revista de inteligencia 01

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    PRESIDNCIA DA REPBLICAGABINETE DE SEGURANA INSTITUCIONAL

    AGNCIA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA

    REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA

    R. Bras. Intelig. Braslia, DF v. 1 n. 1 p. 1-96 dez. 2005

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    REPBLICA FEDERATIVA DO BRASILPresidente Luiz Incio Lula da Silva

    GABINETE DE SEGURANA INSTITUCIONALMinistro Jorge Armando Felix

    AGNCIA BRASILEIRA DE INTELIGNCIADiretor-Geral Mrcio Paulo Buzanelli

    SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E COORDENAOSecretrio Wilson Roberto Trezza

    CoordenaoCoordenao-Geral de Biblioteca e Memorial de Inteligncia CGBMI/Abin

    Responsabilidade TcnicaConselho Editorial Abin

    Jornalista ResponsvelGecy Tenrio de Trancoso DRT DF 10251/92

    Catalogao Bibliogrfica Internacional, Normalizao e EditoraoCoordenao-Geral de Biblioteca e Memorial de Inteligncia CGBMI/Abin

    CapaCarlos Pereira de Souza e Wander Rener de Arajo

    Distribuiowww.abin.gov.br

    Tiragem desta edio: 2.000 exemplares.

    ImpressoGrfica AbinSPO rea 5 - Quadra 01- Bloco U - Braslia - DF CEP: 70.610-200

    A Revista Brasileira de Inteligncia uma publicao quadrimestral da Abin.Os artigos nela publicados so de inteira responsabilidade de seus autores.As opinies emitidas no exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abin. permitida a reproduo total ou parcial dos artigos desta revista, desde que sejacitada a fonte.Pede-se permuta. / We ask for exchange.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Revista Brasileira de Inteligncia / Agncia Brasileira de

    Inteligncia. Vol. 1, n. 1 (dez. 2005)- . Braslia :Agncia Brasileira de Inteligncia, 2005-

    Quadrimestral

    ISSN:

    1. Atividade de Inteligncia Peridicos I. AgnciaBrasileira de Inteligncia.

    CDU: 355.40(81)(051)

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    Sumrio

    Editorial

    A Inteligncia e os desafios internacionais desegurana e defesaLcio Godoy....................................................................................... 7

    O controle da atividade de Inteligncia:consolidando a democraciaJoanisval Brito Gonalves ............................................................. 15

    A atividade de Inteligncia e o direito internacionalHlio Maciel de Paiva Neto ...........................................................33

    General Vernon Walters: gosto por subterrneoFrank Mrcio de Oliveira ................................................................45

    tica profissional na atividade de Inteligncia:uma abordagem jusfilosficaOsiris Vargas Pellanda ................................................................... 53

    Papel da pesquisa corporativa para a atividadede IntelignciaWallace Marques Dias ................................................................... 69

    A importncia do conhecimento apreciao para aantecipao de fatosAntnio Cludio Fernandes Farias .............................................. 77

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    Resumos

    Terrorismo: tragdia e razoAntnio Carlos Peixotopor Carolina Souza Barcellos ....................................................... 81

    Histria secreta dos servios de Inteligncia: origens,evoluo e institucionalizao

    Raimundo Teixeira de Arajopor Regina Marques Braga Farias ............................................... 85

    Caso Histrico

    A carta forjada .................................................................................... 91

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    5REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA. Braslia: Abin, v. 1, n. 1, dez. 2005.

    Editorial

    Ao lanar o primeiro volume da Revista Brasileira de Intelign-cia, a Agncia Brasileira de Inteligncia (Abin) assume seu papelfundamental, como rgo central do Sistema Brasileiro de Inteli-gncia, no debate e difuso de conceitos, idias e procedimentosrelativos ao universo da atividade de Inteligncia.

    Apesar de a atividade de Inteligncia civil no Brasil ter-se inicia-do em 1927, seus estudiosos ressentem-se da falta de publicaonacional especializada sobre o assunto. So tambm escassas asobras de referncia que tratem, sob a tica da Inteligncia brasilei-ra, dos desafios enfrentados pelo Estado brasileiro, tais como espi-onagem comercial e na rea cientfico-tecnolgica e crimestransnacionais, entre os quais o trfico internacional de drogas e deseres humanos, a biopirataria e o terrorismo.

    A Abin, buscando desempenhar seu papel com crescentesnveis de excelncia, estabeleceu um ambicioso objetivo para aRevista Brasileira de Inteligncia: tornar-se referncia nacional einternacional no tema Inteligncia. Para atingi-lo, este peridicocontar com artigos, ensaios, resumos e outros tipos de produ-o de servidores da Abin e de outras instituies nacionais eestrangeiras, de especialistas do meio acadmico e de colabora-dores eventuais.

    Estamos diante de oportunidade singular para se pesquisare escrever sobre a atividade de Inteligncia, em especial paraos profissionais da Abin, que demandam um veculo dessa na-tureza para divulgar suas idias. Opinies pessoais que, porquestes metodolgicas, no podem ser inseridas nos relatriosque produzem diariamente encontraro, a partir de agora, campofrtil para florescer.

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    6 REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA. Braslia: Abin, v. 1, n. 1, dez. 2005.

    Uma agncia de Inteligncia criada durante a vigncia e queatua em estrito acordo com os preceitos do Estado Democrtico deDireito no pode prescindir de to significativo instrumento. Para aAbin, a Revista Brasileira de Inteligncia servir como canal paraapresentao de sua real imagem sociedade, funcionando assimcomo importante ferramenta para a desmitificao da atividade deInteligncia e da prpria instituio.

    Este mais um passo da Abin na conquista definitiva de seureconhecimento como instituio do Estado brasileiro essencial

    defesa dos interesses nacionais.

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    7REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA. Braslia: Abin, v. 1, n. 1, dez. 2005.

    A Inteligncia e os desafios internacionais desegurana e defesa

    Lcio GodoyAbin

    INTRODUOA queda do Muro de Berlim, com o conseqente fim do conflito

    Leste-Oeste, trouxe mudanas significativas no mbito da polticainternacional. Nesse contexto caracterizado pelo aperfeioamen-to das telecomunicaes em tempo real e pelo advento daglobalizao econmica , a emergncia dos chamados temas glo-baisabriu caminho para novos desafios e ameaas nos campos dasegurana e da defesa. Esses temas como o narcotrfico, as ques-tes ambientais e as relacionadas a direitos humanos , por seucarter essencialmente transnacional, exigem aes coordenadas

    entre os atores do sistema internacional, devendo-se substituir aconfrontao da era bipolar pela cooperao multilateral. Como fa-tor complicador, ressalta-se a perda gradativa da importncia dosEstados nacionais frente a agentes no-governamentais de movi-mentos ecolgicos a organizaes criminosas.

    No rol desses agentes, destacam-se os grupos terroristas, so-bretudo aqueles com base no fundamentalismo islmico. Seu cres-cimento fenmeno que Joseph S. Nye chama de privatizaoda guerra1 culminou com os ataques em territrio estadunidense,no 11 de setembro de 2001. A situao conseqente, embora noconfigurasse o incio de uma nova ordem mundial, provocou con-sidervel rearranjo nos rumos da poltica internacional. A geopolticaglobal, sob o comando dos Estados Unidos da Amrica (EUA),passou a girar em torno do combate ao terror e, em especial,

    1NYE, Joseph S. O paradoxo do poder americano: por que a nica superpotn-cia do mundo no pode prosseguir isolada. So Paulo: Unesp, 2002. p. 12-13.

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    8 REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA. Braslia: Abin, v. 1, n. 1, dez. 2005.

    rede Al-Qaeda, do saudita Osama bin Laden. No obstante, o focode atuao no ficaria restrito supresso das organizaes terro-ristas e, em 2003, os EUA lideraram a invaso do Iraque sem osauspcios da comunidade internacional, em flagrante desobedin-cia Carta das Naes Unidas.

    Entretanto, ao contrrio de guerras tradicionais como a doIraque , na guerra ao terrorismo as aes policiais, o rastreamentofinanceiro e a colaborao na rea da Inteligncia so to ou maisimportantes que aes blicas stricto sensu. Se os EUA podem dis-pensar a colaborao internacional no primeiro tipo de guerra, acooperao se faz vital para o sucesso no segundo. Assim, o maiordilema da atualidade parece ser a necessidade de se estabelece-rem eficientes canais de cooperao multilateral em um contextoadverso, em que prevalecem posturas unilaterais sobretudo porparte da nica superpotncia global2. Nesse contexto, a atividadede Inteligncia mostra-se essencial, tanto no combate ao terror, comona superao de outros desafios internacionais, abordados primei-ro em perspectiva global e, em seguida, sob um olhar regionalizado,centrado no Brasil.

    O PANORAMA GLOBALCom o fim da Guerra Fria, a ordem mundial, que era bipolar,

    passou a ser unimultipolar, em que uma nica superpotncia interagecom potncias regionais significativas (que tendem a se opor po-tncia principal) e com inmeras potncias secundrias (que, emgeral, se aliam superpotncia e se opem potncia regional desua rea geogrfica).3 Nesse ambiente, a superpotncia solitria,

    2 No foi apenas o ataque ao Iraque que evidenciou a postura unilateralestadunidense, mas, sobretudo, o comportamento dos EUA nos fruns globais.Entre outros tratados e convenes, deixou de ratificar o Protocolo de Kyoto(acerca do superaquecimento global), o Comprehensive Test Ban Treaty (acer-ca da proscrio de testes nucleares) e o tratado de criao do Tribunal PenalInternacional (para julgar tiranos e criminosos de guerra), alm de no se terassinado o Biological Weapons Protocol. Ademais, a administrao Bush de-nunciou o Tratado de Msseis Anti-Balsticos (ABM), que havia sido firmado em1972, e trabalhou para enfraquecer as resolues do World Summit on SustainableDevelopment, em 2002.

    3 HUNTINGTON, Samuel P. A superpotncia solitria. Poltica Externa, S. Paulo,v. 8, n. 4, mar./abr./mai. 2000. p. 13.

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    9REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA. Braslia: Abin, v. 1, n. 1, dez. 2005.

    os EUA, tenderia a preferir um mundo unipolar, em que no estariadependente da concordncia das demais potncias para efetivarseus interesses. No contexto atual, entretanto, a significativa forade algumas potncias regionais, preocupadas com a luta norte-americana pela hegemonia global, vem pondo empecilhos nessepropsito. Dentre esses poderosos Estados regionais, destacam-se Frana e Alemanha (na Europa), Rssia (na Eursia), China (noExtremo Oriente), ndia (no sul da sia), Ir (no sudoeste asitico),Brasil (na Amrica Latina), frica do Sul e Nigria (na frica).4 Des-sa forma, a necessidade de cooperaovem se tornando um impe-

    rativo na convivncia internacional.Em adio, h problemas estratgicos em comum, muitos dos

    quais configuram temas globais aqueles que, como j foi dito, nopodem ser resolvidos por um s pas, de forma isolada. Dentre es-ses temas, destacam-se o terrorismo, o comrcio ilegal de compo-nentes radiolgicos e nucleares e o trfico transnacional de drogase de armas. Por seu carter sorrateiro, esses problemas s podemser contidos por meio de uma eficaz atuao dos servios de Inteli-gncia dos diversos pases, que, sempre que possvel, devem tro-car informaes entre si.

    Essa cooperao se faz necessria, sobretudo, no combate aoterrorismo, haja vista a letalidade e a imprevisibilidade de seu modusoperandi. Entretanto, mesmo aps quatro anos dos atentados do11 de setembro, a troca de informaes entre agncias estrangei-ras permanece bastante espordica, s sendo significativa entre osEUA e seus parceiros do pacto UKUSA5 e com o chamado G5(Rei-no Unido, Espanha, Frana, Alemanha e Itlia).6 Tambm vem

    4 HUNTINGTON, 2000. v. 8, n. 4, mar./abr./mai., 2000.

    5 Inicialmente firmado entre Estados Unidos e Reino Unido, esse tratado de coo-perao na rea de Inteligncia recebeu a adeso posterior de Canad, Austr-lia e Nova Zelndia.

    6 SMITH, Michael. Intelligence-sharing failures hamper war on terrorism. JanesIntelligence Review, 01 jul. 2005. Disponvel em: Acesso em: 10 jun.2005 s 20h18.

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    causando preocupao o aumento do contrabando de materiais ra-diolgicos e nucleares. Tais componentes so comercializados ile-galmente sobretudo nas ex-repblicas soviticas , e posterior-mente distribudos para todo o mundo. Nos ltimos dois anos, porexemplo, houve apreenses de substncias como o Estrncio-90,o Csio-137 e o Plutnio, este ltimo passvel de ser usado na fabri-cao de armas atmicas.7 Evitar que esses materiais caiam emmos de terroristas ou de governos mal-intencionados tornou-seum desafio para a comunidade de inteligncia mundial. Por ltimo,o trfico internacional de drogas e de armas apresenta-se como

    outra grande ameaa segurana e instabilidade mundiais, princi -palmente por suas mltiplas conexes: crime organizado emgeral, terror, movimentos guerrilheiros, etc.

    O PANORAMA DO SUBCONTINENTESUL-AMERICANO

    Os pases da Amrica do Sul, como partes ativas do sistemainternacional, tambm so vtimas dos problemas citados. Entre-tanto, o pensamento geopoltico difundido no ps-11 de setembro e sua nfase quase exclusiva no terrorismo tendia a encobertaroutros problemas relevantes no mbito das Amricas.8 No sentidode afirmar suas reais prioridades, os pases sul-americanos, junta-mente com os demais pases do continente americano, proferirama Declarao sobre Segurana nas Amricas, em 2003. Firmadono seio da Organizao dos Estados Americanos (OEA), o docu-mento inclui novas ameaas e desafios segurana continental,tais como a pobreza extrema como fator de instabilidade, o trficode seres humanos e ataques segurana ciberntica.9

    7 OPPENHEIMER, A. R. Nuclear trafficking: a growing phenomenon.Janes Terrorismand Security Monitor. 19 jan. 2005. Disponvel em: Acessoem: 10 jun. 2005 s 20h08.

    8 Isso no significa que a temtica do combate ao terrorismo no tenha importnciano contexto latino-americano. Alis, o prprio enrijecimento das medidas de segu-rana nos EUA abre a possibilidade de que novos alvos possam ser escolhidosentre os pases subdesenvolvidos da esfera de influncia estadunidense.

    9 ORGANIZAO DOS ESTADOS AMERICANOS. Declarao sobre segurananas amricas. Cidade do Mxico: 2003.

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    11REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA. Braslia: Abin, v. 1, n. 1, dez. 2005.

    Nesse contexto, poderamos apontar pelo menos trs grandesproblemas estratgicos na Amrica do Sul, a saber: a instabilidadevenezuelana, o conflito colombiano e a ascenso dos movimentospolticos indgenas nos pases andinos.

    Constantemente afetada por crises, a Venezuela tem preocupa-do seus vizinhos com a possibilidade de que suas instabilidadesinternas transbordem para o campo externo. O histrico de golpesde Estado recentes at mesmo capitaneados pelo atual presiden-te, Hugo Chvez , os estmulos oficiais a confrontaes entre clas-

    ses sociais, as intenes governamentais de armar milcias de cor-religionrios, tudo isso contribui para um clima de desconfiana ex-terna. Ademais, a importncia das exportaes do petrleovenezuelano para outros pases do continente inclusive o Brasil mais um ponto de preocupao estratgica.

    O problema colombiano, por sua vez, ainda mais complexo.H muitos anos o pas est envolvido em uma situao anloga de guerra civil, com as foras do governo entre dois fogos: dos guer-rilheiros de esquerda e dos paramilitares de extrema direita. Res-qucios da Guerra Fria, esses grupos ganharam novo impulso ao

    longo dos anos 90 ao se envolverem na atmosfera milionria dotrfico de drogas. Nos pases lindeiros h o temor de que o conflitotransborde para alm das fronteiras colombianas, com risco deforte desestabilizao da parte norte do subcontinente.

    O terceiro problema estratgico reside na forte ascenso demovimentos nativos de luta por igualdade de direitos, sobretudonos pases andinos. Eles adotaram um discurso de oposio aoimperialismo norte-americano e alcanaram seu primeiro sucessopblico na crise que culminou com a queda do presidente Snchezde Lozada, da Bolvia. Alis, esse pas tornou-se o epicentro des-

    ses movimentos, comandados por lderes indgenas como FelipeQuispe Huanca, do partido Pachakutek, e Evo Morales Ayma, doMovimento ao Socialismo (MAS).10 Embora no tenham abraado10 DALY, J. C. K. Latin Americas insurgent potential. Janes Terrorism and

    Security Monitor. 12 mar. 2005. Disponvel em: Acesso em: 10 jun. 2005 s 20h35.

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    explicitamente a violncia como forma de luta, tanto a radicalizaode seus discursos quanto a afirmao do carter transnacional deseus movimentos so fatores que causam alerta nos demais pa-ses do subcontinente. Ademais, durante protestos em 2003, Huancaconsagrou o slogan guerra pelo gs, em referncia ao recursoestratgico do qual dependem outros pases, entre eles, o Brasil.11

    CONCLUSO

    A correta conduo dos problemas debatidos no passa so-mente pelo correto desempenho da atividade de Inteligncia porparte de cada pas. Com questes estratgicas que, cada vez mais,ultrapassam as fronteiras nacionais, preciso discutir formas deos pases melhor compartilharem conhecimentos e de desempe-nharem aes conjuntas. Nos temas citados, a cooperao podeser uma poderosa arma para o alcance e a manuteno da estabi-lidade e da ordem. Nesse sentido, aes unilaterais deveriam serpreteridas em favor de aes multilaterais para que, dessa forma,

    se pudesse detectar a possibilidade de conflitos em seu nascedouroe se chegar mais facilmente correta tomada de decises.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    DALY, J. C. K. Latin Americas insurgent potential. Janes Terrorismand Security Monitor, [S.l.], n. 12, mar. 2005.

    ORGANIZAO DOS ESTADOS AMERICANOS. Declarao so-

    bre segurana nas Amricas: aprovada na terceira sesso plenriarealizada em 28 de outubro de 2003. In: CONFERNCIAINTERAMERICANA SOBRE OS PROBLEMAS DA GUERRA E DAPAZ, 2003, Cidade do Mxico. Cidade do Mxico: 2003.

    11Janes Terrorism and Security Monitor. 12 mar. 2005.

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    13REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA. Braslia: Abin, v. 1, n. 1, dez. 2005.

    HUNTINGTON, Samuel P. A superpotncia solitria. PolticaExterna, [S.l.], v. 8, n. 4, mar./mai. 2000.

    NYE, Joseph S. O paradoxo do poder americano: por que a nicasuperpotncia do mundo no pode prosseguir isolada. So Paulo:Unesp, 2002.

    OPPENHEIMER, A. R. Nuclear trafficking: a growing phenomenon.Janes Terrorism and Security Monitor, [S.l.], n. 19, jan. 2005.

    SMITH, Michael. Intelligence-sharing failures hamper war onterrorism. Janes Intelligence Review, [S.l.], n. 1, jul. 2005.

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    15REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA. Braslia: Abin, v. 1, n. 1, dez. 2005.

    O controle da atividade de Inteligncia:consolidando a democracia

    Joanisval Brito GonalvesSenado Federal

    INTRODUONo atual contexto de transformaes por que passa a sociedade

    internacional, neste incio de sculo, o tema segurana voltou aocupar lugar de destaque na agenda internacional, especialmenteaps os atentados de 11/09/2001 e a campanha contra o terrordesencadeada pelos Estados Unidos da Amrica (EUA). Ademais,a sociedade internacional globalizada se v diante das chamadasameaas transnacionais, como o terrorismo e o crime organizado,contra as quais essencial a cooperao entre os Estados e ossetores de segurana e defesa1.

    Entre as medidas fundamentais para a garantia da segurana,encontra-se a manuteno de um sistema de Inteligncia eficientee eficaz, capaz de assessorar o processo decisrio e garantir a pre-servao do Estado e da sociedade contra ameaas reais ou po-tenciais. Democracia nenhuma pode prescindir desse aparato.

    Apesar de ser difcil discordar da relevncia da atividade de Inte-ligncia na defesa do Estado e da sociedade, evidencia-se o gran-

    de dilema sobre seu papel em regimes democrticos: como concili-ar a tenso entre a necessidade premente do segredo na atividadede Inteligncia e a transparncia das atividades estatais, essencial

    1 BORN, Hans. Towards Effective Democratic Oversight of Intelligence Services:Lessons Learned from Comparing National Practices, In: Connections Quarterly Journal, v. 3, (Dec. 2004: p. 1-12): p. 1.

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    em uma democracia?2 Associada a essa questo, outra preocupa-o surge, sobretudo nas sociedades democrticas que viveram,em passado recente, perodos autoritrios: como garantir que osrgos de Inteligncia desenvolvam suas atividades de maneiraconsentnea com os princpios democrticos, evitando abusos earbitrariedades contra essa ordem democrtica e contra os direitose garantias fundamentais dos cidados?3

    A maneira como determinada sociedade lida com o dilema trans-parncia versussecretismo, em termos de procedimentos e atribui-

    es dos servios de Inteligncia, um indicador do grau de desen-volvimento da democracia nessa sociedade4. Em pases com mo-delos democrticos consolidados, como EUA, Reino Unido, Cana-d e Austrlia, esse dilema resolvido por meio de mecanismoseficientes e efetivos de fiscalizao e controle interno e, especial-mente, de controle externo, exercido pelo Poder Legislativo.

    O objetivo deste artigo apresentar breves consideraes acer-ca da fiscalizao e do controle da atividade de Inteligncia para ofortalecimento da democracia5. Especial referncia ser feita aocontrole externo realizado pelo Poder Legislativo.

    DEMOCRACIA E CONTROLEA Democracia fundamenta-se no direito de cada cidado de to-

    mar parte nos assuntos pblicos, seja de maneira direta, seja porintermdio de seus representantes eleitos. Assim, nos regimes demo-

    2 Although secrecy is a necessary condition of the intelligence services work,intelligence in a liberal democratic state needs to work within the context of therule of law, checks and balances, and clear lines of responsibility. Democraticaccountability, therefore, identifies the propriety and determines the efficacy ofthe services under these parameters. BORN (2004), p. 4.

    3 BRUNEAU, Thomas C. Occasional Paper, 5: intelligence and democratization:the challenge of control in new democracies. Monterey Califrnia: The Center forCivil-Military Relations, Naval Postgraduate School, mar. 2000. p. 15-16.

    4 GILL, Peter . Policing Politics: Security and the Liberal Democratic State.London: Frank Cass, 1994.

    5 O tema objeto da tese de doutorado em relaes internacionais desenvolvidapelo autor na Universidade de Braslia.

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    crticos, os governantes conduzem suas atividades de gesto doEstado com fundamento no poder que lhes foi concedido pelo povo,e esto sujeitos, em virtude das eleies peridicas, ao julgamentode suas aes pelo voto popular6.

    No que concerne Administrao Pblica, seus rgos e agen-tes tm suas competncias fixadas por lei; devem, portanto, atuarde acordo com o estabelecido pelas leis e tendo o interesse coletivocomo o fim mximo de seus atos e decises7. Essa Administraodeve sujeitar-se a mecanismos de controle interno e externo, de

    modo a se evitarem arbitrariedades e abusos por parte do Estado ede seus agentes contra os cidados8.

    Portanto, um dos fundamentos do regime democrtico o con-trole popular direto ou indireto que deve ser exercido sobre asinstituies e agentes estatais. Quanto mais desenvolvido e conso-lidado um regime democrtico, mais eficientes e eficazes so osmecanismos de fiscalizao e controle sobre o Poder Pblico e aAdministrao.

    Assim, os Estados de Direito, como o nosso, ao organiza-rem sua Administrao, fixam a competncia de seus r-gos e agentes (...) e estabelecem os tipos e formas de

    controle de toda a atuao administrativa, para defesada prpria Administrao e dos direitos dos adminis-trados (...).9 (Grifos nossos).

    6Modern political democracy is a system of governance in which rulers are heldaccountable for their actions in the public realm by citizens, acting indirectly throughthe competition and cooperation of their elected representatives. Philippe C.Schmitter & Terry Lynn Karl, What Democracy is and Is Not, In: DIAMOND,Larry; PLATTNER Marc F. (Ed.). The Global Resurgence of DemocracyBaltimore: Johns Hopkins University Press, 1993. p. 40.

    7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 21. ed. So Paulo:Malheiros, 1996. p. 573.

    8

    A democratic state must ensure the enjoyment of civil, cultural, economic, politicaland social rights by its citizens. Hence, democracy goes hand and hand with eneffective, honest and transparent government that is freely chosen and accountablefor its management of public affairs. By democratic constitutional design, theexecutive branch is required to share its powers with the legislative and judicialbranches. While this can lead to frustrations and inefficiencies, its virtue lies inthe accountability that sharing provides. DCAF Intelligence Working Group,Intelligence Practice and Democratic Oversight: A Practitioners View. DCAFOccasional Paper, 3 Geneva, July 2003. p. 1.

    9 MEIRELLES, 1996. p. 574.

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    Alguns esclarecimentos terminolgicos: de acordo com a pers-pectiva anglo-saxnica, controle (control) e fiscalizao (oversight)estariam em patamares distintos. Enquanto o controlrefere-se aosatos quotidianos de gerenciamento da Administrao, sendo de res-ponsabilidade primordial do Poder Executivo, oversightestaria liga-da s atribuies do Poder Legislativo de fiscalizar se o Executivo,ou seja, a Administrao, tem-se conduzido de acordo com princpi-os legais e constitucionais10. Tanto em termos de controlquanto deoversightest presente a idia de accountability, termo que em por-tugus relaciona-se prestao de contas, em sentido amplo, ine-

    rente atividade pblica: Accountability is an information processwhereby an agency is under a legal obligation to answer truly andcompletely the questions put it by an authority to which it isaccountable (for example, a parliamentary intelligence oversightcommittee).11

    Logo, enquanto o controle envolve um conjunto de parmetros elimitaes legais aos quais deve-se ater a Administrao, a fiscali-zao refere-se ao legtimo poder de determinadas instituies eautoridades de averiguar o cumprimento das atribuies da Admi-nistrao em conformidade com o arcabouo jurdico-normativo. J

    accountabilitydiz respeito ao dever da Administrao de prestarcontas sobre seus atos12.

    11 HANNAH, Gregh; OBRIEN Kevin; RATHMELL, Andrew. Technical Report:Intelligence and Security Legislation for Security Sector Reform . Prepared forthe United Kingdoms Security Sector Advisory Team, RAND Europe, Cambridge,June. 2005. p. 12.

    12Public accountability applies to all those who hold public authority, whether elected orappointed, and to all bodies of public authority. Accountability has the political purposeof checking the power of the executive and therefore minimizing any abuse of power.The operational purpose of the accountability is to help to ensure that governmentsoperate effectively and efficiently. Securing and maintaining public consent for theorganization and activities of the state and the government is fundamental precept ofdemocratic theory.DCAF Intelligence Working Group 2003. p. 1.

    10 () Arguably, control refers to the act of being in charge of the day-to-daymanagement of the intelligence services. The responsibility for control of theintelligence services is held by the government, not by the legislature or parliament.Oversight as exercised by the legislative branch involves a lesser degree of day-to-day management of the intelligence services, but requires an equally importantamount of scrutiny. There is a thin dividing line between government andparliament. Parliament exercises oversight, whereas government is tasked withcontrol. These tasks are not the same: parliament ultimately has to decide howfar their oversight should reach. BORN, 2004. p. 4.

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    19REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA. Braslia: Abin, v. 1, n. 1, dez. 2005.

    Segundo Hely Lopes Meirelles, o controle da Administrao P-blica a faculdade de vigilncia, orientao e correo que umPoder, rgo ou autoridade exerce sobre a conduta funcional deoutro13. Utiliza-se a terminologia controle interno para aquele exer-cido por rgos da prpria Administrao (como a Corregedoria-Geral da Unio, no sistema administrativo brasileiro, ou o Auditor-Generalou Inspector-General, em modelos anglo-saxnicos), ouseja, integrantes do Poder Executivo; j o controle externo oefetuado por rgos alheios Administrao14, vinculados geral-mente aos Poderes Legislativo e Judicirio. H, ainda o controle

    externo popular, relacionado ao direito individual do cidado de fis-calizar as aes do Estado15.

    Assim, tratando-se de democracia e controle da AdministraoPblica, fundamental que se tenha clara a idia de que este alicerce daquela. Em outras palavras, o poder/dever/necessidadede controle da Administrao pelos administrados intrnseco aomodelo democrtico; sem esse controle a Administrao carece delegitimidade, o cidado corre o risco de sofrer arbitrariedades porparte de rgos e agentes estatais, e o regime democrtico deixa

    de existir.Se fiscalizao e controle so essenciais para a Administrao

    Pblica de modo geral, ateno especial deve ser dada aos rgosde segurana do Estado. Nesse sentido, a preservao da demo-cracia encontra abrigo no rgido controle interno, externo e pbli-co dos rgos de segurana do Estado, para que estes operemde acordo com os preceitos constitucionais e legais, sob a gide deprincpios ticos e sempre em defesa da sociedade e do EstadoDemocrtico de Direito.

    Em pases que vivenciaram, no passado recente, governos au-toritrios, como o caso da maioria das naes latino-americanas

    13MEIRELLES, 1996. p. 574.14 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. Curso de Direito Administrativo,

    13 ed. So Paulo:Malheiros, 2001. p. 212.15 MEIRELLES, 1996. p. 576.

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    20 REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA. Braslia: Abin, v. 1, n. 1, dez. 2005.

    e dos Estados da Europa Oriental, a necessidade de adequar osservios de segurana estatais ao regime democrtico passa pelodesenvolvimento de mecanismos eficientes e eficazes de controledas atividades por eles exercidas. O controle contribui no s paraque se evitem abusos por parte desses rgos, mas tambm, eisso muito importante, para modificar sua cultura organizacional ea percepo que a sociedade civil em geral tem dessas instituies,de seus agentes e da atividade que exercem.

    Caso interessante o dos servios de Inteligncia. Aceitos e at

    reconhecidos como fundamentais em pases democrticos comoCanad, Reino Unido e Israel, os rgos e a atividade de Intelign-cia so muito malvistos em sociedades que passaram recentemen-te por perodos autoritrios. Isso se deve ao estreito vnculo queessa atividade teve com a represso e os abusos promovidos porgovernos autoritrios da Amrica Latina e da Europa Oriental. Usa-dos nesses pases para assegurar o regime, voltando-se para asegurana interna, e perseguindo dissidentes ou pessoas conside-radas subversivas, os servios de Inteligncia permaneceram as-sociados s ditaduras e a todos os males causados por esses go-vernos, mesmo aps a redemocratizao16. Trata-se de uma mcu-

    la que levar muitos anos, talvez geraes, para ser curada. En-quanto isso, permanece a associao, feita pela opinio pblica, daatividade de Inteligncia com arbitrariedades e abusos estatais17.

    16 BRUNEAU, 2000. p. 2-4.

    17 Among the many negative legacies of the intelligence services in the newdemocracies was their involvement in human rights abuses. The information theygathered on their own people was at times obtained with coercive methods, andused in arbitrary and violent efforts to eliminate domestic opposition. They are, inshort, integrally associated with the human rights abuses that characterize mostauthoritarian regimes. In addition to the overall popular legacy, there is little

    awareness of intelligence functions and organizations. Most civilian politicians,let alone the public at large, do not know enough about intelligence to be able tohave an informed opinion about it. In some countries there is real concern thatthe intelligence apparatus has accumulated, and is still collecting, informationthat could be used against average civilians and politicians. Not only is there alack of information about intelligence communities, but fear, associated with pastintelligence activities, exacerbates the challenge of actively seeking out thisinformation. BRUNEAU, 2000. p. 4.

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    ATIVIDADE DE INTELIGNCIA

    Diversos so os conceitos de Inteligncia. Jos Manuel Ugarte18

    a considera um produto sob a forma de conhecimento, informaoelaborada. O autor lembra, ainda, que atividade ou funo esta-tal, realizada por uma organizao ou conjunto de organizaes.Ugarte ressalta o papel do secreto na atividade de inteligncia.Citanto a obra clssica de Sherman Kent19, o especialista argentino

    lembra que la informacin es conocimiento, la informacin esorganizacin, (...) la informacin es actividad e que(...) inteligencia(...) es el conocimiento que nuestros hombres, civiles y militares,que ocupan cargos elevados, deben poseer para salvaguardar elbienestar nacional.

    De acordo com Jeffrey Richelson20, Inteligncia pode ser defini-da como the product resulting from collection, processing,integration, analysis, evaluation and interpretation of availableinformation concerning foreign countries or areas.O autor lembra

    que, associadas atividade de Inteligncia esto a contra-inteli-gncia e as aes encobertas.

    Para Abraham Shulsky21, Inteligncia compreende informao,atividades e organizaes. O autor identifica Inteligncia com a in-formao relevante para se formular e implementar polticas volta-das aos interesses de segurana nacional e lidar com as ameaas

    18 UGARTE, Jos Manuel. Control pblico de la actividad de inteligencia: Europa yAmrica Latina, una visin comparativa. In: CONGRESSO INTERNACIONALPOST-GLOBALIZACIN: REDEFINICIN DE LA SEGURIDAD Y LA DEFENSA

    REGIONAL EN EL CONO SUR, 2002, Buenos Aires. Anais... Buenos Aires:Centro de Estudios Internacionales para el Desarrollo, nov. 2002.19 KENT, Sherman. Strategic Intelligence for American World Policy. Princeton:

    Princeton University Press, 1949.

    20 RICHELSON, Jeffrey T. The US intelligence community. 3 ed. Boulder,Colorado: Westview Press, 1995. p. 2.

    21 SHULSKY, Abraham. Silent Warfare :Understanding the World of IntelligenceNew York: Brasseys, 1992.

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    atuais ou potenciais a esses interesses. J como atividade, aInteligncia compreende a coleta e a anlise de informaes e in-clui atividades destinadas a conter as aes de Inteligncia adver-sas. Por fim, o termo tambm diz respeito a organizaes que exer-am a atividade.

    Para efeitos do presente artigo, adotar-se- o conceito de Inteli-gncia conforme a Lei n 9.883, de 7 de dezembro de 1999, quecriou a Agncia Brasileira de Inteligncia (Abin) e instituiu o Sistema

    Brasileiro de Inteligncia (Sisbin). De acordo com o art. 2o

    da referi-da Lei, entende-se por Inteligncia a atividade que objetiva a ob-teno, anlise e disseminao de conhecimentos, dentro e fora doterritrio nacional, sobre fatos e situaes de imediata ou potencialinfluncia sobre o processo decisrio e a ao governamental esobre a salvaguarda e a segurana da sociedade e do Estado.Contra-Inteligncia, por sua vez, a atividade voltada neutralizao da Inteligncia adversa (art. 3o) a qual pode sertanto de governos como de organizaes privadas.

    Importante assinalar que a atividade de Inteligncia envolve di-versas reas, que vo da inteligncia militar, passando pela inteli-gncia policial, inteligncia estratgica, inteligncia financeira, echegando inteligncia empresarial ou competitiva. As reas queenvolvem a atuao estatal direta ou indiretamente devem estarsujeitas a rgidos mecanismos de fiscalizao internos e, sobretu-do, controle externo, com destaque para aquele exercido pelo Po-der Legislativo.

    O CONTROLE DA ATIVIDADE DE INTELIGNCIAUma vez que no se pode prescindir da atividade de Intelign-

    cia, fundamental se faz, em um Estado democrtico, estabelecerrgido controle interno e externo. Por meio da fiscalizao e do con-trole, busca-se assegurar que os rgos atuem de acordo com asleis e segundo a efetiva convenincia em relao a um interesse

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    pblico completo22. Essa finalidade do controle completamenteaplicvel atividade de Inteligncia23.

    The intelligence services are an instrument in the hands ofpublic institutions and can be used for better or for worse:they may provide a means of detecting and avertingpotentially dangerous situations, but they can also bemisused as a means of secretly bringing pressure to bear.Clearly therefore, in a modern democratic society, there isa need for a system of checks and balances to ensurecompliance with the laws governing the activities of theintelligence and security services. Hence, while it is the taskof the executive power to supervise their management andthat of the judicial power to sanction any cases of non-compliance with the law, it is up to the legislative power toprovide the legislative framework for the activities of thoseservices and to scrutinize their compliance with the law. 24

    De acordo com Ugarte25, aspectos fundamentais do controle daatividade de Inteligncia encontram-se na resposta s seguintesperguntas: o que controlar? Por que, para qu e com que finalidade necessrio controlar essa atividade? Como e com que meios essecontrole ser exercido e com que objetivos? A partir desses aspec-

    tos, pode-se desenvolver mecanismos eficientes de fiscalizao econtrole.

    Portanto, no regime democrtico, os servios de segurana eInteligncia devem submeter-se a diferentes tipos de controle eaccountability. Hans Born26 apresenta uma classificao baseadaem cinco modalidades de controle s quais devem submeter-se osrgos de Inteligncia:

    22 UGARTE, 2002.

    23 Ibidem.24ASSEMBLY OF WESTERN EUROPEAN UNION. The Interim European Security

    and Defence Assembly. Parliamentary oversight of the intelligence servicesin the WEU countries: current situation and prospects for reform. Documento A/1801, 04 dez. 2002. p. 4.

    25 UGARTE, 2002.

    26 BORN, 2004. p. 4.

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    24 REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGNCIA. Braslia: Abin, v. 1, n. 1, dez. 2005.

    controle do Executivo, o qual deve estabelecer diretrizes, ob-jetivos, prioridades e alocao dos recursos;

    controle parlamentar uma vez que o Parlamento ator indis-pensvel no processo democrtico de freios e contrapesos, o Po-der Legislativo deve fiscalizar as decises e atos do Executivo, apro-var leis voltadas atividade de Inteligncia, verificar as contas eautorizar o oramento para os rgos de Inteligncia do Estado;

    controle pelo Judicirio ou jurisdicional, que controla in con-cretoa legitimidade dos atos da Administrao, anulando suas con-dutas ilegtimas, compelindo-a quelas que seriam obrigatrias econdenando-a a indenizar os lesados, quando for o caso27. O pa-pel do Judicirio mostra-se fundamental na garantia dos cidados edos prprios rgos de Inteligncia e segurana quando estes tmque realizar determinadas operaes que envolvam a intervenosobre direitos e garantias individuais, como a interceptao telef-nica, pelas autoridades policiais, de conversas de pessoas sob in-vestigao28;

    controle interno, entendido como o conjunto de normas e pro-cedimentos orgnicos voltados ao estabelecimento de condutas paraos agentes e servidores e prevenir abusos. A criao de uma cultu-ra organizacional que estabelea com clareza as atribuies e com-petncias do servio de Inteligncia em um regime democrtico,bem como os limites de atuao de seu pessoal, assume papel dedestaque sobretudo nos pases de recente passado autoritrio.Acrescente-se a essa modalidade a existncia de rgidos, eficien-tes e efetivos mecanismos de punio para aqueles cuja condutaviole esses preceitos. Finalmente, completa o quadro a preocupa-o com a formao de quadros conscientes da necessidade deoperao da Inteligncia salvaguardada em preceitos democrti-

    cos e a exigncia desse comprometimento, sobretudo dos que ocu-pam posio de mando na organizao;

    27 BANDEIRA DE MELLO, 2001. p. 222.28 Nesse sentido, interessantes alguns sistemas, como o canadense e o argenti-

    no, que dispem de magistrados especializados com competncias legais paraassuntos de Inteligncia e segurana, aos quais os rgos de Inteligncia e se-gurana podem recorrer para solicitar ordens judiciais.

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    escrutnio independente, ou seja, o controle exercido pela so-ciedade civil, com destaque para os meios de comunicao, a im-prensa escrita, falada e televisiva. A sociedade civil pode controlar aatividade de Inteligncia monitorando e denunciando os abusos ecobrando reaes dos governantes.

    Acrescente-se s cinco modalidades assinaladas por Hans Borno papel do Ministrio Pblico, com suas competncias constitucio-nais, no caso brasileiro, de defesa da ordem jurdica, do regimedemocrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis29.Como fiscal do cumprimento da lei pela Administrao, e atuandode forma autnoma e independente, o Ministrio Pblico no Brasil competente para investigar condutas incompatveis com oordenamento normativo e os princpios democrticos. Importanteseria, no modelo brasileiro, que houvesse membros do MinistrioPblico especializados em temas de Inteligncia, o que lhes permi-tiria, assim como poderia tambm ocorrer com os magistrados, umamelhor compreenso das peculiaridades dessa atividade.

    Portanto, em regimes democrticos, o controle da atividade de

    Inteligncia, em especial o controle externo, percebido como fun-damental para garantir legitimidade, economia, eficcia e eficinciadas aes dos servios secretos30. Paradoxalmente, em virtude doprincpio da publicidade dos atos governamentais e da proteo doEstado e da sociedade que as organizaes que atuam nessarea que envolve segredo devem ser fiscalizadas. Muitas vezes, a

    29 BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil,arts. 127 a 130.

    30() there is a growing international consensus on the issue of democratic oversight

    of intelligence services. International organisations such as the Organisation forEconomic Co-operation and Development (OECD), the United Nations (UN), theOrganisation for Security and Cooperation in Europe (OSCE), the ParliamentaryAssembly of the Council of Europe (PACE) and the Inter-Parliamentary Union allexplicitly recognise that the intelligence services should be subject to democraticaccountability. BORN, Hans; LEIGH, Ian. Making Intelligence Accountable:Legal Standards and Best Practice for Oversight of Intelligence Agencies. Oslo:Publishing House of the Parliament of Norway, 2005. p. 13.

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    natureza da atividade de Inteligncia e a necessidade de controleso de difcil conciliao31.

    O CONTROLE PARLAMENTAR DA ATIVIDADE DEINTELIGNCIA

    Entre as diversas modalidades de controle, o exercido pelo Par-lamento de grande relevncia em uma democracia. Hans Bornassinala quatro razes para a participao do Poder Legislativo noprocesso de fiscalizao e controle da atividade de Inteligncia32:

    primeiramente, h sempre o risco de que se cometam abusos nes-sa atividade. Assim, a fiscalizao parlamentar das aes dos ser-vios de Inteligncia busca prevenir e coibir esses abusos.

    Em segundo lugar, Born lembra que o controle legislativo fun-damental para que o Poder Executivo no extrapole em suas com-petncias e se utilize dos rgos de Inteligncia para fins poltico-eleitorais ou at partidrios. Inteligncia uma atividade de Estado,no devendo ser politizada por interesses de grupos ou facesde governo. Nesse contexto, tambm importante que os parla-mentares que atuam em rgos de controle estejam conscientes

    de que ali exercem funes de Estado, devendo colocar de ladoposies polticas em prol do interesse comum de salvaguarda doEstado e das instituies democrticas33.

    31 However, the information that is required for national security purposes is highlyspecific and cannot by definition be divulged in advance or subjected in most casesto public debate. Neither can the intelligence services be controlled too meticulously,down to the last detail, which could hamper their operational efficiency. At the sametime, they are working in democratic states where individual freedom and dignitymust prevail and where no abuse of power will be tolerated by public opinion. Undersuch circumstances it is difficult to reconcile the requirements of secrecy on theone hand, and the need for parliamentary scrutiny and compliance with citizensrights, on the other. ASSEMBLY OF WESTERN EUROPEAN UNION. The InterimEuropean Security and Defence Assembly. Parliamentary oversight of the

    intelligence services in the WEU countries: current situation and prospects forreform. Documento A/1801, 04 dez. 2002. p. 5.32 BORN, 2004. p. 5.33In the U.S. and the United Kingdom, many of those responsible for overseeing

    intelligence in both national legislative bodies are currently involved in investigatingthe functioning of the services as well as the conduct of political leaders responsiblefor tasking and directing the services. Parliamentarians need to guarantee a viablesystem of checks and balances that prevents one branch of the state fromdominating.BORN, 2004. p. 5.

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    Esse comprometimento com as funes de Estado e no cominteresses polticos por parte dos membros das comisses parla-mentares de controle muitas vezes no assimilado com clareza e,mesmo em democracias consolidadas, no so raros escndalosenvolvendo a revelao por parlamentares de informaes s quaistiveram acesso sob a gide do sigilo, e que acabam provocandograves prejuzos aos interesses e segurana nacional. A maneirade se evitar esse tipo de problema, ou ao menos diminuir a probabi-lidade de sua ocorrncia, , alm de conscientizar os parlamenta-res e os funcionrios das Casas que tenham acesso a dados sigilo-sos, estabelecer mecanismos legais rgidos de punio para a di-vulgao de informaes confidenciais obtidas em virtude do car-go. Essas punies devem englobar perda do mandato,inelegibilidade e at priso.

    Um terceiro argumento para a irrestrita fiscalizao do Parla-mento sobre a atividade de Inteligncia, registra Born, repousa nofato de que so os parlamentares, legtimos representantes do povo,que votam e autorizam o oramento para os servios de Intelign-cia. Nesse sentido, quanto mais os membros do Legislativo conhe-

    cerem os servios de Inteligncia, suas peculiaridades, objetivos,aes e limitaes, mais facilmente percebero a importncia daatividade. Com isso, pode haver uma maior inclinao desses pol-ticos a apoiar propostas de emendas no oramento para o setor deInteligncia e defender acrscimos na verba para a atividade. Claroque a fiscalizao parlamentar tambm tem por objetivo verificar seos recursos foram empregados de maneira apropriada34.

    Finalmente, o Parlamento, em defesa de seus representados,tem a obrigao de verificar se os direitos humanos e as garantias

    individuais so respeitados pelo Estado e, mais especificamente,pelos servios de Inteligncia em suas operaes. Sem dvida, almdo cidado, os prprios servios de Inteligncia lucram com essafiscalizao, pois podem operar, dentro de princpios democrticos,com respaldo do Poder Legislativo.

    34 BORN & LEIGH, 2005. p. 77.

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    De acordo com estudo realizado por Greg Hannah, Kevin OBriene Andrew Rathmell35, para que uma comisso parlamentar de con-trole opere de maneira efetiva, devem ser atendidos os seguintesaspectos:

    seu funcionamento e poderes devem ser baseados em regrasde procedimento, ou seja, em um regimento interno, com recursossubsidirios s normas da(s) Casa(s);

    deve ter controle sobre suas prprias tarefas;

    deve dispor de poderes para convocar ministros e quaisquercidados, em especial oficiais de Inteligncia, para compareceremperante a comisso;

    suas sesses devem ser ordinariamente secretas (por razesde segurana);

    a comisso deve apresentar relatrios peridicos (no mnimoanuais) ao Parlamento, salvaguardada a informao classificada;

    deve haver a prerrogativa de requisitar qualquer tipo de infor-mao, salvaguardado o sigilo sobre as operaes em curso e, prin-cipalmente, os nomes das fontes;

    deve possuir competncia para desclassificar qualquer infor-mao, caso se delibere que tal desclassificao de grande rele-vncia ao interesse pblico36;

    a comisso deve ter sua prpria sala de sesses, corpo defuncionrios especfico, oramento prprio e mecanismos de

    35 HANNAH, OBRIEN & RATHMELL, 2005. p. 12.

    36 Discordamos terminantemente desse aspecto, uma vez que apenas a autorida-de competente para classificar um documento deve ser competente paradesclassific-lo. Trata-se de condio essencial para a preservao da atividadede Inteligncia e, pelo menos no caso do ordenamento jurdico brasileiro, a me-dida seria, a nosso juzo, clara interferncia de um poder em outro, extrapolandoa competncia fiscalizadora do Legislativo e maculando o princpio ptreo cons-titucional da separao dos poderes.

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    salvaguarda das informaes em um sistema de processamentode dados capaz de lidar com material classificado37.

    A experincia tem demonstrado que h dificuldades no exerc-cio do controle da atividade de Inteligncia pelo Parlamento. Umdos fatores que dificulta o controle o desconhecimento dos parla-mentares e assessores das peculiaridades da atividade. Alm dis-so, segundo Thomas Bruneau38, em muitos pases, mesmo em de-mocracias consolidadas, os governos s vezes colocam empeci-lhos fiscalizao pelo Legislativo. H, ainda, registra Bruneau, o

    desinteresse dos parlamentares em tomar parte de comisses quelhes trazem poucos ganhos polticos uma vez que se espera queas atividades da comisso tenham carter sigiloso. Finalmente,Bruneau lembra que h casos em que os legisladores chegam atemer participar em uma comisso que lide com temas que podemvir a relacionar-se a arbitrariedades do Estado ou a assuntos queas pessoas preferem ignorar39.

    Em que pese as dificuldades e obstculos para o exerccio deum controle externo efetivo e eficaz por parte do Poder Legislativo,democracia nenhuma pode abrir mo desse mecanismo de salva-guarda contra aes do Poder Pblico que exorbitem suas compe-

    37 Esse outro aspecto fundamental para o efetivo e eficiente funcionamento dacomisso. O rgo de controle externo tem que dispor no s de oramentoprprio, mas de pessoal capacitado para lidar com informaes sigilosas e as-sessores especializados em inteligncia, alm de estrutura fsica apropriada asuas atividades.

    38 BRUNEAU, 2000. p. 23-24.39 The possibility exists that democratically elected civilians may not in fact be

    interested in controlling the intelligence apparatus in new democracies. In virtuallyall of these countries, the use of elections to determine access to power is a newand relatively fragile means of determining who wields power. Even in old and

    stable democracies leaders often prefer plausible deniability, rather than accessto the information required to control a potentially controversial or dangerousorganization or operation. Logically, this would be even more the case in newerdemocracies. First, the politicians may be afraid of antagonizing the intelligenceapparatus through efforts to control it because the intelligence organization mighthave embarrassing information concerning them. Second, they may be afraidbecause the intelligence organization in the past engaged in arbitrary and violentactions, and the politicians are not sure that these practices have ended. Third,there are probably no votes to be won in attempting to control an organization thatmost people either dont know about or want to ignore. BRUNEAU, 2000. p. 23-24.

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    tncias e possam causar danos sociedade, ao prprio Estado eat mesmo ao regime democrtico. Inteligncia atividade vital paraa defesa e segurana da Nao, mas deve ser realizada sob rgidoscontroles e fiscalizada constantemente. Dos trs poderes, oLegislativo que tem a funo premente de fiscalizar.

    CONCLUSONo h dvida de que as modernas democracias no podem

    prescindir de servios de Inteligncia eficientes e eficazes, voltadospara a identificao e neutralizao de ameaas potenciais ou reaise para o assessoramento de mais alto nvel do processo decisrio.Tambm no h dvida de que esses servios devem operar demaneira consentnea com os princpios democrticos, sujeitos sleis, salvaguardando direitos e garantias individuais e em defesa doEstado da sociedade.

    Para a atuao dos servios de Inteligncia em consonncia comos princpios democrticos e de acordo com as regras do Estadodemocrtico de direito, fundamental a existncia de mecanismos

    de fiscalizao e controle, internos e, sobretudo, externos das ativi-dades e dos rgos de inteligncia. Nesse sentido, especial aten-o deve ser dada ao controle externo exercido pelo PoderLegislativo. Afinal, no Parlamento que se encontram os legtimosrepresentantes dos poder popular, e entre as competnciasprecpuas do Poder Legislativo esto, alm da aprovao de leis eda autorizao oramentria, a fiscalizao dos atos da Administra-o Pblica. Somente com um Parlamento consciente da importn-cia da atividade de Inteligncia, de suas peculiaridades e da rele-vncia do controle externo daquela atividade, que se ter real-mente um sistema de Inteligncia adaptado ao regime democrtico

    e atuando na defesa da Democracia.

    Todos ganham com um controle externo eficiente e eficaz:ganham os servios de Inteligncia, que podem operar com acerteza de que o fazem de acordo com as normas e princpiosdemocrticos e que tm o respaldo legal e social que s lhespode ser garantido se a populao e seus representantes eleitos

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    estiverem conscientes da relevncia da atividade de Intelignciae atentos a quaisquer abusos; ganha o Poder Legislativo, quepode exercer de maneira plena suas competncias constitucio-nais de fiscalizao e controle; ganha o cidado, que tem seusdireitos individuais preservados e sua segurana salvaguardadapor instituies sem arqutipos autoritrios; e ganha a socieda-de como um todo e a Democracia, pois os princpios e as institui-es democrticas so fortalecidos.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    A atividade de Inteligncia e o direitointernacional

    Hlio Maciel de Paiva NetoAbin

    Os servios de Inteligncia, pela prpria natureza de suas ativi-dades, muitas vezes as exercem alm dos limites dos prprios ter-ritrios nacionais. Os interesses dos pases ditam que no apenasas informaes do campo interno so importantes para a tomadade decises dos gestores, mas tambm a Inteligncia externa temum papel preponderante. O problema que, ao ultrapassar as fron-teiras de seu Estado de origem, o profissional de Inteligncia emmisso estar abandonando o ordenamento jurdico ptrio e passa-r a estar submetido soberania de outra nao. E por ser um

    agente de Estado, suas atitudes sero plenamente passveis deproduzir efeitos no mbito do Direito Internacional.

    So esses efeitos que este artigo ir tentar, de forma resumida,analisar, dividindo as aes de Inteligncia em dois grupos: um maior,das prticas lcitas sob o Direito Internacional; e outro, das prticasilcitas. Para tanto, lanou-se mo de pesquisa bibliogrfica ejurisprudencial na literatura nacional e estrangeira e buscou-se en-quadrar os diferentes meios usados pela Atividade de Intelignciano quadro geral das normas do Direito Internacional, mediante apre-ciao de sua licitude.

    Dada a integrao cada vez maior dos pases no cenriointernacional, a atividade de Inteligncia volta-se paulatinamentepara o campo externo. Para um Estado Democrtico de Direito,como o Brasil, a observncia das normas jurdicas internacio-nais na prtica de qualquer atividade fundamental. Da a opor-tunidade e relevncia da discusso do presente tema. Nesse

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    contexto, o principal objetivo desta obra estabelecer os limiteslegais da atividade na ordem jurdica internacional, reconhecendo acaracterstica sui generisdaquela, mas estabelecendo os critriosde legalidade, justamente em funo de sua singularidade.

    Antes de iniciarmos a abordagem do tema propriamente dito,faz-se necessrio explanar que embora determinada conduta pos-sa ser enquadrada como crime ou ato ilcito no escopo do DireitoInterno de determinado pas, ela no necessariamente ser um il-cito internacional. H que se separar a responsabilidade penal do

    indivduo que no pode passar da pessoa do apenado , da res-ponsabilidade do Estado, de carter completamente diferente. Se-gundo Brownlie, o ato ilcito no Direito Internacional assume quatroformas: 1) violao, por parte de um sujeito de direito, de normainternacional de carter convencional, consuetudinrio ou de juscogens1 em face de outro sujeito de direito (exemplo: genocdio); 2)condutas as quais o Direito Internacional reconhece a jurisdiouniversal para deter, ou mesmo para punir, independentemente danacionalidade do transgressor (exemplo: pirataria); 3) atos que cau-sem danos aos Estados indiscriminadamente e em que difcil des-

    cobrir os efetivos lesados (exemplo: testes nucleares na atmosfe-ra); e 4) atos violadores de Princpios Gerais de Direito que criamdireitos cujos beneficirios no tm personalidade jurdica interna-cional (exemplo: ataques a povos no-autnomos ou populaessob mandato ou tutela)2.

    Nesse sentido, separa-se o tratamento dado pelo Direito Internos pessoas que se envolvem na atividade de Inteligncia, queconcerne exclusivamente s normas de Direito Penal de cada na-o, da sua repercusso no Direito Internacional. Assim j ensinavano sculo XVI o ilustre jurista holands Hugo Grotius, em sua maior

    obra, O Direito da Guerra e da Paz: Dessa forma os espies, secapturados, sero tratados com a maior severidade. No entanto no

    1 Conjunto de normas imperativas de Direito Internacional Geral s quais nenhu-ma derrogao permitida e que s podem ser modificadas por normas subse-qentes da mesma natureza.

    2 BROWNLIE, 1997. p. 534-535

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    h dvidas que o Direito das Naes permite a que qualquer umaenvie espies, assim como Moiss fez para a terra prometida, dosquais Josu mesmo era um. 3

    Grotius, na passagem acima, estava se referindo espionagemdurante uma guerra justa entre dois Estados. Com efeito, podemosapontar em primeiro lugar que no h objees ao pleno empregoda atividade de Inteligncia em tempo de guerra entre os Estadosbeligerantes. A legitimidade das aes de Inteligncia nesse casodecorre da ausncia de qualquer obrigao entre os Estados envol-

    vidos no conflito de respeitar o territrio ou o governo inimigo, e daausncia de qualquer conveno internacional a respeito disso. H,at mesmo, menes que protegem em especial aqueles agentesoperacionais de Inteligncia capturados. A IV Conveno de Haia,relativa s Leis e Costumes da Guerra Terrestre, e o I ProtocoloAdicional s Convenes de Genebra contm artigos sobre os es-pies, garantindo que os agentes de Inteligncia recebero statusde prisioneiro de guerra quando capturados portando uniforme mili-tar ou quando no houverem utilizado mtodos consideradosdeliberadamente clandestinos ou pretextos falaciosos.

    Com base nessa ressalva presente em ambos os instrumentos,percebemos que o Direito Internacional procura separar os meiosempregados pela atividade operacional de campo dos demais em-pregados nos segmentos Inteligncia e Contra-Inteligncia. Aindaassim, tcnicas operacionais de obteno de dados so em grandeparte permitidas pelo Direito Internacional. Com efeito, a Intelign-cia de sinais (Sigint) e a Inteligncia de imagens (Imint) so hojeamplamente toleradas e consideradas lcitas. A interceptao detelecomunicaes estrangeiras baseada em territrio ptrio bemestabelecida na prtica internacional e, embora no seja positivadade forma convencional, pode-se considerar permitida por normacostumeira. Assim, sistemas como o anglo-americano Echeloncon-tinuam sendo utilizados sem que os Estados que os operam este-jam cometendo qualquer tipo de ilcito internacional.

    3 GROTIUS, 2004. p. 637

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    Da mesma forma, a atividade de Inteligncia baseada nos espa-os internacionais, como o alto-mar e o espao extra-atmosfrico,est lastreada na liberdade de utilizao desses espaos pelos Es-tados, considerados por todos como res communis4. Assim, a utili-zao dos satlites para a produo de imagens como fonte dedados de Inteligncia perfeitamente compatvel como o DireitoInternacional. No entanto, na dcada de 60, poca em que os Esta-dos Unidos da Amrica (EUA) comearam a empregar os satlitesde reconhecimento fotogrfico, a Unio das Repblicas Socialistas

    Soviticas (URSS) tentou classificar tal conduta como ilegal. Paratanto, em 1962 props Assemblia Geral das Naes Unidas umaDeclarao sobre os princpios das atividades dos Estados sobre aexplorao e utilizao do espao csmico, que buscava proibir ouso desses satlites; tal proposta foi negada pela Assemblia Ge-ral. Ainda em 1967, quando da elaborao do Tratado sobre os Prin-cpios Reguladores das Atividades dos Estados na Explorao eUso do Espao Csmico, a Unio Sovitica props que se mudas-se a expresso fins pacficos para fins no-militares quando darestrio do uso do espao, mas sua proposta tambm no foi acei-

    ta. A partir do momento em que os Soviticos conseguiram colocarseus satlites em rbita, no houve mais contestao desse direitono cenrio internacional.

    A legalidade das tcnicas de Sigint e Imint torna-se um poucomais obscura quando se trata da sua obteno a partir do territriosoberano estrangeiro. O Estado tem soberania sobre seu espaoareo considerado o espao sobrejacente ao seu territrio terres-tre e a seu mar territorial e possui sobre ele todos os direitos que,conforme o artigo 9(a) da Conveno de Chicago sobre Aviao

    Civil Internacional, sejam necessrios para sua proteo em ter-mos de necessidade militar e segurana nacional. Por outro lado,tem prevalecido a tese de que no caso especfico de um sobrevode um avio de Inteligncia sobre territrio estrangeiro, o ato ilcito

    4 Coisa destinada ao uso pblico, inaproprivel por quem quer que seja e comrelao qual todos gozam dos mesmos direitos.

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    no seria a atividade de Inteligncia em si, mas sim a violao doespao areo internacional. No caso do avio U-2 de Francis GaryPowers, abatido em 1 de maio de 1960 tirando fotografias de ba-ses militares soviticas, houve um impasse: para os soviticos, oato consistiu em ilcito que importava em dupla responsabilidade:pela violao do espao areo e pela espionagem. No plano jurdi-co, os EUA no discutiram sua responsabilidade pela violao doespao areo sovitico nem o seu direito de adotar procedimentospenais contra Powers. Contudo, o aproveitamento poltico do even-

    to pelos soviticos foi tamanho que chegou a ponto de haver sidoproposta uma resoluo no Conselho de Segurana das NaesUnidas classificando o caso de ato de agresso. Tal resoluo foirejeitada, com apenas 2 votos a favor (URSS e Polnia). O fato deos EUA terem pedido desculpas pelo incidente poderia indicar atcerto ponto a admisso de culpa e a conseqente ilegalidade daatividade de Imint no sobrevo do espao areo estrangeiro; contu-do, a repetida prtica dos pases aps esse acontecimento mostrouo contrrio: apenas no ano de 1970, a Unio Sovitica realizou maisde 300 sobrevos sobre o espao areo islands para tirar fotos

    das bases da Organizao do Tratado do Atlntico Norte (Otan)instaladas naquele pas. Mais recentemente, em 2001, no caso doavio espio estadunidense que caiu na ilha chinesa de Hainan, osprotestos do governo de Pequim se resumiram intruso da aero-nave americana no espao areo chins, e no s tcnicas de Sigintperpetradas pela mesma. Este ltimo fato ilustra, de maneira clara,que no plano da responsabilidade dos Estados, as tcnicas de Siginte Imint por si mesmas no constituem violao de obrigaes inter-nacionais.

    Os ramos tradicionais da Inteligncia claramente no importamem ilcito internacional. O uso da Inteligncia, assim entendida comoa produo de conhecimento baseada em fontes variadas, em suamaioria, abertas Open Source Intelligence(Osint) e o da Con-tra-Inteligncia, visto como as aes de proteo dos interesses doEstado so atividades indubitavelmente garantidas. Em relao primeira, vrios textos legais garantem a liberdade de procurar,

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    receber e difundir a informao aberta, a comear pela DeclaraoUniversal dos Direitos Humanos5, o Pacto Internacional dos Direi-tos Civis e Polticos, e tratados regionais de Direitos Humanos, comoo Pacto de So Jos de Costa Rica. Quanto Contra-Inteligncia, oEstado tem o direito de proteger sua informao sensvel, por meioda classificao dos documentos e do estabelecimento de normaspenais para punir aqueles que busquem indevidamente esses co-nhecimentos sigilosos. A prtica da Contra-Inteligncia uma de-corrncia da soberania estatal sobre os conhecimentos de seu do-mnio, e dessa forma no poderia ser interpretada como ilegal pelo

    ordenamento jurdico internacional, cujo fundamento maior justa-mente o poder soberano do Estado.

    A questo das tcnicas operacionais que do suporte s aesde Inteligncia um pouco mais polmica. De fato, estabelecer aparticipao do Estado no ato de Inteligncia por si s j umcomplicador. Por sua natureza, os affairsdessa natureza so dis-cretos, ocultos, difceis de se detectar em toda sua amplitude. Por-tanto, torna-se para alguns autores difcil imputar ao oficial clandes-tino de Inteligncia a caracterstica de agente de Estado, especial-

    mente quando infiltrado em um Estado adverso, sem identificaomilitar, diplomtica ou consular. Para outros, no se faz distino, equalquer atividade operacional do agente de Inteligncia, indepen-dente de sua condio, ser uma atividade do Estado que ele re-presenta.

    Faz-se necessrio, no campo da Inteligncia de fontes huma-nas (Humint), destacar a mera busca de informaes por elemen-tos humanos de outras atividades da rea. Em relao coleta dedados, negados ou no, por meio de fontes humanas, por meio deagentes, recai-se na questo da utilidade da prtica da Inteligncia.

    Analisando em especial os anos da Guerra Fria, percebemos que aatividade de espionagem teve um importante papel ao revelar econter atos agressivos entre as duas superpotncias sem conduzir

    5 Declarao Universal dos Direitos Humanos, art. 19 - Todo indivduo tem direito liberdade de opinio e de expresso, o que implica o direito de no ser inquie-tado pelas suas opinies e o de procurar, receber e difundir, sem consideraode fronteiras, informaes e idias por qualquer meio de expresso.

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    a uma guerra aberta. Da vrios autores reconhecerem a utilidadeda atividade de Inteligncia como um instrumento que diminui orisco de conflitos e aumenta a segurana internacional. Esse racio-cnio vlido, sobretudo para os pases democrticos, onde a pre-servao dos segredos reputa-se mais difcil, ao contrrio dos regi-mes totalitrios, onde a opacidade a regra.

    Alm disso, no mundo ps-Guerra Fria, tem se frisado a impor-tncia da cooperao dos servios de Inteligncia para combaterameaas comuns, como por exemplo o terrorismo internacional,

    mfias internacionais, lavagem de dinheiro transnacional, entre ou-tros. Compreende-se, nesses casos, que os governos devem utili-zar todas as armas disponveis, resguardando os direitos individu-ais dos cidados, para combater esses desafios sociedade inter-nacional que se apresentam cada vez maiores nesse incio de s-culo XXI. Vrios textos, convenes e resolues da Organizaodas Naes Unidas tm conclamado a cooperao entre os servi-os de Inteligncia dos pases-membros daquele organismo inter-nacional para que se juntem nesse sentido e cooperem trocandoexperincias e informaes. Mediante o exposto, fica claro que o

    emprego de tcnicas operacionais da atividade de Inteligncia comoum todo aceito, tolerado, e em certos casos estimulado pelo Direi-to Internacional.

    No entanto, nem toda atividade operacional de Inteligncia podeser considerada lcita no plano internacional. Os servios secre-tos, em especial durante a Guerra Fria, se envolveram aberta-mente em atividades como sabotagem, assassinato,desestabilizao de regimes polticos, fomento e auxlio de rebeli-es, auxilio a grupos separatistas e at financiamento ou treina-mento de grupos terroristas. Obviamente, no campo do Direito In-

    terno, tais atividades so claramente ilegais. Para nosso trabalho,contudo, o importante analisar a legalidade dessas condutas sobo prisma do Direito Internacional.

    A principal baliza para definir se a atividade de um profissionalde Inteligncia ou no ilegal mediante o Direito Internacional en-contra-se na Carta das Naes Unidas, especificamente em seu

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    Artigo 2(4), cujo texto exato : Todos os Membros devero evitarem suas relaes internacionais a ameaa ou o uso da fora contraa integridade territorial ou a independncia poltica de qualquer Es-tado, ou qualquer outra ao incompatvel com os Propsitos dasNaes Unidas. Portanto, toda vez que a atividade desempenhadapelo agente de Inteligncia visar minar as estruturas de um determi-nado Estado, ela se igualar a ato de agresso e portanto implicarindubitavelmente em ilcito internacional. Podemos citar dois exem-plos da participao de agentes de Inteligncia em atividades deilcito internacional: o papel da Agncia Central de Inteligncia (CIA),

    a Agncia de Inteligncia dos EUA, no golpe de 1970 no Chile, quederrubou o governo de Salvador Allende e instalou o General AugustoPinochet no poder; e sua atuao na guerra civil na Nicargua de1983 a 1984. Este ltimo caso especialmente interessante para oDireito Internacional, pois em 1984 a Nicargua ingressou na CorteInternacional de Justia, o rgo judicirio supremo das NaesUnidas, com uma ao contra os EUA acusando aquele Estado decometer atividades militares e paramilitares em seu territrio. Entreas aes elencadas pelo governo daquele pas como sendo agres-so em sua petio Corte estavam algumas praticadas por mem-

    bros da CIA, como o planejamento e instruo de sabotagens emportos, aeroportos e instalaes petrolferas.

    No caso Nicargua, a Corte julgou que, embora no houvesseprovas do envolvimento direto dos agentes estadunidenses nas ati-vidades de sabotagem, ficou claro o planejamento, direo, apoio eexecuo dos atos clandestinos em favor dos Contras, objetivandodesestabilizar o governo sandinista da Nicargua.6 Naquela deci-so, a Corte considerou que atividades tais como a organizao,assistncia, fomento, incitao ou tolerncia de grupos subversivosque objetivam derrubada violenta de outro Estado so ilegais pe-rante o Direito Internacional. Para tanto baseou-se no texto da De-clarao de Princpios de Direito Internacional Relativos s Rela-es Amigveis e Cooperao entre Estados resoluo da As-semblia Geral das Naes Unidas de 1970 , em especial nos

    6 ATIVIDADES MILITARES E PARAMILITARES NA NICARGUA. (Nicargua vs.EUA). Deciso de 27 de junho de 1986, Corte Internacional de Justia. 86, p. 50.

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    princpios que estabelecem o no-uso da fora nas relaes inter-nacionais e a no-interveno em assuntos internos.

    Portanto, percebemos que a atividade operacional que se des-via da mera obteno do dado negado, indo alm, buscando inter-ferir nos assuntos internos dos outros Estados, implica violao doDireito Internacional. Interessante notar, finalmente, que a conde-nao de tal atividade no uma condenao especfica da ativida-de de Inteligncia, mas uma condenao mais ampla do DireitoInternacional ao ato de agresso em si. Nesse caso, a atividade

    desempenhada pela agncia de Inteligncia dos EUA equivale aagresso; no , portanto, uma atividade tpica dos servios de In-teligncia. Contudo, como a prpria Atividade tem vrias nuances epeculiaridade dependendo do Estado que a emprega, podemosconsiderar que os exemplos acima citados so casos de ilcitos in-ternacionais da atividade de Inteligncia.

    Com o que foi exposto, conclumos que a atividade de Intelign-cia est cada vez mais ligada ao Direito Internacional. medidaque os Estados se voltam para o exterior e avana o processo deglobalizao mundial, torna-se natural que os dirigentes necessi-tem de informaes de outros pases. Nesse contexto, cresce aimportncia da Inteligncia externa, e natural que surjam conflitosquando agentes de um Estado entram na rea de soberania deoutro com interesses estratgicos ou operacionais.

    No entanto, a atividade de Inteligncia no antagnica ao Di-reito Internacional. Pelo contrrio, este reconhece em vrias instn-cias a importncia dessa atividade e ainda lhe d um papel relevan-te na manuteno da estabilidade e segurana internacional. Amaioria das tcnicas operacionais utilizadas pelos servios de Inte-

    ligncia, como a Inteligncia de imagens, a de sinais e a de fonteshumanas so lcitas, de acordo com a opinio doutrinria predomi-nante, com normas costumeiras e com disposies convencionais.

    Isso no quer dizer, contudo, que as agncias de Intelignciatm carta branca para agir livremente fora de seus pases: h quese respeitar a integridade territorial e a independncia poltica dos

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    outros Estados, preservando-se os princpios da no-interveno edo no-uso da fora nas relaes internacionais. Se o servio deInteligncia se desviar de seu caminho normal e passar a atuarnesse sentido, estar violando normas de Direito Internacional.

    Finalmente, conclumos que com o final da Guerra Fria, os con-ceitos que definiam a atividade de Inteligncia passaram a mudarrapidamente. Ainda estamos nos ajustando a uma nova realidade,de guerra ao terrorismo internacional, em que a Inteligncia e acooperao entre os Estados so fundamentais. Assim, a perspec-tiva futura de que a atividade de Inteligncia ganhe ainda maispeso e reconhecimento no cenrio internacional, no sendo mes-mo delrio vislumbrar daqui a alguns anos a elaborao de tratadose convenes reconhecendo e positivando a Inteligncia no univer-so do Direito Internacional de forma definitiva.

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    General Vernon Walters: gosto porsubterrneo

    Frank Mrcio de OliveiraAbin

    Vernon Walters era chamado de MisterUndergrounde no difcil imaginar o porqu. A alcunha no se referia apenas s suasatividades no subterrneo mundo da diplomacia secreta. Walterstinha tambm um hobby sui generis. Ele gostava de estudar e cole-cionar mapas de sistemas de metrs das maiores cidades do mun-do. Misturando dever e prazer, Walters costumava visitar previa-mente o pas no qual participaria de reunies importantes. O objeti-vo, ao andar de nibus e metrs, era recordar-se de grias e sota-ques locais, alm de reunir impresses das pessoas com relao a

    assuntos de interesse dos Estados Unidos da Amrica. Seu gostopelo subterrneo era estratgico.

    Ele tinha outros talentos e paixes. Dono de memria prodigio-sa, Walters participava de importantes encontros diplomticos e,sem fazer anotaes, era capaz de produzir, posteriormente, rela-trios longos e detalhados. Ao se aposentar, ele se dedicou a reali-zar palestras e parecia gostar da habilidade de contador de estri-as, capaz de prender a ateno de uma platia grande ou pequena(ALLEN, 2002). Outro aspecto marcante de sua vida era a religiosi-dade. Catlico devoto, Walters comungava diariamente e no dei-xava de ir missa, mesmo nas situaes mais crticas1. Em seufuneral, em 2002, no Cemitrio Nacional de Arlington, diante de um

    1 Walters menciona em Misses silenciosas, no captulo 8, um episdio em queele estava servindo de intrprete ao General Marshall na Colmbia, em 1948,quando ocorreu uma srie de manifestaes violentas. Walters foi missa e opadre pediu que as pessoas permanecessem ajoelhadas todo o tempo paraevitarem o tiroteio que acontecia do lado de fora da igreja.

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    pblico que incluiu o ex-Secretrio de Estado Henry Kissinger e oprimeiro homem a estar na Lua, Neil Armstrong, o arcebispo EdwinF. OBrien chamou Walters de centurio fervoroso, porque ele sin-tetizou a f e a dedicao ao servio pblico. O arcebispo disse,ainda, da especial amizade entre Walters e o papa Joo Paulo II(RYAN, 2002).

    A caracterstica mais marcante em sua biografia era o talentolingstico. Walters era fluente em francs, alemo, italiano, espa-nhol, portugus, holands e russo. Seu domnio de lnguas desem-

    penhou papel decisivo em suas aes, mas, por certo, sua mem-ria no ser evocada somente por sua atuao como intrprete bri-lhante de personalidades como Marshall, Eisenhower, Churchill, deGaulle, Truman e Nixon.

    A paixo de Walters pelo subterrneo acompanhou-o ao longode sua vida e est sutilmente expressa no prprio ttulo de sua au-tobiografia, Misses Silenciosas. Filho de um vendedor de segurosbritnico, Vernon Anthony Walters nasceu na cidade de Nova Yorkem 3 de janeiro de 1917. Provavelmente no foi coincidncia o fatode o mundo que o futuro general encontrou estar em guerra. Mesesdepois, naquele mesmo ano, por meio de uma revoluo, a Rssiaadotou o regime comunista, ideologia a que Walters ops-se aolongo da vida. Talvez tambm no tenha sido coincidncia o fato deWalters ser o embaixador dos Estados Unidos na Alemanha, em1989, ano em que o muro de Berlim, um dos principais smbolos doregime comunista, caiu. Quando ele morreu, em 10 de fevereiro de2002, o mundo enfrentava outra ameaa: o terrorismo.

    Quando tinha seis anos, sua famlia mudou-se para a Europa,onde Walters realizou toda sua educao formal. Dez anos mais

    tarde, de volta aos Estados Unidos, seu pai enfrentou problemasfinanceiros srios, e o jovem Vernon trocou a escola por um traba-lho como investigador de seguros. Ele nunca freqentouuniversidade.

    Em 1941, Walters alistou-se no Exrcito como recruta e, no anoseguinte, cursou a Escola de Oficiais, de onde saiu segundo-tenente

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    de infantaria. Na Segunda Guerra, ele participou da Operao Tocha,o desembarque na frica do Norte, ocorrido em 1942, e, dois anosdepois, serviu na Itlia como Oficial de Ligao entre o 5 Exrcito ea Fora Expedicionria Brasileira (FEB). Terminado o conflito, Waltersfoi nomeado assistente do adido militar na embaixada norte-ameri-cana no Brasil. Em 1950, ele foi designado ajudante-de-ordens deAverell Harriman, ento responsvel pela implementao do PlanoMarshall. Em outubro daquele ano, Walters presenciou, na ilhaWake, o famoso encontro entre o Presidente Truman e o GeneralMacArthur. Em 1958, como intrprete do ento vice-presidente Nixon,

    em uma visita Venezuela, Walters teve a boca cortada quandomanifestantes apedrejaram o carro em que estavam em Caracas.

    Aps servir como adido militar na Frana e na Itlia, VernonWalters foi vice-diretor da Agncia Central de Inteligncia (CIA), noperodo entre 1972 e 1976. Em 1981, no governo do presidenteReagan, Walters atuou como embaixador itinerante. Finalmente,ele foi embaixador nas Naes Unidas (1985 a 1988) e na Alema-nha (1989 a 1991).

    O Brasil exerceu profunda influncia na histria de Walters2. O

    oposto - a influncia de Walters na histria do Brasil - permaneceuma questo controversa. Ele conhecia profundamente a lngua, acultura e a histria do pas, e dedicou trs captulos de suas memri-as ao Brasil3. Em 1943, Walters teve de atuar como guia de um grupode militares portugueses e brasileiros em visita aos Estados Unidos.Ele ainda no falava portugus e teve de aprender o idioma em pou-cos dias para cumprir a misso. O chefe da delegao brasileira erao general Eurico Gaspar Dutra, que, ao fim da visita, alm de conde-corar Walters, convidou-o a visitar o Brasil. Para Dutra era ridculoque algum falasse o portugus sem conhecer um pas onde a ln-gua falada (WALTERS, 1978). Walters acompanhou o grupo na

    volta ao Rio de Janeiro e visitou o pas muitas vezes posteriormente.

    2 Walters escreveu em Misses silenciosas, p. 70: No poderia imaginar que aexperincia com a comitiva portuguesa abriria caminho para a misso seguinte,desta vez com os brasileiros, com to profunda influncia em minha vida.

    3 Ibidem Captulo 1: Brasil; Captulo 6: A Fora Expedicionria Brasileira e Captulo20: De Novo no Brasil.

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    Em 1962, ele foi nomeado adido militar no Brasil. Quando che-gou, um grupo de treze generais brasileiros aguardava-o para saud-lo no aeroporto do Rio de Janeiro. Ao contrrio de outros setores dopas, que no lhe ofereceram uma recepo to calorosa. O jornalNovos Rumos publicou longo artigo no qual afirmou que o coronelWalters, o principal especialista do Pentgono em golpes militares,acabava de ser enviado ao Brasil com o nico objetivo de depor oPresidente Goulart e estabelecer um regime ttere dos EstadosUnidos. O jornal acrescentou que Walters foi o artfice das deposi-

    es do rei Farouk, do Egito, do presidente argentino Frondizi e dopresidente Prado, do Peru. Seus amigos tentaram encoraj-lo. Ogeneral Mascarenhas de Moraes ofereceu-lhe um almoo de desa-gravo. Em seu discurso, Moraes enfatizou a contribuio que Waltersofereceu ao Bras