ocupa toda a fachada que

Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha - 1940 - adro Fonte: acervo Rodrigo Queiroz

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recebe um imenso painel de Candido Portinari que retrata cenas da vida de São Francisco de Assis. Niemeyer mantém o plano vertical que recebe o mural sutilmente recuado da projeção das abóbadas. Essa solução é suficiente para evidenciar o sentido gráfico e bidimensional do plano inclinado que vira cobertura em cascas su-cessivas. Com esse sutil deslocamento, o arqui-teto exterioriza apenas a espessura das abóbadas e desmembra a ideia de volume. A borda das abóbadas revestida em pedra apicoada imprime o contraste necessário com a extensa parede vi-trificada em plano recuado.

Com a exímia precisão na disposição do plano vertical e do perfil envoltório em arco, Nie-meyer faz com que a construção assuma a quali-dade gráfica do desenho e o que apreendemos é um mero contorno que se destaca do fechamen-to, como um traço que sai do chão, suspende-se em sequência aérea e retorna - em plano concor-dante aos arcos das abóbadas extremas - ao chão.

A maior abóbada do conjunto, que abri-ga a nave, o nártex, o coro e o batistério, possui seu fechamento em vidro transparente e rece-be uma superfície de brises verticais que parte do alinhamento com o piso do coro e preenche toda a porção encurvada da abóbada.

O acesso principal é protegido por mar-quise inclinada sustentada por pilar em “V” en-curvado, interpretação lírica do mesmo conjunto de marquise inclinada e pilar em “V” presente na entrada o projeto de Le Corbusier para o Exérci-to da Salvação (1929). A extremidade mais alta da marquise inclinada intercepta o campanário em forma de tronco de pirâmide invertido de pro-nunciada proporção vertical que sensivelmente aumenta de secção conforme se eleva.

A treliça de madeira do campanário pos-sui tessitura irregular que se afrouxa na medida

em que ascende verticalmente. Com esse artifí-cio quase gráfico, Niemeyer enfatiza o sentido de expansão vertical do campanário.

A abóbada que abriga a nave diminui de secção conforme se aproxima do retábulo. Sua extremidade menor abriga-se sob o pequeno trecho da abóbada do altar que se projeta sobre a abóbada da nave.

Do encontro das extremidades internas de ambas as abóbadas (nave e altar) que sobrepõem-se mas não se tocam, resta uma fresta, é o rasgo necessário para banhar de luz o retábulo de São Franscisco de Assis. Ambas as abóbadas afunilam-se na medida em que se aproximam uma da outra. Com essa solução, Niemeyer concebe uma versão em abóbada da cobertura em telhado invertido.

Aos moldes da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, projetada por Antô-nio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, em 1766, no exemplar de Oscar Niemeyer, a nave é co-berta por um forro de madeira em ripa de senti-do longitudinal. O revestimento de madeira não avança na abóbada do altar, restringe-se à nave.

O púlpito lateral ao altar, revestido de cerâmica, recebe a pintura em motivo sacro de Portinari e assume destaque na perspectiva do al-tar que abriga apenas as volumetrias do púlpito e do ambão caracterizado por uma simples ban-cada sustentada por dois apoios. Assim como no exemplar da Pampulha, os púlpitos em pedra-sa-bão esculpidos por Aleijadinho também se des-tacam nas composições barrocas. São como uma saliência em pedra que salta da parede caiada.

Os púlpitos de Aleijadinho são o registro de sua exímia habilidade sobre a técnica da talha em pedra-sabão. As inscrições litúrgicas em alto re-levo sobre a superfície irregular e arqueada do púl-pito demonstram o domínio da técnica da talha.

Ao fundo do altar-mor, Portinari execu-

À esquerda, Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha - “São Francisco se despejando das restes” - mural em têmpera sobre parede de Cândido Portinari - 7,5m x 10,60m. 1948. À direita, vista parcial da Igreja de São Francisco -1940. Fonte: acervo Rodrigo Queiroz.

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ta mural em têmpera que ocupa toda a parede, intitulada “São Francisco se despojando das ves-tes”. Trata-se de uma versão moderna de um re-tábulo que perde a efusiva materialidade barroca e se restringe a simples pintura.

Os pequenos altares laterais, presentes nas igrejas barrocas, inexistem no exemplar de Nie-meyer. A própria concepção elementar da abóbada que toca o chão em plano diagonal - que caracteriza a nave - impossibilitaria o arranjo dos altares late-rais. A solução encontrada foi a introdução de dois degraus laterais, um de cada lado, que percorrem toda a extensão da nave. Sobre esses degraus, fixa-dos no plano inclinado da abóbada encontram-se dezesseis gravuras de Portinari, oito de cada lado, que ilustram a Via Sacra, mesmo tema pintado por Manuel Gonçalves Neves em suas pinturas parie-tais presentes na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis em Ouro Preto.

Os atributos barrocos, em Niemeyer e Portinari, perdem sua presença material. Não há uma reminiscência sequer das “folhas de acanto” ou das “colunas salomônicas”. O diálogo com a arquitetura religiosa do Brasil-Colônia reside em uma interpretação de seus atributos simbólicos e não de seus elementos ornamentais.

A Igreja da Pampulha, por sua esbeltez gráfico-pictórica, esvazia a alegoria barroca, re-duzindo-a a uma peça em casca que abriga dese-nhos em suas superfícies exteriores e interiores.

A luz natural que invade a nave é difusa, não atinge com intensidade o forro em madeira. Tanto o brise como a laje do coro impedem, pro-positalmente, que a luz natural invada deliberada-mente a nave e, mesmo a luz que chega à nave, é delicadamente absorvida pela opacidade da ma-deira natural que reveste a face inferior da casca.

Por pleno contraste e oposição à retidão da oração do ambiente na nave, o altar é ilumi-nado por uma luz que vem de cima, da fresta en-tre as abóbadas. A luz indireta que banha o altar é refletida na alvura da face inferior da abóbada. Quem está na nave, olhando em direção ao altar, contempla uma suave coroa de luz que nasce no exato instante em que a nave termina e começa o altar. Trata-se de um arco-cruzeiro imaterial, é apenas luz, a luz misteriosa e arrebatadora pre-sente nas igrejas barrocas: sabe-se que ela existe, mas não se sabe de onde ela vem.

De todos os edifícios do Conjunto da Pampulha, considerando suas individualidades, o único que atinge o sentido de monumento é a Igreja de São Francisco de Assis. A ideia de mo-numento, definitivamente, não se refere à escala, mas ao conjunto de significados e aos valores

simbólicos e estéticos que conferem ao edifício a condição de obra de arte.

A experiência precursora de Niemeyer traduz, com estilemas modernos, os atributos litúrgicos de uma construção religiosa típica do período colonial. Ao sintetizar, em forma e su-perfície, as alegorias e a ambiência do lugar da oração, Niemeyer confere o sentido moderno a um programa ainda pouco explorado pela ar-quitetura do período.

O exemplo da Igreja da Pampulha não se reduz a mera aplicação moderna dos motivos eclesiásticos. Niemeyer, ao interpretar o imaginário barroco, confere à arquitetura moderna o sentido lúdico e simbólico do lugar de fé e oração, que não provém da forma moderna, mas da forma sensível que se constitui moderna em sua essencialidade, em sua capacidade de sintetizar, em um único tra-ço contínuo, a tensão do excesso e do êxtase das volutas e contra-volutas do Barroco Mineiro.

Compreendemos que a mensagem con-tida das curvas da Igreja da Pampulha é oposta a aquelas presentes nas experiências de Aleija-dinho. Ambos os arquitetos detêm o domínio da curva a serviço de uma lógica individual. En-quanto Aleijadinho concebe a curva como ins-tância particular que multiplica-se em profusão radiante, Niemeyer age de maneira diametral-mente inversa, distendendo em gesto parabólico a racionalidade moderna.

As autoridades clericais mineiras não veriam com bons olhos a arte moderna como suporte para a fé.

Dado o futuro incerto da Igreja de São Francisco de Assis, devido à resistência em con-sagrá-la, em dezembro de 1947 foi aprovada a proposta de tombamento preventivo do templo, baseada em quatro justificativas:

1. “Estado de ruína precoce (...) devido a certos defeitos de construção e ao abandono a que foi relegado esse edifício pelas autorida-des municipais e eclesiásticas”; 2. “abandono irresponsável ou utilização, em outras igrejas, de modo inconveniente, porque em desacordo com seu estilo peculiar, de numerosas peças do edifício (altar, órgão, bancos e via-sacra)”; 3. “louvor unânime suscitado pelo conjunto do ex-terior”; 4. “valor excepcional do monumento”

Durante anos acirram-se os conflitos entre: as autoridades clericais, contrárias à con-sagração; as diversas gestões que passaram por Belo Horizonte, de posicionamento variável; e a opinião pública, favorável ao projeto. Somente em 11 de abril de 1959, a Igreja de São Francis-co de Assis da Pampulha é consagrada.

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E será durante o período que envolve as discussões sobre a consagração da Igreja da Pam-pulha, que um outro exemplar moderno da arqui-tetura religiosa será concebido: o projeto de Le Corbusier para a Capela de Notre-Dame du Haut, em Ronchamp, no sudeste da França, em 1950.

O projeto de Le Corbusier para a Ca-pela em Ronchamp sintetiza a inclinação ao arcaico, ao vernáculo primitivo, de um arquite-to descrente da perspectiva de uma arquitetura que, para afirmar-se como moderna, deveria assumir as condições estéticas e técnicas da so-ciedade industrial.

Le Corbusier em Ronchamp, também especula a possibilidade de estabelecer um diá-logo entre os espaços sacros e a conduta moder-na. A substituição dos elementos e da ambiência religiosa tradicional por uma intenção plástica dinâmica que intenta traduzir a atmosfera litúr-gica em um gesto contínuo e curvo, aproxima as experiências de Le Corbusier e Oscar Niemeyer.

Entendemos que a proximidade entre a Igreja da Pampulha e a Capela de Ronchamp reside muito mais na intenção plástica do que na suposta semelhança literal entre os elementos formais comuns aos projetos.

Ambos os arquitetos possuem um problema comum: desenvolver o projeto de um templo que represente a afirmação da fé de uma comunidade condicionada aos valores religiosos enraizados no lugar e sedimentados com o passar dos séculos: o lugar de meditação dos peregrinos na Borgonha de Le Corbusier e a casa da religiosidade mineira de Niemeyer.

Os pontos em comum presentes na Igreja de São Francisco e na Capela de Ron-champ não residem apenas no problema encon-trado, mas, principalmente, na maneira como os arquitetos irão enfrentar a forma do abrigo que envolve a fé: espaço moderno que promoverá momentos de oração e contemplação.

A adoção da forma livre é característi-ca comum entre as soluções de Le Corbusier e Oscar Niemeyer, que enfrentam o problema do templo a partir da flexibilização da lingua-gem moderna que, nesse caso, se presta como invólucro de um programa simbólico, ritualísti-co, oposto a perspectiva pragmática do funcio-nalismo utilitário que formaliza-se a partir de especulações puristas.

Dentro das experiências de Le Corbu-sier em que figuram esquemas organizacionais

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Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha- 1940. Fonte: acervo Rodrigo Queiroz

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hierarquizadores da intensidade da linguagem, a Capela de Ronchamp surge como um exemplar que comprova a predileção do arquiteto por so-luções expressivas para abrigar programas de di-mensão coletiva que evoquem o alimento ao es-pírito, tais como museus, assembleias e templos.

Essa inclinação de Le Corbusier não apro-xima apenas a Capela de Ronchamp à Igreja da Pampulha, mas também indica as direções pare-cidas que tomam as obras de ambos os arquitetos.

A Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha funde em um traço contínuo, a su-perfície material barroca ao desenho dos arcos encaixados presentes nos projetos do atelier de Le Corbusier de 1929 e - por que não? - no han-gar de Freyssinet em Orly.

A igreja da Pampulha, obra-prima de Oscar Niemeyer, sintetiza no traço e na matéria o maior desafio enfrentado pela arquitetura mo-derna brasileira: legitimar seu valor e seu sentido através de um diálogo bilateral com a cultura nacional e com a vanguarda, fundindo em um único arranjo construtivo-pictórico essencial, os conceitos de modernidade e lugar.

Rodrigo Queiroz é arquiteto, professor da FAU--USP, com pesquisas de mestrado e doutorado sobre a obra de Oscar Niemeyer.

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NOTAS:COSTA, 1995:136 “(...) foi durante esse curto, mas assíduo convívio de quatro semanas que o gênio in-cubado de Oscar Niemeyer aflorou.” Exposição organizada por Philip Goodwin, com fo-tografias de G. E. Kidder Smith. A exposição Brazil Builds percorre diversos museus americanos até o ano de 1947. O catálogo da exposição transforma-se na primeira publicação panorâmica sobre a arqui-tetura moderna brasileira. Apesar de todo o alarde gerado pela exposição e pelo catálogo, vale lembrar que a Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha - projeto que definitivamente promove a arquitetu-ra moderna brasileira no cenário internacional – não integrava nem a exposição e nem o catálogo. Após a conclusão das obras da Pampulha, Philip Goodwin realiza um outro catálogo, bem menor, apenas com os edifícios da Pampulha. Cf.: CAVALCANTI, 2006: 165-171 Cf.: CAVALCANTI, 2001: 254-257 De todos os projetos para o conjunto da Pampulha, apenas o Hotel Resort não foi construído. O edifício do Golfe Clube abriga hoje a sede administrativa do Zoológico Municipal de Belo Horizonte. BOESIGER, 1994:48 TIRAPELI, 2006:78-81 Na planta da Igreja de São Francisco de Assis, obser-vamos dois púlpitos, um de cada lado do altar, porém, apenas o púlpito do lado esquerdo foi executado. Em carta do Diretor da DET ao Diretor Geral sobre tombamento da igreja da Pampulha (07 out. 1947) apud FABRIS, 2001:187-188.

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RIQUEZA MORAL, CULTURAL E INTELECTUAL

LEGADO

Niemeyer merece homenagens. É nosso patrimônio no sentido mais lato. As imagens arquitetô-nicas criadas por gênio incansável e inventivo dificilmente podem ser transformadas em palavras.

Sentir o mestre como um patrimônio – no senti-do figurado da riqueza moral, cultural e intelec-tual – me alivia da árdua tarefa quase infindável de elencar seus projetos e sua obra que ganhou o mundo. Mesmo escrevendo sob o ponto de vista de que sua obra é patrimônio da cultura brasileira, é difícil a síntese, que requereria uma profundida-de certamente impossível neste pequeno artigo.

PATRIMÔNIO

Percival Tirapeli

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Falar do arquiteto sem elencar sua arquitetu-ra é tentar encontrar um elo entre todas as suas obras. Por vezes a escolha do local da obra não é vontade do arquiteto. Quando isto ocorre com o mestre ca-rioca a escolha é sem dúvida iluminada por um pen-samento/traço, daquele que reconstrói uma obra em sintonia com a paisagem. Assim é Brasília (1957), patrimônio da humanidade, ereta sobre o traçado simbólico do amigo e companheiro Lúcio Costa. A funcionalidade do Plano Piloto expressa nas linhas horizontais do urbanista permitiram construir uma paisagem cultural dispondo volumes arquitetônicos, verticais simbólicas, arcos inimagináveis na praça dos Três Poderes e o enraizamento de diversos edifícios nos desníveis propositadamente construídos.

Niemeyer parece não sentir o peso da ma-terialidade. Se em Brasília criou a volumetria do nada ao redor, com a água fez o mesmo na Argélia (1968) erguendo uma mesquita como espuma das ondas, criando uma surpresa para nós, que asso-

ciamos a África às areias desérticas. Em Niterói, no Museu de Arte Contemporânea (1991), ho-menageou a luz que inunda a Baía da Guanabara. Entre o céu e a terra dispôs uma forma perfeita na paisagem lítica e aquosa. No projeto do Museu de Arte Moderna de Caracas (1954), desafiou sua musa, sem compasso criou um bloco piramidal in-vertido - desafiador da invenção do sagrado Imo-tep. Em Curitiba, o povo apelidou o Museu Oscar Niemeyer (2002) de Olho . Acerto de ambas as partes: a extensão do olhar do criador sobre a arte e aquele do povo que quer compreender a criação.

Esse poder de interferir nos patrimônios naturais como as águas das praias fluminenses, nos perfis das montanhas de Caracas, na tran-quilidade da perspectiva infinita, animada ape-nas por nuvens em Brasília, é missão de um Prometeu. Esse brilho em poder construir no-vos fatos para a humanidade é sem dúvida o da criação de novos patrimônios culturais.

Acima, Eixo Monumental de Brasília - vista da torre de televisão. Ao lado, Mesquita na Argélia - 1968 - maquete Fonte: acervo Percival Tirapeli.

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Em todas as ações há acertos ou erros, como no caso do mestre modernista Le Cor-busier ao esboçar uma solução urbanística para a cidade de São Paulo em 29. Os edifícios sus-tentariam duas imensas autopistas, nivelando a rugosidade do terreno, privilegiando os carros e condenando seus habitantes a moradias sob as vias expressas. Niemeyer, ao contrário, tão sabia-mente utiliza a paisagem construída, dura e ver-ticalizada da capital – e no seu quarto centenário (1951), cria um monumento ondulante no centro da cidade. O edifício Copan, uma cidade dentro da outra como pretendia o mestre franco-suíço, quebra a sisudez arquitetônica e cria no entorno uma ambiência para a criação de edifícios elípti-cos (edifício Itália) e cilíndricos (Hotel Hilton). Os livros cumprem o dever de expor a obra do mestre de forma cronológica. O que aqui bus-co é o perene em sua obra e tantas vezes por ele mesmo enfatizado, a liberdade e inventivi-

dade das curvas. Seus edifícios têm estruturas baseadas na simplicidade absoluta que evocam a solução perfeita sem o mínimo de ornamen-to. Arriscaria dizer que o arquiteto percebe ser a obra ornamento na paisagem. Não sobrecarre-ga a estrutura que flui como primo pensiero. A geometria na ponta dos dedos segue o raciocí-nio claro da mente criativa que sabe interferir na paisagem criada pela natureza ou pelo homem.

A capela da Pampulha (1942) em Belo Horizonte foi o primeiro alerta criativo do arqui-teto com quem o mundo logo se acostumaria a conviver. Curvas, ondas, concreto, água, brilhos e transparências fazem da capela franciscana um atentado à inteligência eclesiástica conservadora. A Igreja recusou sua consagração. Foi antes de tudo motivada pela incompreensão do novo, ante o painel de Portinari representando São Francis-co. Quase meio século depois criou o Memorial da América Latina (1986) na capital paulista. Não

Acima, Palácio do Planalto - 1957. Ao lado, MAC Niterói - Rio de Janeiro, 1996.Fonte: acervo Percival Tirapeli.

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seria heresia transportar a mesma sequência de abóbadas horizontais. Transposição essa mais fa-cilmente percebida no Auditório – composto por uma sequência de abóbadas, e não no Salão de Atos, composto apenas por uma abóbada.

Aquela pequena torre na capital mineira que lembra as sineiras das capelas rurais se agi-ganta nos imensos obeliscos (evocam as chami-nés das indústrias paulistas ) que suportam a viga sobre a qual repousa a casca de concreto. Voltan-do para Belo Horizonte, a capela tem vistas privi-legiadas. Repousa horizontalmente à margem da lagoa, refletida nas águas. Em sua parte posterior, voltada para a rua, brilham azulejos – patrimô-nio cultural colonial. Em São Paulo, o Salão de Atos tem sua visibilidade dirigida à parte anterior e a curva truncada continua no espelho d’água, transformando-a em voluta. Ciente ou não, o ar-tista confirma o nome geográfico do lugar: Barra Funda. Ali as águas do Tietê se espraiavam ante a depressão formada pelo ribeirão que nascia lá pelos lados do estádio do Pacaembu. O arquiteto retoma as águas, recoloca-as em seu lugar original e restitui um patrimônio natural – agora alegóri-co - perdido no atropelo do progresso. Mesmo assim, nós paulistanos reclamamos da falta das árvores que nunca existiram naquele local.

Por fim, no interior do Salão de Atos, aquele que poderia ter sido a alma gêmea de Niemeyer, o pintor Cândido Portinari, com o painel Tiradentes que foi comprado pelo go-verno paulista de uma escola – o “Colégio para meninos”, também de autoria de Nie-meyer (1946), na cidade mineira de Catagua-zes. Exatos 40 anos depois, por destino ou não, repete-se a genial parceria. O painel de Portinari dialoga com projetos de Niemeyer de fases distintas: a escolha de pastilhas e ele-mentos vazados no interior mineiro – produ-to da experimentação de uma linguagem que flerta com a tradição construtiva nacional - e o traço contundente e cru do Memorial. Com-pleta-se assim um ciclo: Pampulha, Catagua-zes, São Paulo.

A evocação das águas está na solução horizontal desafiante da verticalidade circun-dante do edifício das Nações Unidas em Nova Iorque (1947) e seu reflexo agitado pelos barcos nas águas da baía do rio Hudson. Diferente é no Olho, Museu Oscar Niemeyer em Curitiba, no qual nos convida a entrar no edifício por rampas e corredores subterrâneos. O reflexo no espelho d’água tem a mesma amplitude que o volume lançado no espaço com o recurso do terreno em

Le Havre – França – 1972 Fonte: acervo Percival Tirapeli

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desnível. A fluidez das águas – naturais ou artifi-ciais – está presente na maioria de seus projetos.

A relação dos arquitetos com a terra, por vezes é apenas de posse. Base natural para a cria-ção e sustentação do volume. Por vezes, o atravan-camento da paisagem, ou seja, destruição do patri-mônio natural. No Parque do Ibirapuera em São Paulo está a Oca (1951). Obra de menor tamanho se comparada à monumentalidade do parque, mas de reconhecimento público tanto quanto o monu-mental edifício Copan. Em um parque com nome indígena, a Oca passa desapercebida como uma homenagem à fundação de São Paulo, da mesma maneira que o Copan. Soluções tão diferentes para mesma ocasião. A Oca dos índigenas e as curvas do edifício suavizam a rigidez da modernidade nascida na capital em 22. Patrimônio moral para um povo receptivo? A evocação da terra é apenas uma licença poética, pois em arquitetura seria a uti-lização dos níveis e desníveis. Mas a Oca, mesmo não completa, é uma penetração na Gaia.

Há dois momentos distintos nas obras que utilizam o rebaixamento da terra: no plano e no desnível. O primeiro, mais comum, como na Oca, na Catedral de Brasília e no aproveita-mento dos terrenos - como a parte do subsolo dos museus de Curitiba e Niterói. Na França, em Paris, o auditório diante do edifício do Par-tido Comunista (1965); no porto de Le Havre (1972) o desnível é simbólico, para mencionar aqueles que conheço. A Oca se completou com a construção do Museu da República ao lado da biblioteca em Brasília. O museu evoca a Oca, mas a completa, pois penetra a terra ao mesmo tempo em que circunda a calota com leve rampa externa. Realiza a ascensão do usuário que usu-frui ao mesmo tempo do interior e do exterior, das sensações da concavidade e da convexidade, das sensações de proteção e liberdade que a ar-quitetura niemeyeriana nos oferta.

Na cidade portuária francesa Le Havre, elevada a patrimônio da humanidade, o rebaixa-mento do terreno é sem dúvida simbólico. A ci-dade arrasada pelos horrores da segunda guerra criou um centro cultural ao longo de ampla aveni-da, conjugando de um lado os novos edifícios da modernidade que evocam a reconstrução da Fran-ça e o porto tendo ao centro um monumento às glórias francesas. Respeitosamente Niemeyer criou uma trincheira e de lá erigiu o que popularmente se denomina de vulcões. Imensas formas cônicas são interligadas por uma praça rebaixada e rampas ascendentes e descendentes, ao nível das vias. Uma homenagem à resistência do povo aos horrores da guerra. Estava criado um patrimônio cultural, den-

tro de uma paisagem desolada e reconstituída com a pujança que hoje se vê a seu redor. O monumen-to, feito nos moldes ecléticos, em nada foi ferido, visto que essa é uma herança da arte francesa que se difundiu pelo mundo no final do século XIX e início do XX. Ao longo das autopistas que levam à cidade, a arquitetura de Niemeyer é tema para a sinalização, lembrando sua proximidade.

Há momentos de percepção da obra de Niemeyer que determinam um consenso geral de sua genialidade e, reconhecidamente, foram acla-mados como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco; outros o foram como imateriais ex-pressões que são da cultura brasileira. Essa sensa-ção nos perpassa ao ver tanto a paisagem cons-truída de Brasília como plano inaugural, como o não previsto, caso do Memorial JK - inserido no Eixo Monumental como mais uma obra de arte. Contra as regras da arte tumular, o volume arqui-tetônico pousa sobre o leve declive do terreno.

Levantada a possibilidade de ser acla-mada como patrimônio da humanidade, a cida-de moderna com todos os seus palácios teve a adesão da intelectualidade mundial. Sem dúvi-da o pensamento de uma cidade ideal, onde o povo seria convidado a entrar nos palácios pe-las rampas, é utopia que não se realizou. Porém, o pensamento de uma política transparente e justa está imbuído na gênese da nova capital.

Parque Ibirapuera – São Paulo - 1951 Fonte: acervo Percival Tirapeli

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A isto se pode chamar de patrimônio imaterial, desejo nunca realizado do sofrido povo brasi-leiro sempre maltratado pelos ditadores em sua época e políticos eleitos - que roubam neste início do século XXI até a esperança do povo.

A catedral, por sua vez, expressa a espiri-tualidade em sua leveza arquitetônica. Disposta em um grande platô, pode ser vista pelo povo por cima da via da antiga rodoviária, ao mesmo tempo em que não atrapalha a visualidade do poder laico. Se vista a partir do nível da terra é a união dos experimentos estéticos e simbólicos: evocação da terra (catacumbas), das águas (do batismo) e da luz (espiritualidade), unidos como um patrimônio imaterial religioso. Sem dúvida é

a mais inventiva forma arquitetônica, concebida com originalidade depois de dois mil anos de tradição formal eclesiástica. Ali perto, após uma sequência de blocos arquitetônicos dos minis-térios, apenas para refazer a admiração o arqui-teto corporifica o ideal da política brasileira: o edifício do Itamaraty. Pelo nome, é transposto da antiga capital o patrimônio imaterial da po-lítica imperial e transformado na capital repu-blicana como sede de nossas relações exteriores. É o Brasil voltado para o mundo, assim como o edifício é implantado em meio aos espelhos d’água. Inspirado nos edifícios neoclássicos que circundam o espelho d’água da construção ca-rioca, o arquiteto inverte a posição do edifício

Salão de Atos – Memorial da América Latina – São Paulo – 1986 Fonte: acervo Rodrigo Queiroz e Memorial Juscelino Kubitschek – Brasília – 1981 Fonte: acervo Percival Tirapeli

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brasiliense que - livre sobre as águas - pode ser admirado por todos os lados. Os arcos em toda a volta criam uma volumetria ímpar, longe da concepção das fachadas anterior, posterior e laterais para criar um bloco que abriga o que de-veria ser nosso patrimônio cultural e imaterial – o relacionamento, o congraçamento da cultura brasileira com o mundo.

Percival Tirapeli, professor doutor do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista, Unesp, é diretor de projetos especiais do Icomos – Comitê Internacional de Monumentos e Sítios, órgão vinculado à Unesco. É au-tor de, entre outros, Patrimônios da Humanidade no Brasil/ World Heritage in Brazil (2001).

BIBLIOGRAFIADossiê IPHAN – UNESCO. Série Inventário – Caixa 0093. IPHAN – DID. Arquivo Noronha Santos, RJ..NIEMEYER, Oscar. Minha experiência em Brasília. R.J.: Civilização brasileira, 1960.----Texte et dessins. Paris: Forces Vives, 1965.---- A forma na arquitetura. Rio de Janeiro: Ave-nir Editora, 1978.---- Em defesa de Brasília. In: Correio Brazilien-se. Brasília, 05/11/2000. p.6-10.--- Conversa de amigos: correspondência entre Os-car Niemeyer e José Carlos Sussekind. Rio de Janei-ro: Revan, 2002. 256 p.TIRAPELI, Percival. Patrimônios da Humanidade no Bra-sil/World Heritage in Brazil. São Paulo: Metalivros, 2004.

Catedral Metropolitana de Brasília – 1959

Fonte: acervo Percival Tirapeli e

Palácio do Itamaraty – Brasília – 1962

Fonte: acervo Percival Tirapeli

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INUSITADA ONDA NA METRÓPOLE

PARADIGMA

Copan é, sem dúvida, um dos mais importantes símbolos de São Paulo. Tanto por sua locali-zação, na confluência das Ave-nidas Consolação, Ipiranga e São Luís, quanto pela sua esca-

la monumental e por sua belíssima forma, uma inusitada onda na metrópole tão desprovida de “graça”. O Copan é o paradigma do edifício mo-derno e sua inserção na cidade: vertical, permitin-do grande densidade de ocupação, franco e aberto no plano da rua, animado pela vida efervescente

UMA CIDADE DENTRO DE SÃO PAULOCOPAN

Guilherme Wisnik

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da circulação a pé no centro urbano. É hoje uma miragem numa cidade superpovoada de sho-pping centers, condomínios e edifícios cercados. Mas esse símbolo, quase uma onda de autoesti-ma na cidade (“é a nossa praia”), passou por um período de maus tratos, rotulado por muitos de cortiço. Além disso, seu cinema se transformou em uma Igreja Evangélica.

Outro aspecto que fere o tímido orgu-lho paulistano, acentuando o estigma de sua “deselegância discreta”, é o fato de o Copan ser uma obra renegada por Oscar Niemeyer, devido à atribulada história de sua construção, que resultou em amputações inaceitáveis no projeto. Aliás, o conjunto do Parque Ibirapuera é outra obra paulistana que ficou muito tem-po inconclusa, fato que o arquiteto carioca não cansa de lamentar. É que São Paulo é mesmo, em grande medida, o avesso do “projeto”, uma cidade inacabada em sua raiz, cuja transforma-ção contínua impede a plena realização da obra de arte, com o grau de acabamento que ela re-quer. “Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína”. O verso de Caetano Veloso fala de um Brasil bem paulista, acostumado com o aspecto mutante e muitas vezes chocante das coisas. Nesse sentido, o Copan “ruinoso” de hoje, descaracterizado desde a origem pela de-sorganização especulativa da classe empreen-

dedora da cidade, fala muito sobre sua própria realidade, ganhando interesses outros que não só os de uma beldade arquitetônica.

O seu projeto é de 1951, mas o edifício foi inaugurado apenas em 1966. Concebido num momento em que São Paulo passava por um surto de verticalização, o Copan viria a ocupar o terreno onde estava a Vila Normanda. For-mada por um conjunto de sobrados preparados para enfrentar a neve, a Vila era a representação grotesca de um momento que ficava para trás, a época nostálgica em que São Paulo era a “Lon-dres das neblinas finas”. Mais afim ao espírito da nova metrópole cosmopolita, o Copan foi ideali-zado como um empreendimento misto, com ho-tel, habitação, escritórios e comércio, a cargo da Companhia Panamericana de Hotéis e Turismo, que lhe empresta as iniciais. A Companhia, que pertencia ao Banco Nacional Imobiliário, passou por uma intervenção do governo em 1954, para-lisando as obras. Na década seguinte, quando foi inaugurado, o Copan já não tinha mais o setor de hotéis, mas manteve-se dividido em 6 blocos, contando com 20 elevadores, 82 lojas, e 1.160 unidades habitacionais, que variam de quitinetes até apartamentos com 3 quartos. Essa grande di-versidade de usos faz do Copan um lugar extre-mamente interessante, aglutinador de diferenças em muitos níveis (social, cultural, profissional),

Edifício Copan, São Paulo.

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tornando-o, de fato, um poderoso emblema da cidade. Um emblema com capacidade de alterar seu conteúdo ao longo do tempo.

A ausência, em São Paulo, de contornos definidos e relevos naturais salientes, impossi-bilitando a apreensão da cidade em sua dimen-são sensível, faz com que ela se reconheça em ícones edificados, como o Copan. Este, torna-se seu símbolo, mas não apenas porque é um con-traponto de leveza à cidade embrutecida. Ele também tem a brutalidade que São Paulo iden-tifica como sua, tanto na gigantesca proporção (possui 32 andares com 10.572 m² cada), como na aparência severa do concreto armado.

Quando esteve no Brasil em 1929, Le Corbusier idealizou megaintervenções urbanas no Rio de Janeiro e em São Paulo, em que o parti-do adotado era o mesmo: construir circuitos con-tínuos de edifícios quilométricos suspensos sobre pilotis, que comportassem uma autopista para automóveis na sua cobertura. Seriam “edifícios-cidade” (prenúncio das megaestruturas dos anos 1960), ou “terrenos artificiais”, como diz Lucio Costa. Diante da paisagem menos exuberante da capital paulista, adotou uma forma de implan-tação mais rígida do que no Rio: a cruz (dois grandes edifícios se cruzando). Porém, a beleza poética de sua ideia é sutil, e está na percepção to-pográfica da cidade, feita de colinas. Os edifícios alinhariam a cidade por cima, criando duas gran-des plataformas horizontais a partir de suas cotas mais altas, os espigões. Hoje, a vista 360º que se tem desde a cobertura do Copan, implantado em um vale, dá uma dimensão palpável do que po-deria ser essa cidade visionária. O Copan pode, portanto, ser visto como um fragmento real desse grande edifício corbusiano que só existe no plano da fantasia, com o acréscimo, é claro, das curvas.

Por essa filiação, o Copan é radicalmente diferente do Edifício Itália e do Hilton Hotel, seus vizinhos. Enquanto estes são apenas tor-res, o Copan é uma cidade vertical. Implantado em forma de “S”, tem extensão contínua preen-chida com galerias de comércio no térreo e um jardim suspenso, numa cota intermediária. São lições herdadas da matriz corbusiana, concreti-zadas na Unidade de Habitação de Marselha, de 1947, aqui reinterpretadas magnificamente. O edifício não é belo nem feio em si, pois não é autorreferente. Ele não resulta das normas res-tritivas da legislação, não se acomoda a elas. É um equipamento urbano, pois interage com a ci-dade. Sinal disso é a topografia movimentada do seu térreo. O piso da calçada interna nas galerias comerciais não é “fabricado”, nivelado, como de

um shopping center ou de qualquer espaço que se adentra tendo-se já “saído” simbolicamente da cidade. Os desníveis desse piso acompanham a topografia do terreno, que se acomoda entre as alturas dos lotes vizinhos e das ruas.

A forma prismática e torcida do edifício, por sua vez, altera a percepção da cidade, como se uma peça gigante de Richard Serra tivesse sido implantada no centro de São Paulo, desequili-brando o ritmo monótono de seus prédios. No caso, a vertigem não é só da altura, pois ocorre tanto no olhar de cima pra baixo quanto de bai-xo para cima. Analogamente, a relação ativa que estabelece com a cidade não se dá apenas de fora para dentro – o volume no espaço –, mas tam-bém em sentido inverso. Uma simples quitinete do Copan, tem 18 m² de janela para a cidade. As aberturas são plenas, de piso a teto, emoldurando São Paulo como um fragmento enorme em diver-sas alturas. Seus grandes quebra-sóis servem tam-bém como uma curiosa varanda em abismo, um sofá-mirante da cidade. O projeto, assim, dissolve a visão burguesa da “casinha arrumada”, propon-do uma moradia que está em relação imediata e obrigatória com a metrópole. Há quem veja nessa superexposição forçada uma forma de opressão. É claro que os labirintos da vida privada são infi-nitos, e também no Copan o lar burguês pode ser recomposto, tornando-se um apartamento qual-quer de Moema, Santana ou Morumbi. Decodifi-car essas transformações é também uma maneira rica de aproximar-se do edifício.

O fato é que o Copan é múltiplo, pois con-centra a diversidade, e por isso resiste. Se São Paulo seguiu o modelo urbano norte-americano de peri-ferização e degradação progressiva do seu centro, este, tornou-se desvalorizado, sujo, abandonado. Mas, nesse movimento, não deixou de ser um mi-crocosmo do Brasil, com suas pulsações vivas. O Copan é também um símbolo dessa diversidade possível, enriquecedora, pois a generosidade de sua concepção convida a uma experiência coletiva verdadeiramente urbana, resistente à postura blasé de uma elite ilustrada que pretende “reconquistar” o glamour do centro de sua cidade. O Copan ensi-na a enfrentar os contrastes, e gozar os incômodos e a liberdade da vida moderna.

Guilherme Wisnik é arquiteto, autor de Lucio Costa (Cosac Naify, 2001), e colunista da Folha de S. Pau-lo. Publicado originalmente em Big no. 39 – Utopia. Big Magazine: New York, 2001. Cf. Presença de Le Corbusier, em Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995, pp. 144-154.

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PONTO DE VISTA

BRASÍLIAIDEIA DE UM NOVO BRASIL

Paulo Mendes da Rocha

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Brasília lançou a ideia de um novo Bra-sil. Foi a realização de um projeto em anda-mento, porque não vejo o país antes ou depois, o que vejo é a continuação de um processo, o sonho de ocupação do território, que era um sonho americano. A América foi fundada com essa visão, a de construção, a da possibilidade de habitar o planeta; aqui não havia nada. Por-tanto, como nós sabemos, é um projeto antigo esse de transferir a capital para o interior do Continente, que se realizou por manifestação da vontade. Acho que foi uma etapa consolida-da. Veja que uma coisa tão extraordinária não constituiu uma grande polêmica nacional, ao contrário, hoje, por exemplo, quem perguntar para qualquer cidadão brasileiro sobre Brasília, ele vai dizer que foi ele que construiu, que é uma realização do povo brasileiro.

A República estabeleceu-se assim, com a visão nítida de que na América a questão é a ocupação territorial. Vale ressaltar que o

interessante no caso é que essa ocupação já pressupõe parcerias. Por exemplo: no que diz respeito à navegação fluvial e à ligação Atlân-tico-Pacífico, uma questão americana que tem de ser realizada por meio da solidariedade en-tre Chile, Peru, Bolívia, Brasil, Argentina. São projetos já continentais o que está sendo hoje discutido em política internacional, horizontes futuros, a posição da América, tudo fica muito ligado a esse espaço territorial latino-america-no e, sob esse aspecto, é muito importante o que foi feito em relação à construção de Brasí-lia. Os detalhes precisam ser discutidos após a conclusão e a ocupação da cidade. Dependem de uma harmonização das cidades satélites, mas, como atitude fundamental, o estabele-cimento daquela mudança imediata e a cons-trução da cidade significaram uma experiência muito interessante.

Por outro lado, também acho que a ideia de um concurso com júri internacional

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Congresso Nacional, o equilíbrio das formas.

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mobilizou uma ampla discussão pública, o que também foi positivo. Niemeyer e Lúcio Costa foram exemplares, inclusive do ponto de vis-ta das relações do Brasil, ou seja, da expressão do Brasil como cultura no mundo. Na opinião de amigos de grande prestígio internacional, Brasília representou um exemplo de aplicação do princípio da arquitetura contemporânea, no que se refere à questão habitacional. A graça e o prazer, a justa proporção do que seria já a moradia vertical, agregando lazer, trabalho, tudo isso é muito interessante. Também a ideia dos eixos: um eixo monumental e um eixo ha-bitacional, os vazios associando, por exemplo, no caso da universidade, lazer e conhecimento de uma forma muito positiva. Eu me lembro, nos primeiros anos da Universidade de Brasí-lia, de experiências de convivência com gen-te do Brasil inteiro, de vários pontos do país, estudando na Capital Federal. O que foi uma continuação do que já se havia visto nos pri-

mórdios da República, homens como Drum-mond de Andrade, Pedro Nava, provenientes de fora para estudar medicina, estudar direito, ou como a família de meu pai que era baiana, veio ao Rio de Janeiro, onde ele estudou en-genharia. Agora, com Brasília comemorando seus mais de 50 anos, devemos lembrar que 20 foram de ditadura militar, o que nós não esperávamos; é um fator de amargura. Na prá-tica, não é para se esquecer e, no plano político, podemos dizer que Brasília está sendo, agora, mais uma vez refeita, a duras penas nesses pri-meiros governos democratas. Esperamos que tudo isso continue. Eu vejo assim Brasília, como uma tarefa para nós.

De todo modo, Brasília é uma obra que contém o máximo valor quanto ao aspecto artístico, principalmente daquelas realizações de grande envergadura, que envolvem a mo-bilização do esforço público, a parceria entre o público e o privado. Brasília é exemplar, é uma

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Catedral de Brasília pelo traço de Oscar

Niemeyer.

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Palácio da Alvorada no gesto de Niemeyer.

atitude de governo, assim como representa o aproveitamento máximo das técnicas da en-genharia e da sabedoria específicas, todos so-lidários para implantar o projeto; isso é muito importante na construção de uma nação.

Ninguém, em particular, pode se res-ponsabilizar por Brasília, porque Brasília é um projeto nacional, mas é estimulante saber que tivemos, em sua construção, artistas à sua altu-ra. O grande mérito de Brasília é a fundação de uma cidade inteira e a consequente ocupação de um território. Isso, claro, se nós tivéssemos

explorado essa realização como deveríamos. Aliás, já estamos muito atrasados, basta citar a questão da navegação fluvial, num país com uma rede dessas que temos.

Frank Gary disse certa vez em uma en-trevista para o Mais (Folha de São Paulo), que não acredita em urbanismo, para ele urbanis-mo estaria nas mãos das incorporadoras. No entanto, para mim a ideia de urbanismo e pla-nejamento é uma ideia que envolve uma visão nacional. É claro que envolve o caráter arqui-tetônico, mas ninguém, isoladamente, vai dar a

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solução. Um projeto desses exige uma nação, uma consistente forma de planejamento nacio-nal abrangendo todas as variáveis envolvidas. Não se pode imaginar que a América Latina seja feita, enquanto planejamento, pelas mãos exclusivas da iniciativa privada. A empresa privada vai estar contemplada dentro dos ob-jetivos de uma República, mas nenhuma das duas partes deve ser submetida à outra, é uma questão de consenso. E não existe nada que possa ser feito na dimensão de um continen-te, de uma América, sem planejamento e con-sistência, que tem de começar pela atitude do Estado. São projetos que só podem ser imple-mentados com larga visão, como as barragens, que foram construídas por empresas privadas, mas com planejamento de caráter abrangente, estatal. Basta lembrar que todas as barragens possuem eclusas, portanto, o Tietê, para citar um caso, é navegável até o Paraná; ou seja, a ligação do Amazonas com o Prata é possível. É importante para o escoamento da produção da agroindústria, um sistema que associado às ferrovias, constituiria uma rede mais ampla. A navegação fluvial é particularmente muito esti-mulante, pois substitui os caminhões: barcaças transportam o equivalente a 200 caminhões e não há nada que se compare. Por isso é fácil imaginar por que outros países já fizeram os famosos sistemas como o Volga, o Don, o Ruhr e o Mississipi.

Então, ainda há muito a fazer para transformar a América Latina, justamente na-quilo que sempre se sonhou. Uma esperança para as angústias do mundo. Sabe-se que o mundo necessita de uma discussão permanen-te sobre a construção da paz para inverter essa produção toda destinada à guerra. A paz im-plica em novas fontes de trabalho. Tudo isso, na minha opinião, do ponto de vista simbólico, mas com muita força, está ligado a essa opera-ção, pensar na interland com a mudança da ca-pital. Embora ainda seja um gesto simbólico, é necessário diante dos tempos que esperamos para todos. Hoje eu penso em cidades novas, fundadas dentro desse horizonte de ligações entre o Atlântico e o Pacífico, com a navegação fluvial, que podem criar um horizonte interes-sante para as cidades já saturadas e quase im-possíveis de serem sustentadas, como São Pau-lo, particularmente, e o próprio Rio de Janeiro.

Paulo Mendes da Rocha, nome consagrado da arquite-tura, recebeu os prêmios Mies Van Der Rohe de 2001 e Pritzker de 2006.

Acima, Niemeyer em seu escritório no Rio de Janeiro, e abaixo, Paulo Mendes da Rocha, em São Paulo.

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AS ORIGENS DAS LINHAS SINGULARES

REFERÊNCIA

AArte Moderna sempre constituiu, é minha hipótese, uma referência im-portante para as formas de Oscar Niemeyer. Isso já havia sido obser-vado, aliás, pelo artista plástico Max Bill, quando de sua visita ao Brasil

em 1953. Referindo-se à linha ondulada e aos planos com contorno sinuoso (“formas livres”) que vira em sua arquitetura, Bill apontara: “Na arte de hoje (esta forma livre) foi introduzida primeiramente por Kan-dinsky nos seus quadros, em 1910 aproximadamente. Na sua forma contemporânea, ela é a expressão tí-pica de Hans Arp, que após dezenas de anos ainda a pratica nas suas esculturas e relevos (...) harmoniosos.

DA FORMAVÍNCULO

Luis Eduardo Borda

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A aplicação dessas formas na decoração, no têxtil, na publicidade, nos stands de exposi-ções (...), é um fato que se encontra a todo ins-tante na Europa”. (Bill, 1953, p. 14).

A observação de Bill não era contudo elogiosa. Tratava-se, antes, de uma crítica dura ao uso de tais formas na arquitetura, uso consi-derado pelo artista construtivista algo “decora-tivo”, gratuito e que nada tinha a ver com uma “arquitetura séria”. (Idem).

Não obstante o caráter duro da crítica, a observação de Bill era certeira: as formas de Nie-meyer podiam ser compreendidas a partir de seu vínculo com determinada vertente da arte abstra-ta, sendo os planos sinuosos de Kandinsky, Ma-tisse ou Hans Arp referências importantes para o entendimento do desenho do arquiteto.

A meu ver, a observação de Bill foi impor-tante também porque a partir disso ampliaram-se as possibilidades de entendimento da obra de Nie-meyer. Ou seja, a arquitetura de Le Corbusier ou de Mies van der Rohe deixou de constituir a única possibilidade de compreensão de sua obra.

É interessante observar, por outro lado, que, se até 1953 (ano da crítica de Bill) a aproxi-mação de Niemeyer caracterizou-se pelo víncu-lo com determinadas expressões da arte moder-na, depois disso sua arquitetura passou a tomar um direcionamento preciso: a partir desse perí-odo determinada vertente da escultura moderna começou a comparecer na concepção de suas formas, escultura aliás vinculada àquela mesma vertente da pintura que serviu de base para a arquitetura que realizara até então.

Em meu trabalho de Doutorado, intitu-lado O Nexo da Forma. Oscar Niemeyer: da Arte Moderna ao Debate Contemporâneo, discuti os vín-culos da obra de Niemeyer com a arte moderna, precisando tais pontos de contato, inclusive, a partir do contraste com determinadas questões da arte contemporânea.

Neste breve artigo a intenção é apontar algumas das conclusões dessa pesquisa, desen-volvida entre 1999 e 2003 na Escola de Comu-nicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP).

Como apontara Max Bill, a arquitetura que Niemeyer vinha realizando até os anos 50 se caracterizava pelo vínculo com determinada vertente da arte moderna, não com o Constru-tivismo, corrente da arte defendida por Bill. A posição do artista suíço inseria-se na polêmica travada desde os anos 30 entre concretistas e abs-tracionistas. (Seuphor, 1957. Cocchiarelli, 1987). A discussão, começada por Theo van Doesburg e

retomada por Bill, colocava em evidência diferen-ças básicas entre uma concepção estética e outra: de um lado (Concretismo) o veto radical às refe-rências figurativas (natureza). Para essa corrente o único ponto de partida deveria ser a imaginação ou as formas criadas pelo espírito humano. As-sociava-se a isso a busca de integração entre arte e indústria, a valorização da técnica, bem como a utilização da superfície (plano) e não do volume enquanto elemento definidor da plástica. (Do-esburg, 1925). Para os abstracionistas, ao invés, não haveria restrição alguma em tomar a natureza como ponto de partida da criação. A abstração, nesse caso, consistiria em verter tais formas por meio de um procedimento intelectual em que a forma, longe da mimese, afirmar-se-ia como pro-duto da imaginação.

Ora, era isso exatamente o que vinha ca-racterizando a arquitetura de Oscar Niemeyer: um desejo deliberado de tomar a natureza (seja a silhueta das montanhas ou o corpo da mulher) enquanto ponto de partida da criação. Veja-se por exemplo a igrejinha da Pampulha (Belo Ho-rizonte, 1943), as curvas da cobertura a evocar o perfil das montanhas de Minas; o desenho do piso: uma forma sinuosa referida à lagoa da Pampulha, algo semelhante aos planos sinuosos

Unidade Tripartida, de Max Bill.

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de Hans Arp ou aos recortes de Matisse; e, ain-da, o próprio painel azul e branco de Portinari, com toda a representação figurativa referente à vida de São Francisco de Assis.

Outro exemplo é a residência do arquite-to à Estrada das Canoas (Rio de Janeiro, 1953). Nesse projeto, embora a referência seja o racio-cínio espacial construtivista, a referência à natu-reza ou o modo como se configuram os planos estão longe da abstração radical que se vê, por exemplo, no desenho de Mies van der Rohe para o Pavilhão de Barcelona.

A subversão à lógica construtivista está, primeiramente, no desenho sinuoso da laje de cobertura ou no contorno ondulante da piscina, ambos a evocar as formas naturais.

Mas está também no desejo deliberado de assegurar a leitura integrada da forma e do espaço. Os planos que determinam as varandas são vazados e sua altura jamais alcança a laje de cobertura. Isso possibilita que se persiga com o olhar a linha sinuosa que define a cobertura, ao mesmo tempo em que se tem uma visão inte-grada do espaço. Tampouco o fragmento de ro-cha, presente na composição, bloqueia o olhar. Comparece como um elemento que emerge do solo, mas não o suficiente para obstruir a visão e impedir uma leitura unitária do todo.

Assim, embora o plano seja a diretriz espacial, o que demonstra o entendimento de Niemeyer a respeito da lógica construtivista, o resultado espacial e formal é singular. Niemeyer utiliza o plano e concebe o espaço não exata-mente do mesmo modo como o fizera Mies van der Rohe (certamente o desenho do Pavilhão é uma referência para o desenho de tal residência) ou como o fizera Vladimir Tatlin em seu Corner Relief (1915), por exemplo. Enquanto nestes o espaço surgia como surpresa, Niemeyer procu-rava quase sempre garantir uma apreensão uni-tária do objeto e do espaço. Mais que isso: afas-tava-se do rigor geométrico dos construtivistas, bem como do veto radical à natureza ao tomar as próprias formas naturais enquanto base da criação. Ora, era isso o que provocava a reação de Max Bill. A afinidade de Niemeyer não era com a radicalidade construtivista, mas sim com o Pós-cubismo[1] e com aquela vertente abstra-ta (Arp, Matisse etc).

A partir do início dos anos 50 a arqui-tetura de Niemeyer começa a tomar um direcio-namento preciso. Ao invés da permeabilidade interior/exterior que caracterizou seus proje-tos até então, Niemeyer passa a centrar-se em formas compactas: volumes brancos, densos,

Bird in Space, de Brancusi.

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depurados, a marcar uma nítida ruptura entre interior e exterior. Ora, o caráter evidentemente escultórico de tais formas pode ser facilmente encontrado no Purismo (referência importante para Niemeyer) e em determinada vertente da escultura moderna, não por acaso escultura vin-culada àqueles mesmos artistas que serviram de base formal para a arquitetura que realizara até então (Arp, Matisse, entre outros).

O Purismo e a escultura abstrata me pa-recem fundamentais para o esclarecimento dessa nova fase da arquitetura de Niemeyer. Se as rela-ções de Niemeyer com o Purismo (Le Corbusier) já foram suficientemente apontadas por alguns autores, vale aqui esclarecer as relações de Nie-meyer com a escultura abstrata, especialmente com aquela linha que deriva das figuras capitais de Constantin Brancusi e Hans Arp. Produção de grande importância no panorama da escultura do início do século XX, a obra desses artistas carac-terizou-se por volumes densos, brancos, despo-jados, que vieram a informar posteriormente a arquitetura de Oscar Niemeyer.

A obra Maiastra (Brancusi, 1912) é um exemplo que pode esclarecer a proximidade de Niemeyer a essa vertente da escultura.

Trata-se da representação de uma ave mís-tica, integrante do folclore romeno. Evitando a mimese, Brancusi estiliza a forma. Reduz a figura a seus elementos essenciais, eliminando qualquer traço ou informação que possa dificultar a apre-ensão da imagem no que tem de mais elementar.

Tal operação formal só é possível a partir do sentido de autonomia que a forma adquire na modernidade. De qualquer modo, não obstante esse caráter conceitualmente moderno, Brancusi mantém-se atrelado ainda a determinadas ques-tões clássicas: o uso de um material tradicional como o mármore, a utilização de um procedi-mento acadêmico como o desbaste da pedra, a manutenção da luminosidade clássica; e, ainda, e sobretudo, a alusão à natureza. Desta referência, aliás, deriva a simetria da forma. O corpo, em seu caráter simétrico, sempre constitui (vale lembrar) o modelo de integridade e coerência da forma ao longo de toda a história da escultura. É em virtude da simetria, também, que a imagem da Maiastra é facilmente apreendida: o objeto escul-tórico oferece-se inteiro ao olhar, sem implicar a complexidade espacial que iremos encontrar em esculturas construtivistas como Corner Relief (Tatlin, 1915), por exemplo.

Finalmente, outro aspecto importante da obra de Brancusi é o modo como comparece a base. Menos evidente em a Maiastra, isso aparece

de modo marcante em obras nas quais Brancusi destaca o objeto a partir de um suporte contras-tante ou, como no caso de Leda (Brancusi, 1923), determina uma área ampla em volta da peça de modo a destacá-la no ambiente da exposição.

Ora, Niemeyer partilha com Brancusi e com a vertente da escultura que procede desse artista várias questões conceituais: a referência ao corpo, o tratamento abstratizante da figura, a axialidade da forma, a luminosidade clássica e também, no caso mais específico de Brancusi, a relação entre o objeto e o espaço em que se insere.

O desenho de Niemeyer para a sede da Cesp (São Paulo, 1979) é exemplo desse raciocí-nio formal. O conjunto é determinado por três formas concisas, despojadas, articuladas por meio de um plano sinuoso (restaurante e foyer do auditório). Note-se que são três formas concisas, despojadas, ao mesmo tempo simétricas, organi-zadas todavia por meio de uma composição não simétrica. É o caso também do conhecido exem-plo do conjunto do Congresso Nacional (Brasília, 1957). As cúpulas, de forte sentido escultórico, são tão simétricas quanto as torres dos gabinetes ou mesmo quanto o corpo retangular que emba-sa o conjunto. Não obstante a simetria das for-mas, a articulação é dinâmica e assimétrica.

Observe-se que se trata de formas inde-pendentes, embora ligadas umas às outras pelo embasamento: formas facilmente apreensíveis em virtude de seu caráter compacto e simetria. A característica de Niemeyer é sempre traba-lhar com essas formas independentes, algo que se faz marcar de modo bastante forte em seus vários desenhos urbanísticos. (Cidade Vertical. Israel, 1964; Centro Administrativo do Recife. Pernambuco, 1978; Parque do Tietê. São Paulo, 1986, entre outros).

A referência ao corpo ou à figura é, a meu ver, o que primeiramente explica a unidade de tais formas (quase sempre simétricas, aliás) e a relação espacial que determinam. Seus edifí-cios, tal qual as figuras femininas que representa em serigrafias dos anos 80 (Reencontro. 1987: Praia Com Quatro Mulheres. 1987; entre outros), são do mesmo modo elementos independentes, corpos que se situam em determinado ponto do espaço.

É certo que o urbanismo modernista, ao eliminar a malha tradicional, rompe com a coesão entre os elementos construídos e determina for-mas independentes: elementos isolados em meio ao verde. Não mais configurando o desenho das ruas e das praças, o edifício torna-se uma figura no espaço urbano. De qualquer modo, isso não é

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suficiente para explicar a relação espacial estabe-lecida pelas formas de Oscar Niemeyer.

É preciso considerar, primeiramente, que o caráter compacto e o sentido de integrida-de de seus volumes geram uma separação clara entre o objeto e o ambiente. Interior e exterior tornam-se aí duas categorias distintas, sem que nenhuma ambiguidade venha confundir o do-mínio de um e de outro.

A essa primeira distinção entre objeto e espaço, definida pelo caráter cerrado da forma, acrescenta-se o desejo de prover um ambiente adequado para a fruição da obra. É aí que en-tram os espaços amplos, sempre pavimentados, os quais passam a assegurar a integridade das figuras e destacá-las visualmente. O solo adqui-re, nesse momento, uma função similar àquela desempenhada pelas bases de Brancusi: torna-se uma intermediação entre o espectador e a obra, assegurando a fruição estética.

É claro que o espaço externo, transfor-mado em extensa área pavimentada, deixa em segundo plano nesse instante o sentido funcio-nal. Destacar a integridade do volume passa a ser sua destinação primordial.

Finalmente, um outro aspecto que vale salientar nesse confronto entre as formas de Niemeyer e a vertente da escultura moderna representada por Brancusi é o uso do material ou mesmo o tratamento dado à matéria. Eis o que marca um ponto de diferenciação com Niemeyer. É certo que Brancusi, por exemplo, privilegiará materiais tradicionais da escultura como o mármore e o bronze, porém os utilizará como se fora pela primeira vez. Ou seja, assu-mirá o material enquanto tal, suas qualidades estruturais, textura, cor, reação à luz, obtendo dessas características específicas a própria ex-pressividade da forma.

No caso de Niemeyer, embora utilize de modo coerente as potencialidades estruturais do concreto (o principal material por ele utilizado, aliás), raras vezes assumirá as qualidades plásti-cas desse elemento construtivo: sua cor ou as marcas da forma, por exemplo. Não por acaso pintará frequentemente o concreto de branco. Mais do que isso: no caso de edifícios que pos-suam caráter mais nobre revestirá a superfície com placas de mármore sempre que a forma o permita. Confronte-se, por exemplo, as cúpulas do Congresso com os volumes do Panteão à Liberdade. O corte seco do Panteão possibili-ta o revestimento com placas de mármore. Isso já seria de difícil execução nas cúpulas do Con-gresso Nacional.

A meu ver, tanto a recorrência aos vo-lumes brancos quanto o revestimento em már-more (algo bastante frequente nas obras de Niemeyer) não se dão por acaso. Isso reafirma, a meu ver, a alusão à luminosidade clássica e o sentido escultórico da forma, marcado pelo re-curso a um material nobre da escultura.

A produção escultórica de Hans Arp é ou-tra referência que nos permite compreender o vín-culo de Niemeyer com a arte moderna. Fortemen-te influenciado por Brancusi, produziu do mesmo modo volumes densos, brancos, compactos. A diferença são as curvas sinuosas que definem o contorno de suas formas. É também um direcio-namento mais preciso para a liberdade plástica. A natureza, embora seja um ponto de partida para as suas formas, comparece tão só como um élan vital, um sopro de vida ou uma força cósmica a impri-mir vitalidade ao elemento inerte (a pedra). Assim são suas Concreções Humanas (1935), formas que transitam entre o orgânico e o mineral, elementos que significam a passagem de um estado a outro, “coagulação de que resultam a terra e os astros”. (Arp, Hans apud Jianou, 1973, 8).

Se produziu peças graciosamente sinuosas, ao mesmo tempo densas e compactas, Arp tam-bém realizou esculturas de corte seco, geométrico. Por vezes isso se dava num mesmo objeto escul-tórico: Rebento sobre Forma (1960), por exemplo.

Impossível abordar os volumes sinuosos de Niemeyer ou aqueles com corte mais geomé-trico sem nos lembrarmos das formas de Arp. Pense-se, por exemplo, no auditório da Bolsa do Trabalho (Paris, 1972) ou no Panteão à Liberda-de e à Democracia (Brasília, 1985). No caso des-te último, a alusão a uma figura alada é explícita. Porém, não se trata de mimese, e sim de uma abstração a evocar um elemento da natureza.

Se a referência à determinada vertente da escultura europeia apresenta-se a meu ver de modo evidente, vale a pena apontar, ainda que brevemente, alguns vínculos de Niemeyer com o contexto brasileiro. É preciso considerar primeiro que, fortemente marcadas pela arte eu-ropéia, as expressões artísticas brasileiras manti-veram-se ancoradas na produção do continente europeu (berço da arte moderna). De modo que foi a própria arte européia a base comum entre Niemeyer e os artistas brasileiros de sua geração.

Isso acontece em relação a Sérgio Camar-go, um artista cuja produção mantém flagrante vínculo com as formas de Oscar Niemeyer. A afinidade notória entre as formas de Niemeyer e os volumes elegantes e depurados de Camargo (especialmente aqueles realizados em mármore

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branco ou negro-belga) não se dá por acaso, por-tanto. Ambos têm em Brancusi uma referência comum, sendo os pontos de contato: a recorrên-cia ao volume, o caráter abstratizante da forma e também o sentido de despojamento da imagem.

Conforme apontara anteriormente, na fase pré-Brasília não era contudo a escultura de Arp ou Brancusi a principal referência para Nie-meyer. O ponto de partida eram os planos sinuo-sos de Kandinsky, Arp e Matisse. Era também o pós-cubismo europeu, que aqui comparecia for-temente na obra de Tarsila do Amaral, Portinari e Burle Marx, entre outros artistas dessa geração.

O caráter pós-cubista da pintura de Tar-sila aparece de modo claro, por exemplo, numa tela como A Negra (1923). Nesta obra, o volume escultórico da mulher articula-se a um fundo pla-nar, o qual, diferente da figura representada, não está todavia em perspectiva. Isso acontece tam-bém em muitas telas de Portinari e Burle Marx.[2]

Vale ressaltar que, diferente do construti-vismo, o pós-cubismo reunia artistas que manti-veram a referência à natureza e à perspectiva, ao

mesmo tempo em que incorporaram inovações como a estilização das figuras e a organização do espaço pictórico através de planos. Os cons-trutivistas, ao invés, mantiveram-se radicalmen-te avessos à representação naturalista, optaram pelas formas geométricas, sustentaram a noção do plano enquanto diretriz do espaço e ainda defenderam a aliança entre arte e indústria.

Ora, no caso de Niemeyer a aproxima-ção era evidentemente com o pós-cubismo, não com a radicalidade construtivista. A aproxima-ção era com o ambiente brasileiro, pós-cubista, onde a alusão à natureza implicava inclusive ra-zões regionalistas (o que constituía, aliás, uma heresia para os artistas construtivos).

O próprio Niemeyer já havia declarado que foi seu afastamento em relação a certo radi-calismo europeu o que permitiu a curva sinuosa, ou, nas palavras de Lúcio Costa, a “graça” de sua arquitetura.

A meu ver, o pós-cubismo europeu (for-temente presente no ambiente brasileiro) bem como determinadas expressões européias (entre

Nu Recostado, Henri Matisse

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elas Arp e Matisse) são, portanto, o que explica, na primeira fase de sua obra, a presença dos pla-nos sinuosos e a liberdade em tomar a natureza como ponto de partida da criação arquitetônica.

Se, depois dos anos 50, sua obra passa a aproximar-se da escultura abstrata (Arp, Brancu-si), isso se dá na esteira daquela influência inicial. Pois, do mesmo modo, não se trata de optar pelos preceitos da vertente construtiva, e sim de conce-ber formas que, longe de serem reprodutíveis ou formuladas segundo a lógica construtivista, articu-lam-se a questões que também pertencem ao pós-cubismo (como a referência à natureza e a ideia do volume enquanto valor inseparável da forma).[3] Se esswa leitura for correta, a singularidade da obra de Oscar Niemeyer consiste em ter vertido para a arquitetura o raciocínio pós-cubista e os princípios escultóricos da arte abstrata, acrescentando a tudo isso questões espaciais construtivistas e diretrizes do urbanismo modernista.

Talvez nisso consista, também, a originalida-de e o frescor de sua obra, para além das qualidades espaciais que sempre caracterizaram suas propostas.

Luis Eduardo Borda, arquiteto, doutor em Artes pela ECA/USP, professor da Faculda-de de Arquitetura e Urbanismo da Universi-dade Federal de Uberlândia, MG.

BIBLIOGRAFIA:

Bill, Max – O Arquiteto, a Arquitetura, a Socie-dade. Conferência proferida na FAU/USP em 09.06.1953. Publicada na Revista Habitat, n. 14, jan/fev. 1954.Borda, Luis E. - O Nexo da Forma. Oscar Nie-meyer: da Arte Moderna ao Debate Contempo-râneo. Tese de Doutorado. ECA/USP, 2003.Brito, Ronaldo – Sérgio Camargo. Cosac & Naif Edições. São Paulo, 2000.Cocchiarale, Fernando; GEIGER, Anna Bella – Abstracionismo Geométrico e Informal. A Vanguarda Brasileira nos anos Cinquenta. FU-NARTE. Rio de Janeiro. 1987. Doesburg, Theo van – Arte Concreta. In: AMA-RAL, Aracy - Projeto Construtivo Brasileiro na Arte: 1950 - 1962. Rio de Janeiro. Museu de Arte Moderna. São Paulo. Pinacoteca. 1977.___Os Dezessete Pontos da Arquitetura Neo-plástica. (1925). In: FUSCO, Renato – La Idea de Arquitectura – Historia de la Crítica desde Viollet-Le-Duc a Pérsico. Gustavo Gili. Barce-lona. 1976, p. 122.Jianou, Ionel – Brancusi. Adam Books. Lon-don, 1963.___ Jean Arp. Arted, Editions d’Art. Paris, 1973.Néret, Gilles – Henri Matisse. Cut-outs. Benedi-kt Taschen. Köln. 1994.Niemeyer, O. – A Forma na Arquitetura. Avenir Editora. Rio de Janeiro, 1978.Seuphor, Michel – Dictionnaire de la Pinture Abstraite. Fernand Hazan. Paris. 1957.Zílio, Carlos – A Querela do Brasil. MEC/FU-NARTE. Rio de Janeiro. 1982----------------------------------[1] Comentarei adiante o vínculo de Niemeyer com o Pós-cubismo.[2] Veja-se por exemplo o painel azul e bran-co de Portinari, na igrejinha da Pampulha. A imagem de São Francisco de Assis e as demais figuras que compõem o painel partilham o es-paço com os planos sinuosos e com as linhas curvas que definem a composição. Situação se-melhante comparece nas telas de Burle Marx, como o painel que realizou para o Iate Clube da Pampulha. [3] Neste sentido, aliás, a trajetória de Hans Arp é em certa medida semelhante à de Nie-meyer, ao mesmo tempo que anterior. Como Niemeyer, esse escultor transitou dos planos sinuosos (“formas livres”, como dizia Max Bill) para os sensuais volumes brancos, a evocar princípios de crescimento das formas naturais.

Dorso, de Arp.

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OMuseu de Arte Moderna de Cara-cas foi projetado em 1954, fase em que Niemeyer opera com menos materiais e formas mais definidas. Segundo ele, as obras de Brasí-

lia marcam, juntamente com o projeto para este museu venezuelano, uma nova etapa no seu tra-balho profissional. Etapa que se caracteriza por uma procura constante de concisão e pureza, e de maior atenção para com os problemas funda-mentais da arquitetura.

OBRAS

NA AMÉRICA LATINAPROJETOS

Museu de Arte Moderna de Caracas - projeto não executado

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A revista Habitat, da Argentina, edição de novembro de 2012, traz uma longa reportagem de capa sobre o projeto de Oscar Niemeyer para a Casa de Música, ressaltando a importância da iniciativa da prefeitura local e da secretaria de cultura argentina.

porto dA músicA nA cidAde de rosário, nA ArGentinA

Em Rosário, Argentina, o Porto da Música tem como projeto o traba-lho do importantíssimo arquiteto Os-car Niemeyer. Trata-se de um projeto com um teatro para 2.700 lugares, um centro administrativo, um centro de exposições, um restaurante, centrais técnicas e uma arena descoberta para grandes shows.

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embAixAdA brAsileirA em HAvAnA, cubA

A Embaixada Brasileira em Cuba conta com o projeto de um dos mais importantes arquitetos do mundo, Os-car Niemeyer. O projeto teve início em 2003. Com volumetria inusitada e escala avantajada, a futura embaixada brasileira em Havana surgirá imponente em meio a casas térreas.

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A universidAde dA inte-GrAção lAtino-AmericAnA

Por sua localização estratégica, em re-gião fronteiriça, Foz do Iguaçu, no Pa-raná, foi o local escolhido para abrigar a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). A ideia re-monta aos anos 80, mas somente no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, uma comissão foi criada pelo governo para estruturá-la. Com recursos de Itai-pu, projeto de Oscar Niemeyer, o com-

plexo de edifícios poderá abrigar até 10 mil alunos, em um terreno de 144 mil metros quadrados. Pelas estimativas, a universidade deve ficar pronta até 2014.

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PAIxÃO PELA LEVEZA

Almino Affonso

CRÔNICA

Voltando de viagem, antes de tomar posse como governador de São Paulo, Orestes Quércia teve um almoço comigo no Restaurante Massimo, regado por um generoso Barbaresco.

Em visita ao México, conhecera o Museu da Independência, onde se enfileiram, em estátuas admiráveis, as grandes figuras que lideraram a Inde-pendência dos países da América Latina.

Ali estavam, com a significação histórica de cada um, desde Simón Bolívar a San Martín, Bernardo O´Higgins, José Artigas e José Martí. Segundo revelou-me, a ausência de José Boni-fácio de Andrade e Silva, o Patriarca da nossa Independência, no referido conjunto estatuário, irritou o recém-eleito governador, ferindo-lhe o justificado orgulho nacional.

Nesse quadro, nascera-lhe a ideia de fa-zer erigir, em São Paulo, o Memorial da Amé-rica Latina, onde se homenageassem todos os grandes vultos da Independência da Venezuela, da Argentina, do Chile, do Uruguai, de Cuba, bem como a José Bonifácio, que plasmou o ideário de nossa Indepedência e, ao lado de D. Pedro I, a consolidara.

Já trazia amadurecida a intenção de convidar Oscar Niemeyer para assumir o projeto do Memo-rial da América Latina; o que mereceu de mim en-tusiasta aplauso. E assim foi feito, tão logo Orestes Quércia tomou posse no Palácio dos Bandeirantes.

Por oportuno, tomei a liberdade de sugerir-lhe que incluísse no curriculum escolar, do curso secundário, o ensino do espanhol, como já tivéra-mos nos anos 40. A razão de minha proposta era óbvia, tanto pelo significado cultural em si mes-mo, quanto pelas negociações diplomáticas que se faziam com vistas à instituição do Mercosul, que ampliaria a necessidade do conhecimento do belo idioma de Cervantes.

Acolhida minha sugestão, tive depois o pra-zer de vê-la convertida em decreto, numa solenida-de no Palácio dos Bandeirantes, com a presença de cônsules da América Latina e, por feliz coincidência, do grande chileno Jacques Chonchol, consagrado Ministro da Reforma Agrária no Governo de Salva-dor Allende, que estava de passagem por São Paulo.

A obrigatoriedade do estudo do espanhol em nossa formação ginasial, lamentavelmente, não prevaleceu. Um conjunto de obstáculos, até mes-

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Acima, a passarela apoiada em piloti; abaixo, já com a nova concepção projetada por Niemeyer.

mo a falta de professores em número adequado, tornou inviável minha proposta. Mas voltemos ao essencial, ao Memorial da América Latina.

Niemeyer, ao aceitar o convite que o gover-nador Quércia lhe fazia, ponderou que seria desejá-vel ouvir o Professor Darcy Ribeiro, cuja visão hu-manista com certeza enriqueceria a concepção do projeto. De imediato, o governante paulista aceitou a sugestão e promoveu um novo encontro, já ago-

ra com a presença do irrequieto homem público e consagrado cientista social, cuja agilidade mental fascinava a quantos o ouvissem.

Pois assim foi, no diálogo com o gover-nador Quércia. Pedindo vênia, de pronto Dar-cy Ribeiro articulou, em linhas gerais, o que lhe parecia devesse ser o Memorial da América Latina, no qual se organizaria a mais completa biblioteca sobre a América Latina, ao mesmo

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tempo valorizada pelas obras, as mais diversas, dos escritores latino-americanos. O argumen-to de Darcy Ribeiro era inquestionável: como continuaremos a bater às portas das Universi-dades da América do Norte, toda vez que se quiser estudar a América Latina? Deveremos aceitar, passivamente, que nos Estados Unidos se reproduza o arquivo ultramarino de Lisboa, onde se acumulara, ao longo de 300 anos, a maior coleção de documentos sobre nosso pe-ríodo colonial?

As palavras brotando em catadupas – o que lhe era habitual –, Darcy Ribeiro foi desenhando o Memorial da América Latina, onde se criaria, com-pletando a grande síntese que a Biblioteca encarna-ria, o Pavilhão de Arte Popular, rico de cores e for-mas, com artesanato mexicano, incaico, boliviano; e, como se não bastasse, distribuindo, a cada dois anos, o Prêmio de Literatura para a melhor obra de autor latino-americano. Na sofreguidão que a cria-tividade lhe impunha, as palavras atropelando-se, Darcy Ribeiro ainda encontrou vaga para propor um Teatro Latino-Americano, onde se encenassem peças de nossos dramaturgos, danças folclóricas, orquestras sinfônicas, um teatro aberto ao povo para que, pela cultura, a integração latino-americana deixasse de ser um mero enunciado.

Desnecessário dizer que, com essa visão de conjunto, as estátuas dos grandes próceres latino-a-mericanos perdiam significado: eles estariam vivos nos livros, nas artes, na beleza da obra arquitetônica que Niemeyer saberia criar. Como é óbvio, a expo-sição de Darcy Ribeiro fora assentada previamente com Niemeyer, e portanto contava com seu apoio integral.

Tudo o mais foi consequência desse encon-tro luminoso de dois seres dotados pelos deuses, Niemeyer e Darcy Ribeiro. Contudo, é de justiça ressaltar que o Memorial da América Latina não teria brotado do chão – como expressão de cultura nacional – se não houvesse contado com o entu-siasmo do governador Orestes Quércia, vencendo obstáculos de natureza financeira e resistências de setores de nossa intelectualidade.

Com efeito, por um lapso rigorosamente involuntário, ao entregar o comando de concepção e edificação da mais notável obra de seu governo, no plano cultural, àquelas duas personalidades in-questionáveis, o governador Orestes Quércia não tivera o cuidado de constituir uma comissão con-sultiva, algo que permitisse à inteligência paulista ter um espaço onde opinar, onde pudesse sentir-se representada.

Compreensivelmente, essa omissão criou antagonismos, feriu suscetibilidades. Não quero julgar o episódio. Constato o fato. Entretanto, na

realidade, isso foi-se tornando incômodo. A obra já se impunha em suas linhas arrojadas, esculturas e telas de artistas de renome nacional a complemen-tar-lhe a beleza; e a intelectualidade paulista, salvo exceções, simplesmente a ignorava.

Foi nesse contexto que o governador Ores-tes Quércia fez uma viagem ao exterior, em caráter oficial, o que me levou a assumir o Governo do Estado, interinamente, ao longo de quase um mês. Valendo-me de relações pessoais, promovi uma conferência de Oscar Niemeyer sobre o significado de sua obra mais recente e convidei a assisti-la, sabe Deus com que empenho, a nata da intelectualidade de São Paulo, arquitetos e engenheiros, as maiores figuras das artes plásticas, expressões consagradas da literatura, críticos de diversas grandezas e jorna-listas o quanto pude.

Foi um sucesso, sem precedentes, no que diz respeito ao Memorial da América Latina. Na sala de leitura da biblioteca, improvisando um audi-tório, ao longo de um tempo sem limites, demos a palavra ao genial poeta das formas. Bastava o salão da biblioteca, com seus 90 metros de vão – “recor-de em construção civil”, como o próprio Niemeyer assinalou –, para que se sentisse a grandeza do mo-mento. Com a modéstia contrastante, Niemeyer fez uma retrospectiva de sua obra, quero dizer de suas características fundamentais.

O auditório parecia fascinado. À medida que expunha, Niemeyer ia desenhando, em traços rápidos, em enormes folhas de papel penduradas na parede, as linhas características, as curvas, os con-tornos, conforme a evolução de sua trajetória, desde Pampulha ao Parque Ibirapuera, desde Brasília ao Memorial da América Latina, sem esquecer o que deixara para sempre na Argélia, na França, na Itália.

Comovedor, no entanto, era vê-lo arrancar da parede o papel desenhado, enquanto se apres-tava a outros traços ilustrativos de sua exposição, um após o outro. E à medida que o papel caía no chão, sobre ele se precipitavam admiradores an-siosos por guardá-los, num recordatório da beleza daqueles instantes. Tenho orgulho em poder dizer: daquele dia em diante, rendida diante da modéstia e da grandeza de Oscar Niemeyer, a intelectualidade paulista incorporou a seu patrimônio o Memorial da América Latina.

Feita essa digressão, com absoluta fidelida-de, quero referir-me a um detalhe que ressalta, de uma maneira emocionante, a paixão de Niemeyer pela leveza de sua arquitetura. Naquela manhã, eu fora buscá-lo no Hotel César Park, onde estava hospedado. Sem rodeios, Niemeyer entregou-me a carta que eu aqui reproduzo, para não empobrecer-lhe o conteúdo com minha síntese:

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Prezado amigo Almino: O que caracteriza e entusiasma os que visitam o Me-

morial é o arrojo de suas estruturas. Vãos de 90 e 60 metros, balanços espetaculares etc. So-

mente a passarela, que conta muito no conjunto, espanta os visitantes com colunas em demasia, uma delas, inclusive espetando o eixo do vão maior.

No intuito de corrigir esse aspecto estruturalmente desa-gradável, propus ao governador Quércia eliminar esse apoio, trans-formando um detalhe negativo em mais um ponto de surpresa e interesse técnico do projeto.

“Estou de acordo. Você como arquiteto do Memorial tem o direito de lutar pela sua arquitetura”, foi sua decisão.

Por outro lado minha ideia não oferece problemas maiores: -já está detalhada;-garante ao conjunto a unidade indispensável;-será realizada fora dos outros prédios;-o custo nada representa, considerando-se que o volu-

me da obra é recompensado com a solução que propus, redu-zindo mais de 2.000mts² de vidros e caixilhos no auditório.

Mas a obra precisa ser iniciada imediatamente e para isso, Almino, conto com a sua sensibilidade.

Obrigado.

São Paulo – SP, 13 de janeiro de 1989.

Sensibilizou-me imenso o gesto de Nie-meyer. O que pleiteava, já contava com a concor-dância do governador Orestes Quércia. A mim só me impunha fazer com que se cumprisse o apelo do Artista, e esse compromisso eu assumi com ele que honraria, no curto tempo em que es-tivesse como governador do Estado. Ao término da conferência, fui com ele até a passarela malsi-nada. Era evidente a feiura das colunas a espetá--la, para repetir os dizeres de sua carta. Reuni-me de imediato, em sua presença, com o presidente do Metrô (empresa encarregada pela supervisão da obra, em nome do Estado) e com o diretor da Construtora Mendes Júnior, em São Paulo, enge-nheiro Airton Brega, responsável pela edificação do Memorial.

Pedi ao Niemeyer que apresentasse sua alter-nativa: em lugar das colunas “espetando” a passarela, uma coluna lateral, que se projetaria como um bra-ço para o outro lado da passarela, dando-lhe assim a sustentação devida. Feita a exposição, dei ordens ter-minativas: “quero essa correção pronta antes que eu termine meu período no governo do Estado”.

Cada vez que cruzo pelo Memorial da Amé-rica Latina e vejo a passarela, como uma serpente flutuando, de uma leveza que custa acreditar, eu sin-to uma ponta de vaidade por haver contribuído para que ela se fizesse assim, unindo os espaços daquele monumento. Todavia, sobretudo, me impressiona relembrar o quanto Niemeyer se entrega à sua con-cepção artística. A carta que ele me escreveu, aqui reproduzida, diz o essencial. No entanto, não traduz a emoção com que ele falava ao longo do trajeto do Hotel César Park ao Memorial da América Latina. Não atender-lhe o apelo, era ferir-lhe a sensibilidade com que via, na leveza de sua obra, um dos aspectos mais belos de sua criação artística.

Ao dar seu depoimento sobre sua obra, referindo-se às colunas dos Palácios de Brasília (sobretudo do Palácio da Alvorada, a meu ver) ele escreveu: “e me esmerei nas estruturas procuran-do fazê-las diferentes e as colunas finas, finíssimas para que os palácios parecessem apenas tocando o chão”.

Em seu belo poema, Lição de Arquitetura, Ferreira Gullar fez a síntese da obra de Niemeyer:

“Oscar nos ensina que a beleza é leve.”No episódio da passarela, eu havia

aprendido essa verdade. São Paulo – SP, 2 de janeiro de 2002.

Almino Affonso é presidente do Conselho Curador da Fundação Memorial da América Latina e autor de Raízes do Golpe, entre outras obras.

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PARCERIA

Oscar Niemeyer é o fato cultural mais importante que sucedeu ao Brasil. Que seria de nosso passa-do sem o Aleijadinho? Estaría-mos deserdados, empobrecidos, na mesma proporção em que ele,

tendo existido, dignificou o nosso povo. Demonstrou como e quanto nossa gente mestiça é dotada da mais alta criatividade artística e cultural. Oscar é a mesma coisa, hoje. Um longo hoje, feito das décadas que ele vem iluminando com seu talento, através de obras de esplêndida beleza, distribuídas mundo afora.

DARCY RIBEIROPOR

O ARQUITETO

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Oscar é o maior artista vivo de nosso tem-po. É o primeiro brasileiro que alcança essa cate-goria ímpar. Enquanto viveu Picasso, pensava-se que fosse ele. Agora, não há mais dúvida possível. É mesmo Oscar o artista que se imprimirá, indelé-vel, nesse fim de século para durar na memória dos homens do próximo milênio e até depois. Assim é, porque de ninguém se pode dizer, em tempo algum, que tenha feito tantas obras de beleza assi-nalável como as melhores do seu tempo.

Bastaria ver Brasília. Uma cidade-capi-tal inteira, saída toda de seus riscos, ornada dos

únicos palácios da arquitetura moderna, esplên-didos palácios: o Alvorada, o Planalto, o Supre-mo Tribunal, o Congresso, o Itamarati e a Ca-tedral mais majestosa e bela que jamais se viu.

Brasília, que é tudo isso, é, tão-só, uma das obras do Oscar. Antes, ele desenhou a Pam-pulha, onde forçou a arquitetura mundial a dar a volta por cima, a mudar de rumo. Até então, prevalecia a tacanhez do funcionalismo exacer-bado. Ali se reconheceu, explicitamente, pela primeira vez, que a beleza é a única função im-portante, porque é a única capaz de dar perma-nência a uma obra arquitetônica.

Depois de Brasília, Oscar fez outras mara-vilhas: a Universidade de Constantine, por exem-plo, que permanecerá até o fundo dos tempos,

graças a Oscar, provando a altivez dos homens que fizeram a Revolução Argelina. O Espaço Os-car Niemeyer, do Havre, onde uma praça, mile-narmente varrida do sal e do frio das ventanias do Mar do Norte, se abriga sob uma cobertura e se alça em estupendas edificações. Quando a vi, caí de espanto e de medo de ver caírem de seus muros curvos os jovens que dançavam, subindo e descendo. O Memorial da América Latina, que fará de São Paulo, um dia, a capital da Nação La-tino-Americana, é, acho eu, a mais arrojada e bela das obras arquitetônicas de nosso tempo.

E há mais, muitíssimo mais. Inclusive a obra arquitetônica mais multiplicada, que são os CIEPs. São 500 escolões em concreto pré-moldado que, fabricados industrialmen-te, permitiram reduzir um terço do custo de construção. Cada um deles receberá 1.000 crianças e jovens, diariamente, para lhes dar uma oportunidade efetiva de ingressar na civilização letrada. Eles são o que de mais importante fez o Brasil em matéria de edu-cação. Testemunhei, com gosto, o gozo com que Oscar projetou o protótipo e a paciência com que adaptou, um a um, aos terrenos em que foram edificados. Alegre de estar dando obras tão belas à criançada das áreas mais po-bres do Rio.

Amigos e interlocutores, Darcy Ribeiro e

Niemeyer trabalharam juntos em vários

projetos, um deles é o Memorial da América Latina. Darcy, como

antropólogo intelectual atuante, desenvolveu o conceito que norteia a instituição, e Niemeyer

concebeu os sete edifícios que compõem o complexo de 80 mil

metros quadrados.

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O mínimo que podemos e devemos fa-zer, frente a Oscar, é adiantar a ele expressões de admiração que as futuras gerações lhe tri-butarão, generosamente. Apesar de inverossí-mil, a verdade é que às vezes nos deparamos com expressões de inveja da mediocridade, que reage raivosa à obra de Oscar. Isso ocorre, inclusive, na Universidade de Brasília que nós criamos. Seu Departamento de Arquitetura, composto com gente laçada na macega goiana, para suceder a equipe de Oscar, que se negou a ficar numa universidade avassalada pela dita-dura, fez praça dessa mediocridade. A opinião que ali prevalece, oposta à obra de Lúcio e de Oscar, é fato teratológico, tanto mais espanto-so porque a arquitetura e urbanismo de Brasília são as únicas coisas que a UnB tem para mos-trar ao mundo. E que seguramente mostrará, nas décadas futuras, em que quantidades de jovens e velhos arquitetos quererão conhecer, ver, com seus olhos, esse acontecimento extra-ordinário, no campo das artes, que é Brasília.

Embora indiferente a essas reações, mesmo porque muito mais numerosas e auto-rizadas são as expressões de inteira admiração de alguns dos homens mais lúcidos do mundo à sua obra, Oscar se preocupa supremamente em compreender e explicar teoricamente suas cria-ções. Cada um dos seus projetos é apresentado com um memorial, sempre muito bem escrito e sempre lúcido na argumentação.

A extraordinária criatividade de Oscar podia, até devia, dispensá-lo desse esforço, di-zendo: os idiotas que se danem! Oscar jamais as-sumiu esta atitude soberba, de um artista mun-dialmente reconhecido, diante da crítica e do público. Justifica, defende e explica cada criação.

Não é tarefa fácil porque, fazendo sempre coisas novas, diferentes de tudo o que se fez antes, mesmo porque seu forte é a inven-tiva, ele se dá a um esforço enorme para nos ajudar a compreender o que faz de tão inespe-rado. Até impensável, até que ele o tenha feito.

Vi Oscar criar muitas de suas obras, Brasília, principalmente. Depois, a Universida-de de Brasília e a Universidade de Constantine. Ultimamente, o Memorial da América Latina. Guardarei sempre comigo a memória da per-plexidade com que vi, tantas vezes, Oscar criar alguns de seus projetos mais ousados e reno-vadores em dois ou três dias. Bem sei que são dois ou três dias acima de trinta, cinquenta anos de dedicação e de reflexão. Mas nunca vi, em tempo algum, nada de tão ousado como a liber-dade plástica que Oscar se dá como arquiteto e a coragem com que ele cria as coisas mais ines-peradas, como se fizesse obra trivial, ínclita. Por este caminho é que, ao longo de décadas, ele foi construindo um padrão oscárico, que hoje é um dos pendores da arquitetura mundial. Não é impossível que, amanhã, se fale de arquitetura oscárica como um substantivo comum.

Que ninguém se engane pensando que Oscar é um arquiteto brasileiro, inspirado nas curvas de nossas belas mulheres e de nossas ma-jestosas montanhas. Qual! Nada disso. Oscar é a realização até o limite da capacidade humana de criar beleza. Que seria de nós, que seria do mun-do, sem Oscar Niemeyer? Que seria de nós, se se houvesse multiplicado só essa horrível arqui-tetura mercantil, que constrói a imensa maioria dos prédios que se erguem no mundo inteiro? Ou essa arquitetura pretensiosa dos caixotes de vidro, ou angular, ríspida e pontuda dos perfis de aço de que é feita? Felizmente, Oscar surgiu no mundo como o arquiteto do concreto. Um arquiteto à altura da plasticidade incomparável que esse novo material oferecia à arquitetura, para que ela se fizesse mais livre e mais bela.

Há outros Oscares, além do arquiteto, pouco conhecidos: o escultor, o criador de mó-veis, o desenhista primoroso, o escritor, aliás, grande escritor. Sua obra mais realizada nes-se campo é uma autobiografia inédita. Nela, Oscar se desdobra, revivendo em palavras os recordos mais sentidos de sua vida inteira: a

Oscar Niemeyer,

Leonel Brizola e Darcy Ribeiro.

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infância, a formação, as obras, os amores. De-pois de publicada, muita gente vai poder sentir a grandeza desse ser humano, que é Oscar Nie-meyer, o amigo dedicado, o amante amoroso, o conversador brincalhão, o homem seríssimo que carrega nos ombros o peso das tristezas deste mundo, com o mais agudo sentido de responsabilidade social.

Nesse mesmo volume, o leitor tem uma boa mostra da alta qualidade dos textos de Os-car. Alguns são registros testemunhais de mo-mentos vividos. Outros são vivos relatos de acontecimentos recordáveis. Alguns são apre-ciações agudas, com reflexões críticas sobre a arte, o destino, os amigos, a vida, a morte.

Para começar, leia Testemunho, em que Oscar dá um balanço de sua obra arquitetôni-ca inumerável. Leia, depois, Nuvens, para sentir a pureza do estilo literário de Oscar. A seguir, Depoimento, em que Oscar reconstitui suas vivên-cias políticas como comunista confesso, desde

os tempos de JK, até os anos terríveis de arbítrio e mediocridade da ditadura militar. Na obra De-poimento, vê-se como Oscar sempre permanece igual a si mesmo, sempre fiel às suas lealdades básicas, de artista e de homem. Essencialmente, ao seu sentido de responsabilidade pelos desti-nos do povo brasileiro.

Esse livro é todo um painel das vivên-cias de Oscar. Lave os olhos em suas obras de arquitetura aqui retratadas. Os seus desenhos, belíssimos. Os seus móveis, as suas esculturas, inclusive a Tortura nunca mais, que ainda não foi edificada, mas o será um dia, para constituir uma das mais belas criações arquitetônicas de todos os tempos. Sem dúvida, a mais expressiva. De-pois, diga-se a si mesmo se eu não tenho razão de dizer que Oscar é a coisa mais bela e impor-tante que nos sucedeu.

Texto extraído do livro Meu sósia e eu, de Oscar Niemeyer.

Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer em um momento de trabalho.

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ENTREVISTA

Vou ao escritório de Niemeyer com Peter Godfrey, jornalista inglês co-munista. Enquanto esperamos pelo arquiteto ele se debruça, sedento, sobre o mais recente lançamento

do mestre, uma compilação das suas principais obras e projetos nos últimos dez anos. Repentina-mente, se faz silêncio no escritório. Oscar chegou. Ele me olha bem nos olhos e diz em voz baixa: “E você quem é?” Entre os dedos, uma cigarrilha. Chegamos bem pertinho e iniciamos a conversa.

M...TER MAIS DE 100 ANOS É UMA

Eduardo Rascov e Peter Godfrey

Oscar Niemeyer

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Eduardo Rascov – Trabalho no Memorial da América Latina e este é meu amigo Peter Godfrey, jorna-lista do Morning Star, antigo tablóide comunista inglês. Ele veio de Londres e percorreu o Brasil, mas não podia ir embora sem antes fazer umas perguntas para o senhor.

Peter Godfrey - Sei que você agora está muito ocupado com projetos novos, não?

Oscar Niemeyer - Estamos trabalhando, procurando sempre a surpresa. Porque aquela ideia do Bauhaus de arquitetura – “a máquina de habitar” – era a maior bobagem, a ar-quitetura pode ser útil e ser bonita. Criar espanto. Nossa ar-quitetura objetiva atender o programa apresenta-do, mas a gente quer coisa que cria um pouco, que surpreenda quem vê. É aproximar a arquitetura duma obra de arte, quando a emoção e o espanto representam a característica principal.

E.R. - E o senhor ainda se surpreende com o resultado de sua criação?

O.N. - Eu não sou mágico, não. A arqui-tetura é sempre uma surpresa. O passado acabou. A arquitetura hoje é para você utilizar o concreto

em toda a sua possibilidade. Não há mais razão para fazer uma arquitetura simples, retilínea, por-que no concreto ficou mais fácil…. Antigamente, por exemplo, na Renascença, eles iam fazer uma cúpula e não passavam de 30, 40 metros. Hoje a gente pode fazer com 200 metros.

P.G. - A política se expressa também no de-senho?

O.N. - Aqui no escritório, a gente tem que dar o exemplo. Há cinco anos vem um cientista aqui conversar com a gente toda terça-feira. Pri-meiro ele falava sobre filosofia, história, agora é mais sobre o cosmos. Então a gente sai de uma aula sobre o cosmos se sentindo menor, mais mo-desto. As coisas não são tão importantes assim, o homem é um fodido mesmo

P.G. - Pensando ainda o elemento político da ar-quitetura, você não quer uma arquitetura simplificada, não?

O.N. - A arquitetura é uma coisa. A políti-ca é outra. É fazer o mundo melhor. O dia em que a gente puder influir na arquitetura vai ser diferen-te. As casas serão mais modestas, mas os gran-

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Niemeyer em 2007, no seu estúdio em Copacabana.

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des empreendimentos humanos, os teatros, os estádios, os cinemas serão maiores ainda, porque todos poderão acessar. Hoje em dia, o arquiteto trabalha para o governo, para os ricos, o pobre está fodido, o pobre vê aquilo tudo de longe… Os ricos do Brasil, a elite ignorante, se encerra em cada apartamento de luxo! Os mais pobres estão nas favelas, são olhados por essa elite como gente ignorante, quase inimiga. Isso tende a acabar.

P.G. - Pelo seu sobrenome, eu queria perguntar se tem alguma ascendência judia?

O.N. - Não, meu nome é Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares. Ribeiro e Soares são portugueses, Almeida é árabe. Eu devia me cha-mar Oscar Ribeiro de Almeida, porque convivi a vida inteira com meu avô. Mas o nome estrangei-ro contou mais. Eu tenho agora vontade de assi-nar Oscar Niemeyer e Ribeiro de Almeida, pela minha ligação com o meu avô.

E.R. - O que o senhor achou da eleição do presi-dente Barack Obama?

O.N. - Eu gostei, é uma boa figura. Mas nós não podemos querer demais dele, eu tenho a impressão que ele está tentando fazer o que pode, mas não pode de repente mudar tudo. Mas só criando uma situação favorável a Cuba já mostra que é uma pessoa mais evoluída, porque o Bush é um merda, ameaçou o mundo inteiro.

E.R. - O senhor ainda acredita que o comunismo tem um papel no mundo de hoje?

O.N. - Queremos tão pouco. Queremos que o homem seja igual, de acordo com a capaci-dade de cada um. Queremos que o homem olhe o outro com fraternidade e não procurando defeito, todos nós estamos juntos no mesmo barco. Veja a história, aqueles grandes imperadores sempre travando guerras, quando chega em Karl Marx parece que a vida se ilumina.

P.G. - No Brasil tem muita televisão, muita no-vela, não?

O.N. - Ah, uma merda, novela em geral mostra o mundo pior do que ele é, um grupo de pessoas se agredindo, cenas mais deprimentes… algumas são melhores que outras, mas…

P.G. - É um mundo consumista…O.N. - Na verdade, é tudo briga por negó-

cio de dinheiro…P.G. - Você sempre escolheu muito bem seus co-

laboradores…O.N. - É, eu gostava. Di Cavalcanti, por

exemplo, eu gostava de trabalhar com ele, porque de todos era o mais inteligente, o mais informado, ele sabia das coisas, era culto. Sujeito muito forte.

P.G. - Para manter o espírito jovem tem que ter uma atitude como a da criança de maravilhar-se, de espan-tar-se…

O.N. - Acho que a vida é difícil, a gente fica mais velho e vai se despedindo dos outros. A vida não tem muito sentido, não. Mas ela é mais digna se predomina essa vontade de ser útil, de

Niemeyer em 1988, durante uma visita ao canteiro de obras do Memorial da América Latina.

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ajudar o outro. O resto, isso de se dar importância é uma merda, ninguém é importante.

P.G. - E a beleza, também é importante para você?

O.N. – Darcy Ribeiro dizia que a beleza e a mulher são fundamentais. É como eu disse a você: A vida? É mulher do lado e seja o que Deus quiser. Que ainda a coisa boa que a gente faz é trepar.

E.R. - Oscar, como é viver mais de 100 anos?O.N. - É uma merda. É uma merda por-

que você se despede de muita gente. Por exem-plo, eu agora quero ir a Paris.

P.G. - Naquela época dos militares você sentiu muito medo?

O.N. - Não. Fui chamado na polícia di-versas vezes, mas não sofri nada.

E.R. - O senhor tem até uma foto do Luís Carlos Prestes em seu escritório. O senhor era muito amigo dele?

O.N. - O Prestes vinha para o Brasil e pre-cisava arranjar uma casa para ficar. Eu comprei um apartamento e dei para ele. Fiquei muito satisfeito com isso. Quando ele saiu da prisão (em meados da década de 1940) foi para o meu escritório na Rua Conde Lage, no Rio. Disse pra ele, você está fazendo um trabalho mais importante do que eu, fica com esse escritório que eu vou procurar outro lugar. Ele transformou meu escritório em “comitê metropolitano”. Era uma figura fantástica.

P.G. - Você ainda é militante comunista?O.N. - O partido está fraquinho…E.R. - O PCB tornou-se PPS…O.N. - É, mas eu não tomei conhecimen-

to disso. O meu é o mesmo partido, do tempo antigo. O partido está menos conduzido neste momento. Não tem influência, o pessoal não tem acesso. Mas vai melhorar. Vai melhorar. Sua filosofia é tão natural.

P.G. - Você escreve também…O.N. - É, eu escrevo.E.R. - Como é sua rotina de trabalho?O.N. - Hoje, por exemplo, atendo quem

vem falar comigo pela manhã. E trabalho de-pois do almoço até onde der.

P.G. - Você fuma muito?O.N. - Não. Sempre fumei muito pouco,

mas agora fumo mais quando estou trabalhan-do, entre uma dúvida e outra…

P.G. - Muito obrigado por tudo, os projetos dos últimos dez anos são emocionantes.

O.N. - Quando passarem pelo Rio de Ja-neiro outra vez e quiserem subir para conversar, é só apertar a campainha.

(Trecho da entrevista publicada pela re-vista Brasileiros.)

Eduardo Rascov é editor do site do Memorial da América Latina. Peter Godfrey é jornalista inglês.

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Fábio Magalhães

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Chaise Longue - década de 1970.

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Normalmente os arquitetos estão vincu-lados ao designer. A própria palavra designer, em inglês, define tanto o projeto do objeto quanto o projeto arquitetônico. Em português, porém, não temos uma palavra que defina ambas as coisas. O que temos em português é projeto e desenho, que são coisas muito distintas. O desenho aqui é entendido como projeto, como vontade de ser. Ou seja, é uma ideia à qual você dá forma.

No caso da relação entre designer e ar-quitetura, temos o projeto do espaço e o pro-jeto do objeto. Um é arquitetura e o outro é o designer, mas é uma fronteira muito tênue entre ambos, como concepção, como ideia. Por isso a maioria dos grandes designers são arquitetos e têm formação de arquiteto.

O próprio Oscar Niemeyer, embora mui-to conhecido como arquiteto, teve uma produção expressiva como designer. É bom lembrar, aliás, que o design de Niemeyer é feito em parceria com sua filha Ana Maria Niemeyer, recentemente falecida. A concepção do projeto é de Niemeyer. E o desenvolvimento do objeto concebido por ele tem a participação de Ana Maria.

O design de Niemeyer está muito vin-culado à sua arquitetura. Ele é muito expressi-

vo como arquiteto, mas seguramente também como designer. As formas e os objetos que ele produziu, sobretudo na área de mobiliário, também têm a referência marcante das curvas, como na arquitetura. Você sente as curvas nos desenhos dos seus objetos.

Ele tem uma cadeira, por exemplo, cha-mada chaise longue, que tem formas curvilíneas, que lembram muito as curvas da sua arquitetura. É uma cadeira clássica do Niemeyer e talvez seu design mais famoso. Várias das cadeiras que ele concebeu seguem o design das curvas.

Destaco ainda, em relação a seus objetos, que Niemeyer sabe escapar do supérfluo, ir ao es-sencial. Embora ele se preocupe com a beleza, pri-vilegia também a simplicidade das formas a serviço da funcionalidade e do conforto, no caso das ca-deiras. Ele se volta para a beleza, coerente com sua arquitetura, mas faz um objeto substantivo, sem supérfluos, sem coisas agregadas. Nas cadeiras, ele usa madeiras brasileiras, além de metal, couro e palha. Certamente as cadeiras que ele desenhou sempre serão destaque na produção mundial.

Fábio Magalhães é historiador, crítico e curador do Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba.

Poltrona baixa - Módulo (1980).

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Poltrona baixa - Módulo (1980).

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TRAÇO

O GESTO SENSUAL DO

POETA DAS CURVAS

Oscar Niemeyer

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Sempre defendi a importância que tem para qualquer arquiteto ou artista plástico uma boa experi-ência do desenho figurativo. Mesmo se na sua profissão não tiverem interesse ou necessidade de desenhar uma figura humana, aquela prática lhes dará a habilidade manual do desenho à mão livre. Quando redigi, em Alger, uma reforma do ensino da arquitetura, três coisas propunha. Uma, que o estudante aprendesse a escrever corretamente, de forma a defender com clareza seus projetos. Outra, que saísse da escola consciente deste mundo injusto que o espera, pronto a assumir uma posição so-lidária e coerente. E outra, principal, que soubesse desenhar. Não o desenho técnico feito com régua e esquadro, mas o desenho a mão livre que, como disse, vai lhe permitir com facilidade conceber os croquis e projetos que seu trabalho de arquiteto reclama, desde o traço inicial.

Sem essa base fundamental tanto o arquiteto como o artista plástico seguem, sem querer, o caminho mais simples e menos criativo, e certamente por isso, como se vê com frequência, muitos são obrigados a defender a própria deficiência utilizando velhos argumentos de purismo que não lhes tiram o sentido inevitável.

Inserido no desenho, um campo novo e paralelo de atividades lhes é oferecido, e o arquiteto principalmente se sentirá mais integrado nas artes plásticas, que afinal fazem parte da sua arquitetura.

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MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA

HOMENAGEM

Rodrigo Queiroz

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Em frente, prédio do Salão de Atos, e ao lado, a Biblioteca Victor Civita

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A arquitetura de Oscar Niemeyer con-tém um ideário de intenções e desejos com-preendidos em um processo reflexivo que já perdura há sete décadas. Em 2006, o projeto que marcou a presença de Niemeyer no cená-rio da arquitetura moderna ocidental, come-mora setenta anos: trata-se da sede do Minis-tério da Educação e Saúde Pública do Rio de Janeiro. Desde então, a quantidade de obras idealizadas pelo arquiteto já superou a barrei-ra dos três dígitos.

Mas certamente, o mérito de Niemeyer não reside na quantidade de projetos, mas na capacidade de criar beleza a partir de um mé-todo de trabalho absolutamente racional, me-tódico e obstinado.

Em seus depoimentos, Niemeyer sempre ressalta a importância do contraste entre a for-ma simples e a forma inventiva e como a racio-nalidade de uma valoriza a expressão formal da outra. Contudo, em projetos com um maior teor de complexidade espacial, que exigem o arranjo de diversos objetos para a devida distribuição do programa, o arquiteto se vê obrigado a abrir mão da solução do contraste entre dois volumes e es-pecula a solução que permite a utilização de um vasto repertório de formas sobre um único pla-no horizontal, como podemos notar no Centro Administrativo em Recife (1982), e no Centro de Convenções na Barra da Tijuca (1997).

Quando associamos o processo con-ceptivo dos numerosos projetos de Niemeyer

Parte externa do Auditório Simón Bolívar

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a uma simples equação combinatória entre um repertório restrito de formas associado a um sistema compositivo elementar, não estamos subtraindo o caráter genial e singular de suas obras. Ao contrário, mostramos a capacidade que ele tem de expandir seu universo ao infini-to de possibilidades, justamente porque limita a abrangência de seu problema a um mero sistema de formas e de composições espaciais. Tal habi-lidade, que consiste em transformar a regra em invenção plena, também pode ser diagnosticada em artistas como Pablo Picasso.

Apesar dos diversos projetos caracteri-zados pelo partido que adota a utilização de vá-rios volumes em um mesmo sítio, pouquíssimos foram executados: o Conjunto Arquitetônico da Pampulha (1943); o Conjunto Arquitetônico do Parque Ibirapuera (1951); o Centro Cívico de Brasília (Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes — 1958); o Centro de Exposições em Trípoli (1962); a Universidade de Constan-tine na Argélia (1962); o Memorial da América Latina em São Paulo (1986) e o Caminho Nie-meyer em Niterói (2000—em construção).

Podemos dividir em duas categorias os projetos citados acima: aqueles em que a raciona-lidade da grande maioria dos objetos estabelece uma relação de contraste com um ou mais objetos de expressão formal mais pronunciada; e aqueles em que cada edifício do conjunto possui uma au-tonomia plástica própria e a unidade arquitetônica é dada pela diversidade estética dos edifícios.

Na primeira categoria, poderíamos citar o Conjunto Arquitetônico do Parque Ibirapue-ra, a Universidade de Constantine e a Exposição em Trípoli. Os projetos que ilustram a segunda categoria têm quase sessenta anos de diferença: são o Conjunto Arquitetônico da Pampulha e o Caminho Niemeyer.

O único projeto de Oscar Niemeyer ca-racterizado pela utilização de diversos objetos e que não se enquadra em nenhuma das duas categorias descritas é o Memorial da América Latina em São Paulo. A relação hierárquica en-tre os volumes do Memorial não é tão evidente como no caso da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes, onde se nota a du-alidade existente entre objetos de concepção formal mais simples e racional, como nos edifí-cios do Ministério, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal, e aqueles dotados de uma expressão formal mais pronunciada como os plenários do Congresso Nacional.

Do mesmo modo, não podemos asso-ciar o projeto do Memorial ao Conjunto da

Pampulha e ao Caminho Niemeyer, pois alguns objetos arquitetônicos do Memorial possuem uma mesma matriz formal, dada pela abóbada apoiada sobre pórtico.

Em projetos como a Universidade de Constantine e o Conjunto do Parque Ibirapue-ra, Niemeyer elege a barra suspensa de propor-ção horizontal para criar o contraponto com os volumes de forma livre (auditório em Cons-tantine e a Oca no Ibirapuera). Nesses casos, os edifícios de forma serena e simplificada, são encontrados em maior número, se comparados aos de forma livre.

A análise desses projetos, sob a luz da ideia de unidade arquitetônica dada pela relação de contraste entre o todo (forma racional) e o específico (forma expressiva) nos permite intuir que no projeto para o Memorial da América Latina o “todo racional”, expresso pelas barras longilíneas suspensas nos projetos anteriores, dá lugar às abóbadas apoiadas sobre vigas.

A ideia da abóbada apoiada sobre a viga, que caracteriza o conjunto do Memorial, advém do desejo de que o ponto de encontro das abóbadas não toque o solo. Tal solução pode ser diagnostica-da pela primeira vez na obra de Niemeyer, no Au-ditório da Universidade de Constantine na Argélia.

No Memorial, a unidade é dada pela relação de objetos que utilizam os mesmos recursos plástico-estruturais, porém assumem linguagens distintas. O Salão de Atos, pela sua locação na praça e pelo seu caráter de destaque no conjunto, mesmo possuindo a mesma ma-triz formal do Grande Auditório e da Biblio-teca. O edifício é constituído de apenas uma abóbada apoiada sobre a viga. Porém, diferen-temente da maioria das abóbadas projetadas pelo arquiteto, a do Salão de Atos apoia-se per-pendicularmente ao solo, enquanto as demais descarregam suas forças em planos inclinados com relação ao piso.

A tônica cromática do Memorial da América Latina baseia-se no concreto pintado de branco, nas caixilharias de vidro preto e no piso de concreto sem pintura.

O gigantesco plano vertical preto que re-veste o Salão de Atos faceia a borda da abóboda, conferindo um aspecto muito mais volumétri-co do que planar ao objeto. Diferentemente do Auditório, onde o caixilho encontra-se abriga-do sob as três abóbadas. Nesse caso, não só a espessura, mas parte da superfície inferior das abóbadas encontra-se aparente, o recuo da cai-xilharia desmaterializa o volume e valoriza a lei-tura da sucessão de abóbadas.

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Vista interna e foto aérea da Biblioteca Victor Civita

No edifício da Biblioteca, Niemeyer rompe o ritmo horizontal da abóbada, marcando a entrada do edifício com uma abóbada de menor raio, utili-zando, ao invés de concreto, o próprio vidro preto.

O contraponto às abóbadas do Memo-rial é estabelecido por meio da utilização de dois volumes cilíndricos: o restaurante e o Parlamen-to Latino-Americano.

O restaurante, hoje Galeria Marta Tra-ba, encontra-se na aresta oposta àquela for-mada pelo Salão de Atos e a Biblioteca. Sua posição estratégica permite o enquadramento dos dois edifícios em uma mesma perspecti-va. Para propiciar tal visualidade, o arquiteto utiliza um cilindro raso, elevado a meio nível do solo, com sua cobertura sustentada por

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um único apoio central. Com esse artifício, Niemeyer elimina toda e qualquer interferên-cia física e visual na região periférica do salão cilíndrico, estabelecendo uma primorosa rela-ção com o meio externo.

Em virtude de o Memorial estar implan-tado em uma área secionada por via expressa, o arquiteto divide o projeto em duas grandes pra-ças: uma que abriga o Salão de Atos, a Biblioteca, a Galeria e um pequeno centro de informações, e uma outra onde estão implantados o Grande Au-ditório, o Pavilhão da Criatividade, o Parlamento Latino-Americano e a Administração. Uma pas-sarela erguida na área central e sustentada por um “pilar tirante” conecta as duas praças.

Projetado após a inauguração do conjun-to, o edifício do Parlamento Latino-Americano assume um lugar de destaque na perspectiva de quem acessa a praça pela passarela, porém suas

grandes dimensões ocultam o Grande Auditório composto pelo arranjo de três abóbadas.

O Pavilhão da Criatividade, em forma de barra encurvada, age como anteparo da linha férrea e assume o papel de abrigo sombreado para o público que, sobre o generoso beiral, per-corre o espaço entre o Auditório e o Parlamen-to. A fruição do espaço do Memorial, sob esse ângulo, torna-se ainda mais interessante, pois a sucessão de pórticos, ao mesmo tempo em que confere um ritmo à perspectiva, enquadra os demais edifícios nas mais diversas possibilida-des visuais. Nesse edifício Niemeyer exercita a construção da linha sinuosa por meio do arranjo entre segmentos de arco e segmentos de reta, e a associação desses dois elementos enfatiza a horizontalidade e a leveza do objeto.

O edifício da administração encontra-se fora do trajeto dado pelo percurso da passarela

Vista aérea do Memorial

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e está resguardado no espaço, em virtude de não possuir o mesmo caráter público pertinen-te aos demais edifícios. A concepção extrema-mente racional do prédio contrasta com a sinu-osidade dos demais. O grande paralelepípedo suspenso aparenta estar pendurado na viga da cobertura, porém o hall de acesso no térreo oculta outros quatro pilares.

Talvez o edifício da administração ex-presse com maior clareza a dualidade entre os planos opacos brancos e os planos pretos en-vidraçados. O caixilho que reveste dois planos verticais paralelos faceia as bordas externas das lajes de piso e de cobertura; elimina-se assim a ideia de contorno, de moldura: há apenas o pla-no preto dos caixilhos e o pórtico branco.

No Memorial da América Latina, Nie-meyer leva às últimas consequências a expres-são da linguagem da forma associada ao partido

estrutural e concebe a espacialidade moderna, condicionando o lote urbano a uma proposta miesiana de espaço. A monumentalidade não está no objeto, está no espaço. O recuo gene-roso é fundamental para a plena compreensão do objeto a distância.

O espaço físico, para Niemeyer, está associado ao espaço gráfico. A relação do tra-ço com a folha é a mesma do objeto com o es-paço. Nos desenhos de Niemeyer, na maioria das vezes, vemos objeto (em elevação) ocu-pando um pequeno trecho de folha. Parece que já no desenho o arquiteto prevê a existên-cia do vazio necessário.

Rodrigo Queiroz é arquiteto, professor de Projeto de Edificações da FAU-USP, mestre e doutorando sobre a obra de Oscar Niemeyer.

Acima, Pavilhão da Criatividade e Galeria Marta

Traba.

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REPERCUSSÃO

hOMEMDO MUNDO

Oscar Niemeyer deixa um lega-do que transcende a arquitetura. Tudo o que ele realizou tem as singularidades e características de um gênio. Seu vigor mental e fí-

sico lhe permitiram trabalhar até onde raros, ra-ríssimos seres humanos conseguem ou querem.Admirado nos cinco continentes, Niemeyer é reconhecido por uma legião de personalidades e amigos de todas as áreas. Só com os depoimen-tos desses, poderíamos fazer várias revistas. Com isso, selecionamos mais de uma dezena deles, al-guns que chegaram a trabalhar na sua equipe.110

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“Dizem que Yuri Gagarin, o pioneiro cosmo-nauta russo, visitou Brasília e comparou a expe-riência com aterrissar em um planeta diferente. Muitas pessoas quando veem a cidade de Nie-meyer pela primeira vez devem sentir o mes-mo. É audaciosa, escultural, colorida e livre – e não se compara a nada que se tenha feito antes. Poucos arquitetos na história recente têm sido capazes de convocar tal vocabulário vibrante e estruturá-lo em tal linguagem tectônica brilhan-temente comunicativa e sedutora.”

Sir Norman Foster, arquiteto

“A personalidade e a produção profissional de Os-car Niemeyer vêm sendo superadas, ainda duran-te sua vida, pelo mito e pela entidade em que se transformou. De forma quase inédita na história das culturas livres no Brasil, seu pensamento, sua produção e sua ação encontram-se virtualmente imunizados em relação à crítica e à opinião, sejam

públicas ou profissionais. Com o tempo será mais fácil avaliar objetivamente o que sua atuação apor-tou ao desenvolvimento de nossa arquitetura e seu papel como principal expressão de nossa fragiliza-díssima comunidade profissional.”

Jorge Königsberger, arquiteto

“O discurso de Niemeyer é incoerente com seus contratos profissionais originários de inaceitá-vel reserva oficial de mercado – desde Juscelino Kubitschek, em 1960 – e com a sua arquitetura, que desconhece a função social inerente.”

Joaquim Guedes, arquiteto

“O trabalho de Niemeyer inspirou três gerações de arquitetos russos. A Ordem da Amizade não é uma medalha fácil de se ganhar. Trata-se do maior prêmio que nosso país pode dar a um estrangeiro.”

Alexei Labestik, consul da Rússia no RJ

“A Casa do Oscar era o sonho da família. Havia o terreno para os lados da Iguatemi, havia o ante--projeto, presente do próprio. Havia a promessa de que um belo dia iríamos morar na casa do Oscar. Cresci cheio de impaciência, porque meu pai, em-bora fosse dono do Museu do Ipiranga, nunca jun-tava dinheiro para construir a casa do Oscar. Pois bem, internaram-me num ginásio em Cataguazes, projeto do Oscar. Vivi seis meses naquele casarão do Oscar, achei pouco. Decidi-me a ser Oscar eu mesmo. Depois larguei a arquitetura e virei apren-diz de Tom Jobim. Quando a minha música sai boa penso que parece música de Tom Jobim. Mú-sica do Tom na minha cabeça é casa do Oscar.”

Chico Buarque, compositor

“Oscar é um dos grandes gênios do nosso tempo. Sua incrível capacidade de criação não se apoia em teorias nem na estética vigente, mas na intuição, na lógica da natureza, no instinto das mentes privilegia-das dos gênios. Por isso, sua obra é capaz de emo-cionar qualquer ser humano, independentemente de sua formação intelectual ou categoria social. As colunas do Palácio da Alvorada, por exemplo, cau-saram tão forte impressão em André Malraux que ele comparou sua contribuição à arquitetura a das colunas gregas. Mas elas foram igualmente absorvi-das e estilizadas pelo povo em geral – seu desenho pode ser observado em toda parte e continua a ser utilizado como símbolo da nova capital.”

João Filgueiras Lima, Lelé, arquiteto

João Filgueiras Lima, o Lelé, foi um dos parceiros de Oscar Niemeyer na construção de Brasília.

Aos 104 anos Niemeyer se anima e confere

o show inteiro do amigo Chico Buarque de

Holanda, dedicado a ele no Vivo Rio, RJ.

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“Oscar Niemeyer é uma espécie de poeta de arquitetura. Livre, leve, sinuosa, genuína e ele-gante, sua arquitetura tem sensualidade e brasi-lidade únicas. Saint Exupéry dizia: ‘É útil, por-que é bonito.’ Assim é a arquitetura do Oscar Niemeyer (como todos nós, arquitetos, o cha-mamos pelo seu prenome e não pelo seu nome profissional). Paul Valéry dizia: ‘Muitos prédios são silenciosos, mas alguns cantam’ e os do Os-car Niemeyer têm música própria e linda. Eu o definiria e a seu trabalho como imortais (como todos os grandes e atemporais).”

Índio da Costa, arquiteto e designer

“Oscar, quando me formei em 1949 pela Facul-dade Nacional de Arquitetura, você representava o símbolo e expressão da arquitetura brasileira.Hoje, quando completa cem anos, continua sen-do. Parabéns.”

Acácio Gil Borsoi, arquiteto

“É sabido que Oscar Niemeyer odeia o capi-talismo e odeia o ângulo reto. Contra o ângulo reto, que ofende o espaço, ele tem feito uma arquitetura leve como as nuvens, livre, sensu-al, que é muito parecida com a paisagem das montanhas do Rio de Janeiro. São montanhas que parecem corpos de mulheres deitadas, de-senhadas por Deus no dia em que Deus achou que era Niemeyer.”

Eduardo Galeano, escritor uruguaio

“Um dia, comecei a ver o mundo a cada instante de um modo diferente. O que fazer? Tornar-me um sonhador ativo? Um arquiteto brasileiro? Como para muitos, Oscar Niemeyer me abriu os olhos. Ele mostrou como a arquitetura poderia, apurando-se, aliar no mais alto nível o racional e o sensível, o rigor e a forma.”

Christian de Portzamparc, arquiteto

“Por anos, sentindo sempre uma grande emo-ção, procurei compreender o mistério de Oscar Niemeyer. Paisagem, erotismo, ética; empenho político e social; afeto e fidelidade aos amigos de sempre; a música brasileira, Rio de Janeiro visto de seu escritório. Creio que a alquimia que Nie-meyer criou ficará com tudo isso, junto ao desejo de ser sempre parte de um processo e de empe-nho civil. Nunca desejei me parecer com nenhum arquiteto, a não ser com Oscar Niemeyer.”

Massimiliano Fuksas, arquiteto

Luis Carlos Prestes, amigo, com afinidades político-ideológicas por toda a vida

O escritor uruguaio Eduardo Galeano

em conexão estreita com Niemeyer.

“Minha amizade com Niemeyer data para mais de 40 anos. Quando fomos, no dia 18 de abril, libertados e o Partido Comunista pela primeira vez conquistou a legalidade, foi no escritório de Oscar Niemeyer, na rua Conde Lage, que insta-lamos a sede do partido. Ele é um grande patrio-ta que sonha com o Brasil bem diferente do que vivemos. Ele é um amigo, desses dedicados, que não se esquecem dos seus amigos e que tudo fazem para ajudá-los.”

Luis Carlos Prestes

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“Oscar Niemeyer, em 1943, ao projetar o con-junto da Pampulha, assombrava o mundo e ini-ciava a bonita trajetória de uma arquitetura ino-vadora e peculiar. Hoje, aos 100 anos de idade, continua produzindo. Procura atender a convi-tes que vêm de todas as partes do mundo. Sem-pre novos desafios que o gênio de Niemeyer desenha com incrível rapidez. Simplicidade de solução que se funde à beleza surpreendente.”

Ruy Ohtake, arquiteto

Paulo Mendes da Rocha, amigo, representante do modernismo de São Paulo.

Ruy Ohtake reconhece a genialidade

do brasileiro mestre das formas

“A obra de Niemeyer é a arquitetura como for-ma inteligente e peculiar de conhecimento do gênero humano. Linguística, antropologia, en-genharia , mecânica, desejo. Com uma forma peculiar de abordagem, Oscar Niemeyer convo-ca e solicita todos os tipos de conhecimento.”

Paulo Mendes da Rocha

“Oscar Niemeyer é um poeta do espaço, um ar-quiteto-escultor que pensa e organiza o espaço habitado num diálogo fecundo com a natureza. A curva, a ondulação, o côncavo e o convexo, tudo isso faz parte de seus desenhos. É como se a sinu-osidade da natureza fosse repensada e reinventa-da pelos traços do arquiteto, cujo pensamento ou concepção da arte nunca separa o ser humano do ambiente em que vive. A ousadia da forma parece desafiar a engenharia e o cálculo estrutural, mas é essa ousadia que dá a seus projetos um sentido plástico singular na arquitetura do século 20.”

Milton Hatoum, escritor

“Todo mundo vê a Estátua da Liberdade e diz: “Nova Iorque”, mas ela não é bonita por isso. A Torre Eiffel é bonita, mas você diz Paris, são formas emblemáticas. O Cristo Re-dentor é o Rio, mas não é uma obra-prima de escultura, mas o Oscar consegue fazer uma

obra-prima que tem, que adquire, que adere à ela essa força emblemática que tem certas formas. De modo que você identifica a cida-de, o país, a alma, o momento, a história com a forma dele. E eu digo o seguinte: quando a novela da Globo, é um capítulo que passa no Rio, é o Cristo, quando é pra mostrar que agora o capítulo é em São Paulo, o helicópte-ro sobrevoa o Copan. É o Oscar que tem essa capacidade filha da puta de criar uma forma, e aquela forma se transforma em emblema do lugar.”

Ítalo Campofiorito, arquiteto

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Eric Hobsbawn, historiador inglês, faz parte de um círculo de intelectuais admiradores de Niemeyer.

“Acho que Niemeyer pertence a uma geração extramamente importante no Brasil. Que até certo ponto reconstruiu tanto em sua própria mente, quanto em benefício público a ideia do que o Brasil poderia ser, o novo Brasil. Esta ge-ração que é extraodinariamente interessante, teve grandes influências na literatura, na não ficção e na criação de uma imagem na história do Brasil. Que também começa a ter influência na música e na arquitetura. Todas essas coisas se interligavam. Tom Jobim, por exemplo, começou como arqui-teto e desistiu para se tornar músico. De certa forma, a imagem que as pessoas fazem do que seu novo país poderia ser, o Brasil do futuro, é a imagem criada pela geração da década de 30.”

Eric Hobsbawn, historiador inglês.

O intelectual carioca, Ferreira Gullar, fã confesso,

dedicou um poema ao amigo de sempre.

“Se é certo - como acredito - que nós, homens, inventamos a vida, o mundo imaginário em que habitamos, Oscar Niemeyer é um dos que mais contribuíram para isso, inventando uma arqui-tetura que parece nascida do sonho e, com isso, nos ajuda a viver.”

Ferreira Gullar

“A obra do arquiteto Oscar Niemeyer acom-panha quase integralmente o século da mo-dernização brasileira. E essa não é apenas uma correspondência cronológica, mas, principalmente, um nexo fundamental. Nos anos 1940 e 1950 ele construiu os mais for-tes emblemas da modernização nacional, que culminou com a feição definitiva do projeto da capital federal. São inseparáveis, passo a passo, seus grandes projetos públicos e as vi-cissitudes dessa modernização periférica. As-sim, desde sua participação no projeto para o Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro (1936), mas, principalmente, com a construção dos edifícios da Pampulha (1942), ele formulou uma original possibilidade de modernidade arquitetônica para o Brasil, fei-to raro em países de história colonial como o

nosso. Mas o que surpreende na longa obra desse arquiteto é a renovação que procedeu a partir do projeto para o Memorial da América Latina em São Paulo. Esse projeto marca uma nova e prolífera fase que dura até os dias de hoje. Novamente, esse arquiteto atinou com a realidade social e política do País — e do mundo — e reelaborou seu vocabulário for-mal no sentido de aliviá-lo do nexo “nacional desenvolvimentista”, que dava unidade aos seus conjuntos. Agora, suas formas não figu-ravam mais essa unidade — perdida —, mas a nova flexibilidade da sensibilidade em relação à nova ordem do mundo urbano e produti-vo que os anos 1980 anunciavam, novamente desde um ponto de vista brasileiro.”

Luiz Recaman, Arquiteto e professor da FAU-USP

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O arquiteto argentino Roberto Segre, profere palestras sobre a obra de Oscar Niemeyer.

“Ao final de sua trajetória, Niemeyer renun-ciou à experimentação sobre a complexidade das formas que constituíam as tipologias utili-zadas ao longo de sua vida. Preferiu reduzir o vocabulário à sua mínima expressão e reiterar elementos formais e espaciais que foram sig-nificativos ao início de sua carreira: citemos, entre outros exemplos, o Centro Niemeyer em Avilés, Espanha, recentemente inaugura-do.”

Roberto Segre

“Oscar Niemeyer tem o raro talento da longevidade criativa e intelectual, o que representa muito mais do que o feito já notável de completar 100 anos e em atividade. Niemeyer construiu um percurso baseado na especulação da visibilidade das estruturas e das formas, em sua relação com a espacialidade, e sobre ele abriu uma porta que ao que parece jamais será fe-chada. Sua importância para a história da arquitetura moderna já está talvez sublimada pela influência que seu trabalho exerceu na própria arquitetura contem-porânea, com paralelo identificável, talvez somente em Le Corbusier e Mies Van Der Röhe. Certa vez, Chico Buarque de Holanda ao falar de sua obra mu-sical, disse que esta já era uma obra pronta e só o que poderia fazer era reelaborá-la. Com sua frenéti-ca atividade ainda nos perguntamos: será que Oscar já completou a sua?”

Francisco Spadoni, arquiteto

“Arquitetura moderna era sinônimo de racio-nalismo, funcionalismo. O mote “forma se-gue a função” foi o axioma do modernismo ortodoxo ao qual Oscar Niemeyer jamais foi afeito. Todavia, nos anos de vigência da crí-tica pós-moderna, na década dos anos 1980, Niemeyer foi varrido como um “impenitente velho moderno”. Se houve algo pertinente na crítica pós-moderna ao moderno foi a denún-cia do funcionalismo ortodoxo. Um edifício que é concebido fielmente a um programa, a uma função, e se cristaliza nesse arcabouço

Hugo Segawa é um dos estudiosos da obra do

consagrado arquiteto.

funcional, está condenado à obsolescência, porquanto no mundo contemporâneo a ve-locidade das mudanças (das necessidades, das finalidades, dos propósitos, dos significados) tornam a arquitetura uma obra mutante, quase aberta. O apego de Niemeyer à forma pareceu ser o calcanhar de Aquiles de sua arquitetura, razão maior da desconfiança quanto a suas obras. Mas a sua longevidade lhe assegurou a reparação da afronta. As funções desvanecem, os humores cambiam, mas a forma permanece. A beleza e a forma têm uma função, afirma o mestre. O tempo legitimou muitas atitudes do arquiteto brasileiro. Os pós-modernos – mes-mo sem o querer – deram mais sentido à pré-dica e aos desenhos do moderno Niemeyer.”

Hugo Segawa, arquiteto e professor da FAU-USP

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Jorge Amado tinha afinidades ideologicas e culturais com a obra de Niemeyer.

“Ao saber que Oscar Nimeyer fora distinguido com o Prêmio Lenin Internacional da Paz, alta distinção conferido por um júri onde figuram nomes da importância de IIya Eremburg, Ara-gon, Neruda, Anna Seghers, pensei como seria belo se a festa da entrega do diploma e da me-dalha, que caracterizam a láurea, fosse realizada no quadro de Brasília. Entre os palácios, os edi-fícios e as casas construídas por Oscar, na cida-de por ele projetada, na beleza por ele criada. Porque a significação mas profunda de Brasília é paz, paz para o homem viver, trabalhar, cons-truir, lutar pelo futuro.”

Jorge Amado

Inicialmente as obras de Le Corbusier

inspiraram Oscar Niemeyer.

“Papadaki me enviou o livro sobre as obras mais recentes; é realmente notável. E sinto-me feliz em poder dizer-lhe o quanto admiro seu gênio, seu espírito inventivo e sua compreensão da ar-quitetura. Você sabe realmente interpretar com toda liberdade as várias descobertas da arquite-tura moderna.”

Le Corbusier

“Tenho pela obra magistral de Oscar Nie-meyer a maior admiração. Ao mesmo tempo, dedico ao homem a mais afetuosa das ami-zades. Estes dois sentimentos inseparáveis, que datam de muitos anos, não cessaram de se completar e eu estou agora com cerca de 83 anos.”

Jean Prouvé

“Um compositor físico-espacial como Nie-meyer nunca é seguido por outro; todo gênio termina nele mesmo. E aí está sua importância para o futuro : deixar o exemplo, a marca do gênio. É como Rodin, que não deixou escola. Como o Da Vinci, que não deixou escola. Como Miguelângelo. Nenhum deixou escola, e o Oscar

não é diferente. Ele usa o dialeto da introspec-ção, algo que é só dele. Como Drummond. O dialeto da introspecção e o dialeto das pessoas sensíveis.”

Sérgio Bernardes

“Niemeyer é acima de tudo um homem. Um homem simples. Um homem autêntico que vi-bra como uma corda sensível com o drama do sofrimento alheio, das injustiças, da miséria.” Tristão de Athayde

“A embaixada do Brasil em Havana ... A realização do seu projeto para a embaixada do Brasil em Cuba sig-nifica levar ao país latino-americano e amigo um sig-no extraordinário da nossa cultura contemporânea.

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Lucio Costa foi um de seus mestres e companheiro de prancheta na execução de Brasília e de tantos outros projetos importantes, no Brasil e no Exterior.

“Niemeyer, tendo assimilado os princípios fundamentais e a técnica de planejamento formulados por Le Corbusier, foi capaz de enriquecer, da maneira mais imprevisível, esta experiência adquirida. Imprimindo ás formas básicas um novo e surpreendente significado, ele criou variantes e novas soluções, com o uso de elementos plásticos locais, cuja graça e re-quinte eram até então desconhecidos na arqui-tetura moderna.”

Lucio Costa

“(...) Para meu país será um motivo de orgulho e ao mesmo um inestimável estímulo para a po-lítica do governo popular que preside receber a contribuição de sua capacidade criadora e de sua reconhecida aptidão como arquiteto. Estamos construindo o futuro do Chile. Esperamos sua cooperação para esta obra.”

Salvador Allende

O ex-presidente chileno Salvador Allende, deposto pela

ditadura de Pinochet, fazia parte de um restrito círculo

de amigos de Oscar Niemeyer.

Um gesto permanente de arte e beleza. Uma atitude de generosidade e confiança no futuro da Nação que se propõe manter conosco um diálogo sincero e con-sequente, no campo da cultura e das artes.”

Glaucco Campello

“(...) Folheei, encantado, as sua páginas, certi-ficando-me ainda uma vez, da importância ex-traordinária da contribuição que você soube dar para a elevação do nível cultural do nosso país no mundo. Dá gosto reconhecer isto, como brasileiro e como seu amigo.”

Carlos Drummond de Andrade

“(...) Quanto sua criatividade, você mesmo a definiu ao declarar que seu principal objetivo

era a invenção. O mundo ainda espera de você muitas formas – e você as dará – desejoso que atinjam o maior número possível de pessoas.”

André Malraux

“(...) Você é arquiteto do homem – esse ser em que você deposita esperança e em que eu o acompanho : daí a geração de coisas que você tem criado á altura do homem de amanhã, em que você espera e eu o acompanho : deslum-bramentos de esperanças. (...) Não há por que não dizê-lo : você é um gênio, dos poucos que o Brasil gerou ao longo dos seus cinco séculos.”

Antônio Houaiss

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&MARKETING

MERCADONIEMEYER

Niemeyer é um fenômeno. Todo mundo quer ter um projeto dele. O mercado de consumo não ficou à mar-gem dos desejos confessos e mergu-lhou de cabeça no universo de curvas delirantes do arquiteto mais festejado dos últimos cem anos. Saindo das pran-chetas do comunista mais ortodoxo do Brasil diretamente para as vitrines de luxo, a coleção Converse x Oscar Nie-

meyer, de edição limitada, conta com cinco modelos e jura ter interpretado a visão arquitetônica do mestre. Tudo inspirado em sua célebre frase: “Não é o ângulo reto que me atrai”. Nada mau para um artista que desenhou esta co-leção para jovens quando estava para completar 105 anos. Isso é para poucos e raros. Ou melhor, ainda não se viu coisa igual!

Edição especial de tênis da Converse desenhado por Oscar Niemeyer

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Quando Niemeyer completou 103 anos o mercado de chocolate foi surpreen-dido com um novo design de chocolate, as-sinado por ele. Com um desenho simples, limpo, análogo seu traço como designer, as barras comestíveis de uma marca carioca, com lojas em Ipanema e no Leblon, eram elegantemente embaladas para uma edição limitada.. Como tudo o que leva assinatu-ra Niemeyer, as três barras de chocolates

foram comercializadas numa caixa de ma-deira, com design especial, com sete pasti-lhas de diferentes concentrações de cacau e um livro explicativo, além de uma pin-ça de pontas folhadas a ouro, apropriada para se degustar o alimento. Refinamento e bom gosto envolvem este produto produ-zido com cacau selecionado manualmente, cem por cento brasileiro, vindo de uma fa-zenda em Ilhéus.

Barra de chocolate, com forma análoga à sua chaise-longue.

Pastilhas de cacau são elegantemente acondicionadas em caixa de madeira e colocadas em uma bolsa especial.

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a leveza e a espacialidade.a

O corpo da mulher sempre foi decantado nas curvas de Niemeyer., seja na arquitetura, no desenho, no de-sign ou na escultura. Assim, nada mais natural que um dia seu design viesse a adornar pescoços, pulsos, dedos e ore-lhas de muitas delas. Joias de ouro e dia-mantes, inspiradas nos seus desenhos, obras e projetos famosos foram trans-formadas em joias, ou melhor, em ob-jetos de desejos. As peças, produzidas pela H.Stern trazem em seu conceito a simplicidade, a leveza formal de seus objetos, se resumem a poucas e essen-ciais linhas: soltas, livres e contínuas.

Com a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014, vários produtos já estão na mira do mercado, mas poucos entre os objetos de luxo. A Hublot, relojoaria oficial do evento, por ocasião dos 104 anos de Oscar Niemeyer, comemorados no ano passado, lançou o Aero Bang Niemeyer, um relógio para coleciona-dor, ao preço de R$ 25.000,00. Com apenas 104 exemplares e numerados, a raridade homenageia o consagrado ar-quiteto e sua obra máxima, Brasília.

H.Stern convidou Niemeyer para imprimir seu traço em suas joias

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a leveza e a espacialidade.a

Assim como outros estilistas, a marca francesa Guy Laroche se inspirou nas formas arquitetônicas de Niemeyer para promover sua coleção. O estilista Marcel Marongiu buscou criar uma coleção inspirada em Brasília, Los Angeles e no músico David Bowie. Para ele, a obra de Niemeyer é genial e fora do comum.

Mais uma vez Oscar Niemeyer foi fonte de inspiração: dessa vez para Pedro Lourenço, estilista cuja coleção foi bastante influenciada pela obra do grande arquiteto. A coleção foi destaque durante os desfiles da Paris Fashion Week de 2010, contando com a direção artística de Giovanni Bianco. Segundo Pedro — na época com apenas 19 anos de idade — ele almejou trazer para suas roupas o que o Brasil tem de melhor.

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TRAJETÓRIA

O TEMPOCOMO MEDIDA

O HOMEM QUE SE ALIMENTA DO TRABALHO

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1907Nasce em 15 de dezembro, no Rio de Janeiro, filho de Oscar Niemeyer Soares e Delfina Ri-beiro de Almeida. “Meu nome deveria ser Oscar Ribeiro Soares ou Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares, mas prevaleceu o nome.

1928 Termina o curso secundário. Casa-se com An-nita Baldo. “Uma moça bonita, modesta, filha de imigrantes italianos provenientes de Pádua, perto de Veneza”.

1929 Entra na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. “Gostava de desenhar e o de-senho levou-me à arquitetura. Lembro-me que ficava com o dedo no ar desenhando. Minha mãe perguntava: o que está fazendo menino? Desenhando, respondia com a maior naturalidade. Realmente, fazia formas no es-paço, formas que guardava de memória, cor-rigia e ampliava, como se as tivesse mesmo a desenhar”.

1932“Como me foram úteis esses queridos amigos! Da arquitetura só me deram bons exemplos. Honestos, irrepreensivelmente honestos, como, aliás, todos deveriam ser!”.

1934 Forma-se engenheiro arquiteto na Escola de Be-las Artes.

1935 Inicia vida profissional no escritório de arquite-tura de Lúcio Costa e Carlos Leão.

1936 Primeiro contato com Le Corbusier e participa do projeto do Ministério de Educação e Saúde. “Naquela época ainda caminhávamos na perife-ria da sua arquitetura. Tínhamos lido sua obra excepcional como sagrado catecismo, mas ainda não estávamos, como se verificou, integrados nos seus segredos e minúcias”.

1938

Viagem com Lúcio Costa para projetar o Pavi-lhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York.

1940 Conhece o prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, que o convida a projetar o Conjunto da Pampulha. “Fiz o projeto, mas o assunto só foi retomado meses depois quando JK novamente me convocou e explicou: : ‘Quero criar um bairro de lazer na Pampulha, um bairro lindo como ou-tro não existe no país. Com cassino, clube, igreja e restaurante, e precisava do projeto do cassino para amanhã’. E o atendi, elaborando durante a noite no quarto do Hotel Central o que me pedira.”

1945Ingressa no Partido Comunista Brasileiro “Fui sempre um revoltado. Da família católica eu es-quecera os velhos preconceitos, e o mundo pa-recia-me injusto, inaceitável. A miséria a se mul-tiplicar como se fosse coisa natural e inaceitável. Entrei para o partido comunista, abraçado pelo pensamento de Marx que sigo até hoje”.

1947 De novo, Nova York, para desenvolver o proje-to da sede da ONU.

1950 Sai, nos Estados Unidos, The Work of Oscar Nie-meyer, de Stamo Papadaki, que desempenhou im-portante papel na divulgação de sua arquitetura no exterior, bem como da própria produção brasileira.

1951 Projeta os conjuntos Ibirapuera e Copan, em São Paulo.

1954 Primeira viagem à Europa. Participa da recons-trução de Berlim, visita Itália, União Soviética e em Paris é recebido por Vinicius de Moraes.

1955 Cria a revista Módulo, fechada em 1965 pelo regime militar, reaberta em 1975 e extinta em 1987, na centésima edição.

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1956 Brasília. “Comecei a meditar sobre Brasília numa ma-nhã de setembro de 1956, quando Juscelino Kubits-chek, descendo do carro à porta da minha casa, na Estrada da Gávea, me convidou para acompanhá-lo à cidade e expôs o problema durante o trajeto. Minha primeira reação surgiu do interesse, tanto profissional como afetivo, que esse homem me inspirava: eu via a preocupação de um velho amigo ao qual estava ligado por outros trabalhos, outras dificuldades e por uma longa e fiel amizade. A partir desse dia, comecei a vi-ver em função de Brasília”. No mesmo ano elabora o cenário da peça Orfeu da Conceição, adaptada da mitologia grega por Vinicius de Moraes e Tom Jobim.

1961 Logo depois de inaugurada a nova capital, publi-ca o livro Minha Experiência em Brasília, para onde havia se mudado em 1958.

1963 Recebe o Prêmio Lenin da Paz em solenidade na UnB – Universidade de Brasília. “O campus estava inteiramente iluminado e os professores, estudantes, deputados e operários estavam to-dos lá, muito calmos, sem as precauções que te-riam sido necessárias em outros tempos.”

1964Na Europa, a notícia do golpe. “Estava em Lis-boa e levei um susto. Durante três dias, eu não descolava o ouvido do rádio no Hotel Victória”. No mesmo ano, segue para Israel, onde perma-nece por três meses. Retorna ao Brasil em fins de 1964 e é chamado para depor no DOPS.

1965 Demite-se da Universidade de Brasília com mais 200 professores, em protesto contra a política uni-versitária. “O Governador de Brasília exigia minha demissão; o Ministro da Aeronáutica dizia que lugar de arquiteto comunista era em Moscou. Segui para o exterior com minhas mágoas e a minha arquitetura.”

1967 Vai morar em Paris, impedido de trabalhar no Brasil, e a partir daí sua obra começa a ganhar respeito e projeção internacional. No ano se-guinte, desenvolve vários projetos na Argélia, entre os quais, a Universidade de Constantine.

1970 Em protesto contra a guerra do Vietnã, desliga-se da Academia Americana de Artes e Ciências.

1972 - 73 Em Paris, abre escritório nos Champs Elysées e acompanha a exposição sobre sua obra na Europa.

1975 Projeta a sede da Fata Engeneering na Itália.

1978 Funda o Centro Brasil Democrático CEBRA-DE, do qual é eleito presidente.

1985 Volta a desenvolver projetos para Brasília.

1987 - 1988 Recebe o Prêmio Pritzker de Arquitetura, dos Estados Unidos. Projeta o Memorial da Amé-rica Latina em São Paulo, inaugurado em 18 de março de 1989.

1991 Projeta o Museu de Arte Contemporânea de Niterói.

1994 Projeta o Museu O Homem e seu Universo, em Brasília, e a Torre da Embratel, no Rio de Janeiro.

1995 Projeta o Monumento em Comemoração ao Centenário de Belo Horizonte. Recebe os títulos de Doutor Honoris Causa das Universidades de São Paulo e de Minas Gerais.

1996 Projeta o Monumento Eldorado Memória, doado ao Movimento dos Trabalhadores Ru-rais Sem-Terra. Recebe o Prêmio Leão de Ouro da Bienal de Veneza por ocasião da VI Mostra Internacional de Arquitetura.

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1998 No Pavilhão Manoel da Nóbrega, Parque do Ibirapuera, em São Paulo, é realizada a exposi-ção Oscar Niemeyer 90 Anos, uma retrospectiva sobre sua obra. Recebe a Royal Gold Medal do Royal Institute of British Architects - RIBA.

1999 Projeta, entre outros, o novo Teatro no Parque do Ibirapuera em São Paulo, o Setor Cultural de Brasília, o Centro Administrativo de Betim, em Minas Gerais, além do Monumento Comemorativo aos 500 Anos do Descobrimento do Brasil em São Vicente, SP.

2000 No Rio de Janeiro é lançado o documentário Os-car Niemeyer: Um Arquiteto Engajado em Seu Século, do cineasta belga Marc-Henri Wajnberg.

2001 Projeta a Residência em Oslo (Noruega), o Acqua City Palace Moscou (Rússia), o Auditório e Salão de Exposições da Faculdade Cândido Mendes, no Rio, o Centro de Memória do DOI-CODI, em São Paulo, entre outros. Recebe a Medalha da Or-dem da Solidariedade do Conselho de Estado da República de Cuba, a Medalha do Mérito Darcy Ribeiro do Conselho Estadual de Educação do Estado do RJ, o Prêmio Unesco 2001, na categoria Cultura e os títulos de Grande Oficial da Ordem do Mérito Docente e Cultural Gabriela Mistral, do Ministério da Educação do Chile e de Arquiteto do Século XX, do Instituto de Arquitetos do Brasil.

2002 Projeta o Centro Cultural e Esportivo da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Realiza-se a exposição Oscar Niemeyer 90 anos, na Galerie Nationale du Jeu de Paume em Paris, França.

2007“Nossa passagem pela vida é rápida. Cada um vem, conta sua história, vai embora e depois ela será apagada para sempre. A vida continua.” (Quando completou 100 anos)

2012 No dia 6 de junho, morre sua única filha, Anna Maria Niemeyer, de 82 anos.

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SAMBA

Hoje em dia minha vida vai ser diferente Calça de pijama, camisa listrada, sandália no pé

Andar pela praia vou fazer toda manhã E até moça bonita vai ter se Deus quiser

Vou parar nos cafés pra ouvir historinhas

Coisas da vida que um dia vão ter que mudar Quero ser um mulato que sabe a verdade

E que ao lado dos pobres prefere ficar

E assim vou eu Tranquilo com a vida

À espera da noite já solta no ar Como um manto de estrelas com que se anuncia

E se multiplica nas águas do mar

Da minha favela eu vejo os grã-finos Morando na praia, de frente pro mar

Não devemos culpá-los São prestigiados

Que um dia entre nós vão voltar a morar

TRANQUILO COM A VIDA(Oscar Niemeyer / Edu Krieger / Caio Almeida)

Sobre sua composição realizada em 2009, quando estava internado, em parceria com seu enfermeiro Caio Almeida e Edu Krieger, Niemeyer, rindo, afirmou: “Não sei como encontro tempo para ficar brincando, mas minha música é uma besteira, uma coisinha divertida, nada importante. Sempre fui muito ligado a esse pessoal do samba e quis fazer alguma coisa louvando o homem da favela.”

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www.memorial.sp.gov.br

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