revista educa ação: construindo saberes
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Uma publicação de Práticas Pedagógicas desenvolvidas no Colégio Pedro II Campus Engenho Novo I. A Revista Educa Ação: Construindo Saberes, do Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II, de periodicidade semestral, tem o objetivo de incentivar a Iniciação Científica no Campus e divulgar movimentos de orientar, pesquisar e aprender.TRANSCRIPT
Revista
Educa Ação:
construindo
saberes
Colégio Pedro II
ISSN: 2358-419X Vol. 1 Nº 1 Ago/Dez 2014
Uma publicação
do Campus
Engenho Novo I
Ministério da Educação
EDUCA AÇÃO: Construindo saberes
Práticas Pedagógicas desenvolvidas no Colégio
Pedro II
Campus Engenho Novo I
Colégio Pedro II
Volume 1 Número 1 – agosto/dezembro de 2014
Ministério da Educação
EDUCA AÇÃO: Construindo saberes
Práticas Pedagógicas desenvolvidas no Colégio Pedro II
Campus Engenho Novo I
Professor Oscar Halac Reitor
Professor Flavio Costa Balod
Pró-Reitora de Ensino
Professora Leda Cristina de Freitas Miranda Parente Aló Diretora de Ensino Fundamental (Anos Iniciais) e Ensino Infantil
Professora Rita Alves da Silva Lima
Chefe de Departamento de Primeiro Segmento do Ensino Fundamental
Professora Sandra Maria Teixeira Pinheiro Taranto Diretora-Geral do Campus Engenho Novo I
Professora Ana Cristina Calabria Vicente Mangi
Diretora Pedagógica do Campus Engenho Novo I
Professora Tania Roma Proença Diretora Administrativa do Campus Engenho Novo I
Corpo editorial
Professora Ana Cristina Calabria Vicente Mangi Professora Ana Maria Ribeiro de Seabra
Professora Jacqueline Soares Professora Joelma Fabiane Ferreira Almeida
Professora Maria Lucia Munaro Lima Professora Sandra Maria Teixeira Pinheiro Taranto
Capa
Professora Ana Maria Ribeiro de Seabra
A Revista Educa Ação: Construindo Saberes, do Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II, de periodicidade semestral, tem o objetivo de incentivar a Iniciação Científica no Campus e divulgar movimentos de orientar, pesquisar e aprender.
Em seu primeiro número, a revista traz oito artigos, decorrentes dos trabalhos desenvolvidos nesta instituição com alunos do primeiro ao quinto anos do Ensino Fundamental. São experiências ricas que precisam ser compartilhadas.
Descreve-se o esforço do corpo docente em incentivar inúmeras discussões, não só entre os alunos, mas entre toda a comunidade escolar: responsáveis, técnicos, professores, profissionais terceirizados.
Assim, há um artigo relatando um prêmio recebido pela escola, a partir de uma atividade sobre consumo consciente e outro que trata da sensibilização da comunidade para a necessidade de ações preventivas no controle do uso das drogas lícitas, em especial, o tabaco e o álcool.
Apresentam-se, também, artigos diretamente relacionados à prática docente e ao grande leque de oportunidades com as quais o educador se depara atualmente. Reflete-se sobre o ensino de História e de como deve ocorrer o trabalho com o cotidiano e a memória das famílias e sobre a utilização das novas tecnologias como ferramentas aliadas à construção do conhecimento no processo ensino-aprendizagem. Assim também, dialoga-se sobre o eixo curricular Arte e Natureza, relatando vivências pautadas na concepção de uma educação lúdica e estética, capaz de promover aprendizagens significativas, autonomia e autoria de pensamento aos sujeitos. Da mesma forma que se verifica os efeitos de uma intervenção baseada em princípios da aprendizagem mediada, sobre o desempenho acadêmico na área de matemática, em crianças que apresentam tal dificuldade.
Um dos artigos debruça-se na análise da abordagem ambiental nos livros didáticos de biologia, desde a década de 50, utilizados no ensino médio, do Colégio Pedro II, na Cidade do Rio de Janeiro. Em outro se examina três obras literárias de Ruth Rocha que se debruçam sobre as relações entre o masculino e o feminino, apontando novos horizontes para o tratamento do tema.
Trata-se ainda de temas como a diversidade e o respeito que deve existir de todas as formas e em todos os espaços, como ponto central de um trabalho escolar que se propõe a auxiliar a formação de cidadãos críticos, justos, solidários, dotados de saberes e competências necessárias em uma sociedade em dinâmico processo de transformação.
Espera-se que, a partir desta publicação inicial, renove-se a confiança depositada nesta revista, como um dos meios para a socialização de resultados de pesquisa, propiciando uma maior visibilidade à produção acadêmica local, concorrendo para que ela se torne efetivamente pública.
Sumário
OS OBJETOS E AS HERANÇAS CULTURAIS CONTAM HISTÓRIAS: UM
PROJETO INTERDISCIPLINAR
Ana Cristina Calabria Vicente Mangi
Celsa Villar Gonzalez
Maria Augusta da Silva Riguetti
Maria Celia Soares Ferreira
Marize Figueiredo de Sousa
Rosângela Sanfins de Assunção___________________________________________ 01
UM DESAFIO ENFRENTADO PELA ESCOLA
Jacqueline Fonseca do Prado Soares
Maria Chirstina Schwenck Corrêa de Brito
Maria Lucia Munaro Lima_______________________________________________ 13
OFICINA CONSTRUINDO E RECONSTRUINDO A APRENDIZAGEM
MATEMÁTICA: PROPOSTA DE ATENDIMENTO PEDAGÓGICO PARA
CRIANÇAS COM BAIXO RENDIMENTO ESCOLAR
Ana Cristina Calabria Vicente Mangi
Sandra Maria Teixeira Pinheiro Taranto____________________________________ 21
ARTE E NATUREZA: CURRÍCULO, VIVÊNCIAS LÚDICAS E ESTÉTICAS NO
ENSINO DE ARTES DO COLÉGIO PEDRO II
Camila Nagem Marques Vieira___________________________________________ 36
DISCUTINDO E VIVENCIANDO O RESPEITO À DIVERSIDADE NO ÂMBITO
ESCOLAR: FORMAÇÃO DE UM CIDADÃO CONSCIENTE E CRÍTICO
Dolores Munaro Vieira
Maria das Graças Oliveira _______________________________________________ 46
A ESCOLA COMO ESPAÇO CAPAZ DE POTENCIALIZAR AÇÕES
PREVENTIVAS DE CONTROLE AS DROGAS LÍCITAS: FUMO E ÁLCOOL
Ana Maria Ribeiro de Seabra
Lourdes Maria Magalhães Campos de Sousa _______________________________ 56
ANÁLISE ACERCA DA TEMÁTICA AMBIENTAL NOS LIVROS DIDÁTICOS DE
BIOLOGIA, DESDE A DÉCADA DE 50
Tania Roma Proença ___________________________________________________ 67
GÊNERO E PRECONCEITO: UMA ABORDAGEM A PARTIR DA LITERATURA
DE RUTH ROCHA
Andreia Passos Ferreira _________________________________________________ 78
AS NOVAS TECNOLOGIAS COMO FERRAMENTA FACILITADORA DO
TRABALHO DOCENTE
Christiane Moraes dos Santos____________________________________________ 93
1
OS OBJETOS E AS HERANÇAS CULTURAIS CONTAM
HISTÓRIAS: UM PROJETO INTERDISCIPLINAR
Ana Cristina Calabria Vicente Mangi1
Celsa Villar Gonzalez2
Maria Augusta da Silva Riguetti3
Maria Celia Soares Ferreira4
Marize Figueiredo de Sousa5
Rosângela Sanfins de Assunção6
_____________________________________________________________________
RESUMO
Este artigo destina-se a descrever novas práticas pedagógicas para formação na área de
História, numa concepção construtivista buscando um entendimento de como deve
ocorrer o trabalho com o cotidiano e memória que trouxe a possibilidade de participação
da família, também, na construção da história dos alunos, mais uma forma dele se ver
como autor de sua própria história.
ABSTRACT
This article is intended to describe new pedagogical practices for training in history, a
constructivist conception seeking an understanding of how to work with every day and
memory that brought the possibility of participation of the family, too, in the history of the
building should occur students, another fun way to see it is as the author of your own
story.
______________________ 1Doutora em Ciências da Educação e Diretora Pedagógica do Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II
2Doutora em Ciências da Educação e Chefe da Seção de Assistência ao Educando do Colégio Pedro II
3Pós-Graduada em Supervisão Escolar e Coordenadora Pedagógica do Campus Engenho Novo I do Colégio
Pedro II 4Pós-Graduada em Orientação Escolar e Diretora da Diretoria de Assuntos Estudantis do Colégio Pedro II
5Mestre em Ciências da Educação e Orientadora Pedagógica do Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro
II 6Pós-Graduada em Didática do Ensino Superior e Chefe dos Núcleos de Arte e Cultura do Colégio Pedro II
Já se tornou consenso a ideia de que uma das contribuições do Ensino de História
ao educando é a construção da capacidade de pensar historicamente. Em linhas gerais, isso
2
diz respeito à percepção da historicidade das coisas, desde a concepção da História como
obra humana até a capacidade de avaliar as determinações, condicionamentos e
possibilidades do momento histórico em que se vive.
O ensino de História visa, também, a contribuir para a formação do indivíduo na
tomada de decisões diversas, pois toda ação deriva de uma reflexão sobre o tempo,
avaliação de eventos passados e projeção para momentos futuros.
O indivíduo, ao agir, atribui sentidos ao tempo e à sua ação dentro dele. Ao
propiciar e mediar informações, ideias e conceitos históricos aos alunos, o ensino desta
disciplina permite que estes atribuam sentido ao tempo e à História de forma mais coerente
e significativa no mundo contemporâneo.
Assim, esse estudo procura, essencialmente, discutir e analisar como a construção
do conceito de tempo no ensino de História auxilia na sua formação da identidade planetária
e de uma cidadania de caráter crítico e democrático das crianças nos anos iniciais do ensino
fundamental.
O tempo é um conceito multidisciplinar por sua própria natureza e tem sido objeto
de pesquisa e reflexão em diversas áreas do conhecimento. Das artes à astronomia,
passando pela geografia, história, psicologia, filosofia, biologia e física, entre outras,
encontramos muitos estudos que o têm por eixo central. É relevante ressaltar que o tempo
desperta um fascínio e interesse proporcional à dose de mistério que sempre carregou ao
longo da história. Ele merece, portanto, ser explorado, quer seja por sua importância
científica, quer seja por quaisquer outros de seus aspectos relevantes em nosso meio
sociocultural (artístico, filosófico, econômico, tecnológico, etc.). Essa é, indubitavelmente,
uma parte muito importante da motivação deste estudo. Assim, ao interesse inicial e
pessoal pelo tema tempo “em si”, acrescenta-se o desejo de execução de um trabalho de
pesquisa que compreenda aspectos da elaboração do conceito de tempo, pelo seu interesse
intrínseco.
3
Tempo e História estão relacionados, levando-se em conta que tempo é vida, uma
vez que quando ele acaba, morremos. E História é o conhecimento sobre a própria vida,
pois sabemos da impossibilidade de registrar e rememorar tudo o que pensamos, agimos ou
sentimos. Se não podemos ou se não nos interessa todo o passado, observamos aquela
parte que resistiu ao tempo, que buscamos a partir de testemunhos, documentos,
fotografias, vídeos, produzidos e conservados por indivíduos ou coletividades, por meio de
relatos construídos e reproduzidos por historiadores e partilhados por outros.
Conhecer História permite-nos, portanto, conhecer melhor a nós mesmos, como
acentua o historiador inglês Jenkins (2001, p.42): “a História é a maneira pela qual as
pessoas criam, em parte, suas identidades.” O conhecimento histórico diferencia-se de
outras formas de conhecimento pela centralidade da dimensão temporal, que possibilita
uma perspectiva das ações humanas no decorrer do tempo.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História dos anos iniciais do Ensino
Fundamental encontram-se fundamentos que reforçam a importância do ensino da
História na construção de noções que interferirão nas estruturas cognitivas dos alunos,
como destacado no trecho seguinte:
A construção de noções interfere nas estruturas cognitivas do aluno, modificando a maneira como ele compreende os elementos do mundo e as relações que esses elementos estabelecem entre si. Isso significa dizer que, quando o estudante apreende uma noção, grande parte do que ele sabe e pensa é reorganizado a partir dela. Na medida em que o ensino de História lhe possibilita construir noções, ocorrem mudanças no seu modo de entender a si mesmo, os outros, as relações sociais e a História. Os novos domínios cognitivos do aluno podem interferir, de certo modo, nas suas relações pessoais e sociais e nos seus compromissos e afetividades com as classes, os grupos sociais, as culturas, os valores e as gerações do passado e do futuro. (BRASIL, PCN/EF, 1997, V. 08.2, p. 30).
Levando-se em conta todas essas reflexões, constata-se que o professor assume
papel fundamental no processo de construção do conhecimento do aluno. Ele é o
mediador entre o aluno e os conteúdos, promovendo a interação dos mesmos por meio de
4
intervenções pedagógicas intencionais, provocadoras e desafiadoras. Segundo Bittencourt
(2004), o professor:
[…] é quem transforma o saber a ser ensinado em saber apreendido, ação fundamental no processo de produção de conhecimento. […] a ação docente não se identifica apenas com a de um técnico ou a de um “reprodutor“ de um saber produzido externamente. “Dar aula” é uma ação complexa que exige o domínio de vários saberes característicos e heterogêneos. […] os professores mobilizam em seu ofício os saberes da formação profissional e os saberes da experiência. A pluralidade desses saberes corresponde a um trabalho profissional que se define como “saber docente”. (BITTENCOURT, 2004, p. 232)
Sendo assim, como poderíamos ensinar com eficácia, se seus próprios
conhecimentos não estão consolidados? Como conduzi-los a aprendizagens significativas?
[…] precisamos de alunos que aprendam a descobrir por si mesmos, em parte através de sua própria atividade espontânea, em parte através do material que organizamos para eles. (PIAGET, 1987: p.30)
Observamos que as crianças estão cada vez mais cedo diante de tecnologias que
imprimem velocidade máxima em tudo o que fazem: jogos de computador, videogames,
televisão, e-mails, esportes de ação etc. Tudo é muito rápido; a parte visual é extremamente
aguçada, chama a atenção por detalhes que os olhos infantis já se acostumaram a perceber:
movimento, cores e tecnologia. Observar, escolher e pensar a respeito de objetos, que de
certa forma não está no rol das escolhas infantis, pode trazer para o grupo novas
possibilidades de reflexão sobre um assunto de grande importância: o conhecimento que se
tem da própria história. Como saber sobre isso? Só os adultos são capazes de contá-la?
Como é possível reconhecer elementos fundamentais para a constituição das heranças
culturais?
No dia a dia, utilizamos diferentes objetos, para as tarefas mais corriqueiras: a xícara
do café da manhã, o cadeado para trancar o portão, a caneta esferográfica para escrever.
Sabemos exatamente a função de cada objeto, mas, para suprir nossas necessidades, não
precisamos fazer uma análise mais detalhada da história que ele "conta".
Quando mencionamos "apreciação de objetos" o que nos vem à cabeça? Obras de
arte? Museus? Lugares onde o patrimônio histórico de um grupo está guardado? Com este
5
projeto, o docente foi convidado, juntamente com seus alunos, para uma "leitura" de
objetos, que começou na sala de aula, antes de qualquer visita à instituição cultural.
Coube ao professor iniciar uma investigação com objetos familiares trazidos à
escola pelos alunos. Eles foram convidados a observá-los como fontes de informações e
referências para contarem histórias associadas às origens e características de suas famílias e
às heranças culturais dos povos formadores da nação brasileira. Ao analisarem essas
evidências materiais da cultura e perceberem que a elas podem ser agregadas valores
diversos - por exemplo, afetivos, econômicos, artísticos, os alunos puderam desenvolver
sua capacidade de olhar e refletir sobre o significado dos objetos apresentados nos espaços
expositivos.
Pesquisando as diversas etapas necessárias para organizar uma exposição, os
estudantes se preparam para concluir esse projeto realizando uma exposição relacionada a
suas heranças culturais, em que articulam os objetos que trouxeram para a escola a suas
narrativas. Essa atividade contribuiu para que assumissem uma percepção crítica e criativa
em relação à maneira como são expostos conjuntos de objetos em mostras de instituições
culturais.
Neste projeto, os alunos dos 3º, 4º e 5º anos do Campus Engenho Novo, do
Colégio Pedro II, entraram em contato com uma parte da história que não está explícita no
objeto, é imaterial, mas que o material carrega por inúmeros motivos: por fazer parte
daquela família, por ter sido um presente muito importante, por ser algo que está há anos
com a mesma pessoa, por ter chegado a um momento de grande tristeza ou por várias
razões curiosas que as próprias crianças descreveram.
Os alunos iniciaram o percurso de reflexão sobre as narrativas que os objetos
"contam" pela observação e pelo toque, para, assim, formularem hipóteses a respeito de
como e por que eles foram confeccionados. Essa análise contou com alguns
desdobramentos que trouxeram para os alunos conhecimentos históricos sobre certa
6
época, o comportamento de diferentes grupos, o modo de vestir, a utilidade de alguns
objetos e os valores afetivos e monetários do artefato em questão.
Produto final: A organização, preparação e a realização de uma exposição, catalogação
de objetos trazidos de casa e/ou recolhidos na escola, atendimento ao público visitante,
de acordo com critérios estabelecidos pelo grupo, além de um registro das etapas de
elaboração, como memória do trabalho. A exposição foi aberta a visitação de todos
alunos da escola e seus responsáveis.
Período e duração: 05 semanas a partir da 3ª semana de agosto de 2013
Objetivos:
Observar a necessidade do registro histórico; a existência de fontes históricas.
Conhecer a história através da reconstituição das décadas através do tempo.
Reconhecer e valorizar fontes de informação contidas em objetos trazidos de casa
ou da casa de algum parente que representem aspectos importantes para a história
pessoal e/ou familiar de cada aluno, identificando as correlações existentes entre os
depoimentos do grupo.
O que se esperou que os alunos aprendessem: Por meio da análise de objetos, da
produção de textos e da reflexão sobre o tempo histórico que os objetos ocupam,
espera-se que os alunos sejam capazes de:
Reconhecer os objetos como "portadores de narrativas" sobre o passado, podendo
ser vinculados a diferentes tipos de valor (afetivos, artísticos) ou mesmo tratados
como documentos históricos.
Produzir narrativas que tenham como foco as heranças culturais com base em
objetos selecionados por eles.
Refletir a respeito dos locais e objetos que contam a história de um tempo ou de
um grupo.
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Perceber como os espaços expositivos se organizam.
Reconhecer os espaços expositivos como fontes de informação e lazer.
Identificar, pelas características próprias de alguns objetos, informações relevantes
sobre a exposição.
Etapas de desenvolvimento do projeto:
1. Apresentação do projeto aos alunos: Para que os alunos pensem sobre as
necessidades que impulsionaram as transformações ocorridas ao longo do tempo,
as questões afetivas que os objetos podem "guardar" ou ainda como essa história é
revelada pela utilização de determinados materiais na própria confecção, é
necessário que entrem em contato direto com tais elementos. Esse contato será
promovido na escola, antes da visita à instituição, observando objetos que contam
sua própria história.
2. Tocar, contar, observar para conhecer:
- Objetivo: Fazer com que os alunos pensem a respeito da história que os objetos
contam ou que podem ser contadas por meio de sua observação.
- Encaminhamento: Este foi o momento propício para saber quais os conhecimentos
dos alunos em relação a alguns objetos trazidos por você ou presentes no cotidiano da
escola.
a) Escolheu-se alguns objetos, que apresentem peculiaridades de uma época, que contem
sua história ou a de sua família, por exemplo: roupas antigas e atuais, adereços de
cabelo, discos, utensílios de cozinha, aparelhos elétricos ou eletrônicos, rádio de pilha,
fotos em preto-e-branco ou outro objeto cuja utilidade, hoje em dia, os alunos não
conheçam.
b) Em roda, estabeleu-se a seguinte conversa com o grupo: Gostaria que pensassem a respeito
do que eu trouxe, depois de tocar, sentir o cheiro, observar os materiais, as formas e os tamanhos.
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Como supõem que foram confeccionados? O que sabem ou imaginam sobre cada um? Vocês têm algo
parecido em casa?; Por que acham que eu escolhi esses objetos para conversarmos? Ressaltou-se a
história que está sendo contada enquanto tentam caracterizar cada objeto e enfatize que
durante a observação vão investigar cada detalhe. Procure acrescentar informações à
medida que os alunos expõem suas ideias. No entanto, esperou-se que elas
investigassem, falassem, levantassem hipóteses a respeito dos objetos, para, em seguida,
você contar detalhes em cada narrativa.
3. História trazida de casa
- Objetivo: Selecionar entre os vários objetos que fazem parte do cotidiano dos alunos
algum que "conte" ou expresse uma situação familiar que possa ser compartilhada com
a turma, entendendo assim que os objetos têm histórias.
- Encaminhamento
a) Para iniciar esta atividade, retomou-se a anterior, lembrando as histórias que
surgiram após a observação dos objetos que você trouxe, e perguntou-se aos alunos
se em sua casa ou na de um parente há um objeto que conte histórias de sua família
ou de algum membro dela.
b) Solicitou-se aos alunos que trouxessem o objeto para apresentá-lo à turma.
Explicou-se que a escolha pode ter vários motivos: um objeto "esquisito",
confeccionado com um material interessante, algo que está na casa deles há muitos
anos, um presente especial, uma peça que lhes pareça antiga, algo que tem um
cheiro de que gostem etc. O importante era que cada aluno conversassem com os
colegas sobre o que escolheu. Marcou-se uma data para a chegada dos objetos,
assegurando ao grupo que eles serão muito bem cuidados enquanto estivessem na
escola.
4. Muitas histórias diferentes
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- Objetivo: Interagir com os objetos trazidos pelos alunos, encontrando semelhanças
entre a história de cada um e a dos colegas, comunicando fatos, ideias ou situações que
acompanharam a escolha dos objetos.
- Encaminhamento
a) Foi reservado aos alunos que trouxeram objetos um momento para que falassem
sobre eles para o restante da turma. Os alunos não puderam contribuir com algum
objeto, não foi empecilho para dar continuidade à proposta.
b) Preparou-se uma ficha de apresentação do objeto para nortear a conversa que os
alunos teriam com os colegas com nome do objeto, por que foi escolhido e o que você sabe
sobre ele.
c) Foram propostos alguns desdobramentos para esta etapa, por exemplo:
agrupamento dos objetos por categorias (brinquedos, objetos de casa etc.);
confecção desenhos de observação dos objetos trazidos; escrita de um texto sobre
o objeto de que cada um mais gostou, justificando a escolha.
d) Depois da apresentação dos objetos, foram lançadas as seguintes questões, que
resultaram numa lista com as sugestões oferecidas pelos alunos: Poderíamos apresentar
nossos objetos e contar um pouco de sua história para um público maior que o de nossa classe?
Para isso eles precisariam estar organizados?; Se fizéssemos uma exposição dos objetos trazidos de
casa, o que poderíamos informar/contar?
5. O que é preciso saber para preparar uma exposição? Nossas histórias,
reunidas em uma exposição
- Objetivos: Aprender a preparar uma exposição, partindo do reconhecimento da
importância de espaços que cuidam do patrimônio cultural e histórico da sociedade.
Montar a exposição, aprendendo como organizar e selecionar seções com base em
informações e objetos com características variadas.
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- Encaminhamento: Os alunos começaram a pensar além da história particular que o
objeto carrega e ampliaram a discussão para as instituições responsáveis por cuidar do
patrimônio cultural e histórico de uma sociedade.
a) Foram lançadas as seguintes questões: vocês já visitaram uma exposição?; para que servem
as exposições?; vocês conhecem lugares onde são realizadas exposições?
b) Preparou-se uma lista coletiva com as ideias da turma a respeito dessas questões e
colocaram-se nos murais das classes.
c) Os objetos trazidos foram dispostos em um espaço da sala sem nenhum critério
previamente estabelecido, e perguntou-se aos alunos como organizariam esses
objetos.
d) Divididos em pequenos grupos, os alunos registraram como organizariam tais
objetos. Cada grupo justificou sua escolha de forma oral.
e) Anotaram-se as falas e pediu-se aos alunos que pensassem sobre a questão: “depois
da exposição montada, não ficaremos o tempo todo à disposição dos visitantes para falar dos
objetos. Assim, não seria importante oferecer algum tipo de informação às pessoas? Como
deveríamos fazer isso?" Levantou-se a necessidade de uma ficha catalográfica com
algumas informações a respeito do objeto, como aquela preenchida quando falaram
pela primeira vez do que trouxeram. Em geral, as fichas catalográficas contêm
informações sobre a procedência do objeto: ano de confecção, a quem pertence, de
que material é feito, e se foi doado por alguém. No caso das peças que os alunos
trouxeram, foi interessante adicionar-lhes particularidades, por exemplo: "Meu avô
trouxe este chapéu de couro do Ceará e todos os homens da família já foram
fotografados com ele". De acordo com o tema de cada grupo de objetos,
informações sugeridas pelos alunos foram incluídas nas fichas.
6. Nossas memórias - avaliação
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- Objetivo: Avaliar o processo de trabalho por meio de anotações, conversas e produção
de material com registros de todas as etapas do projeto.
- Encaminhamento: Logo após a conclusão da exposição na escola, foi fundamental
que os alunos pudessem expressar e registrar opiniões sobre o trabalho realizado
atentando para aspectos importantes em seu desenvolvimento: Conseguimos comunicar o
que pretendíamos na exposição dos objetos trazidos de casa? Que tipo de retorno obtivemos do público
visitante? Foi importante fazermos uma exposição sobre os objetos que nos são significativos? Por quê?
Esse registro foi o último que acompanhou as demais anotações que garantiram ao
longo do projeto a memória do trabalho, resultando num registo que foi organizado
por cada turma (em um portfólio, caderno de memórias da turma, álbum de fotografias
e cartazes).
7. Fotos da exposição
Fonte: Autoria própria Fonte: Autoria própria
Fonte: Autoria própria Fonte: Autoria própria
Fonte: Autoria própria Fonte: Autoria própria
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITTENCOURT, Circe Maria F (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo:
Contexto, 1998.
_________. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
BRASIL. Parâmetos Curriculares Nacionais: Volume 05 - História e geografia - 1o e 2o
ciclos. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.
JENKINS, Keith. A História repensada. São Paulo, Contexto, p.42, 2001.
PIAGET, Jean. A Noção de tempo na criança. Rio de Janeiro: Distribuidora Record,
1986.
Fonte: Autoria própria Fonte: Autoria própria
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UM DESAFIO ENFRENTADO PELA ESCOLA
Jacqueline Fonseca do Prado Soares1
Maria Chirstina Schwenck Corrêa de Brito2
Maria Lucia Munaro Lima3
_____________________________________________________________________
RESUMO
A questão da sustentabilidade tem sido objeto de discussão da sociedade moderna por
contemplar questões essenciais para a humanidade. A escola, como instituição fundamental
na formação de conceitos, hábitos e atitudes não pode se alijar do compromisso de
formação de um consumidor crítico e consciente de suas responsabilidades consigo
mesmo, com seu próximo e com o ambiente em que vive. Este artigo descreve uma
atividade realizada no Campus ENI, que foi premiada pela rede de aprendizagem para
consumo consciente Edukatu.
ABSTRACT
The issue of sustainability has been discussed by modern society by contemplating major
issues facing humanity. The school as a key institution in the formation of concepts, habits
and attitudes cannot get rid of its commitment to form a critical consumer, aware of his
responsibilities himself, with others and with the environment in which he lives. This
article describes an activity carried on Campus ENI, which was awarded by the learning
network to Edukatu conscious consumer.
______________________ 1Doutora em Ciências da Educação e Professora do Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II
2Mestra em Musicologia e Coordenadora e Professora de Educação Musical do Campus Engenho Novo I do
Colégio Pedro II 3Mestra em Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente e Professora do Campus Engenho Novo I do
Colégio Pedro II
Atualmente, o termo “sustentabilidade” tornou-se muito explorado, aparecendo em
inúmeras oportunidades: na mídia, no discurso de políticos, empresários e demais
profissionais que pretendem atrelar suas atividades com a causa pela “saúde” do planeta.
No entanto, sabe-se que a maior parte destas falas não reflete um compromisso legítimo e
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responsável, bem como não representa clareza da abrangência deste conceito. Geralmente,
acaba na manifestação eloquente, mas pouco envolve de ação efetiva.
O significado de sustentabilidade, entretanto, foi claramente definido pela
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações
Unidas, em 1987. O documento chamado “Nosso Futuro Comum” classificou
desenvolvimento sustentável como aquele que “satisfaz as necessidades presentes, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades.” Ou
seja, recomenda cuidar dos ecossistemas no presente para que haja recursos suficientes para
sustentar a vida humana no futuro.
Segundo colocação expressa nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998):
Sustentabilidade implica o uso dos recursos renováveis de forma qualitativamente adequada e em quantidades compatíveis com sua capacidade de renovação, em soluções economicamente viáveis de suprimento das necessidades, além de relações sociais que permitam qualidade adequada de vida para todos. (PCN, 1998)
Atualmente, muitos autores têm ampliado esta concepção de sustentabilidade,
passando a não considerá-la apenas como a possibilidade de desenvolvimento sem agressão
ao meio, mas também como a integração do ser humano consigo mesmo, com o outro e
com a Natureza.
Se desperta, assim, para a necessidade iminente de que o homem repense hábitos e
atitudes que possam vir a comprometer cada vez mais o equilíbrio do meio ambiente. Não
é mais hora de assistir acidentes naturais sem se sentir culpado por eles, não dá mais tempo
para insistir na ideia de que crescimento econômico e proteção ambiental não podem
caminhar juntos. O momento é de buscar soluções, de cada segmento da sociedade fazer a
sua parte, de refletir sobre o futuro que se quer e o que talvez já esteja reservado para a
espécie humana.
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Ignacy Sachs faz suas as palavras de M. S. Swaminathan quando este afirma: “Uma
nova forma de civilização, fundamentada no aproveitamento sustentável dos recursos
renováveis, não é apenas possível, mas essencial.” (SACHS, 2000, p. 29).
As grandes empresas sabem que o poder de decisão está nas mãos do cidadão.
Tornando-se consciente da situação, ele é capaz de exigir mudanças. Portanto, um modo de
produção que não se interessa pela Natureza, não é uma boa propaganda para ninguém.
Hoje, o consumidor se pergunta sobre a origem do produto, a forma como ele é produzido
e descartado, os danos que pode vir a causar ao ambiente.
Dentro desta realidade, a escola assume importante função: a obrigação social de
ajudar na formação deste novo consumidor, cidadão e ser humano.
Gadotti localiza historicamente a relação sustentabilidade e educação:
A UNESCO patrocinou em 1997 na Tessalônica (Grécia) uma conferência internacional sobre „meio ambiente e sociedade‟, centrada no tema da educação. A Conferência de Tessalônica seguiu os passos das reuniões Anteriores da UNESCO–Tbilisi (1977), Jomtien (1990), Toronto (1992), Istambul (1993) e a série de Conferências das Nações Unidas iniciada em 1992 com a Rio-92, seguida pelas de 1994 no Cairo (população), em 1995 em Copenhague (desenvolvimento social) e Beijing (sobre a mulher) e de 1996 em Istambul (assentamentos humanos). Três anos antes, a UNESCO havia lançado a iniciativa internacional sobre „educação para um futuro sustentável‟, reconhecendo que a educação era a „chave‟ do desenvolvimento sustentável e autônomo. (GADOTTI, 2000, p. 8)
Neste contexto, cabe ao educador estar consciente de que somente práticas
expositivas sobre o assunto terão pouco impacto no processo de transformação que se
pretende operar.
Deve ser uma metodologia que promova a discussão, o confronto de hábitos e noções
preconcebidas, a reflexão e a tomada de decisões àquela capaz de fazer com que o aluno
tente modificar suas atitudes face ao meio em que vive. Nas palavras de Nelson Mandela:
“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.”
É necessário fazer com que os indivíduos vivenciem a sustentabilidade no seu dia a
dia, libertando-se da noção de que é assunto para fanáticos ou românticos. É importante
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que aceitem o desafio de viver em equilíbrio com a natureza e que sejam capazes de cobrar
dos governantes sua parcela de responsabilidade, fiscalizando, por exemplo, a execução dos
acordos firmados internacionalmente, não permitindo que se tornem meros pedaços de
papel, que podem ser rasgados a qualquer momento, superados pelo poder do capital.
Cada educador deve, então, repensar sua prática. Trabalhar sustentabilidade não é
assunto de uma única disciplina, de um único trimestre, de uma única série ou, pior ainda,
de uma avaliação.
Trabalhar sustentabilidade é uma lição de vida. Deve ser lembrada a todo o
momento: nos conteúdos de Ciências, mas também no material escolar que se deve
comprar, na forma de trazer o lanche, na bolsa que vai se usar para carregar as compras de
mercado, entre tantas outras ações. É uma discussão viva e, portanto, presente em todo o
currículo escolar, pois deve ser elemento constante de reflexão do professor. Segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998):
[...] a questão ambiental impõe às sociedades a busca de novas formas de pensar e agir, individual e coletivamente, de novos caminhos e modelos de produção de bens, para suprir necessidades humanas, relações sociais que não perpetuem tantas desigualdades e exclusão social, e, ao mesmo tempo, que garantam a sustentabilidade ecológica. Isso implica um novo universo de valores no qual a educação tem um importante papel a desempenhar. (PCN, 1998)
Aceitar o desafio “Piquenique pela Sustentabilidade” lançado pelo Edukatu, rede de
aprendizagem para consumo consciente, foi uma maneira de mostrar aos alunos que o
problema existe e é preciso encontrar caminhos para resolvê-lo.
A ideia era realizar com as turmas do Campus Engenho Novo I o maior número
possível de piqueniques que deveriam ser, ao mesmo tempo, saudáveis e sustentáveis.
A campanha do Edukatu tinha por objetivo “mobilizar comunidades escolares para
a realização de atividades, que pudessem auxiliar na reflexão sobre hábitos de consumo e
alternativas viáveis para fazê-lo de maneira consciente.”
17
Resolveu-se selecionar as turmas do segundo e do quinto anos, a fim de avaliar o
impacto do trabalho em grupos de faixas etárias diferentes. Os alunos do segundo ano têm
entre sete e nove anos e os do quinto, entre dez e doze.
Para a consecução do desafio, iniciou-se a fase de planejamento das atividades.
Algumas questões deveriam nortear esta discussão:
1- Que alimentos trazer para o piquenique? Era fundamental conversar desde a
necessidade de que nossa refeição fosse o mais saudável possível, até a
prioridade que deveriam dar, na hora de comprar, a alimentos orgânicos, que
são mais saudáveis e menos agressivos ao meio ambiente, como também
escolher produtos que são produzidos em locais mais próximos de seu lugar de
moradia. Estes alimentos têm preços mais atraentes e gastam menos
combustível para chegar ao consumidor final. Da mesma forma, deveriam
também buscar produtos da estação, por estarem, geralmente, mais frescos.
2- Como trazê-los? O papel da embalagem e o que é feito com ela no final era um
item importantíssimo nesta pauta. Além disso, pensou-se sobre a cesta de
piquenique ou a sacola retornável, a de feira ou qualquer outra que tivessem em
casa onde poderiam trazer os alimentos, sem que tivessem que descartá-las ao
acabar o piquenique.
3- Como consumir estes alimentos? A questão da não utilização de utensílios
descartáveis também era ponto chave da atividade.
4- O que pode ser feito com as sobras? A reflexão sobre o lixo orgânico e a
importância de que esteja separado dos demais também precisava ser pensada.
5- De que marca comprar? A problemática das empresas que têm responsabilidade
socioambiental ainda é de difícil entendimento, devido à faixa etária do grupo,
mas começar a ouvir e pensar sobre estas questões nunca é demais.
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6- Que tipo de toalha usar? Optou-se pela plástica que gasta menos água para ser
limpa.
Já, durante este planejamento, deparou-se com uma barreira: os alunos aceitavam
bem a ideia de que o lanche fosse saudável, mas tinham grande dificuldade em pensar de
forma sustentável. Os maiores apresentaram mais resistência do que os menores. Os
hábitos que acompanham os indivíduos foram adquiridos na sociedade, altamente
consumista e capitalista em que se vive, hoje, e modificá-los é tarefa muito difícil, não só
para os pequenos, mas para todos. Por isso, questionaram bastante:
Como vou trazer o sanduíche? Minha mãe não vai aceitar este negócio de não embrulhar no papel alumínio. Posso trazer copos descartáveis. É baratinho! Não vamos usar guardanapo? Que nojo! Conclui-se, então, da necessidade de começar a trabalhar as questões relativas ao
consumo consciente de produtos o mais cedo possível, se se pretende realmente intervir no
processo de formação de hábitos destes cidadãos.
Segundo discurso proferido pelo professor Benhur Gaio:
Quem escolhe a educação como atividade profissional, independentemente da subárea que eleja, compromete-se com o fenômeno magnífico da transformação. Transforma-se o conceito quando se ensina e se aprende algo que ali não existia. Transforma-se a teoria quando se avança para algo além dela. Transforma-se uma época quando se ensina e se aprende que é hora de mudar. Transforma-se o mundo quando se investe no ser humano. Transforma-se a humanidade quando o ser humano sabe mais (ciência) e, com isso, consegue fazer mais (tecnologia). Resultado global: ele se torna mais saudável, mais capaz e mais feliz. (Uninter, 2012)
Tudo combinado era hora de ir para casa, socializar com a família o que foi
discutido na escola e preparar o lanche. No momento dos piqueniques, ainda houve alunos
que trouxeram embalagens descartáveis, mas a maioria do lixo produzido nas atividades foi
orgânico, ou seja, só cascas e restos de comida.
19
Outra discussão se fez necessária no final de cada atividade: “O que ficou dos
piqueniques?” E a resposta foi a pensada pelos organizadores do Edukatu:
No fim, o que guardamos de um piquenique sustentável é, no mínimo, aquela sensação boa de um gostoso momento compartilhado com pessoas queridas. O piquenique é uma ótima oportunidade para colocar em prática o que já sabemos sobre como fazer a nossa vida mais sustentável e harmoniosa. (Edukatu, 2013)
Era necessário, ainda, trazer receitas feitas com partes de alimentos que geralmente
são jogados fora, entrevistar atores sociais que trabalham com a questão da reciclagem,
preparar histórias, retratando o ciclo de vida de alguns materiais e brincadeiras, realizadas
durante os piqueniques, sobre o reaproveitamento de produtos.
Aproveitou-se os momentos da aula de Informática para colher estas informações,
redigir o material, postar o trabalho em desenvolvimento no blog da rede, compartilhando-
o com alunos e professores de outras escolas do país, que estavam participando do mesmo
desafio e preparar vídeos sobre estes momentos.
Assim a atividade, que a princípio pareceu simples, foi a oportunidade de se discutir
vários conceitos, socializá-los e tentar modificar alguns hábitos. O grande desafio era usar,
na prática, conhecimentos já adquiridos em sala de aula, mas que ficaram apenas na
discussão. Além disso, por ser uma atividade coletiva, permitiu a integração não só de
várias disciplinas, mas, sobretudo, de várias pessoas em torno de um objetivo comum.
Rendeu ainda à escola uma premiação, por ter conquistado o primeiro lugar: três
tablets para a sala de Informática, que serão usados em novos projetos, a vinda do grupo
do Edukatu a escola, oportunidade em que desenvolveram oficinas com alunos e
professores sobre recursos naturais, os 4 Rs e consumo consciente e a gravação de uma
videorreportagem sobre o trabalho realizado.
No entanto, mais importante do que o prêmio material foi o prazer em desenvolver
este projeto e a possibilidade de dar um passo, de formiga, sabe-se, mas nem por isso
20
menos importante, na construção do futuro que se quer para a humanidade, para que o
sonho de consumo de hoje, não se torne o pesadelo de amanhã.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio Ambiente. Brasília: MEC/SEF, 1998. Frases de Nelson Mandela que todo mundo deveria ler. Disponível em: <http://pt.globalvoicesonline.org/2013/12/09/17-frases-de-nelson-mandela-que-todo-mundo-deveria-ler/> Acesso em 05 mar. 2014. GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. São Paulo: Petrópolis, 2000.
Nosso Futuro Comum. Onu. Disponível em <http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-meio-ambiente/> Acesso em 05 mar. 2014.
Palavra do Reitor – Centro Universitário e Jornal Eletrônico. Uninter. Disponível em: <www.grupouninter.om.br> Acesso em: 13 jul. 2012. Piquenique pela sustentabilidade. Edukatu. Disponível em: <www.edukatu.org.br> Acesso em: 28 set. 2013. SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento Sustentável. Rio de janeiro: Garamound, 2000.
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OFICINA CONSTRUINDO E RECONSTRUINDO A
APRENDIZAGEM MATEMÁTICA: PROPOSTA DE
ATENDIMENTO PEDAGÓGICO PARA CRIANÇAS COM BAIXO
RENDIMENTO ESCOLAR
Ana Cristina Calabria Vicente Mangi1
Sandra Maria Teixeira Pinheiro Taranto2
_____________________________________________________________________
RESUMO
O baixo rendimento escolar na área de matemática associado a problemas de baixa
autoestima, menos valia, dificuldade de concentração e ansiedade são variáveis psicológicas
que causam grande impacto na aprendizagem dos alunos, pois influenciam em sua
motivação: crenças acerca das próprias capacidades, as expectativas quanto ao futuro, às
interpretações referentes as experiências de sucesso ou fracasso . O objetivo do estudo foi
verificar os efeitos de uma intervenção baseada em princípios da aprendizagem mediada,
sobre o desempenho acadêmico na área de matemática, em crianças que apresentam tal
dificuldade. Participaram do estudo 20 alunos do 5º ano do Ensino Fundamental do
Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II. As dificuldades de aprendizagem desses
alunos foram avaliadas antes e após a intervenção pelos professores e coordenadores
pedagógicos. A intervenção se deu por meio da oficina construindo e reconstruindo a
aprendizagem matemática, realizadas semanalmente em pequenos grupos. Após a
intervenção, constataram-se que alguns desses alunos melhoraram a capacidade de usar a
informação para pensar criticamente, a capacidade de resolver problemas, comunicar ideias,
procedimentos e atitudes.
ABSTRACT
Poor academic performance in the area of mathematical problems associated with low self-
esteem, worthlessness, difficulty concentrating and anxiety are psychological variables that
have a major impact on student learning, as they influence on their motivation: beliefs
about own abilities, expectations about the future, the interpretations regarding the
experiences of success or failure. The aim of the study was to determine the effects of an
intervention based on principles of mediated learning on academic performance in the area
of mathematics in children with such difficulty. Study participants were 20 students from
the 5th grade of elementary school Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II.
22
Learning difficulties these students were assessed before and after intervention by teachers
and coordinators. The intervention occurred through the workshop constructing and
reconstructing mathematics learning, held weekly in small groups. After the intervention, it
found that some of these students improved their ability to use information to critically
think about the ability to solve problems, communicate ideas, procedures and attitudes.
______________________ 1Doutora em Ciências da Educação e Diretora Pedagógica do Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II
2Doutora em Ciências da Educação e Diretora-Geral do Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II
1. INTRODUÇÃO
O baixo rendimento na área de matemática configura, para o aluno, uma vivência
de fracasso. Assim, quando a criança vai mal na escola ela desenvolve um quadro de baixo
autoestima, queixas somáticas e dificuldades de concentração, que pode afetar sua
formação como indivíduo crítico reflexivo e preparado para a realidade contemporânea.
A Matemática tem sido razão de alegria para os que a compreendem e a aplicam
para solucionar problemas. Entretanto, é comum as pessoas lembrarem-se dela como algo
difícil de entender, fator de desinteresse pela aprendizagem e até de aversão. Com muita
frequência, ouve-se dos pais a expressão “eu não era bom em Matemática” quando
procuram ajuda para o filho melhorar seu desempenho na Escola. É uma forma de
justificar o desempenho do filho. De acordo com Coll et al. (1998), para muitos, a
experiência da Matemática Escolar não é fonte de satisfação, mas de frustrações e
sentimentos negativos.
Qualquer interação em sala de aula está sujeita a uma variedade de influências em
relação aos aspectos afetivos, em particular, às crenças e valores dos sujeitos – professores
e alunos – envolvidos nesta interação. Wallon (apud Almeida, 1999) destaca que "a
afetividade e a inteligência constituem um par inseparável na evolução psíquica, pois ambas
23
têm funções bem definidas e, quando integradas, permitem à criança atingir níveis de
evolução cada vez mais elevados" (p. 51).
É necessário recolocar na escola o princípio de que toda morfogênese do
conhecimento tem algo a ver com a experiência do prazer, conforme mostra Assmann
(1988). Quando esta dimensão está ausente, a aprendizagem vira um processo meramente
instrucional, desinteressante.
Em relação a o processo ensino-aprendizagem da matemática, estudos como;
Bishop et al. (1999) e Chacón (2003) mostram que os afetos dos alunos são fatores-chave
na compreensão de seu comportamento face à aprendizagem em matemática e que as suas
crenças, assumem, neste contexto, uma função importante articulando afeto e cognição
imersos em um processo cíclico, onde crenças e sujeitos de aprendizagem se influenciam
reciprocamente.
De acordo com Gómez Chacón: a relação que se estabelece entre afetos –
emoções, atitudes e crenças – e aprendizagem é cíclica: por um lado, a experiência do
estudante ao aprender matemática provoca diferentes reações e influi na formação de suas
crenças. Por outro, as crenças defendidas pelo sujeito têm uma consequência direta em seu
comportamento em situações de aprendizagem e em sua capacidade de aprender. (2003,
p.230).
É imprescindível que a prática pedagógica procure descobrir um reorientar didático
pedagógico que faça com que a educação cumpra a sua função: a formação de um
estudante crítico, capaz de agir com autonomia e consciência nas suas relações sociais”
(PCN, 1998).
Maturana (1998) define educação como um processo em que o sujeito inserido em
seu meio, convive com os outros e, nesse conviver, se transforma espontaneamente e
influencia a transformação de outros sujeitos. Sendo a educação um processo permanente e
24
recíproco de formação de indivíduos que se respeitam e se aceitam num espaço de convívio
a partir do respeitar-se e aceitar-se a si mesmos.
Segundo Maturana (1998), o ambiente escolar deve cuidar para que os discentes
tenham a possibilidade de ampliar sua capacidade de ação-reflexão no mundo em que
vivem. Ambiente que tenha como finalidade educativa o conviver num espaço de aceitação
recíproca, permeada pelo respeito, compreensão e não meramente aprender conteúdos.
Um verdadeiro espaço de vivência democrática, ao invés de um espaço de discursos
democráticos.
A oficina construindo e reconstruindo a aprendizagem matemática visa ser um
espaço de reflexão e de diálogo entre os diferentes atores educativos, possibilitando dessa
forma o desenvolvimento do ser humano em todas as dimensões cognitivas, afetivas,
estéticas e éticas.
Um espaço real de socialização e vivências, no qual verdadeiramente possam se
legitimar e expressar as experiências dos sujeitos envolvidos no processo educativo. Um
espaço de construção de conhecimento que se constitui a partir de um processo ativo de
interlocução entre os atores educativos, onde alunos e professores são pesquisadores, onde
educadores estão atentos as crenças autorreferenciadas, procurando desenvolver
autopercepções positivas.
De acordo com Gómez Chacón, a relação que se estabelece entre afetos –
emoções, atitudes e crenças – e aprendizagem é cíclica: por um lado, a experiência do
estudante ao aprender matemática provoca diferentes reações e influi na formação de suas
crenças. Por outro, as crenças defendidas pelo sujeito têm uma consequência direta em seu
comportamento em situações de aprendizagem e em sua capacidade de aprender. (2003,
p.230)
A oficina pretende fornecer instrumentos para o sujeito atuar no mundo de modo
mais eficaz, formando cidadãos comprometidos e participativos, que saibam como nos
25
mostra D´Ambrósio: “manejar situações reais, que se apresentam a cada momento, de
maneira distinta” (1990, p.16).
Nesse espaço, o erro não é concebido como fracasso, uma anomalia, busca-se a
ultrapassagem da cultura do fracasso para a cultura do erro como reflexo de pensamento.
O erro é visto como um processo de encadeamento do pensamento, dissociado da ideia de
fracasso, para assim auxiliar os sujeitos alunos na busca de estratégias de superação dos
próprios erros, tornando-os confiantes, sujeitos do seu processo de construção do
conhecimento matemático.
A oficina consiste num cenário de investigação, num ambiente como nos mostra
Skovsmose (2008), “Um exercício é um ambiente de trabalho, no qual se obtém uma única
solução, enquanto que o cenário de investigação é um ambiente de trabalho que oferece
aos alunos recursos diversos para fazer investigações matemáticas. Todos os alunos são
convidados a formularem questões e procurarem explicações. O convite é simbolizado por
seus “Sim, o que acontece se…?” Dessa forma, os discentes se envolvem no processo de
exploração. O “Por que isto…?” dos discentes indica que eles estão encarando o desafio e
buscando explicações. Além de possibilitar a construção dos conceitos matemáticos tem
também o objetivo de promover o olhar crítico do aluno para que, assim, possa interpretar
e agir no mundo. Um ambiente de aprendizagem onde o docente busca, incessantemente,
formas de provocar instabilidade cognitiva, formas de desafiar as estruturas conceituais dos
alunos.(SILVA, 2002.)
De acordo com a percepção dos professores os alunos convidados para a oficina
apresentavam dificuldades nos eixos: números e operações. Não conseguiam resolver
problemas que envolvessem o conceito de comparar da subtração e o de medir da divisão.
Demonstravam também não ter conseguido construir o conceito de numero racional.
Apresentando autoimagem negativa, sentimentos de inferioridade e menos valia.
26
Em sala de aula, com 25 alunos, mesmo trabalhando com projetos, com ambientes
de aprendizagem variados, utilizando material concreto adequado e jogos, o professor
sendo mediador das situações de aprendizagem, esses alunos não conseguiam vencer suas
dificuldades, avançar cognitivamente, desenvolver poder matemático, construir os
conceitos matemáticos pertinentes à série, no mesmo espaço de tempo dos demais, já que o
regime de trabalho ainda é seriado, com avaliações trimestrais.
Para que houvesse modificabilidade cognitiva, maior flexibilidade de pensamento e
desenvolvimento da autoconfiança criou-se a oficina construindo e reconstruindo a
aprendizagem matemática para que a interação entre o aluno e o mediador ocorresse num
grupo menor de trabalho, com negociação de normas sociomatemáticas e sociais.
As normas sociomatemáticas são normas específicas dessa área de conhecimento.
Referem-se ao modo de analisar e discutir os aspectos matemáticos desenvolvidos tanto
pelo professor como pelo aluno. Yackel e Cobb (1996) citam como exemplo dessas
normas: as explicações aceitáveis, a diferença matemática e a solução sofisticada e eficaz.
A aceitação está relacionada com a negociação do processo, com a forma de atuar
nas contribuições, sendo a explicação aceitável construída de forma partilhada pelos
professores e pelos alunos. Uma justificação matemática aceitável ocorre quando o aluno
consegue explicar matematicamente seu argumento, explicam, analisam os conceitos
matemáticos envolvidos, não descrevendo somente procedimentos de resolução.
A diferença matemática consiste no professor, como mediador, observar as
diferentes contribuições, ajudando aos alunos a alcançarem os objetivos da aula, ajudando-
os a perceber as diferenças existentes nas intervenções, buscando encontrar consenso para
o que significa solução matematicamente diferente.
A última norma é decorrente da diferença matemática, pois os discentes após
perceberem e concordarem com o que é diferente, classificam as soluções em mais fáceis
ou mais difíceis, tornando-se capazes de alterarem suas estratégias de solução.
27
A construção do conhecimento na sala de aula baseia-se na negociação de
significados, num processo em que todos têm similares possibilidades de emitir críticas
sobre as questões colocadas e de construir novos significados a partir de experiências
individuais ou coletivas de interação com os objetos matemáticos, com outros sujeitos
escolares.
A partir das relações sociais, na interação com o outro é que se propiciam as
mudanças de atitudes. Buscou-se o respaldo na Concepção Cognitivista Sócio
interacionista, concebida pelo sociólogo russo Lev Semenovich Vigotsky nas ideias de
caráter social, por meio da qual serão construídos os conceitos, mudando os modelos
mentais.
Sob a ótica de Vygotsky (1984), o vetor de desenvolvimento e aprendizagem vai do
exterior do sujeito para o interior, através do processo de “internalização” que são as
transformações das ações externas, sociais, em ações internas, psicológicas. Nesta
perspectiva, não há sentido em valorizar a transmissão de informações e sim as ações e
operações dos indivíduos sobre o meio.
De acordo com a perspectiva sócio cognitivista, há uma relação mútua entre
desempenho e crenças autorreferenciadas. A posse de habilidades, isoladamente, não
elucida a causa de desempenhos adequados ou inadequados no contexto escolar. Neste
sentido, é importante que educadores estejam atentos as crenças pessoais, desenvolvendo
auto percepções positivas.
O ensino da matemática desenvolvida na oficina preconiza uma abordagem que
não se restringe à dimensão cognitiva, mas que enfoca a matemática como um processo de
formação integral, onde são desenvolvidos valores relacionados à convivência entre as
pessoas e o mundo.
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2. MATERIAIS E MÉTODOS
A indicação para participação em oficinas de matemática foi feita pelos professores
de turmas do 5º ano do ensino fundamental após a avaliação da coordenação pedagógica e
do serviço de orientação pedagógica do Colégio Pedro II.
Foram convidados a participar da oficina 20 alunos, cujo atendimento realizou-se
em pequenos grupos com no máximo 5 alunos. A oficina ocorreu durante todo o ano
letivo, uma vez por semana, com uma hora e meia de duração.
Os encontros iniciais foram dedicados à familiarização entre os membros do grupo,
proposição de metas comuns, sondagem dos interesses dos participantes e elaboração
conjunta de regras para o funcionamento do grupo.
Num primeiro momento, traçou-se o perfil dos alunos que compõem cada grupo
no que se refere à idade, sexo, preferência de disciplinas, desempenho acadêmico na área de
matemática, a avaliação que apresentam sobre o ensino oferecido no colégio e sobre o
relacionamento professor–aluno, bem como as atitudes em relação à matemática e seu
aprendizado.
Esse levantamento inicial teve por finalidade, além de traçar um perfil acerca dos
sujeitos participantes da oficina, identificar se as atitudes demonstradas pelos alunos em
relação à disciplina de matemática, conforme aponta Chacón (2003), são negativas ou
positivas, de aceitação ou de repúdio. Essa identificação é de suma importância, pois as
experiências de aprendizagem influem nas crenças e, por sua vez, estas também
influenciam na forma do aluno de abordar e realizar atividades matemáticas: forma passiva
e submissa ou dotada de espírito crítico e autonomia.
Os sujeitos participantes foram indagados sobre:
O que vem a ser Matemática? Represente também através de um desenho
O que é preciso para aprender os conceitos matemáticos?
Por que os alunos têm que estudar matemática na escola? Qual a finalidade desse conhecimento?
29
O próximo passo foi definir a prática pedagógica a ser desenvolvida durante os
encontros na oficina, às regras sociais e sociomatemáticas que seriam utilizadas e o
ambiente físico e afetivo necessário.
Em seguida foi realizada uma autoavaliação por cada sujeito participante da oficina,
acerca dos conteúdos já aprendidos, as dificuldades sentidas, a preferência sobre os eixos
da área de matemática, as competências já construídas, levantamento de conteúdos de
interesse e projetos que gostariam que fossem realizados.
Depois foi realizado, em conjunto, o planejamento do trabalho a ser realizado nas
oficinas, os projetos a serem desenvolvidos, a criação do grupo de monitores para
realizarem atividades com os alunos de terceiros e quartos anos.
Durante as oficinas foram criados jogos de tabuleiros com a ideia comparativa da
subtração e com a ideia de medir da divisão, batalha envolvendo todas as quatro operações:
adição, subtração, multiplicação e divisão. Além de jogos como: pare, pense rápido, jogo de
frações, confecção de livros de problemas, sobre espaço e forma, medidas, tratamento da
informação, números e operações.
Durante as oficinas os sujeitos participantes trabalharam com jornal digital e
impresso, revista de artes, jogos no computador, livros de literatura infantil, Tangran,
Geoplano, discos de fração, ábacos, calculadoras, Sudoku e Caixa Lógica.
Toda atividade desenvolvida na oficina buscou: a especulação (lançar ideias); a
experimentação (testar hipóteses); o diálogo (para trocar ideias, contestar ou corroborar a
validade das hipóteses). Para melhor compreensão da oficina construindo e reconstruindo a
aprendizagem matemática, será demonstrado como foi desenvolvida uma atividade
sugerida pelos alunos: algoritmo da multiplicação com multiplicador maior que 10
Atividade : Algorítmo da Multiplicação com multiplicador maior que 10
Foram estabelecidas as normas sociais e sociomatemáticas para a atividade.
os alunos têm que perguntar, dialogar com colegas e professores.
30
os alunos têm que justificar seu pensamento.
é preciso discutir as estratégias apresentadas na resolução dos problemas.
é preciso explicar o pensamento, as soluções encontradas.
é preciso perceber o que é diferente e semelhante em cada explicação.
verificar a estratégia mais eficiente.
todos precisam falar mas tem que respeitar a vez de cada colega.
Diante do questionamento: Como podemos multiplicar 12 x 124?, os alunos lançaram
ideias, testaram suas hipóteses , trocaram ideias, surgindo as seguintes opções de respostas:
124+124+124+124+124+124+124+124+124+124+124+124=
Usando a calculadora
Fazendo 124 x6 x2
Fazendo 124 x 10 +124 x2
Fazendo 124 x7 +124 x5
Fazendo a conta em pé
Desenhando em quadriculado
Ao analisar as interações ocorridas entre professores e alunos no lançamento do
algoritmo as normas sociomatemáticas se tornaram aparentes, durante a realização da
oficina.
A atividade seguinte ilustra como iniciou-se a constituição interativa da regra
diferença matemática.
Aluno I: eu somei 124 + 124 + 124 + 124, doze vezes.
Professor: Isso! Muito bem! Alguém resolveu de modo diferente? Sim?
Aluno II: Eu fiz 124 x 6 e depois x 2
Professor: Ok! Que legal! Mais alguém fez diferente?
Aluno III: Eu fiz 124 x 2 e depois x 6
Professor: Ok! É quase semelhante a o que seu colega III fez. Por que eu julgo ser semelhante?
31
Os alunos em conjunto com o professor discutiram esse critério de semelhança e
diferença. No caso, concluíram que o aluno só alterou a ordem dos fatores, não houve
diferença de construção.
Professor: Mais alguém conseguiu uma estratégia diferente?
Aluno IV: Eu pensei assim: multiplico 10 x 124 que já sei de cabeça o resultado e depois as 2
vezes que faltam, 2 vezes 124, e somo os dois resultados.
Professor: Ótimo! Muito bem! Mais alguém?
Aos alunos perceberam que o professor legitimou algumas soluções que
envolveram decomposições e entendimento acerca das propriedades da operação de
multiplicação, e não legitimou algumas soluções, por estas na verdade repetirem o
pensamento já apresentado anteriormente. Percebe-se a negociação de significados
implícita nesse processo. Pouco a pouco os alunos vão compreendendo o que é apropriado
apresentar para não ser apenas uma repetição.
A norma sociomatemática do que constitui a diferença matemática é uma atividade
cognitiva de alto nível. Os alunos precisam avaliar as semelhanças e diferenças, tornando-se
sua própria estratégia num objeto de reflexão. Essa atividade reflexiva contribui
significativamente para a aprendizagem matemática dos alunos.
A compreensão partilhada do que é considerado como uma solução eficaz, outra
regra sociomatemática, foi menos explícita do que a que objetivou uma solução diferente.
Após a atividade foi montado jogos envolvendo conceito da multiplicação e o
algoritmo da multiplicação com multiplicador maior que 10. (bafo da multiplicação)
No fechamento de cada encontro, cada aluno foi incentivado a expressar sua
opinião sobre as atividades e a refletir sobre seu desempenho e o funcionamento do grupo;
em seguida, o mediador pontua os desafios surgidos, as soluções encontradas, os ganhos de
aprendizagem e as contribuições de cada participante para o cumprimento das tarefas que o
grupo havia planejado para aquele encontro.
32
Ao final do período letivo, o mediador retomou os objetivos iniciais, a ficha de
avaliação preenchida por cada aluno mencionando e discutindo com todos os progressos
alcançados. Cada aluno preenche ao final uma nova ficha de autoavaliação.
O produto final de todos os projetos foram utilizados por turmas do 4º ano e do 3º
ano do Ensino Fundamental, tendo como mediadores os alunos das oficinas. As produções
dos alunos nas diferentes etapas das pesquisas e projetos foram organizadas em portefólios.
3. RESULTADOS
Dos 20 alunos convidados a participar da oficina por apresentarem desempenho
insatisfatório e baixa autoestima, 14 alunos demonstraram uma melhora no rendimento
escolar, tanto na participação em sala de aula quanto nos diferentes instrumentos de
avaliação aplicados.
Os demais alunos participantes demonstraram progressos na resolução de
problemas com números naturais, o mesmo não ocorrendo com apropriação do conceito
de números racionais. Quanto às questões de baixa autoestima, menos valia, dificuldade de
concentração e ansiedade esses alunos também apresentaram crescimento, apresentando ao
final uma visão diferente da inicial sobre o que a Matemática significava para eles, como
mostra as figuras abaixo:
MATEMÁTICA-TRISTEZA MATEMÁTICA-VIDA
Etapa inicial Etapa Final
33
4. CONCLUSÃO
Como intervenção de baixa periodicidade, uma vez por semana, as oficinas de
matemática não propiciaram recuperação do desempenho escolar ao nível da série em
todos os alunos.
Porém, esta experiência de aprendizagem mediada proporcionou aos alunos maior
flexibilidade de pensamento, novas experiências de aprendizagem, avançando assim na
zona de desenvolvimento proximal, atenuando problemas de baixa autoestima, menos
valia, dificuldade de concentração e ansiedade, queixas somáticas e dificuldades de
concentração.
Fazem-se necessários estudos de seguimento para investigar o grau de permanência
dos ganhos obtidos e aumentar o índice de eficácia, bem como investigações sobre o
processo da intervenção para elucidar os mecanismos que contribuem efetivamente para as
melhoras obtidas e necessárias. E que todos os sujeitos envolvidos no contexto escolar
possam concebem o conhecimento matemático de forma aberta, valorizando as
interlocuções, refutações, o contexto histórico, social e político, rompendo com a ideia da
ideologia da certeza. Entendendo a aprendizagem como algo que não se dá de forma
isolada, consiste numa construção fruto do individual e do coletivo a partir das interações
estabelecidas, construído no seio da sociedade, que estabelece padrões de comunicação e
entendimento necessários a transformação social e ao desenvolvimento autônomo.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Parâmetos Curriculares Nacionais: matemática - 1o e 2o ciclos. Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CHACÓN, I. M. G. Matemática emocional: os afetos na aprendizagem matemática. Porto
Alegre: Artmed, 2003.
34
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36
ARTE E NATUREZA: CURRÍCULO, VIVÊNCIAS LÚDICAS E
ESTÉTICAS NO ENSINO DE ARTES DO COLÉGIO PEDRO II
Camila Nagem Marques Vieira1
_____________________________________________________________________
RESUMO
Este artigo se propõe a partir de um relato de experiência apresentar olhares para o eixo
curricular Arte e Natureza, presente na matriz curricular de artes do CPII para o 2º ano do
Ensino Fundamental. As vivências aqui relatadas estavam pautadas na concepção de uma
educação lúdica e estética capaz de promover aprendizagens significativas, autonomia e
autoria de pensamento aos sujeitos.
ABSTRACT
This article proposes from an experience report looks into the theme Art and Nature,
present in the curriculum of arts CPII to the 2nd year of Elementary School. The
experiences reported here were guided in the conception of a playful aesthetic education
able to promote significant learning, autonomy and authorship of thought to students.
______________________ 1 Professora de Artes Visuais do Colégio Pedro II – Campus Engenho Novo I e Mestranda em Educação, na linha de Currículo e Linguagens do PPGE/UFRJ, desenvolvendo pesquisas sobre o lúdico, educação estética e dificuldades de aprendizagem.
Como professora de artes ao longo de minha trajetória profissional venho
observando a inserção do lúdico no contexto escolar, em especial no Ensino Fundamental.
Dessa maneira, desde o ano 2013, ao ingressar no mestrado em Educação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ), na linha de pesquisa de Currículo e Linguagens,
pude construir, como nos coloca Foucault (2006), minha própria „maleta de ferramentas‟ e
que me possibilitasse dialogar com questões complexas como as que emergem do e no
ambiente escolar.
37
O presente artigo tem como proposta promover diálogos entre a arte-educação e
práticas pedagógicas capazes de propiciar vivências lúdicas e estéticas, objetivando
compreender como estas se inserem, especificamente, no contexto da aula de artes em
turma de 2º ano do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II, Unidade Escolar Engenho
Novo I. Nosso ponto de partida será a temática Arte e Natureza, presente na orientação
curricular de Artes para os anos iniciais e como estas foram vivenciadas em sala de aula.
Partindo da teoria de Fernández (1991, 2001, 2010), Winnicott (1975) e Meira
(1999) suas reflexões acerca de uma vivência lúdica fundamental para a construção de
aprendizagens, esta pesquisa busca contribuir para a literatura vigente e, quem sabe,
pretensiosamente, promover outros olhares para prática docente, em especial no ensino de
artes. Dessa maneira buscamos Fernández (1991) que afirma ser a aprendizagem um
processo lúdico, construído pelo vínculo e tendo como base o corpo, pelo qual se articulam
diversos elementos como inteligência-desejo em um processo de constante assimilação-
acomodação. Colocamos em jogo, ainda, a concepção de uma Educação Estética (MEIRA,
1999) capaz de propiciar espaços de criação e diálogo entre o interior e o exterior, o
objetivo e o subjetivo, o brincar e realidade.
A arte, por meio de sua história, se apresenta como um conhecimento construído
pelo homem, que se constitui como uma linguagem própria que, para darmos sentido a ela,
é necessário se apropriar de seus símbolos e seus códigos. É por meio da arte que é
possível compreender o mundo, as produções das mais diversas culturas e se reconhecer
como indivíduo. A noção de arte pode adquirir diferentes significados dependendo do
interlocutor, daquele que fala sobre arte. Pode estar associada à ideia de conhecimento, a
noção de beleza, referenciada, por exemplo, pelos ideais do classicismo greco-romano. Ou,
ainda, vir acompanhado do binômio: arte-expressão ou ser associado ao laisse-faire dos
iluministas em que o fazer seria a arte em si. Segundo Bosi (2009, p.13), arte está ligada à
construção, a um fazer que implica um trabalho, uma produção. Um “movimento que
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arranca o ser do não ser, a forma do amorfo, o ato da potência o cosmo do caos”, sendo
consideradas artísticas todas as atividades que de alguma forma comoviam a alma. Já para
Kant, Arte e Jogo se assemelham por serem atividades ditas desinteressadas, mas que ainda
assim estão sujeitas aos limites da natureza humana. É o prazer estético, considerado
subjetivo e presente no ato de criar que tornam o jogo e a arte espaços de representação
nos quais a verdade estética não necessita coincidir com a verdade objetiva.
A estética, atualmente, se configura como uma categoria de análise importante em
diversas áreas do saber, arte, sociologia, antropologia, psicologia, semiótica, entre outras.
Seu estudo surge como uma ramificação da filosofia que a princípio objetivava a reflexão
sobre arte e beleza. Para Platão, a estética era uma via de elevação da alma, de idealismo
corporal, moral e intelectual. Posteriormente, Kant defende a ideia de que a estética guarda
uma promessa de conciliação entre a Natureza e a Humanidade, sendo a possibilidade de
harmonizar entendimento e imaginação. Hoje, porém, ao pensarmos uma sociedade em
que a imagem e as questões a ela inerentes estão na ordem do dia, falar em estética é falar
sobre o mundo em que vivemos. Há que se considerar o papel do estético na sociedade,
segundo Maffesoli (1996), o estético é primordial, é através dele que se vive a emoção, se
sustentam as aparências, os afetos, os vínculos, os desejos coletivos. É o estético que
produz novas formas de coletivização, possibilidade de socialização.
O ensino de artes, da mesma forma, compreende diversas práxis que refletem
concepções acerca da arte e seu ensino como sendo bastante plurais. Definir os
interlocutores escolhidos, e de que ponto se pretende falar, ajuda a compreender os
conceitos adotados, permitindo que o recorte dado esteja em sintonia com aprendizagem e
com a possibilidade de aprender brincando. Assim, é de grande relevância para a
problemática deste trabalho a compreensão de um ensino de artes, pelo viés da arte-
educação, o qual seja instrumento de construção de aprendizagens, que propicie a
subjetividade, o espaço de criação e a mediação entre o pensar e o sentir.
39
ARTE E NATUREZA – UMA VIVÊNCIA
Segundo o plano de curso dos anos iniciais do ensino fundamental para a disciplina
de Artes, o 2º ano de escolaridade deverá trabalhar no 1º trimestre letivo a temática Arte e
Natureza, tendo como eixos temáticos a serem explorados: a representação da natureza e a
natureza como tema, suporte e material. É, a partir dessas diretrizes gerais, que foram
pautadas as experiências aqui apresentadas. As aulas planejadas em consonância com as
reflexões das reuniões pedagógicas semanais, os materiais presentes na sala de artes e os
espaços escolares disponíveis. Seus objetivos gerais eram: desenvolver um olhar sensível
para os elementos e formas da natureza e conhecer diversos artistas que representavam-na
das mais diversas formas.
De maneira específica, era buscado: criar texturas a partir de diferentes materiais,
fabricar artesanalmente cores e tintas usando materiais naturais, conhecer sobre Arte
Rupestre Brasileira e investigar de que maneira o homem utilizou a natureza para expressar-
se desde a Pré-história.
É importante ressaltar que o planejamento realizado tem como fio condutor a
temática Arte e Natureza, de maneira que os conteúdos e artistas apresentados se articulam
de maneira híbrida, multidirecional e não linear. Não se trata de rejeitar a noção de
temporalidade, apenas partimos da tese de que passado e presente se articulam mutuamente
permitindo constantes reelaborações, capazes de promover vivências estéticas.
Em nosso primeiro encontro acerca do tema, foi apresentado para as crianças as
obras do artista Archimboldo, a abordagem partindo da temática arte como temática,
buscava explorar diversas possibilidades para o que chamamos de natureza: flores, frutas,
legumes e animais que juntos dão origem a pessoas, homens e mulheres que também fazem
parte do que chamamos natureza. O senso de humor explorado pelo artista em suas
composições, a possibilidade de ora ver uma pessoa, ora descobrir diversos tipos de peixes
e frutas tomaram grande parte da aula. Como proposta de criação foi solicitado que cada
40
um desenhasse, pintasse e recortasse três frutas, flores ou animais que iriam, em um
segundo momento, ser utilizadas para criar nosso „próprio Archimboldo‟. Por falta de
tempo, a criação do grupo foi deixada para o início da próxima aula, assim, todos poderiam
opinar e dar suas sugestões na construção da personagem.
Tendo como enfoque a fauna e a flora brasileira, continuamos o segundo encontro
analisando a pintura de Cândido Portinari, intitulada “Meio Ambiente”, ao iniciarmos
nossas conversas sobre a obra e sobre os interesses e vida do artista, foi possível concluir
que os animais representados e a vegetação eram característicos do nosso país. Assim, pedi
para que criassem animais fantásticos, que seriam pintados e recortados, os animais
desenhados não necessariamente precisariam existir. Em duplas ou trios pedi para que mais
uma vez reunissem suas produções, organizando seus animais em outro suporte e
elaborando um cenário, fantástico ou não, para as figuras que possuíam. A dinâmica,
bastante semelhante a da aula anterior, fora escolhida por alguns motivos: a turma bastante
falante e participativa, no geral produz muito rapidamente, o que permite o desdobramento
das atividades realizadas; segundo, o grupo possui certa dificuldade de relacionamento e de
gerenciar conflitos, o que pode ser perfeitamente trabalhado em grupo, saber ceder e
chegar a um consenso eram competências fundamentais para a execução dessa atividade.
Pelo olhar artístico, trabalhar em grupo e ter que incluir a composição do colega em um
trabalho de ambos, permite que noções de composição sejam abordadas, além dos
conceitos de figura-fundo, profundidade e perspectiva, mesmo que de maneira superficial.
41
No encontro seguinte, busquei trabalhar texturas produzidas naturalmente, através
de folhas coletas pelos alunos nos jardins da escola, fomos ao „Pedrão‟ para realizar nossa
seleção de material. Em seguida, produzimos frotagens, buscando capturar as diversas
texturas das folhas utilizando o giz de cera. Em meu planejamento inicial, não havia
pensado em realizar colagens, mas uma das crianças perguntou se poderia colar uma das
folhas em sua composição, o que passou a ser realizado também pelas demais, em seguida
outras duas crianças resolveram juntar seus trabalhos, colando suas folhas, o que também
serviu de ponto de partida para criações coletivas, faixas de trabalhos foram elaboradas, e
estas passaram a ocupar as mesas de sala. Além de produzir, um jogo se desenvolvia, as
crianças ao colocarem seus trabalhos na mesa, os juntavam como se fossem peças que
juntas pudessem fazer sentindo. Perto do fim da aula, quando perceberam que queriam
levar suas composições para casa, tesouras surgiram, prontas para dividir novamente o que
estava unido, como se o jogo tivesse terminado, e fosse hora das peças serem guardadas.
O próximo encontro foi planejado pelas próprias crianças, há algumas semanas
atrás, quando iniciamos nossas reflexões sobre arte e natureza, algumas delas mencionaram
ter visto na televisão vídeos de um artista que desenhava elementos orgânicos na beira da
praia, o que despertou grande interesse de todos. Dessa maneira, fui à busca de vídeos e
imagens do artista Andrea Armador, citado pelas crianças, para motivar nossa aula.
Conversamos sobre o processo desenvolvido pelo artista, e questões como: a mudança da
luz com o passar o tempo e sua influência sobre o desenho, a atuação das marés que faziam
com que parte do desenho acabasse se perdendo e a necessidade do vídeo para que a
produção do artista fosse divulgada foram observadas. Começamos nossas produções
utilizando como suporte o papel camurça colorido e o giz de cera produzindo em sua
superfície elementos orgânicos inspirados no trabalho do artista. Trabalhamos nas
composições conceitos como o contraste de cores, simetria e assimetria. À medida que os
trabalhos eram finalizados as crianças eram convidadas a desenhar na caixa de areia, uma
42
com areia grossa e outra com areia colorida fina na cor azul. Os primeiros meninos a
experimentar a caixa sugeriram umedecer a areia grossa para facilitar o desenho, alegavam
na praia era mais fácil desenhar quando a areia estava úmida. Assim o fiz, dessa maneira
passamos a contar com uma caixa úmida e outra com areia fina e seca. Durante a produção
instrumentos como cabos de pincéis e colheres foram utilizados na produção, mais a
maioria optava por usar as próprias mãos na atividade, não foram feitas interferências por
parte da professora em relação à questão. Com o objetivo de evitar brigas quanto ao tempo
de cada criança na caixa de areia, programei o cronômetro para que todos tivessem o
mesmo tempo de produção, 3 minutos. Dessa maneira, a atividade transcorreu
tranquilamente. Foi possível estabelecer relações com as diferentes texturas dos materiais,
da maciez do papel camurça, no qual iniciaram a aula, para a areia grossa e molhada que
para alguns era „nojenta‟ e para outros se mostrava como uma possibilidade de explorar o
espaço da caixa, enterrando as mãos na areia e sentindo sua frieza.
Nos encontros seguintes começamos a falar sobre a vida na pré-história, assistimos
animações, imagens de pinturas rupestres, conversamos sobre a dificuldade de
sobrevivência e sobre as maneiras de se apropriar e modificar a natureza encontradas pelo
homem. Realizamos desenhos na lixa, novamente explorando as texturas, buscando uma
aproximação com a superfície encontrada nas cavernas e dando enfoque à dificuldade
técnica encontrada para a produção das pinturas rupestres. Produzimos tintas com café,
beterraba, argila e chá mate, explorando as marcas das mãos deixadas nas cavernas
43
promovendo relações com a impressão digital, marca de identidade do indivíduo
contemporâneo.
Em nosso último encontro do trimestre buscando estabelecer relações com a
arte/natureza e o diálogo com a conscientização ambiental e o consumo responsável, foi
apresentado à turma a obra do artista Franz Krasberg, polonês que fugindo da guerra
escolheu o Brasil como lar e há mais de 50 anos vem utilizando material orgânico coletado
em áreas de queimadas para realizar suas gravuras e esculturas, utilizando elementos
naturais o artista se engaja diretamente na discussão em prol conscientização ambiental no
país. Para mudar a dinâmica da aula, pedi para que afastássemos as mesas e sentássemos no
chão em roda, assistimos um documentário gravado com o artista, vimos imagens de suas
obras e discutimos a temática. Em seguida, pedi para que se dividissem em grupos nos
quais fariam suas produções coletivas ou individuas utilizando elementos extraídos da
natureza como folhas, sementes, pedras, coquinhos pigmentados ou não. Expliquei que as
produções realizadas seriam fotografadas e que, portanto, poderiam montar e desmontar
suas composições como desejassem. Os materiais que estavam em organizadores, como
mostra a imagem abaixo, despertaram nas crianças comentários acerca dos cheiros, das
texturas, das cores além de relacionarem alguns objetos a alimentos ou gostos. O inventário
e a escolha dos materiais foi uma grande experiência sensorial que se prolongou em suas
produções que exploravam tanto o espaço bidimensional como o tridimensional, buscando
equilíbrio, criando histórias para suas composições, figurativas ou abstratas. Não controlei a
44
hora, mas acredito que tenha sido a aula em dedicaram maior tempo em uma mesma
atividade.
CONCLUSÃO
A partir deste relato de experiência buscamos apresentar abordagens possíveis para
a temática Arte e Natureza, tendo como conceitos a serem trabalhados a possibilidade de
uma educação estética por meio de propostas lúdicas e artísticas e que promovam diálogos
com questões ambientais, despertando nos sujeitos a reflexão crítica e propiciando espaços
de fruição estética. Buscar nas questões trazidas pelas crianças, novos caminhos para o
planejamento, foram de grande importância para o desenvolvimento das atividades,
permitindo que emergissem do espaço produtos criativos, frutos de um processo de
valorização da autoria e da autonomia dos sujeitos em relação ao próprio processo de
aprendizagem.
45
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46
DISCUTINDO E VIVENCIANDO O RESPEITO À DIVERSIDADE
NO ÂMBITO ESCOLAR: FORMAÇÃO DE UM CIDADÃO
CONSCIENTE E CRÍTICO
Dolores Munaro Vieira1
Maria das Graças Oliveira2
“O homem está no mundo e com o mundo. Afeto o torna um ser capaz de relacionar-se, de sair de si: de projetar-se nos outros; de transcender-se .” (FREIRE, 1979)
_____________________________________________________________________
RESUMO
O presente artigo enfatiza a importância do desenvolvimento de um processo de ensino-
aprendizagem em seu sentido mais amplo. A educação voltada para a cidadania e para os
princípios éticos morais e sociais; valorizando o indivíduo como um ser único, porém
inserido em diversos grupos sociais, com suas peculiaridades, igualdades e diferenças. O
respeito à diversidade em todos os aspectos, como o ponto central de um trabalho escolar
que se propõe a auxiliar a formação de cidadãos mais críticos, justos, solidários e mais
humanos; dotados de saberes e competências necessárias, numa sociedade em dinâmico
processo de transformação.
ABSTRACT
On this paper we emphasize teaching-learning process development on a broadest sense.
Social and ethical principles education centered on individuals and grouped by social
groups according to their equalities and differences. We mud diversity respect as a school
work central point which proposes more argumentative, fair and supportive people
generation with knowledge and skills needed by our dynamic society.
______________________ 1Mestre em Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente e Coordenadora de Literatura do Campus Engenho
Novo I do Colégio Pedro II 2Mestre em Ciências da Educação e professora do Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II
A educação contemporânea enfatiza a formação do indivíduo em sua
sociedade. Ao transformar o mundo social, é natural que o homem também se transforme.
47
Portanto, é nesta perspectiva que o docente, em sua prática, precisa ter a
consciência de que os pressupostos pedagógicos se constituam a partir de bases ideológicas
formadas dentro de um contexto social, político e econômico, em uma determinada época.
Logo, a escola não pode ser somente um espaço de transmissão de informações, mas um
local de construção coletiva, em que o objetivo é oferecer oportunidades que auxiliem o
desenvolvimento de um cidadão consciente e crítico, um agente de transformação.
De acordo com Saviane (1986), as disciplinas de Português, Aritmética,
História, Artes e Informática, precisam ser contextualizadas.
Tendo em vista que a escola não transmite apenas conteúdos, mas também
oportuniza a formação de hábitos e atitudes, priorizando uma educação transformadora e
politizadora, sempre numa abordagem dos aspectos socioculturais, temas primordiais na
discussão da pluralidade cultural. A instituição de ensino fortalecendo um melhor
desempenho no futuro dos discentes, a fim de adquirirem elementos necessários para
resolverem conflitos socioculturais.
Neste sentido, a escola busca desenvolver um trabalho enfatizando o
conhecimento das diferentes culturas que compõem a identidade brasileira; como a
indígena, a africana e a europeia, com o mesmo grau de importância entre elas. No próprio
contexto escolar; em diferentes atividades, oficinas e projetos, ocorre a criação cultural
sobre a diversidade, com a finalidade de respeitar as diferentes opiniões e ideias, assim
como a aprendizagem do respeito ao semelhante em seus diferentes aspectos: físico, social,
cultural e econômico.
Nesta perspectiva, a ação educativa deve ter como meta tornar mais humano o
mundo. Apesar de existir a diversidade na sociedade, as oportunidades devem ser iguais
para todos.
48
Segundo Teves(1993) , o papel da escola que forma o cidadão é oferecer
oportunidades iguais para a formação dos alunos, visando o crescimento integral, sob o
ideal de uma sociedade justa e democrática, que respeita a diversidade.
O presente artigo é fruto de uma prática pedagógica iniciada no Colégio Pedro
II, Campus Engenho Novo I, no ano de 2008, quando houve a criação do Núcleo de
Reflexão (Pensando e Repensando as Múltiplas Realidades). Um projeto que reuniu a
Filosofia, a cidadania e a cultura. Estas temáticas foram desenvolvidas com o propósito de
incentivar as práticas permanentes de leitura, despertando o senso crítico, ampliando os
conhecimentos dos alunos e possibilitando a inserção em novos universos de diversas
culturas. As aulas não foram consideradas uma simples ferramenta de ensino
sociofilosófico, pois além de problematizarem conteúdos teóricos, também enfatizaram a
necessidade de troca de ideias e reflexões sobre o mundo em que vivemos.
Conforme Freire (1979):
O Homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade; é um ser na busca constante de ser mais e, como fazer esta autorreflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca.
A necessidade de existir na escola um espaço aberto para a reflexão, tem sido
apontada por diversos educadores. Neste sentido, o projeto teve como intenção construir
um espaço dinâmico de reflexão sobre as várias possibilidades de compreensão do mundo,
através das diferentes formas de expressão, visando possibilitar mudanças individuais e, por
extensão, coletivas.
O desenvolvimento deste projeto no Campus, contribuiu para a constituição
de uma consciência e de uma subjetividade voltada para a construção de um ser histórico e
social, resgatando a memória individual e coletiva.
O núcleo de Reflexão se propôs a oferecer duas oficinas distintas: Filosofia
com Crianças e Cultura e Cidadania que guardaram entre si semelhanças quanto ao
conteúdo, mas que buscaram temáticas e fazeres específicos aos objetivos de estudo e de
49
reflexão. Pois como dizia Piaget (1992): “A nova exigência é de coordenar os diversos
pontos de vista e diferenças e não mais reduzi-los através de modelos a serem imitados por
todos”.
À medida que o ser humano vai interagindo com a sua realidade, começa a
perceber que para enriquecer sua forma de compreender o mundo, precisa de outros
olhares, necessita de parcerias, enfim, prescinde do outro. E, com esses parceiros, vai
desenvolvendo a criatividade e a reflexão, tomando consciência de seus limites,
controlando seus impulsos, solucionando conflitos e estabelecendo regras de convívio.
Nessa interação com o outro, se aprende a lidar com os próprios sentimentos,
com os sentimentos alheios, com as diferenças e frustrações, permitindo, assim, o
desenvolvimento da expressão e da comunicação, partilhando a sua vivência, aprendendo a
aprender e a assimilar conhecimentos não só a partir das próprias experiências, mas
também, a partir das experiências dos outros. Seu conhecimento multiplica-se pelo número
das pessoas com as quais interage.
Segundo Luria (1988), a consciência humana, que é resultado de atividade
complexa, e cuja função se relaciona com a mais alta forma de orientação no mundo
circundante e com a regulamentação do comportamento, formou-se ao longo da história
social do homem, durante a qual a atividade manipuladora e a linguagem se desenvolveram,
e seus mecanismos exigem a íntima participação delas.
O núcleo de Reflexão também proporcionou um estudo crítico da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Tendo por referências a Cidadania, o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), a igualdade em meio à diferença, a Família, a Escola, o saber
conviver com a diferença, com o singular e o plural.
No ano de 2013, realizamos o Núcleo de Cultura em nosso Campus. Uma
extensão do projeto anterior que criou oportunidades para o indivíduo apropriar-se de sua
cultura, tornando-o mais consciente em sua relação com o meio e seu poder de
50
transformação. Neste Núcleo, fizemos uma função de teoria e prática, abordando temas
referentes à Cidadania, os discutindo e dramatizando em diferentes peças teatrais e jogos
dramáticos. Nestas atividades, além dos alunos poderem desenvolver a expressão oral,
através das discussões levantadas; também manifestaram seus desejos, opiniões, suas
histórias e de diferentes personagens e diversos momentos históricos. Estes exercícios
cênicos contribuíram para a construção da identidade dos discentes e para a compreensão
da necessidade de diferentes histórias, para um melhor entendimento da realidade atual e de
cada história em particular. Desta forma, criaram-se subsídios que possibilitaram um
movimento de saída da individualidade para a pluralidade, abrindo-se ao diálogo, sempre
valorizando a solidariedade, o respeito ao plural e a participação em grupos sociais.
Demonstrando ao aluno que tudo construído é fruto da atuação conjunta de vivências
coletivas, baseadas numa convivência digna e saudável que prioriza a liberdade das
diferentes opiniões e formas de expressão.
Como reconhece Saviani (1986), “Nem sempre a cidadania se destacou nas
articulações como um fim da educação no Brasil”. Ele retoma o tema e se compromete
numa ótica idealista de uma escola que, “Partindo da organização dos conhecimentos,
criará o reino da liberdade”.
De acordo com o Estatuto do Homem (1964) em seu Artigo Final:
Fica proibido o uso da palavra liberdade, A qual será suprimida dos dicionários E do pântano enganoso das bocas. A partir deste instantes A liberdade será algo vivo e transparente Como um fogo ou um rio, E a sua morada será sempre O coração do homem.
A prática de uma democracia participativa inicia-se no ambiente escolar, onde
o aluno pode posicionar-se, apresentando, sem receio, suas opiniões, aprendendo a
51
valorizar suas ideias e se conscientizar como uma pessoa que está contribuindo para o
crescimento do grupo no qual está inserido.
Os direitos sociais a educação, a proteção, a família, e ao trabalhador, deveriam
ser garantidos pelo Estado, mas muitas vezes, não são plenamente respeitados. Para que os
indivíduos possam reivindicar tais direitos fundamentais, é necessário que a formação
política seja baseada numa educação que promova constantes debates onde as decisões
sejam coletivas. Como expressa Edgar Morin, Consultor Educativo da Unesco, a
democracia participativa e cidadã se baseia num mútuo controle da trilogia: pessoa,
sociedade e espécie.
Os educadores que têm a preocupação de dar uma formação filosófica a seus
alunos, veem que a formação da cidadania possibilita educar os alunos para uma sociedade
igualitária.
Pensar na educação da cidadania é formar no educando valores, perfeitos
princípios, direitos que demonstram as faces da cidadania e da educação. De acordo com
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‟s), cabe à escola a responsabilidade de
contribuir na construção da democracia e inserir nos educandos os princípios da: ética,
liberdade, dignidade, solidariedade, igualdade, os quais contribuem para a tolerância e para
a cultura da paz na diversidade cultural.
O convívio social e a moralidade surgem nos Parâmetros Curriculares
Nacionais, afirmando outra vez que a função social da escola, de possibilitar a formação de
cidadãos conscientes, ativos e solidários, para a conquista do bem estar social. É necessário
que o currículo contemple temas atuais e urgentes, que não façam parte das áreas
tradicionais. Temas que já apareçam transversalizados nas áreas que já existem. Desta
forma, haverá a possibilidade do estabelecimento de uma educação voltada para as
questões geradas na pluralidade.
52
A atenção à diversidade é um dos propósitos dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, que têm compromisso com a equidade, isto é, com a garantia do direito de
todos os alunos para realizarem as aprendizagens consideradas fundamentais ao seu
adequado desenvolvimento e socialização, evitando com isso a evasão dos alunos com
capacidades, necessidades e motivações diferentes da maioria.
Os PCN‟s, ao explicitar a pluralidade cultural, fornecem ferramentas ao aluno,
como a solidez nos conhecimentos de seus direitos, atitudes para lidar com as equipes,
além de saber discernir diferenças de conceitos como localidades, etnias, éticas e culturais.
A definição de um trabalho com a pluralidade, defendido nos PCN‟s, é de
suma importância para um país de grande dimensão territorial como o Brasil, caracterizado
pela multiculturalidade. É importante, então, reconhecer a origem da equidade no interior
da sociedade.
Cada jovem brasileiro, de localidades diferentes e com condições
socioeconômicas desfavoráveis, deve ter acesso e usufruir do conjunto de informações
socialmente formadas e reconhecidas como indispensáveis à prática da cidadania.
Justamente, com esta motivação, de tornar a escola um espaço mais humano e
democrático, igual e diverso, acreditando no respeito como a base de uma sociedade mais
justa para todos os seus cidadãos, o Campus Engenho Novo I decidiu ampliar, o que era
um Projeto (do qual participavam apenas alguns alunos), numa discussão envolvendo toda
a comunidade escolar.
No início deste ano, 2014, iniciamos com a palavra-chave “acolhimento”. Isto
é, os alunos das séries finais acolhendo àqueles das séries iniciais. Desta forma, todos os
alunos, professores, pais e funcionários, se envolveram em diferentes atividades realizadas,
num contexto dinâmico, criativo e prazeroso, em que os alunos novos tiveram
oportunidades de vivenciar experiências numa escola que prioriza o respeito ao outro, em
seus diferentes espaços e aspectos. Onde as relações e o convívio saudável despertam o
53
desejo de criar, opinar, de ser o sujeito do seu processo ensino-aprendizagem , numa inter-
relação de respeito e harmonia com os demais, parceiros que convivendo uns com os
outros ensinam e também aprendem, trocando experiências e descobrem que assim a
aprendizagem se torna mais rica e efetiva.
Este acolhimento e respeito à diversidade percorre todas as disciplinas, todas as
regiões do nosso país e das culturas dos diferentes países, numa extensão que reflete para o
acolhimento das diferentes nações que participarão da Copa do Mundo de Futebol.
Este processo de acolhimento tem início no conhecimento das diversas
culturas, ampliando o saber, a fim de gerar discussões e debates, trocas e opiniões diversas
que possibilitem o desenvolvimento de um cidadão crítico, capaz de provocar mudanças
em uma sociedade. Nesta perspectiva, faz-se necessário o embasamento teórico descrito
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), segundo o próprio documento, o conjunto
das proposições aqui expressas responde à necessidade de referências, a partir das quais o
sistema educacional do país se organize, a fim de garantir que sejam respeitadas as
diversidades culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas que atravessam uma sociedade
múltipla, estratificada e complexa, a educação possa atuar decisivamente no processo de
construção da cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos
entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos. Essa igualdade implica
necessariamente o acesso à totalidade dos bens públicos, entre os quais o conjunto dos
conhecimentos socialmente relevantes.
Como documento para o ensino fundamental, entre os objetivos desse nível de
ensino, os Parâmetros indicam a compreensão da cidadania como participação social e
política, assim como, o exercício de direitos e deveres políticos civis e sociais, adotando no
dia a dia atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e
exigindo para si o mesmo respeito. Os PCN‟s também priorizam o desenvolvimento do
conhecimento, ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades:
54
afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social; para
agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais enfatizam, na maior parte do seu texto, que a escola
atue auxiliando os alunos a conquistarem sua inserção social, pois eles, deste modo, estarão
aptos a exercerem sua cidadania. Para tanto se faz indispensável que a escola participe no
sentido de uma prática educativa inovadora.
De acordo com esta teoria, o Campus Engenho Novo I está procurando
desenvolver sua prática pedagógica, integrando todas as disciplinas e áreas de
conhecimento, tendo como fio condutor deste processo o respeito a diversidade em seu
sentido mais amplo. Este aparece como um tema transversal que deve perpassar o ensino
de todas as disciplinas.
Ainda conforme os PCN‟s a escola pode contrapor à satisfação individualista
dos desejos a satisfação pessoal derivada da participação e da pertinência ao coletivo, além
do trabalho de ensino, o convívio na escola deve ser organizado de maneira que os
conceitos de justiça, respeito e solidariedade sejam vivenciados e compreendidos pelos
alunos como aliados à perspectiva de uma “vida boa”. Assim, os alunos perceberão que
esses valores e as regras decorrentes são coerentes com seus projetos de felicidade e
poderão integrá-los às suas personalidades, se respeitarão pelo fato de serem respeitados.
Nesse contexto, há uma relação existente entre ética e educação. Pois a ética na
educação, além de formar, também constrói o indivíduo, permitindo que o mesmo se
compreenda como um membro da sociedade, assumindo as responsabilidades que lhe
cabem como cidadão. Logo, é praticamente impossível pensar no processo de ensino-
aprendizagem sem uma referência ética, pois ambos se entrelaçam.
A ética não é apenas uma teorização do agir corretamente, ela é uma prática
que está vinculada diretamente à ação humana na sociedade, nos diferentes contextos
55
político, social, econômico e educacional. Assim, contribui de uma forma abrangente no
que se refere a uma perspectiva coletiva e não meramente individual.
Os resultados de um trabalho pedagógico orientado nesse sentido, só serão
positivos se os temas abordados como princípios básicos para a dignidade do ser humano,
respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade, forem de fato praticados e vivenciados na
escola. Sendo assim, faz sentido pensar na educação como um processo que possibilite aos
indivíduos a validação dos princípios morais que servem de pressupostos para compor um
convivência social saudável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES, tópicos. São Paulo, Abril Cultural, 1973.
ASSMANN. Hugo. Reencantar a educação rumo à sociedade aprendente.
Petrópolis:Vozes, 1998.
BRASIL. Lei n°5692/71. Dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional de 1971. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/lindice.htm#leis>Acesso em 10 de Agosto de 2010. Brasil, Lei N° 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. BUFFA, Ester; ARROYO, Miguel G; MOSELLA, Paolo /Educação e Cidadania: quem educa o Cidadão? 3ed, São Paulo: Cortez: Autores associados, 1991. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1974. GARGICA, Edson Gabriel. Cidadoma Agora. São Paulo. Saraiva, 2004. KOHAN, Valter. Filosofia para criança. Rio de Janeiro: DP8A, 2004. LOPÉZ, Maximiliano Valério. Acontecimento e experiência no trabalho filosófico com crianças. Belo Horizonte. Autêntica, 2008. MEZZAROS, Istvan. Educação para Além do Capital. São Paulo. Bomtempo, 2005.
56
A ESCOLA COMO ESPAÇO CAPAZ DE POTENCIALIZAR AÇÕES
PREVENTIVAS DE CONTROLE AS DROGAS LÍCITAS: FUMO E
ÁLCOOL
Ana Maria Ribeiro de Seabra1
Lourdes Maria Magalhães Campos de Sousa2
_____________________________________________________________________
RESUMO
O uso de drogas consiste em um grave problema de saúde pública. Em virtude do aumento
de seu consumo por jovens e crianças e por ser a escola um espaço capaz de potencializar
ações preventivas de controle às drogas lícitas, tendo como eixo transversal de trabalho o
tema saúde, o espaço escolar torna-se propício para o desenvolvimento de ações
preventivas. Foi realizada pesquisa qualiquantitativa no Colégio Pedro II, UEENI, nas 3º e
4º anos do Ensino Fundamental, envolvendo toda a comunidade escolar. Os resultados
demonstraram efeitos positivos desse programa de saúde voltado para a prevenção
primária do uso do tabaco e álcool.
ABSTRACT
Drug use consists in a severe problem in public health. By virtue of the increased
consumption by children and young people and for being the school a space able to
potentiate preventive actions to control licit drugs as having transverse axis of the theme
health work becomes the school space propitious to the development of preventive
actions. Qualitative and quantitative research was conducted at the Peter II School,
UEENI, in 3rd and 4th year of elementary school, involving the whole school community.
The results demonstrated that positive health program aimed at primary prevention of
tobacco use and alcohol effects.
______________________ 1Mestre em Psicologia Social/PUGF/Especialista em Docência Superior/ FFCL/ Professora do Ensino
Básico e Tecnológico do Colégio Pedro II/ Campus ENI. 2Mestre em Ensino de Ciências da Saúde e do Meio Ambiente/UNIPLI. /Especialista em Docência
Superior/ FFCL/ Professora do Ensino Básico e Tecnológico do Colégio Pedro II/ Campus ENI.
57
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa teve por objetivo desenvolver um programa para a prevenção
ao uso de drogas lícitas, fumo e álcool nos 4º e 5º anos do Colégio Pedro II, na Unidade
Engenho Novo I. Ressalta-se que um dos grandes desafios da atualidade consiste em
desenvolver ações educativas no sentido da valorização da saúde, baseadas em uma relação
ecologicamente equilibrada, nas quais a reflexão e o diálogo sobre o tema estejam presentes
na família, escola e sociedade como um todo. (SOUZA ET AL 1998).
As drogas estão presentes em todas as civilizações e sempre acompanharam o
homem através dos tempos. Pesquisas, recentes, afirmam que as drogas geram alterações
bioneuropsicológicas significativas e que todas as dependências humanas referem-se a
questões fundamentais da delimitação entre normal e patológico, ajuste e desajuste,
equilíbrio e desequilíbrio, pois todos nós somos dependentes das coisas que “gostamos”,
das quais precisamos para viver. (LAMBERT, 2001)
Corroborando tais ideias, Silveira (2002) esclarece e descreve que: “As alterações
causadas pelas drogas variam de acordo com as características da pessoa que usa, quais
drogas são utilizadas, o efeito que se espera dela e as circunstâncias em que se é
consumida”. Adotou-se, nesse estudo, o conceito de drogas como sendo “substâncias
psicoativas que acarretam danos físicos, psicológicos, e/ou sociais para o indivíduo e são
usadas de forma eventual e por vezes, abusiva e excessiva” (ZINBERG, 1984). Fez-se
também a diferenciação entre drogas lícitas e ilícitas. No Brasil, são consideradas ilícitas as
drogas cujo comércio e o consumo é proibido por Lei e como lícitas aquelas cuja lei
permite que sejam comercializadas e consumidas. Atualmente, as lícitas são consumidas por
bilhões de seres humanos e as ilícitas conquistam um número crescente de consumidores.
No Brasil, onde a maioria da população tem a mídia como principal fonte de
informação, o que é divulgado pelos meios de comunicação de massa passa a ser padrão de
verdade. A ausência de políticas públicas no que diz respeito às drogas lícitas corrobora
58
para que os valores propagados pela mídia imperem, dificultando inclusive intervenções
governamentais específicas. As inúmeras divergências que envolvem a questão da
prevenção ao uso de drogas são os maiores problemas para se conseguir traduzir as
propostas governamentais em ações práticas. Dessa maneira, apesar de diversos discursos
políticos, palestras, simpósios e encontros científicos sobre o tema, são poucas as
intervenções preventivas implementadas de fato (CARLINI et al, 1992).
Nessa linha de pensamento, são objetos desse trabalho, as drogas lícitas - fumo e
álcool – que trazem prejuízo à vida dos usuários, dos familiares e da própria sociedade,
podendo gerar a dependência química e levar à perda da saúde, do trabalho, do
relacionamento familiar social, sendo responsável, também, pelos altos índices de violência
doméstica.
Para se planejar uma ação preventiva, é necessário, de acordo com Arruda et al,
(ARRUDA et AL, 2000), entender o que a droga significa para estas pessoas, que espaços
seus efeitos vêm preencher e que ausências de perspectivas ela vem suprir. Nesse sentido,
as ações educativas visando à prevenção do uso e drogas devem combinar informações
sobre drogas e seus efeitos para a saúde com o fortalecimento da autoestima e autocuidado,
que motivem os indivíduos para atitudes mais afetuosas e solidárias. A Organização
Mundial de Saúde (OMS, 1984) acrescenta a importância, também, do acesso as percepções
existentes sobre drogas e sobre características de vulnerabilidade pessoal que facilitam o
acesso as drogas. (OMS 1984).
A pertinência e importância de qualquer trabalho de prevenção às drogas envolvem
familiares, privilegiando as experiências de afeto, autoestima, responsabilidade e
reconhecimento de limites (SHENKER 2003). Sobre isso, Schenker (2003) acrescenta: “O
indivíduo se interliga a família, que se interliga ao social, formando uma rede de
casualidades múltiplas. A toxicomania não é privilégio de um indivíduo doente, mas sim
um sintoma dos nossos tempos pós-modernos”. Segundo o autor, muitos dos usos têm
59
início na infância e são desconhecidos pela família que pouco dialoga sobre a questão. Não
se pode deixar de comentar que a questão do uso e do abuso de drogas lícitas se apresenta
dentro do paradigma do consumismo típico da sociedade pós-moderna, além de dar
sustentação ao sistema econômico vigente, permitindo sua perpetuação.
Considerando um problema a ser enfrentado por toda a sociedade, cabe a escola,
em parceria com a família e demais segmentos sociais, promover a formação integral dos
educandos, da qual a prevenção do uso de drogas faz parte.
Nesse sentido, o tema transversal Saúde, preconizado pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais/ Temas Transversais (1997), compreende o enfrentamento da
disseminação das drogas, promovendo para isso estratégias de prevenção, proposta dessa
pesquisa. De acordo com Sousa et al (2000), o pressuposto básico para a discussão da
escola e da família sobre o fenômeno droga entre os jovens alunos é trazer para o seu
interior discussões sobre o tema com base em informações claras e com conteúdos de
veracidade. A escola terá oportunidade de ultrapassar, assim, as suas funções de mera
reprodutora do conhecimento e contribuir juntamente com a família para uma socialização
compromissada em relação a si mesmo, ao outro e ao meio ambiente. (FREIRE, 2003).
Prevenir significa chegar antes. Assim, as crianças e os pré-adolescentes são as
principais populações alvo das ações preventivas. A maioria destes ainda não passou pelos
perigos da oferta, portanto pode ser orientada antes dos riscos (CAVALCANTE, 1997).
As drogas escolhidas para iniciar este trabalho foram o tabaco e o álcool por elas
serem as mais consumidas entre os estudantes brasileiros e a porta de entrada para o uso de
drogas ilícitas. A ação preventiva escolhida foi a de nível primário que procura
desestimular as primeiras experiências. (CAVALCANTE, 1997).
O projeto foi integrado na vida e na dinâmica da instituição, incluído em seu
currículo escolar e, conforme aconselha o professor Cavalcante (1997), foi desenvolvido
60
com ênfase na valorização da vida e na não experimentação de drogas lícitas (DU PONT
JUNIOR, 1986; CAVALCANTE, 1997).
Como a escola é uma forte referência de comporta mento para as crianças e os
adolescentes, constitui-se em espaço propício à implementação de ações de Educação em
Saúde, em especial, as relativas à prevenção ao uso de drogas. (USDHHS, 1994).
METODOLOGIA:
A presente pesquisa baseia-se na prevenção ao uso de drogas lícitas, fumo e álcool,
nos 4º e 5º anos do Colégio Pedro II, na Unidade Engenho Novo I. Os participantes dessa
pesquisa são 60 alunos, entre 9 e 12 anos, distribuídos em duas turmas, seis professores das
turmas e responsáveis.
No estudo foram utilizados quatro questionários auto-aplicáveis: dois para os
alunos, um antes da intervenção pedagógica elaborada e outro, após, para comparação dos
resultados encontrados; o terceiro questionário para os responsáveis e o quarto, para os
professores envolvidos com as turmas do estudo. Os instrumentos foram elaborados com
a finalidade de conhecer o nível de informação sobre o tabaco e o álcool, o perfil das
crianças que já tiveram a primeira experiência com estas drogas, opiniões e crenças dos
alunos, pais e professores sobre a experimentação e/ou consumo de drogas lícitas,
importância e sugestões que a comunidade escolar dá a um projeto de prevenção realizado
na escola. O mecanismo de montagem dos questionários passou pelas seguintes etapas: a)
seleção das perguntas; b) ordenação das mesmas em uma seqüência lógica e c) formatação
visando à compreensão das crianças e dos responsáveis e sua tabulação posterior, todas as
etapas estão de acordo com o que preconizam os autores Gil (1999) e May (2004).
O questionário inicial foi aplicado às crianças antes de receberem qualquer
informação sobre o tema para o levantamento suas opiniões e crenças, sobre
experimentação ou uso de drogas lícitas e repetidos depois de seis meses para fins de
61
comparação de dados. Os questionários aplicados aos pais foram preenchidos durante a
reunião dos professores com os responsáveis, onde foi apresentado o projeto e solicitada
assinatura de termo de anuência quanto à participação dos filhos neste trabalho. Vale
ressaltar que o consentimento foi unânime. As entrevistas com seis professores foram
realizadas ao final da pesquisa, que atuavam nos quartos e quintos anos, com o objetivo de
avaliar o projeto e de reunir contribuições e perspectivas para a continuidade do trabalho
preventivo para o ano seguinte.
Em relação ao desenvolvimento do projeto, a primeira etapa do programa teve
como objetivo sensibilizar todo o corpo docente, os coordenadores pedagógicos e os
responsáveis pelos estudantes. Na reunião realizada com os professores, apresentou-se o
problema que norteia a presente pesquisa, descrita na introdução, e as questões decorrentes
do mesmo: a) Quais são os fatores que levam as crianças a experimentarem o álcool e o
fumo? b) Por que esta experiência está ocorrendo cada vez mais cedo na sociedade
moderna? c) Por que algumas crianças afirmam que, quando se tornarem adultos, não
pretendem fumar, mas beber sim?
O projeto foi desenvolvido primordialmente no laboratório de Ciências em
parcerias diretas com o Laboratório de Informática e Artes Plásticas. Porém a estratégia de
inserção das informações permeou toda a grade curricular, baseando-se em um
planejamento prévio, envolvendo os professores e suas respectivas coordenações de área
em um trabalho interdisciplinar sobre o tema, levando-se em consideração a maturidade de
cada turma.
A intervenção fluiu nos quartos e quintos anos do Colégio, no período de maio a
dezembro de 2012. Não teve, portanto, o enfoque de módulo informativo, único e
específico, sem relação com o currículo escolar. O projeto foi integrado à vida e dinâmica
da instituição e conforme aconselha o professor Cavalcante (1997), foi desenvolvido com
62
ênfase na valorização da vida e na não experimentação de drogas lícitas. (DU PONT
JUNIOR, 1986; CAVALCANTE, 1997).
Atividades específicas foram trabalhadas no laboratório de Ciências e Informática
sobre o consumo de drogas lícitas, suas causas, consequências e mitos. A atividade
promoveu debates sobre as propagandas de bebidas alcoólicas divulgadas pela mídia e
discussões sobre os folders do INCA relativos aos males do fumo. Os alunos interpretaram
textos, assistiram a filmes, confeccionaram cartazes, participaram de oficinas antidrogas e
elaboraram uma cartilha sobre o tema. Debates e discussões foram, gradativamente,
introduzidos nas falas dos professores de Língua Portuguesa, Geografia, Arte Plástica e
Literatura. Paralelamente, foram desenvolvidas ações junto aos familiares nas reuniões de
responsáveis com os professores de turma e de atividades, Laboratório de Ciências,
Informática, Artes e Literatura, bem com nas reuniões da Associação de Pais e Amigos do
Colégio Pedro II e nas exposições realizadas durante o ano letivo.
No Laboratório de Informática, as crianças visitaram sites e editaram texto e
imagem no aplicativo Power Point para o livro impresso de prevenção a ser distribuída por
toda a escola. Nas aulas de Artes, as crianças trabalharam o simbólico através dos quadros:
Guerra e Paz de Cândido Portinari e Guernica de Pablo Picasso e empreenderam a sua
guerra contra as drogas. Nessa atividade, os alunos criaram seus símbolos. Uma serpente
foi o símbolo escolhido. Enfim, toda a proposta previu a importância do aluno produzir
trabalhos em diferentes linguagens (escrita, falada, plástica, midiática), dando-lhes a
oportunidade de reelaborar as informações recebidas. Desta forma, foi permitida a
construção de um saber baseado na sua própria experiência. Também os trabalhos em
grupo foram estimulados como forma de contrapor e fazer um intercâmbio, entre as
diferentes visões com vista a uma análise crítica construtiva.
Apresentada a intervenção pedagógica desenvolvida, em seguida, são resumidos os
resultados estatísticos encontrados e interpretados.
63
RESULTADOS
Ao analisar o primeiro questionário respondido pelos alunos, observou-se que
62,50% dos alunos na faixa etária entre 10 e 12 anos fizeram uso de cigarros, 28,6%
tomaram bebidas alcoólicas pela primeira vez na própria residência e 21,8% afirmaram que
elas foram oferecidas pelos próprios pais. Comparando o índice de crianças que
experimentaram bebidas alcoólicas e aquelas que responderam possuir familiares que
bebem diariamente, 34,1%, foi encontrada uma associação positiva entre a experimentação
precoce das crianças e uso de álcool pelos familiares. O mesmo não acontece em relação ao
tabaco.
Em relação ao instrumento aplicado aos pais, constatou-se que 67% dos
responsáveis que fumam, não desejam que seu filho seja um futuro fumante. Durante
alguns encontros, os pais destacaram a importância da parceria entre família e escola. Tal
fato foi confirmado pelo percentual, 93,1%, de pais que concordam com uma das
afirmações do questionário por eles respondida: “falar sobre drogas não é função somente
da escola”, e de 100% os que concordam com a sentença “é importante conversar com
meu filho (a) a respeito do uso de drogas e suas consequências”.
Quanto aos professores, todos foram favoráveis ao trabalho de prevenção realizado
na escola, porém alguns teceram críticas e apresentaram sugestões: o projeto deveria ser
mais valorizado por todos os setores do Colégio; o trabalho ficou restrito às aulas de
Ciências, Informática e Artes; discussões mais amplas sobre o trabalho em reuniões
pedagógicas gerais deveriam ser promovidas; o bom exemplo dos profissionais de
educação deveria ser valorizado, além da informação; a importância do relato de
professores fumantes sobre a dificuldade que têm em parar e o tempo gasto em prevenção
na escola ainda é muito curto e deveria ser ampliado.
O terceiro instrumento que teve como objetivo identificar os dados pessoais dos
alunos, as crenças das crianças em relação às opiniões de seus pais e amigos sobre o tema, o
64
momento da primeira experiência e a intensidade do uso de bebidas alcoólicas pelos
familiares.
Os dados do quarto questionário, aplicado aos alunos após a intervenção, indicaram
o aumento dos percentuais de estudantes que acreditam ser o cigarro prejudicial à saúde e
que fumar é um ato irresponsável. Entretanto, deve-se observar que cinco crianças, 4,17%,
apontaram o fumo como elegante, demonstrando que a conscientização e prevenção
demandam um trabalho contínuo e em longo prazo, onde o diálogo coletivo poderá
contribuir para a difícil, porém possível, mudança de crenças e atitudes sobre o uso de
drogas lícitas.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa revelou os efeitos positivos da intervenção educativa que visou à
promoção de reflexões sobre o uso do tabaco e do álcool, tendo atendido ao propósito de
trabalhar a prevenção ao uso de drogas lícitas com estudantes dos 4ºs e 5º anos do Ensino
Fundamental do Colégio Pedro II. O presente estudo mostrou evidências de que o
programa é pertinente e capaz de responder ao questionamento proposto, de alcançar os
objetivos pretendidos e de atender as hipóteses formuladas. Ressalta-se a importância de
promover a prevenção na infância, uma vez que crianças estão cada vez mais fazendo uso
precoce do tabaco e álcool.
Esse trabalho conseguiu ampliar não só os conhecimentos dos estudantes sobre
drogas lícitas, como envolver reflexivamente a família, alunos e docentes sobre até que
ponto o uso do cigarro e do álcool é produto de escolhas pessoais, de pressões grupais e
sociais. Vale lembrar que os estudantes participantes do estudo estão em processo de
construção de opiniões, para o qual o posicionamento do grupo a que pertencem
intensificam ou não comportamentos e opiniões.
65
Desse modo, o trabalho efetivo de prevenção ao uso de drogas lícitas deve ser
consistente e constante para a promoção da saúde individual e da coletividade, sendo a
escola espaço adequado à socialização de ideias e iniciativas.
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ZINBERG, N. E. “Drug, set and setting”. Yale University Press, New York 1984.
67
ANÁLISE ACERCA DA TEMÁTICA AMBIENTAL NOS LIVROS
DIDÁTICOS DE BIOLOGIA, DESDE A DÉCADA DE 50
Tania Roma Proença
_____________________________________________________________________
RESUMO
O livro didático pode ser considerado um dos poucos recursos que o professor, no Brasil,
dispõe para a realização do trabalho docente, em sala de aula. Este artigo destinou-se a
analisar a abordagem ambiental nos livros didáticos de biologia, desde a década de 50,
utilizados no ensino médio, do Colégio Pedro II, na Cidade do Rio de Janeiro.
ABSTRACT
The textbook can be considered one of the few resources that the teacher, in Brazil,
provides for the realization of teaching in the classroom. This article was intended to
analyze the environmental approach in biology textbooks, since the 50s, used in high
school, the Colégio Pedro II in Rio de Janeiro City.
______________________
INTRODUÇÃO
Na educação brasileira, os livros didáticos têm sido, quase exclusivamente, o único
material que os professores e os alunos dispõem para as atividades em sala de aula.
O governo distribui esses livros para todas as escolas públicas do Ensino
Fundamental e para o Ensino Médio.
Acreditamos que os instrumentos utilizados pelos professores deveriam ser
capazes de promover a reflexão sobre a realidade e estimular a capacidade investigativa dos
alunos para que eles assumam posturas críticas diante da sociedade e do mundo em que
vivem.
Mestre em Ciências da Educação, na Universidade Plínio Leite – Rio de Janeiro, Brasil Doutora em Ciências da Educação, na Universidad Americana – Asunción, Paraguai. E-mail: [email protected]
68
A partir de 1996, o Ministério de Educação (MEC) desenvolveu o Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD), onde, a cada ano, há uma avaliação dos livros
didáticos e que estes somente serão comprados pelo governo após este exame.
Teoricamente, poderíamos afirmar que a qualidade dos livros didáticos não
precisaria mais ser discutida.
Quanto aos problemas ambientais, Pedrini (1997, p.23) afirma que “a degradação
em grandes extensões de nosso planeta vem afetando massas populacionais de todos os
setores da sociedade e é de abrangência internacional”.
Gadotti (2000) denuncia o desenvolvimento capitalista como o causador da
destruição da natureza e Sorrentino (1978) analisa a responsabilidade dos habitantes deste
planeta de implantar mudanças radicais.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) propõem que as questões ambientais
permeiem os objetivos, conteúdos e orientações didáticas em todas as disciplinas.
Os problemas ambientais têm de ser discutidos em todos os níveis da escola. É o
momento da tomada de consciência e aquisição de habilidades capazes de induzir mudanças
de atitudes. Hora de construção de uma nova visão das relações do homem com o seu meio
e adotar novas posturas individuais e coletivas em relação ao ambiente.
Entendemos que a “degradação ambiental não se iniciou em períodos recentes,
mas é decorrente de ações que vêm ocorrendo através da história” (Inforsato, 2000, p.169).
No início do século, os problemas ambientais eram de menor extensão, em virtude da
reduzida produção nas indústrias e baixa densidade demográfica. Hoje, há uma explosão
demográfica (apesar de diminuir em alguns países do mundo), o avanço industrial e
tecnológico e o tipo de sistema econômico desenvolvido contribui para a devastação do
planeta, onde foram alcançados os limites de sua capacidade para suportar a vida humana,
animal e vegetal.
O incentivo ao consumo desenfreado, prática de uma cultura capitalista tem
deixado marcas profundas na Terra. “O potencial destrutivo gerado pelo desenvolvimento
capitalista o colocou numa posição negativa com relação à natureza” (Gadotti, 2000, p. 31).
Figueiredo (2002, p. 193) afirma:
A ideia de que esse tipo de desenvolvimento tecnológico e econômico solucionaria a crescente miséria da população e de que a economia é uma ciência de crescimento ilimitado revelou-se equivocada, já que a pobreza aumentou e todos passaram a sofrer as consequências da degradação ambiental.
69
A crescente degradação ambiental do planeta tem propiciado uma multiplicação
de movimentos ecológicos por toda a parte. Governo e entidades intergovernamentais
internacionais traçam políticas para atenuar os impactos sobre o meio ambiente.
A questão ambiental nos últimos anos tem sido amplamente discutida em várias
áreas do conhecimento, uma vez que a sociedade moderna foi despertada devido ao avanço
da destruição dos recursos naturais do planeta. Uma das formas encontrada é a
conscientização da sociedade sobre esta temática, buscando soluções para paralisar a
destruição e ainda, inverter a situação com ações de recuperação do meio ambiente.
Várias conferências foram realizadas para serem discutidas as possíveis soluções
para um desenvolvimento que fosse sustentável para o Planeta.
Algumas mais importantes são aqui citadas, onde metas foram consolidadas e que
deveriam ser alcançada, mas que não foram cumpridas.
NA Conferência de Tbilisi, em 1977 atribui à escola:
[...] um papel determinante no conjunto da EA (...) transformar progressivamente, através da EA, atitudes e comportamentos para que todos os membros da comunidade tenham consciência das suas responsabilidades na concepção, elaboração e aplicação de programas nacionais ou internacionais relativos ao meio ambiente (MECD, 1998, p. 33).
A EA deveria se dirigir tanto pela educação formal como informal a pessoas de
todas as idades e despertar o indivíduo a participar ativamente na solução de problemas
ambientais do seu cotidiano.
Reconhecendo que havia muito que fazer para a sociedade se preparar para o
novo milênio, a ONU decidiu promover uma 2ª Conferência Nacional, em 1992, no Brasil,
denominada “Conferência de Cúpula da Terra”, que representou outro marco na história
das relações internacionais, uma vez que foi a 1ª reunião de nível internacional a ocorrer
após o fim da guerra fria e da União Soviética.
Mostrou-se extremamente importante, ao reafirmarem a sustentabilidade
ambiental e aprovar um plano de ação concreto traduzido na Agenda 21 – documento
síntese dos compromissos acordados entre os países signatários, no qual fica claro o
desafio assumido pelos mesmos de incorporarem às suas políticas públicas, princípios que
conduzam ao desenvolvimento sustentável.
A Agenda 21, documento elaborado na RIO/92, ainda aborda possíveis soluções
dos problemas ambientais brasileiros, questionando a cultura do assistencialismo, a política
do “é dando que se recebe” e demonstra claramente que política e educação são as únicas
70
formas de mudanças, em que a verdadeira solidariedade está em ensinar-se a buscar
soluções.
Esta Conferência teve como um de seus principais resultados o acordo para
reduzir as emissões de gases do efeito estufa que causam o aquecimento global - a
Convenção sobre Mudança do Clima.
O Protocolo de Kyoto trata-se de um compromisso estabelecido pelos países que
assinaram a Convenção da ONU sobre Mudança do Clima de reduzirem, entre 2008 e
2012, suas emissões poluentes em pelo menos 5% em relação aos níveis verificados em
1990. O Brasil ratificou em 2002 o Protocolo de Kyoto, que entrou em vigor em 2005.
Recentemente, dezembro de 2009, houve mais uma conferência, em Copenhague,
na Dinamarca, sobre o aquecimento global e a redução das emissões de gases causadores
do efeito estufa.
Os desentendimentos a respeito da diminuição das metas começaram quando os
países ricos e pobres não quiseram assumir responsabilidades. As nações desenvolvidas
também questionaram o cumprimento de metas obrigatórias para os emergentes. O
assunto mais uma vez foi encerrado sem conclusão.
Novo encontro está programado para acontecer até a metade do próximo ano.
Segundo Prado (2003), o conceito de desenvolvimento sustentável surge para se
enfrentar as crises ecológicas e para que o problema da sustentabilidade assuma um papel
de reflexão sobre as dimensões do desenvolvimento e das alternativas.
Destaca-se responsabilidade dos indivíduos em promover um novo tipo de
desenvolvimento sustentável e que a informação e a educação são capazes de motivar e
sensibilizar as pessoas a participar da defesa da qualidade de vida.
Tavares Júnior1 (2002) cita Baum, quando compara a nossa sociedade a uma
sociedade de consumo, afirma que o ato de consumir é o passaporte para pertencer a um
contexto social e ter assegurado o direito ao reconhecimento. Neste trabalho ele discute o
consumo acirrando diferenças estruturais entre excluídos e incluídos.
A ênfase no desenvolvimento deve fixar-se na superação dos déficits sociais, nas
necessidades básicas, na mudança de padrões de consumo, principalmente nos países
desenvolvidos, para poder manter e aumentar os recursos-base, sobretudo os agrícolas,
1Neste trabalho ele discute o consumo acirrando diferenças estruturais entre excluídos e incluídos: TAVARES JÚNIOR, Frederico Augusto. Por uma sustentabilidade: reflexões sobre consumo, meio ambiente, comunidade e globalização. In: Anais do VII Encontro de Educação Ambiental do Estado do Rio de Janeiro, 23-25 de set. de 2003. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
71
energéticos, bióticos, minerais, ar e água. É preciso definir limites às possibilidades de
crescimento e delinear iniciativas.
Podemos afirmar que o uso incorreto dos recursos naturais fez com que surgisse
uma preocupação de buscarem alternativas e soluções para os problemas ambientais.
Segundo Pedrini (1997, p.88), a “EA se insurge num contexto derivado do uso
inadequado dos bens coletivos planetários em diferentes escalas - temporais”.
Conceitos e definições de EA partem de linhas diferentes da nossa cultura
política.
Prado (2003) separa em duas linhas: naqueles que entendem EA como uma
ciência que agrega sociologia e ecologia a serviço do bem comum e naqueles que defendem
EA como um mero meio de buscar soluções aos problemas sociais.
Rodrigues e Rodrigues (2001) fazem um estudo sobre a evolução dos conceitos
diretamente ligados a evolução do conceito de meio ambiente2 e a como ele é percebido.
Não se pode tratar EA enfocando somente o aspecto ecológico, mas deve-se observar
também os aspectos socioeconômicos e culturais.
Zucchi (2002) enfatiza este último aspecto de Rodrigues, isto é que EA tem de
ter uma concepção mais ampla, abordando não só o aspecto ecológico, mas também os
aspectos socioeconômicos e culturais.
A EA, nas suas diversas possibilidades, abre um estimulante espaço para um repensar de práticas sociais e do papel do professor como mediadores e transmissores de um conhecimento necessário para que os alunos adquiram compreensão do meio ambiente global e local, da interdependência dos problemas e soluções e da importância da responsabilidade de cada um para construir uma sociedade planetária mais equitativa e ambientalmente sustentável (JACOBI, 2004, p.34).
De 1981 até 1996, várias portarias do MEC, passando pela Constituição Federal,
em 1988, enfatizavam o papel do Poder Público em promover a EA em todos os níveis de
ensino e a conscientização pública para a preservação da Natureza
A 1ª grande ação do governo para a implantação da EA na rede pública de ensino
se dá a partir de 1996, através do PCN, elaborado pelo Governo Federal (Ministério da
Educação), enfocando, como um dos Temas Transversais, o Meio Ambiente.
No Brasil, regulamenta-se a Lei 9795/99, que norteia as ações referentes à EA no
âmbito formal e não formal do ensino.
A questão ambiental está reforçada no ensino formal, mas não pode ser entendido
como pela força da lei e nem por ter sido incluído nos PCNs como tema transversal, e sim
2 No Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa não há definição para meio ambiente.
72
por seu valor de grande importância na realidade atual. A lei e o PCN são apenas uma
conseqüência da emergência que o tema meio ambiente se faz necessário.
Todas essas necessidades urgentes em discutir a EA no ensino formal e as escolas
se utilizando somente do livro didático, fizemos uma pequena análise histórica deste
material.
O livro didático é uma conquista direta da Revolução de 1930, com a queda da moeda, com o encarecimento dos livros estrangeiros, provocado pela crise econômica mundial. (FREITAG, 1997, p.7)
O livro didático, assim entendido e classificado como o livro que se destina ao
ensino, apresenta características bastante diferentes de mercado, consumo, tiragem, preço e
comercialização.
O livro didático é basicamente o livro adotado nas escolas.
Em 1976, o PNLD (Plano Nacional do Livro didático) desenvolve-se, criando e
mostrando a necessidade de padronizar os livros didáticos, estabelecer um tempo fixo para
a sua utilização e padronizar os preços.
Em 1985, com o fim da ditadura militar, criou-se um novo programa para o
PNLD com o objetivo de adquirir e distribuir gratuitamente os livros didáticos para os
alunos das escolas públicas do ensino fundamental, segundo critérios dos próprios
professores.
Entre 1976 e 1995 os livros didáticos no Brasil sempre serviram aos alunos de
escolas particulares. Os livros mais atualizados e as edições mais novas eram reservados às
escolas particulares, somente os estoques remanescentes eram oferecidos a preços
reduzidos ao MEC, para uso nas escolas públicas.
Aumentando assim a distância entre o sistema particular e o ensino público
quanto à qualidade. “Quando chegavam às escolas públicas, já eram livros ultrapassados do
ponto de vista metodológico e/ou ultrapassados. Ainda podiam ser encontrados livros com
danos físicos na capa ou nas páginas” (FRACALANZA, 2003, p. 89).
Em, 1995, criou-se o Guia Nacional do Livro Didático, distribuído gratuitamente
a todas as escolas públicas do país, permitindo que o professor participe na seleção dos
livros que vão ser utilizados em sala de aula.
A partir da década de 90, várias avaliações revelaram problemas graves nos livros
comprados e distribuídos pelo MEC, o que trouxe à tona a questão da qualidade e retidão
das informações. Ainda em 1995, o MEC cria critérios para avaliar o livro didático que
compra e distribui. Publica então o documento Definições de Critérios para Avaliação dos
73
Livros Didáticos: “em que eram analisados os livros didáticos adquiridos pela Fundação de
Assistência ao Estudante (FAE) e distribuídos às escolas, nas várias disciplinas do currículo
escolar” (FRACALANZA, 2003, p. 147).
Com essas avaliações os livros didáticos que vão para as escolas públicas se
tornam melhores, mais corretos conceitualmente, mais adequados metodologicamente e
mais atraentes? Poderíamos afirmar que a qualidade dos livros didáticos não precisa mais
ser discutida?
Não é o que acontece, conforme a quantidade expressiva de trabalhos que
abordam este assunto e que fazem várias correções, apontando falhas.
Se antes os lançamentos eram reservados aos alunos de escolas particulares, hoje
eles estão reservados aos alunos das escolas públicas. Feitos especialmente para esses
alunos, livros não consumíveis, com duração para três anos seguidos.
Entendemos que as publicações podem servir como poderosas ferramentas de
trabalho se estiverem articuladas com a proposta pedagógica das escolas e com os PCNs
(Parâmetros Curriculares Nacionais), o que também confirma Leandro (2001) em seu
trabalho sobre o livro didático de matemática.
O livro didático constitui um dos mais importantes suportes pedagógicos no
trabalho do professor e é por meio dele que os estudantes descobrem o mundo do qual
fazem parte. É considerado como um dos insumos mais importantes utilizados nas escolas.
É um instrumento facilitador para os professores e, para Almeida (2000), devido a
vários fatores, como falta de preparo, de tempo e de recursos do professor e até de
estímulo dos mesmos. Muitas vezes é a única ferramenta que ele dispõe para a realização
do trabalho docente.
Na realidade, o livro didático torna-se fonte exclusiva de informação para muitos.
Para Soares (2003), autora e defensora do livro didático, é importante ressaltar que
um livro didático de qualidade deve estar sempre atento aos conhecimentos do mundo e
preocupado em apresentar vários pontos de vista, e ainda, situações do cotidiano e da
realidade dos alunos. Neles não deve haver qualquer fonte de preconceito, deve procurar
mudar a visão dos estereótipos, impedir situações que possam levar ameaça à saúde dos
estudantes além de utilizar método adequado para o ensino-aprendizagem.
Devemos considerar não apenas o uso que será feito pelo professor, mas também
o emprego que o aluno poderá fazer do livro, pois, muitas vezes, o livro didático constitui a
primeira e única fonte de informações sistematizadas sobre um conhecimento.
74
Para Libâneo (1990, p.261), são os professores que devem selecionar e analisar
seu material de trabalho.
Ao selecionar os conteúdos da série em que irá trabalhar, o professor precisa analisar os textos, verificar como são abordados os assuntos, para enriquecê-los com sua própria contribuição e a dos alunos, comparando o que se afirma com fatos, problemas, realidade da vivência real dos alunos (...). Ao recorrer ao livro didático para escolher os conteúdos e elaborar o plano de ensino e de aulas, é necessário ao professor o domínio seguro da matéria e bastante sensibilidade crítica.
Para Rodrigues (2001), o professor necessita querer trabalhar a Educação
Ambiental dentro do seu currículo e encontrar tópicos da matéria ou dinâmicas de ensino
que se encaixem com práticas de educação ambiental.
DESENVOLVIMENTO
Para o desenvolvimento deste artigo, utilizamos uma pesquisa bibliográfica que é
desenvolvida a partir de fontes bibliográficas e onde procura explicar um problema a partir
de referências teóricas publicadas em documentos.
Esse artigo destina-se a identificar como o meio ambiente é apontado nos livros
didáticos de biologia que foram utilizados no ensino médio, do Colégio Pedro II.
Para essa análise nos apoiamos na investigação de dez livros de biologia do ensino
médio.
A análise começa na década de 60, pois o termo Educação Ambiental surge nesta
época e pela primeira vez houve uma conferência de educadores propondo que a educação
ambiental fosse trabalhada nas escolas. Adicionamos a década anterior, de 50, para que
pudéssemos fazer uma análise de evolução e comparação. Chegamos até os livros mais
atuais para dar continuidade com a análise comparativa.
Foram consultados livros didáticos existentes no acervo das bibliotecas das
unidades escolares do Colégio Pedro II.
Num segundo momento, a análise era acerca de “conteúdos”, abordagens ou
assuntos que nos remetessem a uma possível noção de educação ambiental, como ecologia,
meio ambiente, desenvolvimento sustentável e poluição.
Os livros da década de 50 e 60 fazem parte do acervo da Unidade Escolar São
Cristóvão II, os livros das décadas de 70, 80 e 90, da Unidade Engenho Novo II e os de
2005 foram de alunos que estudavam na Unidade Engenho Novo II.
75
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos livros didáticos analisados não percebemos contextualização, uma ligação
com fatos reais. As atividades são destinadas à memorização de conteúdos e definições,
limitando-se a textos informativos, feitos para o vestibular, no caso do ensino médio.
Valorizam a aquisição de conhecimentos.
A educação ambiental não aparece como instrumento de aquisição de
conhecimento sobre a Natureza, como também de sua preservação e conservação, já que
os textos têm caráter apenas informativo.
Não há sugestões de trabalho junto às comunidades, interna ou externa à escola.
O nosso estudo confirma o que Freitag (1987, p.62) já havia observado: os livros de maneira geral, não abordam a necessidade de respeito e preservação da Natureza, não evocando desta maneira o aspecto ecológico, tão importante para a sobrevivência dos seres vivos.
Percebemos que os capítulos se ampliam a partir da década de 80, quando
aparecem os textos enfocando problemas ambientais. Mas somente a partir da década de
90 é que os livros didáticos preconizam que não basta saber o que é ecologia, mas, antes de
tudo, praticá-la.
Os textos complementares que podem ser um aliado na EA, começaram a surgir,
timidamente, na metade da década de 80 nos livros de biologia.
Os textos apresentados têm um caráter informativo, reduz-se ao papel de apenas
informar os educandos. Não querendo ignorar a importância da informação, mas a
necessidade de uma discussão mais aprofundada com os alunos se faz presente e urgente,
sugerir propostas alternativas e de contribuição na melhoria da qualidade do meio
ambiente.
Os assuntos mais comuns que surgem são sobre poluição, desmatamento e, mais
atualmente, sobre chuva ácida, camada de ozônio, lixo e os transgênicos.
O tema poluição, principalmente do ar, é constante, nos livros de biologia desde a
década de 60.
O homem não aparece como componente ambiental, como parte da Natureza, e
as relações do Homem na Natureza.
Concordamos que a utilização exclusivamente do livro didático não considera as
diferenças de habilidades dos alunos e que outras atividades paralelas se fazem necessárias,
mas que o professor nem sempre dispõe de oportunidades para a crítica do material que é
utilizado em suas próprias aulas.
76
A partir desta análise, considerando todos esses aspectos, acreditamos que se o
professor quiser discutir Educação Ambiental com seus alunos, ele terá de se atribuir não
apenas do livro didático, mas também da elaboração de projetos com outros professores,
buscando envolver a comunidade escolar.
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77
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ZUCCHI, Odir José. Um estudo de caso das concepções e práticas dos professores do ensino fundamental
e médio em Toledo-Paraná. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002.
78
GÊNERO E PRECONCEITO: UMA ABORDAGEM A PARTIR DA
LITERATURA DE RUTH ROCHA
Andreia Passos Ferreira
_____________________________________________________________________
RESUMO
Neste trabalho, são abordadas questões referentes ao preconceito de gênero, cujo objetivo
é o de repensar relações e ideias estereotipadas a esse respeito. O suporte teórico ancora-se
em conceitos extraídos da história cultural, como representação e construção de
subjetividade. Ademais, como fonte de análise, examina-se três obras literárias de Ruth
Rocha: Reizinho Mandão, Procurando firme e Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias, que se
debruçam sobre as relações entre o masculino e o feminino, apontando novos horizontes
para o tratamento do tema.
ABSTRACT
In this work, we addressed issues related to gender bias, whose goal is to rethink relations
and stereotypes in this regard. The theoretical support is founded on concepts drawn from
cultural history, such as the representation and construction of subjectivity. Moreover, as a
source of analysis examines three literary works of Ruth Rocha: Reizinho Mandão, Procurando
firme and Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias, that focus on the relationship between the
male and the female, pointing to new horizons treatment of the subject
______________________ Especialista em Educação Infantil e em Supervisão Escolar e Orientação Educacional/UERJ/ Professora do Ensino Básico e Tecnológico do Colégio Pedro II/ Campus ENI.
Neste trabalho abordo questões relacionadas ao preconceito de gênero e formas de
repensá-lo, visando construir caminhos para superá-las. À luz da história, conforme
conceitos extraídos da história cultural, como representação, construção de subjetividade,
buscando respaldar esta pesquisa.
O recorte temporal desta investigação situa-se no período da ditadura militar no
Brasil (1964-1985), momento no qual a autora Ruth Rocha se insere e traz em seus livros 3a
3 Marcelo, marmelo, martelo... e outras histórias. 6ª ed., 1981. Procurando firme, 1984 O Reizinho Mandão. 2ª ed., 1979.
79
discussão sobre a construção do gênero feminino e masculino, assim como a reflexão sobre
os estereótipos e ideias pré-concebidas sobre a questão.
Um dia, vivi a ilusão de que ser homem bastaria, que o mundo masculino tudo me daria do que eu quisesse ter. Que nada minha porção mulher que até então se resguardara é a porção melhor que eu trago em mim agora é o que me faz viver
Quem dera pudesse todo homem compreender, ó mãe, quem dera, ser o verão o apogeu da primavera e só por ela ser Quem sabe, o super-homem venha nos restituir a glória, mudando como Deus o curso da história por causa da mulher. Super-homem
A epígrafe deste artigo introduz com propriedade o conteúdo deste trabalho. O
preconceito quanto ao gênero masculino e feminino é um tema que me interessa desde a
graduação em Pedagogia. Constitui-se tanto em aprendizado de vida quanto em
aprendizado como profissional da área de Educação.
Primeiramente, a letra de Gilberto Gil faz pensar em transformação, em nova visão
de vida e de mundo. Um homem que percebeu que a mulher não é aquele ser submisso e
dependente e a valoriza, assumindo e, com orgulho, a “porção mulher que até então se
resguardara”. Por isso o super-homem demonstra ser “completo”, por aceitar as diferenças,
sem vê-las como ponto de desigualdade.
A visão de mulher estipulada na letra da música indica uma nova história, em que
não só o olhar sobre o que seja a mulher se modifica, mas, igualmente, ao que se estabelece
sobre o ser homem.
Nos temas relativos à história da educação, evidenciou-se mais ainda a atualidade
do tema. É uma preocupação que se apresenta com mais força após o surgimento do
movimento feminista. De acordo com Soihet e Pedro (2007), o tema gênero tem um
percurso difícil na área da história, pois este foi tardiamente apropriado por este campo das
Ciências Humanas. Da mesma forma, as autoras indagam como incluir a mulher como
“categoria analítica na pesquisa histórica.” (p.2)
80
Grande parte desse retardo se deveu ao caráter universal atribuído ao sujeito da história, representado pela categoria „homem‟. Acreditava-se que, ao falar dos homens, as mulheres estariam sendo, igualmente, contempladas, o que não correspondia à realidade. (p. 3)
As autoras ressaltam que a visão de história anterior a trazida pelo movimento
feminista se deve à herança do Iluminismo, em que se privilegiava o aspecto político e do
domínio público, enfatizando fatos heróicos, homens importantes e guerras, por exemplo.
A contribuição para o início desta mudança na construção de uma história mais
voltada para os sujeitos “comuns” (operários, artesãos, camponeses, por exemplo), seu
cotidiano, a concretude de seus atos e abrir a visão para observar diferentes fontes foi
possível por influência da Escola de Annales e da história cultural (Hunt,2001). Desta
forma, se abriu espaço para a influência da presença feminina. Soihet e Pedro (2007)
ressaltam as transformações que resultaram desta mudança de visão: as mulheres
começaram a solicitar informações, professores buscaram a inclusão de estudos sobre as
mulheres nos cursos universitários, ou seja, se começou a discutir estas questões que até
então eram encaradas como irrelevantes.
Desta forma, as transformações na historiografia, articuladas à explosão do feminismo, a partir de fins da década de 1960, tiveram papel decisivo no processo em que as mulheres são alçadas à condição de objeto e sujeito da História, marcando a emergência da História das Mulheres. (p.3)
As relações de gênero tanto na história quanto na sociedade podem reforçar
desigualdades, estereótipos e preconceitos. Desde que nascemos nos apresentam padrões
de comportamento: homens não choram, não demonstram sentimentos, são seguros e
destemidos; já as mulheres são frágeis, dóceis e quietas. Há profissões destinadas a
mulheres e homens: as primeiras, ligadas ao cuidado com homens e crianças. Nesta
perspectiva Fernández (1994) adverte que a sexualidade feminina é tratada de duas formas:
reprodutiva ou como objeto sexual. Contrariamente, ao homem se “indica” tarefas mais
objetivas, pontuais, braçais. Ainda observamos a presença destas e outras ideias – como a
simbologia de cores: azul para meninos e rosa para meninas, situação estipulada
socialmente desde pelo menos a década de 1920 e que parece perdurar até hoje. (Belotti,
1985)
Romper com estas e outras ideias seria inverter a “ordem natural” imposta
socialmente. De acordo com Louro (1995 a) as características que se impõem ao gênero
feminino e masculino são de procedência social e não biológica, como se difunde. A
81
subjetividade, a liberdade de ser, de vez e de voz fica perdida em padrões sociais, que não
levam em conta o sujeito.
Todavia Levi (2005) nos auxilia a entender estas relações, ao ilustrar a construção
desta subjetividade, mesmo em sociedades que procuram encerrar indivíduos em ideias pré-
concebidas. Ele ressalta que de acordo com o contexto da época, a sociedade tenta
enquadrar os sujeitos. Contudo estes mesmos sujeitos almejam a liberdade de um olhar
diferenciado para estas questões, em busca de mudança social. É nesta perspectiva que vejo
a importância de se discutir sobre hábitos, atitudes e ideias em relação ao conceito de
gênero como forma de se refletir, repensando e reconfigurando “velhos” – nem tanto –
nós. Essa postura de criticidade sobre o que nos é apresentado, possibilita mudança de
perspectiva. Mudanças tecnológicas, culturais, sociais, econômicas emergem de
rompimentos e do surgimento de novas ideias.
A noção de apropriação sob forma de „uma história social dos hábitos e das interpretações, ligados a suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais, culturais) e inseridos nas práticas específicas que o produzem, „ por mais importante e útil que seja também deixa em aberto o problema da relação entre indivíduo e grupo. Não se pode negar que há um estilo próprio a uma época, um habitus resultante de experiências comuns e reiteradas, assim como há em cada época um estilo próprio de um grupo. Mas para todo indivíduo existe também uma considerável margem de liberdade que se origina precisamente das incoerências dos confins sociais e que suscita a mudança social. (LEVI, 2005, p.182)
A definição de gênero se constitui como uma ideologia que, a partir da atribuição
de normas diferenciadas para cada sexo elaboradas pela sociedade e de acordo com suas
necessidades, pode variar no espaço e no tempo. Diferentemente do sexo - este de ordem
biológica, “natural” - o gênero é determinado por regras impostas social e culturalmente às
pessoas a partir de seu nascimento, ou até mesmo na espera pelo nascimento (Belotti,
1985), o que passa a reger seus comportamentos, desejos e ações e são definidoras da
identidade de gênero/sexo. E assim, “ninguém nasce mulher, torna-se mulher.” (Simone de
Bouvoir, apud Louro, 1995b, p. 173)
Contrariamente a essa idéia, verifica-se que, antes mesmo do nascimento, ocorrem
expectativas e especulações sobre o sexo da criança. Belotti (1985) aponta uma série de
“crendices” que demonstram a supremacia, o “bom” de ser pai ou mãe de um menino e o
quanto é percebido como desvantajoso sê-lo de uma menina. Exemplos são citados: se a
gestante se encontra de bom humor é sinal de que será um menino; de mau humor e
inclinada ao choro, uma menina; se a sua pele está rosada e bela, terá um menino; do
contrário, encontrando-se feia e pálida, uma menina; o lado direito, considerado o lado
82
“bom”, de importância, mais nobre, mais forte, mais ativo está relacionado ao nascimento
de um menino, afinal com a mão direita saúda-se, aceita-se, recusa-se, trabalha-se, ...; já o
lado esquerdo é relacionado à menina. (p. 17-18)
Para Scott (1992), o termo gênero foi utilizado
[...] para teorizar a questão da diferença sexual. Nos Estados Unidos, o termo foi extraído tanto da gramática, com suas implicações sobre as convenções ou regras (feitas pelo homem) do uso da lingüística, quanto dos estudos da sociologia dos papéis sociais designados a mulheres e homens. [...] Também enfatizaram o aspecto relacionado do gênero: não se pode conceber mulheres, exceto se ela forem definidas em relação aos homens, nem homens, exceto quando eles forem diferenciados das mulheres. Além disso, uma vez que o gênero foi definido como relativo aos contextos social e cultural, foi possível pensar em termos de diferentes sistemas de gênero e nas relações daqueles com outras categorias como raça, classe ou etnia, assim com em levar em conta a mudança. (1992, p. 86 e 87)
Desta forma, não se pode conceber um gênero sem levar em consideração o outro,
sem se entender e perceber como relevante a presença do outro no contexto social,
histórico e cultural. A historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias (apud Soihet e
Pedro,2007) discordou da construção de uma teoria feminista, pois seria substituir uma
relação de dominação por outra, somente se trocando o lugar do poder.
A discriminação não acontece apenas com as mulheres. Os homens também são
atingidos porque nem todos possuem ou introjetam as características pré-determinadas.
Sobre este lado da discriminação nos fala Shire Hite(1996).
Esta masculinidade machuca os homens. Do mesmo modo que o feminismo exacerbado, agressivo com a figura masculina, machuca as mulheres. Por que muitos acham que a energia é exclusiva dos homens? Ou dos jovens? Por que muitos acreditam que a fragilidade e a delicadeza são qualidades femininas, e só femininas? São preconceitos como estes, aparentemente inofensivos, que produzem sentimentos de onipotência e cristalizam comportamentos e papéis sexuais. São preconceitos como estes que fazem com que a masculinidade, confundida com sentimento exclusivo de posse e dominação, machuque homens e os tornem tão arredios à modernidade. Por trás dos grupos conservadores que pregam uma volta às tradições, que culpam o acesso das mulheres à educação e ao mercado de trabalho pela desagregação familiar moderna, estão os que não conseguem perceber que, no lugar da família tradicional que se desagrega, está surgindo outra, mais humana, mais amorosa. (p. 2)
Conforme o fragmento, evidencia-se que não se trata de ser feminista ou machista.
Trata-se da igualdade de oportunidades, direitos e deveres e não em extremismos ou
grupos isolados, que busquem superar um ao outro.
83
No entanto, é bem verdade, como já foi citado, que o feminismo nos trouxe várias
novas perspectivas com vistas a se refletir sobre o papel da mulher na sociedade. Como
afirma Burke este movimento fez surgir e reafirmar uma identidade coletiva e individual do
ser mulher, lutando pelo fim da subordinação, da invisibilidade, da impotência e com isso
trazendo à tona ideias de igualdade e de controle sobre seu próprio corpo e vidas. (apud
Scott, 1992)
No estudo de Scott (1992) sobre a história das mulheres, a autora ainda traz a
questão de que, a partir do movimento feminista, as mulheres começaram a ter uma
atuação mais espontânea, se perceberem como seres pensantes e que, com isso, começaram
a se inserir em atividades profissionais das quais eram excluídas ou eram subutilizadas.
RUTH ROCHA: REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NA LITERATURA
Como fonte de pesquisa sobre como o preconceito de gênero tem sido
representado e poderia ser superado, indica-se a literatura infantil e juvenil de Ruth Rocha,
a partir de textos escritos na década de 1980, época de ditadura militar no Brasil (1964-
1985).
Este momento para o nosso país foi de censura, de não questionamentos da
estrutura política, de perda de direitos políticos e de liberdade e de silêncio. Surgem livros
em que os personagens de Ruth Rocha gritam, querem ter vez e voz e parecem dispostos a
rever papéis impostos. Ela se utiliza principalmente de meninas neste papel.
Ruth Rocha nasceu em São Paulo, se graduou em Sociologia e Política e fez pós-
graduação em Orientação Educacional. Por 15 anos trabalhou na área de Educação,
vivenciando conflitos, as dificuldades da infância e as mudanças do seu tempo, como a
liberação da mulher, questões afetivas e de auto-estima e que foram transfiguradas em sua
literatura. Uma grande influência é a de Monteiro Lobato, sendo esta percebida em sua
obra no interesse pelos problemas sociais e políticos, no humor e nas posições feministas.
Foi agraciada com os prêmios da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, da Câmara
Brasileira do Livro, 5 Prêmios “Jabuti”, Prêmio João de Barro, condecorada com a
Comenda da Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura, entre outros. Seu livro
mais famoso é Marcelo, Marmelo, Martelo (1976), que já vendeu mais de 1 milhão de
cópias.(site: http://www2.uol.com.br/ruthrocha/home.htm)
84
Neste artigo, analisam-se três títulos desta autora, publicados entre os anos de 1979
e 1984. São eles: O Reizinho Mandão (2ª ed. – 1ª ed. publicada em 1978), Marcelo,
Marmelo, Martelo e outras história, a história de Terezinha e Gabriela (6ª ed – 1ª ed.
publicada em 1976) e Procurando firme(1ª ed,).
Primeiramente, discute-se o porquê do trabalho com a literatura infantil, proposto
como um recurso, um auxílio na busca por reflexão como possibilidade de discussão sobre
o tema e de uma forma de perceber um dos caminhos se pode percorrer na busca de
superação do preconceito de gênero.
Com base na literatura, evidencia-se como meninos e meninas são representados
em livros e ainda como podem trazer à tona perspectivas relevantes a serem analisadas e
discutidas, com a finalidade de lhes atribuir liberdade de escolha e de se perceberem como
pessoas dotadas do poder de construção de suas histórias de vida, de subjetividade. A
literatura (geral e especificamente a infantil) pode ser percebida como um dispositivo de
uma pedagogia de leitura, implicada com a construção de uma educação para a liberdade e
avessa, portanto, à perspectiva preconceituosa e homogeneizadora das práticas usuais de
leitura na escola.
Chartier (1990) aponta que o texto pode trazer uma “refiguração” do sujeito. Entre
estes dois “universos”, há uma teoria da leitura que compreende a “apropriação dos
discursos”, ou seja, como o texto atinge o leitor e o faz repensar e recriar a si e ao mundo, a
sociedade. Isto se dá por uma forma de mediação, que permite conhecer-se e reconhecer o
contexto em que se está inserido.
Nesta perspectiva de construção do eu, cabem também às reflexões de Bourdieu
(2005), que aponta o sujeito como ser em constante movimento e recriação, que não segue
uma ordem cronológica exata e linear. Ao contrário se constrói a cada momento. O “ponto
fixo” seria o nome próprio, como constituinte de uma identidade social que o representa de
forma constante e durável em todos os lugares onde este sujeito pode intervir.
Sendo assim, a partir de tais reflexões, penso que a discussão sobre o preconceito
de gênero se torna relevante, seja através da literatura ou outra forma de abordagem, mas
que se busquem caminhos para mediar à construção de um sujeito ativo, criativo,
autônomo e crítico, livre de estereótipos e generalizações que só fazem aprisionar corpos e
mentes em preconceitos, discriminações, porque como nos diz Algebaile (1995): “A
discriminação, seja ela qual for, violenta o ser discriminado. Machuca. Fere. Deixa marcas
internas e externas”. (p.177)
85
Desta forma, indicam-se os três livros de Ruth Rocha “destinados” a crianças que,
tendo por tema central as relações de gênero, mostram a necessidade de que meninos e
meninas possam assumir sua subjetividade para além dos padrões normativos impostos
pela sociedade.
I. Livros de Ruth Rocha
a. O Reizinho Mandão (1979)
Primeiramente, esta história é muito diferente das convencionais porque o
personagem principal masculino não é exatamente o “mocinho” que estamos acostumados
a encontrar, ou seja, o forte, bonito, alto, seguro, bom. Ao contrário, é arrogante,
imprevisível, mal-educado, mal-humorado, mimado, teimoso, implicante e “xereta”.
A história se desenvolve em torno do reizinho, que não admite que o desobedeçam
e o questionem, mandando que todos que o fizessem, se calassem, o que foi tornando as
pessoas mais quietas, a tal ponto que não sabiam mais falar. Tal comportamento ilustra o
autoritarismo na sociedade, impondo padrões, normas, impossibilitando-as de
questionarem, o que acaba por determinar que desaprendam de fazê-lo.
A partir do tédio que toma conta do reino, o reizinho resolve pedir ajuda a um
sábio, que o aconselha a procurar uma criança que ainda saiba falar, para que lhe dissesse o
que fazer. Ele encontra uma menina, que rompe com o convencional: a figura de heroína
que auxilia o menino e rompe com padrões impostos socialmente.
Primeiro ela não fala nada, por ser o rei. Mas, quando o papagaio que o acompanha
a menina manda calar a boca, ela esbraveja:
Quando o papagaio disse isso, precisava ver a cara da menininha. Ela ficou vermelhinha também, arregalou uns olhos muito brilhantes e gritou, com toda força: - Cala a boca já morreu! Quem manda na minha boca sou eu! No mesmo instante ouviu-se um estalo (...) Eram vozes e mais vozes, que vinham de todos os lados (...) (p.26 e 28)
Portanto, a menina rompe com uma ideia estereotipada de que os meninos é que
detém o poder, derrubando padrões de comportamento e salientando que meninos e
meninas podem ouvir e difundir novos conceitos.
86
b. Marcelo, marmelo, martelo... e outras histórias (Terezinha e Gabriela)
(1981)
Nesta história, fica explícito o antagonismo das duas meninas: Terezinha é a
evidência do estereótipo de menina, ou seja, sempre bem comportada, arrumada, boa
aluna, submissa, obediente; contrariamente, Gabriela representa a liberdade, sendo
“levada”, brincando com meninos e meninas, esperta, segura, sem por isso ser mal-educada
e nem discriminada pelo fato de ser assim em nenhum momento no enredo da história.
Terezinha é a novidade na rua e os amigos de Gabriela comentam com ela sobre a
menina e vice-versa. O interesse pelo diferente fica ressaltado. Terezinha passa a ter o
comportamento de Gabriela e esta, o de Terezinha.
Nesta passagem chama a atenção outro ponto: tanto a mãe de Terezinha quanto a
de Gabriela não demonstram preconceito, não são agentes sociais veiculadores de normas.
Na verdade, não são muito lembradas, a não ser em algumas passagens e não interferem
neste processo.
E, na primeira vez que as duas se encontraram, a turma nem queria acreditar. Gabriela, fazendo pose de moça, de cabelos cacheados, sapatos de pulseirinha, vestido todo bordado. Gabriela empurrando o carrinho da boneca, comportadíssima. Teresinha pulando sela, assoviando, levadíssima. As suas se olharam, no começo, desconfiadíssimas. Depois, começaram a rir porque estavam mesmo muito engraçadas.(p.36, 37, 38)
Neste momento, é evidente a aceitação do diferente: as meninas ficam amigas,
aprendem muito uma com a outra, trocando experiências e cada uma com um traço do
comportamento da outra. Os meninos, apesar de não desempenharem papéis de muito
destaque, não demonstram preconceito e nem discriminação e da mesma forma, aceitam as
diferenças nas meninas.
Ao final da história, a autora “chama” o leitor para refletir sobre a mesma, o que
auxilia no questionamento sobre a questão do diferente. Aproxima o livro da realidade da
criança quando pergunta sobre os possíveis amigos diferentes desta, o que aprendem ou o
que estes aprenderam com a criança e solicita que invente um amigo que gostaria de ter,
com as qualidades de que gosta e também alguns defeitos, terminando por dizer que “todo
mundo tem defeitos.” (p.42)
87
c. Procurando Firme (1984)
Este livro já começa dizendo que parece uma história de fadas, mas não é; que
parece história para criança, mas não é. Faz pensar que este assunto pertence a todos, que a
discussão sobre esta questão deve levantar questionamentos a todos. A história é narrada a
uma criança, que tudo questiona.
Conta a história de um castelo, com rei, rainha, príncipe, princesa e um dragão, que
não permitia a entrada de ninguém. Mas o príncipe, mesmo com o dragão, estava sendo
preparado para um dia ganhar o mundo e sair do castelo, como todo príncipe. Para isso, ele
tinha professor de esgrima, de berro, de corrida, de alpinismo, de línguas, de andar a cavalo,
de natação, de uso do cotovelo, de cuspir no olho, aprendia a não chorar toda hora, a
esfregar o joelho no chão para ficar bem grosso... Enfim, aprendia coisas que o ajudariam
tanto a sair do castelo quanto a sobreviver no mundo.
Enquanto isso existia a princesa que era educada para encontrar um príncipe, que
conseguisse vencer o dragão. Ela tinha aulas de canto, bordado, tricô, pintura em cerâmica,
aprendia poesias de Castro Alves, piano e fazia flores. A narradora ressalta que tudo isso
servia para distraí-la, deixando o tempo passar, à espera do príncipe salvador e de um
casamento.
O príncipe venceu o dragão e ganhou o mundo. A princesa ficou esperando o seu
pretendente. Até que um dia um apareceu, mas ela não gostou dele, achou-o grosseiro e
convencido. Os pais ficaram espantados com a reação da princesa, que dizia estar com
preguiça de cozinhar para o moço, não queria agradá-lo. Aqui se percebe que o livro
começa a romper com os estereótipos impostos à personagem. Ela tem opinião sobre o
que quer e sobre o homem: ela o achou grosseiro, só falava em casamento e era
convencido. E disse: “-Olha aqui. Eu posso mostrar as bolsas de macramê, os vestidos de
paietê, as capas de plissê que eu fiz. Mas casar com esse cara eu não caso!” (p. 19)
Outros príncipes apareceram, mas nenhum agradava a princesa. Ela tinha os
cabelos compridos como de Rapunzel, para ajudar a entrada dos príncipes. Mas resolveu
cortá-los como dos “povos longínquos de Africolândia”. Resolveu mudar as roupas
também, não mais usava os vestidos de princesa, mas calças compridas. Todos notavam as
mudanças na princesa: ela ria alto, não se interessava mais pelas aulas, se intrometia nas
conversas, inclusive dos ministros do reino e começou a berrar, para ter hábitos mais
parecidos com os do príncipe.
88
Na verdade, ela estava tendo aulas como o irmão e estava adorando. Ela queria
correr o mundo e romper com o padrão imposto a ela. Ela queria correr o mundo, ao invés
de esperar por um príncipe, queria escolher com quem casar neste mundo tão grande. E ela
estava se saindo muito bem, bastava um berro que todos a atendiam.
Um dia, ouviram berros no castelo. “O primeiro a chegar foi o rei. E ficou
espantadíssimo quando viu a princesa, correndo de um lado pro outro, de espada na mão,
dando aqueles gritos medonhos que ele tinha ouvido lá do outro lado do castelo.” Quando
perguntou o que acontecia, a princesa respondeu: “Ah, pai, nem queria saber! Que barato!
Estou tendo umas aulas com os instrutores de meu irmão. Estou aprendendo esgrima,
estou aprendendo a correr, estou aprendendo berro...” (p.24)
No final da história, a princesa saiu do castelo igual ao irmão e saiu pelo mundo a
fora procurando não se sabe o quê, mas procurando firme. Neste livro se percebe uma
outra construção do ser mulher: é determinada, destemida, tem opinião e não demonstra a
fragilidade que muitos acreditam ser características inerentes a toda menina. Mais uma vez,
observamos o rompimento com o estabelecido socialmente, historicamente e culturalmente
como comportamentos femininos e examinamos a construção de uma subjetividade,
questionadora e livre.
II. Contribuições da história cultural para o tema
Conforme indicado, retoma-se o exame sobre a história cultural, desdobrando
conceitos que auxiliam a repensar questões de construção do eu, das relações de gênero, de
representações. Chartier (1990) discorre como a história cultural trabalha também na
perspectiva de analisar cada realidade social, de como esta é construída, de como os
interesses dos grupos que fazem parte desta construção, sejam estes de mudança ou
perpetuação de comportamentos e ideias. E adverte que:
As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projecto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação. As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio. (p. 17)
89
Chartier (1990) reconfigura um conceito fundamental: o de representação, por
tratar de defini-la como exibição de algo que não se faz presente, representando algo ou
alguém, de ser construída como signo visível e requerer um significado, que é construído
por cada grupo social e acrescenta que “Todas elas têm em vista fazer com que a identidade
do ser não seja outra coisa senão a aparência da representação, isto é, que a coisa não exista
a não ser no signo que a exibe.” (p.21)
O mesmo autor (1990) ressalta que o conceito de representação se faz necessário, ao
se trabalhar com a história cultural, por ajudar a compreender como funcionam as
sociedades, as operações intelectuais que regem o mundo e porque seu retorno ao social
pode ser muito importante na construção da identidade de cada sujeito. Portanto, Chartier
traz uma significativa contribuição quando nos faz refletir sobre tal conceito, pois explicita
através da percepção do funcionamento da sociedade – e aqui a história cultural tem papel
relevante, por nos possibilitar essa investigação – as contradições de tal construção pelos
diferentes grupos. Ademais, esse estudo permite que o sujeito reconheça a sua identidade
social, sua singularidade neste contexto. E, por último, porque através desta investigação, o
sujeito ou a instância ou o grupo pode marcar sua existência, suas contribuições.
Acrescenta ainda que:
As estruturas do mundo social não são um dado objectivo, tal como o não são as categorias intelectuais e psicológicas: todas elas são historicamente produzidas pelas práticas articuladas (políticas, sociais, discursivas) que constroem as suas figuras. São estas demarcações, e os esquemas que as modelam, que constituem o objecto de uma história cultural levada a repensar completamente a relação tradicionalmente postulada entre o social, identificado com um real bem real, existindo por si próprio, e as representações, supostas como reflectindo-o ou dele se desviando. (p.27)
A partir deste conceito, reconfiguram-se as análises de relações de gênero nos limites
deste estudo. Os sujeitos se constroem na mediação social, mas ao mesmo tempo
interferem neste processo, por serem seres dinâmicos e ativos. Neste ponto, emerge o
papel da escola, que pode ser de perpetuação ou reconstrução de “modelos”. De acordo
com o que seja o objetivo da escola na construção de sujeitos, podem se dar as mudanças.
Conhecer essas estruturas – com ênfase na história cultural – contribui com a atuação
adequada a uma ou a outra perspectiva.
Nesse sentido, é importante não rejeitar formas de abstração, porque os fatos menos
considerados e/ou “casos individuais podem servir para revelar um fenômeno mais geral.”
(Levi, 1992, p.158) Desta forma, nada pode ser desconsiderado na perspectiva da história
90
cultural, da micro-história4, pois seria inadequado que estes relatos fossem de heróis e
heroínas, mas de sujeitos que constroem dia-a-dia fatos relevantes para o contexto social. E
em diálogo com o pensamento de Venturi.
Estudar as crônicas de uma aldeia, o que é feito com enorme frequência hoje em dia, é algo completamente sem sentido. O dever do historiador é estudar as origens daquelas ideias que moldam nossas vidas, não escrever novelas. Basta eu citar um exemplo: há muita conversa, atualmente sobre a necessidade de retorno ao mercado. Quem inventou o mercado? Os homens do século dezoito. E na Itália quem se preocupava com isso? Os pensadores do Iluminismo, Genovese e Verri. É importante situar firmemente no centro de nossos estudos as raízes de nossa vida moderna. (apud LEVI, 1992, p. 138)
Portanto, é possível estabelecer uma relação da noção indicada com a superação do
preconceito de gênero e a reconstrução destas relações. É importante se repensar a história,
as questões ligadas a estes e outros paradigmas. Refletir sobre a gênese destas questões nos
fará retomar como foram construídas, os porquês destes estereótipos, generalizações e de
sua perpetuação – alguns até sem sentido como a questão da cor definida para meninos e
meninas ou as características dadas à gravidez de um ou outro gênero, como foi citado no
início deste trabalho.
A escola como instituição inserida nesse contexto social e cultural tem como papel
importante trazer a reflexão sobre ideias quanto ao gênero e preconceitos ligados a ele;
investigar gênese e perpetuação; instigar mudanças, liberdade de expressão, criticidade,
autonomia de atos e pensamentos. Portanto, permitir que os sujeitos sejam levados a
repensar estas ideias pré-concebidas como forma de apreender sua identidade e remodelá-
la, sem que seja aprisionado em paradigmas e assim se sinta deslocado de um contexto
social.
Apresentam-se possibilidades de estudo e de apropriações com a literatura infantil.
São reflexões preliminares, tendo como objetivo refletir, repensar e buscar novos
paradigmas para os estudos de gênero. Acredita-se que as dificuldades não devem ser
empecilhos. Os estudos na área da história cultural, o feminismo, por exemplo, apontam
que caminhos foram percorridos, vislumbrando-se mudanças importantes e que realmente
possibilitaram novas perspectivas no contexto social. O caminho foi longo, mas muito
4 É uma perspectiva da História que nos permite um olhar sobre as minúcias do contexto e das relações humanas, levar
em consideração todo e qualquer aspecto que nos auxilie a entender situações e realidades de todos os seres vivos. Aproxima-se da Antropologia Interpretativa quando privilegia uma “descrição densa”. O objeto fala por si, pouco se ouvindo o entrevistador. Não pretende ser “a” abordagem, mas um dos caminhos para se chegar a entender uma situação. (LEVI, 1992)
91
ainda há para percorrer para que sujeitos percebam a liberdade a que tem direito e
realmente mudem o curso da história.
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dez/2077.
93
AS NOVAS TECNOLOGIAS COMO FERRAMENTA
FACILITADORA DO TRABALHO DOCENTE
Christiane Moraes dos Santos
_____________________________________________________________________
RESUMO
Este texto se propõe a apresentar algumas reflexões sobre a utilização das novas
tecnologias como ferramentas aliadas à construção do conhecimento no processo de
ensino-aprendizagem. As observações expostas foram construídas ao longo e a partir de
uma intervenção pedagógica que se propunha a desenvolver o pensamento criativo por
meio da resolução de situações-problema.
ABSTRACT
This article brings some reflections about the using of new technologies as tools related to
the building of the teaching-learning process. The comments presented were built during
and from a pedagogical intervention with the proposal of developing the creative thought
through problem solving.
______________________ Mestranda do Mestrado Profissional em Práticas de Educação Básica do Colégio Pedro II e Coordenadora de Matemática do Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II.
As constantes transformações sociais, políticas, econômicas e tecnológicas na
atualidade vêm sendo responsáveis por importantes mudanças no campo da educação.
Diante delas, professores e alunos são provocados a repensar suas práticas e construir
novas formas de se relacionar com o conhecimento.
Behrens (1999) considera que as novas tecnologias ampliaram nossas conexões com
o mundo, mas indica a necessidade de a escola e seus agentes desenvolverem habilidades
que possibilitem abraçar tantas novidades. Ainda segundo a autora, isso só será possível
diante de novas concepções de escola, avaliação, metodologia, aluno e professor.
94
De acordo com Kenski (1998, p. 60), diante da quantidade de informações com as
quais nos deparamos a todo momento, atualmente, e da velocidade com a qual elas se
multiplicam, “o acúmulo, a memorização e repetição de conteúdos formais já não são mais
suficientes. É preciso que se esteja em permanente estado de aprendizagem e de adaptação ao
novo”.
Na escola, a relação ensino-aprendizagem muitas vezes é confundida com
repetição, classificação e análise de informações. Para o professor, é muito mais prático
oferecer aos alunos listas de exercícios, apostilas, quadros e tabelas e pedir-lhes que pensem
por meio desses instrumentos (DE BONO, 1992). A informação é, sem dúvida, muito
importante, entretanto, é o exercício do pensamento que possibilita estabelecer relações e
fazer o melhor uso delas. Quanto mais incompleta a informação, maior será a necessidade
de pensar sobre ela, uma vez que a necessidade de identificar e definir essas lacunas, a fim
de buscar novos conhecimentos, é que possibilita o desenvolvimento de um novo estilo de
pensamento, denominado criativo (DE BONO, 1992; LUBART, 2007). A percepção da
incompletude da informação proporciona a formulação e aplicação de ideias ou hipóteses.
Esse processo é o próprio pensamento criativo, que, pode e precisa ser desenvolvido.
(TORRANCE, 1976 apud SANTOS, 1987)
Nesse contexto, este trabalho apresenta uma proposta de intervenção pedagógica
na qual as novas tecnologias – neste caso, o computador – são utilizadas como ferramenta
facilitadora do trabalho docente, na medida em que ampliam nossas possibilidades de
pesquisa e ação, apontando também para o uso de novas linguagens, símbolos, cores e
sons. A proposta se insere no âmbito da pesquisa intitulada “Maria não vai mais à feira: o uso
do raciocínio lógico na resolução de situações-problema no Segundo Ciclo do Ensino Fundamental”,
desenvolvida no Curso de Mestrado Profissional em Práticas da Educação Básica do
Colégio Pedro II. A pesquisa tem como objetivos, entre outros: analisar a importância da
resolução de situações-problemas no contexto escolar, sob o ponto de vista das políticas
95
educacionais brasileiras, e selecionar atividades e estratégias de ensino aplicadas à resolução
de problemas com vistas ao desenvolvimento do pensamento criativo no Segundo Ciclo do
Ensino Fundamental.
O CONTEXTO DA PESQUISA
Ao longo de quase dez anos de exercício da profissão docente, venho ocupando a
função de professora regente da disciplina de Matemática nos últimos anos do Primeiro
Segmento do Ensino Fundamental em uma escola de rede pública federal de ensino,
localizada no município do Rio de Janeiro.
No cotidiano escolar, não são raras as situações em que observo que, em face das
dificuldades que enfrentam ou diante das situações em que o erro ocorre, os alunos
experimentam sensações de frustração e derrota que, por vezes, parecem “emperrar” o
processo de ensino-aprendizagem. Essas sensações, muitas vezes, são exteriorizadas por
meio de relatos como: “Eu não consigo!”, “Não adianta, nunca vou aprender Matemática!”, entre
outros.
De modo geral, o ensino da Matemática é pautado em práticas pedagógicas que
corroboram com a crença de que essa é uma disciplina difícil de ser compreendida: a
memorização das tabuadas, fórmulas e regras, as intermináveis sequências numéricas, a
supervalorização da solução de algoritmos e as extensas listas de problemas estruturadas, na
maioria das vezes, para treinar o aluno são alguns dos exemplos de como a relação com
essa área do conhecimento é construída na sala de aula na maior parte das escolas. Dessa
forma, não é de se espantar que a primeira reação de alguns alunos, diante das situações-
problemas que os apresentamos, seja perguntar: “é conta de mais? De menos? É pra dividir ou
multiplicar?”.
Como professora, sempre acreditei que meu papel deve ir além do mostrar o que ou
como se faz. Mais do que memorizar ou repetir os conteúdos elencados no planejamento,
96
um de meus objetivos é desenvolver a capacidade de arriscar, criar, (re)significar e
(re)construir o conhecimento que compartilho com eles.
Na angústia de dividir meus anseios e buscar estratégias que me auxiliassem a
desempenhar minha difícil tarefa – a de ensinar –, encontrei ecos nas experiências de alguns
colegas professores, que compartilham da dúvida de o que fazer diante de discursos
recorrentes: “Não entendi o que é pra fazer...”, ou, ainda, “É pra responder com as minhas
palavras?”, entre outros, levando-me a perceber que lidar com o novo, o desconhecido, com
situações que se apresentam de forma diferente daquelas as quais os alunos estão
acostumados a enfrentar, constitui um grande desafio, não só na Matemática, mas, talvez,
em todas as áreas do conhecimento.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (1998) sugerem que a resolução de
problemas deve ser o eixo norteador do processo de ensino-aprendizagem, considerando
que a situação-problema deve ser o ponto de partida de qualquer atividade e não sua
definição. Apontam também que os conceitos, ideias e métodos relacionados aos
conteúdos devem estar inseridos em situações em que os alunos precisem desenvolver
estratégias para resolvê-las. Nesse sentido, um problema não é um mero exercício no qual o
aluno, devidamente treinado, aplica fórmulas que memorizou. Um problema só existe de
fato quando o aluno é provocado a interpretar, estruturar, contextualizar e questionar o
enunciado que lhe é proposto.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), desenvolvido pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão
vinculado ao Ministério da Educação, realiza, desde o ano de 1990, testes e questionários
com o objetivo de avaliar o desempenho dos alunos dos últimos anos do primeiro e
segundo segmentos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio das escolas públicas e
privadas de todo o país. Os resultados obtidos indicam que os alunos têm habilidades
97
elementares na interpretação de situações-problema, mas, em geral, não conseguem
estabelecer uma relação entre o enunciado e a linguagem matemática.
Outro sistema de avaliação, também coordenado pelo Inep, de abrangência
internacional, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realiza uma
avaliação comparada do desempenho de alunos com 15 anos de idade, com a finalidade de
estabelecer indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais em diversos países.
De acordo com os resultados obtidos nas avaliações do Pisa, a maior dificuldade dos
alunos concentra-se na leitura e apropriação dos significados dos enunciados de situações-
problema.
As políticas ora mencionadas – os PCNs, o Saeb e o Pisa – não apresentam
sugestões ou orientações sobre como desenvolver o trabalho com situações-problema nas
escolas, mas indicam a necessidade de desenvolvermos, alunos e professores, estratégias de
resolução para essas situações desafiadoras. Dessa forma, a busca por estratégias que
privilegiem o processo de resolução de problemas, em nossas salas de aula, criando
oportunidades para que nossos alunos possam experimentar situações e soluções diferentes
daquelas que lhes oferecemos como modelo parece ser um passo importante a ser dado na
direção desse objetivo.
O COMPUTADOR COMO FERRAMENTA FACILITADORA DO PROCESSO
DE ENSINO-APRENDIZAGEM
A utilização de atividades lúdicas como estratégia de ensino na sala de aula é uma
ideia bastante difundida, mas que ainda requer que repensemos nossas concepções sobre o
uso de tais instrumentos nas escolas.
Sobre a utilização dos jogos em sala de aula, os PCNs de Matemática (1998)
consideram que:
Um aspecto relevante nos jogos é o desafio genuíno que eles provocam no aluno, que gera interesse e prazer. Por isso, é
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importante que os jogos façam parte da cultura escolar, cabendo ao professor analisar e avaliar a potencialidade educativa dos diferentes jogos e o aspecto curricular que se deseja desenvolver (p. 36).
Ao substituir atividades repetitivas e enfadonhas e colocar os alunos diante de
problemas, os jogos,i em geral, apresentam situações em que os alunos constroem
hipóteses, verificam sua validade, modificam suas representações mentais e (re)significam
seus conhecimentos. Mais ainda: para além da esfera intelectual – relacionada aos
conteúdos escolares –, a utilização dos jogos como estratégia de ensino-aprendizagem
permite que os alunos aprendam a lidar com regras e resolver conflitos, uma vez que,
durante os jogos, não estão sozinhos, mas em grupo.
O uso do computador como instrumento facilitador do trabalho docente e,
consequentemente, do processo de ensino-aprendizagem tem sido objeto de reflexões no
campo da educação (BEHRENS, 1999; MASETTO, 2012).
No ensino da Matemática, ainda de acordo com os PCNs (1998), o computador
pode constituir um excelente recurso didático, como elemento de apoio para o ensino
(bancos de dados, elementos visuais), ou ainda como uma ferramenta de aprendizagem por
meio da qual o aluno aprenda com seus erros e compartilhe suas experiências com os
demais. Com relação aos softwares educativos, o documento aponta para a necessidade de
uma avaliação crítica por parte do professor, que deve avaliá-los de acordo não só com o
conteúdo que deseja ensinar, mas também, principalmente, com as habilidades que
pretende desenvolver e com as concepções de ensino que ele mesmo tem.
Sobre esse último aspecto, Valente (1998) considera que o uso do computador no
ambiente escolar admite duas possibilidades: ser utilizado como máquina de ensinar e ser
utilizado como ferramenta. Na perspectiva de máquina de ensinar, espera-se que o
computador transmita ao aluno determinados conteúdos, por intermédio de programas
desenvolvidos para esse fim. Como ferramenta educacional, o computador não é mais um
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instrumento de ensinar, mas uma ferramenta que auxilia o aluno a construir seu
conhecimento. Como exemplos de ferramentas, podemos apontar os simuladores e
atividades que envolvam a resolução de problemas, sobretudo as que se propõem a
estimular o raciocínio lógico. Assim, essa proposta foi desenvolvida com a intenção de
utilizar o computador como uma ferramenta que pode colaborar com o processo de
ensino-aprendizagem.
OS SUJEITOS
A atividade foi realizada com duas turmas de quinto ano do Primeiro Segmento do
Ensino Fundamental do Campus Engenho Novo I do Colégio Pedro II, escola da rede
pública federal de ensino, localizada na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.
A PROPOSTA
Compreendendo a importância da resolução de problemas no ensino da Matemática
e, com o objetivo de encontrar estratégias aplicadas a esse fim, o computador despontou
como um interessante instrumento facilitador desse processo de busca. Diante do “leque”
de opções que se abriu, foi selecionada a atividade apresentada a seguir, disponível no site
de dicas da Uol. Para resolver a situação por ela proposta, é necessária a leitura atenta do
enunciado, acompanhada de uma minuciosa observação da imagem. Além disso, também é
importante o domínio do vocabulário utilizado.
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A escolha foi determinada, principalmente, por dois motivos. O primeiro deles
consiste no fato de que, em geral, os alunos não relacionam situações que não apresentam
informações numéricas à tarefa de resolver problemas. Expressões como “charadinha” ou
“pegadinha” são comumente associadas a esse tipo de atividade. O segundo está vinculado
ao fato de que a atividade seria desenvolvida não no caderno, ou nas tradicionais folhas de
exercícios com as quais costumamos trabalhar, mas na tela do computador.
Também é interessante destacar que, por mais que, a cada dia que passa, as novas
tecnologias estejam acessíveis a um número maior de pessoas, elas ainda conservam algum
poder de sedução. Talvez, por esse motivo, de acordo com Kenski (1998), as tecnologias
possam ser utilizadas com o objetivo de transformar o ambiente tradicional da sala de aula
– espaço, na maioria das vezes, desinteressante, monótono – em um espaço onde a
produção do conhecimento aconteça de forma dinâmica, criativa e, até mesmo, sedutora. O
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conjunto de sons, imagens, cores e movimento proporcionado pelo uso do computador
permite a relação com situações-problema bem próximas do real.
Escolhida a atividade, foi a vez de enfrentar outros desafios... A escola não possui
computadores nas salas de aula e, por isso, foi preciso utilizar o laboratório de informática.
Assim, foi agendada uma data com a coordenação dessa área para que pudéssemos utilizar
o espaço. No dia marcado, conversamos, eu e os alunos, informalmente, em sala, sobre a
atividade que iríamos desenvolver, discutimos os objetivos e combinamos que as
experiências seriam compartilhadas quando retornássemos. E lá fomos nós! Entretanto,
qual não foi nossa surpresa, quando, depois de ligarmos os computadores e tentarmos o
acesso ao site sugerido, descobrimos que este estava bloqueado? Resultado: um profundo
desapontamento das partes envolvidas... Solicitamos o desbloqueio, para, então,
retornarmos ao laboratório de informática – processo que durou alguns dias – e, embora
tenha sido relatado, contextualizado e justificado o acesso ao site, fomos, mais uma vez,
surpreendidos: o site estava acessível, porém, não conseguimos acessar o link desejado...
Diante das tentativas frustradas, a impressão em folha sulfite nos pareceu a melhor
opção. Deu certo! Com os imprevistos, veio o aprendizado de que as dificuldades não
precisam, necessariamente, imobilizar-nos. Diante delas, é que buscamos alternativas e
(re)pensamos nossas escolhas, convicções e papel social. A sequência de contratempos que
tivemos de driblar desencadeou algumas reflexões sobre o que representam as tecnologias e
o espaço a elas destinados, se não em todas as escolas, em boa parte delas. Sobre esses
aspectos, Kenski (1998, p. 61) considera que:
Favoráveis ou não, é chegado o momento em que nós, profissionais da educação, que temos o conhecimento e a informação como matérias-primas, enfrentamos os desafios decorrentes da utilização das novas tecnologias. Esses enfrentamentos não significam a adesão incondicional ou a oposição radical ao ambiente eletrônico, mas, ao contrário, significam criticamente conhecê-los para saber de suas vantagens e desvantagens, de seus riscos e possibilidades, para transformá-los em ferramentas e parceiros em alguns momentos e dispensá-los em ou outros instantes.
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Embora frequentemente pensadas como um instrumento desejável à prática
educativa, ainda há muito que refletir e discutir sobre as transformações que as tecnologias
trouxeram ao espaço escolar e seus agentes, fazendo surgir, até mesmo, uma nova
possibilidade de organizar o trabalho docente e uma nova relação educativa, mais adequada
às transformações que temos vivenciado.
Sobre esse aspecto, Masetto (2012) considera que a escola não valoriza as tecnologias
como instrumento facilitador do processo de ensino-aprendizagem, na medida em que
ainda considera a educação a transmissão de um conjunto sistematizado e organizado de
conhecimentos.
Assim, com a turma organizada em grupos de quatro ou cinco alunos cada um, a
atividade foi entregue sob as orientações de que (i) teriam 15 minutos para realizá-la, (ii) eu
não poderia ajudá-los e (iii) deveriam registrar o processo. No enigma, havia três perguntas
que deveriam ser respondidas durante o processo de resolução do problema, com o
objetivo de auxiliar o aluno a identificar as etapas de resolução de problema e, ao fim,
refletir sobre ele.ii
A primeira reação esboçada pelo grupo foi ao encontro de algumas expectativas já
apontadas neste texto, no que diz respeito ao impacto causado pela utilização de problemas
sem dados numéricos e permeados de formas, cores e imagens.
– Que matéria é essa, professora? É Matemática? Parece Português... Não tem números... – Foi a
expressão indignada de um aluno.
– Isso é lógica!
– O que é lógica?
– É uma matéria que ensina a pensar, que a gente vai aprender na faculdade... – Foi o diálogo
estabelecido entre dois alunos que raramente participam das discussões em sala de aula.
Enquanto os alunos liam, pensavam e trocavam ideias entre si, ocupei-me em
observá-los e registrar os comentários, gestos, sorrisos e olhares... Foi muito interessante
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observar a participação entusiasmada de todos os alunos, até daqueles que têm mais
dificuldades de se expressar, na tentativa de defenderem seus pontos de vista e de usá-los
para o convencimento dos demais.
A maioria dos grupos – seis, em um total de oito – concluiu satisfatoriamente o
desafio, expondo, de maneira coerente, o raciocínio desenvolvido. Um dos grupos não
chegou à conclusão correta, e outro nem sequer esboçou algum raciocínio. Em ambos os
casos, desconhecer o significado da palavra “gatuno” representou um obstáculo no
decorrer atividade. Sobre esse aspecto, vale ressaltar que a maior parte dos alunos
desconhecia essa expressão, contudo, o conjunto “texto e imagem” auxiliou na
compreensão do contexto e na construção de hipóteses sobre seu significado.
Muitas vezes, consideramos que nossos alunos não conseguem interpretar os
enunciados que lhes são apresentados, acreditando até que essas dificuldades têm suas
origens na compreensão da língua portuguesa. Mas, se analisarmos o encaminhamento que
geralmente é dado à resolução de problemas na maioria das salas de aula, perceberemos
que a questão é muito mais complexa. Geralmente, na escola, enfatizamos dados numéricos
ou trabalhamos com problemas cujo texto induz o aluno a utilizar determinado algoritmo.
Também não são raras as listas de exercícios iniciadas com o enunciado “veja o exemplo e
responda”. Assim, ao sugerir qualquer outra atividade que fuja à regra, ao que já está
estabelecido, não é de se surpreender que os alunos mostrem dificuldades com o
tratamento da informação. Por outro lado, o contato com o novo, com o desafio, pode
trazer muitos e melhores resultados ao processo educativo.
Ao trocarem suas experiências, os alunos puderam rever o próprio pensamento e
defendê-lo diante dos colegas. Um dos grupos defendeu seu ponto de vista de maneira
brilhante, todavia, acrescentou dados que não faziam parte da situação proposta; e esse
aspecto não escapou aos ouvidos atentos de outro grupo mais observador. Um de seus
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componentes logo tratou de sinalizar: “A explicação é perfeita, mas vocês inventaram uma nova
história, com detalhes que não estão no texto nem na imagem.”
Provavelmente, muitas dessas observações não teriam surgido durante a correção de
problemas tradicionais, nos quais, em geral, os alunos se limitam a pôr “certo” ou “errado”,
e, às vezes, a copiar do quadro o algoritmo que solucionaria a questão.
A avaliação do processo foi realizada em dois momentos: ao longo da atividade, pela
observação e registro das ações dos alunos, de seus avanços e dificuldades, verificando
interações verbais, participação, envolvimento e dúvidas; e, posteriormente, por meio da
produção coletiva, construída por meio do diálogo entre os grupos, de um cartaz contendo
as observações possibilitadas pela resolução do problema proposto.
Questionados sobre o que acharam da atividade, todos foram unânimes ao responder
com outra pergunta: “Amanhã iremos fazer isso de novo?”, o que me levou a considerar que, se
o papel do professor é fazer com que nasça o desejo de aprender, como sugere Meirieu
(1998), o meu dever estava, provisoriamente, cumprido...
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
As tecnologias redimensionaram o espaço e o tempo escolar em, pelo menos, dois
aspectos: o primeiro diz respeito aos procedimentos realizados pelo grupo de alunos e
professores no próprio espaço físico da sala de aula, e o segundo está relacionado à própria
dinâmica da relação ensino-aprendizagem (KENSKI, 1998). Assim, a utilização frequente
de estratégias semelhantes à proposta acima implica uma série de modificações na rotina da
sala de aula e, em alguns casos, do próprio espaço escolar.
Quanto à postura do professor, é preciso aprender a ouvir nossos alunos e analisar as
ideias formuladas por eles, além de formular novas e boas perguntas e mediar uma
discussão que envolva todos os alunos, estimulando a participação, até mesmo, dos mais
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tímidos, com o propósito de tornar a sala de aula um espaço mais propício à troca e
produção de conhecimentos.
A curiosidade, estimulada pelo diálogo, levará ao questionamento, à busca do
conhecimento, à ação, a novos questionamentos. Cabe, portanto, ao professor, estimular a
pergunta, a reflexão crítica sobre aquilo que pergunta, o que se pretende com cada uma das
indagações no lugar da passividade frente às explicações discursivas do professor.
(FREIRE, 2005 apud VASCONCELOS, 2012)
Para nós, professores, essa mudança não é fácil. Sair do lugar tradicionalmente
instituído daquele que detém o conhecimento e o transmite e entrar em diálogo com os
alunos, correndo o risco de ouvir perguntas para as quais talvez não tenhamos resposta,
gera um grande desconforto e insegurança (MASETTO, 2012).
O aproveitamento do espaço também precisa ser reavaliado. As tradicionais fileiras de
carteiras, onde cada aluno vê somente a nuca do colega, não favorecem a troca de ideias.
Os alunos precisam olhar uns para os outros, precisam exercitar o ouvir e o aprender, não só
com o professor, mas também com os outros alunos.
Por fim, arrisco afirmar que, mesmo que todos os recursos e estratégias – desde a
mais simples folha de papel até as mais altas tecnologias – estejam disponíveis ao professor
nas salas de aula, é sua constante disponibilidade para ouvir, aprender e, se necessário,
transformar(-se) que constitui sua ferramenta mais moderna. Pois, a tecnologia, embora
seja um instrumento que pode colaborar com o processo de aprendizagem, não pode,
sozinha, resolver os problemas da educação no Brasil. (MASETTO, 2012)
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Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 80, n. 196, p. 383-403, set.-dez. 1999.
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Brasília: MEC/SEF, 1998.
DE BONO, Edward. Ensine os seus filhos a pensar. Lisboa: Difusão Cultural, 1992.
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os impactos no trabalho docente. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, n. 8, ago. 1998.
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24781998000200006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 5 jan. 2014.
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Porto Alegre: Artmed, 2007.
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Manoel; BEHRENS, Marilda Aparecida. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 19 ed.
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MEIRIEU, Philipe. Aprender sim... Mas como? Porto Alegre: ARTMED, 1998.
POLYA, George. A arte de resolver problemas: um novo aspecto do método matemático. Rio de
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F. B. Psicologia da Aprendizagem: Aplicações na escola. São Paulo: EPU, 1987.
VALENTE, José A. Diferentes usos do computador na educação. In: DIFERENTES
USOS DO COMPUTADOR NA EDUCAÇÃO: O USO INTELIGENTE DO
COMPUTADOR NA EDUCAÇÃO. Belo Horizonte em 28 jan. 1998.
VASCONCELOS, Maria Lúcia. Educação básica: a formação do professor, relação
professor-aluno, planejamento, mídia e educação. São Paulo: Contexto, 2012.
i Jogos aqui entendidos como qualquer atividade que apresente objetivos e regras estabelecidos. ii LUBART (2007) e POLYA (1995) sugerem as seguintes etapas para a resolução de um problema: compreensão e identificação do problema; estabelecimento de um plano de resolução; e avaliação ou retrospecto do processo.