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Page 1: Revista Da Ajufergs 07 Completo
Page 2: Revista Da Ajufergs 07 Completo

Revista da AJUFERGS

ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAISDO RIO GRANDE DO SUL

07 - 2011

Page 3: Revista Da Ajufergs 07 Completo

Diretor Cultural da RevistaMarcel Citro de Azevedo

Conselho EditorialMarcel Citro de AzevedoGerson Godinho da Costa

Paulo Paim da Silva

Capa, Projeto GráficoHeadway Propaganda

RevisãoLorena Parayba

EditoraçãoFábio A. T. dos Santos

ImpressãoGráfica Algo Mais

Revista da AJUFERGSPublicação oficial da ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES

FEDERAIS DO RIO GRANDE DO SUL - AJUFERGS

As opiniões expressas nos trabalhos são de responsabilidade dos Autores.Não são devidos direitos autorais ou qualquer remuneração

pela publicação dos trabalhos nesta Revista.

Revista da AJUFERGS / Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul. – n. 01 (março 2003). – Porto Alegre: AJUFERGS, 2003- .

Irregular.

ISSN 1679-2262

1. Direito – Periódico. 2. Poder Judiciário – Brasil. I. Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul.

CDD 34.05 CDU 34(05)

(Bibliotecária responsável: Flavia Monte, CRB-10/1218)

Page 4: Revista Da Ajufergs 07 Completo

ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO RIO GRANDE DO SUL

Fundada em 08 de dezembro de 2001

CONSELHOS

Conselho Executivo

PresidenteJOSÉ FRANCISCO ANDREOTTI SPIZZIRRI

Vice-presidente AdministrativoFERNANDO ZANDONÁ

Vice-presidente de Patrimônio e FinançasCÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR

Vice-presidente Cultural e da ESMAFEGERSON GODINHO DA COSTA

Vice-presidente de Assuntos InstitucionaisRODRIGO MACHADO COUTINHO

Vice-presidente de Assuntos JurídicosTIAGO SCHERER

Conselho Fiscal

TAÍS SCHILLING FERRAZJORGE LUIZ LEDUR BRITO

CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ

Page 5: Revista Da Ajufergs 07 Completo

Diretoria AJUFERGS

Diretor CulturalMARCEL CITRO DE AZEVEDO

Diretor Administrativo da ESMAFEJOSÉ CAETANO ZANELLA

Diretor de Ensino da ESMAFEPAULO PAIM DA SILVA

Diretora Social e de BenefíciosPAULA BECK BOHN

Diretor de EsportesLUÍS HUMBERTO ESCOBAR ALVES

Diretor de Assuntos do Interior do EstadoFÁBIO VITÓRIO MATTIELLO

Diretor de Assuntos LegislativosTIAGO DO CARMO MARTINS

Diretoria ESMAFE

Diretor-Geral da ESMAFEGERSON GODINHO DA COSTA

Diretor AdministrativoJOSÉ CAETANO ZANELLA

Diretor de EnsinoPAULO PAIM DA SILVA

Diretor CulturalMARCEL CITRO DE AZEVEDO

Page 6: Revista Da Ajufergs 07 Completo

SUMÁRIO

ConferênCia

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A ADMINISTRAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIOCarlos Eduardo Thompson Flores Lenz............................................. 11

Doutrina

QUESTÕES CONTROVERTIDAS ACERCA DA COMPETÊNCIA CÍVEL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAISEnrique Feldens Rodrigues ................................................................ 33

A INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO E O CUMPRI-MENTO DE METAS TEMPORAIS DE JULGAMENTOGerson Godinho da Costa .................................................................. 57

“ACIMA DA LEI”Gueverson Farias ............................................................................... 87

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA: SEU PRESSUPOSTO DE FATO ESPECÍFICO E AS EXIGÊNCIAS PARA O REDIRECIONA-MENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. A doutrina estrangeira, o RE 562.276 e a Portaria PGFN 180/2010Leandro Paulsen ................................................................................111

OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURA-ÇÃO DO PROCESSOMiriam Marques ............................................................................... 133

COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL – LIMITE DE APLICAÇÃOMurilo Brião da Silva ....................................................................... 167

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Seção Livre

MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES (CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO)Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz........................................... 199

POEMASLuiz Carlos de Castro Lugon ........................................................... 275

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EDITORIAL

A Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul – AJUFERGS tem o prazer de disponibilizar à comunidade jurídica o sétimo volume de sua Revista.

Nesta edição, trazemos ao lado das contribuições dos magistrados o meticuloso trabalho da servidora Miriam Marques, analista judiciária do TRF/4, em que é discutido o sempre interessante tema da Repercussão Geral, e reproduzimos alguns poemas do Desembargador Luiz Carlos de Castro Lugon, que recentemente lançou seu livro de poesias Sangra-mor, do qual extraímos estes iluminados versos: Direito, meu amigo, é como um vinho/ que transita no bojo do processo;/ fluido que é, não pode andar sozinho/e à mesa do conviva ter acesso.

Convidamos este poeta à nossa revista e, retomando um modelo já consagrado nas primeiras edições, distribuímos os textos em três seções: Conferência, em que se procura reproduzir relevante preleção pública sobre assunto jurídico em voga, no caso, o papel do Conselho Nacional de Justiça; Doutrina, destinada à veiculação de artigos jurídicos; e Seção Livre, destinada a outras manifestações culturais dos associados.

De fato, sendo o Direito um objeto cultural, mantém constante diálogo com outros segmentos deste vasto edifício chamado cultura, de fundações greco-romanas e alvenaria multissecular. Neste contexto, soam como poesia as palavras de um brocardo antigo e apócrifo, de renovado alcance nestes tempos de sapiência instantânea a um toque do teclado: quem sabe só Direito, não sabe sequer Direito.

Sábias palavras. Cada vez mais, a aplicação da norma jurídica afasta-se do automatismo, da mera subsunção de fatos analisados açodadamente à literalidade do vernáculo, à medida em que a moderna hermenêutica afasta-se dos silogismos fáceis e raciocínios triviais. Se assim não fosse, poderia se informatizar também o processo decisório, alocando-se ao lado do e-proc a figura do “e-judge”. Felizmente, não é assim que o sistema funciona: ainda é necessária a presença de um juiz que, imbuído de sua condição fundamental de ser humano e das ferramentas culturais de que dispõe, analise, pondere, sinta e julgue. Daí o termo sentença - é preciso sentir antes de vaticinar -, daí a expressão acórdão, pois qualquer julga-

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dor, por mais arraigado que seja, já percebeu que é necessário em algum momento empreender a longa jornada que conecta a mente ao coração.

Contribuíram para este volume, com seus corações e mentes, o Desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, os Juízes Fede-rais Enrique Feldens Rodrigues, Gerson Godinho da Costa, Gueverson Rogério Farias, Leandro Paulsen e Murilo Brião da Silva, além do De-sembargador Luiz Carlos de Castro Lugon e a analista judiciária Miriam Marques, já referidos. Agradecemos a todos e aproveitamos o ensejo desta sétima edição para incentivar todos os associados a participarem do planejamento e da execução dos próximos volumes, compartilhando assim com a comunidade jurídica meridional seus estudos, sentimentos e experiências profissionais.

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PALAVRA DA DIRETORIA

São sete as maravilhas do mundo antigo e sete as cores do arco-íris, somam sete os pecados capitais e as excelsas virtudes, conta-se em sete os dias da semana e os mares de nossas fábulas infantis. A estas seis constatações temos a satisfação de acrescentar mais uma: a revista da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul - AJUFERGS chega, finalmente, a sua sétima edição.

De fato, sete edições da revista em menos de dez anos de marcha é um feito digno de comemoração. Desde 8 de dezembro de 2001 que a Ajufergs se faz presente no cenário gaúcho e brasileiro, ciente de que “somente pela organização associativa é que os anseios e preocupações da magistratura poderão ser ouvidos nos foros próprios de discussão”, como bem expressado na edição inaugural pela então Diretoria. Naquela oportunidade, também foi saudado o advento de uma entidade “com representatividade política para atuar junto às instituições da sociedade e manter com essas um diálogo franco e democrático”, ideal que perma-nece, em que pese as dificuldades encontradas.

E que dificuldades! São tortuosos e difíceis os caminhos do en-tendimento, e muitas vezes os referidos “anseios e preocupações da magistratura” não encontram eco nos canais competentes, ou são mal interpretados pelos interlocutores em condição de atendê-las. Tome-se, por exemplo, a questão da simetria com o Ministério Público federal: uma prerrogativa legítima da magistratura, já reconhecido junto ao CNJ, cuja não efetivação permanece potencializando iniquidades mês a mês.

Neste particular, mostra-se irônico que um estudo da evolução do Ministério Público revele que a simetria ora buscada com o Parquet sempre foi uma bandeira histórica daquela instituição. Basta constatar que o próprio termo “parquet” representava o piso de taco onde os promotores permaneciam, durante os julgamentos da velha França, por não usufruírem ainda das garantias dos magistrados. De fato, antes de terem assento ao lado dos juízes, os procuradores tinham assento sobre o assoalho (parquet) da sala de audiências, ao invés de sentarem-se sobre o estrado, lado a lado à magistrature assise (sentada). Agora, no Brasil do século XXI, são os Juízes que precisam reivindicar – não só

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com palavras contundentes mas também com ações eficazes – seu lugar sobre o estrado, em igualdade de prerrogativas com os Procuradores da República.

Ainda no contexto desta visão retrospectiva, em que haurimos forças para os embates vindouros, vale reprisar trecho do “Palavra da Diretoria” da última edição da revista, em que dizíamos da impossi-bilidade de “prognosticar a distância ainda a percorrer ou a totalidade dos obstáculos que deverão ser superados”. Naquele texto, de evidente atualidade,afirmava-se também que embora a Ajufergs sempre tivesse se notabilizado por seu “desempenho enérgico e corajoso, não a desmerece o fato de os circuitos antagônicos estarem em maior número. Contra esses, é preciso a participação de todos.”

E como é preciso! Cada vez tornam-se mais verossímeis as palavras de Hipócrates, aplicáveis tanto à ciência médica quanto ao nosso cotidia-no, seja o privado, seja o profissional-associativo: “a vida é curta; a arte, longa; a oportunidade é fugaz; a experiência enganosa, e o julgamento, difícil!”

Caros colegas, se o Sete é também o número da perfeição bíblica, que tenhamos a inspiração e a sabedoria de setuplicar nossos esforços nos meses difíceis que se anunciam.

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O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A ADMInIStRAçãO DO PODER JUDICIÁRIO

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz Desembargador Federal do TRF/4ª Região

“Je n’ai pas besoin de faire remarquer l’utilité d’une bonne et exacte justice au point de vue du gouvernement, et de répé-ter qu’elle est une des premières conditions de la stabilité des États. C’est une vérité devenue banale et qui n’a plus besoin de démonstration. Il est certain qu’une mauvaise distribution de la justiça affaiblit les forces d’un empire et prépare sa décadence”

Raymond Bordeaux, Mémoire sur la Réformation de la Justice, Imprimerie de Auguste Hérissey, Évreux, 1857, p. 184.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A função disciplinar e os órgãos do Poder Judiciário. 3. A criação do Conselho Nacional de Justiça. Antecedentes históricos. 4. Órgãos congêneres do Direito Comparado. 5. Considera-ções finais.

1 INTRODUÇÃOPassados cinco anos, retorno a esta Casa de altos estudos para no-

vamente ter a honra de lhe ocupar a tribuna, atendendo à convocação do seu ilustre Presidente, Professor Aldo Leão Ferreira, com o encargo de versar aspectos relevantes da Reforma do Poder Judiciário, em especial, o novel Conselho Nacional de Justiça.

Foi-me sumamente honroso o convite a mim dirigido pelo presti-giado Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, por meio de seu eminente Presidente, e procurarei cumpri-lo com a exação que recomen-dam a elevação, a seriedade e a reputação deste Sodalício.

A reforma do Poder Judiciário, seria um truísmo dizê-lo, há muito tem sido reclamada, seja dentro de seus próprios quadros, os magistrados, seja fora deles.

ConferênCia

Conferência proferida no Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul em 27.10.2005.

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As sucessivas tentativas de aperfeiçoamento das instituições judici-árias esbarraram em dificuldades de toda sorte, o que acaba minando a sua efetiva conclusão, deixando a sensação de obra inacabada.

Nesse sentido, o recente “Rapport de la Commission de Réflexion sur la Justice”, elaborado por uma Comissão de Juristas da França, de-signada pelo Presidente da República, e que teve por Presidente Pierre Truche, primeiro Presidente da Corte de Cassação, verbis:

“Dans sa démarche, la commission a naturellement été con-frontée aux obstacles traditionnels à tout réforme.

L’obstacle des tabous, d’abord: que de réformes jugées bonnes en leur principe ne voient pas le jour parce que l’opinion publique n’y serait pas prête ou parce qu’il serait porté atteinte à une tradition respectable! De tels tabous sont fréquents en matière de justice. Or, si une évolution voire une rupture avec une tradition dépassée sont nécessaires, elles doivent pouvoir être expliquées et comprises.

Le risque de l’impatience, ensuite: vouloir apporter à des problèmes complexes une réponse rapide peut conduire à demeurer à la surface des choses, donc à seulement réagir. Agir, au contraire, suppose un plan dont l’exécution peut demander plusieurs années. L’essentiel est alors de fixer les perspectives et les étapes et surtout de s’y tenir.

Enfin et surtout, l’obstacle des moyens. Toute réforme a un coût. La tentation peut être grande, en période de rigueur budgé-taire, de limiter la réflexion à une meilleure utilisation des moyens actuels. Cette hypothèque a été levée par le Président de la Répu-blique qui, en installant la commission, a précisé qu’accroître les moyens est une nécessité pour mettre en place une justice de qualité. Nous aurons l’occasion d’évoquer à plusiers reprises ce problème: l’évoquer, et non l’invoquer comme un obstacle à toute réforme en profondeur.” 1

Reforma pronta e ampla, precedida de minucioso estudo, eis a grande tarefa que reclama a conjugação de esforços de todos os responsáveis

1 Rapport de la Commission de Réflexion sur la Justice, La Documentation Française, Paris, 1997, p. 8.

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13O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A ADMINISTRAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

por esse importante serviço público eminentemente nacional, como o dizia João Mendes Jr.

A Emenda Constitucional nº 45/04 tem sua origem em movimento iniciado nos anos noventa, a fim de promover a reestruturação da magis-tratura, com profunda reforma de sua base, visando a corrigir os defeitos existentes nas normas que a disciplinam e a torná-la mais eficiente.

Que tal desiderato não restou alcançado é de todos sabido, tanto que acerbas críticas receberam os seus dispositivos.

Com efeito, além de omissa em relação a questões e problemas que deveriam ter sido enfrentados, a Emenda Constitucional nº 45 contém dispo-sitivos nocivos e desastrados como, por exemplo, o fim das férias coletivas nos tribunais de segundo grau e a mutilação da competência do Supremo Tribunal Federal ao transferir para o Superior Tribunal de Justiça a compe-tência para julgar a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias, medida injustificada e que em nada contribuirá para o alívio do excesso de serviço da nossa Suprema Corte.

Entretanto, de par com isso, inovações de alto valor a aludida Emenda Constitucional introduziu na Carta Magna, como a criação de um novo órgão do Poder Judiciário: O Conselho Nacional de Justiça.

2 A FUNÇÃO DISCIPLINAR E OS óRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO

No Brasil, os juízes, no exercício da função jurisdicional, e mesmo como decorrência da independência que a Constituição lhes assegura, encontram-se livres de quaisquer vínculos hierárquicos.

Todavia, prevê a Lei Orgânica da Magistratura uma jurisdição cen-sória exercida pela corregedoria dos tribunais com a finalidade de zelar pela disciplina dos juízes. Consoante leciona João Mendes Jr., “a ação disciplinar é criada especialmente no interesse da própria magistratura. Ela, só ela, deve, tanto quanto for possível, ter a iniciativa de corrigir os desvios de seus membros, desde que se trata de faltas que não são crimes nem erros de ofício; pois, em relação ao sentimento de justiça para com as partes, nem sempre o juiz indiscreto ou menos circunspecto é o menos justo: tão cheia de contrastes é a natureza humana. Entretan-to, a indiscrição e a falta de circunspeção concorrem para habituar à

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negligência, à indolência e, quase sempre, produzem a injustiça, se não imediatamente, pelo menos indiretamente. Seja como for, a circunspeção é uma das partes integrantes da prudência.” 2

Cabe à Lei Orgânica da Magistratura conceituar, fixar e estabelecer as sanções disciplinares dos magistrados, as suas linhas mestras, re-manescendo o seu procedimento, em caráter supletivo, aos regimentos internos dos tribunais.

Ademais, deve-se ter presente que, em se tratando de membros do Poder Judiciário, a noção de falta disciplinar é mais ampla que a violação de obrigação especificamente profissional, visto que aos juízes exigem-se predicados outros que aos servidores em geral, como agente político que é, nos termos da Constituição, exercendo parcela vital de poder como emanação da soberania nacional.

Ora, a jurisdição é uma das funções que o Estado exerce, como entidade soberana, dentro de seu território.

Mas, se aos juízes a Constituição confere garantias, prerrogativas e vantagens diferenciadas, também é inegável que a eles, mais que aos funcionários públicos em geral, se deve exigir o correto cumprimento de seus deveres funcionais.

Nesse passo, acertado o ensinamento de René Japiot, verbis:

“La vie publique et privée des juges est soumise à des conditions d’honorabilité, de respect de soi-même, plus étroites que celles qui incombent à tout citoyen. Non seulement les magistrats doivent s’abstenir de tout acte immoral ou illicite, mais encore d’actes licites en eux-mêmes, pour mettre leur considération à l’abri de tout soupçon et sauvegarder l’honneur du corps auquel ils appartiennent.” 3

Nesse sentido, ainda, o pensamento do saudoso Ministro Orosimbo Nonato, expresso em seu discurso proferido em 1957, ao ser agraciado com a Medalha de Honra ao Mérito, oportunidade em que discorreu acerca dos elevados atributos morais e intelectuais exigidos dos juízes, verbis:

2 Plano de Reforma Judiciária, Siqueira, Nagel & Comp., São Paulo, 1912, p. 170.3 JAPIOT, René. Traité Élémentaire de Procédure Civile et Commerciale, 3ª ed., Libr. Arthur Rousseau, Paris, 1935, p. 187, n. 223.

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“O exercício de missão tão espinhada de dificuldades, sempre que nobilitado pela isenção e dignidade, deve levar os censores à indulgência quando se trate de erros de inteligência supostos ou reais, guardando-se eles de esvaziarem o seu carcás de contumé-lias sempre que seja uma sentença reformada ou esta lhes pareça improcedente.

A esse apelo, entretanto, de maior acatamento ao juiz, outro deve ser enumerado para que não deixe o magistrado, nunca por nunca, como fiéis companheiras de seu sacerdócio, a modéstia, a sisudez, a discrição, a serenidade. Ao juiz não lhe bastará a posse das altas virtudes da probidade, do desinteresse, do saber, da coragem, da altivez e da independência.

Ainda se lhe exige que elas se exerçam em medida áurea, em supremo equilíbrio, temperadas na discrição, no amor, na penum-bra, na aversão aos arruídos da publicidade e das deselegâncias do exibicionismo.

Quem se dedica à sacratíssima das missões exercíveis no século – para lembrar conceito de Rui Barbosa – vota-se à modéstia e ao quase obscurecimento.” 4

Dentre os deveres que incumbe ao juiz, qualquer que seja o grau de sua jurisdição, figura o do pontual desempenho do ofício.

A propósito, dispõe o art. 5º, LXXVIII, da Constituição, na redação da Emenda Constitucional nº 45/04, que a todos os cidadãos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Realmente, aos juízes não é permitido comportamento, no exercício de suas funções ou fora delas, que destoe da mais perfeita correção.

3 A CRIAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – ANTECEDENTES HISTóRICOS

A Emenda Constitucional nº 45/04 criou o Conselho Nacional de Justiça, incluindo-o como órgão do Poder Judiciário, abaixo do Supre-

4 APUD MÓSCA, Hugo. Orosimbo Nonato – Apóstolo do Direito, Thesaurus, Brasília, 1991, p. 18.

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A ADMINISTRAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

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mo Tribunal Federal, o que fez no art. 92, I – A. Logo adiante, no art. 103 – B, fixou a composição desse órgão, bem como as suas atribuições.

O Conselho Nacional de Justiça tem a sua sede na Capital da República e jurisdição em todo o território nacional. E será integrado por 15 membros, dos quais nove serão magistrados e seis não integrantes da magistratura.

A propósito da composição e da competência do Conselho Nacional de Justiça, anota o ilustre Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas, ex-Presidente do TRF/4ª Região, verbis:

“O CNJ do Brasil foi incluído como órgão do Poder Judiciário (art. 92, I-A). Sob seu controle estarão todos os ramos do Poder Judiciário. Ele terá tamanho e composição diferentes do mexicano e do argentino (art. 103-B). Serão 15 Conselheiros, dos quais 9 juízes de instâncias e ramos diversos do Judiciário e 6 de origem externa (2 do Ministério Público, 2 advogados e 2 cidadãos indicados pelo Congresso). O número de 15 Conselheiros não será pequeno a ponto de tornar o CNJ inoperante, nem grande demais de modo a deixá-lo lento e burocrático.

Caberá ao CNJ conduzir a política nacional do Judiciário, tocando-lhe o controle da atuação administrativa e financeira do referido Poder (art. 103, § 4º, caput e inc. VII). Até a reforma, o Judiciário se manifestava através de 95 Tribunais, sendo 5 Superiores, 5 Federais, 24 do Trabalho, 27 Eleitorais e 34 Estaduais (27 TJs, 4 Alçadas e 3 Militares). Alie-se a isso várias associações de magistrados, nacionais e locais. O discurso e os objetivos muitas vezes eram conflitantes. Parece, assim, oportuno definir uma linha de política uniforme.

Compete ao CNJ, originariamente ou de forma supletiva, o controle disciplinar dos magistrados (art. 103, § 4º, incs. III e VI). De todas as atribuições do novo órgão esta, certamente, é a mais complexa. O Conselho Nacional terá competência para receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra os prestadores de serviços notariais e de registro (art. 103, b, § 4º, inc. III). O dispositivo é preocupante. Atuam no Brasil cerca de 12.000 juízes e um número enorme - e desconhecido - de funcionários do foro extrajudicial. O gigantismo do Judiciário brasileiro vai gerar um grande número de represen-tações. Se não for criada uma estrutura moderna e eficiente, o CNJ corre o risco de cair no descrédito.

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Ao CNJ atribui-se a função incomum de rever de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e mem-bros de tribunais julgados há menos de um ano (art. 103, b, § 4º, inc. V). Absolutória ou condenatória, a decisão administrativa poderá ser revista. O dispositivo revela desconfiança com o atual sistema de apuração de faltas administrativas pelos Tribunais.” 5

O Conselho Nacional de Justiça terá um Corregedor, que será o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no art. 103 – B, § 5º, II e III, da CF/88, a quem compete receber as declarações e denúncias formuladas por qualquer interessado, relativos aos juízes e aos serviços judiciários, competindo-lhe, ainda, exercer as funções de inspeção e correição geral, podendo, para tanto, requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, bem como requisitar servidores de juízos ou tribunais, na forma prevista no texto constitucional.

Por conseguinte, todos os magistrados, inclusive dos tribunais su-periores da justiça ordinária ou especial, ficam sob a jurisdição censória do Conselho Nacional de Justiça.

Será ele, portanto, um órgão de grande destaque nos quadros da magistratura nacional, pelas relevantes funções censórias que a Carta Magna lhe confere, bem como por incumbir a ele supervisionar a admi-nistração superior do Judiciário, mediante a investigação e o exame dos casos de emperramento da máquina judiciária, formulando propostas e sugestões para o melhor funcionamento da justiça, tornando-a efetiva e pronta, como agora o quer a Constituição, em seu art. 5º, LXXVIII.

Ao Supremo Tribunal Federal, na forma do disposto no art. 102, I, “r”, da CF/88, compete o controle jurisdicional das decisões do Conselho Nacional de Justiça, notadamente em matéria disciplinar, no caso de se verificar ilegalidade ou abuso de poder.

A instituição do Conselho Nacional de Justiça não constitui novidade no direito brasileiro.

Com efeito, a Reforma Judiciária realizada em 1977, por meio da Emenda Constitucional nº 7, de abril de 1977, criou o Conselho Nacional da Magistratura, composto de sete ministros do Supremo Tribunal Federal.

5 FREITAS, Vladimir P. de. “Conselho Nacional de Justiça”, in Jornal Gazeta do Povo, edição de 18.01.05.

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A ADMINISTRAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

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Na ocasião, o legislador constituinte atendeu à sugestão formulada pela Comissão Especial do Supremo Tribunal Federal, integrada pelos Ministros Thompson Flores, Rodrigues Alckmin e Xavier de Albuquer-que, encarregada de elaborar o célebre “Diagnóstico do Poder Judiciário”, o mais completo estudo até hoje realizado acerca do Poder Judiciário no Brasil.

Nesse histórico documento, constava, verbis:

“29. Ponto de capital importância diz com a disciplina do Poder Judiciário. Assegurada condigna situação aos magistrados, é indispensável que a correspondente responsabilidade pelo bom desempenho das funções do cargo possa ser efetivamente estabele-cida. Assim, sem prejuízo ou absorção das atividades fiscalizadoras ou repressivas dos órgãos competentes das Justiças Federais e das Justiças dos Estados, é mister órgão superior ou Conselho Judiciário Nacional, a quem caiba intervir, dentro de determinados limites, para a supressão de irregularidades mais graves, não somente quanto à atividade dos Juízes, mas também dos mais órgãos ou instituições ligadas ao Poder Judiciário. Tal órgão, estruturado dentro do Su-premo Tribunal Federal para manter a independência dos Poderes, exerceria ampla função censória, para prover prontamente quando mister.” 6

Em precioso estudo, registrou o Professor Alcino Salazar, verbis:

“Ponto fundamental da reforma a ser empreendida, já ressal-tado, é o da instituição de um órgão de cúpula com atribuições de ordem administrativa e poder disciplinar dominante. Sua finalidade essencial será, a um tempo, a de exercer a supervisão do funcio-namento de todos os órgãos, titulares e agentes da área do Poder Judiciário de sorte a preservar sua unidade orgânica e a de exercer o pleno comando hierárquico quanto aos deveres e responsabilidades funcionais de todos.

A disciplina da magistratura, padronizada e efetiva, em todas as suas graduações, é elemento assegurador, por excelência, da boa administração da justiça, do proveitoso rendimento de sua atividade.

6 In Reforma do Poder Judiciário – Diagnóstico., Supremo Tribunal Federal, Brasília, 1975, pp. 30/1.

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O exercício do poder hierárquico é, antes de tudo, decorrência da sua condição de um dos três Poderes da República, com inde-pendência assegurada na Constituição.

Não se justifica, nem se compreende, a posição de isolamento e de funcionamento autônomo dos diferentes órgãos do Poder Judiciário, quer os das Justiças especializadas, quer os da Justiça comum, federal ou estadual, vivendo cada um sua existência, sem qualquer laço de subordinação hierárquica de caráter administrativo.

Pode-se dizer que os diferentes órgãos da Justiça brasileira formam um arquipélago, cujas ilhas estão cercadas de autonomia por todos os lados... .

Os diferentes tribunais não se ligam ao órgão supremo nem por laços de subordinação, nem mesmo de coordenação, relati-vamente a suas atribuições de ordem administrativa. Elaboram independentemente os seus regimentos e assim organizam e admi-nistram os seus serviços. Os relatórios anuais de seus trabalhos são dirigidos apenas aos seus titulares. Seus problemas de instalação, aparelhamento material, administração de pessoal e instrumentos de realização dos vários serviços correm igualmente à revelia do órgão de cúpula. São solucionados segundo critérios diferenciados ou deixados sem solução.

A este respeito, os mencionados relatórios, principalmente dos Estados (os que foram possível obter como elementos de informação para o presente livro) têm tido manifestações expressivas quanto ao estado ruinoso até dos edifícios-sede dos serviços da Justiça nas capitais estaduais.

Cada tribunal ostenta, não raro, com sua independência em relação ao Poder que integra, as suas privações e dificuldades, estas, ao contrário, na dependência de outros Poderes, que ou não as con-sideram, ou não dispõem de meios para supri-las ou removê-las. Por outro lado, o Tribunal máximo não interfere em tais problemas. Deles não tem cogitado. Os relatórios anuais de seus trabalhos li-mitam suas considerações às deficiências e dificuldades do próprio Tribunal.” 7

7 Salazar, Alcino. Poder Judiciário – Bases para Reorganização, 1ª edição, Forense, Rio, 1975, pp. 245/6.

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A ADMINISTRAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

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REVISTA DA AJUFERGS / 0720

Quando da instalação do Conselho Nacional da Magistratura, em 21.05.1979, disse o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Antonio Neder, verbis:

“As influências na judicatura e as fraquezas inerentes à quali-dade humana do magistrado são dois aspectos do mal gravíssimo que, embora raro, ofende a Justiça.

Para remediar as primeiras, a Constituição confere ao julgador algumas garantias: vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade dos vencimentos.

Esses direitos permitem que o juiz resista a qualquer influência, ainda que provenha de poderosos e governantes.

Colocam-no ao abrigo da lei, exclusivamente da lei, a cujo império deve submeter-se.

Contudo, no que diz respeito às fraquezas humanas, tais garan-tias constitucionais não produzem resultado corregedor.

É que, inerentes ao homem que subjaz no magistrado, as im-perfeições convivem obviamente com ele e podem influenciá-lo ao ensejo do julgamento.

Com ressalva do processo disciplinar, nenhum outro remédio jurídico existe para obviar aos desacertos próprios do homem que vive no juiz.

Dito processo foi adotado pelos países de rica vivência judiciária e profunda experiência no campo do Direito Público: França e Itália.

Seus Juristas conceberam a instituição e um órgão judiciário de alta hierarquia para disciplinar o comportamento dos magistrados.

Fizeram-no para o fim de conduzir o juiz a sobrepor-se ao homem que o envolve, isto é, às fraquezas humanas que possam dominá-lo; para o fim de o julgador transformar-se, no processo, em serena voz do direito, exclusivamente dele; para o fim de, na sentença, perse-guir a finalidade construtiva da regra jurídica, tal como deve fazer o sacerdote que transmite a mensagem religiosa; para o fim de impedir que as mencionadas garantias constitucionais produzam resultado aberrante, amparando o juiz, que deslustra a Justiça.

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Fizeram-no também para impor ao Juiz que se comporte dentro da normalidade que lhe é indicada pela regra moral de conduta; nor-malidade no conduzir-se com a postura serena e humilde, autêntica expressão de austeridade sem requinte nem capricho, aquela que o faz respeitado por todos; normalidade no trato com as pessoas, no qual tempera seu irrenunciável direito de afeiçoar-se e cumpre seu imperioso dever de afastar, com elegância, o convívio íntimo de quase todas, inclusive, notadamente, o daquelas que lhe possam comprometer a consideração; normalidade no praticar seus atos, mostrando que não é homem capaz de apaixonar-se, a não ser pela santificante preocupação de vencer, com as armas próprias do seu ofício, a ousadia dos poderosos, o rancor dos inferiores, a crítica terrível e corrosiva dos vencidos ou condenados; normalidade no manter uma consciência minuciosamente afinada pela discreção, e, portanto, invariavelmente firmada pela vontade.

Para concretizar o moralizador objetivo de impedir que as deficiências humanas conspirem contra o magistrado, que tais deficiências possam conduzir o juiz a cometer abusos, idealizaram os juristas europeus, como foi lembrado acima, um órgão judiciá-rio superior e disciplinar, para o julgamento do juiz que não haja cumprido a sua missão.

Esse órgão, no Brasil, é o Conselho Nacional da Magistratura, instituído pela Emenda Constitucional nº 7 de 1977, que o colocou na cúpula do Poder Judiciário, integrado por Ministros do Supremo Tribunal Federal.” 8

O Conselho Nacional de Justiça, ora criado pela Emenda Constitu-cional nº 45/04, possui atribuições mais amplas que o da Constituição anterior, sendo, todavia, diversa a sua composição.

Somente o passar do tempo poderá atestar a sabedoria e a eficácia das inovações implementadas pela recente reforma judiciária. Eventuais desacertos serão, naturalmente, emendados.

Impende, contudo, acentuar que ao Conselho Nacional de Justiça descabe o exame de decisões jurisdicionais proferidas pelos juízes. Nesse sentido, foi acertada a opção do constituinte, pois, caso contrário, estar-se-ia violando a garantia da independência dos magistrados.

8 In STF – Relatório – 1980, Brasília, pp. 84/5.

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Cabe, aqui, recordar as sábias palavras de Franqueville, verbis:

“Il ne suffit pas que les juges soient inamovibles pour être indépendants; il faut encore qu’ils ne se trouvent mêlés, en aucune façon, au gouvernement et, par suite, aux luttes des partis.” 9

E mais, comprometeria a própria tripartição dos poderes do Estado, insculpida no art. 2º da Lei Maior, que segundo Burdeau foi “la règle d’or de la démocratie gouvernée”.

É oportuno transcrever o seu magistério, verbis:

“Et c’est bien pourquoi, protection contre l’arbitraire du mo-narque autant que contre la tyrannie des majorités, la séparation des pouvoirs a été la règle d’or de la démocratie gouvernée. Après avoir servi à ruiner l’absolutisme monarchique, elle fut utilisée pour contenir la souveraineté populaire”. 10

4 ÓRGãOS COnGênERES DO DIREItO COMPARADOTerminada a Segunda Guerra Mundial, a França e a Itália instituíram

em suas respectivas Constituições um Conselho Superior da Magistratura visando garantir a independência dos juízes, subtraindo a magistratura da tutela do Poder político.

Nesse sentido, registra Thierry Ricard, verbis:

“L’émergence du Conseil supérieur de la magistrature dans l’histoire de l’organisation judiciaire apparaît, en effet, comme la réponse républicaine au souci de préserver la justice des influences de la puissance exécutrice de l’Etat.” 11

9 Franqueville, Le Cte De. Le Système Judiciaire de la Grande Bretagne – Organisation Judiciaire, J. Rothschild Éditeur, Paris, 1893, t. 1º, p. 386, n. IV.10 Burdeau, Georges. Traité de Science Politique, 2ª ed., L. G. D. J., Paris, 1971, t. VI, v. 2, p. 408.11 RICARD, Thierry. Le Conseil Supérieur de La Magistrature., 1ª ed., PUF, Paris. 1990, p. 3. Nesse sentido, também, a obra coletiva organizada por Thierry S. Renoux, Les Conseils Supérieurs de La Magistrature en Europe, La Documentation Française, Paris, 1999, pp. 9 e seguintes.

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Embora bem intencionada, a ideia da criação do Conselho Superior da Magistratura, acolhida pela Carta de 1946, fracassou em seus objetivos, consoante noticia o Ministro da Justiça do Presidente De Gaulle, Michel Debré, em suas conhecidas memórias, verbis:

“Les constituants de 1946 ont senti qu’il y avait un problème. Ils créèrent un Conseil Supérieur de la Magistrature pour veiller à la carrière des juges. L’idée était bonne; la réalisation fut médiocre: une part des magistrats était élue par les diverses catégories de juges et une autre par l’Assemblée nationale en fonction d’accords entre formations dominantes. Ce mélange de corporatisme et de partisa-nerie politique ne pouvait en rien relever la justice, au point qu’il existe en 1958 un accord général sinon sur la solution, en tout cas sur le principe d’une réforme.” 12

O Conselho Superior da Magistratura na França possui atribuições administrativas e disciplinares.

Na Itália, o Conselho Superior da Magistratura encontra-se previsto no art. 105 da Constituição de 1947, ao qual compete, tal qual o similar francês, atribuições de natureza administrativa e disciplinar.

No que concerne à sua composição e competência, informam Carlo Guarnieri e Patrizia Pederzoli, verbis:

“L’Italia è senza dubbio il paese cha ha conosciuto sotto questo profilo le trasformazioni di più ampia portata e probabilmente anche il solo ad aver realizzato, nel senso proprio del termine, il principio di autogestione della magistratura. Dopo l’esperienza autoritaria del ventennio fascista, la Costituzione ha infatti reciso la maggior parte dei canali istituzionali tra il giudiziario e gli altri poteri, in particulare l’esecutivo. Tutte le decisioni che ineriscono allo status sia dei giudice sia dei pubblici ministeri – reclutamento, promozioni, provvedimenti disciplinari, ecc. – sono state concentrate nella mani del Consiglio, che è così diventato il più importante canale di collegamento istituzionale tra la magistratura e il sistema politico. (...) Attualmente è formato da 3 componenti di diritto – il Capo dello stato, che lo presiede, il Primo presidente e il Procuratore generale della Corte di cassazione – 20 magistrati direttamente

12 Debré, Michel. Trois Républiques pour une France – Mémoires, Albin Michel, Paris, 1988, v. II, p. 334.

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eletti da tutti i colleghi e 10 esperti in materie giuridiche, avvocati o docenti universitari, eletti dalle due camere del parlamento in seduta comune. Quanto alla designazione di questi ultimi, regola non scritta ma di fatto operante sino ad ora è stata quella di rispettare le proporzioni esistenti fra i principali gruppi parlamentari, ivi inclusa l’opposizione.” 13

Na América Latina, vêm sendo criados órgãos parecidos aos do direito europeu.

No caso da Argentina, sustenta Adrián Ventura o fracasso da instituição do “Consejo de la Magistratura”, fruto da reforma constitucional de 1994, em razão do caráter predominantemente político de sua composição.

Eis o seu depoimento, verbis:

“Paradójicamente, la reforma de 1994, que declamó la necesi-dad de independizar a la Justicia de tales influencias, terminó por entregar las atribuciones – en materia disciplinaria, administrativa y financiera – que antes eran de competencia exclusiva de la Corte Suprema a un órgano integrado por políticos.

Se puede compartir la solución o sostener que, al contrario, la medicina terminará por matar al enfermo, pero lo cierto es que la finalidad del convencional reformador – por lo menos, el objetivo que explicitó – fue el de brindar a la Justicia la posibilidad de ser más independiente.

Evidentemente, no cabe pretender que se cumpla ese fin si el Consejo tiene un perfil eminentemente político, pues las pasiones que despierta el ejercicio del poder terminarán por doblegar a la judicatura.” 14

5 CONSIDERAÇõES FINAISA Reforma Judiciária promovida pela Emenda Constitucional nº

45/04 pouco fez para resolver o verdadeiro problema do Poder Judiciário, que é a demora na prestação jurisdicional.

13 GUARNIERI, Carlo, La Democrazia Giudiziaria, Società Editrice il Mulino, Bologna, 1997, pp. 45/7.14 VENTURA, Adrián. Consejo de la Magistratura., Depalma, Buenos Aires, 1988, pp. 202/3.

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Lamentavelmente, dita reforma iniciou-se sem a indispensável elaboração, por parte dos órgãos competentes, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, dos necessários estudos preliminares, com a feitura de um verdadeiro “Diagnóstico da Justiça”, após a colheita dos dados imprescindíveis à confecção desse importante documento.

Nesse sentido, colha-se a advertência do notável magistrado Arthur T. Vanderbilt, em sua clássica obra Minimum Standards of Judicial Administration, verbis:

“Most judicial reforms fail, or are disappointing, because they are not based on adequate study of the particular conditions in which they are expected to operate or because they are adopted without adequate comparison with the experience with similar attempts, of finally because they lack the support of the moral force of the community.” 15

Ademais, outras providências objetivas precisam ser adotadas no âmbito da União com o propósito de descongestionar a Justiça, sobre-tudo a tão reclamada simplificação das leis processuais, conferindo-se efetividade às decisões judiciais para que sejam cumpridas sem delongas, em especial aquelas que envolvam o Poder Público.

Em exaustivo estudo encomendado pelo Ministério da Justiça da França, conclui, nesse tópico, o Magistrado Jean-Marie Coulon, verbis:

“L’effectivité des decisions de justice est la condition du respect de l’autorité judiciaire et de la sécurité juridique. Une bonne et promte exécution des jugements (qui représentent 86% des décisions judiciaires) constitue le fondement de la crédibilité de la justice.” 16

O aumento da litigiosidade na esfera cível envolvendo o Poder Público tende a aumentar, motivo pelo qual precisam ser adotadas, com urgência, medidas legislativas que permitam às pessoas lesadas em seu

15 VANDERBILT, Arthur T. Minimum Standards of Judicial Administration, Published by The Law Center of New York University, 1949, p. 65.16 COULON, Jean-Marie. Réflexions et Propositions sur la Procédure Civile, La Do-cumentation Française, Paris, 1997, p. 106. Nesse sentido, também, a obra coletiva organizada por Roger Perrot, La Réforme des Procédures Civiles d’exécution, Sirey, Paris, 1993, pp. 166/7.

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direito a pronta execução do julgado, agora com mais razão considerando-se o disposto no art. 5º, LXXVIII, da CF/88, na redação da Emenda Constitucional nº 45/04.

No final dos anos sessenta, tal fenômeno já era detectado nos Es-tados Unidos, ocasionando o congestionamento das Cortes Federais de Apelação.

É o que informa Paul D. Carrington, Professor da Michigan Law School, em artigo publicado na prestigiada Harvard Law Review, verbis:

“It seems quite likely that the United States will become in-volved in more civil disputes in the future. This prognosis rests not merely on a prediction that the Government will be involved in more and larger programs involving a larger number of potential adversaries, but also on a prediction about the attitude of those potential litigants toward litigation.

A modern trend has favored subsidy over regulation for new programs. To an increasing degree, such programs are regarded less as acts of grace by a benevolent government, and more as a source of proprietary rights that are suitable subjects of litigation, and it seems not unlikely that challenges will receive a hospitable hearing in the federal courts.” 17

Por outro lado, impõe-se, também, o aprimoramento do sistema de recrutamento de juízes.

Nesse passo, papel relevante poderá ser desempenhado pelo Con-selho Nacional de Justiça, podendo o futuro Estatuto da Magistratura criar junto a esse órgão um Centro Nacional de Estudos Judiciários que forneceria propostas de aperfeiçoamento do modelo de ingresso na magistratura.

Esse importante aspecto da reforma judiciária já havia sido tratado no Diagnóstico da Justiça elaborado pelo Supremo Tribunal Federal, em 1975, verbis:

17 CARRINGTON, Paul D. “Crowded Dockets and The Courts of Appeals: The Threat to the Function of Review and the National Law”, in Harvard Law Review, (1968/9). v. 82, pp. 548/9.

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“27. A primeira e capital dificuldade está no recrutamento de bons Juízes. É dizer o óbvio afirmar que, sem magistrados de ex-celente formação moral e intelectual, não haverá Poder Judiciário altamente capaz.

O recrutamento de juízes, no primeiro grau, se faz por meio de concursos. Há mister, porém, que a seleção, para ser profícua, se realize entre o maior número possível de candidatos. E que se adotem os melhores critérios.

Quanto ao primeiro aspecto, é preciso tornar mais atrativa a carreira, assegurando-lhe melhores ganhos e vantagens.

(...)Quanto ao segundo aspecto – melhores critérios de recrutamen-

to – a par da conveniência do concurso de ingresso em duas fases, permitindo que entre elas se insira estágio probatório, mencione-se a ideia da criação de cursos ou institutos de preparação para a magistratura, semelhantes ao Centre National d’Etudes Judiciaires, com desejável intercâmbio entre Universidades e Tribunais, para a seleção dos melhores alunos.” 18

A preocupação quanto ao tema, como se vê, vem de longe.A questão foi abordada, e com profundidade, pelo 1º Congresso

Internacional de Magistrados, realizado em Roma, de 11 a 13 de outubro de 1958, consoante consta das conclusões desse histórico e prestigiado evento, verbis:

“1) Auspica che, per la preparazione alla funzione giudiziaria, il futuro Magistrato possa trovare nelle università l’insegnamento delle discipline moderne indispensabili all’esercizio della funzione giudiziaria.

2) Auspica che, tenuto conto della particolarità delle funzioni giudiziarie e della preparazione necessaria a chi le esercita, siano istituiti in relazione e secondo l’indole giuridica di ogni ordinamento giudiziario, centri di preparazione, ricerca e studio, i quali procedano, con unità di metodo, alla formazione del Magistrato.

18 In Op. cit., pp. 28/30. Na França, consulte-se a obra de René Chazelle, Pour Une Reforme Des Institutions Judiciaires, L.G.D.J., Paris, 1969, pp. 66/71.

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Conseguentemente l’avere partecipato ai corsi relativi deve, in via de massima, costituire una condizione essenziale per essere nominato o designato od eletto ad una funzione giudiziaria, o, comunque, per essere immesso nell’effettivo esercizio della funzione.

3) L’addestramento del Magistrato deve tendere: ad integrare le nozioni extra giuridiche necessarie allo svolgimento delle funzioni giudiziarie (studi di economia, sociologia, psicologia e criminologia); alla discussione e valutazione del caso concreto; alla diretta partecipazione all’attività dei centri di osservazione presso gli Istituti di Prevenzione e di Pena. Questo addestramento deve costituire una fase sperimentale ed applicativa, in cui chi conduce la ricerca, in unione di lavoro con l’allievo, solleciti l’autoformazione di quest’ultimo.

Sembra opportuno che ad una prima fase de studio teorico ed applicativo segua un periodo di pratica professionale, a cui potrà seguire una prova finale o, comunque, una valutazione o classificazione dei singoli candidati.” 19

Portanto, há muito ainda a ser feito.Frise-se, no entanto, que o momento é propício para a realização dos

estudos necessários e a execução da ambicionada reforma.Importa restabelecer-se o espírito da reforma – a expressão é do

ilustre Ministro Xavier de Albuquerque -, sob pena de perdermos uma histórica oportunidade de empreender o aperfeiçoamento das instituições judiciárias, objetivo incessantemente buscado pelas últimas Constituições brasileiras, sobretudo a partir de 1946.

A propósito, não se perca de vista o célebre aforisma do Cardeal de Retz, verbis: “Nada existe no mundo que não tenha seu momento de-cisivo e a obra prima do procedimento avisado é reconhecer e escolher esse momento”. 20

Este é o momento e confio que da conjugação desse esforço poderá nascer um Judiciário forte e atuante, distribuindo a melhor Justiça, assim

19 In Primo Congresso Internazionale dei Magistrati, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1959, t. II. p. 1.207.20 RETZ, Cardinal De. Mémoires, Classiques Garnier, Paris, 1998, p. 364.

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qualificada pelo saudoso Ministro Thompson Flores em seu discurso de posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal, verbis:

“Justiça que brote de juízes independentes, sem falsos ou mal compreendidos exageros, como sempre o foram os juízes do Rio Grande, reconhecidos urbe et orbe, sem cujo atributo nem é possível conceber o exercício funcional como ele se impõe.

Justiça austera, impoluta, incorruptível, como se faz mister o seja e para cujos imperativos prosseguiremos indormitos e intran-sigentes.

Justiça humana como merece distribuída às criaturas feitas à imagem de Deus.

Justiça que jamais se aparte dos fins sociais e das exigências do bem comum, sem cuja presença nem seria compreendida.

Justiça que se aproxime, sem excessos ou enganosas fórmulas, do próprio povo para a qual é ditada e do qual deve estar sempre ao alcance; simples, real, despida de tudo que a possa tornar difi-cultosa, a fim de que a compreenda melhor, sinta-a com fervor, e possa, assim, nela crer para amá-la, prestigiá-la, e defendê-la se preciso for, convencido que ela é seu baluarte democrático e a sua mais sólida garantia.

Justiça da qual se não permita desconfiar um só segundo, porque como assinalava Balzac: “Desconfiar da Magistratura é um começo de dissolução social”.

E sobretudo Justiça pontual, como a queria Rui, porque tarda não mereceria o nobre título. E como dizia, reclamando: “Para que paire mais alto que a coroa dos reis e seja tão pura como a coroa dos santos”.

Só assim nos tornaremos dignos do respeito e da confiança da Nação, ao lado dos demais Poderes da República.” 21

Somente assim o Poder Judiciário será respeitado pela Nação, jun-tamente com os Poderes Executivo e Legislativo.

21 In STF – Relatório de 1977, Departamento de Imprensa Nacional, pp. 82/3.

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Com a sua autoridade de principal redator da Constituição de 1958 e um dos fundadores da V República da França, afirma Michel Debré, verbis; “N’oublions jamais que la République a besoin d’une justice prestigieuse, c’est-à-dire d’une belle et forte magistrature”. 22

Senhores, devo desculpar-me de haver excedido o tempo que me foi destinado.

Convencido que a reforma do Poder Judiciário, ampla e profunda, é não só necessária, como inadiável, confio que os Poderes da República, imbuídos de altos propósitos como a ocasião o exige, terão a capacidade e sobretudo a vontade política de conduzir os trabalhos da pretendida reforma, e medidas a ela complementares, notadamente no plano da legislação processual, até que ela se realize plenamente, como ansiamos nós, os magistrados.

A Emenda Constitucional nº 45 constitui um primeiro passo para os projetos que se seguirão, e dos quais merece destaque, pela sua relevância, o Estatuto da Magistratura, de iniciativa do Supremo Tri-bunal Federal.

Para concluir, recordo as palavras de um dos maiores juízes do Bra-sil em todos os tempos, o saudoso Ministro Orosimbo Nonato, verbis:

“Fora inútil e baldio negar falhas e imperfeições no funcio-namento do Poder Judiciário e que alguns de seus representantes delirem, acaso, das linhas rígidas do dever completo. A perfeição, como tantas vezes se lembra, desertou a terra depois que o anjo de espada fulmínea surgiu no ádito do paraíso perdido.

Toda instituição humana reflete o efêmero, o periturno, o im-perfeito da humanidade.

Pena-me dizê-lo: juízes haverá, talvez, menos merecedores desse nome que, em verdade, por se manter lustroso e puro, exige atributos indeparáveis no comum dos homens, no ordinário das pessoas e, antes, constituem marcas dos seres de eleição.

Mas os juízes menos dignos constituem raras exceções, mercê de Deus exceções raríssimas na magistratura brasileira.

22 In Op. cit., p. 343.

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Em sua imensa maioria, e assoberbando, não raro, a inópia de recursos, a incompreensão de alguns, o ressentimento injusto de muitos, a cegueira de paixões de outros, o desestímulo do meio ad-versando dificuldades sem conto, e pelejando, à arca partida, contra obstáculos, ao parecer, invencíveis, cumprem eles o seu dever, às vezes amargo como o fel intransitivo dos grandes sacrifícios.

(...)Detentor de um poder formidável, mas imbele, o juiz sempre

contraria uma pretensão e os que a suscitaram e o seu séquito o elegem vítima piacular de recriminações, às vezes excessivas em sua acidez e desenvoltura e tão acesas de ódio que valem como perigosas sucussões da paz pública e por acenos ao tumulto e à aversão.” 23

Senhor Presidente.Ao finalizar, renovo o meu reconhecimento pelas palavras proferidas

por Vossa Excelência e pela presença de quantos vieram a este Plenário prestigiar o evento.

Muito obrigado.

23 In Op. cit., pp. 16/7.

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Doutrina

QUESTõES CONTROVERTIDAS ACERCA DA COMPEtênCIA CÍVEL DOS JUIZADOS

ESPECIAIS FEDERAIS

Enrique Feldens RodriguesJuiz Federal Substituto

Especialista e Mestrando em Processo Civil (PUCRS)

INTRODUÇÃOA Lei nº 10.259/2001 tratou da competência cível dos Juizados

Especiais Federais em dois dispositivos, regulando-a no âmbito in-fraconstitucional. No caput do art. 3º, deu-se enfoque ao objeto do processo, atendo-se à fixação a partir da definição do valor da causa; nos parágrafos do art. 3º, porém, declinaram-se exceções, quer em razão da natureza do próprio objeto, quer por força de procedimento especial existente para determinadas situações. Já no art. 6º, ao serem expostos quais os entes que podem litigar no JEF, houve a sua limitação a determinadas pessoas, delineando-se, assim, a espécie de conflito que teria lugar no foro especial: de um lado, pessoas físicas (a que se agregaram as microempresas e as empresas de pequeno porte); de outro, a Administração Pública Federal, cingida à União, autarquias, fundações e empresas públicas federais.

Várias questões pertinentes ao tema vêm sendo detidamente abor-dadas pela doutrina e pela jurisprudência, sendo o exame de algumas delas o que ora se propõe.

1 CRItéRIO MAtERIAL DE EStABELECIMEntO DA COMPEtênCIA: A qUEStãO DA “MEnOR COMPLExI-DADE” NA LEI Nº 10.259/2001.

Assentado na Constituição de 1988 que a competência dos Juizados Especiais é restrita a “causas cíveis de menor complexidade”, partiu-se, ainda, da mesma fonte, a exigência de que o procedimento nessa instância fosse caracterizado pela oralidade e sumariedade (art. 98, I). Refletindo tal contexto normativo, a Lei nº 10.259/2001, no caput do art. 3º, limitou a competência dos Juizados Federais às causas de até 60 salários mínimos,

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excluídas as hipóteses previstas no § 1º do dispositivo, desenredando, assim, em nível legislativo, a noção de “menor complexidade”.1 De outra sorte, estabeleceu o diploma, em coordenação com a as disposições da

1 A complexidade é avaliada tão-somente pelo valor da causa: TRF4 - ADMINISTRA-TIVO. MEDICAMENTOS. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JEC. 1. O entendimento consolidado da Primeira Seção do E. STJ é no sentido de que a competência para julgar as ações de fornecimento de medicamentos, com valor inferior a sessenta salários mínimos, em face da natureza absoluta prevista na Lei 10.259/2001, é do Juizado Especial Federal. 2. A eventual complexidade da causa, por si só, não modifica a competência fixada, tampou-co há falar em cerceamento de defesa em razão da necessidade de produção de prova pericial, a qual poderá ser realizada nos termos do art. 12 da Lei 10.259/2001. (TRF4, APELREEX 0004884-76.2008.404.7200, Terceira Turma, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 17/09/2010); FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. VALOR DA CAUSA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. A competência do Juizado Especial Federal para o julgamento de feitos em que se postula fornecimento de medicamento é absoluta e o seu critério definidor é o valor da causa, não havendo restrição quanto à complexidade da causa, salvo as exceções previstas no § 1º do seu art. 3º, ou quanto à formação de litisconsórcio entre a União e outro ente federado. (TRF4, AG 2009.04.00.044017-9, Quarta Turma, Relator Márcio Antônio Rocha, D.E. 05/04/2010); CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. 1. A Lei nº 10.259/01, que dispõe acerca da instituição dos Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justiça Federal, elenca, de forma taxativa, as hipóteses que refogem à competência daqueles Juizados (art. 3º). 2. Diversamente do o que ocorre em relação aos Juizados Especiais Estaduais, em que sua competência é determinada pela natureza da ação - causas de menor com-plexidade - no âmbito federal, a competência, de natureza absoluta, é fixada com base no valor atribuído à causa. Nos casos em que a demanda veicula pretensão de exibição de documento, inobstante ausente proveito econômico direto, é possível que o autor atribua à causa o valor de até sessenta salários e, com isso, determine a fixação da com-petência dos juizados especiais federais. 3. Fixado o valor da causa dentro do limite de competência do JEF, compete ao Juízo suscitado o processamento e julgamento da causa. (TRF4, CC 0004470-76.2010.404.0000, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 14/05/2010). O STJ, aliás, já defendia o entendimento à época em que vigia a Súmula nº 348 (“Compete ao Superior Tribunal de Justiça decidir os confli-tos de competência entre juizado especial federal e juízo federal, ainda que da mesma seção judiciária.”), ou seja, antes de sua substituição pela de nº 428 (“Compete ao Tri-bunal Regional Federal decidir os conflitos de competência entre juizado especial fede-ral e juízo federal da mesma seção judiciária.”), após a decisão do STF no RE nº 590.409/RJ (Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowsi, DJe 29/10/2009): CONFLITO DE COM-PETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CAUSA DE VALOR INFERIOR A SES-

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35QUESTÕES CONTROVERTIDAS ACERCA DA

COMPETÊNCIA CÍVEL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

Lei nº 9.099/95 (aplicável subsidiariamente, a teor do art. 1º), rito próprio orientado pelos “critérios” de oralidade, simplicidade, informalidade,

SENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPLEXIDADE DA CAUSA. CRITÉRIO NÃO ADOTADO PELA LEI PARA DEFINIR O JUÍZO COMPETENTE. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. (...) 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados tem natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo). 3. É certo que a Constituição limitou a competência dos Juizados Federais, em matéria cível, a causas de “menor complexidade” (CF, art 98, § único). Mas, não se pode ter por inconstitucional o critério para esse fim adotado pelo legislador, baseado no menor valor da causa, com as exceções enunciadas. A necessidade de produção de prova pericial, além de não ser o critério próprio para definir a competência, não é sequer incompatível com o rito dos Juizados Federais, que prevê expressamente a produção dessa espécie de prova (art. 12 da Lei 10.259/01). 4. Competência do Juizado Especial Federal, o suscitado. Agravo regimen-tal improvido. (AgRg no CC 102.912/SC, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009); PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO. VALOR DA CAUSA. DIVI-SÃO PELO NÚMERO DE AUTORES. ART. 3º DA LEI 10.259/2001. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. (...) 2. O Superior Tribunal de Justiça pacificou a orientação de que a competência dos Juizados Especiais, em matéria cível, deve ser fixada segundo o valor da causa, que não pode ultrapassar sessenta salários mínimos, conforme previsão do art. 3º da Lei 10.259/2001. 3. A referida lei não obsta a compe-tência desses Juizados para apreciar as demandas de maior complexidade, bem como as que envolvam exame pericial. 4. Hipótese em que a divisão do valor atribuído à causa pelo número de litisconsortes não ultrapassa a alçada dos Juizados Especiais Federais, como bem asseverado pelo Juízo suscitado. Por essa razão, afasta-se a competência do Juízo Federal Comum para a apreciação e o julgamento do presente feito. 5. Agravo Regimental não provido. (AgRg no CC 104.714/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJA-MIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 28/08/2009). : TRF4 - AGRA-VO DE INSTRUMENTO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. 1. A competência dos Juizados Especiais Federais Cíveis é determinada pelo valor da causa, limitado a 60 salários mínimos (art. 3º da Lei 10.259, de 12/07/01), e é absoluta (idem, § 3º). 2. A complexidade da causa não exclui a competência do JEF, pois a própria Lei n.º 10.259/2001 prevê, em seu artigo 12, a possibilidade de realização de perícia técnica por pessoa habilitada, não obstante o procedimento reconhecidamen-te célere dos Juizados Especiais. (TRF4, AG 2007.04.00.002451-5, Segunda Turma, Relator Marciane Bonzanini, D.E. 30/01/2008); CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. LITISCOSÓRCIO. A Lei nº

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economia processual e celeridade (art. 2º da Lei nº 9.099/95), além da autocomposição2 (in fine), vetores esses aptos a espelhar as orientações emanadas do legislador constituinte.3 Consequentemente, situado o objeto

10.259/01, que dispõe acerca da instituição dos Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justiça Federal, elenca, de forma taxativa, as hipóteses que refogem à competência da-queles juizados (art. 3º), possibilitando, por outro lado, a realização de prova técnica (art. 12) quando for necessária. A formação de litisconsórcio entre a União e outro ente federado não tem o condão de afastar a competência do Juizado Especial. (TRF4, CC 2007.04.00.024833-8, Segunda Seção, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 28/09/2007). Atente-se ao teor do Enunciado nº 25 das Turmas Recursais dos JEFs de São Paulo: “A competência dos Juizados Especiais Federais é determinada unicamente pelo valor da causa e não pela complexidade da matéria (art. 3° da Lei n° 10.259/2001)”. Apesar do exposto, citem-se dois precedentes do STJ em sentido contrário, o primeiro em matéria previdenciária: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – JUIZADO ESPECIAL FEDERAL E JUÍZO COMUM FEDERAL – COMPETÊNCIA DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA DIRIMI-LO – NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA COMPLEXA – INCOMPATIBILIDADE COM O CÉLERE RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FE-DERAL. I. É do Superior Tribunal de Justiça a competência para dirimir conflitos de competência entre o Juizado Especial Federal e o Juízo Comum Federal, ainda que admi-nistrativamente vinculados ao mesmo Tribunal Regional Federal. II. O célere rito dos Juizados Especiais Federais é incompatível com a necessidade de realização de provas de alta complexidade. III. Competência da Justiça Comum Federal. (CC 89.195/RJ, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), TERCEI-RA SEÇÃO, julgado em 26.09.2007, DJ 18.10.2007 p. 260); e também CC 87.865/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10.10.2007, DJ 29.10.2007 p. 173. A postura do legislador não passou imune à crítica de ANTONIO CÉSAR BOCHENEK: “O legislador infraconstitucional, ao estabelecer a competência dos juizados, presume a menor complexidade para as causas de pequeno valor, misturan-do duas realidades distintas que podem levar a aberrações e desconfortos nos casos de matéria probatória complexa ou de alta indagação jurídica. Não se confundem as causas de pequeno valor com as de menor complexidade. A menor complexidade não está rela-cionada ou ligada ao valor da causa, mas sim ao conteúdo e à matéria discutida no proces-so. Uma causa pode ser de elevado valor e de pouca complexidade. As pequenas causas são aquelas de reduzido valor econômico, mas que podem ser extremamente complexas. A redação das Leis 9.099/95 e 10.259/2001, ao estabelecer a competência em razão do valor, aparentemente eliminaram essa dualidade” (Competência Cível da Justiça Federal e dos Juizados Especiais Federais, São Paulo: RT, 2004, p. 181).2 BOCHENEK, Antônio César. Competência..., p. 188.3 Sobre os princípios que informam os Juizados Especiais Federais, v. PEREIRA, Gui-lherme Bollorini, Juizados Especiais Federais – Questões de Processo e de Procedimento no contexto de Acesso à Justiça, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 37 e ss.

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da demanda no patamar econômico estabelecido no caput4, e não incidindo as exceções do § 1º - ambos do aludido art. 3º -, quer em razão do próprio conteúdo ou objeto,5 quer por força da aplicação de rito especial à espécie,6 trata-se, à evidência, de causa sujeita à competência absoluta do JEF (§ 3º).

4 Sobre os critérios de fixação do valor da causa, cite-se, por todos, FIGUEIRA JÚNIOR: “(...) Vê-se, pois, sem maiores dificuldades, a relevância do tema e a necessidade da fixa-ção adequada do valor da causa, por parte do demandante, ao propor a ação, fazendo-se mister, por conseguinte, a observância das regras definidas no art. 259 do CPC, ou, tendo como critério orientador, o pedido e a causa de pedir, não se admitindo a estipulação aleatória sem a definição de qualquer um desses critérios fundamentais que, em outros termos, representam, em síntese muito simplificada, o benefício perseguido através da demass nda” (FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais: Comentários à Lei nº 10.259. São Paulo: RT, 2002, p. 116).5 “Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas: I - referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal (...); II - sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais; III - para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal; IV - que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares. 6 “Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas: I – (...) as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos; (...)” (art. 3º, par. 1º, da Lei nº 10.259/2001). Leia-se a última exceção como vedação à “propositura de ação coletiva objetivando a tutela de direitos difusos ou coletivos (através de substituição processual) nos Juizados Especiais Federais ou mesmo individuais homogêneos”, como aponta FIGUEIRA JÚNIOR (Juizados Especiais Federais..., p. 126). Idem, ZAVASCKI, Teori. Juizados Especiais Federais Cíveis – Competência. Anais do Seminário Juizados Especiais Federais – Inovações e Aspectos Polêmicos. Brasília: Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, 2002, p. 158-160. É o que preceitua, ainda, o Enunciado nº 22 do FONAJEF – Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais: “A exclusão da competência dos Juizados Especiais Federais quanto às demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos somente se aplica quanto a ações coletivas.” Idem, Súmula nº 31 das Turmas Recursais da Seção Judiciária de Minas Gerais. Existem precedentes, contudo, veiculando também a aplicação de exceções contidas no art. 3º, par. 2º, da Lei nº 9.099/95, como aquela atinente às causas relativas “estado e à capacidade das pessoas” nos pedidos de opção de nacionalidade: STJ - CC 98.805/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2009, DJe 30/03/2009; TRF4 - AG 2006.04.00.030256-0, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 14/03/2007CC nº 2005.04.01.046056-0/PR, 2ª Seção, Rel. Des. Federal Silvia Goraieb, DJU 01.02.2006; e CC nº 2006.04.01.017137-4/PR, 2ª Seção, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJU 26.07.2006.

QUESTÕES CONTROVERTIDAS ACERCA DA COMPETÊNCIA CÍVEL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

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Nesse particular, resta controvertida a forma de cálculo quando a pretensão envolver prestações vencidas e vincendas, por força da reda-ção do § 2º do dispositivo em comento, citando VILIAN BOLLMAN a existência de até cinco correntes: agregam-se as parcelas vencidas às vincendas, até o número de doze; tomam-se apenas as parcelas vincendas, também até aquela cifra; atém-se apenas ao quantum referente às vencidas; examinam-se os pedidos individualmente, acolhendo o de maior valor, atinente às vencidas ou vincendas; e, finalmente, analisam-se primeira-mente às vencidas e, após, as vincendas.7 No âmbito da Quarta Região, o Tribunal Regional Federal orienta-se pela aplicação do art. 260 do Código de Processo Civil.8 A posição das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul já foi no sentido de que, envolvendo a causa parcelas vincendas, ainda que não exclusivamente, seria apenas a soma das 12 (doze) que indicaria o seu valor,9 embora atualmente tenha aplicabilidade a Súmula nº 1 (“Havendo parcelas vencidas e vincendas,

7 BOLLMAN, Vilian, Juizados Especiais Federais – Comentários à legislação de regên-cia¸ São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 28/29. A última posição arrolada parece ser aquela consolidada nos Enunciados nº 45 e 46 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, assim vazadas: Enunciado nº 45 – “Nas demandas em que se postulam prestações vencidas e vincendas, estas não se somam para o efeito de fixação do valor da causa”; Enunciado nº 46 – “O Juizado Especial Federal é absolutamente incompetente para processar e julgar as causas envolvendo obrigações de trato sucessivo, cuja soma das doze prestações vincendas ultrapassar o limite de sessenta salários mínimos, não cabendo, neste caso, renúncia ao excedente”. A Lei nº 12.153/2009 – que disciplina os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados e do Distrito Federal –, em notória postura preventiva da discussão ora entabulada, fez incluir o parágrafo 2º do art. 2º, cujo caput se assemelha ao do art. 3º da Lei nº 10.259/2001, com a seguinte dicção: “Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas não poderá exceder o valor referido no caput deste artigo”.8 MS 2009.04.00.030616-5, Quinta Turma, Relator Rômulo Pizzolatti, D.E. 09/12/2009; AG 2009.04.00.015578-3, Quinta Turma, Relatora Maria Isabel Pezzi Klein, D.E. 31/08/2009; AC 2005.72.00.004074-9, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 01/12/2008; AG 2008.04.00.021323-7, Quinta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 03/11/2008; G 2007.04.00.008838-4, Sexta Turma, Relator Sebastião Ogê Muniz, D.E. 10/07/2007. Idem, Súmula nº 32 das Turmas Recursais da Seção Judiciária de Minas Gerais.9 V., por exemplo, Recurso JEF nº 2005.71.95.005118-6/RS, 2ª Turma, Rel. Juiz Federal Ricardo Nuske, j, 20.06.2006; Recurso JEF nº 2004.71.95.001905-5/RS, 1ª Turma, Rel. Juíza Federal Maria Isabel Pezzi Klein, j. 29.05.2005; Recurso JEF nº 2004.71.95.002147-

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o valor da causa corresponde à soma das parcelas vencidas com doze vincendas, conforme o disposto no artigo 260, do Código de Processo Civil”.). Em Santa Catarina, está sumulado o entendimento de que “nas demandas em que se postulam prestações vencidas e vincendas, fixa-se o valor da causa com base apenas no montante atualizado das parcelas vencidas até a data do ajuizamento da ação” (verbete nº 12), conquan-to, supervenientemente, haja decisões em sentido diverso.10 Na Seção Judiciária do Paraná, verifica-se tendência semelhante à pacificada no Tribunal respectivo.11

5/RS, 1ª Turma, Rel. Juiz Federal Daniel Machado da Rocha, j. 13.04.2005; e Recurso JEF nº 2004.71.95.018253-7/RS, 1ª Turma, Rel. Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, j. 17.08.2005, cujo voto condutor assevera: “Quanto ao critério de fixação do valor da causa, temos que não se pode confundir o valor da condenação com o valor da causa para fins de fixação de competência dos Juizados Especiais Federais. A Lei 10.259/01 permite que o valor da condenação seja superior a 60 salários mínimos, possibilitando ao autor, quando da execução, a opção de receber mediante requisição de pequeno valor, em tempo breve, o limite legal, ou aguardar o pagamento do total mediante expedição de precatório, admitindo, portanto, que poderão ser demandados valores superiores a 60 salários mínimos no rito dos Juizados Especiais Federais. De outro lado, o §2.º do art. 3.º da referida lei estabelece critério específico para as demandas em que se postulem prestações vincendas, como na espécie, determinando que em tais casos o valor da causa, para fins de competência, será equivalente a 12 parcelas vincendas, desconsiderando, pois, as parcelas vencidas. Observe-se, outrossim, que as normas do Código de Processo Civil não são supletivas no rito dos Juizados Especiais Federais, pelo que nada obriga a inci-dência do art. 260 da lei adjetiva civil à espécie. Tal é o entendimento da Turma, firmado no julgamento do recurso no processo n.º 2002.71.04.012040-6, em que foi relatora a Juíza Salise Monteiro Sanchotene (...)”. Idem, Enunciado nº 13 das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais de São Paulo: “O valor da causa, quando a demanda envolver parcelas vincendas, corresponderá à soma de doze parcelas vincendas controversas, nos termos do art. 3º, par. 2º, da Lei nº 10.259/2001”.10 “Adotando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, decidiu a 2ª Turma Re-cursal que o valor da causa, nas ações de consignação em pagamento, corresponde ao total das prestações vencidas, acrescido do montante de doze prestações vincendas que, se dentro do limite previsto no art. 3º da Lei 10.259/01, é de competência do Juizado Especial Federal Cível. Acordam os juízes da 2ª Turma Recursal, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, ressalvado o entendimento pessoal do relator, Juiz Moser Vhoss”. PROCESSO Nº 2008.72.54.007492-0/SC, Rel. Juiz Federal Moser Vhoss, j. 21/10/2009, Informativo nº 12.11 PROCESSO. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR. VALOR DA CAUSA. DESAPOSENTAÇÃO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. 1. Conforme

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Havendo cumulação de pedidos, “o limite de 60 (sessenta) salários mínimos referido no art. 3º da Lei nº 10.259/2001 deve ser considerado em relação a cada pedido formulado pelo autor”, manifestou-se a então Turma Recursal única da Seção Judiciária do RS na Questão de Ordem VII,12 evitando-se com isso que, ultrapassada a soma a alçada do JEF, venha este a se tornar absolutamente incompetente para ações as quais, acaso propostas isoladamente, abarcaria,13 conforme pontificou TEORI ZAVASCKI.14 Evidentemente, o problema não aparece, quer quando

o disposto no artigo 3º da Lei nº 10.259/2001, o limite legal da competência para pro-cessamento de feitos perante o Juizado Especial Federal é restrito a 60 salários mínimos vigentes ao ajuizamento da ação. (...) 3. Por aplicação do art. 259, II, do CPC a dispensa de devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria deve ser somada à pretensão condenatória, para fins de fixação do valor da causa. 4. Precedente desta 1ª Turma no sentido de que “O valor da causa deve-se pautar pelo proveito econômico pretendido pelo demandante. No caso presente, corresponde a todos os pedidos formulados pelo autor, ou seja, engloba as diferenças vencidas mais 12 vincendas do benefício que se quer majorar, mais o valor cobrado pelo INSS em virtude do pagamento a maior.” (Pro-cesso 2008.70.66.001579-2, Relatora Juíza Federal Luciane Merlin Clève Kravetz, j. 29.04.2010) (, RCI 2009.70.50.013213-0, Primeira Turma Recursal do PR, Relator José Antonio Savaris, julgado em 17/06/2010). No mesmo sentido, RCI 2009.70.50.013200-2, Primeira Turma Recursal do PR, Relator Erivaldo Ribeiro dos Santos, julgado em 17/06/2010. V., ainda, os precedentes colhidos em julgamentos das Turmas do Paraná em composições anteriores a atual: MS nº 2005.70.95.007047-6, 1ª Turma, Rel. Juiz Fe-deral Gérson Luiz Rocha, j. 25.06.2006; MS nº 2004.71.95.01163-9, 1ª Turma, Rel. Juiz Federal Marcos Roberto Araújo dos Santos, j. 03.03.2005; MS nº 2006.70.95.002996-1, 2ª Turma, Rel. Juiz Federal Danilo Pereira Júnior, j. 11.07.2006.12 Em matéria de requisição de pagamento, aliás, a Resolução nº 55/2009 do CJF (ante-cedida pelas Resoluções 438/2005 e nº 559/2007) manda que, para o efeito de aplicação do valor-limite da RPV, seja considerado o quantum devido a cada litisconsorte (art. 4º).13 “Portanto, não se aplica subsidiariamente o art. 259, II, do CPC, que determina o valor da causa nos casos de cumulação de pedidos com a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles. Também não se aplica o art. 15 da Lei nº 9.099/95, que trata da possibilidade de formulação de pedidos cumulados, desde que conexos e a soma dos pedidos não ultrapasse o limite de alçada do Juizado. No caso de cumulação de pedidos no Juizado Especial Federal, que tenham causas de pedir diversas, o valor da causa deve ser considerado individualmente em relação a cada pedido cumulado. Isto implica dizer que haverá num mesmo processo tantos valores de causa quanto for o número de pedidos” (BOCHENEK, Antonio César. Competência Cível..., p. 248).14 “(...) A pergunta está feita, ainda que implicitamente: será cabível a cumulação de pedidos quando a soma deles importar a transferência da competência do Juizado para a vara comum? Rigorosamente, não. Os pedidos cumulados irão a um juiz que não é competente para julgar nenhum deles, mudando-se, assim, a competência absoluta, e os

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o somatório permaneça abaixo da alçada, quer na hipótese em que um dos pleitos esteja excluído originariamente da competência do juizado, situação esta em que, por aplicação do parágrafo 1º do art. 292 do CPC, soaria inviável a cumulação. A propósito, salienta ANTONIO CÉSAR BOCHENEK que, “nos processos em que ocorre litisconsórcio ativo facultativo ou litisconsórcio passivo facultativo”, institutos previstos no art. 10 da Lei nº 9.099/95, obtém-se o valor da causa do mesmo modo que nos casos de cumulação de pedidos”, sendo “cada litisconsorte (...) tratado perante a parte contrária como parte distinta, de modo autônomo e individual, formando tantas relações processuais quantas forem as partes”,

15 compreensão adotada pela 1ª Turma do STJ16 e assentada na Questão de Ordem VI, emitida pela Turma Recursal do Rio Grande do Sul.17

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não-cumulados são de competência absoluta do juizado especial. (...) São admissíveis os litisconsórcios ativo facultativo ou passivo facultativo que importem em modificação da competência do Juizado para a Vara comum? Parece-me que não são admitidos pelo mesmo princípio: não podemos mais cumular causas quando importarem mudança de competência absoluta, conforme o Código de Processo Civil. Esse problema assemelha-se à questão da cumulação de pedidos. Não podemos realizar o litisconsórcio ativo para inchar o valor da causa e mudar a competência absoluta, pois, caso contrário, estaremos cumulando causas. A solução para esse caso seria considerar, para efeito de competência, o valor da causa segundo o pedido de cada autor, réu ou pedido cumulado, o que nos impõe a regra de sobredireito. Há que se interpretar novamente o Código de Processo Civil para tirar-lhe as virtualidades e dar efetividade ao litisconsórcio. Segundo um artigo do CPC, em regra, cada litisconsorte será tratado perante a outra parte, como parte autô-noma e individual, o que devemos considerar para solucionar o problema. Proponho, em última análise, que se considere, implícita ou explicitamente, que cada pedido, autor ou réu cumulado seja tratado como causa ou demanda autônoma (...)” (ZAVASCKI, Teori, Juizados Especiais Federais Cíveis – Competência, p. 158-160.15 BOCHENEK, Antonio César, Competência Cível..., p. 249. Idem, MATTOS E SILVA, Bruno. Bruno. Juizados Especiais Federais, Curitiba: Juruá, 2003, p. 126.16 REsp. nº 794.806/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU 10.04.2006.17 “A Turma, à unanimidade, entendeu que a presença de litisconsortes ativos facultativos faz com que o valor de alçada seja apurado em relação a cada litisconsorte”. Idêntico é o teor do Enunciado nº 18 do FONAJEF: “No caso de litisconsorte ativo, o valor da causa para fins de competência deve ser calculado por autor”. Interessante notar, contudo, que, na citada Lei nº 12.153/2009 (Lei dos Juizados da Fazenda Púbica) houve o veto presidencial ao parágrafo 3º do art. 2º, o qual previa que, nas hipóteses de litisconsórcio, o limite de 60 salários mínimos ao valor da causa, conforme o caput e o parágrafo 2º, seria obtido por autor. Transcrevem-se as razões do veto: “Ao estabelecer que o valor da

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É possível, contudo, que, embora não-complexa nos termos do art. 3º da Lei dos JEF (ou seja, não ostentando valor superior a 60 salários mínimos), a causa demande a aplicação de instituto ou a utilização de técnica que não encontre previsão expressa no microssistema das Leis nº 10.259/2001 e nº 9.099/95, ou mesmo que não se coadune com o rito sumário da legislação própria (como a citação por edital, por exemplo). Nesse caso, duas opções se abrem, a depender da situação: a vedação ao seu emprego no juízo especial ou a sua admissão, neste caso importadas as normas pertinentes do siste-ma processual de origem (CPC e legislação correlata), as quais receberão o devido temperamento imposto pelo arcabouço principiológico vigente no microssistema. Advirta-se, porém, que não se outorga ao magistrado a livre eleição de uma das possibilidades nominadas, porquanto os institutos e técnicas que não compõem o devido processo dos Juizados (art. 5º, LIV, da CR)18 – cujo caráter sumário, vale repetir, tem esteio no texto da Lei Maior – são, a princípio, proibidos nessa sede; a exceção corre por conta da eventual necessidade de flexibilização da sumariedade em homenagem a algum outro cânone constitucional que, em concreto, possa estar em risco de violação, sobretudo a ampla defesa ou o contraditório (art. 5º, LV, da CR). De qualquer maneira, afigura-se inviável o deslocamento da competência para a Vara Federal comum após a extinção do feito no JEF por inaplicável à hipótese o art. 51, II, da Lei nº 9.099/95, dada a natureza absoluta ditada pelo parágrafo 3º do art. 3º da Lei nº 10.259/2001.19

causa será considerado individualmente, por autor, o dispositivo insere nas competências dos Juizados Especiais ações de maior complexidade e, consequentemente, incompatíveis com os princípios da oralidade e da simplicidade, entre outros previstos na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.”18 Lembre-se, juntamente com FIGUEIRA JÚNIOR, que “a competência nos Juizados Federais é, de regra, absoluta, no foro onde estiver instalada a respectiva Vara Especia-lizada (art. 3º, par.3º, da Lei nº 10.259/2001) e, por conseguinte, obrigatório o proce-dimento sumaríssimo, tendo-se em conta que o rito envolve questão de ordem pública, não podendo ficar ao talante das partes, em circunstâncias como estas, em que a opção não lhe é facultada pelo sistema” (Juizados Especiais Federais..., p. 389).19 Compreensão semelhante, em matéria de Juizado Especial Estadual, é defendida por JORGE ALBERTO QUADROS DE CARVALHO SILVA: “A Lei n. 9.099/95 poderia ter ido mais longe, estabelecendo que em casos de maior complexidade seria facultado ao ma-gistrado a remessa dos autos à varas cíveis locais. (...) Muitos acórdãos têm entendido que se a causa for complexa, ainda que se enquadre nas hipóteses do art. 3º da Lei n. 9.099/95, o juiz deverá extinguir o processo, sem o julgamento do mérito, por inadmissibilidade do

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O mesmo se diga em relação às ações para as quais exista proce-dimento específico, não havendo óbices para o seu trâmite no Juizado Especial Federal,20 embora a 2ª Seção do STJ e a 3ª Turma do TRF da 4ª

QUESTÕES CONTROVERTIDAS ACERCA DA COMPETÊNCIA CÍVEL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

procedimento (art. 51, II, da referida Lei), ou remeter o processo para a Justiça Comum (com fundamento no princípio da economia processual). Tal posicionamento, porém, contraria a Lei, pois o caput do art. 3º da Lei n. 9.099/95 é claro ao dizer que o Juizado tem competência para as causas de menor complexidade, ‘assim consideradas’. Significa isso que o critério é legal, ou seja, só a Lei pode dizer o que é e o que não é considerado causa de menor complexidade. Tal poder, evidentemente, não foi conferido ao Juiz de Direito, até porque o que pode parecer complexo para um magistrado, poderia não ser para outro. A subjetividade, em nenhuma hipótese, pode prevalecer sobre os critérios objetivos de competência estabelecidos pela Lei. Sendo assim, se o autor de uma causa complexa opta pelo Juizado e tem dificuldade de provar suas alegações, mesmo valendo-se da in-quirição de técnicos da confiança do juiz (art. 35), na falta da prova, o pedido deverá ser julgado improcedente, em vez do processo ser extinto, sem o julgamento do mérito, ou no lugar dele ser remetido para a Justiça Comum. O autor, naturalmente, deve arcar com as consequências de sua opção, mesmo porque ou se encontra assistido por advogado ou se acha orientado pela secretaria do Juizado, a quem quase sempre cabe ouvir, orientar e formalizar a reclamação” (CARVALHO SILVA, Jorge Alberto Quadros de. Lei dos Juizados Especiais Cíveis Anotada. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 11). Contra, entendendo que a complexidade da causa in concreto pode levar à incompetência do Juizado Especial Federal Cível, ANTÔNIO CÉSAR BOCHENEK: “Incumbe às partes e ao juiz velar pela regularidade procedimental segundo as normas e princípios consagrados pelo legislador. Assim as ações que apresentam questões jurídicas de alta complexidade ou necessitam da produção de provas mais detalhadas (cartas precatórias ou rogatórias, citação por edital, elevado número de testemunhas) não são de menor complexidade e estão excluídas da competência do Juizado, pois esta é a interpretação que se coaduna com a determinação constitucional e os objetivos e os princípios norteadores dos Juizados Especiais” (Compe-tência Cível.... p. 183). Idem, GUILHERME BOLLORINI PEREIRA: “Não se deve olvidar que o caput do art. 98 da Constituição da República, além de mencionar causas menos complexas, refere-se, outrossim, ao procedimento, que deve ser sempre sumaríssimo. Se assim é, não pode o parágrafo único daquele artigo fugir a esse figurino somente porque a causa tem valor até sessenta salários mínimos. Deve o juiz do juizado federal verificar se a causa apresenta necessidade de produção de prova que comprometa a celeridade do feito e, se concluir nesse sentido, deve extinguir o feito, indicando na sentença o caminho a seguir” (Juizados Especiais Federais Cíveis. P. 123/124).20 ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - CONFLITO NEGA-TIVO DE COMPETÊNCIA. Não estando a ação de prestação de contas entre as exceções previstas no artigo 3º, §1º da Lei 10.259/2001 e tendo a causa valor inferior a sessenta salários mínimos, a competência para seu processamento e julgamento é do Juizado Es-pecial Federal Cível. (TRF4, CC 2009.04.00.036601-0, Segunda Seção, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 15/01/2010); CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUIZADO

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Região hajam sinalizado pela necessidade de exame de compatibilidade entre o rito próprio e as nuanças da legislação regente dos JEF, sem o que caberia a extinção fulcrada no art. 51, II, da Lei nº 9.099/95.21

Mencione-se, por fim, a questão da renúncia. A Turma Nacional de Uniformização pacificou o entendimento

de que “não há renúncia tácita no Juizado Especial Federal, para fins de competência” (Súmula nº 17),22 deixando evidente que o parágrafo. 3º do art. 3º da Lei nº 9.099/95, cuja redação prevê que a opção pelo procedimento sumaríssimo do juizado especial importa em renúncia

ESPECIAL FEDERAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA. - Os juizados espe-ciais federais são competentes para o processamento e julgamento de ação de consignação em pagamento cujo valor não ultrapasse os 60 salários mínimos, tendo em conta que, embora se trate de procedimento especial, a mesma não se encontra abarcada pelas hipóteses de exclusão previstas no artigo 3 da Lei nº 10.259/01. (TRF4, CC 2005.04.01.048733-3, Se-gunda Seção, Relator Amaury Chaves de Athayde, DJ 22/03/2006). Contra: BOCHENEK, Antônio César, que assevera: “Todas as ações que seguem procedimentos especiais estão excluídas da competência do Juizado Especial Federal, dada a especialidade do micros-sistema. O objetivo não é sobrecarregar o Juizado com várias espécies de procedimento incompatíveis com a celeridade, simplicidade, autocomposição e informalidade, preser-vando as particularidades inerentes ao novo microssistema, aproveitando as vantagens da especialização. Neste sentido, não são admitidas as ações sujeitas a procedimentos espe-ciais, tanto as explícitas na Lei 10.259/2001 (ações populares, de divisão e demarcação, de desapropriação, execuções fiscais e de mandado de segurança), como as implícitas (ações civis públicas, de habeas data, restauração de autos, embargos de terceiro, monitórias e de execuções em geral)” (Competência Cível..., p. 256).21 CC nº 52.389/PA, 3ª Seção, Rel. Min. Félix Fischer, DJU 05.12.2005. V. também o Enunciado 9º do Fórum nacional dos Juizados Especiais Federais – FONAJEF: “Além das exceções constantes do § 1º do artigo 3º da Lei N. 10.259/2001, não se incluem na com-petência dos Juizados Especiais Federais os procedimentos especiais previstos no Código de Processo Civil, salvo quando possível a adequação ao rito da Lei nº 10.259/2001”. V., ainda, TRF4: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRU-MENTO. MEDIDA CAUTELAR DE PROTESTO. INCOMPATIBILIDADE COM O RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO COMUM. In-compatibilidade material da medida pleiteada, obtenção física da documentação relativa ao protesto, com o rito adotado pelos Juizados Especiais, caracterizado pela informação eletrônica. Precedente desta Corte. Competência da 5ª Vara Federal de Curitiba/PR. (TRF4, AG 2009.04.00.007795-4, Terceira Turma, Relator Roger Raupp Rios, D.E. 19/08/2009).22 Na mesma direção é o Enunciado nº 16 do FONAJEF: “Não há renúncia tácita nos Juizados Especiais Federais para fins de fixação de competência”.

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ao crédito excedente ao limite estabelecido como alçada, excetuada a hipótese de conciliação, não é totalmente compatível com o rito da área federal. Com efeito, a regra de que a simples propositura da demanda perante o juizado implique renúncia se adapta mais propriamente à competência concorrente reconhecida aos juizados estaduais, em que, ainda quando a magnitude econômica da pretensão se situa abaixo do patamar legalmente estabelecido, há a possibilidade de ajuizamento pe-rante as varas não-especializadas (“justiça comum”). No caso dos JEF, a Lei nº 10.259/2001 tratou do tema apenas na fase de cumprimento da sentença (art. 17, par. 4º),23 o que não a afasta para a determinação de sua competência,24 exigindo-se, porém, que seja expressa, sem o que decorrerá a incompetência absoluta para o processo e julgamento do feito e, aqui também, a extinção do processo nos termos do art. 51, II, da Lei nº 9.099/95 ou a declinação da competência para a Vara Federal comum.

2 CRItéRIO PESSOAL DE EStABELECIMEntO DA COM-PEtênCIA: AS PARtES hABILItADAS A LItIGAREM NO JEF CÍVEL.

Medida consentânea com o propósito de aprimoramento do acesso à Justiça, discrimina a Lei nº 10.259/2001 os ocupantes dos polos da relação jurídica processual, colocando o administrado na posição de autor e a Administração Pública, na de ré. Por conseguinte, à verificação da competência do Juizado Especial Federal não basta o exame do art. 3º do diploma, pois a qualificação das partes também interfere para essa definição, pontificou a 2ª Seção do STJ.25 Atente-se ao teor do art. 6º:

QUESTÕES CONTROVERTIDAS ACERCA DA COMPETÊNCIA CÍVEL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

23 Tal argumento foi ventilado pela 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária do RS, no julgamento do Recurso JEF nº 2005.71.95.005118-6, Rel. Juiz Federal Ricardo Nüske, j. 20.06.2006.24 O ato, porém, não poderá incidir sobre as prestações vincendas, segundo o Enunciado nº 17 do FONAJEF (“Não cabe renúncia sobre parcelas vincendas para fins de fixação de competência nos Juizados Especiais Federais”) e nº 47 das Turmas Recursais da SJRJ (“A renúncia, para fins de fixação de competência dos Juizados Especiais Federais, só é cabível sobre parcelas vencidas até a data do ajuizamento da ação, tendo por base o valor do salário mínimo então em vigor”).25 CONFLITO NEGATIVO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDE-RAL. AÇÃO PROPOSTA POR EMPRESA PÚBLICA FEDERAL - CEF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL. ART. 6º, I, DA LEI 10.259/2001. I - A competência

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Art. 6º Podem ser partes no Juizado Especial Federal Cível: I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e em-

presas de pequeno porte, assim definidas na Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996;

II – como rés, a União, autarquias, fundações e empresas pú-blicas federais.

Já a uma primeira leitura se apreende refletir a previsão legal da presença do Poder Público – aí incluídas a União, as autarquias federais e as fundações públicas, além das empresas públicas federais – a orien-tação constitucional acerca da competência cível da Justiça Federal, essencialmente ratione personae, segundo o art. 109, I, da Carta Magna. Nota-se, ainda, a colocação, em pé de igualdade, de todos os entes que compõem a Administração Pública Federal, os quais, no rito especial, ostentam, em geral, os mesmos direitos, deveres e ônus. Sobre a temática da isonomia, clara está a mitigação do princípio, máxime pela negação aos entes públicos das vantagens do procedimento sumaríssimo na con-dição demandantes, postura nada censurável, eis que justificada pelos objetivos que conduziram à sua instituição.26

Os integrantes do ativo, por sua vez, podem ser as pessoas físicas, as microempresas (ME) e as empresas de pequeno porte (EPP). Acerca das primeiras,27 insta referir que não se estendem aos JEF as restrições

absoluta do Juizado Especial Federal Cível para processar, conciliar e julgar as causas de valor até 60 (sessenta) salários mínimos (art. 3º, caput e § 3º, da Lei nº 10.259/2001) deve ser conjugada com a legitimidade ativa prevista no art. 6º, inciso I, da mesma Lei. Precedentes. II - Assim, independentemente do valor atribuído à causa, a ação ajuizada por pessoa jurídica que não seja microempresa ou empresa de pequeno porte deve ser processada e julgada pelo Juízo comum federal. III - Na espécie, a ação, com valor inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, foi ajuizada por empresa pública federal (Caixa Econômica Federal) que não se enquadra no conceito de microempresa ou empresa de pequeno porte, visando a cobrança de dívida oriunda de cartão de crédito. IV - Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Estado de São Paulo. (CC 106.042/SP, Rel. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2009, DJe 15/09/2009)26 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Federais..., p. 180.27 “Em relação à parte autora, a lei, genericamente, menciona pessoa física, termo co-mumente usado pela legislação tributária do imposto de renda e que deve ser entendido como pessoa natural, que significa, na lição de Maria Helena Diniz, ‘o ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigações’.” (PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis..., p. 63).

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contidas no caput do art. 8º da Lei nº 9.099/95, conforme pacificou a 3ª Seção do TRF da 4ª Região,28 nomeadamente a impossibilidade de participação do incapaz e do preso nos feitos de competência dos juiza-dos federais, aquele devidamente representado ou assistido, nos termos da lei civil,29 e este representado por terceira pessoa, advogado ou não, como autoriza o art. 10 da Lei nº 10.259/200130. A exclusão dos cessio-nários de direito de pessoas jurídicas, prevista na parte final do par. 1º do aludido art. 8º, merece o temperamento decorrente da admissão das microempresas e das empresas de pequeno porte como autoras, já que o objetivo da vedação foi impedir a burla da regra presente no início do texto, que impede as pessoas jurídicas de proporem demandas perante os juizados estaduais.31

Por falar nas categorias de pessoas jurídicas admissíveis a litigar no juízo especial, é polêmica a remissão do art. 6º, I, da Lei nº 10.259/2001 à Lei nº 9.317/96. É que este instrumento normativo, que disciplina o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Mi-

QUESTÕES CONTROVERTIDAS ACERCA DA COMPETÊNCIA CÍVEL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

28 CC nº 2005.04.01.023601-4/RS, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Vladimir Freitas, DJU 16.05.2005; CC nº 2005.04.01.023550-2/RS, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto da Silveira, DJU 08.08.2005; CC nº 2005.04.01.015203-7/RS, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DJU 19.10.2005.29 AMARAL E SILVA, Antônio Fernando Schenkel; SCHÄFER, Jairo Gilberto, Juizados Especiais Federais – Aspectos Cíveis e Criminais. Blumenau: Acadêmica, 2002, p. 36; PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis..., p. 63; BOCHENEK, Antônio César. Competência Cível..., p. 213; TEIXEIRA, Patrícia Trunfo. Aspectos Cíveis e a Aplicação Subsidiária da Lei nº 9.099/95 nos Juizados Especiais da Justiça Federal. Juizados Especiais Federais, Jefferson Carus Guedes (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 453/464. V. também o Enunciado 10 do 2º FOnAJEF: “O incapaz pode ser parte autora nos Juizados Especiais Federais, dando-se-lhe curador especial, se ele não tiver representante constituído”. Idem, os Enunciados nº 27 das Turmas Re-cursais do Juizados Especial Federal de São Paulo/SP e nº 4 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, exigindo esta, ainda, a assistência por advogado e a intervenção do Ministério Público.30 AMARAL E SILVA, Antônio Fernando Schenkel. Juizados Especiais Federais..., p. 36; BOCHENEK, Antônio César. Competência Cível..., p. 216; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Federais..., p. 180. Contra: CARREIRA ALVIM, J. E., Juizados Especiais Federais, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 74/75.31 PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis..., p. 68/69; BOCHENEK, Antônio César. Competência Cível..., p. 218/219; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Federais..., p. 183.

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croempresas e das Empresas de pequeno Porte – SIMPLES, considera-va, na origem, microempresa “a pessoa jurídica que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), enquanto a empresa de pequeno porte era “a pessoa jurídica que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta superior a R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) e igual ou inferior a R$ 720.000,00 (setecentos e vinte mil reais)” – art. 2º. Outra era, entretanto, a realidade ditada pela Lei nº 9.841/97 – que instituiu o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte – , onde a receita bruta anual na cifra de R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) divisava o enquadramento entre as duas categorias, limitada, para a EPP, a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), orientando-se a doutrina pela sua aplicação.32 Ocorre que, desde a edição da Lei nº 9.732/98, que modificou a redação do art. 2º, II, da Lei nº 9.317/96, o limite máximo da receita bruta anual para fins de enquadramento como EPP, no SIMPLES, fora majorado para R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), persistindo a situação em 2001, quando do advento da Leis dos JEF. Logo, na prática, independentemente da qualificação como microem-presa ou empresa de pequeno porte, à pessoa jurídica com receita bruta igual ou inferior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) sempre foi franqueado o acesso ao foro especial, lembrando-se que tal painel sofreu alteração com a edição da Lei nº 11.196/2005 (seguida da Lei Complementar nº 123/2006), alterado o patamar a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais)33.

32 BOLLMAN, Vilian. Juizados Especiais Federais..., p. 47; PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis..., p. 67/68; BOCHENEK, Antônio César. Competência Cível..., p. 218. V. também as considerações de MATTOS E SILVA, Bruno. Juizados Especiais Federais..., p. 147/148.33 É a última redação do art. 2º da Lei nº 9.317/96: “Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: I - microempresa a pessoa jurídica que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais); (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005); II - empresa de pequeno porte a pessoa jurídica que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais). (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005).” O diploma foi revogado pela Lei Complementar nº 123/2006, que, no art. 3º, dispõe: “Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a so-

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Na trilha do disposto no art. 10 da Lei nº 9.099/95, embora não se admita a intervenção de terceiros e a assistência simples,34 é possível a formação de litisconsórcio sem que a causa seja excluída da competência dos juizados federais, mesmo quando inclua pessoa não elencada no art. 6º da lei específica.35 Na lição de TEORI ZAVASCKI,36

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ciedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I - no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais); II - no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais)”.34 Pela admissão da assistência litisconsorcial, CRAVO, Carlos Eduardo Malta; MÁRMO-RA, Regina Lúcia Guazzeli Freire. Intervenção de Terceiros nos Juizados Especiais Fede-rais. Juizados Especiais Federais, Jefferson Carus Guedes (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 79/95; PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais..., p. 87. O regime aplicável, contudo, deve ser o do litisconsórcio, conforme será visto em seguida.35 Contra: LIMA, Polyana R. de Almeida. A Aplicação subsidiária da Lei nº 9.099/95 aos Jui-zados Especiais Cíveis Federais (Lei nº 10.259/2001). Juizados Especiais Federais, Jefferson Carus Guedes (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 465/476; BOCHENEK, Antônio César. Competência Cível..., p. 228/229, apontando que “pessoas distintas e com objetivos e finalidades diversos dos previstos para as pessoas elencadas no art. 6º da Lei nº 10.259/2001 não podem estar presentes na relação processual dos Juizados Especiais Federais”.36 ZAVASCKI, Teori A.. Juizados Especiais Federais..., p. 156. Sobre a competência da Justiça Federal, traz-se, como exemplo, pela clareza, julgado do TRF da 2ª Região: “PROCESSUAL CIVIL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 109, I, DA CF/88 – ARTIGO 292, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II, DO CPC. -A presença no pólo ativo ou passivo da relação processual de um dos entes elen-cados no artigo 109, inciso I, da Constituição Federal de 1988, quer de forma exclusiva ou em conjunto com outras pessoas, ou seja, no caso de litisconsórcio ativo ou passivo, facultativo ou necessário, simples ou unitário, firma a competência da Justiça Federal para conhecer a matéria. -A regra do artigo 292, parágrafo único, inciso II, do CPC, não tem aplicação à hipótese em questão. A uma, por não se tratar de cumulação de várias pedidos contra o mesmo réu, única circunstância prevista no caput do artigo 292. E a duas, porque o Juízo Federal, por força da presença do INSS na lide, é competente para apreciar ambos os pedidos, tanto em relação à Autarquia Federal, quanto em relação à entidade de direito privado, pois a competência da Justiça Federal atrai a Justiça Estadual. -Apelação provida. Sentença anulada” (AC nº 96.0232146-6/RJ, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Francisco Pizzolante, DJU 21.05.2004).

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Devemos dar uma interpretação ampla nesses casos e atrair a competência pelo princípio da especialidade, o que fazemos quando interpretamos a Constituição Federal, a qual diz serem da competên-cia federal as causas em que sejam autoras ou rés União, empresas públicas federais e autarquias federais. Não damos a essa regra uma interpretação restrita. Dizemos que podem ser réus também na Justiça Federal outras entidades não-federais que são atraídas pelo princípio da especialidade, assim como, no caso do autor, naquelas hipóteses em que haja litisconsórcio ativo necessário.

Nesses termos, admitem a 2ª e a 3 Seção do TRF da 4ª Região que integrem o pólo passivo tanto pessoas físicas (como nas ações previ-denciárias referentes ao benefício de pensão por morte, envolvendo mais de um beneficiário,37 ou mesmo nas declaratórias de nulidade de cláusulas contratuais38), quanto pessoas jurídicas de direito privado (a exemplo das demandas objetivando a revisão de contrato de prestação do serviço telefônico fixo comutado – STFC – movidas contra a agên-cia reguladora – ANATEL – e a empresa concessionária de serviço de telecomunicações – BRASIL TELECOM S/A,39 além daquela visando à anulação de contrato de consórcio vinculado a seguro de vida contra a Caixa Econômica Federal e a Caixa Consórcios S/A)40 ou público (como nas ações almejando o fornecimento de medicamentos).41

37 CC 2006.04.00.035403-1, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 24/01/2007; CC nº 2006.04.00009033-7/PR, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto da Sil-veira, DJU 26.07.2006; CC nº 2006.04.00.002747-0/PR, 3ª Seção, Rel. Juíza Federal Eloy Bernst Justo, DJU 22.03.2006. 38 CC nº 2006.04.011684-3/RS, 2ª Seção, Des. Federal Valdemar Capeletti, DJU 02.08.2006.39 CC nº 2005.04.01.039816-6/RS, 2ª Seção, Rel. Des. Federal Sílvia Goraieb, D.E. 25/04/2007.40 CC nº 2005.04.01.036644-0/SC, 2ª Seção, Rel. Des. Federal Sílvia Goraieb, DJU 09.11.2005. Há o caso, também, da ocupação do pólo passivo pelo BACEN e pelo SERASA: CC 2006.04.00.017028-0, 2ª Seção, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 01/11/2006.41 FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. POLO PASSIVO DA AÇÃO. LITISCONSÓRCIO. VALOR DA CAUSA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. Tratando o pedido de fornecimento de medicamento disponibilizado pelo SUS, a adequação desse sistema, ao fornecimento de medicamentos para as situações de exceção, deve ser coordenada entre as três esferas políticas: União, Estado e Muni-

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Trata-se, no ponto em debate, de litisconsórcio necessário, o qual, na modalidade passiva, não enfrenta realmente forte resistência.42 Sendo “impossível o tratamento da situação litigiosa sem a presença de todos os interessados no processo” por força de lei ou da natureza da relação jurídica, diz OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA,43 solução contrária acarretaria a inviabilidade de processamento da causa no juizado espe-cial44 e, consequentemente, a privação das vantagens deste foro a quem a ele faz jus, sem que se vislumbre prejuízos em matéria de efetividade, simplicidade e celeridade pela ampliação da esfera de participantes, dadas

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cípio, não sendo permitido, dado o texto constitucional, imputar-se a responsabilidade a apenas um dos operadores. Para julgamento de feitos em que se postula fornecimento de medicamento, a competência do Juizado Especial Federal é absoluta e o seu critério definidor é o valor da causa, nos termos da Lei nº 10.259/2001. (TRF4, AG 0004253-33.2010.404.0000, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, D.E. 17/05/2010). Idem, AG 2009.04.00.027618-5, 4ª Turma, Rel. Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia, D.E. 26/10/2009. Do voto condutor se obtém a seguinte argumentação: (...) “da forma como está previsto o Sistema Único de Saúde na Constituição Federal, indu-bitavelmente, está caracterizado o litisconsórcio passivo necessário entre os operadores do sistema de saúde.No entanto, o critério definidor da competência do juizado Especial Federal Cível é o valor da causa, nos termos do art. 3º, caput, da Lei nº 10.259/2001, sendo a sua competência absoluta (§ 3º do mesmo dispositivo), não havendo restrição quanto à complexidade da causa, salvo as exceções previstas no § 1º do aludido dispositivo legal. Além disso, não havendo vedação expressa na Lei nº 10.259/2001, a formação de litisconsórcio entre a União e outro ente federado não afasta a competência do Juizado Especial Cível. Esta também não é afastada pela complexidade da instrução, cujo rito admite a realização de exames técnicos, e cuja definição de competência não conhece a restrição estabelecida na Lei nº 9.099/95.”42 PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais..., p. 87.43 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Curso de Processo Civil. v. 1, 3. ed., São Paulo: RT, 2000, p. 257.44 “A sanção para a parte que não providencia a citação do litisconsorte necessário ou unitário, no prazo assinado pelo juiz, é a extinção do processo sem resolução do mérito. O fundamento para a extinção é a ausência de pressuposto processual (CPC 267 IV), já que a não integração do litisconsórcio necessário ou unitário enseja a falta da legi-timidade ad processum. Não se trata de ilegitimidade de parte (CPC 267 VI), porque o litisconsorte que se encontra sozinho no processo é parte legítima para nele figurar; apenas não pode obter o provimento jurisdicional de mérito, se desacompanhado de seu litisconsorte necessário ou unitário” (NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagente¸9. ed., rev., ampl. e atual., São Paulo: RT, 2006, p. 226/227).

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as características das demandas.45 Tal entendimento obviamente estende-se à situação de litisconsórcio ativo necessário, quando a “legitimação somente competiria a todos os titulares em seu conjunto”, nas palavras de MARINONI e ARENHART,46 respeitada a premissa de que “o direi-to brasileiro repugna ter de impor a alguém a demanda judicial”,47 nos termos em que desenredada por NELSON NERY JÚNIOR:48

Quando pelo direito material, a obrigatoriedade da formação do litisconsórcio deva ocorrer no pólo ativo da relação processual, mas um dos litisconsortes não quiser litigar em conjunto com o outro, esta atitude potestativa não pode inibir o autor de ingressar com a ação em juízo, pois ofenderia a garantia constitucional do direito de ação (CF 5º XXXV). O autor deve movê-la, sozinho, incluindo aquele que deveria ser seu litisconsorte ativo, no pólo passivo da demanda, como réu, pois existe lide entre eles, porquanto esse ci-tado está resistindo à pretensão do autor, embora por fundamento diverso da resistência do réu. Citado, aquele que deveria ter sido litisconsorte necessário ativo passa a integrar de maneira forçada a relação processual.

Duas observações acerca do litisconsórcio facultativo, entretanto, surgem como impositivas, rechaçando-se, prontamente, a equiparação da

45 No sentido do texto direcionam-se os Enunciados nº 21 do FONAJEF (“As pessoas físicas, jurídicas, de direito privado ou de direito público estadual ou municipal, podem figurar no pólo passivo, no caso de litisconsórcio necessário”) e nº 4 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro (“É possível o litisconsórcio passivo necessário dos entes enunciados no art. 6º, II, da L. 10.259/2001, com pessoa jurídica de direito privado e pessoa física”). 46 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Co-nhecimento. São Paulo: RT, 2006, p. 180. Sobre a questão, traz-se o depoimento de TEORI ZAVASCKI (Juizados Especiais Federais Cíveis..., p. 156): “Sempre ensino aos meus alunos que essa figura existe, porque está no Código, mas, na prática, nunca a enxerguei. Não sei nem como agir na hipótese de litisconsórcio ativo necessário em que não apareça um dos litisconsortes no processo, pois é difícil encontrá-la. Se alguém tiver alguma ideia, aceito sugestões. Se o litisconsorte existir e não tiver legitimação para atuar no juizado, parece-me que se poderia pensar no princípio da especialidade e trazê-lo ao Juizado. Mas, como disse, há muitas perguntas que não sei responder. A linha geral é essa”.47 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual..., p. 180.48 NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil..., p. 224.

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situação àquela até aqui abordada.49 Cuidando-se de litisconsórcio ativo facultativo, deve-se limitar a composição do polo respectivo da relação processual àqueles arrolados no art. 6º, I, da Lei, de modo a evitar a vio-lação das regras de competência50 e, portanto, do princípio do juiz natural, além da finalidade de instituição dos JEF, até porque, aqui, perfeitamente possível o ajuizamento de tantas ações quantos os potenciais litisconsor-tes. É mister ainda atentar para as situações em que haja prejuízo ao bom andamento do feito pelo excessivo número de demandantes, podendo o magistrado se valer da prerrogativa instituída no parágrafo único do art. 46 do CPC a fim de limitá-los a número razoável por processo,51 lembrando-se que o resultado não influirá no cálculo do valor da causa.

Especificamente na hipótese de litisconsórcio passivo facultativo, se por um lado, como aduzem MARINONI e ARENHART, “o litisconsórcio, nesse caso, forma-se em razão da oportunidade da parte, mas também fundado em critério de conveniência do Estado em resolver o conflito, em face de quem quer que seja, da maneira mais rápida e completa possível”,52 por outro “a cumulação de demandas em face de vários litisconsortes, em paridade com que ocorre com a cumulação de pedidos (art. 292, § 1º, II do CPC), deve ser feita de maneira que o juízo provocado possua competência para processar e julgar a todas”, não se tolerando “a cumulação subjetiva (de partes) ou a objetiva (de pedidos) quando esta não se enquadre perfeita-mente nos critérios determinativos da competência jurisdicional”, na linha de precedente da 6ª Turma do TRF da 2ª Região.53 Evita-se, com isso, que a especialidade da competência absoluta do juizado e as normas especiais

QUESTÕES CONTROVERTIDAS ACERCA DA COMPETÊNCIA CÍVEL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

49 Contra: TRF4, CC 2007.04.00.030106-7, Primeira Seção, Relatora Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E. 19/11/2007. Do voto da eminente Relatora se colhe: “(...) De outro lado, não é relevante a natureza do litisconsórcio. Sendo obrigatório, a reunião não pode ser dispensada. Se facultativo, os requisitos de formação do litisconsórcio, previstos no art. 46 do CPC, não incluem indagação referente à competência do julgador. Num e noutro caso, a questão é resolvida na seara processual, e a regra é o efeito atrativo da competência absoluta. Portanto, sendo absolutamente competente o Juizado Especial, nele deve ser processado o feito”.50 BOCHENEK, Antônio César, Competência Cível..., p. 224.51 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Federais..., p. 195. V. também o Enunciado nº 19 do FONAJEF: “Aplica-se o parágrafo único do art. 46 do CPC em sede de Juizados Especiais Federais.” Veja, ainda, TRF4, AG 2009.04.00.032187-7, Sexta Turma, Relator José Francisco Andreotti Spizzirri, D.E. 25/11/2009.52 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual..., p. 173.53 AG nº 9702444748/RJ, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Poul Erik Dyrlund, DJU 09.06.2004.

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do microssistema – destinadas ao administrado travestido, ocasionalmente, de jurisdicionado –, se convole em subterfúgio do procedimento ordinário do Código, dando margem à indevida submissão de demandas que, pela lei, deveriam tramitar nas Varas Federais comuns.

Em última análise, a partir do que foi exposto, há, também, margem ao reconhecimento da inaplicabilidade ao foro federal, pela falta de com-patibilidade, do disposto no art. 31, segunda parte, da Lei nº 9.099/95, que faculta ao réu a formulação de pedido contraposto na contestação, desde que “fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da contro-vérsia”,54 apesar dos judiciosos argumentos de FIGUEIRA JÚNIOR.55

54 No sentido do texto: AMARAL E SILVA, Antônio Fernando Schenkel. Juizados..., p. 36/37; BOLLMANN. Vilian, Juizados Especiais Federais..., p. 45; BOCHENEK, Antônio César. Competência..., p. 221. V. também o Enunciado nº 12 do FONAJEF: “No Juizado Especial Federal, não é cabível o pedido contraposto formulado pela União Federal, autarquia, fundação ou empresa pública federal”. Contra: CARREIRA ALVIM, Juizados..., p. 167; PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais..., p. 81/85; VAZ, Tânia Regina. A Resposta do Demandado e a Possibilidade de Pedido Contraposto nos Juizados Especiais Federais. Juizados Especiais Federais, Jefferson Carus Guedes (co-ord.), Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 553/565; VICTORINO, Rafael da Silva. Juizados Especiais Federais: Aspectos Constitucionais, Materiais e Processuais. Juizados Especiais Federais, Jefferson Carus Guedes (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 476/505.55 “Em primeiro lugar, há de se ressaltar que o pedido contraposto não se confunde com o instituto jurídico da reconvenção, e a exclusão da União, autarquias, fundações e em-presas públicas federais do pólo ativo da demanda, conforme já tivemos oportunidade de demonstrar em itens precedentes, decorreu, em síntese, de uma opção legislativa em prol do jurisdicionado particular. Aliás, todos os princípios norteadores do novo microssistema destinam-se a viabilizar à pessoa física a obtenção de tutela jurisdicional de forma mais célere, informal, simples e econômica. Desta feita, a não admissibilidade de articulação de pedido contraposto pela Fazenda Pública contra a pessoa natural nos próprios juizados federais significaria, em outras palavras, remetê-la para pleitear seus direitos em vias ordi-nárias, perante uma Vara Federal comum, onde então o agora autor (pessoa física) passará a figurar como réu. Por conseguinte, interpretação inversa, agravaria a situação do privado, no que concerne ao meio a ser utilizado para a resolução de suas controvérsias, passando a ter de enfrentar uma demanda perante a jurisdição comum, com os riscos da sucumbência plena, lentidão, pouca efetividade etc. Como se não bastasse, a propositura desta outra e malsinada ação inversa significaria nada menos do que a conexão ou continência com a precedente, com todos os seus consectários...Em outras palavras, a tese da impossibilidade de apresentação de contrapedido pela Fazenda Pública contra pessoa física, em sede de Juizado Especial Federal, milita manifestação contra o próprio autor, que haverá de res-ponder ainda como réu em outro feito e com todos os ônus processuais dele decorrente” (FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Federais..., p. 180/181.

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BIBLIOGRAFIAAMARAL E SILVA, Antônio Fernando Schenkel; SCHÄFER, Jairo Gilberto, Juizados Especiais Federais – Aspectos Cíveis e Criminais. Blumenau: Acadêmica, 2002.BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Curso de Processo Civil. v. 1, 3. ed., São Paulo: RT, 2000.BOCHENEK, Antônio César. Competência Cível da Justiça Federal e dos Juizados Especiais Federais. São Paulo: RT, 2004.BOLLMAN, Vilian, Juizados Especiais Federais – Comentários à le-gislação de regência¸ São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.CARREIRA ALVIM, J. E., Juizados Especiais Federais, Rio de Janeiro: Forense, 2002.CARVALHO SILVA, Jorge Alberto Quadros de. Lei dos Juizados Espe-ciais Cíveis Anotada. São Paulo: Saraiva, 1999.CRAVO, Carlos Eduardo Malta; MÁRMORA, Regina Lúcia Guazzeli Freire. Intervenção de Terceiros nos Juizados Especiais Federais. Juiza-dos Especiais Federais, Jefferson Carus Guedes (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2005FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais: Comentários à Lei nº 10.259. São Paulo: RT, 2002.LIMA, Polyana R. de Almeida. A Aplicação subsidiária da Lei nº 9.099/95 aos Juizados Especiais Cíveis Federais (Lei nº 10.259/2001). Juizados Especiais Federais, Jefferson Carus Guedes (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2005.NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagente¸9. ed., rev., ampl. e atual., São Paulo: RT, 2006.MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: RT, 2006.MATTOS E SILVA, Bruno. Juizados Especiais Federais, Curitiba: Juruá, 2003.

QUESTÕES CONTROVERTIDAS ACERCA DA COMPETÊNCIA CÍVEL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

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PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais – Questões de Processo e de Procedimento no contexto de Acesso à Justiça, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.TEIXEIRA, Patrícia Trunfo. Aspectos Cíveis e a Aplicação Subsidiária da Lei nº 9.099/95 nos Juizados Especiais da Justiça Federal. Juizados Especiais Federais, Jefferson Carus Guedes (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2005.VAZ, Tânia Regina. A Resposta do Demandado e a Possibilidade de Pedido Contraposto nos Juizados Especiais Federais. Juizados Especiais Federais, Jefferson Carus Guedes (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2005.VICTORINO, Rafael da Silva. Juizados Especiais Federais: Aspectos Constitucionais, Materiais e Processuais. Juizados Especiais Federais, Jefferson Carus Guedes (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2005.ZAVASCKI, Teori Albino. Juizados Especiais Federais Cíveis – Compe-tência. Anais do Seminário Juizados Especiais Federais – Inovações e Aspectos Polêmicos. Brasília: Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, 2002.

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A InDEPEnDênCIA DO PODER JUDICIÁRIO E O CUMPRIMEntO DE MEtAS tEMPORAIS DE

JULGAMEntO

Gerson Godinho da CostaJuiz Federal

Mestre em Direito PUCRSProfessor de Direito Penal da ESMAFE/RS

RESUMO: O presente trabalho propõe investigar se o estabelecimento de metas temporais de julgamento, como ferramenta de administração da justiça, pode prejudicar a independência judicial. As decisões judiciais são topicamente construídas, dependendo de intensa reflexão acerca do objeto julgado. A questão tempo, embora relevante, não deve ser entronizada como objetivo último da atividade jurisdicional. Portanto, a criação de metas que estabeleçam prazos para julgamento dos processos não pode desconsiderar as particularidades do caso concreto, sob o risco de renúncia à independência judicial.

PALAVRAS CHAVE; Independência. Justiça. Duração Razoável. Pro-cesso. Metas.

SUMÁRIO: Introdução. 1 A Independência Judicial. 2 O Método de Elaboração das Decisões Judiciais. 3 A Razoável Duração do Processo. 4 As Metas Temporais de Julgamento. Conclusões.

INTRODUÇÃOAs metas temporais de julgamento apresentadas pelo Conselho

Nacional de Justiça – CNJ têm sido publicamente celebradas como ferramentas importantes no enfrentamento do que se identifica como o mais destacado fator de descrédito do Poder Judiciário: a morosidade.

Contudo, apesar do otimismo inicial, plenamente justificável sob determinados aspectos, há motivos para repensar a utilização das me-tas. Não por que eventualmente não tenham sido alcançados alguns dos objetivos traçados, mas por que sua observância pode apresentar desdo-bramentos não inicialmente previstos, em flagrante prejuízo a preceitos de envergadura constitucional.

O presente trabalho, por conseguinte, tem por propósito debruçar-se sobre possível caracterização desse fenômeno, mais especificamente

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investigar se o estabelecimento de metas temporais para o julgamento de processos pode interferir, de alguma maneira, na independência judicial.

Para tanto, inicialmente será exposta uma breve digressão sobre a independência judicial, mais detidamente nos contornos constitucionais do sistema jurídico brasileiro. A seguir, será examinado como se desen-volvem as decisões judiciais, partindo da oposição havida entre as noções de mediação silogística e concreção tópica. A questão da razoável duração do processo ocupará o capítulo seguinte, oportunidade em que serão discu-tidos seus delineamentos jurídicos. As orientações extraídas dos preceitos constitucionais da independência judicial e da razoável duração do pro-cesso, francamente atuantes no conjunto dos elementos que determinam a composição da decisão judicial, serão submetidas as metas temporais de julgamento, a fim de verificar se com elas estão compatibilizadas.

1 A INDEPENDêNCIA JUDICIALA independência judicial constitui pressuposto de realização do

estado democrático de direito1. Não se concebe a democracia, na atual conjuntura política euro-americana2, sem que, ao Poder Judiciário, seja garantida sua independência sob os aspectos administrativo e funcional3. Desde o momento em que o estado avocou para si a tarefa de compor os conflitos sociais, estabeleceu que o mister deveria ser exercido de forma independente, livre de constrangimentos, explícitos ou velados, e

1 Conforme assevera Faccini: “um judiciário independente é um dos melhores indicadores da presença de uma democracia em determinado país” (FACCHINI NETO, Eugênio. O Poder Judiciário e sua Independência: uma abordagem de Direito Comparado. Direitos Fundamentais & Justiça. Porto Alegre, a. 3, n. 8, jul.-set./2009, p. 123).2 A utilização do termo não pressupõe qualquer juízo, apreciativo ou depreciativo, acer-ca do que se compreende como euro-americano, seja com relação aos modelos que se incluem nesse arquétipo, seja relacionado àqueles que lhe são alheios. Apenas mantém como paradigma a familiaridade de sistemas constitucionais que partilham parâmetros axiológicos aproximados.3 José Afonso da Silva classifica como garantias constitucionais de independência: “(1) garantias institucionais, as que protegem o Poder Judiciário como um todo, e que se desdobram em garantias de autonomia orgânico-administrativa e financeira; (2) garantias funcionais ou de órgãos, que asseguram a independência e a imparcialidade dos membros do Poder Judiciário, previstas, aliás, tanto em razão do próprio titular mas em favor ainda da própria instituição” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 588).

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de intervenções de conteúdo político, econômico, religioso ou moral. A consolidação da independência judicial exige, pois, a adoção de garantias constitucionais que preservem a atuação emancipada dos magistrados no exercício da judicatura, senão os resguardando completamente de ingerências inconvenientes, pelo menos minimizando seus efeitos.

Diretamente voltadas à atuação profissional do juiz, as medidas de resguardo em verdade têm por objetivo assegurar a independência do Poder Judiciário. São concebidas não como privilégios à pessoa investida no car-go, mas como instrumentos de proteção do seu exercício independente. No Brasil, a Constituição Federal trata de explicitar três garantias (art. 95): (a) a vitaliciedade, (b) a inamovibilidade e (c) a irredutibilidade de vencimentos.

A eventualidade de uma decisão desagradar determinados segmentos sociais pode fazer com que os insatisfeitos, embora inatacável a decisão sob o aspecto jurídico, possam investir contra o juiz que a proferiu. A possibilidade de afastamento do cargo poderia conduzir o juiz a adotar soluções condizentes não com as exigências do sistema jurídico, mas em atenção aos interesses daqueles setores influentes. Daí a justificativa do instituto da vitaliciedade. Desde que vindimado objetivamente do sistema, o encaminhamento judicial determinado, em desfavor deste ou daquele segmento, o juiz tem a garantia de permanência no cargo.

A inamovibilidade complementa a garantia anterior. Além de ine-xequível o alijamento do cargo, é facultado ao juiz permanecer atuando perante a comunidade onde suas decisões são proferidas. A probabilidade de que os segmentos sociais insatisfeitos, conquanto impossibilitados de afastar o juiz do cargo, reivindicassem sua remoção para outro local, resta inviabilizada. Não houvesse a garantia em questão, o risco de se-leção indireta de juízes seria factível, posto que às comunidades seria autorizada a pretensão de afastar os julgadores cujas decisões fossem incompatíveis com os interesses comunitários.

Por fim, a irredutibilidade de vencimentos tem por escopo assegurar a atuação desenvolta do magistrado, assegurando-lhe certa previsibilidade e comodidade financeira. Não seria difícil submeter o juiz às pressões acaso, uma vez não harmonizadas suas decisões aos interesses prevale-centes, pudessem esses determinar a redução de seus subsídios4.

4 Garantia essa que, outrossim, é assegurada aos servidores públicos em geral (art. 37, inciso XV, da Constituição Federal – CF) e, excetuada a possibilidade de convenção ou acordo coletivo, aos trabalhadores da iniciativa privada (art. 7.º, inciso VI, da CF).

A INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO E O CUMPRIMENTO DE METAS TEMPORAIS DE JULGAMENTO

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As garantias antes descritas, no entanto, não são absolutas. Admitem exceções, as quais evidenciam que são antes erigidas como condição da independência judicial do que como privilégios da pessoa do magistra-do. Assim, o juiz pode ser afastado do cargo por determinação judicial transitada em julgado em situações plenamente justificadas quando, v.g., comprovada atuação criminosa (art. 95, inciso I, in fine, da CF). Também o juiz pode ser removido para exercer sua jurisdição em outros limites, mormente quando seus desacertos com a comunidade local depreciam a própria imparcialidade (art. 93, inciso VIII, da CF). Já a redução de vencimentos, em tese, é incontornável. Mas, na prática, não é o que su-cede. A situação econômica brasileira, historicamente acompanhada de fenômenos inflacionários que acarretam o desgaste do valor aquisitivo da moeda, termina por desvalorizar nominalmente os vencimentos, no mais das vezes não recompostos em sua integralidade5.

Impende considerar, outrossim, que a independência judicial con-sequentemente assegura a imparcialidade do magistrado6. Ocorre que este conceito é constitucionalmente vigorado. Porém, ao invés de se manifestar por prerrogativas, a imparcialidade é cultivada pela imposição de restrições. A respeito o parágrafo único do art. 95 da CF estabelece

5 Registre-se, a propósito, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF as-segura a irredutibilidade nominal, não havendo proteção específica contra as investidas inflacionárias (ADI 2.075 MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julg. 07/02/2001, D.J.U. 27/06/2003, p. 28). A garantia de recomposição anual prevista na CF (art. 37, inciso X, com redação determinada pela Emenda Constitucional – EC n. 19/98) tem obtido escassa aplicação, conforme evidenciam as políticas governamentais que têm se orientado pela reestruturação das carreiras públicas. De outro lado, a discus-são sobre a propriedade dos índices ou mesmo a oportunidade política de reajuste tem prejudicado a recomposição, o que, de resto, configura omissão que aflige a totalidade dos servidores públicos.6 José Afonso da Silva distingue as garantias de independência das garantias de impar-cialidade. Aquelas são exatamente a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos, enquanto estas “aparecem, na CF, sob forma de vedações aos juízes, denotando restrições formais a eles. Mas, em verdade, cuida-se aí, ainda, de proteger a sua independência e, consequentemente, do próprio Poder Judiciário” (ob. cit., p. 591). Embora tecnicamente distintas as figuras em questão, fato é que o conceito de imparciali-dade pressupõe a independência do juiz. Sem embargo, dispensadas maiores digressões, tão-somente para efeitos de compreensão do presente ensaio, a imparcialidade sempre pressuporá a independência. Sua menção neste texto, portanto, envolve necessariamente a noção de independência judicial.

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vedações (a) de exercício de outro cargo ou função, ainda que em dis-ponibilidade, salvo uma de magistério, (b) de percebimento de custas ou participação em processo, a qualquer título ou pretexto, (c) de dedicação à atividade político-partidária, (d) de recebimento, a qualquer título ou pretexto, de auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei, e (e) de exercício, por tempo determinado, de advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou.

Em regra, quando do tratamento da independência e da imparcia-lidade, são destacados casos ou hipóteses de ingerências políticas, eco-nômicas, religiosas ou sociais externas à atuação do Poder Judiciário7. Todavia, as garantias em comento também têm por objetivo resguardar os magistrados de outras possíveis intromissões.

Cogita-se então de três subtipos de independência: a externa, a interna e a psicológica8. A primeira foi tangenciada anteriormente, es-tando relacionada à necessidade de salvaguardar as decisões judiciais de condicionamentos extrínsecos. Na segunda, o enfoque é na relação entre magistrado singular e integrantes de colegiados e entre estes e órgãos colegiados superiores, ou seja, o propósito é acautelar os magistrados de instâncias inferiores de interferências de componentes de instâncias superiores, quando do exercício da atividade jurisdicional9. Por fim, a

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7 Faccini, ob. cit., p. 125.8 Faccini, ibid., p. 125 et. seq.9 Deve ser excepcionada a possibilidade de reexame da matéria por intermédio do ins-trumento processual apropriado, de que são exemplos, por excelência, os recursos. A possibilidade de reforma não decorre de intromissão indevida. Procede da necessidade de dispor o sistema processual de mecanismos habilitados a corrigir eventuais equívocos da decisão recorrida. É ínsito ao estado democrático de direito, e predisposição legislativa das competências estabelece a natural possibilidade de alteração das decisões. A indepen-dência é atingida quando exigida ou sugerida alguma decisão ao magistrado, enquanto a reforma derivada de recurso sucede por obra dos juízes incumbidos do julgamento deste. Porém essa independência tem caráter jurisdicional. Quanto às questões administrativas há hierarquia, devendo ser observadas normativas estabelecidas, exemplificativamente, pelas corregedorias, presidências, plenários, etc., e de forma mais recente, pelo CNJ. Como a garantia da independência constitui pressuposto de julgamento imparcial, erigida em benefício da coletividade e não da pessoa do juiz, somente restará prejudicada se o exercício da hierarquia administrativa alcançar indevidamente a jurisdição.

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independência psicológica visa assegurar a incoercibilidade judicial com relação a temperamentos incutidos pela opinião pública ou por fatores morais ou ideológicos sectários.

Em situações concretas pode ser ineliminável a distinção teórica an-tes operada. Em casos de especial relevância, o juiz pode ser premido por ações externas, internas e da opinião pública, embora todas manifestadas por um único canal. Assim, exemplificativamente, na iminência de deci-dir sobre a viabilidade da candidatura de célebre político, o magistrado sujeito a abordagens de seus colegas mais antigos na carreira, todas elas refletindo as apreensões dos pares do candidato ou da comunidade que lhe empresta supedâneo eleitoral.

Entretanto, a constrição pode não ocorrer de forma direta ou explí-cita. Também pode não estar relacionada ao encaminhamento da questão colocada sob julgamento, indicando que o juiz deva julgar desta ou daquela forma. É possível que se apresente por outros meios, como na hipótese de ao magistrado ser sugestionado retardar o julgamento. Igual-mente parece correta a suposição de que a independência judicial possa ser afetada por medidas oblíquas, que inicialmente nem lhe concernem, em virtude da imprevisibilidade de seus efeitos. A irrefletida exigência de celeridade processual pode ser apontada como tal. A demora judicial certamente é indesejável. Porém, a imposição de que o juiz deva cumprir prazos não condizentes com as particularidades da questão submetida a julgamento também pode comprometer sua independência.

2 O MétODO DE ELABORAçãO DAS DECISÕES JUDI-CIAIS

Mesmo com todas as providências incorporadas no sistema jurídico pátrio para fins de preservação da independência judicial, é inviável cogitar de integral blindagem do juiz. Constatação, aliás, que não é de todo indesejável.

A independência, conduzida às últimas consequências, traduz o ar-quétipo do magistrado encastelado, apartado da realidade, atento apenas a abstrações e infenso a considerações de matriz cultural. Essa construção despreza o fato de que o juiz é inequivocamente produto de algum am-biente cultural, sujeito a inúmeras variáveis contextuais. Sempre haverá,

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em alguma escala, interação entre o juiz e o seu ambiente10. Enquanto produto de influxos culturais que moldaram sua formação, seja dito de passagem, é improvável que o julgador disponha da capacidade usual de sobrepor-se à realidade vivenciada. Nesse campo, a hermenêutica jurídica tem evidenciado que a aplicação do direito está sujeita à articu-lação, ainda que inconsciente, de conceitos prévios que se imiscuem na elaboração da resposta judicial11.

Por outro lado, há, evidentemente, limitações ao exercício da inde-pendência. Não se identifica ela com autocracia. Essa distinção orienta sobremaneira o sistema processual, o qual dispõe de ferramentas aptas a impedir o exercício da atividade jurisdicional apartado das orientações do ordenamento jurídico12.

Mas se independência não se confunde com autocracia, de resto se distingue da atuação judicial automática, ancorada única e exclusivamen-te em regras positivadas. Ou seja, ainda que a resposta jurisdicional não encontre espeque literal em alguma regra legislativa, não significa que se esteja tratando de decisão arbitrária. Necessita ela, sim, amparar-se no sistema jurídico, noção abrangente que extravasa os estreitos limites das regras legais.

Para os partidários da fonte unitária, os quais preconizam que o di-reito desenvolve-se apenas a partir das prescrições legais, pela aplicação do método silogístico, a independência do juiz somente se exerce no

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10 Consoante Faccini, “não é possível falar em independência em termos absolutos, uma vez que é impossível imaginar um segmento social que possa estar completamente desvinculado de contatos com o próprio ambiente em que opera, com o qual interage, influencia e é influenciado” (ob. cit., p. 124).11 São naturais as influências e percepções individuais no ato de aplicação da norma. Faz parte da inescapável exigência hermenêutica. O juiz é produto do seu meio e inevitavel-mente adota posições políticas. Mesmo a opção singela pela aplicação irrefletida de uma regra positiva sobre o caso concreto implica uma opção política conforme os interesses que sustentam o sistema positivo.12 Compreendido como o plexo de orientações vertidas por intermédio de princípio e regras como espécies do gênero norma jurídica (ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Reimp. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, passim). Os recursos, por exemplo, possibilitam a revisão das decisões que se mostram encobertas por algum tipo de arbitrariedade, ou seja, não amparadas em algum princípio e/ou regra jurídica.

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âmbito da apreciação das provas. Se ao sujeito se imputa uma conduta que se enquadra num tipo penal qualquer, incumbirá ao magistrado exa-minar os elementos probatórios acerca da autoria e materialidade para, ao final, condenar ou absolver o réu. Segundo essa visão, a independência judicial não autoriza ao juiz certificar-se, v.g., que o tipo penal em questão afronta claramente dispositivos constitucionais, ou até mesmo cogitar de respostas jurisdicionais não decorrentes da literalidade da regra13.

Entretanto, essa metodologia exprime com muito pouca exatidão a funcionalidade do direito14. A prodigalidade das situações fáticas

13 Ao juiz automático, repetidor das palavras da lei, é impensável reconhecer a inconsti-tucionalidade de dispositivos da Lei n. 8.072/90 que trata dos crimes hediondos, como admitiu o Supremo Tribunal Federal – STF, assim revertendo sua anterior jurisprudência (HC 82.959, Tribunal Pleno, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julg. 23/02/2006, D.J.U. 01/09/2006, p. 18) ou mesmo cogitar a aplicação do princípio da insignificância em certas situações penais, como amplamente consagrado na jurisprudência (AP 439, Tribunal Pleno, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julg. 12/06/2008, D.J.U. 12/02/2009, p. 37). Nesta hipótese, colhe-se o seguinte excerto do voto de revisão proferido pelo Ministro Gilmar Mendes: “A finalidade do Direito Penal é justamente conferir uma proteção reforçada aos valores fundamentais compartilhados culturalmente pela sociedade. Além dos valores clássicos, como a vida, liberdade, integridade física, a honra e a imagem, o patrimônio etc., o Direito Penal, a partir de meados do século XX, passou a cuidar também do meio ambiente, que ascendeu paulatinamente ao posto de valor supremo das sociedades contemporâneas, passando a compor o rol de direitos fundamentais ditos de 3.ª geração incorporados nos textos constitucionais dos Estados Democráticos de Direito. Parece certo, por outro lado, que essa proteção pela via do Direito Penal justifica-se apenas em face de danos efetivos ou potenciais ao valor fundamental do meio ambiente; ou seja, a conduta somente pode ser tida como criminosa quando degrade ou no mínimo traga algum risco de degradação do equilíbrio ecológico das espécies e dos ecossistemas. Fora dessas hipóteses, o fato não deixa de ser relevante para o Direito. Porém, a responsabilização da conduta será objeto do Direito Administrativo ou do Direito Civil. O Direito penal atua, especialmente no âmbito da proteção do meio ambiente, como ultima ratio, tendo caráter subsidiário em relação à responsabilização civil e administrativa de condutas ile-gais. Esse é o sentido de um Direito Penal mínimo, que se preocupa apenas com os fatos que representem graves e reais lesões a bens e valores fundamentais da comunidade”.14 Esse modelo está inserto no que descreve Boaventura como “cultura normativista, técnico-burocrática, assente em três grandes ideias: a autonomia do direito, a ideia de que o direito é um fenômeno totalmente diferente de tudo o resto que ocorre na sociedade e é autônomo em relação a essa sociedade; uma concepção restritiva do que é esse direito ou do que são os autos aos quais o direito se aplica; e uma concepção burocrática ou administrativa dos processos” (SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma Revolução Democrática da Justiça. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008, p. 68).

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demonstra que esse modelo, supostamente impregnado de certeza e se-gurança15, é inábil para justificação das diversas respostas preconizadas pelo direito16. Dentre as reconhecidas disfunções cabe destacar a ausência de regras sobre determinada situação fática (lacunas), a multiplicidade de regras para o mesmo fato (antinomias), as incontornáveis deficiências de algumas manifestações legislativas (injustiças ou inconstitucionalidades manifestas) e a equivocidade dos termos jurídicos que compõem as regras (hermenêutica jurídica)17.

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15 Fruto de período histórico cuja estrutura filosófica cartesiana já se encontra superada. A propósito, a esclarecedora ponderação de Boaventura: “A ideia de que não conhecemos do real senão o que nele introduzimos, ou seja, que não conhecemos do real senão a nossa intervenção nele, está bem expressa no princípio da incerteza de Heisenberg: não se podem reduzir simultaneamente os erros da medição da velocidade e da posição das partículas; o que for feito para reduzir o erro de uma das medições aumenta o erro da outra. Este princípio, e, portanto, a demonstração da interferência estrutural do sujeito no objeto observado, tem implicação de vulto. Por um lado, sendo estruturalmente limitado o rigor do nosso conhecimento, só podemos aspirar a resultados aproximados e por isso as leis da física são tão-só probabilísticas. Por outro lado, a hipótese do determinismo mecanicista é inviabilizada uma vez que a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que a dividimos para observar e medir. Por último, a distinção sujeito/objeto é muito mais complexa do que à primeira vista pode parecer. A distinção perde os seus contornos dicotômicos e assume a forma de um continuum” (SANTOS, Boaventura de Souza. Um Discurso sobre as Ciências. 14.ed. Porto: Afrontamento, 2003. p. 17). Acerca do desmantelamento do paradigma da certeza e segurança, afirma Ruth Gauer: “A premente necessidade de relativizar a verdade e vincular a análise a um pensamento heterotópico, não consensual, permitiria uma maior visibilidade da crise em que estamos todos envolvidos. Esses temas não se encontram necessariamente juntos. Eles podem aparecer no desespero epistemológico, no relativismo, entre outros lugares. O certo é que a sociedade já não consegue ser explicada pelo positivismo e pelo determinismo racionalista. Não há preparação para lidar com o erro, com as impurezas, só podemos pensar nelas como possibilidade de nos imunizarmos” (GAUER, Ruth Maria Chittó. Da Diferença Perigosa ao Perigo da Igualdade: reflexões em torno do paradoxo moderno. Civitas – Revista de Ciências Sociais. Porto Alegre, v. 5, n. 2, 2005, p. 404.16 Conforma salienta com propriedade Karl Larenz: “A problemática do procedimento silogístico referido reside principalmente, como desde há muito se reconheceu, na correta constituição das premissas, especialmente da premissa menor. No que respeita à pre-missa maior, não se pode, decerto, admitir que possa ser retirada simplesmente do texto da lei. Ao invés, toda lei carece de interpretação e nem toda a proposição jurídica está, de modo algum, contida na lei” (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2000, p. 326).17 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001, p. 17.

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Essas insuficiências, que a título de reparo exigirão do juiz meca-nismos que as suplantem, evidenciam que o magistrado é intérprete dos textos legais, e, a partir deles, em conjunto com outros vetores, como os princípios jurídicos, constroi soluções para os casos concretos que lhe são afetados. Assim, praticamente toda e qualquer resolução judicial exigirá do julgador exame detalhado do contexto fático e jurídico para então extrair do sistema a solução para a controvérsia18. E é essa solução que constituirá a norma do caso concreto19.

A atuação jurisdicional, portanto, não é mecânica ou automática. Pressupõe observação de fatos e eleição de argumentos para construção da melhor solução jurídica. Mesmo nas hipóteses de demandas reconhe-cidas como repetitivas20, sem embargo da aceitação da resposta jurídica

18 É imprescindível que o juiz examine o contexto fático e jurídico. Por isso, o magistrado não meramente repete súmulas ou textos legais. A análise do contexto é imprescindível. De acordo com Lênio Streck, “é o contexto de uso que determina o sentido de um texto (...) Há que se entender, portanto, que enunciados (pautas gerais) escondem o aparecer da singularidade dos casos (situação concreta). Uma pauta geral, nas suas mais varia-das formas, aplicada objetivamente, leva ao obscurecimento da singularidade do caso. É nesse exato sentido a lição de Gadamer, comentando a atualidade hermenêutica da filosofia prática aristotélica: um saber geral que não saiba aplicar-se à situação concreta permanece sem sentido e até ameaça obscurecer as exigências concretas que emanam de uma determinada situação” (STRECK, Lenio Luiz. Súmulas, Vaguezas e Ambiguidades: necessitamos de uma “teoria geral dos precedentes”? Direitos Fundamentais & Justiça. Porto Alegre, a. 2, n. 5, out.-dez./2008, p. 171).19 Assevera Humberto Ávila que as normas “não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”. Em consequência “os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado”. O resultado dessa percepção já demonstra que a norma, enquan-to construção erigida para solução do caso concreto não se identifica com os textos ou dispositivos legais. Nessa linha, inclusive, é possível haver norma, sem que haja dispositivo. Prossegue Ávila afirmando que “não há correspondência biunívoca entre dispositivo e norma – isto é, onde houver um não terá obrigatoriamente de haver o outro”. Não havendo plena identificação, a interpretação jurídica não se resume à mera descrição ou aclaramento, mas constitui a norma para solução do caso concreto. Com efeito, “a interpretação não se caracteriza como um ato de descrição de um significado previamente dado, mas como um ato de decisão que constitui a significação e os sentidos de um texto” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 22 et. seq.).20 Aquelas que pela identidade de causa de pedir e pedido, demandam soluções jurídicas semelhantes, por vezes com fundamento em precedentes judiciais, jurisprudência consoli-dada e súmulas, as quais inclusive poderiam ser solvidas por intermédio de ações coletivas.

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previamente encaminhada, é necessário examinar se os pressupostos fáticos nela são enquadráveis.

Não configura cautela demasiada reiterar que o juiz não atua arbi-trariamente. A solução do caso concreto não deve ser materializada a partir de subjetivismos parciais. Mas tampouco é obtida de uma regra específica, completa e incontestável. Do sistema jurídico o juiz extrai diversas soluções, e a opção por uma delas pressupõe exposição dialética de argumentos, reflexão e escolha fundamentada daquela que se apresente como a mais adequada21.

Essa sequência lógica para elaboração da resposta jurídica natural-mente demanda tempo. Esse fator, por conseguinte, deve ser considerado na avaliação da atividade jurisdicional. É equivocado compará-la com funções outras ontologicamente distintas22. O interstício necessário à adequada condução da atividade jurisdicional, portanto, não condiz com

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21 A respeito, salienta Ávila que “interpretar é construir a partir de algo, por isso sig-nifica reconstruir: a uma porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos; a duas, porque manipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentidos, que são, por assim dizer, constituídos pelo uso, e preexistem ao processo interpretativo individual” (ob. cit., p. 25). Conquanto não se cogite de certezas absolutas – exigência de precisão científica que, como visto, encontra-se obsoleta –, por outro lado não se atua completamente livre de parâmetros. A atividade jurisdicional é balizada por determinados consensos hermenêuticos extraídos do sistema jurídico. Como adverte Lênio Streck: “A formação de significados de signi-ficantes depende de uma série de circunstâncias, todas exsurgentes da faticidade, enfim, da applicatio. Em que circunstâncias uma situação jurídico-concreta é enquadrável na lei, na súmula ou ‘no’ julgamento ‘que serve de leading cade’? Em qualquer hipótese, estamos lidando com um texto, ao qual deve ser atribuído um sentido, que só pode ser feita a partir do caso concreto. Isso significa afirmar, com veemência, que a escolha de um grau de generalização exsurgente dessa situação não pode ser fruto de ‘escolhas subjetivas’ do intérprete” (ob. cit., p. 175). E, ao final, arremata o escritor: “É desse modo que se constrói o direito. Sem exatidões, mas com respostas adequadas, fulcradas na reconstrução da cadeia de julgamentos anteriores e na opinião da doutrina acerca daquela espécie de casos” (ibidem, p. 179).22 Na atual conjuntura de consumismo desenfreado e satisfação imediata de desejos, a impressão é que se pretende comparar a atividade jurisdicional à mera aquisição de um bem qualquer ou a contratação de um serviço. Nunca é demais recordar que o pressu-posto da atividade judicial, excetuadas as hipóteses de jurisdição voluntária, pressupõe controvérsia, litígio, enquanto o consenso havido num contrato de compra e venda entre os pactuantes é a base do negócio. São motivações distintas que reivindicam tratamentos também diferenciados.

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a noção que se satisfaz com o magistrado mero reprodutor irrefletido de regras positivas, súmulas ou precedentes judiciais.

A composição da solução jurídica, com maior ou menor intervenção das partes23, quase sempre pressuporá atividade reflexiva. E esse processo de elaboração envolve dispêndio de tempo, cuja extensão dependerá das circunstâncias, por que, sobretudo, é indispensável o exame pormenori-zado das questões fáticas e premissas jurídicas correspondentes.

Na medida em que a independência judicial visa assegurar julga-mentos imparciais, os quais se consolidam com o exame minucioso e detalhado da questão submetida ao juízo, decerto que se cogita de afronta a essa mesma independência quando prejudicada a análise detida do caso. E para que se atribua essa qualidade à análise, invariavelmente há de se contar com o fator tempo. É natural que esse tipo de averiguação exija o transcurso de alguma fração temporal. Investidas diretas contra o tempo, certamente perturbam a análise qualitativa, assim hostilizando, ainda que reflexamente, a independência judicial. Por esse motivo as metas temporais de julgamento devem ser filtradas com a finalidade de obstar quaisquer censuras à independência judicial. Filtragem essa que inclu-sive já sucede quando reclamada a incidência genérica dos combalidos preceitos temporais contidos nos diplomas processuais24.

23 É sempre almejada a maior intervenção possível das partes como mecanismo de fun-damentação democrática do Poder Judiciário. A propósito do assunto: COSTA, Gerson Godinho da. O princípio constitucional do contraditório como pressuposto de legitimação da atividade jurisdicional. In: HIROSE, Tadaaqui; SOUZA, Maria Helena Rau de. Curso Modelar de Direito Processual Civil. São Paulo: Conceito, 2011, p. 14 et. seq.24 O Código de Processo Civil estabelece prazos peremptórios para o juiz proferir despa-chos e decisões (art. 189), assim como o Código de Processo Penal (art. 800), enquanto que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN (Lei Complementar n. 35/1979), prescreve como dever do magistrado, dentre outros, o de “não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar” (sem grifo no original). Apenas a título exempli-ficativo, estando em questão o direito de liberdade, admitiu o Superior Tribunal de Justiça que o excesso de prazo deve ser apreciado “com base em um juízo de razoabilidade” (HC 101.716, Quinta Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julg. 14/10/2008, D.J.E. 24/11/2008). Situação bastante ilustrativa sucede quando “justificado o excesso de prazo, uma vez que não provocado pelo Juiz ou pelo Ministério Público, mas pela Defesa do Paciente que desde o início da instrução busca retardar o encerramento do feito, com inúmeros incidentes procrastinatórios, desprovidos de finalidade, cujo escopo era

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É injustificável que o juiz dispense anos para julgar uma causa, ainda que o fossem necessários para amadurecimento de determinada posição25. Mas, no andamento regular do processo, o juiz pode entender que seja preciso inquirir novamente uma testemunha, ou alguma outra que lhe foi referida, para firmar sua convicção. É possível que o juiz se depare com nova doutrina ou precedente que exija estudo mais acurado sobre determinado instituto jurídico, não devendo simplesmente desconsiderar a possibilidade de apresentar um encaminhamento processual da lide antes impensado. Essas medidas – diligências probatórias ou estudo aprofun-dado –, imprescindíveis para exame imparcial do caso, sem qualquer indicativo de que sejam meramente protelatórias, podem determinar o descumprimento de prazo previsto em lei ou em metas temporais.

Se não há justificativa para que as questões dormitem durante meses ou mesmo anos aguardando uma decisão judicial, de outro lado não há fundamento para a exigência de decisões imediatas e irrefletidas pela pre-mência de cumprimento de algum prazo26. Isso afeta, inequivocamente, a independência do julgador.

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apenas tumultuar a apreciação da verdade e, consequentemente, a conclusão do proces-so” (HC 88.573, Quinta Turma, Rel.ª Min.ª LAURITA VAZ, julg. 21/10/2008, D.J.E. 10/11/2008). Nesse contexto, Boaventura de Souza Santos intuiu com acerto sobre a necessidade de distinguir a morosidade sistêmica da morosidade ativa. Aquela decorre das imperfeições do sistema processual e da própria administração judicial, enquanto esta, da atuação deliberada do juiz em atrasar os julgamentos (ob. cit., p. 42 et. seq.). Pois no caso da segunda, mais do que a exigência de cumprimento de metas temporais, a incúria deve ser avaliada no plano das responsabilizações civil, administrativa e criminal.25 Decerto algumas pessoas modificam suas opiniões ao longo da vida, mormente a res-peito de questões relevantes e polêmicas como o aborto ou a pena de morte. É possível que o juiz se posicione a favor, e, após algum período, contra, para finalmente deliberar sobre a viabilidade jurídica de um ou de outro. Mas ainda que mutáveis suas opiniões, espera-se posturas deliberativas em determinados momentos, ainda que para sua formação seja necessária a elaboração de argumentos que juridicamente a sustentem. Traduzindo, é razoável que os ministros da Corte Suprema dispensem um intervalo para formação de suas respectivas convicções a respeito da possibilidade de interrupção da gestação de feto anencefálico, como sucede no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 54. O que se mostraria inadmissível seria algum dos ministros afirmar que sua convicção acerca do tema estaria definitivamente formulada apenas por ocasião de sua aposentadoria compulsória.26 Não se enquandram na assertiva as questões urgentes por natureza, como certos pe-didos de antecipação de tutela. O juiz deve estar preparado para decisões que envolvam tirocínio rápido como aquelas relacionadas à internação da parte que corra risco de vida.

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A incompreensão dessa realidade, ainda calcada na vetusta e ul-trapassada fórmula de que o juiz apenas repercute os termos da lei, e atualmente também de súmulas e precedentes, autoriza a concluir que o magistrado se equipara a um singelo – quiçá dispensável – componente no modelo de produção industrial. Para esse raciocínio, já que a atividade judicial se limita à invocação irrefletida da lei, súmulas e precedentes para solução do caso concreto, a produtividade do magistrado é mensurada quantitativa e não qualitativamente.

Insta ressaltar que o sistema judiciário não acena, para toda e qual-quer hipótese, com julgamentos rápidos. O que preconiza a Constituição é a razoável duração do processo. Obviamente, esse termo é passível de interpretações, mas já sinaliza, pela sua própria redação, para a inconve-niência de definições temporais genéricas. Cem dias pode ser razoável para o julgamento de demanda que tramite nos juizados especiais, mas possivelmente não o será no caso de uma complexa ação penal, que envolva dezenas de réus e diversas imputações. Destarte, na eventuali-dade de eleição universal desse prazo para julgamento dos processos, desatendendo às diferentes características dos casos concretos, restará eliminada, em alguns deles, a possibilidade de julgamentos ponderados, em flagrante prejuízo à imparcialidade e, via de, à independência judicial.

3 A RAZOÁVEL DURAçãO DO PROCESSOA inscrição do princípio da razoável duração do processo na

Constituição Federal não configura ineditismo brasileiro. Constava já da Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem27 e, posteriormente, foi inscrita na Convenção Americana de Direitos do Ho-mem (Pacto de Santo José da Costa Rica)28. Ainda assim, sua inclusão no texto expresso da Carta Constitucional, para além de consagrar princípio implícito decorrente da aplicação do due process of law (art. 5.º, incisos

27 TAKOI, Sérgio Massaru. A luta pela razoável duração do processo (efetivação do art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988). Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, a. 18, n. 70, jan.-mar./2010, p. 227.28 ASSIS, Araken de. Duração razoável do processo e reformas da lei processual civil. Revista Jurídica. Porto Alegre, a. 56, n. 372, out./2008, p. 12.

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LIV e LV) ou preceito cuja observância decorre de tratado (§ 2.º do art. 5.º), consagra-lhe o status de direito fundamental, por conta de sua atual disposição topológica no rol do art. 5.º (inciso LXXVIII, incluído pela Emenda Constitucional n. 45/2004).

Por decorrer do princípio do due process of law29, ao contrário do que leitura impaciente possa transmitir, o preceito em questão é oponí-vel não somente pelo autor, prejudicado com a injustificada demora na tramitação da demanda, como também pelo réu alcançado por medida judicial antecipatória constritiva30. O denunciado em processo penal, assumidamente inocente, tem interesse na celeridade do julgamento, circunstância que evidencia que a duração razoável igualmente não se restringe aos processos de natureza cível. Ademais, a projeção de deslinde do processo em tempo razoável pode extravasar os interesses de partes perfeitamente individualizadas, especialmente nos casos cuja definição afete interesses coletivos ou difusos, como nas hipóteses de ações civis públicas ou populares.

Outro desdobramento assaz relevante por conta da estreita vincu-lação da razoável duração do processo com o due process of law é que a efetividade requer a adoção de medidas ponderadas, adequadas e pro-

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29 Takoy, ob. cit., p. 229. Há ainda que se mencionar a estreita vinculação entre a efe-tividade da tutela jurisdicional e a duração razoável do processo (MARINONI, Luiz Guilherme. Direito fundamental à duração razoável do processo. Revista Jurídica. Porto Alegre, v. 57, n. 379, mai./2009, p. 11/12). Com efeito, somente haverá tutela jurisdicional efetiva quando mais do que reconhecer o direito da parte, a atuação do sistema judicial permita-lhe usufruí-lo na sua maior amplitude possível. O interessado em participar de concurso público, mas cuja inscrição foi administrativamente indeferida, pretende que o Judiciário, mediante o manuseio do instrumento processual adequado, não apenas se manifeste expressamente sobre seu alegado direito de participação no certame, mas que também lhe assegure a realização dos respectivos exames. Acaso o pleito, conquanto reconhecido, o seja em momento posterior à realização das provas, decerto que de efe-tividade não se cogita, mas de decisão judicial inócua, infrutífera.30 Tanto o crédito legítimo do autor poderá restar insatisfeito pela delonga na realização de atos executórios, quando o devedor ilicitamente dilapida seu patrimônio, quanto pre-judicado estará o réu judicialmente cobrado por dívida inexistente e que tem seus bens depositados sob a responsabilidade de terceiro para garantia da suposta dívida. Claro que há quem se aproveite da demora processual. Mas são situações específicas que beiram a deslealdade processual. No embate onde a resposta jurisdicional favorável é aposta de ambas as partes a demora é indesejável.

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porcionais. A razoável duração não se concretiza por decisões rápidas, mas completamente inábeis para resolução do caso concreto. Portanto, celeridade não se confunde com práticas judiciais açodadas. A precipi-tação naturalmente não condiz com o contraditório e a ampla defesa31. Dos procedimentos judiciais devem ser exigidas ritualísticas compatíveis com a proteção dos direitos materiais, havendo, portanto, compromis-sos, eventos ou atos processuais que não podem ser desprezados, cuja supressão é inadmissível para supostamente satisfazer o pressuposto da celeridade. A disciplina mais adequada possível da situação fática não prescinde da observância de determinadas fórmulas, sob pena de violação do devido processo legal.

Mais. Também a independência judicial pode ser acometida pela afobação processual32. Como as partes, excluídas as hipóteses de má-fé ou utilização dolosa do aparato judiciário, têm interesse em julgamentos imparciais, certamente assim não poderão ser adjetivados os julgados proferidos não por juízes conscientes de que as soluções judiciais que adotam são as mais adequadas, mas por que julgaram premidos pela fugacidade, apenas atentos ao que se reputa como uma incompreensão do princípio da celeridade33.

31 Marinoni, ob. cit., p. 14, nota de rodapé n. 5. Assevera com propriedade Takoy: “Não é possível, na atual conjuntura do direito pós-positivista, interpretar regras ou institutos processuais sem antes atentar para sua adequação ou compatibilidade com a Constituição Federal, especialmente seus princípios fundamentais. (...) Atualmente o maior desafio do processualista é conciliar segurança do processo com a celeridade, pois a brevidade não pode comprometer o contraditório, a ampla defesa e outros princípios constitucionais” (ob. cit., p. 231).32 Indício de que a razoável duração do processo – de resto como também a imparcialidade e independência do juiz – configura desdobramento do due process of law está contido no § 1.º do art. 6.º da Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, cuja redação assegura que “qualquer pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela” (Takoi, ibid., p. 227, sem grifo no original).33 Conforme lapidar expressão de Araken de Assis: “Nem sempre o processo rápido traduz processo justo”. (ob. cit., p. 13).

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Como visto no capítulo anterior, as soluções judiciais são topica-mente construídas, não decorrem de atuação automática e irrefletida do julgador. O ultrapassado bordão iura novit curia, representativo do juiz enquanto mero agente de repercussão dos termos legais, encontra-se ultrapassado. O juiz concretiza a norma do caso concreto – nunca é demais repetir, com esteio no sistema jurídico, não de forma arbitrária e subjetiva – por intermédio de complexos processos de construção herme-nêutica. E para a adequada solução é necessário que pelo menos conheça, o mais plenamente possível, os fatos e circunstâncias que reivindicam a disciplina judicial34, com ampla e ativa participação das partes35, o que necessariamente envolve dispêndio de tempo.

Paradoxalmente ao que recomenda o modelo silogístico de aplicação da regra, o próprio delineamento do que venha a consistir a razoável duração do processo não dispensa o emprego de metodologias interpre-tativas. Cuida-se de cláusula normativa evidentemente aberta. Decerto todo e qualquer texto normativo depende de interpretação36. Sem embar-go é inequívoca a distinção entre termos mais ou menos precisos, mais oportunos para indicação direta do que o vocábulo procura designar. A abertura da cláusula, por conseguinte, ao que tudo indica, foi almejada pelo legislador constituinte, pois do contrário o texto constitucional em-pregaria a expressão “duração legal” ao invés de “duração razoável”37. A utilização do primeiro imporia ao intérprete soluções categóricas, impossibilitando considerações contextuais inerentes ao caso concreto.

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34 Marinoni submete o preceito da razoável duração do processo à noção de “adequada cognição do litígio”, esta como especial exigência do due processo of law (ob. cit., p. 16 et. seq.).35 De acordo com a conclusão de Araken de Assis: “Logo, em qualquer circunstância, o processo continuará dialético, mostrando-se inadimissível comprimi-lo a ponto de transformar a Justiça em algo instantâneo e automático” (ob cit., p. 15).36 Não raro deparamo-nos com o falacioso axioma de que a norma clara não precisa de interpretação. Há uma inversão lógica do raciocínio: para adjetivarmos a clareza da norma, necessariamente é preciso antes interpretá-la. Nesse propósito, a categórica afirmação de Carlos Maximiliano: “Não raro os brocardos já se acham destituídos de valor científico (exemplo — in claris cessat interpretatio), ou, pelo menos, são falsos e inexatos na sua generalidade forçada, em desacordo com a origem”. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 196).37 Marinoni, ob. cit., p. 19.

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Há, portanto, uma plêiade significativa de fatores que atuarão como premissas ou pressupostos diferenciais à concreção da “duração razoá-vel”, tais como a natureza do processo (cognitivo, executório, cautelar, especial), a condição econômica da parte (tratando-se de hipossuficiente, as custas podem ter que ser adiantadas pelo estado, mediante procedi-mentos específicos de pagamento, comparativamente mais morosos em relação ao simples adiantamento das custas por aqueles que podem antecipá-las), o objeto postulado ou a matéria controversa (v.g., direito eleitoral, direito de saúde, direito criminal, definição de marca ou patente, inventário), condizente com a maior ou menor complexidade da causa, bem como o comprometimento das partes38.

Enfim, o conceito de razoável duração depende da apreciação dessas variáveis do caso concreto. E sempre estará imbricada a necessidade de observância do devido processo legal. A recomendação constitucional de razoável duração do processo não determina que sejam excedidas ou descartadas fórmulas jurídicas tão-somente para obtenção de julgamento rápido, ou que seja subvertida, com esse mesmo propósito, a atuação ju-dicial refletida e independente. Em atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez disponibilizados os elementos que permitam ao juiz a construção da resposta mais adequada à solução do conflito, por certo que se há de estabelecer tempo razoável para o julgamento. Lapso este que não pode ser excessivo, é evidente, mas que precisa ser suficiente.

4 AS MEtAS tEMPORAIS DE JULGAMEntOA razoável duração do processo atua como importante parâmetro

na condução das demandas judiciais. No entanto, não se confunde com afogadilho, mesmo por que atua em conjunto com outros mandamentos de estatura constitucional, como os da ampla defesa e do contraditório, sem jamais descurar as particularidades do caso concreto. Reclama aplicação tópica, consoante almejado pelo legislador constituinte, cir-cunstância indicativa da impropriedade de disciplinamentos prévios e gerais que desatendam não apenas os demais comandos constitucionais, como também e especialmente as especificidades dos fatos julgados.

38 Takoi, ob. cit., p. 237.

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A par dos fatores antes examinados acerca das diferenciações que devem ser consideradas, como por exemplo a natureza ou a complexidade da demanda e o burocrático e formalista sistema processual, há outros que ocasionam de forma indesejada o retardamento das apreciações judiciais. Neste plano se incluem a carga excessiva de trabalho dos magistrados39 e a incapacidade de gerir e utilizar adequadamente as ferramentas disponí-veis para otimização do processo40. As recentes metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça41 têm por objetivo debelar os primeiros, mas, estabelecidas de forma genérica, podem desconsiderar os demais.

A Meta 2 do CNJ preconizou, para o ano de 2009, a identificação dos processos judiciais mais antigos e adoção de medidas concretas para o julgamento de todos aqueles distribuídos até 31/12/200542. Já para o ano de 2010, consistiu no julgamento de “todos os processos de conhe-cimento distribuídos em primeira, segunda e instâncias superiores até 31 de dezembro de 2006. No caso dos tribunais trabalhistas, eleitorais, militares e do júri, prazo é até 31 de dezembro de 2007”43.

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39 A carga excessiva de trabalho por vezes decorre de irrefletidas distribuições territoriais e de matéria, tornando certas subseções judiciárias, comarcas, turmas e câmaras mais atraentes por conta de movimentações processuais reduzidas em comparação a outros órgãos judiciais. Em muitos casos, quando da criação e instalação desses órgãos, não são averiguados, para fins de melhor distribuição do trabalho, caracteres específicos das comunidades, como a maior ou menor disposição de litigância judicial, situação que englobaria a análise detida de fatores econômicos, educacionais, históricos, etc.40 A ferramenta da informática, exemplificativamente, ainda não é utilizada conforme suas amplas possibilidades. O processo eletrônico, é realidade apenas para alguns tri-bunais. Em alguns casos sequer há compartilhamento eletrônico de informações, como a disponibilidade interna de dados entre os próprios órgãos judiciários ou junto a outros organismos como Receita Federal, departamentos de trânsito, delegacias de polícia, etc.41 Ultrapassa os limites deste trabalho discutir a pertinência ou mesmo a constitucionali-dade das deliberações do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Não passa despercebido, entretanto, que não está descartada a possibilidade de controle do estabelecimento de metas temporais por indevida interferência no Judiciário, especialmente quando essas medidas ultrapassam o campo de disciplina administrativa para intervir na atuação jurisdicional, consoante sinalizou o Supremo Tribunal Federal – STF por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.367/DF (ADIN 3.367, Tribunal Pleno, Rel. Min. CEZAR PELUSO, julg. 13/04/2005, D.J.U. 22/09/2006). 42 http://www.cnj.jus.br/index.php?Itemid=963 (consulta em 04/02/2011).43 http://www.cnj.jus.br/estrategia/index.php/tribunais-tem-10-metas-para-cumprir-em-2010/ (consulta em 04/02/2011).

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Indubitavelmente as metas de cumprimento constituem valioso instrumento na dissecação dos problemas intestinos que embaraçam a condução da atividade última do Poder Judiciário. Com o levantamento dos setores mais insensíveis à razoável duração do processo, é permiti-do extrair uma radiografia das insuficiências e imperfeições, ensejando composições e concertos onde se façam necessários ou mais urgentes.

Mas mesmo que objetivem esse autoconhecimento, possibilitando identificar os focos de comprometimento e eventualmente debelá-los, ainda neste campo pode restar desatendido o preceito constitucional que estabelece a razoável duração. Isso por que na prática as metas determi-nam preferências para o julgamento de processos a priori considerados em atraso, estimulando ainda que de forma subjacente, a desconsideração daqueles processos não enquadrados nas exigências temporais.

Um exemplo hipotético pode aclarar o raciocínio. O magistrado que trabalha nos seus limites, sem o acréscimo de auxiliares ou ferramentas aptas, somente poderá atender as exigências das metas temporais de cum-primento dedicando-se aos processos nelas enquadrados, logo, renunciando provisoriamente aos demais. Pois vencidas aquelas metas iniciais, será necessário empenhar-se no julgamento dos processos antes desdenhados. Enquanto isso, acaso nenhuma outra medida seja empregada, provavelmen-te se defrontará com outros processos cujos julgamentos serão protelados até que sejam inseridos em futura meta temporal. Instaura-se, assim, um círculo vicioso, longe de ser apresentada qualquer solução definitiva.

De outro lado, genericamente estabelecidas, as metas temporais de cumprimento desconsideram as inerentes diferenças entre os processos. Mesmo aqueles em que exista identificação de espécie estão sujeitos a in-tercorrências que afetam o respectivo tempo de andamento. Dois pedidos diversos de auxílio-doença, formulados por indivíduos distintos perante o mesmo juízo, podem exigir, para formação do convencimento do juiz, a realização de perícias com profissionais de especialidades diversas. É possível que um desses profissionais esteja disponível para atendimento imediato, enquanto o outro, somente em alguns meses. Duas ações penais, instauradas na mesma data para julgamento, de crimes de roubo, podem ser julgadas em períodos absolutamente distintos porque numa delas o réu se encontra preso, enquanto na outra o denunciado reside em subseção federal ou comarca distinta daquela em que tramita a ação, exigindo a expedição de cartas precatórias. Embora essas distinções pareçam óbvias, são imprevistas pelas metas de cumprimento.

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Se, com relação aos processos que tratam de questões similares, incidirão fatores que determinam tratamentos diferenciados, decerto é mais acentuada a distinção quando o juiz se depara com processos discre-pantes. Em tese, uma complexa ação penal de um crime de lavagem de dinheiro exigirá muito maior tempo de apreciação que outra inaugurada por denúncia que imputa lesões corporais leves44. Uma ação civil pública atinente a danos ambientais não deve ser disposta no mesmo patamar que um pedido indenizatório por danos morais em decorrência da inscrição indevida do autor em órgãos de proteção ao crédito.

Mas há outro aspecto relacionado às metas de cumprimento que estampa uma inegável contradição. As metas têm por objetivo diminuir o tempo de julgamento de determinados processos, porém, sua imple-mentação, em contrapartida, poderá atingir exatamente aquelas demandas onde a questão tempo atua de forma mais realçada. Há processos cuja ur-gência é intrínseca. A desconsideração da premência pode tornar ineficaz a resposta jurisdicional. É natural que um hábeas corpus cujo paciente se encontra preso reivindique preferência no julgamento. É amplamente reconhecida prioridade aos processos em que há risco de perecimento de direito ou à liberdade em contraste àqueles que não apresentam situação de periculosidade iminente45. Se a atenção do julgador, por força das metas de cumprimento, é dirigida preferencialmente aos processos que apresentam maior tempo de tramitação, considerando objetivamente que a

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44 Conforme o art. 129, caput, do Código Penal a pena cominada é de detenção de três meses a um ano. Enquadra-se, portanto, no conceito de infração de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei n. 9.099/95, com redação determinada pela Lei n. 11.313/2006), regendo-se, no que couber, pelo instituto da transação penal (art. 76 da Lei n. 9.099/95) ou, subsidiariamente, pelo regime da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95). O tratamento simplificado estatuído por lei ordinária demonstra o quão distintamente devem ser analisadas judicialmente as infrações penais, mormente em razão da maior ou menor relevância do bem jurídico tutelado.45 A propósito, lê-se no art. 156 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça – STJ: “Em caso de urgência, o relator indicará preferência para o julgamento dos feitos criminais, de ações cautelares e de ações relativas a direito de família”. A Resolução n. 449, de 02 de dezembro de 2010, regulamenta o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal no que tange ao regime de plantão. E consoante seu art. 5.º a atuação da Corte nesses casos está reservada apenas à apreciação de hábeas corpus, mandados de segurança, comunicações de prisão em flagrante, pedidos de liberdade provisória, pedidos de decretação de prisão preventiva ou temporária e de busca e apreensão ou medida assecuratória.

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força de trabalho esteja apta a atuar seletivamente46, restarão desprezados aqueles que reclamam julgamentos mais céleres.

A partir desse cenário é procedente a afirmação de que as metas podem influenciar negativamente na prestação jurisdicional. Entretanto, o influxo negativo não se limita a desatender peculiaridades operacionais. A perseguição por resultados pode desconsiderar aspectos relativos à própria construção da resposta jurisdicional. O acréscimo quantitativo traduzido pelo aumento do número de julgados pode ser inversamente proporcional à necessária qualidade destes mesmos julgamentos. E o termo qualidade, hic et nunc, está relacionado à prestação judicial mais adequada à resolução do caso concreto.

Imprescindível rememorar aqui o tópico referente à construção das decisões judiciais. Superada a recomendação de utilização mecânica do método silogístico, próprio do positivismo jurídico de matriz romano-germânica, o juiz além de auferir adequadamente os fatos que estão colocados na arena do processo, precisa ponderar, conjuntamente às partes, acerca da norma a ser aplicada ao caso concreto. E uma vez eleita é necessário justificar essa solução, pois com a motivação permitirá à sociedade avaliar os acertos e desacertos da resolução entabulada.

Há três desdobramentos derivados da desconsideração dessas pre-missas que legitimam democraticamente a atividade judicial. Primeiro, as metas transmitem a ideia, pelo menos àqueles pouco afeiçoados à realidade do direito, de que a função judicial é um trabalho autômato e, por isso mesmo, autorizando a substituição dos magistrados por outras forças de atuação47. De outro lado, o cumprimento de metas, enquanto

46 Assim como o orçamento público é limitado, não se pode olvidar que a mão-de-obra especializada também o é. Isso sem descartar contingências como adoecimentos e consequentes afastamentos dos juízes ou servidores, para os quais tem contribuído sensivelmente a excessiva carga de trabalho. Não é incomum, nessas circunstâncias, a incidência de estresse ou de lesões por esforço repetitivo – LER.47 A compreensão acerca do alcance desse desdobramento necessariamente ingressaria nos domínios da filosofia política, extrapolando os estreitos limites deste despretensioso ensaio. Entretanto é manifesto que afeta um dos pilares do estado democrático de direi-to. Não se nota, nas construções que envolvem este conceito, a dispensa do Judiciário independente. Pois a compreensão social de que a atividade judicial é mecânica e não deliberada conduz ao entendimento de que o Judiciário é dispensável.

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finalidade última da atividade judicial, em detrimento da efetiva tutela do bem jurídico, pode resultar num emprego apenas paliativo do contraditó-rio, satisfazendo-se com o cumprimento de fórmulas e desconsiderando a exigência de participação ativa das partes na resolução do processo. Ao final, de maneira mais acentuada, também pode ocasionar flagrante déficit de fundamentação.

Estes seriam fatores objetivos relacionados à qualidade da resposta jurisdicional. Mas há outro aspecto que deve ser examinado, agora de caráter subjetivo. O vácuo decorrente da ausência de especificação, nos normativos que estabelecem as metas de cumprimento, de quais serão as consequências impostas aos magistrados que as descumprirem pode embaraçar a atuação independente do magistrado48.

É autorizado supor que o juiz que não cumprir as metas possa ser estigmatizado com adjetivações ofensivas como a de indolente, expondo injustificadamente a atuação judicial49, ou quiçá formalmente punido. Mesmo ante a ausência de punição expressa, não é possível assegurar que esse desaire não seja considerado, por exemplo, para fins de promoção ou remoção50.

Ademais, as metas, ainda no campo subjetivo, colocam o juiz em situação delicada, pois transmitem à sociedade a mensagem de que são elas perfeitamente alcançáveis. Essa expectativa confrange o juiz de

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48 Note-se que nos normativos do Conselho Nacional de Justiça – CNJ acerca das metas temporais de julgamento não há qualquer referência acerca das consequencias de eventual descumprimento, de como serão avaliadas as justificativas apresentadas ou de a quem incumbirá essa análise. 49 A independência, nesse sentido, pode ser furtivamente atingida não pela imposição de exigências ou sanções por órgãos administrativamente superiores, mas de casual sentimento emulativo de classe, que pode estigmatizar o juiz que não cumpriu as metas.50 A despeito da ausência de disciplina expressa nos normativos que tratam de estabelecer as metas temporais de julgamento, não se descarta a priori o estabelecimento de punições de forma categórica ou subliminar. O não cumprimento das metas pode ser anotado na ficha funcional do magistrado, sendo utilizada a informação para avaliação da pertinência de pedido de promoção por merecimento ou designação de alguma função específica. Tampouco se pode desconsiderar a possibilidade de aplicação de penas disciplinares como a de advertência ou a de censura (artigos 42, incisos I e II, 43 e 44 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, Lei Complementar n. 35/1979).

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julgar o mais rápido possível – em claro detrimento da qualidade da prestação jurisdicional –, sob pena de restar estereotipado pela sociedade como lerdo ou profissionalmente desleixado.

É possível, nessa linha de consideração, que esse fator de ordem subjetiva desencadeie respostas judiciais não correspondentes às exi-gências do estado democrático de direito. Premido pelo tempo, o juiz pode se sentir psicologicamente impingido a empregar soluções rápidas e aparentemente fáceis51, porém ao seu sentir não adequadas à resolução do caso concreto, justamente para cumprir com as metas temporais52.

Tecidas essas considerações, observa-se que a exigência de cum-primento de metas pode atuar subliminarmente em prejuízo da indepen-dência interna e da psicológica, ambas manifestações da independência judicial como requisito de atuação do estado democrático de direito.

Embora não haja ações voltadas a compelir o juiz a julgar desta ou daquela forma, em favor de A ou de B, as metas pressionam a julgar incontinente, sem a devida apreciação do caso concreto. A independên-cia se consolida na medida em que o juiz atua extraindo do sistema a

51 Basta referir à prática ordinária de invocar precedentes. É óbvio que tal ferramenta constitui importante elemento de otimização da atividade judicial especialmente na solução de lides similares. Ademais é elemento que atenta ao princípio da segurança jurídica. Entretanto, a cautela é necessária, sob pena de universalização de situações fáticas completamente diversas. Por exemplo, a jurisprudência pode solidificar o enten-dimento de que os portadores de HIV cumprem o requisito da incapacidade para titulação de benefício assistencial. Mas parece que essa solução não é a mais adequada no que tange aos portadores assintomáticos e que não apresentam quaisquer restrições para o exercício de sua atividade profissional. Mas é possível que essa exceção ao entendimento geral também deva ser excepcionada. Basta imaginar o portador de HIV residente em comunidade pequena e conservadora, a qual, conhecedora da circunstância, resiste em disponibilizar algum emprego ao portador, embora plenamente capacitado. Apesar de valiosas as construções pretorianas, fato é que, assim como as regras e os princípios, precisam ser ponderadas no caso concreto. Pretensões de generalidade terminam por olvidar as peculiaridades da situação fática, o que conduz à adoção de soluções inábeis à composição da lide.52 Há o senso comum de que ao juiz não é dado recalcitrar. Afinal a aprovação nos concursos públicos para o exercício do cargo pressupõe amplo conhecimento do direito positivo. Todavia, esse raciocínio parte da equivocada premissa de que o direito se identifica com a lei.

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resposta que entenda mais adequada a solver o caso concreto. Se o faz de forma impaciente, ainda que reflexamente a independência interna está sendo afetada. E isso no cumprimento de metas estabelecidas, imaginada a atuação piramidal do Judiciário que coloca o Conselho da Justiça Federal – CJF administrativamente no seu topo, horizontal-mente de cima para baixo, sem qualquer discussão prévia acerca dos seus contornos e alcance.

Paralelamente, a independência psicológica pode ficar afetada na medida em que o juiz, premido pelo tempo, vê-se na necessidade de julgar de uma vez. Não há a pressão dirigida ao julgamento da forma A ou B, mas o impulso por um julgamento que não condiz com aquele que o juiz proferiria acaso livre dos estigmas decorrentes do descumprimento das metas de cumprimento53.

A elaboração de decisões imparciais não é operação de fácil desen-volvimento. Requer apreciação ponderada de todas as circunstâncias do processo e reflexão acerca da solução mais adequada. Esse envolvimento não se dá sem perda de tempo do juiz na análise do processo. Certamente que a automática invocação de regra ou de precedente, por vezes sequer diretamente relacionados à questão, pode por fim ao processo, mas não contempla a independência judicial, como tampouco outras orientações de importância constitucional.

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53 A respeito, a preciosa construção de Boaventura: “Nesse movimento em que os objectivos da reforma judicial são adensados, é necessário evitar que os propósitos de aperfeiçoamento do sistema judicial brasileiro sejam dominados, tão somente, pelo ideal de celeridade processual. Deve-se ter em mente que, nalguns casos, uma justiça rápida pode ser uma má justiça. E, portanto, não podemos transformar a justiça rápida num fim em si mesmo. Aliás, a justiça tende a ser tendencialmente rápida para aqueles que sabem que, previsivelmente, a interpretação do direito vai no sentido que favorece os seus inte-resses. Uma interpretação inovadora, contra a rotina, mas socialmente mais responsável, pode exigir um tempo adicional de estudo e de reflexão” (ob. cit., p. 27). Mais adiante, alerta o sociólogo lusitano: “A imposição da rapidez levá-lo-á [o magistrado] à rotina, a evitar os processos e os domínios jurídicos que obriguem a decisões mais complexas, inovadoras ou controversas” (idem, p. 81).

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A repetição, ademais, estagna o direito, mantendo posturas conservadoras e acríticas54. Obviamente que não se exige do juiz posições individualizadas a todo o momento por questões de interpre-tação legal já aparentemente dimensionadas pela jurisprudência. Mas não é possível descurar que mesmo as situações que exigem resposta consolidada demandam algum tipo de apreciação judicial que não dispensa atuação refletida e cuidadosa, em atenção ao constante dina-mismo constitucional.

Esboçado esse panorama geral, é validado afirmar que, embora as metas tenham por propósito inicial atuar como elemento de otimização do processo, sem o devido cuidado, poderão interferir na independência judicial, sem que sequer concretamente esteja-se de fato atendendo ao princípio da razoável duração do processo. Aliás, parece corroborar essa ilação a circunstância de o Conselho Nacional de Justiça – CNJ ter, para o ano de 2011, substituído as metas temporais por outra de conteúdo quantitativo55.

54 Há de ser reconhecido o natural viés conservador do Judiciário, conforme expressa Faccini: “Por fatores os mais diversos, acontece frequentemente que os juízes apresentem um comportamento politicamente conservador. Acreditamos que isso se deva especial-mente à formação profissional dos juristas. O direito é uma ciência que possui maiores características de conservação do que de transformação, procura mais a manutenção da ordem do que a introdução de experimentações sociais. Os juristas aprendem seu mister, desde os primeiros anos, com o uso de textos jurídicos, não sendo quase nunca sensibili-zados a observar contextos sociais. São instruídos a olhar para trás (possuem a lanterna na popa), em busca de soluções jurídica pré-dadas, sem que sejam treinados a observar atentamente a sociedade ao seu redor, compreendendo sua dinâmica, nem muito menos são incentivados a planejar o futuro. Tudo isso reforça seu caráter mais conservador” (ob. cit., p. 131). Decerto a superação da metodologia positivista tem permitido respos-tas judiciais condizentes com as exigências do caso concreto. Porém esse processo tem sido malogrado na medida em que o juiz se vê premido à repetição de regras positivas ou precedentes. Não há renovação, mas mera repetição, o que termina por engessar as decisões e reforçar a ideia de conservadorismo judicial.55 Estabelece a Meta 3: “Julgar quantidade igual a de processos de conhecimento dis-tribuídos em 2011 e parcela do estoque com acompanhamento mensal”. http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13068&Itemid=1279 (consulta em 04/02/2011).

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CONCLUSõESA inquietação decorrente da demora processual é inquestionável.

Afeta não apenas os jurisdicionados, mas todos os operadores jurídicos, em especial os magistrados. Torna ineficiente a prestação jurisdicional, acarretando, assim, o descrédito do Poder Judiciário. Por isso, deve ser enfrentada com rigor. Para isso é indispensável identificar as reais causas do problema. E antes de compreender as questões pontuais que acarretam a delonga na tramitação judicial, é preciso contextualizar a reivindicação por celeridade, observar se o que é pejorativamente qualificado de demora não configura depreciação de atributo intrínseco à atividade judicial.

Numa sociedade orientada para o consumo e para a permanente exibição midiática, quando o menos importante é a qualidade do consu-mido ou exibido, decerto que a atividade jurisdicional não permanece alheia a essa realidade. Como não poderia ser diferente, suscetível à transformação do espaço social, onde a política desabitua-se do papel de protagonista para exercer uma função periférica, há que se perquirir sobre as atribuições do Judiciário. Será preciso que se enquadre nesse modelo de convivência pública superficial ou que persevere na preservação da dignidade do jurisdicionado? Acaso escolhida a segunda alternativa, o futuro de enfrentamento de forças por vezes não identificadas é evidente.

Será preciso que o magistrado resista ao entulho de ideias anteci-padamente formatadas, entenda que a realidade supera em muito a rede de conceitos preconcebidos, compreenda que exerce importante função social, enquanto a sociedade precisará perceber que a atividade judicial não deve se conformar a categorias impostas irrefletidamente, como se a realidade pudesse ser acondicionada a fórceps em embalagens previa-mente dispostas para consumo imediato. Não se pratica Justiça como se atuasse numa linha de produção fordista.

A submissão do magistrado a arrogantes dogmatismos contribui para a manutenção desse estado em que se privilegia o ter em detrimento do ser, a mercadoria em prejuízo do sujeito. O juiz pode conformar-se à teoria do medalhão machadiana, desenvolver a “a arte de pensar o pensado”56, submeter-se à ordem do progenitor simbólico que entoa o

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56 ASSIS, Machado de. Teoria do Medalhão. In Papéis Avulsos. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011, p. 104.

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“proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade, etc., etc.”57. Ou pode dispor-se a preservar sua independência.

As metas temporais de julgamento também não se furtam a essa eleição. Dependendo de como utilizadas podem servir a um propósi-to desprezando o outro. Acaso voltadas para satisfação de exigências plasmadas em retóricas vazias, mais apropriadas ao enriquecimento das biografias daqueles poucos interessados na atuação independente e efi-ciente do Poder Judiciário, por certo que o interessante será a produção. Relevantes serão as estatísticas. Por outro lado, se as metas são pensadas para a finalidade de auxiliar o Judiciário na identificação das causas da morosidade, sem que para isso sejam ultrapassadas garantias constitu-cionais, certamente não haverá motivos para aversão. O indiscutível é que a celeridade não pode ser buscada a qualquer custo.

Em uma de suas invariavelmente profícuas exposições, José Carlos Barbosa Moreira apresentou alguns mitos relacionados à morosidade judicial. E com a clareza e elegância que lhe são peculiares o eminente processualista cuida de desmascará-los58. O primeiro mito é de que se trata de contratempo exclusivamente brasileiro, quando em verdade é constatado em outros sistemas jurídicos, inclusive os anglo-saxões. O segundo é o da ingênua compreensão de que todos os litigantes clamam por celeridade. O terceiro é o de imputar à legislação a mais acentuada responsabilidade pela situação, descurando do significativo crescimen-to populacional sem projeção na necessária expansão proporcional do Poder Judiciário. Quanto ao mito derradeiro, reputado o mais perigoso, é conveniente transcrever as palavras do professor:

Consiste em hiperdimensionar a malignidade da lentidão e sobrepô-la, sem ressalvas nem matizes, a todos os demais problemas da justiça. Para muita gente, na matéria, a rapidez constitui o valor por excelência, quiçá o único. Seria fácil invocar aqui um rol de ci-tações de autores famosos, apostados em estigmatizar a morosidade

57 Idem, p. 110.58 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Futuro da Justiça: alguns mitos. Revista Jurídica. Porto Alegre, a. 49, n. 282, abr./2001, p. 20 et. seq.

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processual. Não deixam de ter razão, sem que isso implique – nem mesmo, quero crer, no pensamento desses próprios autores – hie-rarquização rígida que não reconheça como imprescindível, aqui e ali, ceder o passo a outros valores. Se uma Justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue que uma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem; não, contudo, a qualquer preço59.

BIBLIOGRAFIAALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001. 355 p.__________. Teoria de los Derechos Fundamentales. Reimp. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. 607 p.ASSIS, Araken de. Duração razoável do processo e reformas da lei processual civil. Revista Jurídica. Porto Alegre, a. 56, n. 372, p. 11-27, out./2008.ASSIS, Machado de. Teoria do Medalhão. In Papéis Avulsos. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011. p. 99-111.ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 142p.COSTA, Gerson Godinho da. O princípio constitucional do contraditório como pressuposto de legitimação da atividade jurisdicional. In: HIROSE, Tadaaqui; SOUZA, Maria Helena Rau de. Curso Modelar de Direito Processual Civil. São Paulo: Conceito, 2011. p. 13-37.FACCHINI NETO, Eugênio. O Poder Judiciário e sua Independência: uma abordagem de Direito Comparado. Direitos Fundamentais & Justiça. Porto Alegre, a. 3, n. 8, p. 121-149, jul.-set./2009.GAUER, Ruth Maria Chittó. Da Diferença Perigosa ao Perigo da Igual-dade: reflexões em torno do paradoxo moderno. Civitas – Revista de Ciências Sociais. Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 399-413, 2005.

59 Idem, p. 22.

A INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO E O CUMPRIMENTO DE METAS TEMPORAIS DE JULGAMENTO

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REVISTA DA AJUFERGS / 0786

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“ACIMA DA LEI”

Gueverson Farias Juiz Federal, Mestrando em Direito Público na UFRGS

SUMÁRIO: I. Introdução. Impunidade e a política brasileira. II. Fatores determinantes da impunidade. II.a) Foro Privilegiado. II.b) Excesso de Recursos. IV. Deveres de proteção, proibição de insuficiência e direito penal. V. Conclusões. Bibliografia.

I. INTRODUÇÃONo Brasil há uma sensação disseminada de que os políticos estão

acima da lei. Essa percepção, definitivamente, não é infundada. O sistema que deveria controlar desvios é permeado por uma série de falhas, as quais lhe retiram praticamente toda eficácia. E a quase absoluta falta de resposta aos inúmeros casos de corrupção e outros crimes envolvendo detentores de altos cargos públicos só vem acentuando o descrédito da sociedade em relação a nossas instituições.

O problema da impunidade é certamente complexo. Embora diversos sejam os ângulos pelos quais a questão possa ser examinada1, interessa-nos aqui principalmente o aspecto jurídico. O presente ensaio parte da conexão entre impunidade e política no Brasil, buscando identificar as causas do problema analisando diante de nosso quadro institucional [le-gislação e jurisprudência]. Sob essa perspectiva são ainda examinados temas conexos como os deveres de proteção do Estado e a proibição de proteção deficiente nas suas relações específicas com a impunidade. Busca-se, por fim, apontar possíveis soluções para o problema.

1 Abordagens distintas, como a sociológica, histórica e política, são de grande valia no exame do tema em questão. Embora os limites deste ensaio e exigências de ordem metodológica tenham impedido que uma análise mais holística fosse aqui realizada de forma adequada, não foram excluídos conhecimentos e dados que apesar de não se enquadrarem como especificamente jurídicos pudessem representar, ainda que de forma indireta, uma contribuição ao resultado deste estudo. Observo, ainda, que para uma abordagem minimamente compreensiva do problema foi necessário transitar por temas de direito constitucional, processual penal e penal; no processo de análise foram também tangenciadas questões políticas, históricas e criminológicas.

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Como ponto de partida para o presente estudo são propostas as seguintes questões2: a) Qual a conexão entre o quadro de deterioração da política brasileira e o problema da impunidade? c) Quais as causas da impunidade nos crimes cometidos pelos políticos? d) A impunidade significa a violação de algum dever por parte do Estado? e) É possível estabelecer conexões entre deveres de proteção, proibição de proteção deficiente e impunidade criminal? f) Pode haver expectativa jurídica de um mínimo de efetividade na aplicação da lei penal? g) É possível conciliar esse mínimo de efetividade com as garantias fundamentais no processo criminal? h) Quais as possíveis soluções para o problema?

Não se tem a pretensão de obter respostas definitivas para tais questio-namentos3. Busca-se, porém, trazer o problema para o debate acadêmico, diante da constatação de que embora a impunidade seja há décadas um dos mais graves problemas na agenda nacional, paradoxalmente muito pouca a atenção lhe tem sido dedicada pela doutrina jurídica brasileira.4

2 Sobre a primazia da pergunta na investigação científica, GADAMER, H. Verdade e Método, p. 473 e ss.3 Não há respostas definitivas na ciência, sendo o conceito de falseabilidade [Falsificatio-nismus] dela indissociável. Todo conhecimento está sujeito a permanente possibilidade de refutação, havendo, sob esse aspecto, um projeto contínuo de evolução. Nas ciências humanas, onde diferentes visões de mundo muitas vezes tornam por vezes impossível a existência de consensos, tal perspectiva é ainda mais pertinente. A propósito do conceito de falseabilidade, v. POPPER, K. A Lógica da Pesquisa Científica, p. 82 e ss. 4 Embora seja difícil determinar os motivos para a escassez de obras relacionadas ao tema, a crítica feita por HASSEMER ao conhecimento jurídico excessivamente dogmático e abstrato, no qual os temas diretamente relacionados à realidade são invariavelmente relegados a um segundo plano – muitas vezes nunca visitado – parece em certa medida adequada ao nosso cenário: “No entanto, uma passagem pelo setor de Direito Penal das Bibliotecas jurídicas, uma visão geral no programa de formação da Universidade e do serviço de preparação de candidatos, no conhecimento em massa questionado nos exames jurídicos, no significado do campo científico do Direito Penal, alertam para uma reforma imediata: as bibliotecas acumulam uma parte decisivamente completa de conhecimento sobre normas jurídico-penais e não sobre a realidade jurídico-penal” (HASSEMER, W., em Introdução aos Fundamentos do Direito Penal, p. 51). Também crítico em relação à excessiva abstração da doutrina penal, com ênfase na falta de atenção às suas consequências práticas, ROXIN: “Permanece, porém, um certo desconforto, que sempre se intensifica quando se pergunta se o minucioso trabalho sistemático de nossa dogmática, feito através de sutilíssimas precisões conceituais, não se caracterizaria por uma desproporção entre os esforços investidos pelos estudiosos e suas consequências práticas” (em Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal, p. 6).

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2 IMPUnIDADE E A POLÍtICA BRASILEIRAPode-se dizer que hoje há um certo consenso quanto à inexistência de

mecanismos institucionais eficazes para um adequado enfrentamento dos desvios cometidos pelos nossos representantes políticos. A impunidade tem sido uma marca do cenário político brasileiro. As chances de punição de abusos cometidos pelos ocupantes dos altos cargos da República, mesmo quando configurem ilícitos penais, são mínimas, para não dizer nulas. Por que isso ocorre? Quais os motivos para que eles se encontrem virtualmente imunes à possibilidade de responsabilização pelos seus desvios?

A resposta está diretamente relacionada à fragilidade de controle institucional e à inexistência do dever de prestarem contas de suas ações (lícitas ou ilícitas).5

O dever de prestar contas, inerente a toda autoridade pública, possui, no caso dos políticos, aspecto duplo6: a) político-eleitoral, relacionado às consequências que as ações (assim como as omissões) dos políticos deveriam ter sobre a opinião pública e sobre o voto dos eleitores7; b) ju-

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5 O tema examinado remete, sob certos aspectos, ao conceito de accountability, como tal compreendida a possibilidade de exigir dos governantes que seus atos sejam realizados de forma transparente, de lhes cobrar as devidas justificativas pelas suas ações e de puni-los pelo mau exercício do poder. Para mais a respeito, v. SCHEDLER, A. The Self Restraining State: Power and Accountability in New Democracies, p. 13 e ss. 6 Também relevantes nesse controle são os Tribunais de Contas e a imprensa. O papel dos Tribunais de Contas pode ser compreendido dentro do contexto de controle jurídico, muito embora o fato de tais órgãos integrarem o próprio Legislativo e seus membros em geral serem oriundos desse mesmo Poder parece não ter contribuído muito para a efetividade do seu controle no que diz respeito aos orçamentos parlamentares. Por outro lado, embora decisivo, o papel da imprensa projeta-se principalmente sobre a formação da opinião pública, analisada aqui em sua conexão com o aspecto eleitoral; v. nota a seguir. 7 Para análise estrutural e evolução do conceito de opinião pública, a ampliação de sua importância política com a universalização do eleitorado e os problemas relacionados à sua manipulação pelos detentores do poder econômico e político, v. HABERMAS, J., Mudança Estrutural da Esfera Pública. Ed. Tempo Brasileiro, 2003. De particular interesse também LOWENSTEIN, K., Political Power and the Governmental Process, p. 15, o qual destaca a íntima conexão entre opinião pública e eleitorado e sua conse-quente influência sobre a dinâmica do poder político: “Now that the mass of the power addressees actively participate as the electorate in the political process, the formation of public opinion, reflecting as well as molding the electorate, has become the most important aspect of the power dynamism of the modern pluralistic society.”

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rídico, relacionado à possibilidade de responderem civil ou criminalmente, conforme o caso, por eventuais abusos praticados no exercício do cargo.

O controle das urnas não tem se revelado muito eficiente em nosso país. Independente de desvios ou abusos no exercício do cargo, deter-minados políticos tem contado com eleitorados fieis capazes de garantir sua manutenção no poder. Os chamados “currais eleitorais” deixaram de constituir privilégio de Estados do Norte e Nordeste, não sendo preciso grande esforço para identificar exemplos dessa triste realidade, mesmo em nosso Estado, outrora orgulhoso de ser o “mais politizado do país”. Obras e dotações orçamentárias de interesse local, programas assistencialistas, concessões de benesses individuais e a possibilidade de contar com o baixo grau de instrução de significativa parcela do eleitorado explicam, em grandes linhas, essa distorção da política nacional. A dissociação entre a atuação parlamentar e a vontade popular é a consequência direta disso. Sem precisar prestar contas ao público – ao menos sob a forma de ações que atendam ao interesse geral – muitos políticos se sentem livres para agirem exclusivamente de acordo com o próprio interesse. A clássica ideia de representação popular através do Parlamento torna-se, nessas circuns-tâncias, quase um mito, terminando por prevalecer, de modo exclusivo, a lógica de manutenção no poder própria do sistema político. 8 9 10

8 O Parlamento surge na era moderna como forma de contrabalançar o poder até então incontrastável do rei. A Inglaterra foi pioneira nessa evolução, sendo o único país em que a representação popular teria se tornado um poder autônomo ainda no século XVII. LOWENSTEIN. K., op. cit., p. 40.9 A respeito dos limites e da realidade da representação democrática nas sociedades modernas, v. BOBBIO, N. O Futuro da Democracia, p. 38 e ss.10 Apesar das diversas possíveis críticas à teoria dos sistemas, inegável sua contribuição no que diz respeito à análise da dinâmica social sob uma perspectiva funcional. Curioso é o fato de o sistema político brasileiro se assemelhar cada vez mais à ideia luhmanniana de um sistema que tem a si mesmo como único referencial, infenso a interferências externas [da opinião pública, nesse caso] e que se desenvolve dentro de uma lógica própria [do poder]: “Social systems are undoubtedly self-referential objects. One can observe and describe them as systems only if one takes into account that they refer to themselves in every operation” (LUHMANN, N. Social Systems. p. 437). Para a análise da sociedade como um todo e mais especificamente do direito, mais adequada, porém, é a abordagem dualista de HABERMAS, onde se associa a uma análise funcionalista dos mecanismos e processos sociais na qual os diferentes sistemas interagem entre si a perspectiva dos participantes, de busca de entendimento mútuo através da ação comunicativa (Between Facts and Norms, MIT Press, 1998, p. 56).

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Também sob o aspecto jurídico nossos políticos podem contar com escasso controle. Isso se verifica especialmente no que tange à possi-bilidade de responsabilização por fatos de natureza criminal. Diversos fatores contribuem para isso, dentre os quais o maior destaque está no foro privilegiado e no excesso de recursos processuais. Tais questões serão adiante objeto de exame mais detalhado. Cabe, porém, observar desde já que somente em poucas e muito recentes decisões Supremo Tribunal Federal chegou a julgar e a condenar políticos com prerrogativa de foro junto a essa Corte. Levantamento realizado pela Associação dos Magis-trados Brasileiros – AMB apurou que entre 1988 e 2006 tramitaram no STF 130 processos envolvendo pessoas com foro privilegiado: desses apenas 6 foram concluídos (todos com a absolvição dos réus) e 13 pres-creveram.11 Embora a existência de um processo criminal não implique necessariamente condenação, nesse caso os números falam por si só, ainda mais quando considerada a frequência com que são revelados fatos criminosos envolvendo detentores de cargos públicos com prerrogativa de foro junto àquela Corte.12

Por fim, cabe referir que até mesmo a possibilidade de responsa-bilização dessas autoridades por improbidade administrativa foi sensi-velmente restringida a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal segundo a qual os agentes políticos não respondem pelos atos previstos na Lei n° 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), sujeitando-se exclusivamente ao regime especial previsto na Lei n° 1.079/50 (Leis dos Crimes de Responsabilidade), em ação que somente poderia ser proposta perante o foro privilegiado competente.13 Como as hipóteses

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11 O estudo completo, cujo título é “Juízes contra a Corrupção”, pode ser acessado por meio do link http://www.amb.com.br/portal/docs/noticias/estudo_corrupcao.pdf 12 De acordo com levantamento divulgado em 03.06.2009 pelo site “Congresso em Foco”, 150 parlamentares respondem a inquéritos e ações penais no STF, o que corresponde a aproximadamente 1/3 dos membros do Congresso Nacional. Dados completos, incluindo a lista dos envolvidos, estão disponíveis no link http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_canal=21&cod_publicacao=28421 13 STF, Plenário, Recl 2138/DF, j. em 13.06.2007, Rel. p/Acórdão Min. Gilmar Mendes. Restaram vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence.

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de responsabilização previstas nesta última lei são bem mais restritas do que aquelas previstas na Lei de Improbidade14, e considerando que o tratamento como crime de responsabilidade exige a aplicação do princípio da legalidade estrita, muitos atos que em tese caracterizariam improbi-dade administrativa ficarão em uma espécie de limbo jurídico, no qual inviável qualquer espécie de responsabilização. Ainda de acordo com tal entendimento, o agente político deixaria de responder pelo crime de responsabilidade após deixar o cargo que gerou as acusações.15

A partir dessa breve análise parece fácil compreender por que tanto a ação quanto até mesmo hoje o discurso de nossos políticos estão tão distantes das expectativas da sociedade brasileira; mais que isso, torna-se compreensível a sucessão de escândalos de corrupção e desvios de recursos públicos a que, infelizmente, já nos habituamos a assistir. Interessa-nos aqui o aspecto jurídico do problema, mais espe-cificamente o da impunidade na seara penal. Cabe examinar as causas desse fenômeno.16

14 Comparar, a propósito, o art. 9º da Lei dos Crimes de Responsabilidade com os arts. 9°, 10 e 11 da Lei de Improbidade.15 Tal entendimento foi aplicado em decisões posteriores do STF, como em julgamento sobre ação de improbidade na qual o réu era o próprio Ministro relator do acórdão para-digma. Após firmar sua competência, o STF decidiu arquivar o processo, em virtude de o Ministro não mais exercer o cargo de Advogado-Geral da União, que ocupava à época dos fatos que geraram as acusações (Pet-3211 QO/DF, j. em 13.03.2008).16 O problema pode ser também parcialmente creditado, sob ambos aspectos, ao fato de a experiência democrática ser algo recente em nosso país. Temos menos de 40 anos de história democrática, considerando como tal um regime no qual os governantes são escolhidos através de eleições livres e justas, com voto aberto a parcela significativa da população, onde Legislativo e Judiciário possam atuar de forma independente e, por fim, mas não menos importante, onde haja liberdade de imprensa. Afora os 20 anos desde a promulgação da Constituição de 1988, apenas no período entre 1946 e 1964 pode-se dizer que o país viveu sob semelhantes condições. Nossa história está inserida no con-texto mais amplo, latino-americano: do México à Argentina os últimos duzentos anos foram marcados por domínio oligárquico, caudilhismo, golpes militares, instabilidade e precariedade institucionais. Para uma análise compreensiva da política latino-americana, v. SMITH, P. Democracy in Latin America, Oxford, 2005.

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III. FAtORES DEtERMInAntES DA IMPUnIDADENão obstante diversos fatores contribuam em certa medida para a

impunidade, no caso específico de nossos representantes eleitos parecem ser decisivos o foro privilegiado e o excesso de recursos.

III. a) Foro Privilegiado

A denominada prerrogativa de foro, mais conhecida, aparentemente com razão, como foro privilegiado, merece lugar de destaque no quadro de causas da impunidade parlamentar.

Como já referido, estudo feito pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB revelou que dos 130 processos envolvendo pessoas com foro privilegiado que tramitaram no STF entre os anos de 1988 e 2006, apenas 6 foram concluídos, e todos resultaram em absolvições.17 Levantamento mais recente, feito pelo próprio STF, aponta que houve uma significativa evolução no número de ações penais envolvendo acu-sados com foro privilegiado. De apenas 13 em 2002 [ano imediatamente seguinte à edição da Emenda Constitucional n° 35, a qual extinguiu a necessidade de prévia licença da respectiva Casa para instauração de processo contra parlamentar], o número evoluiu para 103 no início de 2009. Tramitam ainda 278 inquéritos, o que totaliza 378 processos en-volvendo autoridades. Apesar da evolução no número de procedimentos abertos, verificou-se que no mesmo período apenas 11 processos foram julgados, tendo todos, igualmente, resultado em absolvições.18

Tais dados confirmam a percepção geral quanto à impunidade dos detentores de prerrogativa de foro junto a essa Corte, o que se torna ainda mais preocupante quando considerado que são especificamente as prin-cipais autoridades do país – Presidente e Vice-Presidente da República, Ministros de Estado, Senadores e Deputados Federais, entre outros. Disso decorre um quadro indesejável, onde aqueles nas mãos de quem está a condução dos rumos do país estão virtualmente acima da lei.

17 http://www.amb.com.br/portal/docs/noticias/estudo_corrupcao.pdf 18 Dados divulgados na edição eletrônica da Folha de São Paulo de 28/02/2009, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2802200914.htm.

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A ineficiência desse sistema se dá por vários motivos. O primeiro deles, de ordem estrutural, é que o STF possui sob seu encargo uma imensa carga de processos, tendo sido lá distribuídos, apenas no de 2008, 66.873 novas ações.19 Em meio a essa verdadeira montanha de processos encon-tram-se as discussões jurídicas mais relevantes do país, destacadamente aquelas de natureza constitucional. No seu papel de Corte Constitucional, o STF vem sendo cada vez mais protagonista em questões de grande relevância para o país. Desde questões tributárias de grande impacto econômico, passando por liberdade de imprensa até a definição de temas centrais da política brasileira, como a lei da ficha limpa, são inúmeros os exemplos de casos de grande relevância levados ao julgamento do STF nestes últimos anos. Porém é difícil que ao lado de suas atribuições de Corte Constitucional o STF possa dar simultaneamente a devida priori-dade ao processamento de inquéritos e ações penais originárias. A isto se soma uma dificuldade adicional: o STF, assim como os tribunais em geral, não está estruturado para o processamento de ações penais, pois ordinariamente julga apenas recursos, ações constitucionais ou habeas corpus, processos que, de regra, não envolvem atos de instrução.20

Outro aspecto relevante é que o universo de detentores de prerro-gativa de foro junto ao STF é muito alto. São aproximadamente 700 as autoridades que têm como juiz natural o mais alto tribunal do país. Disso decorrem várias consequências, pois além da sobrecarga do próprio tribu-nal, concentra-se nas mãos de uma única autoridade, o Procurador Geral da República, a atribuição de titular da ação penal nos crimes cometidos por esse significativo número de pessoas. São evidentes as dificuldades para desempenhar essa tarefa, que pode ser qualificada no mínimo como hercúlea; por maior a competência e esforço do ocupante do cargo de

19 O número de processos distribuídos àquela Corte foi significativamente maior nos anos anteriores: 116.216 em 2007, 112.938 em 2008. A redução se deve principalmente à Repercussão Geral, instrumento que tem permitido a redução dos recursos repetitivos. Fonte: http://www.stf.jus.br 20 No dia 21.08.09 foi sancionada a Lei n° 12.019, que permite a convocação de Juízes e Desembargadores para a realização de atos de instrução nas ações penais em trâmite no STF, o que, espera-se, venha a atenuar ao menos este aspecto do problema. Tal medida, porém, parece apenas um paliativo, e não a solução definitiva para o problema.

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PGR, natural que grande número de fatos que poderiam ser investigados acabe caindo na denominada cifra negra criminal.21 Da mesma forma parecem grandes as dificuldades da Polícia Federal para investigar essas autoridades: os grandes escândalos da política nacional – de Collor ao Mensalão – originaram-se da revelação autônoma dos fatos, e não de investigações desse órgão.

O exemplo mais significativo dessas dificuldades é exatamente o caso do Mensalão (Ação Penal n° 470). Apesar dos esforços do Ministro Relator do processo a fim de imprimir celeridade ao feito, a adoção de medidas como o emprego de juízes auxiliares e a expedição de cartas de ordem a juízes de 1ª instância para oitiva de réus e testemunhas, em relação a um dos crimes (formação de quadrilha) a ação penal já se en-contra próxima da prescrição, não havendo perspectiva de julgamento antes do ano que vem (2012). Considerando que a denúncia foi oferecida no dia 30/03/2006, o trâmite do processo levará assim no mínimo 6 anos apenas em sua fase judicial.

O foro privilegiado representa possivelmente o maior entrave à persecução penal nos crimes envolvendo detentores de altos cargos na República. Diante de tal quadro, não soam muito convincentes os ar-gumentos que buscam justificar sua manutenção nos moldes atuais ou, pior ainda, a sua ampliação.22 Razões como a proteção de parlamentares

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21 A cifra negra corresponde ao número de fatos criminosos que por razões diversas não chegam ao conhecimento dos órgãos de persecução penal ou para os quais não há punição. Embora pela própria natureza de tais cifras jamais vá se dispor de dados precisos sobre elas, tudo indica que, em regra, o número de fatos que entram na cifra negra seja muito superior ao daqueles que são objeto de investigação, processo e condenação. Para mais a respeito das cifras negras e dos mecanismos de seleção do aparelho de repressão penal, v. DIAS, J. F., Criminologia, p. 133 e 385 e ss.22 Várias têm sido as recentes tentativas de ampliação do foro privilegiado. A Lei n° 10.628/02, publicada no apagar das luzes do Governo Fernando Henrique Cardoso e cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo STF na ADIn 2797-2, por exemplo, estendia o foro privilegiado a ex-autoridades, representando uma reação contra a revogação da Súmula 394 do STF. No mesmo sentido e após a declaração de inconstitucionalidade da referida lei, foi apresentada a Proposta de Emenda Constitucional nº 358/2005. Outro exemplo dessas iniciativas foi a recente Lei Complementar 99/2007, de Minas Gerais, que estendia tal prerrogativa a mais de 2000 autoridades daquele Estado. A lei, que havia sido vetada pelo Governador Aécio Neves, foi suspensa liminarmente pelo Plenário do STF (ADI 3946).

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contra possíveis perseguições políticas, se na origem do instituto faziam algum sentido, são no mínimo discutíveis em um Estado de Direito onde instituições como Judiciário e Ministério Público possuem independência garantida constitucionalmente e pela própria forma de provimento dos cargos estão pouco suscetíveis a influências de natureza política, bem como onde as possibilidades de defesa processual são as mais amplas possíveis, conforme se verá a seguir. Interesses de ordem pessoal, como a manutenção de privilégios e principalmente a possibilidade de estar na prática imune à responsabilização criminal, parecem ser as reais motivações que atualmente sustentam esse instituto.

III. b) Excesso de RecursosO problema do excesso de recursos provoca a lentidão de todo

o sistema judiciário brasileiro. Os maiores entraves, porém, parecem ocorrer no processo penal. Mesmo nas ações penais originárias do STF, onde o processo tem trâmite em instância única, a multiplicidade de recursos contribui de modo decisivo para a demora na conclusão e para a consequente impunidade criminal.

A legislação processual penal brasileira é generosa na previsão de recursos. Desde recursos em sentido estrito e habeas corpus que tornam passível de reexame praticamente toda e qualquer decisão inter-locutória, passando pela apelação e pelos não tão necessários embargos infringentes, agravos sobre agravos em tribunais, até recursos especial e extraordinário com efeito suspensivo, há toda uma ampla gama de possibilidades recursais à disposição dos acusados, capazes de protelar indefinidamente a conclusão do processo e os efeitos de uma eventual condenação.23 A maior dificuldade para a efetividade do processo penal brasileiro parece, porém, o condicionamento da eficácia das decisões ao

23 O anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal em trâmite no Congresso pouco contribui para melhorar essa realidade: a única alteração em relação ao atual sistema é a redução da possibilidade de oferecimento dos embargos de declaração, uma vez por instância. A íntegra do anteprojeto está disponível no link http://www.senado.gov.br/novocpp/pdf/anteprojeto.pdf

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trânsito em julgado, segundo interpretação dada ao princípio da presunção da inocência pelo STF.24

Não obstante haja bons argumentos favoráveis a tal compreensão25, a interpretação dada pelo STF torna o princípio da presunção de inocência de certo modo absoluto, na medida em que quaisquer princípios com ele colidentes deverão necessariamente ceder em seu favor. Tal interpretação parece não ponderar os outros princípios constitucionais em jogo, como o da efetividade da jurisdição penal e da reflexa proteção social garantida pelas normas penais. Especialmente diante do amplo sistema recursal existente no Brasil, condicionar o início do cumprimento da pena ao trân-sito em julgado significa na prática tornar quase nulas as possibilidades de eficácia da jurisdição criminal, ao menos para aqueles que possuem condições para fazer uso das possibilidades oferecidas por esse sistema.26

Neste ponto nosso país foi inovador, de uma forma particularmente infeliz. De acordo com a legislação federal americana, por exemplo, a regra é a de que o cumprimento de pena se dê a partir da condenação de 1ª instância.27 No direito alemão, a regra é que a apelação suspenda

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24 STF, HC 84078, Rel. Min. Eros Grau, j. em 05/02/09, acórdão ainda não publicado. Foram vencidos os Min. Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. Revertendo o entendimento consolidado no sentido da possibilidade de execução penal provisória, o STF recentemente decidiu, com base no princípio da presunção de inocência, pela impossibilidade de início do cumprimento da pena enquanto não esgotados todos os possíveis recursos contra a condenação. Incluem-se aí os recursos especial e extraordinário, que até então não possuíam como regra efeito suspensivo.25 Destacam-se aqueles relacionados tanto à literalidade do dispositivo constitucional, quanto à impossibilidade de reversão dos efeitos de uma pena que venha a ser reformada em sede recursal.26 JORGE FIGUEIREDO DIAS aponta a importância do poder dos potenciais investigados e acusados sobre os mecanismos de seleção criminal. Tal poder se projeta em diversi-ficados graus sobre o sistema, chegando, em alguns casos, à capacidade de manipular a própria lei penal. Embora os parlamentares sejam aqueles que certamente dispõem das melhores condições para influir sobre a legislação – alterando-a ou mantendo-a ineficiente –, sob o ângulo ora analisado interessa particularmente o que o autor aponta como a capacidade de “resistência que a pessoa está em condições de oferecer ao pró-prio processo”, relacionada diretamente ao status pessoal e à capacidade econômica do acusado (Criminologia, pp. 387/388); v. supra, nota 27.27 US Code, Title 18, § 3143. Release or detention of a defendant pending sentence or appeal.

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o cumprimento da pena28, não, porém, o recurso constitucional.29 30 No direito italiano, o trânsito em julgado se dá com o esgotamento dos meios ordinários de impugnação31, o que não inclui a possibilidade o recurso constitucional ou a revisão criminal. É na realidade peculiar do sistema processual brasileiro o condicionamento da eficácia de decisões judiciais à confirmação por várias instâncias ou ao esgotamento de recursos. Se por um lado o benefício desse sistema é uma duvidosa segurança jurídica, seu custo é alto em termos de efetividade. Interessante observar a inexistência de paralelo desse modelo no direito comparado.32 33

Da combinação de um sistema recursal amplo com uma interpreta-ção que leva o princípio da presunção da inocência ao limite, resulta um quadro no qual não há qualquer expectativa de um mínimo de eficácia do sistema penal para aqueles réus que dispõem de condições, sobretudo materiais, de bem aproveitarem as potencialidades de defesa no proces-so.34 Mesmo nas ações penais originárias, nas quais o trâmite se dá em

28 StPO, § 343. 29 A Lei do Tribunal Constitucional [BVerfGG] simplesmente não prevê tal efeito.30 Na Alemanha há ainda a possibilidade de prisão cautelar em razão da gravidade do crime, inexistente na lei brasileira; assim enquanto aqui a regra é que o réu permaneça até o final do processo em liberdade (exceto quando verificada alguma das hipóteses previstas no art. 312 do CPP), lá a regra é de que se o crime for grave ele já esteja preso quando apelar [StPO, § 112].31 CPP, art. 648, 1.32 Vemos com certa reserva o argumento de que os exemplos do direito comparado não podem servir de referencial ao nosso direito, pois os direitos e garantias hoje insculpidos em nossa Carta Constitucional foram em sua maioria, senão todos (a honrosa exceção seja possivelmente o mandado de segurança), importadas do direito estrangeiro. 33 As origens do princípio da presunção de inocência remontam, ao menos em termos de positivação, ao direito anglo-saxônico. Em nenhum dos países da Common Law, porém, tal direito alcançou a peculiar interpretação que lhe tem sido dada no Brasil. 34 Exemplo disso é o caso do jornalista Pimenta Neves, réu confesso no assassinato de Sandra Gomide, sua colega de profissão: condenado a 19 anos de prisão pelo Tribunal do Júri, decisão essa já confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, aguarda em liberdade o julgamento em virtude de decisão na qual se entendeu pela aplicação do prin-cípio da presunção de inocência a esse caso (STF HC 80719, Rel. Min. Celso de Mello). O crime ocorreu há mais de 10 anos (20/08/2000), não havendo, por ora, perspectiva de conclusão do processo. Como o réu tem mais de 70 anos de idade, o prazo prescricional nesse caso é reduzido pela metade.

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instância única, essa ampla gama de recursos oferece a possibilidade de prolongar o tempo de duração do processo além de qualquer medida razoável35, fator que também explica as pífias estatísticas no julgamento de crimes pelo STF.36

Outro aspecto relevante, próprio do processo penal e que acaba tendo especial relevância nesse contexto, é que a demora decorrente do excesso de recursos leva, em muitos casos, à prescrição. Vale observar que embora a prescrição pela pena máxima abstratamente prevista em lei em tese ocorra em prazos mais longos, os prazos prescricionais são regulados, na prática, pela pena aplicada em concreto37, a qual, de acor-do com os critérios da jurisprudência brasileira38, muito dificilmente se afasta do mínimo legal. Para ilustrar a questão tome-se como exemplo o crime de corrupção passiva: embora em tese a prescrição somente ocorra em 16 anos39, na prática tal prazo dificilmente ultrapassará os 8 anos, podendo ser de apenas 4 anos, dependendo da circunstância ficar no mínimo legal ou pouco acima disso. Assim ao protelar a conclusão do processo mediante recursos o acusado pode, dependendo do caso, aumentar de forma significativa suas chances de livrar-se do processo pela prescrição, o que ocorre com indesejável frequência.

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35 A razoável duração do processo tornou-se princípio constitucional (CF, art. 5º, LXVIII, incluído pela EC 45). Além de seu evidente caráter de regra a assegurar direitos subjetivos ao cidadão, o dispositivo constitucional parece também conter princípio que projeta refle-xos sobre todo o sistema, exigindo sua concretização ainda naqueles processos nos quais não haja interesse do particular nesse sentido, tal como pode ocorrer no processo penal. Sobre a possibilidade tanto regras como princípios de um mesmo dispositivo constitu-cional, v. ALEXY, R., Teoria de los Derechos Fundamentales, pp. 135/137. No mesmo sentido e com elucidativos exemplos, ÁVILA, H., Teoria dos Princípios, pp. 41/43.36 v. supra, nota de rodapé 16.37 CP, art. 110.38 A respeito dos critérios jurisprudenciais na fixação de penas, v. a crítica de BOSCHI, J. P., Das Penas e seus Critérios de Aplicação, pp. 219/221. Os raros casos em que a pena aplicada se distanciou do mínimo, como nas recentes condenações de Daniel Dan-tas (Operação Satiagraha) pelo crime de corrupção e de Eliane Tranchesi (Daslu) por sonegação tributária, foram objeto de fortes críticas no meio jurídico nacional. 39 A pena prevista para o crime de corrupção é de 2 a 12 anos de reclusão (CP, art. 317), as quais prescrevem, respectivamente, em (CP, art. 109, II).

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Na tensão natural entre segurança jurídica e efetividade do processo, a solução não pode ser resolvida de uma forma que esvazie de conteúdo concreto qualquer um desses princípios, sendo necessário que através de ponderações se encontre um ponto de equilíbrio no qual a ambos seja dada a devida relevância. Isso não se dá, por óbvio, em um processo no qual se sabe de antemão que dele resultado prático algum poderá advir.

IV. DEVERES DE PROtEçãO, PROIBIçãO DE InSUFI-CIêNCIA E DIREITO PENAL

Necessário questionar, diante desse quadro, se a falta de atuação de forma minimamente eficiente na investigação, processo e julgamento de crimes representa, a partir de uma perspectiva estritamente jurídica do problema, alguma espécie de omissão relevante por parte do Estado. Haveria, enfim, alguma obrigação jurídica de o Estado agir nesses ca-sos? A resposta está nos denominados deveres de proteção estatais, da proibição de proteção deficiente e em suas conexões com o direito penal.

Na sua concepção clássica, os direitos fundamentais correspondiam exclusivamente aos direitos de defesa [Abwehrrechte] do indivíduo perante o Estado.40 Esse modelo reflete a primeira etapa do constitu-cionalismo moderno, concretizada no Estado Liberal do século XIX. A primeira geração de direitos fundamentais surge como resultado da luta frente às ameaças provenientes do poder estatal; em face dessa gê-nese, natural que o conteúdo desses direitos representasse, sobretudo, a garantia de não-intervenção por parte do Estado na esfera de liberdade individual (liberdades negativas). Dentro de uma perspectiva histórica é fácil perceber tal conformação jurídica como reflexo direto dos ideais do liberalismo, então dominantes.

Porém a evolução histórica do constitucionalismo experimentada ao longo do século XX passou a apontar para novas expectativas quanto ao papel do Estado e suas relações com a sociedade. Exigiram-se avanços sobre o modelo liberal, passando o Estado a ter não mais de apenas

40 ALEXY, R. Teoria de los Derechos Fundamentales, p. 419.

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respeitar, mas também de proteger os direitos fundamentais.41 Enquanto para a concretização das liberdades negativas exigia-se apenas a omissão, reconhece-se agora a imprescindibilidade de intervenções estatais em determinadas situações no interesse dos próprios particulares. Surgem assim os chamados direitos a ações positivas do Estado, dentre os quais a categoria mais conhecida é a dos chamados direitos sociais, que cor-respondem ao direito a prestações materiais (saúde, educação, assistência social, moradia). Os direitos a ações estatais positivas não se restringem, porém, aos direitos sociais.

Outra categoria dos direitos a ações positivas do Estado é a dos chamados direitos de proteção.42 De acordo com ALEXY estes seriam os “direitos do titular de direito fundamental frente ao Estado para que este o proteja de intervenções de terceiros”.43 Correlatos a esses direitos haveria deveres de proteção do Estado em relação ao cidadão [Schutzpflicht]. A concepção básica por trás disso é a de que as violações a direitos fundamentais não partem apenas do Estado, mas também de outros cidadãos. É o que se dá no homicídio, por exemplo. Diante de tal realidade e em virtude do seu monopólio do exercício legítimo da força44, decorreria o dever do Estado de proteger os cidadãos face a potenciais agressões de terceiros.

A teoria dos deveres de proteção foi desenvolvida na Alemanha, tendo o Tribunal Constitucional [BVerfG] daquele país se referido expres-samente a respeito desse tema em algumas de suas decisões.45 Pode-se apontar como leading case no reconhecimento dos deveres de proteção

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41 FELDENS, L. Direitos Fundamentais e Direito Penal, p. 58.42 ALEXY divide os direitos a ações positivas do Estado [direitos a prestações em sentido amplo] em 3 grupos: a) direitos a proteção; b) direitos a organização e procedimento; c) direitos a prestações em sentido estrito, que correspondem aos clássicos direitos sociais (op. cit., p. 430). 43 ALEXY, op. cit., p. 435. 44 De acordo com a clássica lição de MAX WEBER o monopólio legítimo da força é o que caracteriza a instituição política denominada Estado (Economia e Sociedade, v. 1, p. 34). 45 BVerfGE 39, 1 (1ª Decisão do Aborto); BVerfGE 49, 89 (Kalkar); BVerfGE 53, 30 (Mülheim-Karlich); BVerfGE 77, 170 (Depósito Armas Químicas); BVerfGE 88, 203 (2ª Decisão do Aborto).

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a chamada 1ª Decisão do Aborto [Schwangerschaftsabbruch I], de 1975, onde o BVerfGE afirmou que o Estado teria o dever do proteger a vida do nascituro através da incriminação do aborto.46 47 Na fundamentação dessa decisão o Tribunal apontou que o direito de proteção teria como base o próprio direito fundamental ameaçado de lesão, no caso, o direito à vida.48 Ainda de acordo com a jurisprudência do BVerfG a escolha dos meios para proteção cabe, em princípio, ao legislador; quando, porém, somente houver um meio eficaz – como no caso da incriminação do aborto para proteção do direito à vida do nascituro – sua escolha se impõe.49 Em decisões dadas na década de 90, a Corte chegou a estender o reconhecimento da existência de deveres de proteção a relações de direito privado.50

Com efeito, apesar de desenvolvida originalmente em torno do direito à vida e à integridade corporal51, a teoria pode ser estendida à proteção de outros bens jurídicos, destacadamente aqueles tutelados pelo direito penal. No caso específico de crimes como os de corrupção, con-

46 BVerfGE 39, 1.47 No Brasil o tema parece constituir até certo ponto novidade. Porém no recente julga-mento sobre células-tronco o voto do Min. GILMAR MENDES faz referência aos deveres de proteção do Estado, citando KONRAD HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. pp. 155-156 (STF, ADI 3510; apesar de julgada em 29/05/2008 o acórdão ainda não foi publicado; esse voto, porém, está disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3510GM.pdf). De acordo com a versão da obra de HESSE traduzida para o português por LUIS AFONSO HECK “Ponto de partida para isso é a compreensão dos direitos fundamentais como princípios objetivos que obrigam o Estado a fazer o possível para realizar direitos fundamentais. Em conformidade com isso, pode resultar diretamente de direitos fundamentais um dever estatal de preservar um bem jurídico de violações e ameaças antijurídicas por outros, sobretudo por privados (...)” (Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, p. 278). 48 “O dever do Estado de proteger a toda vida humana pode, portanto, ser deduzido di-retamente do art. 2, § 2, da Lei Fundamental [direito à vida]. Ele também resulta do art. 1, § 1, da LF [direito à dignidade da pessoa humana]; pois a vida em desenvolvimento está incluída na proteção da dignidade humana garantida pelo art. 1, § 1, da LF.”49 BVerfGE 39, 1. No mesmo sentido, BVerfGE 46, 160 (Schleyer).50 BVerfGE 81, 242 (1990); BVerfGE 89, 214 (1993).51 HESSE, K., op. cit., 279.

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tra o erário público e nos crimes do colarinho branco em geral, pode-se discutir, pelo fato de nesses casos não haver vítimas específicas, quanto à existência de tais deveres, bem como sobre a imprescindibilidade da sanção penal como meio adequado de tutela.

Quanto à primeira questão, inegável que, em tais casos, a sociedade como um todo é a vítima. Embora não seja possível a individualização das vítimas, direitos fundamentais de todos os cidadãos são em certa medida afetados com a perpetração desses crimes, não havendo sob tal prisma como negar a necessidade de proteção. Por outro lado, a opção prévia do legislador na incriminação dessas condutas constitui relevante indicativo quanto à sua lesividade e da consequente necessidade de uma proteção social efetiva. Nesse ponto vale observar que embora recen-temente venham sendo incriminadas condutas de duvidosa lesividade, ampliando os exemplos de direito penal simbólico em nosso sistema, parece difícil questionar com seriedade a gravidade de crimes como corrupção ou desvio de dinheiro público cometidos por políticos. Para efeitos de raciocínio, imagine-se uma lei que “descriminalizasse” tais condutas: seria ela possível, ou, em linguagem jurídica, constitucional? A resposta deve ser negativa. A obrigação do Estado de proteger bens jurídicos como a probidade no exercício de mandatos eletivos e na gestão de recursos públicos52 parece indissociável de uma adequada tutela penal, sem a qual restaria substancialmente enfraquecida.53

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52 ROXIN, C., A Proteção de Bens Jurídicos como Função do Direito Penal, pp. 17-18. aponta para a necessidade de proteção de bens jurídicos relacionados à Administração Pública “em um Estado democrático de Direito, modelo teórico de Estado que eu tomo por base, as normas jurídico-penais devem perseguir somente o objetivo de assegurar aos cidadãos uma coexistência pacífica e livre, sob a garantia de todos os direitos humanos. Por isso, o Estado deve garantir, com os instrumentos jurídico-penais, não somente as condições individuais necessárias para uma coexistência semelhante (isto é, a proteção da vida e do corpo, da liberdade de atuação voluntária, da propriedade etc.), mas também as instituições estatais adequadas para este fim (uma administração de justiça eficiente, um sistema monetário e de impostos saudáveis, uma administração livre de corrupção etc.) sempre e quando isto não se possa alcançar de outra forma melhor”. 53 Embora seja possível discutir quanto à possibilidade de se aplicarem apenas sanções de caráter civil ou administrativo nesses casos, estas parecem não serem suficientes para a adequada proteção dos bens jurídicos em questão. Tome-se como exemplo a prática de

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Porém a mera previsão em abstrato de tutela penal não basta. É preciso que ela venha acompanhada de um mínimo de efetividade, o que, como já referido, não tem ocorrido no Brasil, onde a proteção dos bens jurídicos tutelados pelas normas penais que incriminam a corrup-ção, a apropriação e o desvio de verbas públicas em geral é altamente deficiente. Sob essa perspectiva o problema deve ser analisado à luz da denominada proibição de proteção insuficiente [Untermaβverbot],54 ideia desenvolvida pelo direito alemão em estreita conexão com os deveres de proteção. Na chamada 2ª Decisão do Aborto,55 o BVferGE estabeleceu que embora caiba em princípio ao legislador a escolha do meio para a proteção de direitos fundamentais56 esta não pode ser insuficiente, de-vendo o Estado “para o cumprimento do seu dever de proteção, adotar, com a devida consideração dos bens jurídicos contrapostos, medidas normativas e fáticas suficientes para conduzir a uma proteção adequada, e como tal eficaz”. 57

A proibição de proteção deficiente constitui uma das dimensões do princípio da proporcionalidade58, podendo-se dizer que seria a outra face da proibição de excesso [Übermaβverbot], permitindo um controle

atos de corrupção, de apropriação ou desvio de verbas públicas: dentro de uma lógica utilitarista, são significativamente menores os riscos assumidos pelo agente público quando sujeito exclusivamente às sanções previstas na Lei 8.429/92 do que quando também sujeito a possibilidade de responsabilização penal. Sobre as restrições quanto à possibilidade de aplicação da lei de improbidade, v. supra, p. 8.54 Sobre a proibição de proteção insuficiente no direito alemão, v. MICHAEL, L., As Três Estruturas de Argumentação do Princípio da Proporcionalidade – para a Dogmática da Proibição de Excesso e de Insuficiência e dos Princípios da Igualdade, tradução de HECK, L. A., no prelo. 55 BVerfGE 88, 203.56 Na Primeira Decisão do Aborto a Corte já havia sido estabelecido isso, ressalvando que quando somente um meio fosse eficaz o legislador teria a obrigação de elegê-lo (BVerfGE 39, 1).57 BVerfGE 88, 203.58 Preferimos aqui a tradicional indicação da proporcionalidade como princípio; não se desconhece, porém, as outras diversas qualificações que lhe tem sido dadas pela doutri-na – sobre-princípio, máxima, postulado. Deixamos de lado tal a discussão, por não se inserir dentro dos limites deste ensaio.

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também sobre omissões ou ações deficientes do Estado.59 Imprescindível segundo isso que a proteção dada pelo Estado, sob a forma legal, seja adequada e proporcional, revestindo-se da necessária eficácia para sua concretização. Tal raciocínio se estende à tutela penal. Dentro de um marco de direito penal mínimo e com o respeito às garantias constitu-cionais do acusado, o sistema penal tem de ser capaz de dar respostas adequadas e suficientes à proteção dos bens jurídicos que visa a tutelar.

Nessa linha, observo que não apenas o Tribunal Constitucional Fe-deral da Alemanha, mas também a Corte Europeia de Direitos Humanos [CEDH]60, a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos [CIDH] têm reiteradamente reconhecido omissões do Estado em prestar a devida tutela penal a violações contra direitos fundamentais.

No caso da CIDH merece destaque o caso Maria da Penha61, onde o Brasil foi denunciado pela sua omissão em punir as agressões sofridas por Maria da Penha Maia Fernandes, mulher que após ter sido agredida durante toda a vida matrimonial foi vítima de tentativa de homicídio pelo seu então marido, que a deixou paraplégica; passados 15 anos do crime as autoridades brasileiras ainda não haviam adotado as medidas necessárias para punir o agressor. A CIDH reconheceu que o Estado brasileiro teria violado seu dever de dar a devida proteção judicial necessária à garantia de direitos, e que essa violação seguiria um padrão de “tolerância em relação à violência doméstica contra mulheres no Brasil por ineficácia

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59 De acordo com MICHAEL, L., op. cit., embora possua vários pontos em comum com a proibição de excesso, a proibição de proteção deficiente segue uma estrutura de argumentação própria.60 v.g. Caso M.C. X Bulgaria (Application n° 39272/98), relativo à falta de efetividade em uma investigação de estupro e a exigência das autoridades locais de que houvesse prova de resistência física nesse caso; Caso Silladin vs. França (Application n° 73316/01), sobre uma imigrante estrangeira oriunda da República do Togo, menor de idade, contratada por cidadãos franceses para trabalhar como doméstica sem pagamento e descanso, em regime semelhante ao de escravidão, no qual as Cortes francesas absolveram os acusa-dos; Caso Teren Aksakal vs. Turquia (Application n° 51967/99), sobre impunidade de fato de agentes estatais condenados por cumplicidade na tortura e subsequente morte de pessoa sob custódia policial.61 CIDH, Caso n° 12.051, julgado em 04.04.2001. O caso foi objeto de exame na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

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da ação judicial”. Em face disso foi editada a chamada Lei Maria da Penha (Lei n° 10.886/2004), na busca de uma maior efetividade na pu-nição desses crimes.62

V. CONCLUSõES Investigação, processo e julgamento criminal de políticos no Brasil

são hoje absolutamente ineficientes. A certeza de impunidade, associada à falta de controle pelas urnas e a restrições inclusive quanto à possibili-dade de responsabilização por atos de improbidade administrativa são os ingredientes para o atual quadro de completa dissociação entre a ação dos políticos e o interesse público. Não tendo de prestar contas de suas ações senão aos seus próprios pares, os políticos vivem sob uma lógica própria, em um sistema que toma cada vez mais a si mesmo como único referencial.

No entanto o Estado tem um dever de dar uma proteção adequada a bens jurídicos como o erário público e uma administração livre de corrupção, o que exige a prestação de uma justiça penal na qual a im-punidade não seja uma certeza.63 A ideia dos deveres de proteção e da conexa proibição de proteção deficiente, reconhecidas pelo Tribunal Constitucional Alemão e, embora sob pontos de vista diferentes, pela Corte Europeia de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana de Di-reitos Humanos, podem ser estendidas a proteção de bens jurídicos como os acima referidos. Deve-se destacar que embora se trate de ações sem vítimas determinadas, a sociedade como um todo acaba por suportar os prejuízos decorrentes de condutas como corrupção, desvio e apropriação de verbas públicas, o que justifica, segundo entendemos, a exigência de uma tutela eficaz por parte do Estado nesses delitos.

Dentro dessa perspectiva, o Estado tem um compromisso com a efetividade da justiça penal para o adequado cumprimento de seus de-veres de proteção. Esse compromisso não é apenas do Estado-legislador, mas também do Estado-juiz. Por óbvio que isso não implica redução de

62 FELDENS, L., Direitos Fundamentais e Direito Penal, pp. 105/106.63 A velha lição de BECCARIA é mais que nunca atual: “La certeza di un castigo, benchè moderato, farà sempre una maggiore impressione, che non il timore di un altro più terribile, unito colla speranza della impunità” Dei Deliti e delle Pene, Capítulo XX (1764).

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garantias ou condenação de inocentes; implica, porém, na adoção das medidas necessárias para que o processo penal não seja um fim em si mes-mo, o que se dá quando ele nada mais é que uma sequência de atos sem perspectiva de resultado prático algum senão a própria produção desses atos. Também é necessário não perder de vista que embora o processo constitua instrumento essencial de garantia individual, serve também como o meio necessário para que o Estado dê a resposta proporcional, adequada e, principalmente, necessária, para a defesa da sociedade naqueles casos onde a sanção penal foi estabelecida como meio único meio suficiente para tanto.64

A extinção do foro privilegiado – ou a sua restrição a apenas de-terminadas autoridades em relação às quais o instituto é ainda até certo ponto justificável, como Presidente e Vice-Presidente da República e Ministros de Estado – constitui medida imprescindível a fim de mudar o quadro de ineficiência do sistema. Outra medida essencial nesse sentido seria a simplificação do sistema recursal. Isso representaria, sem sombra de dúvida, significativo avanço não apenas em relação aos procedimen-tos criminais envolvendo pessoas com prerrogativa de foro, mas para o processo penal brasileiro em geral. Embora diversas sejam as possíveis propostas no sentido da racionalização do sistema, um processo penal com recurso de apelação [duplo grau de jurisdição] e recursos especial e extraordinário sem efeito suspensivo [recursos com finalidade precipu-amente objetiva], garantiria tanto o direito de defesa do acusado quanto um mínimo de efetividade a essa espécie de processo.

Finalmente, é necessário que a jurisprudência busque um ponto de equilíbrio entre a efetividade da lei penal e as garantias fundamentais do acusado na aplicação da lei penal, através de uma interpretação que envolva a devida ponderação de todos os princípios constitucionais em jogo. Os resultados de uma interpretação que não leve em consideração os princípios colidentes ou torne de alguma forma um princípio absoluto costumam ser desastrosos.

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64 Partir da compreensão que o direito e processo penal visam única e exclusivamente função garantir os direitos do acusado, implica em negar a função aparentemente óbvia de proteção tanto das vítimas quanto da sociedade como um todo que as normas penais desempenham.

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Deve-se destacar que as propostas para melhoria da eficiência da jurisdição penal não se confundem com indevidas ampliações do espectro de aplicação penal, como tem ocorrido com indesejada frequência na incriminação de fatos de pouca lesividade pelo nosso legislador (direito penal simbólico). Em crimes de especial gravidade, como corrupção de altas autoridades, apropriação e desvio de verbas públicas, o sistema tem de ser capaz de dar respostas efetivas e em um tempo razoável.

Isso não implica – como parte da intelligentsia jurídica nacional insiste em tentar fazer crer – em supressão de garantias constitucionais ou de direito penal máximo. É possível conciliar efetividade do sistema penal com garantias constitucionais. O discurso que nega a possibilidade de avanço no sentido da efetividade no processo penal busca, em última análise, preservar um quadro no qual o direito de alguns [acusados de colarinho branco] prevalece contra tudo e contra todos; pior ainda é que esse discurso vem normalmente revestido de uma suposta defesa do “Es-tado Democrático de Direito”. Curiosamente, muitos daqueles que hoje são os seus arautos emergiram na cena pública nacional especificamente no pior período da ditadura; porém ao contrário de reagirem contra os abusos de então, permaneceram em um silêncio no mínimo conivente. É curioso perceber como o liberalismo de hoje serve, na realidade, aos interesses mais conservadores e retrógrados da sociedade brasileira.

É preciso começar a repensar tais questões, sob pena de permane-cermos indefinidamente lamentando nossas mazelas, sem percebermos que as soluções existem e são mais simples do que alguns as fazem pa-recer. Parafraseando William Shakespeare, por vezes a culpa de nossos problemas não está nas estrelas, mas em nós mesmos.65

65 “The fault, dear Brutus, is not in our stars, But in ourselves, that we are underlings.”William Shakespeare, Julius Caesar, Ato I, Cena II

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Fontes na Internet:www.amb.org.br (Associação de Magistrados Brasileiros)http://www.bundesverfassungsgericht.de (Tribunal Constitucional da Alemanha)http://www.corteidh.or.cr/ (Corte Interamericana de Direitos Humanos)http://congressoemfoco.ig.com.br (Congresso em Foco)http://www.echr.coe.int/ (Corte Europeia de Direitos Humanos) http://www.folha.com.br (Jornal Folha de São Paulo)http://www.senado.gov.br (Senado Federal)http://www.stf.jus.br (Supremo Tribunal Federal)

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RESPOnSABILIDADE tRIBUtÁRIA:SEU PRESSUPOSTO DE FATO

ESPECÍFICO E AS ExIGênCIAS PARA O REDIRECIOnAMEntO DA ExECUçãO FISCAL

A doutrina estrangeira, o RE 562.276 e a Portaria PGFN 180/2010

Leandro PaulsenJuiz Auxiliar do Supremo Tribunal Federal

Doutorando em Derechos y Garantías del Contribuyente (Universidad de Salamanca, Espanha)Mestre em Direito do Estado (UFRGS). Especialista em Filosofia e Economia Política (PUCRS)

SUMÁRIO: Introdução. PARTE I – DA RESPONSABILIDADE TRI-BUTÁRIA COMO RELAÇÃO JURÍDICA AUTÖNOMA. 1. Posição jurídica do responsável: diversas relações jurídicas. 2. O caráter autônomo da relação jurídica de responsabilidade tributária entre o terceiro e o Fisco. PARTE II – DAS EXIGÊNCIAS PROCEDIMENTAIS E FORMAIS QUE CONDICIONAM A LEGITIMIDADE E A VALIDADE DO RE-DIRECIONAMENTO DA EXECUÇAO FISCAL. 3. A necessidade de verificação e de declaraçao administrativa da responsabilidade tributária. 4. A necessidade de notificação do responsável para pagar voluntaria-mente. 5. A necessidade de CDA que aponte o nome do responsável, o fundamento legal específico da responsabilidade e o número do processo administrativo em que tenha sido declarada. Conclusão.

INTRODUÇÃOAs questões relativas à responsabilidade tributária1 continuam tormen-

tosas no Direito brasileiro.2 Alguns avanços importantes ocorreram no

1 Cuidaremos, neste artigo, da responsabilidade tributária em sentido estrito, ou seja, da posição do terceiro que, em razão de um pressuposto de fato específico, é posto por lei na posição de garantidor da satisfação do crédito tributário, dele podendo ser exigido na hipótese de inadimplemento e insolvência do contribuinte. Não estaremos cuidando, pois, dos demais terceiros que a lei obriga ao pagamento dos tributos em lugar do contribuinte, como o substituto tributário.2 Na europa, de um modo geral, trabalha-se a matéria com um nível bastante mais elabo-rado. A legislação de vários países europeus incorpora importantes avanços conceituais

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sentido de impedir que se confunda pura e simplesmente a pessoa jurídica contribuinte com a pessoa física dos sócios e que se considere o simples inadimplemento como fato justificador do redirecionamento das execuções na hipótese do art. 135, III, do CTN.3 Mas ainda muito se discute tanto sobre o alcance da responsabilidade, quanto sobre o procedimento a ser observado pelo Fisco para que possa buscar no patrimônio do responsável a satisfação do seu crédito: se é suficiente que conste o nome do responsável na CDA, se deve ser exigida a fundamentação da pretensão na petição de redirecionamento, se há inversão do ônus da prova etc.

Entendemos que nenhum desses questionamentos encontrará solução adequada enquanto não for bem compreendida a natureza do instituto da responsabilidade tributária, o que, de modo algum ocorrerá enquanto o responsável continuar a ser classificado como mais um sujeito passivo da relação tributária impositiva.4

Cuidar da responsabilidade tributária exige atentar para a posição do responsável frente à atividade tributária e para todos os aspectos das diversas relações jurídicas específicas que envolve, daí extraindo-se as peculiaridades materiais e procedimentais que lhe são inerentes.

Sem clareza quanto a isto, corremos o risco de trocar algumas soluções equivocadas por outras igualmente precárias e continuarmos desorientados frente a cada nova situação que seja colocada à nossa consideração.

Neste pequeno trabalho, pretendemos analisar a responsabilidade tributária sob uma perspectiva diferente da usual, quiçá dando um passo adiante no sentido de esclarecer os seus matizes e de encaminhar soluções mais consistentes.

e uma melhor compreensão dos aspectos materiais e procedimentais inerentes à atribuição legal de responsabilidade a terceiros, alguns dos quais adiante indicados neste texto.3 Súmula 430 do STJ: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.”4 Conforme JOSÉ JUAN FERREIRO LAPATZA, “Sólo el análisis separado de las distintos obligaciones y de sus sujetos puede introducir una cierta claridad en el análisis e interpretación de estas normas en particular y en el ordenamiento tributario en general.” (FERREIRO LAPATZA, José Juan. Curso de Derecho Financiero Español. 25ª ed. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 410)

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PARtE I – DA RESPOnSABILIDADE tRIBUtÁRIA COMO RELAçAO JURÍDICA AUtÔnOMA

1. Posição jurídica do responsável: diversas relações jurídicas O instituto da responsabilidade tributária participa da dinâmica da

tributação, envolvendo inúmeras relações jurídicas distintas. Embora tratado normalmente como cumpridor de uma função de garantia do crédito tributário, suas conexões precedem a patologia jurídica, dizendo respeito inicialmente à prevenção do inadimplemento e à facilitação da fiscalização. Cada olhar para a pessoa do responsável – seus deveres e obrigações, de um lado, suas prerrogativas ou seus direitos, de outro – exigem uma perspectiva distinta.

Em primeiro lugar, como decorrência do dever fundamental de cola-borar com o Fisco, estão os deveres formais a que a lei atribui relevância a ponto de ligar, ao seu descumprimento, o surgimento da obrigação de responder por tributo devido originariamente pelo contribuinte. Tais de-veres formais podem implicar posições passivas e ativas para o possível responsável. Passivas, e.g., quando tem de prestar ao Fisco informações ou zelar pelo cumprimento das obrigações do contribuinte que represen-te. Ativas, e.g., quando tenha a prerrogativa de exigir do contribuinte a demonstração do pagamento de tributos.

Em segundo lugar, em face do descumprimento do dever instru-mental previsto em lei como hipótese de responsabilidade, teremos o surgimento da obrigação, sempre condicionada, de pagar o tributo devido pelo contribuinte e de responder compulsoriamente pelo inadimplemento com seu próprio patrimônio. Digo condicionada porque dependerá, neces-sariamente, do futuro e incerto descumprimento da obrigação principal pelo contribuinte e da sua insolvência5.

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA: SEU PRESSUPOSTO DE FATO ESPECÍFICO E AS EXIGÊNCIAS PARA O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL

5 Referimo-nos à insolvência em sentido amplo, indicando caso em que não seja possível obter a satisfação do crédito no patrimônio do contribuinte, por insuficiente. No Direito Espanhol, a Ley General Tributaria exige que a Administração Tributária declare falido o contribuinte como pressuposto para redirecionar a cobrança contra o responsável.

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Em terceiro lugar, tendo o responsável efetuado o pagamento do tributo ou suportado execução em seu patrimônio, surge para ele o direito ao ressarcimento perante o contribuinte. Sendo a obrigação de contribuir de outrem, tem o responsável o direito de buscar, perante este, ressarcimento pelo prejuízo suportado.6 Terá, pois, pretensão contra o contribuinte, assumindo o polo ativo dessa nova relação jurídica.

Poderíamos detalhar, ainda mais, a plêiade de relações jurídicas inerentes às diversas situações de responsabilidade tributária. Mas a exposição feita já é suficiente para demonstrar que a responsabilidade tributária envolve diversas relações jurídicas com objetos específicos, ora perante o Fisco, ora perante o contribuinte, em que o responsável aparece tanto no polo passivo, como no polo ativo. A posição jurídica do responsável, pois, é dinâmica, complexa e multifacetada.

Vamos nos concentrar, neste trabalho, especificamente na relação jurídica que se estabelece entre o responsável e o Fisco e cujo objeto é o pagamento do tributo que o contribuinte deixou de satisfazer.

2. O caráter autônomo da relação jurídica de responsabilidade tributária entre o terceiro e o Fisco

A responsabilidade tributária, ao mesmo tempo em que é depen-dente da existência de relação de cunho contributivo entre o Fisco e o contribuinte, guarda autonomia frente a essa.

É dependente porque cumpre uma função de garantia quanto à sa-tisfação da obrigação principal pelo contribuinte. Podemos dizer que “la

6 ANDREA PARLATO afirma o direito de ressarcimento (rivalsa) tanto do substituto quanto do responsável: “Una caratteristica comune alle due categorie di soggetti è costituita dalla ‘rivalsa’, che per il responsabile costituisce un ‘diritto’, per il sostituto un ‘obbligo’, salvo che in modo espresso non venga diversamente stabilito. [...] Il primo elemento sul quale ocorre fermare l’attenzione è costituito da una caratteristica comune alle figure in esame. Responsabile e sostituto appaiono normativamente impegnati al pagamento del tributo per fatti o situazioni riferibili ad altri.” E mais adiante: “l’esistenza del diritto di rivalsa è elemento rilevatore dell’alienità del debito da parte el responsabile d’imposta.” (PARLATO, Andréa. Il responsabile ed il sostituto d’imposta. In Tratatto di Diritto Tributário. AMATUCCI, Andréa; GONZÁLEZ, Eusebio; TRZASKALIK, Christoph. CEDAM, 2001, p. 848 e 865”)

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obligación del responsable es una obligación de naturaleza garantista, accesoria y subordinada”.7 O pagamento realizado pelo contribuinte, tem-pestiva ou intempestivamente, extingue o débito e, por consequência, as relações acessórias8 ou secundárias9, como a de garantia consubstanciada na responsabilidade do terceiro.

É, de outro lado, autônoma porque possui seu próprio pressuposto de fato, seus próprios sujeitos e seu próprio objeto10 11. Explico.

A obrigação de responder pelo débito tributário não surge, para o terceiro, de modo automático, como efeito diretamente decorrente do fato gerador do tributo. A obrigação de contribuir é daquele indicado na

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA: SEU PRESSUPOSTO DE FATO ESPECÍFICO E AS EXIGÊNCIAS PARA O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL

7 LAGO MONTERO, José María. El procedimiento de declaración de la responsabilidad tributaria: una crítica. Impuestos nº 22, 1995, p. 667.8 A doutrina alemã também destaca o caráter acessório da responsabilidade: “Der Haftungsanspruch ist insofern akzessorisch, als er nur entstehen kann, wenn (mindestens gleichzeitig) der Anspruch aus dem Steuerschuldverhältnis, für den gehaftet werden soll, entstanden ist. Die Entstehung des Haftungsansprudchs setzt die Verwirklichung des Schuldtatbestands und des Haftungstatbestands (...) voraus (...).” (TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Steuerrecht. 19. Auflage. Köln: Verlag Dr. Otto Schmidt, 2008, p. 190) 9 “... la fattispecie denominata secondaria appare indiscutibilmente condizionata alla prima. ... l’effetto derivante dalla fattispecie denominata principale viene a costituire a sua volta un elemento di fatto della fattispecie secondaria. (...) L’inesistenza della situazione d’obbligo (situazione effetuale) in capo all’obbligato principale rende impossibile il sorgere della situazione d’obbligo nei confronti del responsabile d’imposta, poichè viene a mancare un elemento costitutivo della sua fattispecie, e quindi una condizione necessaria per la sua esistenza. Nella diversa ipotesi dell’esistenza della situazione d’obbligo in capo all’obbligato principale non si potrà ritenere sic et simpliciter esistente la situazione d’obbligo in capo al responsabile d’imposta, finchê non vi sia il concorso degli altri elementi che ne caracterizzano la fattispecie causativa.” (PARLATO, Andrea. Il Responsabile d’ Imposta. Milano: Dott.A. Giuffrè Editore, 1963, p. 81)10 LGT (Ley 58/2003): “Art. 41...4. La responsabilidad no alcanzará a las sanciones, salvo las excepciones que en esta y otra ley se establezcan.”11 “El contenido patrimonial de la obligación del responsable puede ser cualitativamente y cuantitativamente diferente del que corresponde al sujeto pasivo o deudor principal. Todos los elementos de la deuda tributaria no son exigibles al responsable, ya que algunos de estos, como por ejemplo las sanciones se rigen por el principio de personalidad, y las consecuencias de las conductas dolosas o culposas del infracor no deben ser transferibles al responsable.” (MARTÍN JIMÉNEZ, Francisco J.. El Procedimiento de Derivación de Responsabilidad Tributaria. Valladolid: Lex nova, 2000, p. 31)

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lei como realizador do fato gerador do tributo: o contribuinte. Ocorrido o fato gerador, pois, surge para o contribuinte a obrigação de pagar o tributo. O terceiro só responderá se a lei assim expressamente dispuser, estabelecendo qual o pressuposto de fato da responsabilidade. Ou seja, haverá, sempre e necessariamente, outra hipótese de incidência própria da responsabilidade, outro pressuposto de fato específico e inconfundível com o fato gerador do tributo12.

A hipótese de incidência da responsabilidade tributária, ademais, não pode ser arbitrária, pois não é dado ao legislador impor a terceiro, irrazoavel e desproporcionalmente, a obrigação de responder por dé-bito alheio13. Dependerá, por isso, sempre, de alguma vinculação do terceiro ao fato gerador14 e terá como pressuposto o descumprimento de um dever de colaboração para com o Fisco com implicação no pagamento do mesmo pelo contribuinte ou na verificação, pelo Fisco,

12 LAPATZA afirma: “... el nacimiento de la obligación del responsable requiere la realización de dos presupuestos de hecho diferentes. El presupuesto de hecho del que deriva la obligación de los sujetos pasivos o deudores principales y el presupuesto de hecho del que deriva la obligación del responsable de pagar la cantidad también por ellos debida.” (FERREIRO LAPATZA, José Juan. Curso de Derecho Financiero Español. 25ª ed. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 445)13 “La ley no puede atribuir la condición de responsable a cualquiera, arbitrariamente. Los supuestos de responsabilidad establecidos o por establecer en el derecho positivo deben no contradecir elementales principios constitucionales de justicia. El Estado no puede exigir prestaciones patrimoniales a sus súbditos sin fundamento, ni aún a título de garantía o responsabilidad. ... no es posible la responsibilidad cuando la conducta del hipotético responsable no produce un daño a los intereses de la Hacienda Pública, que sea imputable al mismo; o cuando las posibilidades de reembolso de la cantidad satisfecha sean prácticamente inexistentes.” (LAGO MONTERO, José Maria. La sujeción a los diversos deberes y obligaciones tributarios. Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 83/84)14 Este requisito é apontado de modo muito claro pela própria doutrina brasileira. RU-BENS GOMES DE SOUZA já destacava que “... a lei ordinária que atribuísse sujeição passiva a quem não tenha qualquer relação com a hipótese de incidência estaria definindo, não um responsável, mas um contribuinte...” (Sujeito Passivo das Taxas. In: RDP. Vol 16/350). BERNARDO RIBEIRO DE MORAES também é preciso: “... é de se ver que não é qualquer pessoa que pode ser definida como responsável. Somente se justifica a condição de ‘responsável’, adquirindo uma posição jurídica equivalente à de devedor principal, na hipótese da pessoa ter relações com o próprio devedor ou com o fato gerador da obrigação tributária.” (RIBEIRO DE MORAES, Bernardo. Compêndio de Direito Tributário. Vol. II. 3ª edição, 1995, p. 287).

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de eventual inadimplemento. É o que adverte a Ministra Ellen Gracie no voto condutor do RE 562.27615: “Efetivamente, o terceiro só pode ser chamado a responder na hipótese de descumprimento de deveres de colaboração para com o Fisco, deveres estes seus, próprios, e que tenham repercutido na ocorrência do fato gerador, no descumprimento da obrigação pelo contribuinte ou em óbice à fiscalização pela Admi-nistração Tributária.”

Neste sentido é que se pode vislumbrar, sempre, a existência de um dever próprio do responsável, estabelecido com caráter acessório no interesse da Administração Tributária16, que, descumprido, gera sua responsabilidade tributária. Tal dever pode visar à prevenção do inadimplemento, impondo ao responsável que exija do contribuinte a demonstração de regularidade fiscal para a realização ou registro de atos ou negócios.17 Também pode estar relacionado à viabilização da fisca-lização tributária, tendo por conteúdo a prestação de informações pelo responsável sobre determinadas operações realizadas pelo contribuin-te.18 Vislumbram-se, ainda, casos em que o dever tem por conteúdo não praticar infrações à legislação e aos estatutos sociais na administração fiscal de uma empresa19.

Em suma, a obrigação do terceiro de responder por um débito tri-butário surge como consequência legal do descumprimento de um dever de outra natureza para com o Fisco, de um dever direto ou indireto de colaboração com a Administração Tributária.

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15 No julgamento do RE 562.276, em novembro de 2010, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade parcial do art. 13 da Lei 8.620/93, que estabelecia a solidariedade incondicionada dos sócios de sociedades limitadas pelos débitos junto à Seguridade Social.16 Utilizo, neste ponto particular, o conceito de obrigação acessória cunhado pelo CTN, em seu art. 113, § 2º, que diz respeito a prestações positivas ou negativas (fazer, não fazer ou tolerar) estabelecidas pela legislação no interesse da arrecadação ou da fisca-lização dos tributos.17 Arts. 134 e 207 do CTN.18 É o caso do declaração dos pagamentos efetuados a pessoas físicas no bojo da Decla-ração de Rendimentos.19 Art. 135, III, do CTN.

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PARTE II – DAS ExIGênCIAS PROCEDIMEntAIS E FORMAIS qUE COnDICIOnAM A LEGItIMIDADE E A VALIDADE DO REDIRECIOnAMEntO DA ExECUçAO FISCAL

3. A necessidade de verificação e de declaração administrativa da responsabilidade tributária

A responsabilidade tributária depende da concorrência de dois pres-supostos de fato: o fato gerador do tributo e aquele próprio da responsabi-lidade.20 Essa circunstância de a obrigação do terceiro de responder pelo inadimplemento do contribuinte ter seu pressuposto de fato específico, torna imperativo que tal seja apurado e declarado.

Do fato gerador do tributo só decorre a obrigação de contribuir, de modo que o lançamento que se limita a verificar a sua ocorrência, apontar o montante devido e identificar o contribuinte, notificando-o para pagar, não se presta senão para formalizar a obrigação deste. Do mesmo modo, as declarações prestadas pelo contribuinte em que reconhece seu débito tributário não vinculam senão ele próprio ao Fisco.

20 “El presupuesto de hecho de la obligación del responsable es distinto del hecho imponible. Éste deberá haverse realizado independientemente, originando una obligación tributaria material o principal. Precisamente, la falta de pago de ésta por el sujeto pasivo de la misma es presupuesto sine qua non para la exigencia de su prestación al responsable. Éste, además, deberá haver realizado el presupuesto de hecho legalmente determinante de su condición de responsable.” (LAGO MONTERO, José Maria. La sujeción a los diversos deberes y obligaciones tributarios. Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 82); “Insomma si è in presenza di due fattispecie: A) l’una, che denominiamo principale, causativa dell’obligo – il quale appunto vi si collega como conseguenza – nei confronti dell’obbligato principale; B) l’altra, secondaria e dalla prima dipendente, che comprende taluni specifici elementi (successione nellázienda, titolarità della situazione tutoria, rappresentanza del propietario della merce, ecc.) e che è causativa dell’obbligo nei confronti del soggetto denominato ‘responsabile d’imposta’.” (PARLATO, Andrea. Il Responsabile d’ Imposta. Milano: Dott.A. Giuffrè Editore, 1963, p. 80); “Die Entstehung des Haftungsanspruchs setzt die Verwirklichung des Schuldtatbestands und des Haftungstatbestands (...) voraus (...).” (TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Steuerrecht. 19. Auflage. Köln: Verlag Dr. Otto Schmidt, 2008, p. 190)

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Preciso, no ponto, o já referido voto da Ministra Ellen Gracie no julgamento do RE 562.276: “Essencial à compreensão do instituto da responsabilidade tributária é a noção de que a obrigação do terceiro, de responder por dívida originariamente do contribuinte, jamais decorre direta e automaticamente da pura e simples ocorrência do fato gerador do tributo. Deste, só surge a obrigação do contribuinte.” E prossegue, analisando o art. 135, III, do CTN, que cuida da responsabilidade dos sócios: “estamos em face de uma regra matriz de responsabilidade tributária que não se confunde, de modo algum, com a regra matriz de incidência de qualquer tributo. Tem sua estrutura própria, partindo de um pressuposto de fato específico, sem o qual não há espaço para a atribuição de responsabilidade”.

Para que o terceiro tenha sua eventual obrigação de responder pelo tributo formalizado, faz-se indispensável a verificaçao também do pres-suposto específico de tal obrigaçao, a indicaçao do seu objeto próprio (nem sempre coincidente com o da obrigaçao do contribuinte)21 e a identificaçao do seu particular sujeito passivo.

Não há dúvida de que não se exige do Fisco que vá a Juízo para, em ação de conhecimento, ver reconhecida tal obrigação do terceiro. Mas também não pode haver dúvida quanto à necessidade de o Fisco apurar administrativamente tal responsabilidade, assegurando ao suposto responsável o devido processo legal, o que pressupõe a possibilidade de oferecer defesa administrativa.

A Ley General Tributaria española (LGT/Ley 58/2003) é muito clara ao exigir a verificação da ocorrência do pressuposto de responsabilidade. A chamada “derivación de responsabilidad” é objeto de procedimento administrativo, mediante oitiva do interessado, conforme o art. 41.5 dessa lei: “... la derivación de la acción administrativa para exigir el pago de la deuda tributaria a los responsables requerirá un acto administrativo

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21 As penalidades, e.g., em razão do princípio da pessoalidade da pena, só podem ser exigidas do infrator, não podendo ocorrer, de regra, a transferência das mesmas para o responsável, a menos que tenha participado da inflação e, portanto, também possa ser considerado infrator. A LGT espanhola é inequívoca no ponto: “Art. 41... 4. La responsabilidad no alcanzará a las sanciones, salvo las excepciones que en esta u otra ley se establezcan.” O art. 137 do CTN também destaca a pessoalidade da responsabilidade atinente às infrações conceituadas como crime e às infrações que pressuponham dolo específico.

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en el que, previa audiencia al interesado, se declare la responsabilidad y se determine su alcance y extensión…”22

Uma vez lavrado Acto de Declaración de Responsabilidad, notifica-se o responsável, nos termos dos artigos 174 a 176 da mesma lei, podendo esse impugnar tanto a liquidação como a extensão e o fundamento da responsabilidade que lhe é atribuída. O art. 174.4. estabelece, inclusive, o conteúdo de tal ato:

“Art. 174...

4. El acto de declaración de responsabilidad será notificado a los responsables. El acto de notificación tendrá el siguiente contenido:

a) Texto íntegro del acuerdo de declaración de responsabilidad, con indicación del presupuesto de hecho habilitante y las liquida-ciones a las que alcanza dicho presupuesto.

b) Medios de impugnación que pueden ser ejercitados contra dicho acto, órgano ante el que hubieran de presentarse y plazo para interponerlos.

22 LGT (Ley 58/2003): “SECCIÓN III. RESPONSABLES TRIBUTARIOS. Artículo 41. Responsabilidad tributaria. 1. La Ley podrá configurar como responsables solidarios o subsidiarios de la deuda tributaria, junto a los deudores principales, a otras personas o entidades. A estos efectos, se considerarán deudores principales los obligados tributarios del apartado 2 del artículo 35 de esta Ley. 2. Salvo precepto legal expreso en contrario, la responsabilidad será siempre subsidiaria. 3. Salvo lo dispuesto en el apartado 2 del artículo 42 de esta Ley, la responsabilidad alcanzará a la totalidad de la deuda tributaria exigida en período voluntario. Cuando haya transcurrido el plazo voluntario de pago que se conceda al responsable sin realizar el ingreso, se iniciará el período ejecutivo y se exigirán los recargos e intereses que procedan. 4. La responsabilidad no alcanzará a las sanciones, salvo las excepciones que en esta u otra Ley se establezcan. 5. Salvo que una norma con rango de Ley disponga otra cosa, la derivación de la acción administrativa para exigir el pago de la deuda tributaria a los responsables requerirá un acto administrativo en el que, previa audiencia al interesado, se declare la responsabilidad y se determine su alcance y extensión, de conformidad con lo previsto en los artículos 174 a 176 de esta Ley. Con anterioridad a esta declaración, la Administración competente podrá adoptar medidas cautelares del artículo 81 de esta Ley y realizar actuaciones de investigación con las facultades previstas en los artículos 142 y 162 de esta Ley. La derivación de la acción administrativa a los responsables subsidiarios requerirá la previa declaración de fallido del deudor principal y de los responsables solidarios. 6. Los responsables tienen derecho de reembolso frente al deudor principal en los términos previstos en la legislación civil.”

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c) Lugar, plazo y forma en que deba ser satisfecho el importe exigido al responsable.” 23

Mesmo à época da vigência da LGT de 1963, tal motivação já era indicada pela doutrina como necessária, exigida pelos tribunais e inclusive reconhecida pela própria Administração tributária espanhola, de modo que o novo texto legal apenas explicitou os requisitos do ato.24

A notificação do Acto de Declaración de Responsabilidad, ademais, é considerada condição para a exigibilidade da obrigação do responsável.25

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA: SEU PRESSUPOSTO DE FATO ESPECÍFICO E AS EXIGÊNCIAS PARA O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL

23 LGT (Ley 58/2003): “Artículo 174. Declaración de responsabilidad. 1. La responsabilidad podrá ser declarada en cualquier momento posterior a la práctica de la liquidación o a la presentación de la autoliquidación, salvo que la Ley disponga otra cosa. 2. En el supuesto de liquidaciones administrativas, si la declaración de responsabilidad se efectúa con anterioridad al vencimiento del período voluntario de pago, la competencia para dictar el acto administrativo de declaración de responsabilidad corresponde al órgano competente para dictar la liquidación. En los demás casos, dicha competencia corresponderá al órgano de recaudación. 3. El trámite de audiencia previo a los responsables no excluirá el derecho que también les asiste a formular con anterioridad a dicho trámite las alegaciones que estimen pertinentes y a aportar la documentación que consideren necesaria. 4. El acto de declaración de responsabilidad será notificado a los responsables. El acto de notificación tendrá el siguiente contenido: a) Texto íntegro del acuerdo de declaración de responsabilidad, con indicación del presupuesto de hecho habilitante y las liquidaciones a las que alcanza dicho presupuesto. b) Medios de impugnación que pueden ser ejercitados contra dicho acto, órgano ante el que hubieran de presentarse y plazo para interponerlos. c) Lugar, plazo y forma en que deba ser satisfecho el importe exigido al responsable.”24 Conforme: ÁLVAREZ MARTÍNEZ, Joaquín. El Régimen Jurídico de La Motivación en el Ámbito Tributario. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 110. Destaca ainda este autor: “no es necesario realizar prolijas argumentaciones para afirmar su repercusión sobre los intereses de la persona declarada respnsable (...), por lo que el cumplimiento del deber de motivar en estos supuestos resulta evidente... (...) ... la motivación de este tipo de actos deberá extenderse a los iguientes aspectos: el fundamento legal de la derivación; el presupuesto(s) de hecho que ha(n) determinado la imputación de la responsabilidad; y, por último, el alcance o extensión de la misma.”25 “Hay que diferenciar entre nacimiento de la obligaciónn de responsabilidad que se produce, por su carácter ex lege, cuando se realiza el presupuesto de hecho previsto expresamente en la ley (...) y la exigibilidad de dicha obligación que se produce una vez declarada y notificada la responsabilidad. ... el acto de derivación y su notificación tienen un efecto declarativo de la existencia de la obligación y de la constitución de su exigibilidad” (MARTÍN JIMÉNEZ, Francisco J.. El Procedimiento de Derivación de Responsabilidad Tributaria. Valladolid: Lex nova, 2000, p. 191)

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No direito alemão, o pressuposto de fato específico da responsabilidade (Haftungstatbeständ)26 é também apurado pelo Fisco, lavrando-se infor-mação de responsabilidade (Haftungsbescheid), conforme o § 191 do orde-namento tributário alemão, a Abgabeordnung: “§ 191. Wer kraft Gesetzes für eine Steuer haftet (Haftungsschuldner), kann durch Haftungsbescheid, wer kraft Gesetzes verpflichtet ist, die Vollstreckung zu dulden, kann durch Duldungsbescheid in Anspruch genommen werden.”27 O ato administrativo

26 Assim como no Brasil, na Alemanha algumas das hipóteses de responsabilidade são disciplinadas na Abagabenordnung e outras nas leis que cuidam de cada imposto.27 Abgabenordnung: “4. Unterabschnitt. Haftung... § 191 Haftungsbescheide, Duldungsbescheide (1) 1Wer kraft Gesetzes für eine Steuer haftet (Haftungsschuldner), kann durch Haftungsbescheid, wer kraft Gesetzes verpflichtet ist, die Vollstreckung zu dulden, kann durch Duldungsbescheid in Anspruch genommen werden. 2Die Anfechtung wegen Ansprüchen aus dem Steuerschuldverhältnis außerhalb des Insolvenzverfahrens erfolgt durch Duldungsbescheid, soweit sie nicht im Wege der Einrede nach § 9 des Anfechtungsgesetzes geltend zu machen ist; bei der Berechnung von Fristen nach den §§ 3, 4 und 6 des Anfechtungsgesetzes steht der Erlass eines Duldungsbescheids der gerichtlichen Geltendmachung der Anfechtung nach § 7 Abs. 1 des Anfechtungsgesetzes gleich. 3Die Bescheide sind schriftlich zu erteilen. (2) Bevor gegen einen Rechtsanwalt, Patentanwalt, Notar, Steuerberater, Steuerbevollmächtigten, Wirtschaftsprüfer oder vereidigten Buchprüfer wegen einer Handlung im Sinne des § 69, die er in Ausübung seines Berufs vorgenommen hat, ein Haftungsbescheid erlassen wird, gibt die Finanzbehörde der zuständigen Berufskammer Gelegenheit, die Gesichtspunkte vorzubringen, die von ihrem Standpunkt für die Entscheidung von Bedeutung sind. (3) 1Die Vorschriften über die Festsetzungsfrist sind auf den Erlass von Haftungsbescheiden entsprechend anzuwenden. 2Die Festsetzungsfrist beträgt vier Jahre, in den Fällen des § 70 bei Steuerhinterziehung zehn Jahre, bei leichtfertiger Steuerverkürzung fünf Jahre, in den Fällen des § 71 zehn Jahre. 3Die Festsetzungsfrist beginnt mit Ablauf des Kalenderjahrs, in dem der Tatbestand verwirklicht worden ist, an den das Gesetz die Haftungsfolge knüpft. 4Ist die Steuer, für die gehaftet wird, noch nicht festgesetzt worden, so endet die Festsetzungsfrist für den Haftungsbescheid nicht vor Ablauf der für die Steuerfestsetzung geltenden Festsetzungsfrist; andernfalls gilt § 171 Abs. 10 sinngemäß. 5In den Fällen der §§ 73 und 74 endet die Festsetzungsfrist nicht, bevor die gegen den Steuerschuldner festgesetzte Steuer verjährt (§ 228) ist. (4) Ergibt sich die Haftung nicht aus den Steuergesetzen, so kann ein Haftungsbescheid ergehen, solange die Haftungsansprüche nach dem für sie maßgebenden Recht noch nicht verjährt sind. (5) 1Ein Haftungsbescheid kann nicht mehr ergehen, 1. soweit die Steuer gegen den Steuerschuldner nicht festgesetzt worden ist und wegen Ablaufs der Festsetzungsfrist auch nicht mehr festgesetzt werden kann, 2. soweit die gegen den Steuerschuldner festgesetzte Steuer verjährt ist oder die Steuer erlassen worden ist. 2 Dies gilt nicht, wenn die Haftung darauf beruht, dass der Haftungsschuldner Steuerhinterziehung oder Steuerhehlerei begangen hat.”

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de informaçao de responsabilidade é sucedido, ainda, pela notificação do responsável para efetuar o pagamento (Zahlunsaufforderung).28

A legislação tributária brasileira apenas recentemente passou a con-templar a necessidade de declaração da responsabilidade tributária como pressuposto para o redirecionamento das execuções fiscais. Refiro-me ao advento da Portaria nº 180/2010, da Procuradora-Geral da Fazenda Na-cional, que, dispondo sobre a responsabilização dos gerentes por dívidas da sociedade, exige a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de excesso de poderes, infração à lei, infração ao contrato social ou estatuto ou, ainda, dissolução irregular da pessoa jurídica.29

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA: SEU PRESSUPOSTO DE FATO ESPECÍFICO E AS EXIGÊNCIAS PARA O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL

28 “Die Inanspruchnahme erfolgt durch schriftlichen Haftungsbescheid (§ 191 AO), der die Haftung feststellt, und die Zahlunsaufforderung (§ 219 AO). (...) Der Haftungsbescheid ist ein Verwaltungsakt.” (KÖNIG, Christiane. In: CREIFELDS, Carl; et al. Rechtswörterbuch. 19. Auflage. München: Verlag C. H. Beck, 2007, p. 553)29 “PORTARIA PGFN Nº 180, DE 25 DE FEVEREIRO DE 2010 – (DOU de 26.02.2010) Dispõe sobre a atuação da Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional no tocante à res-ponsabilização de codevedor. A PROCURADORA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o disposto na Lei Nº 5.172, de 25 de outubro de 1966– Código Tributário Nacional, e no art. 79, inciso VII, da Lei Nº 11.941, de 27 de maio de 2009, resolve: Art. 1º Para fins de responsabilização com base no inciso III do art. 135 da Lei Nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 –Código Tributário Nacional, entende-se como responsável solidário o sócio, pessoa física ou jurídica, ou o terceiro não sócio, que possua poderes de gerência sobre a pessoa jurídica, independentemente da denominação conferida, à época da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária objeto de co-brança judicial. Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir: I – excesso de poderes; II – infração à lei; III – infração ao contrato social ou estatuto; IV – dissolução irregular da pessoa jurídica. Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador, deverão ser considerados responsáveis solidários. Art. 3º Tratando-se de débitos junto à Seguridade Social, cujo fato gerador tenha ocorrido antes da entrada em vigor da Medida Provisória Nº 449, de 3 de dezembro de 2008, convertida na Lei Nº 11.941, de 27 de maio de 2009, o sócio de pessoa jurídica por cotas de responsabilidade limitada, que estava nesta condição à época do fato gerador, será incluído como responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União, independentemente da comprovação de qualquer das situações previstas no

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Conforme já destacamos alhures,30 a exigência de um ato adminis-trativo que declare, fundamentadamente, a ocorrência do pressuposto de fato específico da responsabilidade, seja ele qual for, impõe sua efetiva verificação. Assim é que a autoridade terá que analisar os fatos, deter-

art. 2º desta Portaria. § 1º Ocorrido o fato gerador do tributo após a publicação da Medida Provisória Nº 449, de 2008, o sócio a que se refere o caput deste artigo somente será incluído como responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União quando comprovadas sua condição de sócio com poderes de gerência à época do fato gerador e ao menos uma das situações previstas no art. 2º desta Portaria. § 2º Ao terceiro não sócio com poderes de gerência sobre a pessoa jurídica aplica-se o disposto no art. 2º desta Portaria. § 3º Sem prejuízo no disposto no caput deste artigo, havendo dissolução irregular da pessoa jurídica e tendo ocorrido o fato gerador do tributo antes da entrada em vigor da Medida Provisória Nº 449, de 2008, deverão ser considerados responsáveis solidários os sócios à época do fato gerador e/ou da dissolução, cabendo ao Procurador da Fazenda Nacional responsável proceder à inclusão destes com fundamento no inciso IV do art. 2º desta Portaria. § 4º Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, tendo ocorrido o fato gerador do tributo após a entrada em vigor da Medida Provisória Nº 449, de 2008, aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 2º desta Portaria. Art. 4º Após a inscrição em dívida ativa e antes do ajuizamento da execução fiscal, caso o Pro-curador da Fazenda Nacional responsável constate a ocorrência de alguma das situações previstas no art. 2º, deverá juntar aos autos documentos comprobatórios e após, de forma fundamentada, declará-las e inscrever o nome do responsável solidário no anexo II da Certidão de Dívida Ativa da União. Art. 5º Ajuizada a execução fiscal e não constando da Certidão de Dívida Ativa da União o responsável solidário, o Procurador da Fazenda Nacional responsável, munido da documentação comprobatória, deverá proceder à sua inclusão na referida certidão. Parágrafo único. No caso de indeferimento judicial da inclusão prevista no caput, o Procurador da Fazenda Nacional interporá recurso, desde que comprovada, nos autos judiciais, a ocorrência de uma das hipóteses previstas no art. 2º desta Portaria. Art. 6º Ante a não comprovação, nos autos judiciais, das hipóteses previstas no art. 2º desta Portaria, o Procurador da Fazenda Nacional responsável, não sendo o caso de prosseguimento da execução fiscal contra o devedor principal ou outro codevedor, deverá requerer a suspensão do feito por 90 (noventa) dias e diligenciar para produção de provas necessárias à inclusão do responsável solidário na Certidão de Dí-vida Ativa da União, conforme disposto no art. 4º desta Portaria. Parágrafo único. Não logrando êxito na produção das provas a que se refere o caput, o Procurador da Fazenda Nacional deverá requerer a suspensão do feito, nos termos do art. 40 da Lei Nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Art. 7º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. ADRIANA QUEIROZ DE CARVALHO”30 PAULSEN, Leandro. O Ato Declaratório da Responsabilidade Tributária dos Sócios: Comentários à Portaria PGFN 180/2010. In: SANTOS, herta Rani Teles (coord); et al. Execução Fiscal: um tema atual sob diferentes olhares: Homenagem ao Jurista Leon Frejda Szklarowsky. Brasília: Consulex, 2011.

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minar a ilicitude que tenha contribuído para o surgimento da obrigação ou para o seu inadimplemento e enquadrá-la dentre as hipóteses legais de responsabilização dos gerentes.

Mas, embora a Portaria PGFN 180/2010 constitua um primeiro e importante passo na disciplina da apuração administrativa da respon-sabilidade tributária, perdeu a oportunidade de exigir a notificação do responsável para oferecer impugnação à declaração de responsabilidade ou mesmo para pagar voluntariamente o débito, com o que não assegura respeito à garantia constitucional do devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição).

4. A necessidade de notificação do responsável para pagar voluntariamente

A intimação do responsável acerca do ato de declaração de respon-sabilidade impõe-se para assegurar-lhe a possibilidade de defesa. Mas, além disso, deve ser oportunizado ao responsável o pagamento voluntário do crédito tributário.

Efetivamente, desde que se superou a distinção proposta por BRINZ entre dívida e responsabilidade31, não há que se falar em dívida sem

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31 BRINZ propôs a distinção entre dívida e responsabilidade em suas obras Der begriff obligatio (1874) e Obligatio und Haftung (1886). Hoje, embora mantenha seu valor didático, está superada. As obrigações jurídicas caracterizam-se justamente pela sua exigibilidade forçada. Não há obrigação jurídica sem responsabilidade, nem responsabilidade sem uma obrigação descumprida. LUIS DÍEZ-PICAZO sintetiza a questão: “... si bien en períodos históricos anteriores la deuda y la responsabilidad, como fenómenos jurídicos, han podido aparecer y funcionar con independencia, en el Derecho Moderno no ocurre así. La distinción entre deuda y responsabilidad suministra unos datos conceptuales de gran utilidad para construir el concepto de obligación. Deuda y responsabilidad son dos ingredientes institucionales del fenómeno de la obligación, pero no constituyen dos relaciones o dos situaciones jurídicamente autónomas y distintas. La responsabilidad sólo encuentra su justificación a través de la idea previa de deber jurídico. Se es responsable porque se debe o se ha debido algo. La responsabilidad es pues una forma de sanción del incumplimiento del débito, que es un acto antijurídico. Así pensadas las cosas, no existe responsabilidad sin que previamente exista deber y un deber que quiera ser calificado como deber jurídico tiene que llevar aparejada una sanción que, bajo una u otra forma, constituye responsabilidad.” (Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial. Vol. II. 6ª ed. Navarra: Thomson/Civitas, 2008, p. 102/103)

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responsabilidade nem em responsabilidade sem dívida. O responsável tributário, verificados o pressuposto de fato específico e a condição sus-pensiva indispensáveis32, deve e, por isso, responde. 33

Temos, em primeiro lugar, a obrigação do responsável de satisfazer o débito em aberto em face da insolvência do contribuinte e, sucessi-vamente, na hipótese de ele próprio – responsável tributário – quedar inadimplente, de suportar a execução do crédito tributário sobre o seu patrimônio.

Não é possível, pelo fato de se designar o terceiro como “respon-sável tributário”, subtrair-lhe a possibilidade de pagamento voluntário no prazo administrativo de 30 dias34 contados do momento em que, já esgotada a discussão administrativa da responsabilidade que lhe tenha sido imputada, seja cientificado de que a cobrança contra o contribuinte restou frustrada, remanescendo débito a ser satisfeito.

Note-se, ademais, que o art. 201 do CTN, ao tratar da dívida ativa tributária, prevê a sua inscrição depois de esgotado o prazo fixado para pagamento, de modo que, também por previsão legal, não se pode ad-mitir a inscrição de alguém como responsável sem que lhe tenha sido oportunizado o pagamento voluntário.

32 O pressuposto de fato próprio da responsabilidade, de um lado, o inadimplemento e a insolvência do contribuinte, de outro.33 TIPKE e LANG frisam a estrita vinculação entre obrigação e responsabilidade, destacando que não há dívida tributária sem responsabilidade: “keine Steuerschuld ohne Haftung”.33 E tampouco o inverso poderia ser questionado. De qualquer modo, quando se cuida da atribuição legal de responsabilidade a um terceiro que, assim, responde pela obrigação de contribuir alheia, utiliza-se a expressão “Fremdhaftung”. Senão vejamos: “Steuergesetze pflegen die Erfüllung der Steuerschuld (und evtl. Auch anderer Ansprüche aus dem Steuerschuldverhältnis) zusätzlich dadurch zu sichern, dass sie Haftungs- (haftungsbegründende) Tatbestände schaffen, Dritte für die Steuerschuld haften lassen (Fremdhaftung).” (TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Steuerrecht. 19. Auflage. Köln: Verlag Dr. Otto Schmidt, 2008, p. 187)34 Aplicamos, aqui, o art. 160 do CTN por analogia em face da ausência de dispositivo especial sobre o prazo para a satisfação voluntária pelo responsável quando intimado da sua responsabilidade e notificado a pagar em face da insolvência do contribuinte.

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5. A necessidade de CDA que aponte o nome do responsável, o fundamento legal específico da responsabilidade e o número do processo administrativo em que tenha sido declarada.

Toda execução pressupõe um título executivo35, seja este judicial ou extrajudicial. Este título será um documento revestido de certas formali-dades a que a lei atribui caráter representativo (juris tantum) da certeza, liquidez e exigibilidade do crédito. O art. 585, VII, do CPC é inequívoco ao elencar, dentre os títulos extrajudiciais, “a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Terri-tórios e dos Municípios correspondente aos créditos inscritos na forma da lei”. De pronto, pois, somos remetidos a dois conceitos: o de certidão e o de inscrição em dívida.

Certidão é a “reprodução textual e autêntica, portada de fé, de escrito original, ou assento, extraída de livro de registro ou de notas públicas, papéis, peças judiciais ou autos, por oficial público, escrivão ou qualquer outro serventuário ou funcionário competente, que os tenha a seu cargo, em seu poder ou cartório”36. Como se vê e como já observamos alhures37, “a expedição de uma certidão implica a extra-ção de dados/informaçoes constantes de arquivos, livros ou sistemas de determinada repartição”, de modo que “não se compadece com especulações, com presunções ou acréscimos”38, exigindo “o dado, o fato devidamente anotado/registrado”. No caso, a certidão deve dar a conhecer, com absoluta fidelidade, crédito tributário inscrito em dívida ativa, nada mais, nada menos. É preciso considerar que à certidão se reconhece força de título executivo justamente porque constitui o es-pelho de dívida inscrita em dívida ativa, o que pressupõe a sua regular apuração, observado o devido processo legal.

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35 CPC: “Art. 580. A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obri-gação certa, líquida e exigível consusbstanciada em título executivo.”36 Conforme PEDRO NUNES, Dicionário de Tecnologia Jurídica, 12º ed., 1990.37 PAULSEN, Leandro. Certidões Negativas de Débito. 1999, p. 10. Vide, também, nosso recente Manual das Certidões Negativas de Débito, 2009.38 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 11ª edição, 2009.

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A inscrição em dívida ativa constitui-se em ato através do qual, verificando a legalidade da constituiçao do crédito tributário, o órgão competente (na esfera federal, a Procuradoria da Fazenda Nacional), registra-o para fins de cadastro e cobrança executiva.39 Os tribunais têm reconhecido que a inscrição poderá ocorrer com suporte na declaração de débito pelo contribuinte, ou seja, em confissão de dívida.40 Afora este caso, terá como embasamento processo administrativo fiscal em que, a partir da notificação do lançamento de ofício efetuado pelo Fisco, tenha sido oportunizada a defesa do contribuinte. Assim, a inscrição em dívida pressupõe débito incontroverso ou, ao menos, crédito firme41, consubs-tanciado em lançamento relativamente ao qual já se tenham esgotado as possibilidades de impugnação ou recurso na esfera administrativa42.

O parágrafo único do art. 202 do CTN diz que a certidão conterá os mesmos requisitos do termo de inscrição em dívida ativa, mais os dados identificadores da própria inscrição.43 Tais requisitos abrangem o nome do devedor “e, sendo caso, o dos co-responsáveis”, a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora, a origem e a natureza do crédito,

39 Dispõe o § 3º do art. 2º da Lei de Execução Fiscal (LEF - Lei 6.830/80): “§ 3º A ins-crição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito...”40 As leis tributárias preveem, quanto à maioria dos tributos, que o próprio contribuinte verifique a ocorrência do fato gerador, calcule o montante devido, preste declaração ao Fisco e efetue o pagamento no prazo estabelecido. Mas a declaração não é elemento essencial integrante do procedimento de lançamento por homologação. Pode haver lan-çamento por homologação sem declaração correlata. Normalmente, contudo, a legislação estabelece a obrigação do contribuinte de declarar os débitos que apurou. Informando o débito e quedando inadimplente, a própria declaração é encaminhada para inscrição em dívida ativa, sem necessidade de prévio lançamento de ofício.41 “Firme” é a expressão muito apropriadamente utilizada pelos espanhóis para referirem-se ao débito já não mais sujeito à discussão na esfera administrativa, por terem sido esgotadas todas as possibilidades de recurso.42 Lei do Processo Administrativo Fiscal (Dec 70.235/72): “Art. 42. São definitivas as decisões: I – de primeira instância esgotado o prazo para recurso voluntário sem que este tenha sido interposto; II – desta instância de que não caiba recurso ou, se cabível, quando decorrido o prazo sem sua interposição; III – de instância especial.”43 Também o § 6º do art. 2º da Lei de Execução Fiscal (LEF - Lei 6.830/80) determina que a CDA contenha os mesmos elementos do Termo de Inscrição elencados § 5º do mesmo dispositivo, praticamente repetindo o disposto no art. 202 do CTN.

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mencionada especificamente a disposição de lei em que seja fundado, a data da inscrição e o número do processo administrativo de que se ori-ginar o crédito. Exigem-se, pois, referências que deem a segurança de que foram devidamente apurados, em processo administrativo regular não mais sujeito a recurso44, a existência do débito, a identidade dos devedores e o montante devido.

Não cabendo inovações por ocasião da inscrição em dívida ou de sua certificação, a presença do nome do terceiro responsável no termo de inscri-çao e na certidao, pois, também pressupõe prévias verificaçao e declaraçao administrivas da responsabilidade. Note-se que “quem não foi notificado para o procedimento do lançamento, não poderá juridicamente figurar no Termo de Inscrição em Dívida Ativa, que decorre daquele procedimento, e nem na CDA, que reproduz os dados desse mesmo termo”45.

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44 O recurso suspende a exigibilidade, conforme o art. 151, II, do CTN, impedindo a inscrição em dívida ativa.45 “É juridicamente insustentável a posição afirmativa da possibilidade de inclusão dos nomes dos responsáveis tributários diretamente na CDA, sem o prévio lançamento, por afrontosa ao art. 142 do CTN, que exige a verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação e a identificação do sujeito passivo; não se poderá admitir, à luz desse item do CTN, que apurado o crédito contra determinada pessoa se possa tê-lo como igualmente apurado contra outrem, que não participou do procedimento administrativo do lançamen-to. Por conseguinte, se o responsável tributário não foi convocado para o procedimento administrativo fiscal de constituição do crédito, a obrigação correspondente não lhe pode ser exigida, sob pena de violação da garantia do devido processo legal e da ampla defesa na via administrativa (art. 5º, LV da Carta Magna), inclusive com ofensa ao seu direito de recorrer, nessa mesma via. Com efeito, quem não foi notificado para o procedimento do lançamento, não poderá juridicamente figurar no Termo de Inscrição em Dívida Ativa, que decorre daquele procedimento, e nem na CDA, que reproduz os dados desse mesmo termo; é sabido que as certidões expedidas pelos órgãos administrativos não inovam e nem criam situações jurídicas ou direitos subjetivos, mas somente reportam atos ou fatos que preexistem.[...] Não é de se admitir, como se tem feito com grande habitualidade, convocar à execução terceiros que poderiam (ou até deveriam) figurar no lançamento/inscrição em dívida ativa, porque contra eles não há título executivo formado e, portanto, essa convocação é deslastreada de suposto legal, ainda que se possa afirmar existente a sua obrigação. Em síntese, deve ser reiterado que uma coisa é a obrigação e outra o seu modo de ser no mundo jurídico, não sendo correto afirmar que a existência daquela já enseja, por si, a sua execução forçada, como se o título fosse despiciendo.” (MAIA FILHO, Napoleão Nunes. O Controle de Legalidade do Lançamento e a Inscrição do Crédito em Dívida Ativa. RDDT 134, nov/06)

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46 Embora a Procuradoria da Fazenda Nacional inclua o nome de responsáveis quando das inscriçoes em dívida ativa sem prévia apuração administrativa, é prática absoluta-mente irregular.47 “... a sujeição de alguém a processo executivo fiscal, por tão-só ter seu nome mencionado em certidão de dívida ativa, sem outros elementos que não a presunção de hipotética ofensa ao artigo 135 do CTN, viola simultaneamente os princípios constitucionais do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. Com efeito, tanto no processo penal, como no processo civil, os atos persecutórios da liberdade ou do patrimônio devem respeito aos direitos fundamentais e à máxima da proporcionalidade. Deste modo, assim como no processo penal não se admite a instauração de inquérito policial desprovido de justa causa, no processo civil também não se deve dar seguimento a pretensão executiva desprovida de elementos mínimos indicativos de probabilidade de sucesso, sob pena de lesão a direitos fundamentais como a dignidade humana e o devido processo legal, que exige a observância da proporcionalidade.” (TRF4, 1º Turma, AG 2008.04.00.011440-5/PR, decisáo do Juiz Fed. Roger Raupp Rios, abr/08)

Assim, a certidão de dívida ativa, para constituír título idôneo e suficiente ao redirecionamento da execução contra o responsável, deve apontar não apenas o seu nome, mas também o fundamento legal da responsabilidade e o número do processo administrativo em que apurado o seu pressuposto de fato específico e ensejada a defesa do responsável.

Por certo que a indicação do nome de um suposto responsável tributário não pode ser arbitrariamente acrescentado por ocasião da ins-crição em dívida ou da sua certificação.46 Estes atos não podem apontar novos obrigados ao pagamento. A indicação do responsável, nesses atos, pressupõe apuração administrativa em que o presuposto de fato da responsabilidade, seu fundamento legal e o próprio responsável tenham restado inequivocamente identificados.

A simples indicação do nome do responsável é, pois, absolutamente insuficiente para legitimar a respectiva pretensão executória.47 A idonei-dade da presença do nome de suposto responsável no título depende da indicação simultänea do fundamento legal e do processo administrativo respectivos.

A certidão de dívida ativa que careça de quaisquer desses elementos (nome do responsável, fundamento legal da responsabilidade, número do processo administrativo em que apurada e discutida a responsabilidade) não contém requisitos mínimos indispensáveis que, revestindo-a de

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regularidade formal, possam justificar o redirecionamento da execução contra o responsável, forte na presunção de certeza, liquidez e exigibi-lidade que daí decorreria.

Se a CDA incompleta já impede o redirecionamento válido, o que se poderá dizer do redirecionamento sem título, baseado apenas em alega-ção formulada pelo credor em simples petição? É, por certo, descabido e ainda com mais razão.

CONCLUSÃOA atribuição legal de responsabilidade tributária não pode ser arbi-

trária. Dependerá, sempre, da vinculação do responsável ao fato gera-dor e do prejuízo decorrente da violação, pelo mesmo, de um dever de colaboração direta ou indireta com a Administração tributária atinente à prevenção do inadimplemento ou sua fiscalização.

A relação que obriga o responsável tributário a responder perante o Fisco pelo tributo, assegurando com seu patrimônio a satisfação do crédito, tem autonomia frente à relação contributiva. É que, embora pres-suponha a existência da obrigaçao do contribuinte e seu inadimplemento, apresenta pressuposto de fato específico.

O lançamento que se limita a apurar a ocorrência do fato gerador, indicar o tributo devido, identificar o contribuinte e intimá-lo a pagar, não dá suporte para que o crédito seja exigido de terceiros.

A responsabilidade do terceiro exige apuração em processo ad-ministrativo no qual reste apurada a ocorrência do pressuposto de fato específico da responsabilidade, oportunizando-se a defesa do responsável. A exigibilidade do crédito contra o responsável depende, ainda, do imple-mento da condição suspensiva consubstanciada pelo inadimplemento e insolvência do contribuinte, do que deve ser dada ciência ao responsável.

Ao responsável deve ser asegurada a possibilidade de realizar pa-gamento voluntário do débito.

A execução depende de título executivo judicial ou extrajudicial. Para que a CDA configure título executivo extrajudicial válido, é mister que preencha os requisitos indispensáveis.

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A regularidade formal da CDA, no que diz respeito a sua idoneidade para fundamentar o redirecionamento da execução contra o responsável, depende da indicação simultânea do nome do responsável, do fundamento legal da sua responsabilidade e do número do processo administrativo em que apurada e discutida.

Admitir a legitimidade passiva para a execução de um suposto res-ponsável pelo simples fato de seu nome constar arbitrariamente acrescido ao título, sem qualquer correspondência em procedimento administrativo regular, faz pouco caso dos requisitos que deve conter o título, impli-cando violação ao CTN, à LEF, ao CPC e, sobretudo, ao princípio do devido processo legal. Ou seja, implica execução com suporte em título viciado, nulo no ponto.

Admitir o redirecionamento da execução mediante simples fun-damentaçao da pretensão em petição apresentada pelo credor importa admitir execução sem título executivo relativamente ao responsável.

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OS EFEItOS DO SOBREStAMEntO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAçãO DO PROCESSO

Miriam MarquesAnalista Judiciário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

e-mail: [email protected](URL do currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0194637402892230)

SUMÁRIO. Introdução. 1. Garantias Constitucionais do Jurisdiciona-do. 1.1 Direito de Acesso à Justiça e o Direito à Tutela Jurisdicional Efetiva. 1.2 Direito à Razoável Duração do Processo. 2. O instituto da Repercussão Geral – breves anotações. 3. O Sobrestamento de processos cíveis com pedidos incontroversos. 4. Ausência de previsão legal sobre o sobrestamento dos pedidos incontroversos e Proposta de Execução Provisória do Julgado. 5. Situação atual dos processos sobrestados no STF – Levantamento estatístico. 6. Conclusão.

INTRODUÇÃOA sociedade atual vive um momento de grandes transformações

sociais, culturais e econômicas, ditadas pela globalização, pela veloci-dade das comunicações, entre outros fatores, o que demanda do Poder Judiciário, uma prestação jurisdicional cada vez mais rápida e eficaz.

Nesse cenário, viu-se o aumento significativo do número de pro-cessos judiciais contendo demandas de mérito idêntico, o que revela a existência de um verdadeiro fenômeno de repetição, como bem intitula Luiz Guilherme Aidar Bondioli que, assim, explica:

“Tal fenômeno se faz presente em praticamente todos os setores da vida contemporânea, produzindo uma verdadeira massificação das relações econômicas e sociais, com naturais reflexos nos litígios surgidos no seu contexto. Na medida em que uma similar relação de consumo se repete inúmeras vezes, eventual abusividade no reajuste da mensalidade de um plano de saúde comercializado em larga escala se reproduzirá com a mesma intensidade, a dano de todos os

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consumidores que o adquiriram. Da mesma forma, tendo em vista que o Estado se vincula a um número enorme de pessoas quando institui um tributo, possível inconstitucionalidade desse tributo traz impactos para significativa parcela da coletividade. Não é preciso muito esforço para imaginar o que acontece quando resolvem bater às portas do Poder Judiciário todos os consumidores eventualmente lesados por um reajuste iconsiderado abusivo na mensalidade do seu plano de saúde e todos os contribuintes possivelmente prejudicados por um tributo tido como inconstitucional. Uma avalancha de pro-cessos fundados em idêntica controvérsia atinge os já congestiona-dos tribunais nacionais e insere as cortes nacionais no contexto do fenômeno da repetição. (Artigo: A Nova Técnica de Julgamento dos Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos, Revista Jurídica nº 387, Janeiro/2010, Ano 58, NOTADEZ, pág. 27 e 28)”

Em consequência dessa realidade, a doutrina assinala o que se cha-mou de a “crise do Supremo Tribunal Federal”, expressão cunhada por Philadelpho de Azevedo, traduzida pelos assombrosos números de feitos que cada vez mais deságuam na Corte, o que por certo é susten-tado pelo nosso sistema recursal, mas passa inevitavelmente a produzir um efeito reverso e, o que é mais grave, nefasto, representado não só pela morosidade nas decisões definitivas, com o indesejado prolonga-mento no tempo das soluções, de per si já preocupante, como ainda a inevitável queda na qualidade dessas decisões, que acabam por se ver afetadas em razão do grande volume. Nessa esteira, o combatente jurista baiano, Calmon de Passos, antes mesmo da Constituição de 1988, assim se manifestava:

“A crise do STF se traduz, como vimos, em duas consequências bem determináveis. A primeira delas, o acúmulo de processos sem decisão nesse órgão, visto como o número dos que anualmente nele têm ingresso excede, de muito, o dos que nele conseguem ser jul-gados... A segunda consequência se traduz na perda de substância dos julgados de nossa mais alta Corte de Justiça. Eles, que deve-riam ser os norteadores de toda a atividade jurisdicional do País, apresentam-se, em sua esmagadora maioria, como frutos modestos, às vezes nada convincentes, por força da pressão intolerável do volume de trabalho exigido dos senhores ministros.

...

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O crescimento dos recursos extraordinários em forma geométri-ca, acusado pelos anos pretéritos e cuja linha não se viu e não se vê diminuída, decorre principalmente da amplitude de sua incidência e das frustradas soluções de filtragem em sua admissibilidade e conse-quente processamento e conhecimento, ensejando o tão indesejado acúmulo de processos, para ficar tão-somente nos limites das causas de ordem formal. (Elaine Harzeim Macedo, Artigo: Repercussão geral das questões constitucionais: nova técnica de filtragem do recurso extraordinário, Revista Direito e Democracia, volume 6, número 1, 1º semestre de 2005, pág. 86, 87 e 88)”

O sistema jurídico brasileiro, então, premido pela necessidade de mudanças, editou a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que inseriu o parágrafo 3º ao art. 102 da Constituição Federal/88, criando um sistema de filtragem nos Recursos Extraordinários, conforme segue:

“Art. 102. ...§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar

a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

Assim, com a promulgação da referida emenda, nasceu o instituto da repercussão geral que veio a ser regulamentado pela Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006, e que consiste em um filtro para a admissibilidade dos recursos extraordinários.

“O conceito de “repercussão geral” foi estabelecido direta-mente pelo §1º do art. 543-A do CPC, que definiu como “a exis-tência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. Ou seja, algo que extrapole o singelo interesse das partes litigantes, para se caracterizar como um debate de interesse público, nos aspectos acima descritos. (Fernando Facury Scaff – Artigo: O Recurso Extraordinário ao STF e a Repercussão Geral da Questão Constitucional em matéria tributária – Lei nº 11.418, Revista Jurídica Tributária - Ano 1 – Julho/Setembro de 2008, nº 2, NOTADEZ, pág. 52)”)

OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

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Portanto, “A repercussão geral pode ser considerada como um dos instrumentos processuais que concretiza o art.5º, LXXVIII, que elevou a razoável duração do processo à condição de direito fundamental, pois causa uma limitação recursal (reduzindo o excesso de processos e julgamentos no STF), a redução dos atos processuais e a celeridade no julgamento dos recursos extraordinários (permitindo a seleção de alguns sobre matérias repetitivas). (Oscar Valente Cardoso, Artigo: Repercussão Geral, Questões Constitucionais Qualificadas e Coisa Julgada Inconstitucional, Revista Dialética de Direito Processual, nº 72, março - 2009, pág. 66)”

A questão que interessa ao presente estudo, está relacionada ao procedimento estabelecido pelo legislador para o reconhecimento da repercussão geral em processos com idêntica controvérsia. Isto porque, nestes casos, a repercussão geral será aferida por amostragem, conforme dispõe o estatuto processual civil, em seu art.543-B e §1º, que seguem transcritos:

“Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão ge-ral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).

§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais re-cursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).”

Logo, uma vez efetuada a seleção dos recursos que serão encaminha-dos ao STF, os demais ficarão sobrestados aguardando o pronunciamento da Suprema Corte sobre a existência ou não de repercussão geral.

“Tendo sido reconhecida a repercussão geral da questão debati-da e julgado o mérito recursal, os recursos sobrestados poderão ser apreciados imediatamente pelo Tribunal de origem, pelas Turmas de Uniformização ou pelas Turmas Recursais. (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág. 63)”

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Pois bem, o sobrestamento de um processo que contenha somente um pedido, cujo mérito da demanda seja objeto do recurso extraordinário, não causa espécie à parte vencedora em segundo grau, já que a suspensão do recurso impede qualquer ato executório.

No entanto, em se tratando de processos com múltiplos pedidos ou mesmo de um pedido que venha a ter o reconhecimento de uma parte como incontroversa, o sobrestamento do feito, tal como ocorre hoje, acarreta um enorme prejuízo aos jurisdicionados, porque se somente um destes pedidos estiver sob exame da Suprema Corte, haverá o impedimen-to de se proceder à execução das demais postulações que não são matérias próprias do recurso extraordinário em exame de repercussão geral.

A título de exemplo, cita-se o RE nº 579431, aguardando julgamento de mérito desde 11/06/2008, em que se discute no precatório, a incidên-cia dos juros de mora no período compreendido entre a data da feitura do cálculo e a data da expedição da requisição de pequeno valor. Nesse caso, o sobrestamento do processo, impede o jurisdicionado de promover a execução da parte principal ou incontroversa, obrigando-o a esperar pelo julgamento de mérito da questão controversa, o que fere o direito do jurisdicionado à tutela jurisdicional efetiva e à razoável duração do processo. Consoante informações obtidas na Vice-Presidência do TRF4ª Reg., existem, hoje, cerca de 9.000 (nove mil) processos sobrestados em razão dessa matéria.

É imperativo salientar que a Advocacia-Geral da União, em 09 de junho de 2008, editou o Enunciado nº 31, com o seguinte teor:

“É cabível a expedição de precatório referente a parcela in-controversa, em sede de execução ajuizada em face da Fazenda Pública.”

No entanto, isso não invalida o exemplo, pelo contrário, comprova que somente por iniciativa do devedor é que pode, a parte credora, ter acesso à execução provisória.

Ora, essa possibilidade de execução da parte incontroversa deve ser a regra e, para isso, sugere-se que o Judiciário estabeleça nas decisões, os parâmetros para que a parte credora possa promover a execução parcial do julgado, independentemente da vontade do devedor.

OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

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Importa registrar que o presente ensaio não visa se opor ao sistema da repercussão geral, tal como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, que, por seus reconhecidos méritos, deve ser mantido. Mas, pretende questionar o sistema atualmente implantado no Poder Judiciário e suscitar a modificação nos procedimentos judiciários que ao determinarem o sobrestamento, não se limitam a fazê-lo somente em relação ao recurso extraordinário, mas abarcam todo o processo, ou seja, determinam a suspensão de matérias incontroversas.

A proposta que ora se efetua é no sentido de se delimitar o foco do recurso interposto, visando afastar os demais pontos ou pedidos que não são objeto do recurso, possibilitando ao jurisdicionado dar início à execução do julgado e, deste modo, tornar mais célere a prestação jurisdicional, ainda que de forma parcial.

1 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO JURISDICIONADO

1.1 Direito de Acesso à Justiça e o Direito à tutela Jurisdicional Efetiva

A Constituição Federal/88 consagra o direito de acesso amplo à Justiça que é uma conquista do cidadão, incorporada como garantia no texto da Lei Maior, de modo que, nas palavras dos professores Sérgio Gilberto Porto e Daniel Ustárroz: “[...] a norma constitucional que as-segura a apreciação de lesão ou de ameaça a direito (art. 5º, XXXV) é a base do direito processual brasileiro, merecendo aplicação imediata e consideração em toda e qualquer discussão judicial”1.

Flávio Luís de Oliveira, ao abordar a matéria em seu artigo: Princípio do Acesso à Justiça, tece o seguinte comentário:

“O princípio do Acesso à Justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, não pode ser visto com um direito meramente formal e abstrato, ou seja, como um simples direito de propor a ação em juízo.

1 PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel. Lições de direitos fundamentais no processo civil – O conteúdo processual da Constituição Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 41.

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De fato, a questão do Acesso à Justiça exige o enfrentamento dos obstáculos econômicos e sociais à concretização de direitos.

Assim sendo, o Acesso à Justiça requer um processo justo, à luz de uma Justiça imparcial, que permita não apenas a partici-pação igualitária das partes, independentemente das diferentes posições sociais, mas, sobretudo, a efetiva realização de direitos”. “Nesse contexto, no que concerne aos objetivos fundamentais da República, insta salientar que o Acesso à Justiça contribui, para a inclusão social e, portanto, para a redução de desigualdades sócio-econômicas”.

“Portanto, o acesso à ordem jurídica justa é, antes de tudo, uma questão de cidadania. Por esta razão, a Justiça deve ser pensada sob o ponto de vista dos consumidores da prestação jurisdicional.” ...

(OLIVEIRA, Flávio Luís de Oliveira. Princípio do acesso à Justiça. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de; LOPES, Maria Elizabeth de Castro (Org.). Princípios processuais civis na Constituição. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2008. – pág.79 e 80)

Delosmar Mendonça Junior,por seu turno, enfatiza:

“Mas o direito de ação significa não apenas o mero acesso ao Judiciário, na dimensão restrita e insuficiente de propor demandas e se defender. Não. O direito de acesso à justiça significa tutela efetiva que se desdobra nos elementos adequação e tempestividade2. Com isso, defendemos a presença do princípio da efetividade do processo como norma decorrente do art. 5º, XXXV, da Constitui-ção. A nosso sentir, a efetividade tem os conteúdos de adequação, buscando tutelas diferenciadas para concretizar o direito material e tempestividade, sugerindo procedimentos construídos sob o enfoque da harmonização entre ampla defesa e celeridade”.

Portanto, trata-se de um direito fundamental à obtenção de uma solução concreta e definitiva para a demanda proposta.

2 MENDONÇA JUNIOR, Delosmar. Direito civil e Processo – Estudos em homenagem ao professor Arruda Alvim. Coordenação: Araken de Assis, Eduardo Arruda Alvim, Nelson Nery JR., Rodrigo Mazzei, Teresa Arruda Alvim Wambier, Thereza Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 994.

OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

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O presente trabalho, nesta linha de pensamento, parte do princípio de que a Justiça, como Instituição, deve conduzir suas atividades, sempre tendo como foco a pessoa do jurisdicionado.

Desta forma, todo procedimento judiciário deve levar em consi-deração os direitos das partes, a fim de que não se priorize a forma em detrimento da justiça.

1.2 Direito à Razoável Duração do ProcessoO legislador editou a Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004,

que inseriu no rol dos direitos fundamentais do art. 5º, o inciso LXXVIII, que assim dispõe: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são as-segurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Ao discorrer sobre esse dispositivo, o professor Horácio Wanderlei Rodrigues, assevera:

“Esse dispositivo contém duas normas, pois garante, no âmbito judicial e administrativo: a) a razoável duração do processo; e b) os meios que garantam a celeridade processual. Ambas possuem duplo direcionamento: a) estabelecem direitos fundamentais, que podem ser exigidos por qualquer cidadão; e b) contêm uma ordem dirigida ao Poder Público, para que garanta o direito à prestação jurisdicional em um prazo razoável e crie os meios necessários para que isso efetivamente ocorra.

(RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Reforma do judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coordenação: Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Jr., Octavio Campos Fischer, William Santos Ferreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. Pág. 288)”

Sobre o tema, ainda, salienta o Prof. Clóvis Fedrizzi Rodrigues:

“A emenda constitucional tenta, com os novos dispositivos, acabar com a malfadada morosidade do Judiciário. Claramente se nota que, caso a emenda constitucional não se seguir de uma reforma das leis processuais e da administração do Poder Judiciário, bem como de uma profunda reflexão do Poder Executivo e Legislativo quanto a sua responsabilidade, na atual morosidade da prestação

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jurisdicional, as referidas disposições terão, tão somente, caráter principiológico, nada de novo trazendo ao jurisdicionado.

(Clóvis Fedrizzi Rodrigues. Direito Fundamental à Duração Razoável do Processo. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civi l- nº 63 - Jan-Fev/2010. p. 80 e 81)”

Resta claro que o Poder Judiciário pode e deve criar meios ou modi-ficar os procedimentos existentes que não se coadunem com o princípio da duração razoável do processo.

Essa, portanto, é a fundamentação legal da presente proposta que postula a alteração do sistema de sobrestamento decorrente da repercus-são geral, permitindo que haja a execução provisória dos pedidos que constituam parcela incontroversa, como regra geral, e fiquem sobrestados somente os recursos extraordinários.

2 O InStItUtO DA REPERCUSSãO GERAL – BREVES ANOTAÇõES

A Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, inseriu o inc. LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal, concedendo ao jurisdicio-nado o direito à duração razoável do processo que, sem dúvida, comple-menta o direito à tutela jurisdicional efetiva. Isto porque um Judiciário lento, na prestação jurisdicional, eternizando os litígios, atenta contra a sua própria função social, na medida em que não responde, com celeri-dade, às demandas que a sociedade lhe apresenta.

Salienta Horário Wanderlei Rodrigues que:

“O processo não apenas deve se preocupar em garantir a satisfação jurídica das partes, mas principalmente, para que essa resposta aos jurisdicionados seja justa, é imprescindível que se faça em um espaço de tempo compatível com a natureza do objeto litigado. Do contrário, torna-se utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito3.”

3 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Reforma do judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coordenação: Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Jr., Octavio Campos Fischer, William Santos Ferreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 285.

OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

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O Estado é representado em seu mais alto escalão no Poder Judiciário pelo Supremo Tribunal Federal, a quem cumpre a “guarda da Constitui-ção”, conforme dispõe o art.102, da CF/88.

Pois bem, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, ao cuidar do tema da repercussão geral, declaram que:

“[...] à Constituição compete um papel unificador do Direito no Estado Constitucional. É sua função outorgar unicidade ao Direito. Ao Supremo, nessa quadra, outra tarefa não poderia restar que não contribuir para a unidade do Direito no Estado Constitucional brasileiro, estabilizando-o e desenvolvendo-o unitariamente em seu cotidiano.”, [...] “é o interesse na concreção da unidade do Direito: é a possibilidade que se adjudica à Corte Suprema de “clarifier ou orienter le droit”, em função ou a partir de determinada questão levada ao seu conhecimento. Daí a oportunidade e o inteiro acerto de instituir-se a repercussão geral da controvérsia constitucional afir-mada no recurso extraordinário como requisito de admissibilidade desse. Tendo presente essas coordenadas, a adoção de um mecanis-mo de filtragem recursal como a repercussão geral encontra-se em absoluta sintonia com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e, em especial, com o direito fundamental a um processo com duração razoável”4.

O legislador, portanto, criou a repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, visando circunscrever a atu-ação do Supremo Tribunal Federal às grandes questões constitucionais.

Sobre esse tema, diz Elaine Harzheim Macedo:

“O obstáculo se mostra salutar, na medida em que liberaria o Supremo de julgar, em terceira ou quarta instância, questões que já foram decididas pelos demais tribunais, que, ao fim e ao cabo, também detém, por força do sistema difuso do controle da consti-tucionalidade, o poder de dizer a Constituição, ainda que restrito a casos sem repercussão geral, segundo o novel dispositivo5.”

4 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel Francisco. Repercussão geral no recurso extraordinário. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 15 e 18.5 MACEDO, Elaine Harzheim. Direito e Democracia. Revista de Ciências Jurídicas, ULBRA, v. 6, n. 1, p. 94, 1º sem. 2005.

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Sandro Marcelo Kozikoski justifica a repercussão geral dizendo:

“Trata-se, assim, de providência delineada com o propósito de “descongestionar” o STF, coadunando-se com a pretensão de fortalecimento da excelência das funções jurídicas e políticas do órgão de cúpula do Judiciário Nacional6.”

Logo, a repercussão geral é um expediente que visa a racionalização da atividade judicial, com o intuito de agilizar os julgamentos e impedir que a Suprema Corte se torne uma terceira ou quarta instância como bem enfatizou a Prof. Elaine Harzheim Macedo.

O procedimento relativo a este mecanismo de filtragem nos Tribu-nais, portanto, deve seguir a sua matriz, ou seja, deve proporcionar um tratamento célere aos feitos.

3 O SOBREStAMEntO DE PROCESSOS CÍVEIS COM PEDIDOS INCONTROVERSOS

A Constituição deferiu ao jurisdicionado os direitos à tutela juris-dicional efetiva e à duração razoável do processo e ao Estado, enquanto Poder, o direito de invocar o princípio da celeridade, para uniformizar a prestação jurisdicional. Em razão desta fórmula, nasceu o instituto da repercussão geral. No entanto, há um fato jurídico, resultante do reconhe-cimento de uma controvérsia, como sendo de repercussão geral que, em verdade, opõe-se ao próprio direito do cidadão em alcançar a prestação jurisdicional efetiva de forma célere.

Estamos falando do sobrestamento dos processos judiciais em que haja uma parte incontroversa, a qual por não ser objeto do recurso extraordinário, poderia ser executada provisoriamente. Mas, diante da atual sistemática, tais demandas permanecem suspensas, impedindo que se efetue a prestação jurisdicional, ainda que parcial.

6 KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. A repercussão geral das questões constitucionais e o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário (Lei nº 11.418/2006). Revista Foren-se, Doutrina e pareceres, Jurisprudência civil, Jurisprudência penal, Crônica, Estudos e Comentários, Legislação, v. 391, p. 241, maio/jun. 2007.

OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

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Socialmente, a medida tem acarretado graves prejuízos, pois há processos envolvendo, por exemplo, matéria previdenciária, em que as partes, não raro, são pessoas de idade, doentes e de poucos recursos e que estão obrigadas a esperar pelo julgamento de um processo idêntico no Supremo Tribunal Federal para, então, obterem uma resposta definitiva à sua contenda.

Veja-se, por exemplo, o RE 583834, cuja declaração de existência de repercussão geral remonta à 12/06/2008, sem pronunciamento de mérito até o momento, e no qual se discute matéria previdenciária, referente a:

“Aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença. Fixação da renda mensal inicial. Apuração do Salário-de-benefício. Art. 29 da Lei nº 8.213/91, com redação da Lei nº 9.876/99. Apli-cação a benefícios concedidos antes da vigência. Inciso XXXVI do art. 5º; § 5º do art. 195, caput e os §§ 1º, 3º e 4º do art. 201, todos da Constituição Federal. DIREITO PREVIDENCIÁRIO | Benefícios em Espécie | Aposentadoria por Invalidez.”

O recurso extraordinário interposto pelo INSS questiona a decisão que diz que na fixação da renda mensal inicial da aposentadoria por inva-lidez precedida de auxílio-doença deve-se apurar o salário-de-benefício na forma do art. 29, § 5º, da Lei nº 8.213/91, ao argumento de que na aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença, o correto é elevar o valor do benefício do segurado, de 91% do salário-de-benefício, para 100% do mesmo salário-de-benefício atualizado, ex vi do §7º do art. 36 do Dec. Nº 3.048/99.

A parte autora, por sua vez, sustenta que o correto é considerar o salário-de benefício do auxílio-doença como salário de contribuição do segurado no período em que ele esteve afastado da atividade – aplicando o art. 29, § 5º, da Lei nº 8.213/91- e, em seguida, proceder a novo cálculo do salário-de-benefício da aposentadoria por invalidez, fazendo incidir sobre esse novo salário-de-benefício, percentual de 100%, encontrando, assim, a renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez.

Em tais demandas, o efeito do sobrestamento é extremamente nocivo ao jurisdicionado porque enquanto não houver o julgamento do mérito pelo STF, ficará, este, sem receber o benefício da aposentadoria, já re-conhecido judicialmente e sobre o qual, sublinha-se, não há recurso. O

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foco recursal limita-se ao cálculo da renda mensal inicial. Logo, há uma parte incontroversa que seria passível de execução, ou seja, poderia a parte requerer o imediato recebimento da aposentadoria por invalidez, utilizando como renda mensal inicial, àquela proposta pelo INSS. Se, posteriormente, a Suprema Corte entender que a decisão recorrida estava correta, procede-se a liquidação dos valores pagos a menor e atualização do benefício previdenciário.

O que se propõe é uma mudança de orientação do próprio Judiciário, que deverá prover a parte credora de critérios no decisum, ainda que provisórios, para o caso de haver recurso extraordinário, especialmente, em matérias com repercussão geral já reconhecida. A ideia a ser perse-guida é de que a parte vencedora da parte incontroversa possa executá-la imediatamente.

Este procedimento atenderia aos ditames constitucionais da tutela jurisdicional efetiva e da razoável duração do processo, promovendo a justiça social de forma mais célere.

4 AUSênCIA DE PREVISãO LEGAL SOBRE O SOBRES-tAMEntO DOS PEDIDOS InCOntROVERSOS

Se consultarmos a legislação, perceberemos que não há previsão sobre os processos que contenham pedidos não açambarcados pelo re-curso extraordinário, ou pedidos que possuam uma parte incontroversa.

O procedimento legal adotado pelos Tribunais de origem, para processos com idêntica controvérsia, estabelece que:

“O exame da repercussão geral dar-se-á por amostragem. Vale dizer: os Tribunais de origem selecionarão um ou mais recursos representativos da controvérsia (art. 543-B, § 1º, do CPC). [...] Uma vez individualizados, os recursos passíveis de adequada re-presentação da controvérsia, os demais, versando sobre a mesma questão, ficarão sobrestados (isto é, paralisados) até que advenha pronunciamento do Supremo Tribunal Federal a respeito da exis-tência ou da inexistência da repercussão geral7.”

7 MARINONI; MITIDIERO, op. cit., p. 61-63.

OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

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Temos, neste ponto, duas possibilidades, a saber:

“A primeira é a de que o STF entenda não existir a repercussão geral alegada. Nesta hipótese, todos os recursos sobrestados deverão ser considerados automaticamente como não admitidos. A segunda hipótese é a de o STF admitir a repercussão geral e decidir o mérito do(s) Recurso(s) Extraordinário(s) que tiver apreciado. Neste caso, os recursos sobrestados poderão ser declarados nos Tribunais de origem como prejudicados, ou haver retratação8”.

Pois bem, analisando o sistema normativo, temos que: a partir da EC nº 45/2004 que inseriu o §3º ao art.102 da CF/88, criou-se o instituto da Repercussão Geral, cuja regulamentação se deu pela Lei nº 11.418, de 19/12/2006, com vigência a partir de 18/02/2007.

Esta lei introduziu os arts. 543-A e 543-B no corpo do estatuto processual civil, conforme seguem transcritos:

“Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecor-rível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

...Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com

fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão ge-ral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§ 1º Caberá ao tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo tribunal Federal, sobrestando os demais até o pro-nunciamento definitivo da Corte. (grifou-se).

§ 2º negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. (grifou-se)

8 SCAFF, Fernando Facury. O recurso extraordinário ao STF e a Repercussão geral da questão constitucional em matéria tributária – Lei nº 11.418. Revista Jurídica Tributária, ano 1, n. 2, p. 53, jul.-set. 2008.

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§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformi-zação ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§ 4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supre-mo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

O texto da lei, como bem se observa, não distingue os processos com uma ou múltiplas controvérsias ou demandas contendo pontos incontro-versos. De modo que, ao determinar o sobrestamento, a lei ignora se há feitos com pedidos que foram julgados procedentes e que poderiam ser objeto de execução provisória, dada à sua autonomia.

A solução parece estar na interpretação da norma, passando-se a entender que o sobrestamento não deve ser do processo judicial em si, mas do recurso, contendo o ponto controvertido que foi reconhecido como sendo de repercussão geral, ou seja, o sobrestamento deve ser, exclusivamente, do recurso interposto.

Se procedermos a uma breve leitura do texto do parágrafo primei-ro, do art. 543-B, veremos que a norma diz que o Tribunal de origem selecionará um ou mais recursos representativos da controvérsia e os encaminhará à Suprema Corte, sobrestando os demais, vale dizer, so-brestando os demais recursos.

Novamente, no parágrafo segundo do mesmo artigo, o legislador fala que, negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

Nas palavras de Luiz Guilherme Aidar Bondioli: “Uma vez deflagra-do o julgamento por amostragem em matéria de recurso extraordinário pelo tribunal local, os recursos extraordinários ficam sobrestados até “o pronunciamento definitivo da Corte”9 (art. 543-B, § 1º).”

Logo, a lei não fala em sobrestamento do processo judicial, mas, tão- somente, do recurso interposto. Portanto, a paralisação não atinge às

9 BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. A nova técnica de julgamento dos recursos ex-traordinário e especial repetitivos. Revista Jurídica, Porto Alegre: NOTADEZ, ano 58, n. 387, p. 36, jan. 2010.

OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Page 149: Revista Da Ajufergs 07 Completo

REVISTA DA AJUFERGS / 07148

outras demandas autônomas que integram o processo e que não integram o recurso extraordinário.

O Regimento Interno do STF, por seu turno, ao se referir ao art. 543-B, fala em sobrestamento de matéria, conforme dispõe o art. 21, § 4º:

“§ 4º Relator comunicará à Presidência, para os fins do art. 328 deste Regimento, as matérias sobre as quais proferir decisões de sobrestamento ou devolução de autos, nos termos do art. 543-B do CPC.”

Assim, na ausência de impedimento legal, podem os processos, com pedidos múltiplos ou incontroversos serem objeto de execução, remanescendo suspensa somente aquela parcela que estiver pendente de exame no Supremo.

5 A SItUAçãO AtUAL DO SOBREStAMEntO DOS FEI-TOS NO STF

Consultando o site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (http://www.trf4.jus.br/trf4/), no item Repercussão Geral/ TRF4, pode-se acessar um levantamento elaborado pela Vice-Presidência, no qual encontram-se discriminadas todas as matérias pendentes de pronunciamento sobre a existência ou não de repercussão geral, bem como aquelas em que a repercussão geral foi declarada, mas que continuam aguardando o jul-gamento do mérito.

Para se dimensionar o problema do sobrestamento, passa-se trans-crever parte da tabela supra referida, apontando somente os processos em matéria cível, sendo que destes, somente aqueles cuja repercussão geral não foi reconhecida ainda, e os que já obtiveram a repercussão declarada nos anos de 2007 e 2008, e estão no aguardo do julgamento de mérito:

O quadro a seguir foi obtido no site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (http://www.trf4.jus.br/trf4/, em novembro de 2010.

Page 150: Revista Da Ajufergs 07 Completo

149OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO

DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Classifica-ção Rep Geral Assunto Processo Data de

AfetaçãoPronuncia-

mentoAcordão Afetação

Julg. Mérito

Transito em Jul-

gadoProc.

DiversosHá

Repercussão Geral

Ação Direta de Inconstitucionalidade Estadual. Lei n. 1.952, de 20.12.95, do Município de Paulínia. Lei municipal que proíbe a queima de palha de cana-de-açúcar e o uso do fogo em atividades agrícolas. Matéria de meio ambiente. Função suplementar do município. Existência de lei estadual em sentido contrário, permitindo a queima. DIREI-TO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Controle de Constitucionalidade | Inconstitucionalidade Material

RE 586224 11/12/2008 Acórdão Publicado

IPIHá

Repercussão Geral

IPI. Creditamento. Alíquota zero. Pro-duto não tributado e isenção. Rescisória. Admissibilidade na origem. Decisão rescindenda baseada na jurisprudência majoritária de então, reconhecendo o direito do creditamento. DL nº 2.637/98

RE 590809 13/11/2008 Acórdão Publicado

ExecuçõesHá

Repercussão Geral

Embargos à execução. Fazenda Pública. Art. 4º da Medida Provisória 2.180-35/2001. Art. 1º-B à Lei 9.494/97. Prazo de 30 dias. 730 do CPC e 884 da CLT. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumpri-mento / Execução de Sentença | Efeito Suspensivo / Impugnação / Embargos à Execução DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Atos Pro-cessuais | Prazo

RE 590871 13/11/2008 Acórdão Publicado ADC 11

DiversosHá

Repercussão Geral

Direito Administrativo. Anulação de ato administrativo cuja formalização tenha repercutido no campo de interesses individuais. Poder de autotutela da administração pública. Necessidade de instauração de procedimento adminis-trativo sob o rito do devido processo legal e com obediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa. DIREI-TO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Atos Administrativos | Inquérito / Proces-so / Recurso Administrativo DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Sistema Remu-neratório e Benefícios

RE 594296 13/11/2008 Acórdão Publicado

Repercussão Geral

Empregado. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Despedida imotivada. Sociedade de economia mista e empresa pública. Reintegração. Orientação Jurisprudencial nº 247 do TST. CF/88, art. 41 e 173, § 1º. DIREITO DO TRABALHO | Rescisão do Contrato de Trabalho | Despedida / Dispensa Imotiva-da DIREITO DO TRABALHO | Rescisão do Contrato de Trabalho | Reintegração / Readmissão ou Indenização

RE 589998 6/11/2008 Acórdão Publicado RE 574167

PrecatóriosHá

Repercussão Geral

Precatório. Parcelamento. Juros legais (moratórios e compensatórios). Incidência durante o prazo de pagamento das parcelas do ADCT, art. 78. DIREITO PROCES-SUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumprimento / Execução de Sentença | Precatório | Liquidação Parcelada DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumprimento / Execução de Sentença | Valor da Execução / Cálculo / Atualização | Juros DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Intervenção do Estado na Propriedade | Desapropriação

RE 590751 6/11/2008 Acórdão Publicado

Page 151: Revista Da Ajufergs 07 Completo

REVISTA DA AJUFERGS / 07150

Repercussão Geral

Direito Processual Civil. Lei Estadual 11.608/2003-SP. Preparo. Porte de Remessa e Retorno. INSS. Isenção. Conceito de taxa judiciária. CF/88, artigos 5º, incisos XXXV, XXXVI e LV, 24, inciso IV, 93, inciso IX, 98, § 2º, e 145, inciso II. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Recurso | Preparo / Deserção

RE 594116 6/11/2008 Acórdão Publicado ADI 3154

Medica-mentos

Há Repercussão

Geral

Direito à Saúde. Direito intertemporal. Aplicação retroativa de leis sobre planos de saúde. Lei nº 9.656/98. Ato jurídico perfeito (art. 5º, inc. XXXVI, da CF DI-REITO DO CONSUMIDOR | Contratos de Consumo | Planos de Saúde

RE 578801 16/10/2008 Acórdão Publicado

Repercussão Geral

Direito Eleitoral. Prestação de contas. Cabimento de Recurso Especial Elei-toral. Art. 121, § 4º da CF. DIREITO ELEITORAL E PROCESSO ELEITO-RAL | Eleição | Campanha Eleitoral | Prestação de contas

RE 591470 16/10/2008 Acórdão Publicado

DiversosHá

Repercussão Geral

Tributário. Imunidade Recíproca. Socie-dade de Economia Mista. Entidades que prestam serviços de saúde. Hospitais. Entidade de interesse Público. Art. 150, IV da CF. DIREITO TRIBUTÁRIO | Impostos | ICMS/ Imposto sobre Circu-lação de Mercadorias DIREITO CIVIL | Empresas | Espécies de Sociedades

RE 580264 9/10/2008 Acórdão Publicado

FGTSHá

Repercussão Geral

OBSERVAR JULGAMEntO DA ADI 2736 - Honorários advocatícios. art. 29-C da Lei 8.036/90. MP 2.164/2001. Ações entre o FGTS e os titulares de contas vinculadas. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Partes e Procuradores | Sucumbência | Honorários Advocatícios em FGTS

RE 581160 9/10/2008 Acórdão Publicado RE 384866;

ADI 2736

PIS/COFINS

Há Repercussão

Geral

ISS. Inclusão na base de cálculo da con-tribuição ao PIS e da COFINS. Conceito de Faturamento.

RE 592616 9/10/2008 Acórdão Publicado

DiversosHá

Repercussão Geral

Precatório. Aquisição por terceiro. Com-pensação com débito tributário. Art. 78, § 2º, do ADCT.

RE 566349 2/10/2008 Acórdão Publicado RE 550400

Contribui-ções

Há Repercussão

Geral

CSSL - Contribuição Social Sobre o Lucro. Majoração de alíquota. Emenda Constitucional nº 10/96. Princípio da anterioridade nonagesimal.

RE 587008 11/9/2008 Acórdão Publicado

Servidor Civil

Há Repercussão

Geral

Competência. Justiça do Trabalho. Arts. 105, inciso I, d, e 114, da Constituição Federal. Efeitos da execução após a instituição do regime jurídico único dos servidores públicos federais (Lei 8.112/90).Coisa julgada inconstitucional. Inexistência de direito adquirido a reajus-ta. Sentença que considerou devido, aos servidores da Justiça Eleitoral no Ceará, o reajuste de 84,32% referente ao Plano Collor (março/90). DIREITO ADMI-NISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Reajustes de Remuneração, Proventos ou Pensão DIREITO PRO-CESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Jurisdição e Competência | Competência | Competência da Justiça do Trabalho DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Jurisdição e Competência | Competência | Competência da Justiça Federal DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumprimento / Execução de Sentença | Inexigibilidade do Título

RE 590880 4/9/2008 Acórdão Publicado MS 24529;

MS 25583

Page 152: Revista Da Ajufergs 07 Completo

151OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO

DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

DiversosHá

Repercussão Geral

IOF - Imposto sobre Operações Finan-ceiras. Incidência. Ações de companhias abertas e das conseqüentes bonificações emitidas. Art. 1º, IV, da Lei 8.033/90. DIREITO TRIBUTÁRIO | Impostos | IOC/IOF Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários DIREITO TRIBUTÁRIO | Crédito Tributário | Fato Gerador/Incidência

RE 583712 28/8/2008 Acórdão Publicado

DiversosHá

Repercussão Geral

IOF- Imposto sobre Operações Fi-nanceiras. Incidência nos contratos de mútuo onde não participem instituições financeiras. ?Factoring?. Artigo 13 da Lei nº 9.779/99. DIREITO TRIBUTÁRIO | Impostos | IOC/IOF Imposto sobre ope-rações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários DIREITO CIVIL | Obrigações | Espécies de Contratos | Mútuo

RE 590186 28/8/2008 Acórdão Publicado ADI 1763

ExecuçõesHá

Repercussão Geral

Execução contra a Fazenda Pública. Embargos, Art. 741 do Código de Processo Civil. Aplicação no âmbito dos juizados. Arts. 5º, caput, e inciso XXXVI (coisa julgada e ato jurídico perfeito), e 195, § 5º (pré-existência de custeio). Coisa julgada inconstitucional. Aplicação retroativa da Lei nº 9.032/95. Majoração percentual da pensão por morte concedida antes da vigência. RE 415.454 e RE 416.827.. DIREITO PREVIDENCIÁRIO | RMI - Renda Mensal Inicial, Reajustes e Revisões Específicas | RMI - Renda Mensal Inicial | Alteração do coeficiente de cálculo de pensão DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumprimento / Execução de Sentença | Inexigibilidade do Título DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRA-BALHO | Jurisdição e Competência | Competência | Competência dos Juizados Especiais

RE 586068 2/8/2008 Acórdão Publicado

Precatórios1. Há

Repercussão Geral

1. Precatório. Juros de mora. Incidência no período compreendido entre a data da feitura do cálculo e a data da expe-dição da requisição de pequeno valor. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumpri-mento / Execução de Sentença | Valor da Execução / Cálculo / Atualização

RE 579431 11/6/2008 Acórdão Publicado

Repercussão Geral

IPTU. Alíquota progressiva. EC 29/2000. Isonomia e capacidade contributiva. Lei municipal nº 10.250/2001-SP. Reserva de Plenário. DIREITO TRIBUTÁRIO | Impostos | IPTU/ Imposto Predial e Territorial Urbano DIREITO TRIBU-TÁRIO | Crédito Tributário | Alíquota | Alíquota Progressiva

RE 586693 26/6/2008 Acórdão Publicado RE 423768

Repercussão Geral

Previdenciário. Aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença. Fixação da renda mensal inicial. Apu-ração do Salário-de-benefício. Art. 29 da Lei nº 8.213/91, com redação da Lei nº 9.876/99. Aplicação a benefícios concedidos antes da vigência. Inciso XXXVI do art. 5º; § 5º do art. 195, caput e os §§ 1º, 3º e 4º do art. 201, todos da Constituição Federal. DIREITO PREVI-DENCIÁRIO | Benefícios em Espécie | Aposentadoria por Invalidez

RE 583834 12/6/2008 Acórdão Publicado

PIS/COFINS

Há Repercussão

Geral

PIS e COFINS. Base de cálculo. Exclu-são das vendas a prazo inadimplidas. Art. 195, I, b da CF. Capacidade contributiva e não confisco.

RE 586482 5/6/2008 Acórdão Publicado

Page 153: Revista Da Ajufergs 07 Completo

REVISTA DA AJUFERGS / 07152

IPIHá

Repercussão Geral

IPI. Base de cálculo. Descontos in-condicionados. Art. 14, §2º, Lei nº 4.502/64, com redação do art. 15 da Lei nº 7.798/89. Necessidade de Lei Com-plementar. Art. 146. inciso III, alínea a e Art. 150, inciso I da CF.

RE 567935 22/5/2008 Acórdão Publicado

Servidor Civil

Há Repercussão

Geral

Sindicatos e Associações. Legitimidade para ajuizar ação, na qualidade de substitutos processuais. Desnecessidade de autorização do filiado. Art. 5º, XXI e XXXVI, e Art. 8º, III da CF DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumprimento / Execução de Sentença DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Partes e Procuradores | Substituição Processual DIREITO CIVIL | Pessoas Jurídicas | Associação

RE 573232 15/5/2008 Acórdão Publicado

IPIHá

Repercussão Geral

IPI. Constitucionalidade do Decreto n. 2.917/98. Adoção do princípio da sele-tividade para a fixação de alíquotas do IPI DIREITO TRIBUTÁRIO | Impostos | IPI/ Imposto sobre Produtos Indus-trializados DIREITO TRIBUTÁRIO | Crédito Tributário | Alíquota

RE 567948 9/5/2008 Acórdão Publicado RE 592145

PIS/COFINS

Há Repercussão

Geral

Inconstitucionalidade integral da Lei nº 10.865/04, que disciplina as contribuiçôes para o PIS e a COFINS. PIS e COFINS. Importação. Lei nº 10.865/2004. Contribui-ções sociais. Exigência de lei complemen-tar para a disciplina de PIS e COFINS sobre a importação. DIREITO TRIBUTÁRIO | Contribuições | Contribuições Sociais | PIS - Importação DIREITO TRIBU-TÁRIO | Contribuições | Contribuições Sociais | COFINS - Importação DIREITO TRIBUTÁRIO | Crédito Tributário | Base de Cálculo | Exclusão - ICMS DIREITO TRIBUTÁRIO | Crédito Tributário | Fato Gerador/Incidência

RE 565886 8/5/2008 Acórdão Publicado

PIS/COFINS

Há Repercussão

Geral

ICMS na base de cálculo. PIS e COFINS. Inclusão do ICMS na base de cálculo. DIREITO TRIBUTÁRIO | Contribuições | Contribuições Sociais | PIS DIREITO TRIBUTÁRIO | Contribuições | Con-tribuições Sociais | Cofins DIREITO TRIBUTÁRIO | Crédito Tributário | Base de Cálculo | Exclusão - ICMS

RE 574706 24/4/2008 Acórdão Publicado

RE 570203; ADC 18;

RE 240785

Contribui-ções

Há Repercussão

Geral

Contribuição previdenciária. Inclusão do salário-maternidade na base de cálculo da contribuição previdenciária (art. 28, §2º, I, da Lei º 8.212/91) incidente sobre a remuneração. Arts. 195, § 4º, e 154, inc. I, da Constituição da República.

RE 576967 24/4/2008 Acórdão Publicado

Contribui-ções

Há Repercussão

Geral

Contribuição social sobre o lucro e imposto sobre a renda. Dedução do valor equivalente à Contribuição Social sobre o Lucro da base de cálculo da CSSL e do IRPJ. Lei nº 9.316/96, art. 1º, parágrafo único.

RE 582525 24/4/2008 Acórdão Publicado

PIS/PASEP

Há Repercussão

Geral

PIS e PASEP. Recepção do art. 12 da Lei Complementar 7/1970 e do art. 3º da Lei Complementar 8/1970. Sujeição das empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica ao recolhimento do PASEP. Tratamento prejudicial para empresas públicas em relação às empresas privadas. DIREITO TRIBUTÁRIO | Contribuições | Contribuições Sociais | PIS DIREITO TRIBUTÁRIO | Contribuições | Con-tribuições Sociais | PASEP DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MA-TÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Intervenção no Domínio Econômico | Proteção à Livre Concorrência | Proibição de Privilégio Fiscal à Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista

RE 577494 17/4/2008 Acórdão Publicado

Page 154: Revista Da Ajufergs 07 Completo

153OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO

DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Servidor Civil

Há Repercussão

Geral

Servidor público. Extensão da Gratifi-cação de Desempenho de Atividade de Ciência e Tecnologia – GDACT aos servidores inativos e pensionistas em seu grau máximo. DIREITO ADMI-NISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Sistema Remuneratório e Benefícios | Gratificações Por Ati-vidades Específicas | Gratificação de Desempenho de Atividade de Ciência e Tecnologia - GDACT DIREITO ADMI-NISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Sistema Remuneratório e Benefícios | Isonomia/Equivalência Sala-rial | Extensão de Vantagem aos Inativos

RE 572884 3/4/2008 Acórdão Publicado

MilitarHá

Repercussão Geral

Servidor Público. Militar. Transferência de ofício. Transferência de servidor ex officio. Direito de matrícula em univer-sidade pública ao servidor transferido, na hipótese de, apesar de cursar em universi-dade particular na localidade de origem, não existir universidade particular na localidade destino que ofereça o mesmo curso. Art. 206, inc. I, da Constituição da República. DIREITO ADMINIS-TRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Serviços | Ensino Superior | Transferência de Estudante

RE 576464 3/4/2008 Acórdão Publicado

PrecatóriosHá

Repercussão Geral

Precatório. Execução provisória. Ex-pedição de precatório antes do trânsito em julgado da execução. Aplicação do art. 475-O do Código de Processo Civil. Art. 100. EC 30/2000. DIREITO PRO-CESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumprimento / Execução de Sentença | Precatório DIREITO PRO-CESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumprimento / Execução de Sentença | Execução Provisória

RE 573872 20/3/2008 Acórdão Publicado

Servidor Civil

Há Repercussão

Geral

Servidor público. Concurso Público. Natureza do Controle externo exercido pelo TCE. Competência de tribunal de contas estadual para negar registro de servidor aprovado em concurso público municipal. Autonomia municipal. Art. 31, § 1º, da Constituição da Repúbli-ca. DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Concurso Público / Edital | Inscrição / Documentação DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Entidades Administrativas / Administra-ção Pública | Tribunal de Contas

RE 576920 20/3/2008 Acórdão Publicado

Repercussão Geral

Débito fiscal. Notas fiscais. Administra-ção e fiscalização. Exigência de garantia para a impressão de documentos fiscais. Óbice ao regular exercício da atividade empresarial. Eventual conflito da exi-gência com as decisões proferidas pelo Tribunal nos REs 434.987 e 413.782. DI-REITO TRIBUTÁRIO | Procedimentos Fiscais | Autorização para Impressão de Documentos Fiscais - AIDF DIREITO TRIBUTÁRIO | Crédito Tributário

RE 565048 21/2/2008 Acórdão Publicado

Contribui-ções

Há Repercussão

Geral

Contribuições sociais. Imunidade. Enti-dades beneficentes de assistência social. Imunidade ou isenção tributária relativa às contribuições sociais. Art. 195, § 7º, da Constituição. Dúvida quanto à possibilidade de ser regulada por lei ordinária. Constitucionalidade do art. 55 da Lei n. 8.212/91.

RE 566622 21/2/2008 Acórdão Publicado

Page 155: Revista Da Ajufergs 07 Completo

REVISTA DA AJUFERGS / 07154

COFINSHá

Repercussão Geral

COFINS. Constitucionalidade da cobran-ça da COFINS com fundamento na Lei n. 10.833/2003, resultado da conversão da Medida Provisória n. 135/2003. Não Cumulatividade. DIREITO TRIBU-TÁRIO | Crédito Tributário | Base de Cálculo DIREITO TRIBUTÁRIO | Crédito Tributário | Alíquota

RE 570122 21/2/2008 Acórdão Publicado

Repercussão Geral

Servidor público. Militar. Concurso Público. Restrição a candidato que responda a processo criminal (existência de denúncia) Presunção de inocência. Concurso Público para a formação de Cabos da Polícia Militar do Distrito Federal. Vedação à participação de candidatos denunciados pela prática de crime de falso testemunho ou falsa perícia. DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Militar | Regime | Curso de Formação

RE 560900 8/2/2008 Acórdão Publicado

Servidor Civil

Há Repercussão

Geral

Servidor público. Remuneração. Base de cálculo de adicional por tempo de servi-ço. Art. 37, inc. XIV, da Constituição da República. Interpretação do citado dispositivo constitucional posterior à promulgação da EC 19/98. DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Sistema Re-muneratório e Benefícios | Adicional de Tempo de Serviço

RE 563708 8/2/2008 Acórdão Publicado

Repercussão Geral

Previdência social. Benefício assistencial de prestação continuada. Idoso. Renda per capita familiar inferior a meio salário mínimo. Art. 203, inc. V, da Constituição da República. Alteração do critério ob-jetivo de aferição do estado de pobreza modificado para meio salário mínimo, ante o disposto nas Leis n. 9.533/97 e 10.689/2003. Comprovação da misera-bilidade por outros critérios que não os adotados pela Lei n. 8.742/93, declarada constituição pelo STF na ADI 1.232. DI-REITO PREVIDENCIÁRIO | Benefícios em Espécie | Benefício Assistencial (Art. 203,V CF/88) DIREITO PREVIDENCI-ÁRIO | Disposições Diversas Relativas às Prestações | Limite de Renda Familiar

RE 567985 8/2/2008 Acórdão Publicado

PrecatóriosHá

Repercussão Geral

Declarado o prejuízo do pedido em virtude do Enunciado nº 31 da Súmula da Advocacia-Geral da União. - Pre-catório. Fracionamento de precatório judicial para pagamento de parte incon-troversa. Alegada violação do art. 100, §§ 1º e 4º, da Constituição da República. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumprimen-to / Execução de Sentença | Precatório | Expedição antes do trânsito em julgado - Parcela incontroversa

RE 568647 8/2/2008 Acórdão Publicado

Repercussão Geral

Nepotismo. Processo legislativo. Lei mu-nicipal. Controle de constitucionalidade de lei municipal proibitiva da prática de nepotismo na administração pública. Alegação de vício de iniciativa. DIREI-TO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Controle de Constitucionalidade | Pro-cesso Legislativo DIREITO ADMINIS-TRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Regime Estatutário | Nomeação | Cargo em Comissão

RE 570392 8/2/2008 Acórdão Publicado

Page 156: Revista Da Ajufergs 07 Completo

155OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO

DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Servidor Civil

Há Repercussão

Geral

Servidor público. Remuneração. Base de cálculo do adicional de insalubridade. Utilização do salário mínimo. Vedação de vinculação contida no art. 7º, inc. IV, da Constituição da República. SÚMULA VINCULANTE nº 4 DIREITO ADMI-NISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Sistema Remuneratório e Benefícios | Adicional de Insalubridade | Base de Cálculo

RE 565714 8/2/2008 Acórdão Publicado

Mérito Julgado

Repercussão Geral

ITCD. Alíquota progressiva. Art. 18 da Lei Estadual n. 8.821/1989 ? RS. DIREITO TRIBUTÁRIO | Impostos | ITCD - Imposto de Transmissão Causa Mortis DIREITO TRIBUTÁRIO | Crédito Tributário | Alíquota | Alíquota Progressiva

RE 562045 1/2/2008 Acórdão Publicado

RE 545103 ; RE 551401; RE 552553; RE 552707; RE 553921; RE 555495; RE 557097; RE 570849; RE 544298; RE 544438; RE 552862

Servidor Civil

Há Repercussão

Geral

Recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 37, X e § 6 º, da Constituição Federal, o direito, ou não, a indenização por danos patrimoniais sofridos em razão de omissão do Poder Executivo estadual, consistente no não-encaminhamento de projeto de lei destinado a viabilizar reajuste geral e anual dos vencimentos de servidores públicos estaduais.

RE 565089 13/12/2007 Acórdão Publicado

HonoráriosHá

Repercussão Geral

Honorários advocatícios. Precatório. Fracionamento de precatório. Execução autônoma de honorários advocatícios fixados em sentença. DIREITO PRO-CESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumprimento / Execução de Sentença | Precatório | Fracionamento DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Partes e Procuradores | Sucumbência | Honorários Advocatícios

RE 564132 13/12/2007 Acórdão Publicado

Repercussão Geral

Taxa de extinção de incêndio. Tributário. Administração e fiscalização. Taxa pela utilização potencial do serviço de extinção de incêndios. Estado de Minas Gerais. DIREITO TRIBUTÁRIO | Taxas | Municipais | Taxa de Preven-ção e Combate a Incêndio DIREITO TRIBUTÁRIO | Crédito Tributário | Base de Cálculo

RE 561158 13/12/2007 Acórdão Publicado

Contribui-ções

Há Repercussão

Geral

Contribuição para a seguridade social. Responsabilidade solidária. Necessi-dade de lei complementar para definir responsabilidade tributária solidária. Art. 13 da Lei n. 8.620/93. Responsabilidade solidária de sócio de empresa por cotas de responsabilidade limitada. DIREITO TRIBUTÁRIO | Contribuições | Con-tribuições Previdenciárias DIREITO TRIBUTÁRIO | Obrigação Tributária | Responsabilidade tributária | Respon-sabilidade Tributária do Sócio-Gerente (Art. 135 III do CTN)

RE 567932 29/11/2007 Acórdão Publicado

Servidor Civil

Há Repercussão

Geral

Servidor público. Remuneração. Com-pensação com aumentos posteriores do reajuste de 11,98% decorrente da errônea conversão da URV. Inobservância da Lei nº 8.880/94. DIREITO ADMINISTRA-TIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Reajustes de Remuneração, Pro-ventos ou Pensão | Índice da URV Lei 8.880/1994 | Índice de 11,98%

RE 561836 15/11/2007 Acórdão Publicado

Page 157: Revista Da Ajufergs 07 Completo

REVISTA DA AJUFERGS / 07156

Medica-mentos

Há Repercussão

Geral

Seguridade social. Saúde. Assistência. Medicamento de alto custo. Forne-cimento. Condenação de Estados ou Municípios ao custeio de medicamentos não fornecidos pelo sistema de saúde pública. DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Serviços | Saúde

RE 566471 15/11/2007 Acórdão Publicado

PrescriçãoHá

Repercussão Geral

Aplicação da prescrição quinquenal em repetição de indébito tributário conforme disciplinada na LC nº 118/05 (arts. 3º e 4º). Tributário. Prescrição e decadência. Repetição de indébito. Arts. 3º e 4º da Lei Complementar 118/2005. Repetição de indébito tributário. Retroatividade de lei de interpretação. Expressão “observado, quanto ao artigo 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, constante do artigo 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118/2005.

RE 561908 8/11/2007 Acórdão Publicado RE 566621

PIS/COFINS

Há Repercussão

Geral

PIS e COFINS. Importação. Art. 7º, I, da Lei n. 10.865/2004. Inclusão do ICMS na base de cálculo. DIREITO TRIBUTÁRIO | Contribuições | Contribuições Sociais | PIS - Importação DIREITO TRIBU-TÁRIO | Contribuições | Contribuições Sociais | COFINS - Importação DIREITO TRIBUTÁRIO | Crédito Tributário | Base de Cálculo | Exclusão - ICMS

RE 559607 26/9/2007 Pronuncia-mento

Acórdão Pendente de Publicação

Pendente de Análise

ver RE 626489 [AI 785550 ExCLUÍ-DO DO PARADIGMAS] - Revisão de Benefício Previdenciário. Decadência. Direito à revisão de benefício previ-denciário instituído anteriormente a 28/06/1997, data da edição da Media Provisória nº 1.523-9, que deu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/91 - 6162 + Lei Federal nº 8.213/91, art. 103 + CF/88 art. 5º, inc XXXVI

AI 785550

Prescrição Pendente de Análise

Prescrição intercorrente. Aplicação do disposto no artigo 174, parágrafo único, I, do CTN que prevaleceu ou não sobre o artigo 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80

RE 602848

ContratosHá

Repercussão Geral

2. Em 17/9/08: O Supremo, no Recurso Extraordinário nº 568.396-6/RS, con-cluiu pela repercussão geral do tema relativo à possibilidade de autorizar-se a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. No entanto, ante acordo formalizado entre as partes, declarei o prejuízo do recurso. Este processo versa sobre a mesma matéria, podendo ser apreciado pelo Colegiado para estabelecer o precedente. Ouçam o Procurador-Geral da República, conforme previsão do artigo 325 do Regimento Interno desta Corte. Procedam à atualização no sistema. - Insti-tuições financeiras. Capitalização de juros. Constitucionalidade da Medida Provisória 2.170-36 quanto à capitalização mensal dos juros. Conflito com o art. 62 da Cons-tituição. DIREITO CIVIL | Obrigações | Inadimplemento | Juros de mora - Legais/Contratuais | Capitalização / Anatocismo

RE 592377 19/9/2008 Acórdão Publicado ADI 2316

MilitarHá

Repercussão Geral

2. Em substituição ao RE 572499 - Militar. Art. 142, § 3º, X, DA CF. Lei sobre ingresso nas forças armadas. Curso de formação de soldados. Art. 9º da Lei nº 11.279/2006. Limite de idade. Fixação em edital DI-REITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Concurso Público / Edital | Curso de For-mação DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Militar

RE 600885 16/10/2008 Acórdão Publicado

Page 158: Revista Da Ajufergs 07 Completo

157OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO

DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Pendente de Análise

Direito Administrativo. Servidor Público. Aumento do valor do vale-alimentação. RE 606887

Diversos Pendente de Análise

Direito Tributário. Impostos. IPTU. Taxas. Sletividade RE 606245

Precatórios Pendente de Análise

Requisição de pequeno valor. Correção monetária e juros moratórios nos perío-dos entre a liquidação e a expedição e entre a expedição e o efetivo pagamento

RE 608807

RE 608776; RE 608807; RE 609051; RE 609054; RE 609057; RE 609061; RE 609152; RE 609217; RE 609355; RE 609594; RE 609595; RE 609610; RE 609611; RE 609635; RE 609636; RE 609637; RE 609639; RE 611044; RE 611390; RE 611934; RE 611943; RE 611956; RE 611962; RE 611964; RE 611965; RE 611990; RE 612847; RE 612849; RE 612854; RE 612864; RE 612869; RE 612878; RE 613319

Servidor Civil

Pendente de Análise

Gratificação de Desempenho de Ati-vidades do Seguro Social (GDASS). Isonomia entre ativos e inativos. Super-veniência de regulamentação. Irredutibi-lidade de vencimentos

AI 794352

Pendente de Análise

Processual civil e previdenciário. Bene-fícios. Interesse de agir. Prévio requeri-mento administrativo. (Des)necessidade.

RE 612723 RE 549705; RE 549758

Pendente de Análise

Benefício Previdencirário diverso da pensão por morte. Revisão. Incidência da Lei nº 9.032, de 1995.

RE 612954

Pendente de Análise

Efeitos de eventual transação havida por meio de acordo homologado em juízo após o trânsito em julgado de sentença trabalhista de conhecimento sobre a base de cálculo das contribuições previdenci-árias devidas.

AI 791300

Precatórios 2. Ofício 3629012

2. Precatório. AI 2007.04.00.029935-8 Ofício nº 3629012-Vpres - Desse modo, como o objeto dos apelos extremos (que ora encaminhamos para fins do artigo 543-B § 1º do CPC) possui semelhança com o recurso paradigma RE 579.431, faz-se necessária a aludida providência no sentido de atingir a solução projetada da multiplicidade de feitos em matéria de precatórios, especialmente no que se refere às seguintes questões: a) Afronta ao artigo 100, § 1º e 4º, da CF, porquanto a interpre-tação do acórdão recorrido negou-lhe plena vigência, sendo devidos os juros no período entre a data da conta e a expedição do precatório/RPV. b) Ofensa ao disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, pois o acórdão deixou de observar a coisa julgada que determinou expressamente, na fase de conhecimento, a incidência dos juros de mora.

RE 631258

Page 159: Revista Da Ajufergs 07 Completo

REVISTA DA AJUFERGS / 07158

Precatórios 3. Ofício 3629012

3. Precatório. 2008.04.00.040162-5 Ofício nº 3629012-Vpres - Desse modo, como o objeto dos apelos extremos (que ora encaminhamos para fins do artigo 543-B § 1º do CPC) possui semelhança com o recurso paradigma RE 579.431, faz-se necessária a aludida providência no sentido de atingir a solução projetada da multipli-cidade de feitos em matéria de precatórios, especialmente no que se refere às seguintes questões: a) Afronta ao artigo 100, § 1º e 4º, da CF, porquanto a interpretação do acór-dão recorrido negou-lhe plena vigência, sendo devidos os juros no período entre a data da conta e a expedição do precatório/RPV. b) Ofensa ao disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, pois o acórdão deixou de observar a coisa julgada que determinou expressamente, na fase de conhecimento, a incidência dos juros de mora.

RE 631387

Precatórios 4. Ofício 3629012

4. Precatório. 0004133-87.2010.404.0000 Ofício nº 3629012-Vpres - Desse modo, como o objeto dos apelos extremos (que ora encaminhamos para fins do artigo 543-B § 1º do CPC) possui semelhança com o recurso paradigma RE 579.431, faz-se necessária a aludida providência no sentido de atingir a solução projetada da multiplicidade de feitos em matéria de precatórios, especialmente no que se refere às seguintes questões: a) Afronta ao artigo 100, § 1º e 4º, da CF, porquanto a interpre-tação do acórdão recorrido negou-lhe plena vigência, sendo devidos os juros no período entre a data da conta e a expedição do precatório/RPV. b) Ofensa ao disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, pois o acórdão deixou de observar a coisa julgada que determinou expressamente, na fase de conhecimento, a incidência dos juros de mora.

RE 631319

Concurso Pendente de Análise

1. Ver AI 758533 [RE 597916 FOI ExCLUÍDO DA BASE DE PARA-DIGMAS] - Direito Administrativo. Concurso Público. Exame psicotécnico. Legalidade e/ou critérios objetivos.

RE 597916

AI 716139, AI 740839, RE 740852, RE 741399, RE 748978, RE 763602, RE 597916, RE 597974, RE 598165, RE 598475, RE 600696, RE 601240

Pendente de Análise

Direito do Trabalho. Fraude à execução. Penhora de Crédito. AI 763661

AI 763661, AI 763711, AI 791277, AI 791283, AI 791678, AI 797915, AI798253, AI 798416, AI 798723, AI 801768, AI 806075, AI 806133, AI 806321, AI 806491

Pendente de Análise

Trata-se de discussão - em face da revogação do decreto estadual nº 35.139/1994, pelo decreto estadual nº 44.290/2001, naquilo em que, regula-mentando a lei estadual nº 10.002/1993, elegia o IEPE/UFRGS como índice oficial de reajuste. Discute-se, ainda, a possibilidade de o Judiciário conceder os reajuste após essa reogação, adotando o IGP-M como índice de reajuste, mesmo face desse vazio legislativo.

AI 790082

Page 160: Revista Da Ajufergs 07 Completo

159OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO

DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Plenário Virtual

Servidora pública municipal Leis Muni-cipais 3.801/91 e 3.7091/92 de Sorocaba Evolução Funcional Exercício do cargo e assiduidade que permitem imediata contagem de pontos para a promoção Avaliação de desempenho, contudo, depende de regulamentação ainda não baixada pelo Executivo. A questão limita-se a saber se a lei municipal que previu a instituição do plano de carreira dos servidores é autoaplicável ou depende de regulamentação pelo Poder Executivo.

AI 823896

Plenário Virtual

MANDADO DE SEGURANÇA ICMS INCIDÊNCIA ENTIDADE FILAN-TRÓPICA IMUNIDADE As instituições de assistência social foram declaradas, pela Constituição, imunes a impostos exatamente porque buscam ou avocam os mesmos princípios do Estado, a rea-lização do bem comum, como o trabalho realizado pelas Santas Casas de Miseri-córdia, que dão assistência médico-hos-pitalar gratuita a pessoas carentes, sendo altamente louvável que usufruam de tais benefícios. Os contribuintes de direito são os fornecedores de medicamentos, máquinas e equipamentos necessários à consecução das atividades filantrópicas da apelante, a mesma é quem suporta o valor do imposto embutido na operação de venda das mercadorias, como se fosse o contribuinte de fato, sendo válido o reconhecimento do direito, pois poderia buscá-lo em eventual restituição, na dicção do artigo 166 do Código Tribu-tário Nacional.

RE 608872

Diversos Plenário Virtual

Constitucionalidade da parte final do § 1º do artigo 1.361 do Código Civil, tendo em vista a previsão contida no artigo 236 da Carta da República, do exercício em caráter privado dos serviços nota-riais e de registro e a fiscalização pelo Poder Judiciário. Veículos automotores gravame registro em cartório de títulos e documentos inconstitucionalidade do artigo 1.361, § 1º, do código civil de 2002 declarada na origem matéria constitucional.

RE 607607

Plenário Virtual

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITU-CIONALIDADE LEI DISTRITAL Nº 710/2005 PROJETOS URBANÍSTICOS COM DIRETRIZES ESPECIAIS PARA UNIDADES AUTÔNOMAS DE ESTA-BELECIMENTO DE CONDOMÍNIOS FECHADOS VERIFICAÇÃO DE INSTRUMENTOS BÁSICOS NO TO-CANTE AO ORDENAMENTO TERRI-TORIAL E DE DESENVOLVIMENTO URBANO NO ÂMBITO DO DISTRITO FEDERAL NO ART. 325, I, C, DA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.

RE 607940

Page 161: Revista Da Ajufergs 07 Completo

REVISTA DA AJUFERGS / 07160

Servidor Civil

Plenário Virtual

A Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Ceará, ao reformar sentença proferida em primeiro grau, decidiu ser extensível aos inativos e pensionistas a Gratificação de Desem-penho do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo GDPGPE, prevista na Lei nº 11.357/2006, no percentual de oitenta pontos por servidor. Entendeu que a referida gratificação, enquanto não adotadas as medidas para a avaliação de desempenho dos servidores em atividade, configura-se de caráter genérico, motivo pelo qual deveria ser paga aos pensio-nistas e aos servidores já aposentados os que se aposentaram de acordo com a regra de transição e os que preenchiam os requisitos para a aposentadoria quando da publicação da Emenda Constitucional nº 41/2003. Ademais, o pagamento da GDPGPE em percentual diferenciado, de cinquenta pontos, aos inativos, ante a apontada impossibilidade de avaliá-los, violaria o princípio constitucional da igualdade.

RE 631389

Contribui-ções

Plenário Virtual

DIREITO TRIBUTÁRIO | Contri-buições | Contribuições Sociais | Fato Gerador/Incidência - Verifico que a controvérsia envolve debate sobre a incidência da contribuição previdenciária sobre a parcela denominada participação nos lucros concernente a período poste-rior à Constituição Federal de 1988 e anterior à Medida Provisória nº 794/94.

RE 569441

Diversos Plenário Virtual

DIREITO ADMINISTRATIVO E OU-TRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Serviços | Saúde | Res-sarcimento ao SUS - A questão a ser analisada refere-se à constitucionalidade da exigência legal de ressarcimento ao SUS pelos custos com o atendimento de pacientes beneficiários de planos privados de saúde, prevista no artigo 32 da Lei 9.656/98. Destaque-se que a presente controvérsia constitucional foi apreciada, em sede cautelar, na ADI-MC 1931/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ 28.5.2004.

RE 597064

Plenário Virtual

DIREITO TRIBUTÁRIO | Impostos | ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias | ICMS / Incidência Sobre o Ativo Fixo | Crédito Tributário | Creditamento - ICMS. Compensação de créditos decorrentes da aquisição de bens do ativo fixo. Cabimento. Princípio da não-cumulatividade. Restrições impostas por Lei Complementar. Impossibilidade.

RE 601967

Diversos Plenário Virtual

DIREITO CIVIL | Obrigações | Espécies de Contratos | Alienação Fiduciária DIREITO ADMINISTRATIVO E OU-TRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Controle de Constituciona-lidade - O Tribunal de Justiça declarou a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 1.361 do Código Civil, presente o artigo 236 da Constituição Federal, e assentou a obrigatoriedade de gravames a incidirem sobre veículos automotores serem levados a registro no cartório de títulos e documentos.

RE 611639

Page 162: Revista Da Ajufergs 07 Completo

161OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO

DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Plenário Virtual

DIREITO ADMINISTRATIVO E OU-TRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚ-BLICO | Atos Administrativos | Inquérito / Processo / Recurso Administrativo DI-REITO PREVIDENCIÁRIO | Benefícios em Espécie DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Formação, Suspensão e Extinção do Processo | Extinção do Processo Sem Resolução de Mérito | Interesse Processual - Trata-se de recurso extraordinário de acórdão que considerou ser desnecessária a prévia postulação de direito previdenciário perante a administração, como requisito para postulação judicial do mesmo direito. Sustenta-se, em síntese, violação dos arts. 2º e 5º, XXXV da Constituição

RE 631240 AI 804406

Imposto de Importação

Plenário Virtual

DIREITO TRIBUTÁRIO | Impostos | II - Imposto sobre Importação - Direitos antidumping. Compra e venda celebrada anteriormente à publicação da resolução instituidora. Irrelevância. Despacho aduaneiro. Registro da declaração de importação. Termo a quo. Data de celebração do contrato de compra e venda da mercadoria para efeitos de aplicação dos direitos antidumping. De fato, a discussão aparenta ser muito próxima do quadro analisado por esta Corte no RE 224.285 e nos acórdão que se seguiram, de modo que o exame deste recurso extraordinário pode confirmar a aplicabilidade das mesmas razões de decidir ou, diferentemente, revelar a existência de traços distintivos relevantes aptos a apartar os quadros.

RE 632250

IRPJ e CSLL

Plenário Virtual

DIREITO TRIBUTÁRIO | Impostos | IRPJ/Imposto de Renda de Pessoa Jurídica | Contribuições | Contribuições Sociais | Contribuição Social sobre o Lucro Líquido | Crédito Tributário | Base de Cálculo - serviços de patologia clínica/análises clínicas - a recorrente pretende ver reconhecida a condição de prestadora de serviço tipicamente hospitalar ou assemelhado, nos moldes da exceção prevista no artigo 15, §1º, inciso III, alínea a, da Lei 9.249/95, para, com isso, sujeitar-se a uma menor base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro líquido (CSLL) e do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ).

AI 803140

Processual Plenário Virtual

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Formação, Suspensão e Extinção do Processo | Extinção do Processo Sem Resolução de Mérito | Adequação da Ação / Procedimento - A questão constitucional em debate cinge-se à suposta violação do Princípio da Iso-nomia, quando da aplicação subsidiária da Lei dos Juizados Especiais Estaduais aos Juizados Especiais Federais. - A Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul proferiu acórdão que negou provimento à ação rescisória, ao argumento de que é inviável a propo-situra de ação rescisória no âmbito dos Juizados Especiais Federais, por força do disposto no art. 59 da Lei 9.099/95.

AI 808968

Page 163: Revista Da Ajufergs 07 Completo

REVISTA DA AJUFERGS / 07162

Diversos Plenário Virtual

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumpri-mento / Execução de Sentença | Fraude à Execução DIREITO CIVIL | Obrigações | Transmissão | Cessão de Crédito | Cons-trição / Penhora / Avaliação / Indisponi-bilidade de Bens DIREITO ADMINIS-TRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Domínio Público | Bens Públicos - a questão a ser analisada refere-se à validade da penhora de bem da extinta RFFSA, realizada anterior-mente à sucessão de seus créditos pela União, e a possibilidade de a execução prosseguir mediante precatório, ante o disposto no artigo 100, caput e §1º, da Constituição Federal.

AI 812687

Servidor Civil

Plenário Virtual

DIREITO DO TRABALHO | Remunera-ção, Verbas Indenizatórias e Benefícios | Adicional | Periculosidade - A questão a ser analisada diz respeito aos requisitos legais para a concessão de adicional de periculosidade. No caso concreto, o agravante pleiteia referido adicional ao argumento de que labora em prédio vertical onde se encontra armazenado combustível em um de seus andares.

AI 818688

Plenário Virtual

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Atos Processuais | Nulidade DIREITO DO TRABALHO | Duração do Trabalho | Intervalo In-trajornada - (....) nulidade das cláusulas normativas impugnadas, aos fundamen-tos de inexistência de autorização dos empregados para celebração dos acordos coletivos, consoante dispõe o artigo 612 da CLT, bem como da contrariedade ao artigo 71 da CLT, quanto à redução do intervalo intrajornada.

AI 825675

Servidor Civil

Plenário Virtual

DIREITO ADMINISTRATIVO E OU-TRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Sistema Remuneratório e Benefícios | Acumulação de Proventos | Sistema Re-muneratório e Benefícios | Teto Salarial - não incidência do teto constitucional re-muneratório sobre o montante decorrente da acumulação do benefício de pensão com os proventos de aposentadoria. Consignou tratar-se de direitos distin-tos, constitucionalmente e legalmente garantidos, sendo o fato gerador do benefício da pensão a morte do segurado e o dos proventos da aposentadoria o preenchimento dos requisitos definidos para a inatividade. Ao final, concedeu em parte a segurança, determinando à União que, para efeito de aplicação do teto, considere os valores percebidos individualmente, não os somando.

RE 602584

Processual Plenário Virtual

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO | Liquidação / Cumpri-mento / Execução de Sentença | Inexi-gibilidade do Título DIREITO ADMI-NISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Entidades Administrativas / Administração Pública | FGTS/Fundo de Garantia por Tempo de Serviço | Atualização de Conta | Interven-ção no Domínio Econômico | Expurgos Inflacionários / Planos Econômicos - O cerne da controvérsia é a compatibilidade entre a garantia constitucional da coisa julgada e o parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil.

RE 611503

Page 164: Revista Da Ajufergs 07 Completo

163

Observa-se que, em todos esses feitos, não há julgamento de mérito.A estatísticas fornecidas pelo site da Corte Suprema, confirmam o

diagnóstico sobre a demora nos julgamentos, conforme quadro elaborado em outubro de 2010, que segue:

Dados atualizados em 31/10/2010Fonte: Portal de Informações Gerenciais e eSTF - Repercussão Geral (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudencia Repercussao Geral&pagina=numeroRepercussao)

Repercussão Geral no mérito

Os números consignados preocupam, especialmente, naqueles casos em que há pedidos incontroversos e, portanto, passíveis de execução. Isto porque, tais processos, encontram-se suspensos em razão do reco-nhecimento de repercussão geral sobre a parte controversa da demanda, o que impede a parte de receber a prestação jurisdicional parcial.

CONCLUSÃOA adoção do procedimento da execução provisória da parte incon-

troversa nos processos sobrestados em razão da repercussão geral, longe de resolver o problema crônico da lentidão dos julgamentos, traz em seu conteúdo, uma ferramenta que pode minimizar os prejuízos das partes.

OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Page 165: Revista Da Ajufergs 07 Completo

REVISTA DA AJUFERGS / 07164

A proposta, ora efetuada, está em consonância com o pensamento do mestre Nelson Nery Junior, que, ao tratar do tema da morosidade da Justiça em sua obra Princípios do Processo na Constituição Federal, diz, textualmente:

“Todavia, as pregações feitas por setores especializados em direito constitucional e processual, assim como também por setores leigos, no sentido de que são necessárias mudanças na legislação processual para “acabar-se” com a morosidade da justiça, não deixam de ser um tanto quanto dissociadas das verdadeiras causas, e, portanto, não são adequadas soluções para esses problemas por eles apontandos.

Leis nós temos. Boas e muitas. Não se nega que reformas na legislação processual infraconstitucional são sempre salutares, quando vêm para melhorar o sistema. Mas não é menos verdade que sofremos de problemas estruturais e de mentalidade. Queremos nos referir à forma com que são aplicadas as leis e à maneira como se desenvolve o processo administrativo e o judicial em nosso País. É necessário dotar-se o poder público de meios materiais e logísticos para que possa melhorar sua infra-estrutura e, ao mesmo tempo, capacitar melhor os juízes e servidores públicos em geral, a fim de que possam oferecer prestação jurisdicional e processual administrativa adequada aos que dela necessitam.

Mudança de paradigma, é a palavra de ordem.(NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Consti-

tuição Federal - Processo civil, penal e administrativo. 9. ed. (rev. ampl. e atual. com as novas Súmulas do STF(simples e vinculantes)). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.- Pág. 317 e 318)

De fato, o que se está a sugerir é uma mudança de mentalidade no que se refere à aplicação da lei, abortando procedimentos formais injustos e criando uma nova forma de promover a justiça, através de decisões munidas de parâmetros que visem a sua imediata execução, ainda que provisória.

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OS EFEITOS DO SOBRESTAMENTO DECORRENTE DA REPERCUSSÃO GERAL FRENTE AO DIREITO DOS CIDADÃOS à TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E à RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

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COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL – LIMItE DE APLICAçãO*

Murilo Brião da SilvaJuiz Federal Substituto / professor na Escola Superior da Magistratura Federal

no Rio Grande do Sul / ESMAFE-RS

RESUMO: Trata-se de abordagem acerca do limite de aplicação do parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil diante da ga-rantia fundamental da coisa julgada, mediante tratamento da definição de coisa julgada formal e material e respectivos efeitos positivo e negativo, incursionando-se pelo princípio da separação das funções estatais, função atípica do Poder Judiciário de legislador negativo e pela interpretação das normas constitucionais.

PALAVRAS-CHAVE: Coisa julgada – coisa julgada inconstitucional - coisa julgada inconstitucional e limite de aplicação

SUMÁRIO: Introdução. 1 Funções Estatais, princípio da separação dessas funções, Poder Judiciário: função precípua e atividade atípica. 2 Garantia fundamental, coisa julgada na Constituição Federal e definição de coisa julgada, efeitos positivo e negativo da coisa julgada. 3 Controle de constitucionalidade e interpretação das normas constitucionais. 4 Coisa julgada inconstitucional e o seu limite de aplicação. Conclusão. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃOSabe-se que a coisa julgada, segundo a Constituição Federal de 1988,

é garantia fundamental de primeira dimensão, portanto, erigida constitu-cionalmente a bem jurídico protegido, diante da sua evidente relevância.

Não obstante isso, o artigo 741, parágrafo único, do Código de Pro-cesso Civil, considera inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal, dispondo, assim, acerca da coisa julgada inconstitucional.

* Este texto foi publicado originalmente na obra Curso Modular de Direito Constitucional, volume 2, pela Conceito Editorial, lançada em outubro de 2010.

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Dessa forma, o presente trabalho busca objetivamente traçar limite de aplicação desta disposição infraconstitucional, de maneira a compa-tibilizar-se com o texto Magno.

1 FUNÇõES ESTATAIS, PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DESSAS FUnçÕES, PODER JUDICIÁRIO: FUnçãO PRE-CÍPUA E ATIVIDADE ATÍPICA

Nossa Carta Política de 1988 traz a existência de Poderes de Esta-do que, segundo o artigo 2º, “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Entre estes são atribuídas funções estatais, com o objetivo de obstar eventual arbítrio e mácula a direitos e garantias fundamentais da pessoa e buscando a solidez do Estado Democrático de Direito.

ALEXANDRE DE MORAES1 esclarece “... o que a doutrina liberal clássica pretende chamar de separação de poderes, o constitucionalismo moderno determina divisão de tarefas estatais, de atividade entre dis-tintos órgãos autônomos”. Essas tarefas são atribuídas ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário, cuja Constituição Federal confiou parte da soberania do Estado, mediante garantia de independência e autonomia.

Segue o referido autor dizendo que “Não se consegue conceituar um verdadeiro Estado democrático de direito sem a existência de um Poder Judiciário autônomo e independente para que exerça sua função de guardião das leis, pois como afirmou Zaffaroni, ‘a chave do poder judiciário se acha no conceito de independência’.”2

Citando Arruda Alvim, MORAES3, ainda refere:

Podemos, assim, afirmar que função jurisdicional é aquela realizada pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese controvertida mediante processo regular, produzindo, afi-nal, coisa julgada, com o que substitui, definitivamente, a vontade das partes.

1 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 373.2 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 447.3 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 448.

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Ao Poder Judiciário, portanto, como atividade típica, é atribuída a função jurisdicional – julgar, diante de demanda a si submetida. No entanto, possui outras funções atípicas, dentre elas a de natureza legisla-tiva, como a legislativo-negativa, a exemplo da possibilidade de excluir do ordenamento jurídico regra legal violadora da Constituição Federal: regra inconstitucional.

Como ensinam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY4:

9. Poder Judiciário. Legislador negativo. O Poder Judiciário só pode atuar como legislador negativo, isto é, deixar de aplicar norma que entenda inconstitucional, declarando essa inconstitu-cionalidade in concreto (v.g. RE, qualquer ação judicial etc.) ou in abstracto (v.g. ADIn, ADC etc.). Ao Poder Judiciário é vedado atuar como legislador positivo, isto é, determinando ao Poder Executivo ou ao Poder Legislativo fazer ou não fazer alguma coisa, sem que exista norma legal regulando a matéria, como se fosse ele, Judiciário, legislador. A atuação do Judiciário como legislador positivo ofende o preceito constitucional da separação dos poderes. A estipulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade de ato normativo como ex tunc, ex nunc, erga omnes ou inter pars (L 9868/99) não fere o princípio da separação dos poderes.

Nesse sentido, o Poder Judiciário exerce tipicamente a tarefa esta-tal de julgar, vale dizer, de aplicar a lei à hipótese controvertida e sob processo regular, cuja decisão poderá ser coberta pelo manto da coisa julgada, e, atipicamente, quando pertinente, a função de legislador nega-tivo, para excluir do ordenamento jurídico regra legal em descompasso com a Constituição Federal: por isso, chamada de regra inconstitucional.

2 GARAntIA FUnDAMEntAL, COISA JULGADA nA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DEFINIÇÃO DE COISA JULGADA, EFEITOS POSITIVO E NEGATIVO DA COISA JULGADA

4 JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Co-mentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 120.

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Há classificação doutrinária acerca dos direitos fundamentais em pri-meira, segunda e terceira gerações, haja vista a respectiva ordem histórica e cronológica de reconhecimento constitucional, existindo quem apregoe também a presença de direitos de quarta, quinta e até de sexta gerações.

Cabe antes ressaltar a ocorrência de críticas à denominação gerações, porque denotam entendimento de que os direitos de seguintes gerações superam ou alternam os anteriores. Assim, prefere-se a expressão dimen-sões, com o objetivo de elucidar aspecto cumulativo entre as diversas gerações de direitos fundamentais, vale dizer, no sentido de que uma geração em realidade é complementada pela posterior.

Os direitos fundamentais de primeira dimensão são aqueles relativos à dita atuação negativa do Estado, ou seja, direitos de defesa ou de prote-ção, em que não haja intervenção na esfera individual pelo Poder Público.

Dentre estes estão aqueles arrolados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

No que toca aos direitos fundamentais de segunda dimensão, importa referir que são aqueles direitos econômicos, sociais e culturais, ou melhor, de atuação estatal positiva na busca da justiça social. Caracterizam-se, precipuamente, pela outorga aos indivíduos de prestações sociais estatais.

Como exemplo, podem ser indicados aqueles dispostos no artigo 6º, da atual Magna Carta.

Já, os direitos fundamentais de terceira dimensão, dizem respeito àqueles com a característica de titularidade difusa, a exemplo do direito ao meio o ambiente (artigo 225 – Constituição Federal de 1988).

Acerca dos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões, ALEXANDRE DE MORAES5 leciona que:

Como destaca Celso de Mello,‘enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e

políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que

5 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 26-27.

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se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam direitos de titularidade coletiva atribuídos gene-ricamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos huma-nos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade’ (STF – Pleno – MS nº 22164/SP – rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p. 39.206).

Assim, os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Carta e desenvolvidos conforme verificado no item anterior.

Referindo-se aos hoje chamados de direitos fundamentais de segunda geração, que são os direitos econômicos, sociais e culturais, surgidos no início do século, Themístocles Brandão Cavalcanti analisou que

‘o começo do nosso século viu a inclusão de uma nova cate-goria de direitos nas declarações e, ainda mais recentemente, nos princípios garantidores das liberdades das nações e das normas da convivência internacional. Entre os direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença, à velhice etc’ (Princípios gerais de direito público. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966. p. 202).

Por fim, modernamente, protege-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equi-librado, a uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, que são, no dizer de José Marcelo Vigliar, os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso (Ação civil pública. São Paulo: Atlas, 1997. p. 42).”

Mais adiante, na mesma obra, página 28, ALEXANDRE DE MO-RAES, citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho, in Direitos Humanos Fundamentais, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 57, diz que “a primeira geração seria dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igual-

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dade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade”.

Assim, dentro do tema Teoria da Geração de Direitos, vê-se que a primeira dimensão (direitos de liberdade), surgida com o Estado moderno, liberal, em que existia grande preocupação com a liberdade dos cidadãos, estabeleceu limite para atuação estatal - Estado mínimo. Pregava-se a igualdade formal: perante a lei. O Estado somente poderia agir conforme a lei.

A segunda dimensão (direitos sociais) adveio da ideia de Estado Social de Direito, em que se pregava a igualdade material, com o objetivo de se diminuírem as desigualdades sociais.

Já a terceira dimensão (direitos difusos) decorreu do desenvolvi-mento tecnológico da sociedade de massa, em que inexiste um sujeito determinado. Trata-se de direitos de toda a comunidade.

Porque tema não diretamente adstrito ao ponto que se busca abordar aqui, irrelevante tecer maiores comentários sobre as dimensões dos di-reitos fundamentais, especialmente de quarta, quinta e sexta dimensões.

Reza a Constituição Federal de 1988 que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como que a lei não prejudicará a coisa julgada (artigo 5º, XXXVI).

A coisa julgada, assim, é garantia fundamental de primeira dimen-são e, por essa característica, tem aplicação imediata (artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal/19886), além de constituir-se em cláusula pétrea, impossibilitando-a sequer de ser objeto de deliberação como proposta de emenda tendente a aboli-la (artigo 60, § 4º, IV, Constituição Fede-ral/19887).

6 Art. 5ç. (...) § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.7 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.

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Lembra ALEXANDRE DE MORAES que “... coisa julgada ‘é a decisão judicial transitada em julgado’, ou seja, ‘a decisão judicial de que já não caiba recurso’ (LiCC., art. 6º, § 3º)”8. Ainda, citando CELSO BASTOS, refere que9:

Na coisa julgada, ‘o direito incorpora-se ao patrimônio de seu titular por força da proteção que recebe da imutabilidade da decisão judicial. Daí falar-se em coisa julgada formal e material. Coisa jul-gada formal é aquela que se dá no âmbito do próprio processo. Seus efeitos restringem-se, pois, a este, não o extrapolando. A coisa julgada material, ou substancial, existe, nas palavras de Couture, quando à condição de inimpugnável no mesmo processo, a sentença reúne a imutabilidade até mesmo em processo posterior (fundamentos do direito processual civil). Já para Wilson de Souza Campos Batalha, coisa julgada formal significa sentença transitada em julgado, isto é, preclusão de todas as impugnações, e coisa julgada material significa o bem da vida, reconhecido ou denegado pela sentença irrecorrível. O problema que se põe, do ângulo constitucional, é o de saber se a proteção assegurada pela Lei Maior é atribuída tão-somente à coisa julgada material ou também à formal. O art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal, não faz qualquer discriminação; a distinção mencionada é feita pelos processualistas. A nosso ver, a Constitui-ção assegura uma proteção integral das situações de coisa julgada.’

Não se mostra demasiado colacionar o entendimento de SÉRGIO GILBERTO PORTO10, para quem:

“No teor do § 3º, do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, bem como do art. 467 do Código de Processo Civil, situam-se as definições legais do instituto da coisa julgada. Todavia, não se esgota nesses dispositivos a compreensão do tema.

Efetivamente, desde logo, oportuno afirmar que a res iudicata re-veste um conceito jurídico cujo conteúdo difere do simples enunciado de suas palavras e extrapola os parâmetros fixados pelo legislador.

(...)

8 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 106.9 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 106.10 PORTO, Sergio Gilberto. Coisa Julgada Civil. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Aide. 1996. p. 42-43.

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Como se vê, a definição de coisa julgada envolve algo mais que a simples soma de seus termos, pois representa um conceito jurídico que qualifica uma decisão judicial, atribuindo-lhe autori-dade e eficácia. Trata-se, em suma, daquilo que, para os alemães, é expresso por Rechtskraft, ou seja, ‘direito e força’, ‘força legal’, ‘força dada pela lei’.

E acrescenta: “Assim, a coisa julgada representa, efetivamente, a indiscutibilidade da nova situação jurídica declarada pela sentença e decorrente da inviabilidade recursal”.11

Importa recordar que a coisa julgada é posta sob o prisma formal e material: coisa julgada material e coisa julgada formal.

Nesse sentido, PORTO12, sobre coisa julgada formal, revela que:

“Em torno do tema, é farta a doutrina, e praticamente não diverge. Isso torna possível afirmar que a coisa julgada formal se constitui no fenômeno que torna a sentença imodificável, no processo em que foi prolatada, em face da ausência absoluta da possibilidade de impugnação da decisão, em razão do esgota-mento das vias recursais, quer pelo exercício de todos os recursos possíveis, quer pelo não exercício deles, ou quer, ainda, pela não apresentação de algum, bem como por eventual renúncia ou de-sistência de interposição.”

De outra banda, diz que coisa julgada material “... se constitui numa qualidade da sentença trânsita em julgado – chamada, pela lei, de eficá-cia – que é capaz de outorgar ao ato jurisdicional as características da imutabilidade e da indiscutibilidade.”13 Entende-se relevante consignar que esse autor adiciona que:

“Contudo, como já afirmado, a projeção da coisa julgada mate-rial diverge da formal, pois, enquanto esta se limita à produção de efeitos endoprocessuais – internos -, aquela os lança de forma pan-processual – externa -, motivo por que se impõe perante demandas

11 PORTO, Sergio Gilberto.Coisa Julgada Civil. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Aide. 1996. p. 44.12 PORTO, Sergio Gilberto.Coisa Julgada Civil. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Aide. 1996. p. 52.13 PORTO, Sergio Gilberto.Coisa Julgada Civil. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Aide. 1996. p. 54.

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diversas daquela em que se verificou, tornando inadmissível novo exame do assunto e solução diferente a respeito da mesma relação jurídica, seja por outro, seja pelo mesmo juízo que a apreciou.14”

Nessa linha de raciocínio, cumpre trazer a diferença entre as funções negativa e positiva da coisa julgada. Aquela emprega à coisa julgada qualidade impeditiva de se novamente julgar a demanda decidida. Ao passo que a esta - função positiva – impõe a consideração, em outro julgamento, daquilo posto e decido no julgamento anterior.

Sobre isso, OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA15 afirma que:

“O efeito negativo da coisa julgada opera sempre com exceptio rei iudicatae, ou seja, como defesa, para impedir o novo julgamento daquilo que já fora decidido na demanda anterior. O efeito positivo, ao contrário, corresponde a utilização da coisa julgada propria-mente em seu conteúdo, tornando-se imperativo para o segundo julgamento. Enquanto a exceptio rei iudicatae é forma de defesa, a ser empregada pelo demandado, o efeito positivo da coisa julgada pode ser fundamento de uma segunda demanda.”

Assim, vê-se que a coisa julgada - garantia fundamental de primeira dimensão, clausula pétrea, com aplicabilidade imediata – pode ser defi-nida como a representação da indiscutibilidade da nova situação jurídica declarada pela sentença. Ainda, que a coisa julgada formal se caracteriza pelo fenômeno que torna a sentença imodificável, no processo em que foi prolatada, e a coisa julgada material importa a qualidade de sentença já transitada em julgado que alcança ao provimento jurisdicional os aspectos da imutabilidade e indiscutibilidade. Além disso, a coisa julgada possui as funções negativa (qualidade impeditiva de se novamente julgar a de-manda decidida) e positiva (necessidade de se considerar, em segundo julgamento, aquilo decidido no anterior).

14 PORTO, Sergio Gilberto. Coisa Julgada Civil. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Aide. 1996. p. 55.15 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Sentença e Coisa Julgada. 2ª Ed. Porto Alegre: Safe, 1988. p. 489.

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3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E INTER-PREtAçãO DAS nORMAS COnStItUCIOnAIS

A Constituição Federal é a base para a formação do ordenamento jurídico. Vale dizer, com ela, a legislação infraconstitucional deve ter compatibilidade, para que sobreviva no sistema jurídico.

E “A ideia de controle de constitucionalidade está ligada à Supre-macia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, à rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais”.16 A Magna Carta está hierarquicamente no topo do sistema legislativo e nela serão buscadas as formas de elaboração de regras infraconstitucionais.

Assim, segundo ALEXANDRE DE MORAES17, com base em Hans Kelsen:

“O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito.”

Mas conceitualmente, esse autor refere que “Controlar a constitu-cionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais”.18

Como espécies de controle de constitucionalidade, no que tange ao momento, poderá ser preventivo (pretende evitar o ingresso de regra inconstitucional no ordenamento) ou repressivo (em que a regra incons-titucional é eliminada do ordenamento).

Aqui interessa caminhar apenas pelo controle repressivo de consti-tucionalidade, adotado por nosso sistema, em que o Poder Judiciário faz o controle de compatibilidade da lei ou ato normativo já editados, com a

16 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 577.17 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 578.18 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 579.

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Carta Política, para afastá-los, quando contrários a esta. Para tanto, “Há dois sistemas ou métodos de controle Judiciário de Constitucionalidade repressiva. O primeiro denomina-se reservado ou concentrado (via de ação), e o segundo, difuso ou aberto (via de exceção ou defesa).”19

Sabe-se que no Brasil é adotado o controle de constitucionalidade repressivo judiciário misto, porque permitida tanto a forma concentrada quanto a difusa. E quanto ao controle concentrado, a Constituição Federal apresenta várias espécies, por exemplo: “a. ação direta de inconstitucio-nalidade genérica (art. 102, I, a); b. ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III); c. ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º); d. ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, in fine; EC nº 03/93).”20

Assim, a Constituição Federal possui hierarquia superior no ordena-mento jurídico, merece exclusão de regras ou atos normativos que com ela não se compatibilizem. E a ideia de controle de constitucionalidade está adstrita à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, para se verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição (análise de seus requisitos formais e materiais). Para se garantir a compatibilidade lança-se mão de técnica da interpretação ou da hermenêutica constitucional, que poderá se dar no momento repressivo (em que a regra inconstitucional é eliminada do ordenamento) - ou sistemas de controle Judiciário de Constitucionalidade repressiva, que são o reservado ou concentrado (via de ação) e o difuso ou aberto (via de exceção ou defesa) -, ambos adotados no Brasil (misto).

Além disso, entende-se importante se incursionar acerca da interpre-tação das normas constitucionais, visto que bens e direitos protegidos pela Magna Carta podem se envolver em relação de conflito e, diante disso, como solução de compatibilização, para que todos tenham aplicabilida-de, é que surge a hermenêutica constitucional como forma de auxílio ao intérprete. Ou seja, como instrumento do controle de constitucionalidade é que se utiliza a hermenêutica constitucional.

19 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 585.20 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 606.

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Mais uma vez, diante da propriedade, MORAES21 revela que:

“A Constituição Federal há de sempre ser interpretada, pois somente por meio da conjugação da letra do texto com as caracte-rísticas históricas, políticas, ideológicas do momento, se encontrará o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade sóciopolítico-econômica e almejando sua plena eficácia.

Canotilho enumera diversos princípios e regras interpretativas das normas constitucionais:

da unidade da constituição: a interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas;

do efeito integrador: na solução dos problemas jurídico-constitu-cionais, deverá ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da integração política e social, bem como ao reforço da unidade política;

da máxima efetividade ou da eficiência: a uma norma constitu-cional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda;

da justeza ou da conformidade funcional: os órgãos encar-regados da interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário;

da concordância prática ou da harmonização: exige-se a co-ordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros;

da força normativa da constituição: entre as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.

Aponta, igualmente, com Vital Moreira, a necessidade de delimitação do âmbito normativo de cada norma constitucional, vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e extensão.

Esses princípios são perfeitamente completados por algumas regras propostas por Jorge Miranda:

a contradição dos princípios deve ser superada, ou por meio da redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles, ou, em alguns casos, mediante a preferência ou a prioridade de certos princípios;

21 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 44-45.

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deve ser fixada a premissa de que todas as normas constitucio-nais desempenham uma função útil no ordenamento, sendo vedada a interpretação que lhe suprima ou diminua a finalidade;

os preceitos constitucionais deverão ser interpretados tanto explicitamente quanto implicitamente, a fim de colher-se seu ver-dadeiro significado.

A aplicação dessas regras de interpretação deverá, em síntese, buscar a harmonia do texto constitucional com suas finalidades pre-cípuas, adequando-se à realidade e pleiteando a maior aplicabilidade dos direitos, garantias e liberdades públicas.”

Não se duvida, portanto, que a interpretação das normas constitu-cionais constitui forte mecanismo de garantia da supremacia da própria Constituição Federal, pois, por meio dela, analisa-se a necessária com-patibilidade de uma lei ou de um ato normativo com a Magna Carta e, consequentemente, garante-se maior aplicabilidade dos direitos, garantias e liberdades públicas.

Então, a hermenêutica constitucional existe para a interpretação das normas constitucionais e como método auxiliar de controle de consti-tucionalidade de lei ou atos normativos, no sentido da verificação de adequação destes com a constituição federal, mediante análise de seus requisitos formais e materiais, além do que, no Brasil, o controle de constitucionalidade repressivo é misto: concentrado e o difuso.

4 COISA JULGADA InCOnStItUCIOnAL E O SEU LIMI-TE DE APLICAÇÃO

De início, para que se admita a aplicação do parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, imperativa é a análise de alguns aspectos jurídicos relativos ao controle de constitucionalidade repressivo.

Nesse diapasão, ressalta-se que o controle de constitucionalidade em seu momento repressivo (ou jurisdicional) se dá pelos métodos concen-trado (Ação Declaratória de Inconstitucionalidade; Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão; Ação Direta Interventiva; Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental; e Ação Declaratória de Constitucionalidade) e difuso.

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O método concentrado tem por objeto a lei ou ato normativo em tese, não situação concreta, por isso abstrato, cuja decisão será pelo Pleno ou Órgão Especial (artigo 93, inciso XI, Constituição Federal/198822). Já, o método difuso é utilizado por juiz singular, mediante via de defesa contra lei ou ato normativo, em situação concreta.

Interessa ressaltar que, hoje, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, apesar da decisão se dar no método difuso de constitucionalidade e, por isso, tratar-se formalmente de um processo subjetivo, quando ocorrida com com-posição plenária e com características do método concentrado, por possuir vocação evidente para generalizar-se a decisão tomada, gera fenômeno que já se denominou “objetivação do controle difuso de constitucionalidade”.23

Assim, mesmo originalmente sendo processo subjetivo, será conside-rado como se objetivo fosse, diante das peculiaridades e efeitos inerentes gerados. Todavia, aqui, não é exatamente este aspecto que mais importa, mas a natureza do provimento: se de declaração de inconstitucionalidade ou declaração de constitucionalidade.

No julgado eventualmente considerado, deve-se verificar se houve ou não declaração de inconstitucionalidade.

Diz o artigo 741, inciso II e parágrafo único, do Código de Processo Civil:

“Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)

II - inexigibilidade do título;Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput

deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fun-dado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Su-premo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação

22 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: XI nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).23 JR, Fredie Didier; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLI-VEIRA, Refael. Curso de Direito Processual Civil, Execução. 5ª Vol. Salvador: Jus Podium, 2009. p. 373.

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da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. (Redação pela Lei nº 11.232, de 2005).”

Esse dispositivo merece interpretação. Antes, porém, cabe referir o que realmente significa interpretar. DE PLÁCIDO E SILVA24 afirma que:

“INTERPRETAÇÃO. Do latim interpretatio, do verbo inter-pretare (explicar, traduzir, comentar, esclarecer), é compreendido, na acepção jurídica, como a tradução do sentido ou do pensamento, que está contido na lei, na decisão, no ato ou no contrato.

(...)Interpretação, pois, seja a respeito do que for, em seu sentido

jurídico, exprime a tradução, a revelação, a determinação do pen-samento ou da intenção contida em um escrito, para que se tenha a exata aplicação, originariamente desejada.

INTERPRETAÇÃO DA LEI.(...)Assim sendo, em sentido amplo, a interpretação da lei deve

também ser entendida como sua adaptação aos casos concretos, a fim de que, por essa forma, se obtenha uma justa aplicação dela, segundo pensamento originário do legislador.

Deste modo, também se tem a fixação de sua inteligência ver-dadeira, que não decorre simplesmente da obscuridade ou ambigui-dade do texto, mas de seu ajustamento exato aos casos objetivos.

A interpretação da lei, consoante as fontes em que se firma, diz-se autêntica, doutrinária ou judiciária.

Autêntica, quando feita pelo próprio legislador ou pela autori-dade que expediu o ato.

Doutrinária, quando promana dos estudos e pareceres dos juristas e jurisconsultos.

Segundo os elementos de que se utiliza o intérprete, se promove a interpretação pela análise das palavras contidas no texto, se pela perquirição de seu pensamento ou por uma investigação destes elementos associados a outros, ela se diz gramatical, lógica ou científica.

24 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Vol II, D-1. 1ª Ed. Rio – São Paulo: Forense, 1963. p. 852-853.

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Judiciária, quando se fixa em consequência das sentenças e dos julgados proferidos pelos juízes e tribunais.

1. Gramatical. É a interpretação literal, fundada na própria significação das palavras, em que se expressa. É a interpretação à letra ou segundo a linguagem da própria lei. Por ela se procura o pensamento do legislador pela própria construção textual.

2. Lógica. É a que vai perquirir o pensamento do legislador, tendo por fim adaptar aos fatos ocorrentes, tomando-se em con-sideração os que ela rege, e a analogia e a semelhança entre êles. Consiste, na expressão de IHERING, em procurar o pensamento da lei, passando por cima das palavras.

3. Científica. É a que, associando os elementos gramatical e lógico, procura a exata inteligência da lei, tendo em vista a relação das palavras e do pensamento com a razão natural, justiça, ordem e bem geral, para atingir, por meio de legítimas e fundadas con-clusões, o verdadeiro ou mais normal sentido do texto, e adotá-lo como sendo o que exprime a vontade do legislador.

É, assim, com o aproveitamento de todos os elementos de que pode dispor, que o intérprete, cientìficamente, por meio de racio-cínio, da analise, estudando a formação histórica da própria regra, compreende o melhor sentido da lei, para declarar o pensamento e o intuito do legislador.

(...).

E ao se atentar para o parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, verifica-se que a redação é sempre de cunho negativo: “... declarados inconstitucionais ... ou fundado em aplicação ou interpretação ... tidas ... como incompatíveis com a Constituição Federal.” Vale dizer: esse dispositivo não se aplica aos casos em que a regra não restou julgada inconstitucional ou incompatível com a Constituição Federal.

Conforme o dispositivo considerado, pela análise das palavras con-tidas no texto, acredita-se que a tradução do sentido ou do pensamento que está contido na lei (parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil), para que se tenha a exata e desejada aplicação, deve-se limitar às situações de controle concentrado quando ocorrer declaração de inconstitucionalidade (ou incompatibilidade decorrente de declaração de inconstitucionalidade).

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Com isso ter-se-á sua adaptação e fixação de sua inteligência ver-dadeira aos casos concretos, com o fito de, por essa forma (ajustamento exato aos casos objetivos), obter-se justa aplicação, e, por meio das conclusões aqui expostas, atingir o que se entende como o verdadeiro sentido do texto, e adotá-lo como sendo o que exprime a vontade do legislador.

Nesse sentido, crê-se que o parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil deve-se limitar às situações de controle concentrado quando ocorrer declaração de inconstitucionalidade, e salienta-se desde já a posição de que a possibilidade indicada de julgamento fundado em aplicação ou interpretação tidas como in-compatíveis com a Constituição Federal também decorrem de eventual declaração de inconstitucionalidade: incompatível diante da inconstitu-cionalidade declarada, sobretudo porque se cuida de regra restritiva de garantia fundamental (coisa julgada) que, por isso, exige interpretação restritiva. Até porque, como adverte PAULO ROBERTO DE GOUVÊA MEDINA25:

“... representando a via da impugnação ou a dos embargos à execução meios excepcionais que a lei expressamente acolheu, além ou à margem do processo tradicional da ação rescisória, parece claro que a exegese dos dispositivos correspondentes haverá de ser sempre estrita, como sói acontecer em todos os casos de direito excepcional.”

Em princípio isso parece desimportante, contudo não o é, possuindo inclusive razão jurídica para assim ser disposto, porque, como afirma ALEXANDRE SORMANI, “... a desconsideração da coisa julgada por completo, permitindo-se a sua avaliação (se correta ou não, se justa ou não) traz conotações preocupantes, pois abre ensejo à total insegurança e à ruína do regime democrático”26, ou, nos dizeres de ALEXANDRE ZAMPROGNO, a relativização da coisa julgada “... não pode ser tra-

25 MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Coisa Julgada: garantia constitucional. Revista de Processo, RePro 146, Ano 32, abril de 2007. Revista dos Tribunais. p. 21.26 SORMANI, Alexandre. Coisa Julgada Inconstitucional. Revista da Ajufe, Ano 23 – Número 90. 2ª semestre/2008. p. 24.

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tada com tal simplicidade ... sob pena de se vulgarizar a utilização do referido instituto, proporcionando, inclusive, que as demandas judiciais se perpetuem em nossos Tribunais.”27

Explica-se. Nosso sistema convive com ambos os métodos repres-sivos de controle de constitucionalidade: difuso e concentrado. Portanto, é possível que exista disparidade entre uma decisão em controle difuso e outra posterior no concentrado. Diante do parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, essa situação admite convivência (manu-tenção de ambas as decisões) apenas quando o provimento no controle concentrado for de declaração de constitucionalidade (positivo), não quando o for de inconstitucionalidade.

É assim porque o Poder Judiciário possui como atuação atípica apenas a de legislador negativo, nunca positivo, sob pena de violação de cláusula constitucional da separação dos poderes. Aqui não se trabalha a excepcional hipótese chamada de ‘ativismo judicial’, porque entende-se não cuidar da situação posta neste texto. Conforme ensina LUÍS RO-BERTO BARROSO28:

“Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.

(...)Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo

político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso.

(...)

27 ZAMPROGNO, Alexandre. Meios Processuais para Descontituir a Coisa Julgada Inconstitucional. Interesse Público – Ano 5, nº 22, novembro/dezembro de 2003. Porto Alegre: Notadez. 2003. p. 9528 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Demo-crática. http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf, p. 6, 17 e 19. Acessado em 19-06-2009.

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Em suma: o Judiciário quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir. Ter uma avaliação criteriosa da própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder, em auto-limitação espontânea, antes eleva do que diminui.

(...)Uma nota final: o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da

solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes.

Quando o Poder Judiciário, em atuação atípica, via método con-centrado, declara inconstitucional lei ou ato normativo, esses são nulos desde o início - ex tunc, extirpando do sistema aquela base jurídica, apesar de haver possibilidade de se flexibilizar os efeitos concretos (inconstitucionalidade progressiva ou flexibilização temporal), mas isto não é a regra.

Refere IVO DANTAS29:

Em outras palavras: se a inconstitucionalidade reconhecida em Adin gera a inexistência ou nulidade absoluta da Lei ou Ato, a rigor, não se haveria de falar em Coisa Julgada Inconstitucional, visto ser a mesma uma expressão contraditória, porque inexistente, tal como ensina Cunha Peixoto, citado por Ada Pellegrini Grinover em artigo intitulado Ação Rescisória e Divergência de Interpretação em Matéria Constitucional, verbis:

‘Em verdade, a hipótese é simples. Pretende a recorrente res-cindir um acórdão que aplicou dispositivo legal posteriormente declarado inconstitucional. Ora, segundo nos parece, a lei incons-titucional não produz efeito e nem gera direito, desde o início. As-sim sendo, perfeitamente compatível é a ação rescisória’ – conclui Cunha Peixoto.

29 DANTAS, Ivo. Da Coisa Julgada Inconstitucional (Novas e Breves Notas). Revista do TRT da 15ª Região, nº 25, 2004. p. 261-262.

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(...)Neste sentido, Ada Pellegrini Grinover no mencionado artigo,

após proceder levantamento das posições jurisprudenciais do STF, afirma:

‘Transparece, assim, de todos os votos que enfrentaram a ques-tão da inaplicabilidade da súmula 343 ao dissídio jurisprudencial em matéria constitucional, sua única motivação: a lei declarada inconstitucional pelo Supremo, com efeitos ex tunc, é nula e írrita. Se a decisão aplicou a lei, posteriormente declarada inconstitucional, aplicou lei nula e inexistente, e pode por isso ser rescindida.

O que equivale a dizer que a Súmula n 343 é tida por inapli-cável quando a decisão rescidenda aplica a lei, por considerá-la constitucional, e posteriormente é ela declarada inconstitucional, com efeitos ex tunc.

Mas é evidente – continua Grinover – que o raciocínio não se aplica aos casos em que a decisão rescidenda julgou inconstitucio-nal a lei, posteriormente considerada constitucional pelo Supremo.

Nesta hipótese, a posterior declaração incidental de consti-tucionalidade nada nulifica, não se caracterizando a categoria de inexistência, pelo que ficam a salvo da rescisória as decisões que, na constância do dissídio jurisprudencial, consideraram a lei in-constitucional’ – conclui.

Ocorrido isso (declaração de inconstitucionalidade), pelo Supremo Tribunal Federal, descabe ao julgador em controle difuso declarar aque-las mesmas regras constitucionais, porque senão estaria agindo como legislador positivo, já que, quando julgadas inconstitucionais, foram, em regra, eliminadas retroativamente do sistema legal.

Todavia, o contrário é perfeitamente possível. Quando o Poder Judiciário, via método concentrado, declara constitucional lei ou ato normativo, nada mais fez do que reafirmar a presunção de constitucio-nalidade já antes gozada pela regra, presunção inicialmente relativa, depois convertida em absoluta. Ou seja: a regra jamais deixou de ser constitucional (sempre foi constitucional), mudando somente a natureza da presunção: primeiro, presunção relativa, que com a atuação via método concentrado tornou-se absoluta: a natureza da presunção nunca alterou a situação perene de constitucionalidade da regra.

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Ressalta-se: diante disso vê-se que o sistema convive com regra constitucional (presunção relativa ou absoluta) e sua declaração de inconstitucionalidade, no caso concreto, via controle difuso. Caso contrário, não haveria motivo para existir o controle repressivo difuso. Até porque, aqui, há a regra, que é afastada apenas no caso concreto: a atuação aqui é de legislador negativo. Lembra-se: no Brasil adota-se o controle de constitucionalidade misto. Por óbvio que isso se refere às situações já cobertas pelo manto da coisa julgada, porque as demandas ainda não julgadas em definitivo sofreriam o efeito erga omnes do con-trole concentrado.

Por isso que o artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Ci-vil, tem redação sempre com aspecto negativo. Esse dispositivo, portanto, somente pode ser invocado para atacar a coisa julgada inconstitucional quando o provimento emanado pelo Supremo Tribunal Federal for de declaração de inconstitucionalidade (ou incompatibilidade decorrente de declaração de inconstitucionalidade), pois nesse caso desaparece o fundamento de validade do sistema, e eventual decisão díspar provocaria atuação atípica de legislador positivo do Poder Judiciário. Apesar de se referir ao parágrafo 1º do artigo 475-L, tratando-se de situação legal semelhante a do parágrafo único do artigo 741, ambos do Código do Processo Civil, comunga-se dessa afirmação: “Não é toda hipótese de sentença inconstitucional que pode ser desconstituída com base nesse dispositivo.”30 Ou como prefere OSCAR VALENTE CARDOSO: “... a relativização (ou flexibilização) da coisa julgada consiste no afastamento ou desconsideração desta, em algumas circunstâncias.”31, até porque, como adverte EVANDRO SILVA BARROS32:

30 JR, Fredie Didier; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLI-VEIRA, Refael. Curso de Direito Processual Civil, Execução. 5ª Vol. Salvador: Jus Podium, 2009. p. 373.31 CARDOSO, Oscar Valente. Repercussão Geral, Questões Constitucionais Qualificadas e Coisa Julgada Inconstitucional. Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), 72, março – 2009. p. 73.32 BARROS, Evandro Silva. Coisa Julgada Inconstitucional e Limitação Temporal para a Propositura da Ação Rescisória. Revista de Direito Constitucional e Internacional nº 47. Revista dos Tribunais. ano 12, abril-junho de 2004. p. 55-56.

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“A elevação da coisa julgada ao nível constitucional demonstra a clara preocupação do legislador em assegurar a estabilidade das relações jurídicas, preservando as decisões judiciais de alterações que viessem a pôr em dúvida a autonomia do sistema; aliás essa garantia decorre também da tripartição dos Poderes, de sorte que cada um atue na esfera de sua competência.”

Logo, também pelo viés de que a todos, no âmbito judicial e admi-nistrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal/1988 - incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004), a teoria da coisa julgada inconstitucional recomenda interpretação restritiva.

Dessa forma, vê-se que o princípio da separação das funções Estatais deve servir de baliza para se relativizar a coisa julgada, inclusive para limitar sua aplicação.

O posicionamento proposto, ao mesmo tempo, preserva a garantia fundamental da coisa julgada, o controle repressivo difuso de constitu-cionalidade e a presunção de constitucionalidade do artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil, impedindo sua utilização sem limites. Inclusive, trazendo-se mais um argumento no sentido da necessidade de cautela ao se falar em relativização da coisa julgada, releva citar MAG-NO FEDERICI GOMES e RICARDO MORAES COHEM33, quando dizem que:

“Além disso, deseja-se analisar a coerência da relativização da coisa julgada, pois ela vai de encontro à reforma processual ins-talada pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Segundo o art. 5º, LXXVIII, CR/1988 (EC 45/2004), criou-se o direito fundamental de todos a um processo com razoável duração de tempo, ou seja, positivou o princípio da celeridade e da efetividade processuais, o que é contrário ao instituto da relativização, por ser mais uma forma impugnativa da decisão, prolongando o trâmite processual e impedindo a solução da controvérsia entre as partes.”

33 GOMES, Magno Federici; COHEN, Ricardo Moraes. Relativização da Coisa Julgada: Teorias, Controvérsias, Dilemas e Solução. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil. Ano IX, nº 53, mai-jun 2008. p. 84.

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Mais uma vez releva trazer PAULO ROBERTO DE GOUVÊA MEDINA34 no aspecto em que apregoa:

“Não se cuida de fazer apologia da segurança jurídica em detrimento da justiça da decisão. Trata-se, apenas, de preservar o respeito à solução definitiva do litígio, que tem na ordem pública o seu fundamento e na paz social o seu fim último.”

CARINA BELLINI CANCELLA35 afirma que: “... por meio do pará-grafo 1º do artigo 475-L e do parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, buscou solucionar o conflito entre os princípios da segu-rança jurídica (coisa julgada) e supremacia da Constituição ...”, mas isso, acrescenta-se aqui, só se dará quando tratar-se de declaração de inconsti-tucionalidade, porque outras variáveis, também de índole constitucional, a exemplo do controle difuso, da garantia fundamental da coisa julgada e do princípio da separação das funções estatais, merecem valorização.

Havendo declaração de constitucionalidade de lei ou ato normativo (que já era presumidamente constitucional), pelo Supremo Tribunal Federal, superveniente à decisão no controle difuso que entendera inconstitucional, verifica-se que, em suma, “no continente” (geral) a regra é constitucional, mas para as partes (conteúdo) é inconstitucional. Essa decisão não pode ser rescindida, porque quando no controle difuso foi julgada inconstitucional, o Poder Judiciário atuou como legislador negativo, o que é permitido pelo sistema. Assim, se definitivamente decidido, deve-se respeitar a coisa julgada, pois esta também é reflexo da supremacia da constituição.

Repete-se, visto sua pertinência e importância, ao citar Grinover, IVO DANTAS36: “Mas é evidente – continua Grinover – que o raciocínio não se aplica aos casos em que a decisão rescidenda julgou inconstitu-cional a lei, posteriormente considerada constitucional pelo Supremo.”

34 MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Coisa Julgada: garantia constitucional. Revista de Processo, RePro 146, Ano 32, abril de 2007. Revista dos Tribunais. p. 24.35 CANCELLA, Carina Belline. Da relativização da coisa julgada inconstitucional. Revista da AGU Ano VII nº 17, Brasília-DF. Jul./set. de 2008. p. 33.36 DANTAS, Ivo. Da Coisa Julgada Inconstitucional (Novas e Breves Notas). Revista do TRT da 15ª Região, nº 25, 2004. p. 262.

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O contrário não é verdadeiro. Embora o controle difuso (conteúdo) entendesse constitucional enquanto a lei já era presumidamente constitu-cional, com a superveniência de declaração de inconstitucionalidade, o “continente” (geral) é esvaziado (nulo - nunca existiu - ex tunc) e, assim, a decisão no controle difuso dizendo constitucional geraria atuação de le-gislador positivo no caso concreto, pois inexiste a regra legal fixada entre as partes. Aqui sim, incabível manter a coisa julgada (ou o título judicial), uma vez que operada sobre decisão judicial substitutiva da atuação legis-lativa, ferindo outra cláusula constitucional: separação dos poderes ou funções estatais, hierarquicamente igual à garantia fundamental da coisa julgada, mas que, diante dos princípios da unidade, da máxima efetividade ou da eficiência, da concordância prática ou da harmonização e da força normativa da constituição, neste caso permite a relativização desta última, tudo em homenagem também à supremacia da Magna Carta.

Como diz RAUL MACHADO HORTA37:

“... é evidente que essa colocação não envolve o estabelecimento de hierarquia entre as normas constitucionais, de modo a classificá-la em normas superiores e normas secundárias. Todas são normas fundamentais. A precedência serve à interpretação da Constituição, para extrair dessa nova disposição formal a impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do administrador e do julgador.”

Algo constitucional (geral) poderá ser inconstitucional entre as partes (legislador negativo); porém não poderá algo inconstitucional - geral (nulo; inexistente) ser considerado constitucional entre as partes, porque nesse caso o Poder Judiciário seria legislador positivo.

Repete-se: em verdade esse mecanismo de interpretação aqui uti-lizado permite preservar tanto a presunção de constitucionalidade da regra trazida pelo artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil, quanto à garantia fundamental da coisa julgada (artigo 5º, XXXVI, Constituição Federal/1988), portanto, atendendo aos princípios constitu-cionais da unidade da constituição e da máxima efetividade ou eficiência

37 HORTA, Raul Machado da. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 239-240.

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e, sobretudo, da concordância prática ou da harmonização e da força normativa da constituição.

Com isso buscou-se interpretação constitucional realizada de modo a evitar contradições entre suas regras, atribuindo-se sentido com maior eficácia possível mediante coordenação e combinação dos bens jurídicos objeto de discussão, para se evitar o sacrifício total de um em relação ao outro e colhendo, dentre as interpretações possíveis, aquela que garanta maior eficácia e permanência da normas constitucionais.

É premissa básica que todas as normas constitucionais desempenham função útil no ordenamento, sendo vedada interpretação que lhe suprima ou diminua a finalidade. Ousa-se dizer que interpretação diferente ani-quila o instituto da coisa julgada, que é eminentemente constitucional para, em outro extremo, ao mesmo tempo, chamá-la de inconstitucional: geraria a incabível antinomia interna da constituição.

Lembrando ALEXANDRE SORMANI38:

“Sabe-se, ao menos pela interpretação jurídica, que há uma har-monia sistêmica do ordenamento jurídico e o princípio da unidade da Constituição a confirma. Portanto, não é concebível, a princípio, que a Constituição proteja a coisa julgada que traga consigo uma decisão contrária à própria Constituição.”

Mas não se pode generalizar a interpretação do que é contrário à constituição, porque isso relativizaria demasiadamente a garantia funda-mental da coisa julgada mediante regra infraconstitucional. Como ensina LUIZ GUILHERME MARINONI 39:

“Diante disso, a falta de critérios seguros e racionais para a ‘relativização’ da coisa julgada material pode, na verdade, conduzir à sua ‘desconsideração’, estabelecendo um estado de grande incerteza e injustiça. Essa ‘desconsideração’ geraria uma situação insusten-

38 SORMANI, Alexandre. Coisa Julgada Inconstitucional. Revista da Ajufe, Ano 23 – Número 90. 2ª semestre/2008. p. 33.39 MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre a chamada “relativização” da coisa julgada material. Material da 7ª aula da Disciplina Processo Civil: Grandes Transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Processual: Grandes Transformações – UNISUL - REDE LFG. p. 2.

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tável, como demonstra Radbruch citando a seguinte passagem de Sócrates: ‘crês, porventura, que um Estado possa subsistir e deixar de se afundar, se as sentenças proferidas nos seus tribunais não tiverem valor algum e puderem ser invalidadas e tornadas inúteis pelos indivíduos?’.

Na verdade, tanto a garantia fundamental da coisa julgada como o controle de constitucionalidade possuem base constitucional, que não admite antinomias, pois “Em face do princípio da unidade da Cons-tituição, não existe hierarquia entre suas normas, tampouco Direito Constitucional absoluto”40.

Então, para sopesar a aplicação desses comandos constitucionais, é utilizado princípio da separação dos poderes (ou funções estatais), que é refratária à atuação legislativo-positiva do Poder Judiciário. E ocor-rerá atuação legislativo-positiva somente quando houver declaração de inconstitucionalidade no método concentrado (ou como se concentrado fosse) e de constitucionalidade no difuso, não ao contrário.

Ademais, supremacia constitucional é regra de hermenêutica, a coisa julgada é garantia fundamental, e o princípio da separação dos poderes ou funções estatais é fundamento constitucional. A intangibilidade da coisa julgada não configura um princípio absoluto, devendo ser conjugado com outros e podendo sofrer restrições.41

Ambos - coisa julgada e separação dos poderes - são também instrumentos informadores ou condutores da exegese constitucional, a fim de manter a higidez ou supremacia constitucional. Portanto, aqui, mediante conjugação, o princípio da separação dos poderes, ao mesmo tempo, permite a relativização da coisa julgada e limita sua aplicação: relativiza-se a coisa julgada, mas com limite. Lembra-se outra vez GOU-VÊA MEDINA42, quando refere:

40 CARDOSO, Oscar Valente. Repercussão Geral, Questões Constitucionais Qualificadas e Coisa Julgada Inconstitucional. Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), 72, março – 2009. p. 73.41 NASCIMENTO, Oscar Valder do. Por Uma Teoria da Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2005. p. 9.42 MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Coisa Julgada: garantia constitucional. Revista de Processo, RePro 146, Ano 32, abril de 2007. Revista dos Tribunais. p. 26.

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“De outro lado, o risco de a coisa julgada contrapor-se à Constituição não será maior do que o de admitir-se seja ela ampla e ilimitadamente questionada, a pretexto de evitar a consagração de inconstitucionalidades. Notadamente no contexto de uma Consti-tuição analítica, como a nossa, em que as questões, quase sempre, comportam enfoque constitucional, a ponto de tornar o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal medida corriqueira (e, com isso, sobrecarregar de processos a nossa mais alta Corte), esse risco não é desprezível. Ao revés, por si só evidencia que, na medida em que se flexibiliza a coisa julgada, admitindo sua revisão ante toda e qualquer arguição de inconstitucionalidade, na verdade põe-se em xeque o princípio da segurança jurídica que ela tem em vista preservar.”

Por oportuno, acrescenta-se que não será qualquer provimento jurisdicional que autorizará a desconstituição da garantia fundamental da coisa julgada. Deverá ser aquele externado via controle concentrado (ou como se concentrado fosse) que declara a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, porque nesse caso (e somente nesse) é que a regra vergastada (ou o título judicial) nunca deveria ter existido. Ainda na esteira de LUIZ GUILHERME MARINONI43:

“Não há dúvida que, no direito brasileiro, entende-se, sem grande controvérsia, que a decisão de inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc, e assim retroage até o momento da edição da lei. Afirma-se, nesse sentido, que tal decisão não possui caráter desconstitutivo, e por isso não apenas revoga a lei. A sua natureza é declaratória, pois reconhece a nulidade da lei, vale dizer, um estado já existente.”

E em nota de rodapé do trabalho acima referido, MARINONI44 citando Clèmerson Merlin Clève, acrescentou que:

43 MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre a chamada “relativização” da coisa julgada material. Material da 7ª aula da Disciplina Processo Civil: Grandes Transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Processual: Grandes Transformações – UNISUL - REDE LFG. p. 5.44 MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre a chamada “relativização” da coisa julgada material. Material da 7ª aula da Disciplina Processo Civil: Grandes Transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Processual: Grandes Transformações – UNISUL - REDE LFG. Nota de rodapé. p. 5.

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“Encontra-se, hoje, superada a discussão a respeito dos efei-tos produzidos pela decisão que declara a inconstitucionalidade de ato normativo, se ex tunc ou ex nunc. Já foi afirmado, quando tratou-se da fiscalização incidental, que influenciado pela doutrina e jurisprudência americanas, o direito brasileiro acabou por definir que a inconstitucionalidade equivale à nulidade absoluta da lei ou ato normativo’ (Clèmerson Merlin Clève. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1995, p. 163)”

O Ministro ARNALDO SÜSSEKIND45 já disse que “... o caminho pode ser a mera resistência à execução ou mesmo uma ação específica, porque o que importa é a prevalência da orientação da Corte Suprema em temas constitucionais”, no entanto, afirma-se aqui, se no caso sob exame o Supremo Tribunal Federal não declarou a inconstitucionalidade de nada, não há que se falar em coisa julgada inconstitucional, pois se assim for não existiu reconhecimento da nulidade de lei ou ato normativo com efeitos ex tunc. A coisa julgada é garantia fundamental, que somente seria afastada quando o Poder Judiciário atuar como legislador positivo.

Vale ainda, por fim, citar PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON, ao dizer que “A denominada ‘coisa julgada inconstitucional’ necessita de uma correta e detalhada disciplina infra-constitucional, sob pena de as primeiras boas intenções de abertura a respeito do tema cumprirem o real intento do autoritarismo e do arbítrio”46.

CONCLUSÃOPela análise das palavras contidas no texto do parágrafo único do

artigo 741 do Código de Processo Civil, entende-se que a correta aplica-ção deve se limitar às situações de controle concentrado quando ocorrer

45 SÜSSEKIND, Arnaldo. Da coisa julgada inconstitucional. Consulex, Ano XIII nº 294. 2009. p. 62.46 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Nova Execução de Títulos Judiciais e sua impug-nação. Material da 3ª aula da Disciplina Teoria Geral do Processo e Recentes Inovações Legislativas, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual: Grandes Transformações – UNISUL – REDE LFG. p. 14.

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declaração de inconstitucionalidade ou incompatibilidade decorrente de declaração de inconstitucionalidade, porque a possibilidade indicada de julgamento fundado em aplicação ou interpretação tidas como incompa-tíveis com a Constituição Federal devem também decorrer de eventual declaração de inconstitucionalidade, especialmente por ser regra restritiva de garantia fundamental que, por isso, exige interpretação restritiva.

Na verdade se está a fazer uma compatibilidade da redação do parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil – presumi-damente constitucional – com a garantia fundamental da coisa julgada (pois protegida pela Constituição Federal de 1988), com o objetivo de impedir que regra infraconstitucional a esvazie por completo.

Ao mesmo tempo, está-se a justificar e preservar a necessária convi-vência entre os controles de constitucionalidade difuso e concentrado, para que aquele não seja aniquilado, sobretudo quando coberto pela garantia fundamental da coisa julgada, e impedir rediscussão indefinida da matéria e causando insegurança (incerteza) jurídica e perpetuidade da relação ju-rídica, sobretudo porque a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal/1988 - incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Vale dizer: não se poderá, portanto, em toda e qualquer situação de controle concentrado (ou como se concentrado fosse), após operada a coisa julgada, desconstituir o título judicial, em princípio, imutável e indiscutí-vel, exceto se isso se deu mediante declaração de inconstitucionalidade.

Em suma, é a ideia de continente e conteúdo: quando no continente (controle concentrado) houve declaração de inconstitucionalidade de regra, por ter sido extirpada do sistema jurídico, ao conteúdo (difuso) se mostrará vedado declará-la constitucional, sob pena de atuação legislativo-positiva. Todavia o contrário é cabível: quando o continente (controle concentrado) declara constitucional e o conteúdo (difuso) declara inconstitucional, pois aqui será atividade atípica de legislador negativo. Tudo isso faz com que os controles concentrado e difuso convivam harmonicamente e preserve-se a garantia da coisa julgada e a presunção de constitucionalidade do parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, mediante limitação de sua aplicação com base no princípio da separação dos poderes ou funções estatais.

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REFERênCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. BARROS, Evandro Silva. Coisa Julgada Inconstitucional e Limitação Temporal para a Propositura da Ação Rescisória. Revista de Direito Constitucional e Internacional nº 47. Revista dos Tribunais. ano 12, abril-junho de 2004.2. BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legi-timidade Democrática. http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revis-ta/1235066670174218181901.pdf. Acessado em 19-06-2009.3. CANCELLA, Carina Belline. Da relativização da coisa julgada inconstitucional. Revista da AGU Ano VII nº 17, Brasília-DF. Jul./set. de 2008. 4. CARDOSO, Oscar Valente. Repercussão Geral, Questões Constitu-cionais Qualificadas e Coisa Julgada Inconstitucional. Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), 72, março – 2009. 5. DANTAS, Ivo. Da Coisa Julgada Inconstitucional (Novas e Breves Notas). Revista do TRT da 15ª Região, nº 25, 2004. 6. GOMES, Magno Federici; COHEN, Ricardo Moraes. Relativização da Coisa Julgada: Teorias, Controvérsias, Dilemas e Solução. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil. Ano IX, nº 53, mai-jun 2008. 7. HORTA, Raul Machado da. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. 8. JR, Fredie Didier; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, Execução. 5ª Vol. Salvador: Jus Podium, 2009. 9. JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.10. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Nova Execução de Títulos Ju-diciais e sua impugnação. Material da 3ª aula da Disciplina Teoria Geral do Processo e Recentes Inovações Legislativas, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual: Grandes Transformações – UNISUL – REDE LFG. 11. MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre a chamada “relativização” da coisa julgada material. Material da 7ª aula da Disciplina Processo

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Civil: Grandes Transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Processual: Grandes Transformações – UNISUL - REDE LFG. 12. MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Coisa Julgada: garantia constitucional. Revista de Processo, RePro 146. Revista dos Tribunais. Ano 32, abril de 2007. 13. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. 14. ________. Direitos Humanos Fundamentais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 15. NASCIMENTO, Oscar Valder do. Por Uma Teoria da Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2005. 16. PORTO, Sergio Gilberto. Coisa Julgada Civil. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Aide. 1996. 17. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Vol II, D-1. 1ª Ed. Rio – São Paulo: Forense, 1963.18. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Sentença e Coisa Julgada. 2ª Ed. Porto Alegre: Safe, 1988.19. SORMANI, Alexandre. Coisa Julgada Inconstitucional. Revista da Ajufe, Ano 23 – Número 90. 2ª semestre/2008. 20. SÜSSEKIND, Arnaldo. Da coisa julgada inconstitucional. Consulex, Ano XIII nº 294. 2009. 21. ZAMPROGNO, Alexandre. Meios Processuais para Desconstituir a Coisa Julgada Inconstitucional. Interesse Público – Ano 5, nº 22, no-vembro/dezembro de 2003. Porto Alegre: Notadez. 2003.

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MInIStRO CARLOS thOMPSOn FLORES(CEntEnÁRIO DO SEU nASCIMEntO)

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz Desembargador Federal do TRF/4ª Região

“Justiça que brote de Juízes independentes, sem falsos ou mal compreendidos exageros. Justiça austera, impoluta, incorruptível, como se faz mister o seja, e para cujos imperativos pros-seguiremos indormidos e intransigentes. Justiça humana, como merece distribuída às criaturas, feita à imagem de Deus. Justiça que jamais se aparte dos fins sociais e das exigências do bem comum, sem cujo conteúdo não teria nenhum sentido. Justiça que se aproxime, sem excessos ou enganosas formas, do próprio Povo, para o qual é ditada e do qual deve estar sempre ao alcance: simples, real, despida de tudo que a possa tornar dificultosa, a fim de que a compreenda melhor, sinta-a com mais fervor, e possa, assim, nela crer, para amá-la, prestigiá-la e defendê-la, se preciso for, convencido que ela é o seu baluarte demo-crático e a sua mais sólida garantia. E, sobretudo, Justiça pontual, como a queria Rui, porque tarda não mereceria o nobre título. E como dizia, re-clamando, “Para que paire mais alto que a coroa dos reis e seja tão pura como a coroa dos santos”.

Só assim nos tornaremos dignos do respeito e da confiança da Nação, ao lado dos demais Poderes da República”.

Ministro Carlos thompson Flores

Ao discursar na homenagem a Carlos Thompson Flores, em 14 de fevereiro de 1977, que então se empossava na Presidência do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Moreira Alves teve oportunidade de dizer, em análise percuciente, a propósito de sua personalidade como magis-trado nestas palavras consagradoras, verbis:

Seção Livre

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“Neste ano e meio em que tenho a honra de integrar esta Casa, servindo na Turma a que até agora Vossa Excelência presidia, pude sentir de perto, em convivência quase diária, a justiça que se lhe tem feito ao longo de sua vida de magistrado. Tenho-o, Sr. Min. THOMPSON FLORES, por modelo de juiz. Vossa Excelência, no exercício da judicatura, revela não limitar-se a possuir aquelas qualidades que MURATORI, apoiado nas santas escrituras e vee-mente na crítica aos juristas, exigia dos juízes: o saber, para bem aplicar as leis; o amar a verdade, para poder distingui-la do erro; o temor a Deus, para não deixar-se levar pelo ódio, medo, cupidez ou qualquer outra inclinação; o desprezar as posições e regalias, para ser imparcial. A esses atributos, acrescenta-se, em Vossa Excelência, um outro: o exercer a magistratura como sacerdócio, com o amor de quem nela, e só por ela, realiza o ideal de suas aspirações.” 1

Logo em seguida, o Procurador-Geral da República, o Professor Henrique Fonseca de Araújo, em nome do Ministério Público Federal, traduziu, com estas belas e significativas orações, os mesmos sentimen-tos, verbis:

“Tanto impressionou-me o espírito de justiça de que impregnava seus pronunciamentos, que disse certa vez à Sua Excelência, que, se porventura, um dia fosse eu réu em um processo, o escolheria para juiz, renunciando previamente a qualquer recurso.

Não tive motivos, continuando a acompanhar-lhe a judicatura, muito especialmente neste colendo Tribunal, para alterar, antes para confirmar esse juízo que, de resto é o de todos que o tem visto atuar como magistrado.

Em Sua Excelência, nos seus julgamentos tenho encontrado a confirmação do que ensina RECASENS SICHES, de que a lógica jurídica não é igual ao tipo de lógica matemática, porque é a lógica do razoável. A sentença, na sua elaboração, não obedece necessariamente ao clássico silogismo. Porque, “sentença”, já na sua etimologia latina, vem do verbo “sentice”, o que equivale dizer, experimentar uma espécie de emoção, dir-se-ia, uma espécie de intuição emocional. Juiz, ao conhecer dos fatos, forma, antes de mais nada, sua conclusão, pelo seu inato espírito de justiça, numa

1 In Revista Forense, v. 257, p. 418.

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demonstração de que o “decisum”, em regra, se estabelece no es-pírito do juiz, antes dos “consideranda”. Essa, também, a opinião de CALAMANDREI.

O eminente Min. THOMPSON FLORES sente, intuitivamen-te, onde está a Justiça. Se algo caracteriza sua personalidade de magistrado é esse inato espírito de justiça, servido por um caráter incorruptível e inamoldável, onde a bravura e o destemor não che-gam a ressaltar por sua naturalidade.

Contra os poderosos do dia, presidiu, certa feita, como Juiz, júri de imprensa. E contra tudo e contra todos, levou o Tribunal à unânime decisão condenatória, que lhe valeu ameaças e insultos, que em nada alteraram sua conduta.

Por suas qualidades é que, sem bairrismo, nós, rio-grandenses do Sul, nos orgulhamos do Min. THOMPSON FLORES.” 2

Com efeito, após 44 anos dedicados exclusivamente à magistratura, atingira o cume de sua vitoriosa carreira, repetindo, no plano nacional, a consagração que obtivera em seu estado natal, o Rio Grande do Sul.

Quanto mais se examina a vida de Carlos Thompson Flores, mais se revela a sua vocação para a função de juiz.

Por certo, herdou-a de seu avô, o também Desembargador Carlos Thompson Flores, fundador e primeiro Diretor da Faculdade de Direito de Porto Alegre, Presidente da Província no Império, parlamentar, cons-tituinte em 1891 e membro do Tribunal de Justiça tão logo proclamada a República.

Aos 26 de janeiro de 1911, há cem anos, nasceu Carlos Thompson Flores na cidade de Montenegro, no Estado do Rio Grande do Sul.

Filho do político e advogado Luiz Carlos Reis Flores e de Dona Francisca Abbott Borges Fortes Flores, foram os seus avós paternos o Desembargador Carlos Thompson Flores e Dona Luíza Elvira Reis Flores, filha do Barão de Camaquã, um dos comandantes militares da Guerra do Paraguai; pelo lado materno, o Dr. João Pereira da Silva Borges Fortes, político e magistrado no Império e Dona Ofélia Abbott Borges Fortes, irmã do ex-Ministro da República e ex-governador, Dr. Fernando Abbott.

2 In Revista Forense, v. 257, p. 419.

MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES(CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO)

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O Ministro Carlos Thompson Flores é descendente de algumas das mais ilustres e antigas famílias do Brasil que forneceram ao nosso país políticos do mais alto relevo, como o Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, Presidente da República, diplomatas como o embaixador Carlos Martins Thompson Flores, médicos como o Conselheiro do Império Dr. Jonathas Abbott, considerado por muitos o maior luminar da ciência médica brasileira no século XIX.

Destacam-se, ainda, o Coronel Tomás Thompson Flores, herói da Guerra de Canudos, cujos feitos são relatados por Euclides da Cunha na obra clássica “Os Sertões”; o Ministro Francisco Thompson Flores, Ministro do Tribunal de Contas da União que, em 1937, como relator das contas do Presidente Getúlio Vargas, levou a Corte de Contas a manifestar-se pela rejeição das contas do Presidente da República, em decisão sem precedentes na história daquele Tribunal.

É descendente direto do bandeirante Raposo Tavares, um dos fun-dadores do Brasil, e de Dionísio Rodrigues Mendes, um dos primeiros povoadores do Rio Grande do Sul, cuja fazenda, em meados do século XVIII, situava-se em terras onde hoje se localiza o Município de Porto Alegre.

Uma das fazendas de seu bisavô, o Dr. João Pereira da Silva Borges Fortes, notável político do segundo reinado, hospedou o Imperador D. Pedro II e toda a sua comitiva, no ano 1865, em São Gabriel, quando de sua visita à Província de São Pedro.

Corre em suas veias o nobre sangue da família Leme, de São Pau-lo, que deu ao Brasil homens como o Cardeal D. Sebastião Leme, que desempenhou papel decisivo para o favorável desfecho da Revolução de 1930, ao convencer o Presidente deposto Washington Luís Pereira de Sousa a partir para o exílio.

São, ainda, seus primos o Almirante Diogo Borges Fortes, Ministro e Presidente do Superior Tribunal Militar, o General Carlos Flores de Paiva Chaves, o primeiro militar brasileiro a comandar tropas da ONU – comandou a Faixa de Gaza nos anos cinquenta -, o Almirante Joaquim Flores do Rêgo Monteiro, formado em Engenharia Naval na Inglaterra e um dos pioneiros no país nessa importante modalidade de engenharia e o Embaixador Francisco Thompson Flores, um dos responsáveis pela criação e instalação do Mercosul, quando embaixador em Buenos Aires.

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Essas, em apertada síntese, são as origens familiares de Carlos Thompson Flores.

O homem, disse-o Antonio Joaquim Ribas, em sua biografia de Campos Salles, é um ser sucessivo, cuja alma contém, algumas vezes, as virtudes de cem gerações. 3

Como nos minerais e vegetais, prossegue o notável biógrafo, a natu-reza elabora, longa e surdamente, as suas obras primas na humanidade.

Eis porque assinalamos que nos seus antepassados já se revelavam as altas virtudes que, aperfeiçoadas pelo estudo e meditação, destinaram-no às mais elevadas posições na administração da nossa Nação.

A l’origine d’une vocation, recorda Roger Martín Du Gard, il y a presque toujours un exemple.

No exemplo de seus ancestrais, colheu a inspiração e o estímulo que lhe serviram de motivação na escolha de sua vocação, a magistratura, cujo exercício consumiu toda a sua existência.

A rigor, parodiando Ruy Barbosa, dele se pode afirmar: Juiz, sempre Juiz, apenas Juiz.

Fez o curso primário no Colégio Público Elementar “14 de Julho”, na cidade de Montenegro. O ginásio no Colégio Estadual Júlio de Castilho, escola modelar na época, em Porto Alegre.

Concluído o curso secundário, matricula-se na tradicional Faculdade de Direito de Porto Alegre, fundada por seu avô, o Desembargador Carlos Thompson Flores, em 1900.

Forma-se com distinção como integrante da turma de 1933, tendo colado grau em solenidade especial realizada no gabinete do Diretor, eis que já era, a esse tempo, Juiz Distrital de Herval do Sul, termo da Comarca de Jaguarão.

Em 1938, após aprovação em concurso público, é nomeado Juiz de Direito da Comarca de Santa Vitória do Palmar. Daí passou, mediante remoção, para a Comarca de Rosário do Sul. Posteriormente, foi promo-vido, sucessivamente, para as Comarcas de Montenegro, de 2ª entrância, e Livramento, de 3ª entrância.

3 RIBAS, Antonio J., in Campos Salles – Perfil Biográfico, Rio de Janeiro, 1896, p. 536.

MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES(CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO)

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Em 1951, é promovido para a Capital e, posteriormente, designado para a Vara dos Feitos da Fazenda Pública, desaguadouro dos grandes nomes da magistratura riograndense.

Em 13 de abril de 1953, é convocado para substituir o Desembar-gador Homero Martins Batista sendo, logo a seguir, em 03 de junho, promovido a Desembargador do Tribunal de Justiça, com 42 anos de idade, o mais moço na época.

Todas as suas promoções na carreira sempre foram movidas pelo impulso nobilitante do merecimento, num claro reconhecimento das suas marcantes qualidades de julgador.

No Tribunal de Justiça, foi eleito para o cargo de Corregedor-Geral da Justiça, tendo-o exercido por dois períodos consecutivos, deixando ditas funções para compor a 4ª Câmara Cível, em março de 1960.

No Tribunal Regional Eleitoral, exerceu os cargos de Vice-Presidente e Presidente.

A sua atividade, porém, não se restringiu à magistratura.Realmente, durante muitos anos professou a cadeira de Processo

Civil no Curso de Formação de Magistrados mantido pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul.

Designado mediante eleição, representou o Tribunal de Justiça no Congresso de Juristas em comemoração do Centenário de Clóvis Bevi-láqua, realizado na cidade de Fortaleza, em 1958.

Da mesma forma, representou o Tribunal de Justiça perante a III Conferência Nacional de Desembargadores, realizada em 1964, na cidade do Rio de Janeiro, quando foi distinguido por seus pares para presidir uma das quatro comissões – a de processo civil -, escolhendo como seu secretário o Professor Alfredo Buzaid.

Essa comissão debateu a fundo o anteprojeto do Código de Processo Civil, sendo que várias de suas sugestões foram incorporadas ao men-cionado projeto de codificação.

É eleito vice-Presidente do Tribunal no período de 1964-1965 e, posteriormente, Presidente no biênio 1966-1968.

Os seus elevados méritos levaram o Tribunal, por unanimidade, a quebrar o critério da antiguidade e elegê-lo Presidente da Corte antes

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de chegar a sua vez pelo rodízio tradicional, pois reconheceram os seus integrantes que o Desembargador Thompson Flores era, na oportunida-de, a pessoa certa para promover as reformas que o Judiciário gaúcho necessitava.

Com efeito, na chefia do Poder Judiciário Estadual empenhou-se decididamente na superação dos entraves que há décadas emperravam o judiciário gaúcho com as seguintes medidas: criou a Revista de Juris-prudência do Tribunal; instituiu os boletins de jurisprudência da Corte distribuídos quinzenalmente aos desembargadores, providência essa que, posteriormente, como Presidente do Supremo Tribunal Federal, difundiu na Suprema Corte e em todos os Tribunais do país; promoveu a elaboração de um novo Código de Organização Judiciária; encami-nhou sugestões à reforma da Constituição Estadual, em atendimento à adaptação à Constituição Federal de 1967; dinamizou e concluiu as obras do Palácio da Justiça, paralisadas há mais de dez anos; garantiu a ampliação dos quadros de pessoal da Secretaria do Tribunal, por meio da Lei nº 5.668/67; criou a assessoria de imprensa do Tribunal, iniciativa pioneira para divulgar à sociedade as atividades do Judiciário, tornando-o mais conhecido da população; procurou as faculdades de direito dialogando diretamente com os estudantes para sensibilizá-los no ingresso à magistratura.

Prestes a cumprir o seu mandato, é nomeado pelo Presidente Costa e Silva ministro do Supremo Tribunal Federal, na vaga do Ministro Prado Kelly, por decreto de 16 de fevereiro de 1968.

A sua posse deu-se em 14 de março, nela comparecendo o que havia de mais representativo da cultura jurídica e do cenário político do Rio Grande do Sul, fruto da fama do juiz excepcional que, em seu estado de origem, conquistara o respeito e admiração de seus coestaduanos face às suas qualidades de inteligência, independência, cultura, honradez e trabalho.

No Supremo Tribunal Federal, permaneceu cerca de treze anos, ratificando o alto conceito de que viera precedido.

Seria dar incontável extensão ao presente texto se, porventura, se quisesse examinar em pormenores o brilho da judicatura do Ministro Thompson Flores na Suprema Corte.

MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES(CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO)

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Os seus votos, em geral, não eram muito extensos, mas profundos, valendo-se da melhor doutrina, desvendando o âmago da causa numa síntese admirável de exatidão e brilho.

Em 07 de agosto de 1980, julgando o RE nº 88.407-RJ (Pleno), ver-sando a responsabilidade civil do transportador na hipótese de assalto ao passageiro, proferiu voto que bem retrata sua técnica de julgar, verbis:

“O SR. MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES (RELA-TOR): - Conheço do recurso e lhe dou provimento para restabelecer a sentença de fls. 65/66, excluindo, porém, a indenização pelo dano moral, e, no pertinente aos honorários de advogado, reduzi-lo a 15%, nos termos do art. 11 da Lei 1.050/60.

2. Decidindo como decidiu o acórdão recorrido que, à transpor-tadora não cabia responsabilidade porque ocorrera “fator impediente do cumprimento do dever de incolumidade do passageiro acrescido de sua culpa” face aos fatos que se oferecem certos, penso que o decisório não só denegou vigência ao art. 17, e seus incisos 1º e 2º, do Dec. Legislativo 2.681/912, como dissentiu do enunciado na S. 187 e julgado, desta Corte, proferido no RE nº 73.294, 2ª Turma, de 03.12.73 (R.T.J. 70/720/1), cuja ementa dispõe:

‘Responsabilidade civil. Transporte urbano de passageiros. Ao elide a responsabilidade do transportador, por não ser estranho à exploração da atividade, o fato de terceiro, motorista de outro veículo, após discussão provocada pelo condutor do coletivo sobre questiúnculas de trânsito, disparar sua arma contra este e atingir o passageiro. Dissídio com as Súmulas 187 e 341.

Recurso extraordinário conhecido e provido’

Justifica-se, dessarte, o conhecimento do recurso.E cabe provê-lo.Os fatos se oferecem certos, como reconheceram as partes e os

julgados de primeiro e segundo graus.Apenas no pertinente à sua qualificação é que dissentiram.E, fazendo como fez o aresto impugnado, não só deixou de

aplicar a regra adequada na sua conceituação própria (art 17, e seus incisos 1º e 2º) como discrepou do correto conceito jurídico que atribuíram os padrões aludidos.

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Por isso, o restabelecimento parcial da sentença do nobre Juiz Antonio de Oliveira Tavares Paes que, em precisa síntese, fez in-censurável adequação dos fatos à lei, ao afirmar, fls. 65v/66:

‘Nenhum valor me parece ter a alegação constante da con-testação, no que diz respeito à existência de força maior ou de caso fortuito a descaracterizar a obrigação indenizatória. Está provado que a existência de assaltos coletivos, na região em que a firma ré explora sua atividade lucrativa, alança índices alarmantes e os autos dão bem uma notícia disso (fls. 18), além de se tratar de fato público e notório, que independe de prova. Ora, sendo um fato que já se integrou na diuturnidade da vida de quem habita aquela região, a ocorrência desses assaltos não pode ser considerada como fato imprevisível a caracterizar a fortuidade de sua verificação. Parece-me irrespondível a douta argumentação neste sentido expendida pelas autoras, na réplica de fls. 51/60, que se constitui em verdadeira aula sobre responsabilidade civil.

Acresce notar que a ré alegou que o próprio marido e o pai das autoras foi o único responsável pelo evento, pois, foi ele quem deu início ao tiroteio e, assim, teria dado início a um outro processo causal, que estaria a descaracterizar a responsabilidade decorrente da garantia de incolumidade devida aos passageiros pela transportadora.

Tal argumento, se bem que impressionante à primeira vista, não resiste a um exame mais profundo, pois, quando da interfe-rência da vítima, já se caracterizara o inadimplemento à garantia de incolumidade, pois, não apenas um passageiro, mas, todos se achavam submetidos à mira das armas dos meliantes, pelo que evidenciada a falta de precaução da ré em evitar o ocorrido.

Não é resultado lesivo que caracteriza o inadimplemento da obrigação da transportadora de assegurar ao passageiro sua incolumidade física, mas sim a simples criação in concreto da possibilidade de sua verificação. No caso, o resultado apenas determina a incidência de uma obrigação secundária, que diz com a reparação dos danos sofridos.

Se o passageiro for submetido a um risco concreto de lesão e esta não vier a se concretizar, não há como se negar o inadim-plemento da obrigação de garantia de incolumidade, no entanto, não há que se falar em indenização, pois, esta decorre do dano e o mesmo não se verificou.

No caso dos autos, o inadimplemento da obrigação de garantia de incolumidade se verificou com a ocorrência do assalto e as lesões sofridas pela vítima, que vieram a ocasionar

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sua morte, nada mais são do que um desdobramento desse fato inicialmente imputável à ré. Não importa que os demais passageiros não tenham sofrido danos, pois, o que caracteriza a obrigação é a conjugação do inadimplemento com a verificação da lesão, e, desde que verificada tal conjugação, é inarredável a responsabilidade indenitária’

4. Nem poderia a demanda ter outro desfecho.O documento que se refere a sentença, certidão expedida pela

Delegacia de Polícia de São João de Meriti, fls. 18/19, de crimina-lidade inferior à de Caxias, onde ocorreram os fatos, bem como de Nova Iguaçu, revelou que no ano de 1974, só na referida Delegacia, foram registrados 228 assaltos a coletivos, o que representa uma média de quase um por dia.

Dita média, seria maior na cidade onde se verificou.Em verdade, é fato, mais que notório, tais ocorrências na Bai-

xada Fluminense, como bem acentuara o magistrado.Apreciando acontecimento que se repete no trânsito, o qual

pela conduta de terceiro originou dano a passageiro de ônibus, acentuou o eminente Ministro Xavier de Albuquerque, relator do padrão referido:

‘Tomados os fatos na versão do próprio acórdão, não vejo como lhe endossar a conclusão. Discussões desse gênero che-gam a ser rotina no trânsito do Rio de Janeiro, felizmente não no sendo desfechos como o que essa teve. Mas tais desfechos também não chegam, por desgraça, a ser raros. A imprensa se ocupa frequentemente com episódios análogos, que sociólogos, psicólogos e médicos procuram interpretar em estudos sérios e conhecidos.

O fato do terceiro, que deu causa aos danos sofridos pelo recorrente, não pode considerar-se estranho à exploração do transporte urbano de pessoas numa cidade como o Rio de Janeiro, a ponto de equiparar-se ao caso fortuito ou à forma maior. Prin-cipalmente quando, como reconhece o Tribunal a quo, deu-lhe ensejo, não importa que sem proporção, a discussão, provocada pelo preposto da transportadora.’ (RTJ 70/721).

Em tais condições não ocorrem, a meu ver, quaisquer dos pressupostos capazes de afastar a responsabilidade do recorrido, ou seja, fato de terceiro ou culpa exclusiva, da vítima.

Com efeito.

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No campo da responsabilidade civil nos transportes coletivos de passageiros, a Jurisprudência do S.T.F. tem sido sempre sensível à realidade, como também ocorre em países outros, especialmente, França e Itália.

Em princípio, e desde 1920, passou a aplicar o vetusto Dec. Legislativo nº 2.681/912 ao transporte através dos bondes.

Após, ampliou-se os ônibus, e chegou até aos lotações como o admitiu a Eg. 3ª Turma ao julgar o RE nº 59.966, em 11.04.69 (TRJ 55/429)

Intercorrentemente, quebrando a rigidez do Código Civil, art. 1.523, admitiu a presunção de responsabilidade do preponente.

O caso, assim, deve ser considerado ante a dolorosa realidade do que sucede e se agrava, como é notório, nas grandes capitais e aqui nas cidades que integram a chamada ‘Baixada Fluminense’ onde ocorreu o evento.

Atendo às circunstância que o rodearam, não há como falar em “fator impediente no cumprimento do dever” capaz de elidir a responsabilidade pelo fato, de parte do transportador, como aceitou o acórdão.

É que, por disposição expressa da lei, art. 17, segunda parte, sua culpa é “sempre presumida”, ressalvadas as duas hipóteses de seus incisos 1º e 2º, fortuito ou força maior, e, bem assim, culpa exclusiva da vítima.

Precisou o Código Civil, no seu art. 1.058, a conceituação dos dois primeiros.

In casu, cuida-se do segundo, o fato de terceiro, o qual, em verdade, não seria excludente de sua responsabilidade, apenas daria direito de regresso contra o causador do dano, nos termos do art. 19 da citada lei especial, como sentido que se lhe atribuiu a Súmula 187, ou seja, compreensivamente, como já acentuava Aguiar Dias fundado no ensinamento dos Tribunais (Da Responsabilidade Civil, vol. 1, 1979, p. 231).

É mister, porém, como acentua:‘Assim, qualquer que seja o fato de terceiro, desde que não

seja estranho à exploração, isto é, desde que represente risco envolvido na cláusula de incolumidade, a responsabilidade do transportador é iniludível, criando, entretanto, o direito de regres-so em favor do transportador sem culpa no desastre.’

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É esta, ademais, a lição dos doutrinadores.Sucede, porém que, na espécie em exame, de fortuito, não se

trata de que o fato não seja estranho à atividade da empresa que se dispõe a explorar o transporte de passageiros, na área já referida e, cujos riscos, contra ela mesma, em sua arrecadação, e notadamente na incolumidade de seus passageiros, eram previsíveis, e assim, quando não, de todo evitáveis, pelo menos reduzíveis ou atenuados.

Todavia, apesar de tudo, não comprovou, como lhe impendia, qualquer providência pertinente, que tenha tomado, seja para si mesma, diretamente, seja perante às autoridades policiais para as providências que lhe coubessem tomar.

E, tanto era de seu conhecimento o risco dos assaltos, de resto, de manifesta notoriedade, que atribuiu a guardas seus a segurança de seus escritórios e locais de arrecadação da “féria”, como escla-receu a prova.

As medidas de segurança são, de resto, quase que habituais, como ocorre com os veículos que transportam valores, acompanha-dos de pessoal especializado e fortemente armado.

Nem se alegue que, com a concessão para exploração do transporte e pagamento dos tributos estaria isenta das medidas de segurança.

Não nas condições conhecidas e, apesar delas, expor-se aos azares em comentário.

Demais, a disciplina interna, conexa com a segurança e bem-estar dos passageiros, eram de sua integral responsabilidade, apenas sujeita à limitada fiscalização do Poder Público. A presença de guardas seus pelo menos à noite era providência que se impunha, ao menos para prevenir ou reduzir os riscos. Ainda aqui, omitiu-se.

Evidencia-se, assim, a ausência absoluta de quaisquer das causas elisivas da responsabilidade, força maior ou fortuito, no último se inserindo, como acontece, na legislação de outros países, o ato de terceiro.

Pouco importa que seja ele até criminoso, como reconheceu a E. Primeira Turma ao julgar o RE 80.416, em 04.10.77 (RTJ 86/837), quando a passageira vitimada, foi passível da ação de terceiro, um ladrão, ao arrebatar-lhe uma corrente de valor.

De outra parte, bem analisou a sentença a conduta da vítima, a qual posto que, também culposa, o que se admite, apenas, para argu-

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mentar, sem consentir, não seria exclusiva como o requer o inciso 2º do citado art. 17, sem o alcance pois, para elidir a responsabilidade por sua morte, segundo orientação desta Corte.

Por fim, quero referir-me à Jurisprudência dos Tribunais es-trangeiros. Da busca procedida, pouco se obteve.

René Rodière, professor de Direito de Transportes da Facul-dade de Direito de Paris, em seu Droit des transportes terrestres et aériens 1973, 9. 358/9, indica julgados alusivos a transporte coletivo nos quais seus passageiros teriam sofrido danos por atos de sabotagem.

Das decisões tomadas, extraiu ele, entre outras, estas afirmações:‘... èlle (SNCF) est responsable d’un attentat commis sans

qu’elle ait pu prouver que ses agentes n’y ont pas participé.”

Por último, cabe considerar a indenização pelo dano moral. Deu-a a sentença sem maior fundamentação. Todavia, a Juris-

prudência do S.T.F, em caso como o dos autos, não o tem consagrado (ERE 53:404, Relator Min. Adalício Nogueira, in RTJ 42/378, RE 71.465, Rel. Min. Eloy da Rocha, in RTJ 65/400; RE 59.358, Rel. Min. Victor Nunes, in RTJ 47/276 e RE 84.718, do qual fui relator, in RTJ 86/560).

E, quanto aos honorários, porque goza o autor do benefício da assistência judiciária, fixei-os de acordo com a respectiva lei especial.

No mais, reporto-me aos fundamentos do parecer da douta Procuradoria-Geral da República, e da sentença restabelecida.

É como voto.” 4

Da mesma forma, questão singular foi enfrentada pelo Presidente Thompson Flores ao deferir medida cautelar no Pedido de Avocação nº 1/SC, julgado pelo Plenário, em 14 de dezembro de 1978.

O seu voto é do seguinte teor, verbis: “Em 11 do próximo passado, quando o Tribunal se encon-

trava em férias, requereu o Dr. Procurador-Geral da República a concessão de medida cautelar em pedido de avocação, fundada no art. 119, I, letras o, e p, da Constituição, na redação que lhes atribuiu a Emenda nº 7/77.

4 In RTJ, v. 96/1205-9.

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Fê-lo através do petitório de fls. 2/12, cuja leitura sou levado a fazer para integral compreensão da controvérsia (ler).

Veio ela instruída com farta documentação, constante de manifestação dos Srs. Ministros dos Transportes e das Rela-ções Exteriores, fls. 13/14 e 172, acompanhada aquela de vasta correspondência recebida da SUNAMAN e da SYNDARMA, além de recortes de vários periódicos nacionais e um do exterior, alusivos ao assunto.

Outrossim, vieram com a pretensão documentos extraídos dos autos da ação, especialmente na fase de cognição, sentença, acórdãos do Tribunal Federal de Recursos e do Supremo Tribu-nal Federal; e na de execução, o laudo pericial, a sentença de liquidação, a apelação interposta e autos de penhora de dinheiro (depósitos) e de imóveis, na cidade do Rio de Janeiro.

Os efeitos da execução provisória, face à apelação inter-posta, sem exigência de caução, ficaram assim resumidos pela SUNAMAN e endossados pelo Senhor Ministro dos Transportes, ao consignar, verbis, fls. 15/7:

“Tal procedimento, a nosso ver, caso não venha a ser sustado de imediato, terá efeitos desastrosos para a política econômica do Governo e especialmente para a de marinha mercante, afetando a vários setores da atividade pelos motivos que seguem:

1) o nosso intercâmbio comercial com o exterior será fatal-mente afetado, uma vez que empresas de navegação nacionais e estrangeiras cancelarão suas escalas nos portos envolvidos;

2) haverá redução da receita dos portos nos quais esses empresas deixarem de frequentar;

3) acarretará falta de cumprimento, pela bandeira brasileira, de seus compromissos internacionais de transportes decorrentes de acordos bilaterais e, também, nos acordos de rateio de fretes, no caso de diminuírem a sua participação no transporte marítimo, o que, certamente, acontecerá;

4) os programas de exportação do Governo serão seriamente prejudicados, principalmente o daquelas mercadorias para as quais já tenham sido equacionados seus programas de transporte marítimo;

5) as importações de materiais e equipamentos indispen-sáveis ao desenvolvimento do País também serão prejudicadas;

6) com o enfraquecimento da política de marinha mercante teremos reduzida a receita de divisas produzida pelos fretes por ela gerados;

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Por outro lado, já temos notícia de que grande número de embarcações do Norte da Europa já manifestaram sua intenção de não embarcarem suas cargas nos navios da Empresa de Navegação Aliança S/A, receiosos de que os navios da mesma venham a ser objeto de arresto, ficando paralisados nos portos e causando-lhes vultosos prejuízos.

Assim, estando a este Órgão afeta a execução da política da marinha mercante, vimos além de encaminhar a exposição e os documentos anexos, oriundos do SYNDARMA, manifestar a nossa preocupação pela gravidade da situação criada, que poderá estender-se a todos os portos do País, e cujas consequências são imprevisíveis, principalmente, para o Setor de transporte marítimo”

Do mediato exame da documentação convenci-me da ocorrên-cia, em princípio, dos pressupostos que justificam a avocatória, e, ainda, que, para sua real eficácia, impedia a concessão da medida cautelar, visando sustar, de pronto, os efeitos produzidos pela sen-tença em fase concreta de execução.

Quanto ao procedimento, coincide ele com a conceituação que lhe atribuiu esta Corte no Diagnóstico da Reforma do Poder Judici-ário (Reforma do Poder Judiciário, Diagnóstico, os. 37/8, ns 41/2).

Seus pressupostos foram transplantados para a Constituição, através da Emenda nº 7/77, na redação do art. 119, I, o.

É certo que o Supremo Tribunal Federal ainda não disciplinou seu processamento.

O projeto da respectiva Emenda Regimental, elaborado pela Comissão, está em fase de estudo perante o Plenário.

A meu ver, tal omissão não obsta a aplicação imediata da norma constitucional vigente, adotado o processo similar da Representação, ao qual se referem os arts. 174 e seguintes do Regimento Interno, no que couber. Permito-me aqui pequena digressão.

Ao advir a primeira lei que disciplinou o processo de declara-ção de inconstitucionalidade em tese, prevista pela Constituição de 1946, e que ao que me parece, 2.175, expedida ao tempo do governo Café Filho, adotou em seu procedimento as normas que regulavam o mandado de segurança.

E por duas vezes pelo menos esta Corte concedeu em tais fei-tos medidas cautelares, invocando para fazê-lo as disposições da citada lei nº 1.533/51. Refiro-me às Representações ns. 466 e 467, das quais foram respectivamente Relatores os eminentes Ministros

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Ari Franco e Victor Nunes (DJ de 16.11.61, Ap. 209, pág. 621 e seguinte; e RTJ 23, pág 1 e seguintes). Para o caso, a questão se faz mais singela, pois o art. 175 do Regimento Interno alude à medida reportando se ao art. 22, IV.

E assim decidiu este Plenário ao apreciar a Representação nº 933 da qual fui Relator (RTJ 76/342).

As dúvidas então suscitadas desapareceram ante a Emenda Constitucional nº 7/77, como passou a dispor o art. 119, I, letras o e p.

Certo a decisão caberia ao Plenário. Estando, porém, em férias a Corte, dita atribuição ficou a cargo

do Presidente, como dispõe o art. 14, VIII, do citado Regimento, sujeitando sua decisão ao referendum do Plenário. E isto porque a medida, caso não estivesse em férias o Plenário, caberia ao Relator, face à urgência, mas ad referendum do Órgão.

No que pertine ao merecimento, a documentação convence seja justificando a avocação, seja a medida cautelar, demonstrando decorrer do decisório impugnado, já em fase de concreta execução, imediato perigo de grave lesão à segurança, e, especialmente, das finanças públicas.

Ademais, complexa execução processa-se por simples, arbi-tramento, cujo laudo severamente atacado pelas partes, estima os prejuízos na elevada cifra de Cr$ 59.919.150,05.

E, posto provisória a execução, face a apelação interposta, teve ela curso, sem qualquer caução, contrariando o disposto no art. 585, I, do Código de Processo Civil.

Por último, é de anotar-se que já se encontra em tramitação perante esta Corte, ação visando rescindir o acórdão proferido na fase final de cognição da causa. Refiro-me à A. R. nº 1.040, a qual tem como Relator o eminente Ministro Soarez Muñoz.

Por fim, a concessão de liminar, cingiu-se a sustar o prosse-guimento da execução.

E o despacho por mim prolatado é o seguinte, fls. 216 (verso): “A. Conheço do pedido, como incidente do procedimento a

que se refere o art. 119, I, o, da Constituição, na redação da Emenda nº 7/77. E o defiro, ad referendum do Plenário, a medida cautelar postulada pelo Dr. Procurador-Geral da República, suspendendo os efeitos da sentença de liquidação, proferida nos autos da Ação de Indenização a que se refere a presente petição a fl. 11.

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E assim o faço, nos termos do Regimento Interno, reco-nhecendo decorrer do decisório impugnado imediato perigo de grave lesão à segurança e, especialmente, das finanças públicas.

E assim o concluo do exame dos documentos que instruem o pedido, notadamente da judiciosa fundamentação aduzida pela “SYNDARMA” ao Ministro dos Transportes e por ele acolhida; e, bem assim, das considerações aduzidas pelo Ministro das Relações Exteriores, ao considerar, como aquele, o elenco de consequências emergentes do veredicto impugnado, em face de sua ruinosa execução, afetando as próprias relações internacio-nais do Brasil e o seu comércio marítimo com Nações irmãs.

A tudo se ajuntem os comentários desfavoráveis de vários periódicos nacionais, e ainda, do Lloyd’s List, de Londres, edição de 29.12.77, como se verifica da documentação anexa.

Expeça-se, imediatamente, via “telex”, nos termos da minuta anexa, devidamente por mim autenticada, comunicação ao Dr. Juiz Federal, Secção Judiciária do Estado de Santa Catarina, com jurisdição no feito originário, para que faça cumprir esta determinação, acusando o recebimento da comunicação e dando pronta ciência das providências tomadas. Outrossim, expeça-se ao Magistrado ofício, acompanhado da cópia desta e respectivo despacho para que, em quinze dias, preste as informações que entender de direito”.

Esclareço que sua determinação foi cumprida, segundo comu-nicação de fls, e que a esta altura as informações solicitadas já se encontram nos autos. Trago agora, na forma regimental, art. 14, VIII, ao referendum do Egrégio Tribunal, o despacho em questão, antes de fazer sua distribuição.

Pareceu-me que esta seria a ordem lógica, pois, responsável pela decisão, poderia, creio, proporcionar melhores esclarecimentos de meu livre convencimento ao prolatá-la.

Acentuo, por último, que no processamento procurei orientar-me pelo Projeto da Emenda Regimental referente ao pedido de avocação, na parte já aprovada.

É o relatório, o qual se tornou um tanto extenso pela originali-dade do tema” (fls. 564 a 570, 2º volume).” 5

De outra feita, o Recurso Extraordinário Eleitoral nº 90.332-SP, julgado pelo plenário, em que figurava como parte o então candidato

5 In RTJ, v. 92/12-4.

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ao Senado Fernando Henrique Cardoso, posteriormente Presidente da República, enfrentou relevantíssima questão constitucional e de direito eleitoral, na época, acerca do prazo da sanção prevista no Ato Institucional nº 5/68 e a sua respectiva projeção na inelegibilidade, interpretando o art. 154 da CF de 1967, na redação da EC nº 1/69.

O Ministro Thompson Flores, Presidente do Supremo Tribunal Fe-deral, profere voto – amostra de como julgava – nestes termos, verbis:

“O Sr. Ministro Thompson Flores: (Presidente) - A natureza do recurso leva-me a votar. É o que passo a fazer.

Adianto, desde já, que estou de pleno acordo com o eminente Relator.

Penso que S. Exa. examinou a controvérsia com precisão lógica e deu-lhe solução juridicamente fundada, em brilhante argumenta-ção, ornada, por vezes, com lances de elegância estilística.

Convinha mesmo apreciar as duas correntes que formaram a maioria do T.S.E., originando o decisório.

Aquela que o situou nas lindes da L.C. nº 5/70, cuja interpreta-ção bastou para dirimir ali o litígio, por certo, tornou quase inviável o recurso extraordinário, circunscrito, quando se trata de julgado daquela Corte Eleitoral, em contrariedade à Constituição.

E, a toda evidência, sua afronta em si, não importa na prática de igual pecado contra a Carta Maior, a menos que, no particular, seja ela um decalque desta. O desrespeito, pois, não seria em tal hipótese, à Lei Complementar, mas à própria Constituição.

Mas isto não ocorreu, como bem demonstraram o despacho presidencial e o eminente Relator.

Procura o douto recorrente invocar em seu prol precedente em Representação de Goiás, quando se teria enfocado a L.C. nº 10/74.

O símile não oferece, data venia, o devido préstimo, dado que, face a seus termos, o que o Tribunal reconheceu, então, é que a pró-pria criação do município goiano afrontava o art. 14 da Constituição.

A relevância da questão, porém, se apresentou no pertinente a outra corrente que se formou na Corte Eleitoral e que somou a maioria, calcada nos votos dos eminentes Ministros Leitão de Abreu e, especialmente, seu Presidente, o já saudoso Rodrigues Alckmin.

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Considerou ela, diversamente da outra, o prazo de inelegibi-lidade, estimando-o em dois anos, fundada no art. 154 da própria Constituição, e por isso já então decorrido.

Penso que, assim procedendo, de forma alguma, afrontou o decisório os arts. 6º e 151, ambos da Carta Maior, como se sustenta.

Realmente. O que fez a maioria vencedora ao estimar o prazo? Penso que supriu exigência da lei, buscando, em fonte própria, sua inspiração, o art. 154 do Estatuto Máximo.

Aplicou, como lembraram o Ministro Cunha Peixoto, o art. 4º, da L.I.C.C., e o Ministro Xavier de Albuquerque, o art. 126 do C.P.C.

E assim o faz o julgador vezes muitas, realizando um dos mais nobres e importantes de seus deveres suprir as lacunas da lei, revelando-a, dando-lhe o seu legítimo sentido e real alcance.

Faz instantes, em sua sustentação oral, invocava da tribuna o advogado do recorrido o R.E. nº 71.293, qual foi relator o eminente Ministro Amaral Santos.

Ali, como aqui, discutia-se matéria de inelegibilidade. Fora eu o relator do acórdão, proferido pelo Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, chamado a substituir o eminente e saudoso Ministro Barros Monteiro, impedido.

O T.R.E. de São Paulo admitira que o prazo máximo da sus-pensão dos direitos políticos admitido nos Atos Institucionais era 10 anos.

A lei não o dissera, mas o Tribunal local revelando-a, reconheceu. O T.S.E. não conheceu do recurso, como que endossando a tese. Na discussão nesta Corte, que não se estatuíra inelegibilidade

perpétua, como admitiam que o aresto o fizesse, os eminentes Mi-nistros Bilac Pinto e Adauto Cardoso.

O que admitiu o S.T.F., então, é que ela findaria aos 10 anos. Vê-se assim que ali se fixou um limite máximo. Aqui o T.S.E. admitiu o mínimo para o caso. E friso, para o

caso, porque não proferiu ele decisão normativa, o que estaria ao seu alcance, porque, para que ocorresse a normatividade, outros pressupostos se fariam mister, como é elementar.

Antes, limitou-se a apreciar a relação discutida. Ateve-se a ela. E como reconheceu omissa a lei, aplicou norma legal para supri-la.

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Mais, inspirou-se, para solver a controvérsia, de norma política do próprio Estatuto Político, a Constituição, no seu art. 154, o qual, a par do prazo máximo, 10 anos, fixou também o mínimo, 2.

E, sem ares de arbítrio, mas em cotejo com a hipótese que julgava, ateve-se ao prazo ínfimo.

Legislou a respeito, afetando o princípio insculpido no art. 6º ou naquele previsto no art. 151, ambos, da citada Carta, como sustenta o recorrente?

Seguramente, respondo pela negativa. Ao contrário, operou laboriosa construção jurídica, suprindo,

com material próprio, omissão legislativa para bem e politicamente solver controvérsia desse gênero.

Manifesto é que não poderia a irresignação contra tal procedi-mento merecer do S. T.F. sua acolhida, máxime ante o disposto no art. 139 da Constituição.

A regra que nele se contém é a irrecorribilidade das decisões do T.S.E. A exceção está nas duas ressalvas que introduz: H.C. denegado e decisão que contrarie a própria Constituição. Há ligeira similitude entre o citado art. 139 e o art. 143, posto que, a meu ver, aquele seja mais restrito, mais preciso e incisivo.

Tudo está a mostrar que somente quando o acórdão do T.S.E. contrarie a Constituição cabe o extraordinário, afora as hipóteses dos Habeas Corpus denegados.

E não seria possível admitir que inocorresse na grave falta o decisório impugnado que antes de contrariá-la, relevou-a, buscou, em seus próprios princípios, meios para suprir lacuna de norma política.

Mantendo, exerce o S.T.F seu alto papel político, interpretando a Constituição.

Em conclusão, com a vênia do voto do eminente Ministro Cordeiro Guerra, não conheço, também, do recurso.

É o meu voto.” 6

Longo seria, nesse momento, arrolar e comentar os votos e inter-venções mais importantes proferidos pelo Ministro Thompson Flores, reveladores de sua vivência, cultura e prudência, marcas registradas de um grande juiz.

6 In RTJ, v. 91/338-340.

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Já foi dito, e não constitui originalidade, que a jurisprudência não é mais do que a luta do bom senso contra a cegueira dos princípios absolutos.

Os exageros são perniciosos.O bom magistrado não se define em fórmula matemática, razão pela

qual o ato de julgar constitui acima de tudo uma arte.Nesse sentido, a velha mas sempre nova lição do Juiz Ransson, verbis:

“Si la connaissance du droit est une science, il est permis d’affirmer sans présomption que la manière de l’appliquer constitue veritablement un art.” 7

Cabe ao juiz ir dizendo, em face dos fluxos e refluxos da vida em sociedade, onde acabam os direitos e começam os abusos, até que ponto o expandir-se de cada atividade não se converte em obstáculo ao con-ceito das demais atividades, assinalando as dissonâncias e os exageros, corrigindo, notificando, cumprindo e fazendo cumprir a Constituição e as leis do país.

Em meio século de judicatura, não houve campo da Ciência Jurídica, seja no Direito Público, seja no Direito Privado, que não a perlustrasse o Ministro Thompson Flores, com o devotamento, a competência e a proficiência que todos lhe reconhecem, fruto direto de sua reconhecida arte de julgar.

Por outro lado, convencido do papel saliente que representa nos meios de expressão do pensamento o emprego conveniente dos vocábulos, os seus pronunciamentos e votos primavam pela excelência da redação.

Seguia, no ponto, o conselho de Cícero, “utimur verbis ... iis quae propria sunt” 8 e “non erit utendum verbis iis quibus iam consuetudo nostra non utitur” 9 e, ainda, “moneo ut caveatis, ne exilis, ne inculta sit vestra oratio, ne vulgaris, ne obsoleta” 10.

7 In Ransson, G. Essai sur L’Art de Juger, 2ª edição, A. Pedone Éditeur, Paris, 1912, p. 21.8 Cf. De. orat., III, 150: “usamos palavras que são próprias”.9 Cf. De. orat., III, 25: “não devemos usar palavras que nosso costume não mais admite”.10 Cf. De. orat., III, 10, 39: “aconselho-vos a tomar cuidado afim de que vossa oração não seja nem pobre, nem inculta, nem vulgar, nem obsoleta”.

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Favorecia-o o conhecimento de línguas, inclusive o latim, que lhe permitia o acesso direto à literatura especializada dos países mais adian-tados, ensejando-lhe ao longo de sua vida a formação de uma qualificada e respeitável biblioteca.

Nesse ponto, importa referir a lição do notável Juiz Learned Hand quando enfatiza a necessidade da maior ilustração por parte do magis-trado, notadamente quando julga questões constitucionais.

São suas palavras, verbis:

“I venture to believe that it is as important to a judge called upon to pass on a question of constitutional law, to have at least a bowing acquaintance with Acton and Maitland, with Thucydides, Gibbon and Carlyle, with Homer, Dante, Shakespeare and Milton, with Machiavelli, Montaigne and Rabelais, with Plato, Bacon, Hume and Kant, as with the books which have been specifically written on the subject. For in such matters everything turns upon the spirit in which he approaches the questions before him.

The words he must construe are empty vessels into which he can pour nearly anything he will. Men do not gather figs of thistles, nor supply institutions from judges whose outlook is limited by parish or class. They must be aware that there are before them more than verbal problems; more than final solutions cast in generalizations of universal applicability. They must be aware of the changing social tensions in every society which make it an organism; which demand new schemata of adaptation; which will disrupt it, if rigidly confined.” 11

Os que conheceram e tiveram o privilégio de conviver com Carlos Thompson Flores são uníssonos sobre as virtudes e qualidades de sua personalidade, o seu cavalheirismo, a cortesia no trato com os colegas e as pessoas de modo geral.

Dele, traçou retrato fiel o saudoso Ministro Adalício Nogueira, em suas conhecidas memórias, verbis:

“Thompson Flores é uma perfeita vocação de magistrado. Tal-vez que lha houvesse transmitido o seu avô paterno e homônimo,

11 in The Spirit of Liberty – Papers and Addresses of Learned Hand, Collected by Irving Dilliard, 3ª edição, Alfred A. Knopf, New York, 1974, p. 81.

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Desembargador Carlos Thompson Flores. Esse pendor irresistível, ele o tem patenteado no decurso da sua longa e profícua carreira. O escrúpulo extremo com que ele costuma resguardar a sua vida profissional coloca-o acima de quaisquer suspeitas, que lhe possam desfigurar a atitudes.

Na pequenez do seu físico pulsa a vibração de uma inteligência vivaz e reside a amplitude de uma cultura esmerada. Debalde a modéstia que o envolve busca velar essas riquezas do seu espírito, porque estas, através da simplicidade dos seus hábitos, transparecem aos olhos de todos.

Participando no Supremo Tribunal da 2ª Turma, a que eu em determinado período presidi, foi-me dado ouvir os pronunciamentos que ele emitia, cinzelados em forma translúcida e moldados na mais escorreita doutrina jurídica. A par disso, a atividade febril com que ele se vinculava a um labor incansável possibilitava-lhe estar sempre em dia com o serviço forense.

No convívio com os colegas, ele sempre lhes dispensou um tratamento cortez e delicado, jamais se lhe notando, em relação a eles, um simples gesto de antipatia ou desagrado, porque, em verdade, isso não condiria com a nobreza dos seus sentimentos.” 12

Nesse sentido, também, o Ministro Soares Muñoz quando, em nome da Corte, proferiu o discurso em homenagem ao Ministro Thompson Flores, por ocasião de sua aposentadoria, verbis:

“O Ministro Thompson Flores exerceu todos os cargos adminis-trativos que a alta magistratura do País pode proporcionar. Integrou as três comissões regimentais, foi Vice-Presidente e Presidente do Tribunal Superior Eleitoral e, por igual, Vice-Presidente e Presidente do Supremo Tribunal Federal. No desempenho dessas funções, que impõem deveres complexos e difíceis e as responsabilidades mais sérias e excelsas, sempre se houve com invulgar êxito. Recebeu todas as dignidades a que um magistrado pode aspirar e soube realçá-las, inclusive, com a sua dignidade pessoal e funcional. Tudo fez em prol do Poder Judiciário, para que fosse distribuída a melhor justiça, aquela que ele idealizava:

12 NOGUEIRA, Adalício C., in Caminhos de um Magistrado (Memórias), Livraria José Olympio Editora, Rio, 1978, p. 137.

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“Justiça que brote de Juízes independentes, sem falsos ou mal compreendidos exageros. Justiça austera, impoluta, incor-ruptível, como se faz mister o seja, e para cujos imperativos prosseguiremos indormidos e intransigentes. Justiça humana, como merece distribuída às criaturas, feita à imagem de Deus. Justiça que jamais se aparte dos fins sociais e das exigências do bem comum, sem cujo conteúdo não teria nenhum sentido. Justiça que se aproxime, sem excessos ou enganosas formas, do próprio Povo, para o qual é ditada e do qual deve estar sempre ao alcan-ce: simples, real, despida de tudo que a possa tornar dificultosa, a fim de que a compreenda melhor, sinta-a com mais fervor, e possa, assim, nela crer, para amá-la, prestigiá-la e defendê-la, se preciso for, convencido que ela é o seu baluarte democrático e a sua mais sólida garantia. E, sobretudo, Justiça pontual, como a queria Rui, porque tarda não mereceria o nobre título. E como dizia, reclamando, “Para que paire mais alto que a coroa dos reis e seja tão pura como a coroa dos santos”.

Só assim nos tornaremos dignos do respeito e da confiança da Nação, ao lado dos demais Poderes da República” .

Mas o alto conceito do Ministro Thompson Flores não deflui, unicamente, de sua capacidade de trabalho e do seu amor à justiça, dos seus dotes de inteligência e cultura, da seriedade, isenção e pontualidade com que exerceu a magistratura; outras virtudes e qualidades ornam-lhe também a personalidade, singularizando-o como ser humano admirável. Suas intervenções, no Plenário, na Turma ou em sessões de conselho, sempre se fizeram no momento adequado, com elegância de saber discutir, sem contundência, policiando-se para falar apenas o necessário. O cavalheirismo, a cortesia, a suavidade de maneiras, a modéstia cativante, a tolerância, a afabilidade tornaram-no alvo da amizade dos colegas, da estima dos advogados e do afeto filial dos funcionários da Casa.

Em pleno vigor físico e intelectual, com o serviço que lhe fora distribuído rigorosamente em dia, foi surpreendido pela idade-limite e em consequência aposentado compulsoriamente. Cumpriu-se, inexoravelmente, o preceito constitucional. O Supremo Tribunal Federal perdeu um grande Juiz. O Ministro Thompson Flores, no entanto, continuará presente nos fastos da Justiça Brasileira, não só como um grande Juiz, mas como um Juiz exemplar.” 13

13 In Diário da Justiça da União, edição de 27.03.1981, p. 2.531.

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Preocupado com o crescente peso das atividades do Supremo Tri-bunal Federal, o Ministro Thompson Flores elaborou várias propostas no sentido de evitar que o congestionamento dos trabalhos do Tribunal se tornasse invencível.

Foi de sua iniciativa a proposta que deu origem ao § 1º do art. 119 da Constituição Federal de 1967, na redação da Emenda nº 1/69, que atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para indicar, em seu regimento interno, as causas a que se refere o item III, alíneas “a” e “d”, do mencionado artigo.

Com fundamento nesse dispositivo da Constituição foi que o Supre-mo Tribunal Federal instituiu, em 1975, a relevância da questão federal como condição de admissibilidade do recurso extraordinário.

Nesse sentido, também, a seção concernente ao recurso extraordi-nário do CPC de 1973 partiu de proposta por ele elaborada.

Eleito pelo Supremo Tribunal Federal, presidiu a Comissão que elaborou o célebre Diagnóstico do Poder Judiciário, composto de 94 volumes anexos, tido até hoje como o estudo mais completo acerca dos males que afligem a Justiça Brasileira.

Esse trabalho notável, publicado na íntegra pela Revista Forense, v. 251, pp. 7 e seguintes, subsidiou o legislador constituinte quando da edição da Emenda Constitucional nº 7/77 que estabeleceu a Reforma do Judiciário.

Para o devido registro da história do Poder Judiciário, convém re-cordar a introdução desse importante documento, verbis:

“A honrosa visita de cortesia do Sr. Presidente da República ao Supremo Tribunal Federal, no dia 16 de abril de 1974, revestiu-se do caráter de profícuo encontro entre o Chefe do Poder Executivo e a mais alta hierarquia do Poder Judiciário, para declarações con-cordantes dos dois Poderes, da maior relevância para a justiça e, portanto, para a Nação. Afirmaram-se naquele diálogo: a necessidade e oportunidade de reforma do Poder Judiciário; a disposição de fazer o Governo do Presidente ERNESTO GEISEL o que puder para o aprimoramento dos serviços da justiça; a conveniência de prévia fixação, pelo próprio Poder Judiciário, do diagnóstico da justiça, me-diante o levantamento imediato dos dados e subsídios necessários.

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Em decorrência do interesse do Governo, na reforma, o senhor Ministro ARMANDO FALCÃO entrou em entendimento com o eminente Ministro ELOY DA ROCHA, presidente do Supremo Tribunal Federal. Ficou assentado, nessa ocasião, que, inicialmente, o Poder Judiciário procederia aos imprescindíveis estudos, em cada área de atividade jurisdicional, na medida em que aos Tribunais parecesse recomendável a ação reformadora.

2. Para desempenhar-se do encargo, foram solicitadas às justiças especiais e à justiça comum estatísticas, informações e sugestões, bem como a contribuição de universidades, de associações de classe, de magistrados, advogados e outros juristas.

Os dados e as opiniões obtidos constam de noventa e quatro volumes anexos. Foram apresentados relatórios parciais, relativos à Justiça Federal, à Justiça Militar, à justiça do Trabalho, à justiça Eleitoral, às Justiças dos Estados e à Justiça do Distrito Federal, nos quais se encontram, a par de algumas observações de ordem geral, problemas específicos das respectivas áreas de exercício jurisdicional.

Esses relatórios parciais se consideram, pois, incorporados ao presente, que constitui uma visão resumida dos problemas mais graves do Poder Judiciário.

A pesquisa feita indica, sem que se precise descer a pormenores, que a reforma da justiça, ampla e global, sem prejuízo do sistema peculiar à nossa formação histórica, compreenderá medidas sobre recrutamento de juízes a sua preparação profissional, a estrutura e a competência dos órgãos judiciários, o processo civil e penal (e suscitará, mesmo, modificação de regras de direito material), pro-blemas de administração, meios materiais e pessoais de execução dos serviços auxiliares e administrativos, com aproveitamento de recursos da tecnologia. Avultarão, na reforma, ainda, problemas pessoais dos juízes, seus direitos, garantias, vantagens, deveres e responsabilidades. E visará a assegurar o devido prestígio à institui-ção judiciária, que, no regime da Constituição, se reconhece como um dos três Poderes, independentes e harmônicos.

3. A extensão da pesquisa realizada corresponde à ideia de que a reforma do Poder Judiciário deve ser encarada em profundidade, sem se limitar a meros retoques de textos legais ou de estruturas. Quer-se que o Poder Judiciário se torne apto a acompanhar as exi-gências do desenvolvimento do país e que seja instrumento eficiente

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de garantia da ordem jurídica. Quer-se que se eliminem delongas no exercício da atividade judiciária. Quer-se que as decisões do Poder Judiciário encerrem critérios exatos de justiça. Quer-se que a atividade punitiva se exerça com observância das garantias da defesa, com o respeito à pessoa do acusado e com a aplicação de sanções adequadas. Quer-se que à independência dos magistrados corresponda o exato cumprimento dos deveres do cargo. Quer-se que os jurisdicionados encontrem, no Poder Judiciário, a segura è rápida proteção a restauração de seus direitos, seja qual for a pessoa ou autoridade que os ameace ou ofenda.

4. Reforma de tal amplitude não se fará sem grandes esforços. Há dificuldades técnicas a resolver. Serão necessários meios para corresponder a encargos financeiros indispensáveis. E há interesses que hão de ser contrariados ou desatendidos.

Impor-se-á alteração de textos constitucionais e legais e será mister disciplina. unitária de direitos e deveres de magistrados.

É certo que a reforma poderá implantar-se por partes. Mas deter-minadas medidas, que dizem com a essência dela, ou serão preferen-cialmente executadas, ou não haverá, na realidade, reforma eficaz.” 14

No dia 14 de fevereiro de 1977, o Ministro Carlos Thompson Flo-res tomou posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal para o biênio 1977/1979.

Em seu discurso assumiu o compromisso de dedicar-se integralmente em prol do Poder Judiciário, visando ao seu aperfeiçoamento, para que fosse distribuída a melhor Justiça, aquela que ele tanto idealizava, verbis:

“Grave, penoso, por vezes antipático, a cada passo incompre-endido, exigindo sempre equilíbrio e coragem, a missão do juiz, inobstante, impende ser cumprida para que a lei, como expressão do Direito, tenha execução, e a Justiça jamais falte entre nós.

Justiça que brote de juízes independentes, sem falsos ou mal compreendidos exageros, como sempre o foram os juízes do Rio Grande, reconhecidos urbe et orbe, sem cujo atributo nem é possível conceber o exercício funcional como ele se impõe.

14 In Reforma do Poder Judiciário - Diagnóstico, Supremo Tribunal Federal, 1975, pp. 11/5.

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Justiça austera, impoluta, incorruptível, como se faz mister o seja e para cujos imperativos prosseguiremos indórmitos e intransi-gentes.

Justiça humana como merece distribuída às criaturas feitas à imagem de Deus.

Justiça que jamais se aparte dos fins sociais e das exigências do bem comum, sem cuja presença nem seria compreendida.

Justiça que se aproxime, sem excessos ou enganosas fórmulas, do próprio povo para a qual é ditada e do qual deve estar sempre ao alcance; simples, real, despida de tudo que a possa tornar dificultosa, a fim de que a compreenda melhor, sinta-a com fervor, e possa, as-sim, nela crer para amá-la, prestigiá-la, e defendê-la se preciso for, convencido que ela é seu baluarte democrático e a sua mais sólida garantia.

Justiça da qual se não permita desconfiar um só segundo, porque como assinalava Balzac: “Desconfiar da Magistratura é um começo de dissolução social”.

E sobretudo Justiça pontual, como a queria Rui, porque tarda não mereceria o nobre título. E como dizia, reclamando: “Para que paire mais alto que a coroa dos reis e seja tão pura como a coroa dos santos”.

Só assim nos tornaremos dignos do respeito e da confiança da Nação, ao lado dos demais Poderes da República.” 15

Ajusta-se com propriedade ao seu pensamento aquela passagem de Michel Debré, Ministro da Justiça do Presidente De Gaulle, a respeito da sua preocupação com o aperfeiçoamento e modernização do Judiciário:

“Je suis de ces républicains qui rêvent d’une justice habile et prompte, sévère et humaine, condamnant ceux qui méritent de l’être, protégeant l’innocence, statuant avec équité en tous domaines. Il me paraît que la valeur de la justice et le respect dont ses décisions sont entourées attestent du degré de civilisation qu’un peuple a atteint.” 16

15 In Revista Forense, v. 257, pp. 424-5.16 In Debré, Michel. Trois Républiques pour une France: Mémoires, Albin Michel, 1988, t. II, p. 333.

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A sua presidência foi marcada de realizações.No plano administrativo, foram tomadas as seguintes medidas:

promoveu-se ampla reforma da Secretaria da Corte, medida há muito reclamada pelos advogados; a publicação interna, para uso exclusivo dos Ministros e assessores, do boletim do Supremo Tribunal Federal, desti-nado ao acompanhamento das decisões do Plenário e das Turmas logo após proferidas, experiência instituída pelo Ministro Carlos Thompson Flores quando presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; o retorno do Plenário ao edifício-sede após a conclusão das obras na gestão do Ministro Djaci Falcão; a inauguração, em dezembro de 1977, da Ga-leria dos retratos dos Presidentes da Corte, desde a instalação em 1829; a instalação do Museu do Supremo Tribunal Federal, abarcando peças e documentos históricos vinculados à Corte, inclusive com a remoção do mobiliário da antiga sala de sessões do Supremo Tribunal Federal no Rio de Janeiro, que foi trazido para Brasília, completamente restaurado e instalado no edifício-sede; a transferência da biblioteca para o 3º andar do edifício-sede; a classificação e catalogação do acervo, bem como a sua ampliação mediante a aquisição de novas obras; a atualização da Revista Trimestral de Jurisprudência, inclusive com a publicação de acórdãos da década de 1950 e início dos anos seguintes; início da construção do bloco de apartamentos destinado exclusivamente à residência dos Ministros do Supremo Tribunal Federal; criação do serviço de auditoria da Corte com a aprovação da Lei nº 6.474/77; foram acelerados os entendimentos com o Poder Executivo para a obtenção de área contígua ao Tribunal destinada à construção do Anexo II; a regulamentação das normas do cerimonial das sessões solenes do Tribunal, através da Portaria nº 148/78; a celebração de convênio com o Senado, possibilitando acesso aos bancos de dados já existentes e visando à inclusão da jurisprudência da Corte no PRODASEN, constituindo-se no embrião da informatização dos serviços do Tribunal.

Dentro da filosofia de incentivo aos funcionários situados em faixa salarial mais reduzida, adotaram-se as seguintes providências, verbis:

a) “ajuda-alimentação”, constante no pagamento de 80% do valor da refeição, fornecida por restaurante existente nas dependências do Supremo Tribunal Federal;

b) construção e instalação do gabinete odontológico;

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c) implantação do transporte para funcionários residentes nas cidades-satélites;

d) contratação dos serviços de um médico ginecologista para aten-dimentos das servidoras;

e) assinatura de convênio com a Central de Medicamentos para fornecimento gratuito de remédios.

No plano institucional, dois eventos se projetaram na Presidência Thompson Flores: a implantação da reforma do judiciário, por meio da Emenda Constitucional nº 7/77, que acrescentou novas e importantes atribuições para o Supremo Tribunal Federal, destacando-se o Conselho Nacional da Magistratura; e a comemoração dos 150 anos do Supremo Tribunal Federal, com ampla divulgação por todo o país da efeméride.

A propósito, impõe-se destacar a introdução feita pelo Presidente Thompson Flores na obra “O Legislativo e a Organização do Supremo Tribunal no Brasil”, editada pela Câmara dos Deputados, onde são as-sinalados aspectos marcantes da história do Supremo Tribunal Federal.

Disse o Ministro Thompson Flores, verbis:

“O movimento libertador que culminou, em 1822, com a Independência, tornou imperiosa a necessidade de criar e pôr em funcionamento os órgãos que iriam compor a estrutura do novo Estado, jovem Nação, liberta da subordinação à Metrópole.

Por esse motivo a década transformou-se em palco de eventos de grande significação, consubstanciadores das providências adotadas para consolidar a nova situação do País.

As ideias constitucionalistas e liberais que agitavam as Cortes europeias e, em particular, a de Portugal, exerceram profunda influência sobre o processo de constitucionalização do Brasil que, segundo registram os historiadores, ter-se-ia desenvolvido simul-taneamente com o desejo de promover a libertação completa e definitiva da terra brasileira.

Fruto desse processo é o documento constitucional do Império, outorgado a 25 de março de 1824, que acolheu em seu bojo, dentre outros, o princípio preconizado por LOCKE e desenvolvido por MONTESQUIEU, da repartição dos poderes do Estado, à tradi-cional divisão tripartite sobrepôs, contudo, o elemento de controle e equilíbrio a ser representado pelo Poder Moderador, exercido

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pessoalmente pelo Imperador, visando preservar, inegavelmente, a essência do autoritarismo monárquico.

Nesse contexto iniciou o Poder Legislativo suas atividades em 1826, através da Assembleia Geral, dividida em Câmara dos Deputados e Senado, este vitalício e aquela temporária, passando a elaborar as leis básicas a garantir a liberdade e soberania do País.

Atendendo aos reclamos da juventude brasileira, obrigada a buscar nos estabelecimentos de ensino europeus sua formação supe-rior, houve por bem o órgão legiferante, recém-instalado, criar “dois cursos de ciências jurídicas e sociais, um na cidade de São Paulo e outro na de Olinda”, por lei de 11 de agosto de 1827, introduzindo, entre nós, o estudo universitário.

No que concerne ao Poder Judiciário ou “Poder Judicial”, como foi então chamado e que era único para todo o Império, não havendo magistraturas provinciais, previa a nossa primeira Constituição, no art. 163, a criação de um órgão de cúpula, a denominar-se Supremo Tribunal de Justiça, com atribuições peculiares e distintas das que foram conferidas aos demais integrantes do organismo.

Assinale-se que, quando da transmigração da Família Real portuguesa para o Brasil, já havia o Príncipe Regente transforma-do a Relação do Rio de Janeiro em Casa da Suplicação do Brasil, “considerada como Superior Tribunal de Justiça, para se findarem ali todos os feitos em última instância, por maior que seja o seu valor, sem que das últimas sentenças proferidas em qualquer das Mesas da sobredita Casa se possa interpor outro recurso que não seja o das revistas”, mediante o Alvará de 10 de maio de 1808, à semelhança de órgão existente em Lisboa.

Essa Corte embora possa ser o precedente histórico do Supremo Tribunal de Justiça - Supremo Tribunal Federal com o advento da República - com ele não se confunde, em face, sobretudo, da nítida diferenciação que entre os dois produziu a libertação política do País e do surgimento, posterior, de uma legislação genuinamente brasileira, em substituição às Ordenações portuguesas, até então vigentes e aplicáveis aos brasileiros.

É de indagar-se, pois, quais teriam sido as causas que levaram o legislador constituinte do novo Estado a imaginar, no ápice do sistema judiciário, um tribunal ímpar, superposto aos demais com-ponentes do Poder e, ainda, distinto de seu predecessor.

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PIMENTA BUENO em seus comentários à Constituição do Império, abordou com maestria a questão, enfatizando duas ordens de fatores que teriam contribuído predominantemente.

A primeira, afirma o autor, relacionava-se à circunstância de que, esgotadas as duas instâncias ordinárias nas quais os fatos e o direito eram exaustivamente examinados, impunha-se a existência de um órgão maior, que viesse a apreciar a questão suscitada, já agora não mais apenas em razão dos direitos ou aspirações indivi-duais, mas “em relação ao interesse da ordem pública, do império da Lei, questão de alta importância, que cumpria resolver com inteiro acerto”.

Por outro lado, destacava, fazendo clara referência ao problema da diversidade jurisprudencial,

há uma multidão de tribunais, cada um dos quais tem sua inteligência e vontade distinta, e que ainda mesmo sem intenção de abuso, pode seguir doutrina diversa, tanto mais porque a aplicação das leis nem sempre se faz sem dúvida e dificulda-des, mesmo por causa da concisão de seus preceitos; e uma tal divergência romperia a unidade da lei, que deve ser igual e a mesma para todos.

Era essencial, portanto, criar uma entidade, uma instituição mista, de caráter político-judiciário que, não sendo uma terceira instância, viesse a cumprir o alto encargo de exercer uma

elevada vigilância, uma poderosa inspeção e autoridade, que defendesse a lei em tese, que fizesse respeitar o seu império, o seu preceito abstrato, indefinido, sem se envolver na questão privada, ou interesse das partes, embora pudesse aproveitar ou não a elas, por via de consequência.

Para cobrir todo esse amplo espectro de atribuições, inclina-ram-se os elaboradores da Carta Imperial pelo Supremo Tribunal de Justiça, corte específica, de composição que o próprio texto constitucional fixava com missão especial, “mais política do que judicial”, no dizer, ainda, de PIMENTA BUENO.

A previsão constitucional, por si só, não tinha o condão de dar existência real ao órgão. Coube à Assembleia Geral dar vida ao dis-posto no art. 163 do documento político do Império; por suas duas Casas tramitou o projeto apresentado por BERNARDO PEREIRA DE VASCONCELOS, na sessão da Câmara de 7 de agosto de 1826, transformado na Lei de 18 de setembro de 1828, que criou e declarou as atribuições do Supremo Tribunal de Justiça.

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Seus primeiros juízes, bem como seu Presidente, o Conselheiro JOSÉ ALBANO FRAGOSO, foram nomeados por ato do Impera-dor, de 19 de outubro de 1828, e decreto de 2 de janeiro de 1829 determinou que o Tribunal se instalasse a 9 daquele mesmo mês, dando início às atividades que tiveram curso, ininterruptamente, até a República.

A Carta Política de 1891 representou a síntese dos ideais republicano-democráticos que conseguiram romper, de forma de-finitiva, com a tradição monárquica, até então imperante no País.

Tratou a Constituição de nossa Corte Suprema no art. 56, dis-pondo sobre sua composição e forma de nomeação de seu membros; adotou, ainda, a denominação Supremo Tribunal Federal, mais consentânea com a forma federativa que o Brasil, então, elegera.

às antigas províncias, transformadas em Estados, concedeu-se autonomia legislativa; cada um deles passou a reger-se pela Consti-tuição e leis que adotasse, respeitados os princípios constitucionais da União (art. 63); estabeleceram-se as justiças estaduais, com competência submetida aos limites fixados nos arts. 61 e 62.

Inobstante tais inovações, as leis oriundas do Poder Legislativo federal deveriam ser observadas em todo o território nacional, fazen-do com que se ampliasse, não apenas em volume de serviço, como em importância, a alta missão já antes deferida ao Supremo Tribunal Federal, de manter a uniformidade na interpretação do Direito.

Novo e relevantíssimo encargo foi conferido ao Poder Judiciário da República e, em particular, ao órgão de cúpula do sistema como seu porta-voz derradeiro: o do controle da constitucionalidade de leis e atos do poder público, atribuído pela Carta Imperial ao Poder Legislativo (art. 15, IX, da Constituição de 1824).

Quanto a essa significativa modificação, assinalava JOÃO BARBALHO, em seus comentários à Constituição de 1891, que “nem fora necessário texto formal e explícito, atribuindo à magistra-tura o poder, ou antes o dever [...] de deixar de aplicar leis incons-titucionais”, eis que estariam ambos (“poder” e “dever”, implícitos na própria ação de julgar, na medida em que não poderiam ser exercidos com esquecimento ou preterição da Constituição, “fonte da autoridade judicial e lei suprema, não para os cidadãos somente, mas também para os próprios poderes públicos”.

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A Constituição de 16 de julho de 1934 modificou, no art. 73, a denominação do Tribunal para “Corte Suprema”, desejando em-prestar maior fidelidade ao modelo norte-americano que servira de inspiração ao constituinte de 1891. A alteração teve vida efêmera; pois, em 1937, a chamada Carta do Estado Novo preferiu utilizar, no art. 90, o antigo título “Supremo Tribunal Federal”, consagrado, definitivamente, nos documentos básicos que se seguiram.

PIMENTA BUENO, na obra antes referida ao finalizar as considerações desenvolvidas acerca do órgão previsto na Carta de 1824, afirmava profeticamente:

Tal é a natureza desta sublime instituição, ainda tão des-conhecida e tão pouco considerada em nosso jovem País; ela porém está plantada no terreno constitucional, e a Providência há-de fecundá-la; há-de ser entre nós o que é em outros Estados, aos quais tem prestado úteis e gloriosos serviços.

Se, à época, já causava espécie o desconhecimento que cercava a valiosa destinação e a incomparável significação da Corte, a situação não se modificou, substancialmente, ao longo desses 150 anos.

O fato não deve ser debitado, apenas, a um possível desinte-resse ou descaso dos juristas e historiadores pátrios, tendo como consequência a escassa literatura sobre o órgão máximo da Justiça brasileira; grande parcela cabe, também, à própria Corte, em razão das características que pautaram, sempre, a atividade de seus mi-nistros, avessos a qualquer tipo de publicidade.

Há que admitir a existência de preciosas lições, frutos da cultura e do trabalho laborioso de insignes juízes de nossa Corte maior, que jazem esquecidas em longínquas páginas de acórdãos, furtados ao conhecimento de advogados, estudantes e estudiosos do Direito por falta de uma divulgação ampla e adequada, com lamentável perda para a formação jurídica nacional.

Quanto aos bons augúrios formulados ao ensejo de sua criação, pode, hoje, o Supremo Tribunal Federal voltar-se para seu passado, para o século e meio que o separa de seu nascimento, com a cons-ciência tranquilizada não apenas pela sensação do dever cumprido; tem, antes, a certeza da missão diligenciada com profundo amor e dedicação à causa da Justiça, aos quais se aliaram, em todas as épocas, o brilho da inteligência e do saber jurídico daqueles que ocuparam postos em seu plenário.

Merece ser recordada a oração de RUI BARBOSA, proferida perante a Corte, em 23 de abril de 1892:

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Minha impressão, neste momento, é quase superior às mi-nhas forças, é a maior, com que jamais me aproximei da tribuna, a mais profunda com que a grandeza de um dever público já me penetrou a consciência, assustada da fraqueza do seu órgão. Comoções não têm faltado à minha carreira acidentada, nem mesmo as que se ligam ao risco das tempestades revolucioná-rias. Mas nunca o sentimento da minha insuficiência pessoal ante as responsabilidades de uma ocasião extraordinária, nunca o meu instinto da pátria, sob a apreensão das contingências do seu futuro, momentaneamente associado aqui às ansiedades de uma grande expectativa, me afogaram o espírito em impressões transbordantes, como as que enchem a atmosfera deste recinto, povoado de temores sagrados e esperanças sublimes.

Subjugado pela vocação desta causa incomparável, custa-me, entretanto, a dominar o respeito, quase supersticioso, com que me acerco deste Tribunal, o oráculo da nova Constituição, a encarnação viva das instituições federais. Sob a influência deste encontro, ante esta imagem do antigo areópago transfigurada pela distância dos tempos, consagrada pela América no Capitólio da sua democracia, ressurge-me, evocada pela imaginação, uma das maiores cenas da grande arte clássica, da idade misteriosa em que os imortais se misturavam com os homens. Atenas, a olímpica, desenhada em luz na obscuridade esquiliana, assentando, na rocha da colina de Arés, sobranceira ao horizonte helênico, para o regime da lei nova, que devia substituir a contínua alternativa das reações trágicas, o rito das deusas estéreis da vingança, pelo culto da justiça humanizada, essa magistratura da consciência pública, soberana mediadora entre as paixões, que destronizou as Eumênides atrozes.

O sopro, a que a República vos evocou, a fórmula da vossa missão, repercute a tradição grega, divinamente prolongada através da nossa experiência política: “Eu instituo esse Tribunal venerando, severo, incorruptível, guarda vigilante desta terra através do sono de todos, e o anuncio aos cidadãos, para que assim seja de hoje pelo futuro adiante.”

Contém o presente volume a tramitação completa, nas duas Casas que compunham a Assembleia Geral do Império do Brasil, do projeto que originou a Lei de 18 de setembro de 1828, que criou e declarou as atribuições do Supremo Tribunal de Justiça.

A Câmara dos Deputados, ao promover a publicação dos tra-balhos legislativos que resultaram na referida lei, presta à Corte a mais expressiva das homenagens, que sensibiliza tanto sua atual composição como, e principalmente, toda a cultura jurídica do País.

MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES(CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO)

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Deseja esta Presidência deixar consignados seus sinceros agra-decimentos pelo nobre gesto, que amplia e fortalece os tradicionais laços de harmonia e colaboração existentes entre os Poderes Legis-lativo e Judiciário, manifesta, outrossim, o seu reconhecimento pela deferência de seu nobre Presidente, Deputado MARCO MACIEL, pelo convite para fazer esta introdução.

Brasília, 18 de julho de 1978. Ministro CARLOS THOMPSON FLORES Presidente do Supremo Tribunal Federal” 17

Na sessão solene realizada em 18 de setembro de 1978, em come-moração do sesquicentenário do Supremo Tribunal Federal, compareceu o Presidente da República, acompanhado de todo o seu ministério, fato então inédito na história do Tribunal.

Nessa ocasião, em sessão solene por ele presidida, recebeu das mãos do Presidente da República, Ernesto Geisel, a mais alta condecoração da Nação, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito.

Na oportunidade, assim se manifestou o Presidente da República:

“Na oportunidade em que se comemoram 150 anos da existência do Supremo Tribunal Federal, o Conselho da Ordem Nacional do Mérito propôs conferir a V. Exa., e eu acedi, o grau de Grã-Cruz da referida Ordem.

Este ato é uma homenagem do Poder Executivo ao Poder Judi-ciário (...) Mas é, principalmente, o reconhecimento dos elevados méritos de V. Exa., Sr. Ministro-Presidente, do trabalho que tem desenvolvido, ao longo de sua vida, como cidadão e como magis-trado, em benefício da Nação brasileira.” 18

Ao concluir o relatório da sua Presidência, em verdadeira prestação de contas de sua administração, consignou, em palavras carregadas de emoção, verbis:

17 In O Legislativo e a Organização do Supremo Tribunal no Brasil, editado pelo Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, Brasília, 1978, pp. XIX-XXV.18 In Diário da Justiça da União, edição de 19.10.1978, p. 8.164.

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“Ao concluir este Relatório manifesto a convicção de que procurei corresponder, tanto quanto me foi possível e nos limites das minhas forças, ao mandato que os Senhores Ministros me con-fiaram. Após 45 anos de existência dedicada à magistratura, tenho a sensação do dever cumprido.

Para isto muito contribuíram, no último biênio, a colaboração e o empenho dos Senhores Ministros, propiciando os resultados atingidos, que exteriorizam a elevada carga de trabalho recebida pela Corte, sem solução de continuidade. Inobstante os esforços desenvolvidos, a massa de feitos que chega, anualmente, não se reduz. Confrontando os elementos concernentes aos anos de 1977 e 1978, verifica-se que ocorreu, no global, um acréscimo de 1.074 feitos, destacando-se as Arguições de Relevância, que ascenderam, de 1.172 a 1.719, com o aumento percentual de 46,67%.

De forma generalizada isto ocorre em relação a todos os Órgãos do Poder Judiciário, dos Juizados de 1ª. instância aos Tribunais Superiores, revelando os sacrifícios a que estão expostos os magis-trados, numa vida que exige vocação, desprendimento, renúncia e estudo permanente.

Esta realidade deve sensibilizar os demais Poderes da República, para que, através de modificações adequadas na legislação, possam criar condições hábeis para o pleno reconhecimento das nobres funções dos Juízes, para a ampliação dos quadros, com o correspondente apoio administrativo e, ainda, com a adequação das normas processuais, possibilitando a realização de uma Justiça mais rápida e eficaz.

Quando terminei o Relatório precedente, exteriorizei a espe-rança de que 1978 pudesse também ser assinalado pela aprovação da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que correspondesse aos anseios dos Juízes. Isto não se tornou possível, mas renovo a crença de que os membros do Poder Legislativo, onde se encontra atual-mente o projeto, imbuídos dos propósitos de bem servir ao Brasil, aprovarão, na próxima legislatura, um diploma que corporifique as expectativas da Justiça Nacional.

Outrossim, a não aprovação da citada lei obstou o prossegui-mento dos trabalhos da Comissão de Regimento, a qual considerou indispensável dita aprovação.

Havia a Secretaria apresentado, em junho último, alentado estudo sobre a reforma, nele incluindo as alterações que sobre ele incidiram a Emenda Constitucional nº 7, o vigente Código de Pro-cesso Civil e as novas Emendas Regimentais.

MINISTRO CARLOS THOMPSON FLORES(CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO)

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De outra parte, a revisão das Súmulas afeta à Comissão de Jurisprudência, à qual foram enviados os estudos procedidos pela Assessoria, não logrou findar seus trabalhos.

Confio que as relevantes tarefas, de tão significativo préstimo a todos que versam com a aplicação do direito, terão prosseguimento, embora reconheça que será mais um encargo a acrescer às já penosas atribuições dos Senhores Ministros.

Quero consignar que as comemorações dos 150 anos deste Tribunal, com a divulgação correspondente, tornaram-no menos desconhecido, possibilitando que milhões de brasileiros, alcançados pela imprensa escrita, falada e televisionada, tomassem ciência da efeméride. Que esta divulgação não represente apenas um episódio, tornando-se uma constante, é o meu desejo, para que esta Corte, a exemplo do que ocorre em outros países, possa ser respeitada, admira-da e amada, como o supremo baluarte dos direitos de cada cidadão. 19

Aos 26 de janeiro de 1981, no dia mesmo em que completava se-tenta anos, aposentou-se, após meio século dedicado exclusivamente à magistratura.

Na sessão plenária realizada a 11 de março de 1981, por motivo de sua aposentadoria, assinalou em seu discurso o Procurador-Geral da República, Dr. Firmino Ferreira Paz, verbis:

“Esta homenagem, que o Supremo Tribunal Federal ora presta Vossa Excelência, Senhor Ministro Carlos Thompson Flores, e a que se associa, por meu intermédio, cordialmente, o Ministério Público Federal, é o testemunho eloquente do grande apreço, da profunda admi-ração e do puro respeito, que todos votamos à notável personalidade de Vossa Excelência, ao juiz exemplar, jurista de escol, ao amigo afetuoso, ao patriota sem jaça, e ao brasileiro perante o qual, neste momento, se curva, reverencialmente agradecida, a mais alta expressão da Justiça brasileira, que é o Supremo Tribunal Federal.

Esta homenagem é, a todas as luzes, julgamento público e supremo daquele que, por quase meio século, dedicou todos os momentos de sua vida honrada à distribuição de Justiça a quantos lha pediam. Julgou. Agora, está sendo julgado e proclamado um dos mais eminentes, honrados e cultos juízes do Brasil.

19 In Relatório da Presidência Thompson Flores, Supremo Tribunal Federal, 1977, p. 26/7.

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Para que alguém, por tantos e tantos anos, sem o mínimo desvio de propósitos, ponha, a serviço de uma causa, força e dedicação cons-tantes, é preciso ideal e viver dele. E o mais nobre, mais sublime, o mais excelso, o mais divino, não há que o de ser justo. Desse ideal, senhores, viveu e vive o eminente Ministro Thompson Flores.

Julgar, servindo ao Poder Judiciário, é forma de realizar o Direi-to, prevenindo ou extinguindo conflitos sociais objeto de demandas forenses. É forma de promover a adaptação dos homens entre si, em convivência social.

Não fossem, entre os homens individualmente considerados, ou entre grupos sociais, os conflitos que a vida, em sociedade, provoca, e, mais do que isso, a prevenção ou a extinção desses conflitos, não havia, dentre os processos sociais de adaptação, o Direito.

Os conflitos humanos, sejam quais lhes forem os motivos de-terminantes, são factos. Uns são preveníveis; outros, extintíveis. A prevenção e a extinção, de sua vez, realizam-se em factos. Dessa sorte, facto previne ou extingue facto, é dizer, previne ou extingue conflito social. Opera-se, outrossim, em consequência, a adaptação social, fim último do Direito.

O que se sabe e aprende, todos os dias, nos Juízos ou Tribunais, é que a função judicial visa a realizar a prevenção ou a extinção dos conflitos entre os homens, para alcançar a adaptação social.

Assim, pois, em última análise, o acto judicial de julgar é, também, conceptualmente, Direito.

Dessas razões, sucintamente expostas, podemos dizer que o eminente Ministro Thompson Flores, por quase meio século, julgando, e o fazendo com sabedoria e prudência, fora, neste País, por todos os caminhos da judicatura, ascencionalmente, admirável e brilhante realizador do Direito no Brasil. Ninguém, nesse mister, o terá superado em dedicação, em amor às letras jurídicas, em senso de responsabilidade, em coragem e em grandeza de atitudes.

Neste Colendo Supremo Tribunal Federal, último estágio da judicatura exercida pelo nosso homenageado, figuram-lhe, nos anais, os votos brilhantes proferidos pelo eminente Ministro Carlos Thompson Flores, a quem, incontestavelmente, devem as letras jurídicas nacionais grande e brilhante contribuição.

Receba, Excelentíssimo Senhor Ministro Thompson Flores, por último, do Ministério Público Federal e de mim próprio, nossas home-

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nagens, em sinal de respeito profundo, sincera amizade e admiração incondicional, a par de nossos votos de muitas e muitas felicidades.” 20

Do primoroso discurso proferido pelo saudoso Ministro Soares Muñoz, que falou em nome do Tribunal, destaco a seguinte passagem, verbis:

“Mas o alto conceito do Ministro Thompson Flores não deflui, unicamente, de sua capacidade de trabalho e do seu amor à justiça, dos seus dotes de inteligência e cultura, da seriedade, isenção e pontualidade com que exerceu a magistratura; outras virtudes e qualidades ornam-lhe também a personalidade, singularizando-o como ser humano admirável. Suas intervenções, no Plenário, na Turma ou em sessões de conselho, sempre se fizeram no momento adequado, com elegância de saber discutir, sem contundência, policiando-se para falar apenas o necessário. O cavalheirismo, a cortesia, a suavidade de maneiras, a modéstia cativante, a tolerância, a afabilidade tornaram-no alvo da amizade dos colegas, da estima dos advogados e do afeto filial dos funcionários da Casa.

Em pleno vigor físico e intelectual, com o serviço que lhe fora distribuído rigorosamente em dia, foi surpreendido pela idade-limite e em consequência aposentado compulsoriamente. Cumpriu-se, inexoravelmente, o preceito constitucional. O Supremo Tribunal Federal perdeu um grande Juiz. O Ministro Thompson Flores, no entanto, continuará presente nos fastos da Justiça Brasileira, não só como um grande Juiz, mas como um Juiz exemplar.” 21

Significativa homenagem foi-lhe prestada pelo editorial do Jornal do Brasil, edição de 29.08.1981, ao enfatizar a necessidade da retomada do processo da reforma do Poder Judiciário, assinalando, verbis:

“Há indícios de que o Supremo Tribunal Federal deseja apro-veitar a oportunidade de se encontrar na Chefia do Gabinete Civil da Presidência da República seu ex-Presidente, para recolocar, agora em termos próprios e, com todas as probabilidades de se fazer ouvir com a atenção devida, a questão da reforma do Judiciário. O Ministro Xavier de Albuquerque chegou a fazer referência pública

20 In Diário da Justiça da União, edição de 27.03.1981, p. 2.531/2.21 In Diário da Justiça da União, edição de 27.03.1981, p. 2.531.

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e expressa à possibilidade de um novo trabalho nesse sentido, cuja realização, além de corresponder a necessidades concretas da so-ciedade brasileira, seria ou será um complemento indispensável ao projeto político do atual Governo.

É preciso voltar ao “diagnóstico”, que se acha impregnado daquele ideal de Justiça expresso por um dos mais puros juízes – Thompson Flores – em voto proferido no STF: “Justiça que se aproxime, sem excessos ou enganosas formas, do próprio povo, para o qual é ditada e do qual deve estar sempre ao alcance: simples, real, despida de tudo que a possa tornar dificultosa, a fim de que compreenda melhor, sinta-a com mais fervor e possa defendê-la, se preciso, convencido de que ela é o seu baluarte democrático; sua mais sólida garantia.”

A aposentadoria não pôs termo à sua atividade em prol do direito e da justiça.

De março de 1981 a novembro de 1992 produziu inúmeros pareceres, muitos deles publicados nas revistas especializadas. 22

22 Após a sua aposentadoria dedicou-se, como jurisconsulto, ao estudo do Direito, emitindo Pareceres em inúmeras questões forenses, sendo que vários desses trabalhos encontram-se publicados em repertórios jurídicos: “Eleição dos Membros da Mesa da Assembleia Legislativa – Interpretação do art. 31 da CF”, in Revista Forense 303/128; “Responsabilidade Civil Contratual”, in Revista de Direito Civil, nº 42/147; “ICM e Compra com Cartão de Crédito”, in Revista de Direito Tributário, nº 34/86; “Desapro-priação – Empresa de Ônibus”, in Revista de Direito Público, nº 95/42; “Imunidade Tributária das Listas Telefônicas”, in “O Estado de São Paulo”, Edição de 01/11/87, p. 38; “Ação Popular – Pressupostos Processuais”, in Revista de Processo, nº 61/218; “Montepio da Família Militar - Relação Jurídica entre a Entidade e seus Sócios - Pensões por eles instituídas - Alterações de seu Valor – Validade”, in Revista Forense, v. 351/311-320; “Desapropriação - Homologação de Transação - Efeitos Processuais”, in Revista de Direito Processual Civil, nº 14, pp. 839/846; “Doação Inoficiosa - Art. 1.176 do CC - Querela Inofficiosae Donationis – Requisitos”, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19/299-306; “Concurso – Classificação – Direito Adquirido”, in Revista de Direito Administrativo, v.225, pp.417/425; “Honorários advocatícios. Contrato quota-litis. Ação de cobrança. Prescrição”, in Revista Forense, v.359/181-190; “Tribunal de Justiça – Quinto Constitucional – Composição – Acesso dos Juízes Classistas do Tribunal de Alçada ao Tribunal de Justiça”, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v.21/39-48; “Ato Ilícito Contratual – Indenização – Correção Monetária – Súmula 562 do STF”, in Revista de Doutrina da 4ª Região, publicada pela Escola do TRF/4ª Região – EMAGIS, Edição 05, de 08.03.05; e na Revista do TRF/4ª Região, vol. 55/83-96.

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Questão constitucional interessante foi o mandado de segurança da “Mesa da Assembleia” do Rio Grande do Sul, onde restou examinada a validade da deliberação tomada pelo legislativo daquele Estado quando da eleição da Presidência da Casa.

O caso foi de grande repercussão jurídica e política, tendo sido jul-gado em definitivo pelo Supremo Tribunal Federal em decisão plenária apertada, tomada pela maioria de um voto.

O parecer do Ministro Thompson Flores foi acolhido pela Corte, ao julgar o RE nº 95/778-RS, publicado na RTJ 102/433.

Pela sua atualidade, impõe-se rememorar excertos do parecer, fun-damentado na lição dos clássicos, inclusive Duguit, verbis:

“1. Dispõe a Constituição Federal de 1969: “Art. 31. Salvo disposição constitucional em contrário as

deliberações de cada Câmara serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria de seus membros.”

Igualmente, estatui a Constituição do Estado: “Art. 13. Ressalvados os casos expressos nesta Constituição, as

deliberações serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria dos membros da Assembleia.

Parágrafo único. O voto será secreto nas eleições e nos casos previstos nesta Constituição.”

Lê-se, por fim, no Regimento Interno da Assembleia Legislativa: “Art. 15. A eleição dos membros da Mesa far-se-á, por votação

secreta, observadas as seguintes normas: a) presença da maioria absoluta dos Deputados; b) emprego de cédulas impressas ou datilografadas; c) colocação da cédula em sobre carta, na cabina indevassável,

e da sobrecarta na urna, à vista do Plenário; d) escrutínio dos votos e proclamação do resultado da eleição; e) obtenção da maioria absoluta de votos em primeiro escrutínio; f) realização de segundo escrutínio entre os dois candidatos

mais votados, quando no primeiro nenhum deles houver alcançado a maioria absoluta;

g) maioria simples no segundo escrutínio;

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h) escolha do candidato mais idoso, em caso de empate. § 1.º O Presidente convidará dois Deputados de Bancadas

diversas para procederem à apuração. § 2.º A posse dos eleitos será imediata à proclamação do resul-

tado pelo Presidente da sessão.” 2. Esses foram os dispositivos legais invocados pelas partes e

com os quais operaram os julgadores, posto que, pela argumentação jurídica que deduziram, não se harmonizassem na conclusão.

É certo que, preliminarmente, rejeitaram, além de outras, des-tituídas de maior importância, a de não conhecimento do mandado, negando que se configurasse no caso questão interna corporis, exclusivamente política.

Perdeu ela, a esta altura do andamento do recurso extraordinário, qualquer interesse. E isto porque ao recurso dos vencidos interposto não foi o adesivo dos vencedores no mérito, mas perdedores da prejudicial em questão, e só ele, nos termos do art. 500 do C. Pr. Civ. que, segundo o ensinamento de BARBOSA MOREIRA, abriria ensejo ao reexame daquela prefacial (Comentários ao C. Pr. Civ. vo1. V, FORENSE 3.ª ed., 1978, n.ºs 168 e 176).

De qualquer sorte, porém, impende afirmar que, com inteiro acerto, se conduziu, nesse passo, o v acórdão ora recorrido.

Com ele está a melhor doutrina nacional e estrangeira, recolhida por CASTRO NUNES, a qual lhe permitiu assim concluir:

“Na verdade, os tribunais não se envolvem, não examinam, não podem sentenciar, nem apreciar, na fundamentação das suas decisões, as medidas de caráter legislativo ou executivo, políticas ou não, de caráter administrativo ou policial, sob aspecto outro que não seja o da legitimidade do ato, no seu assento constitucional ou lega1. Mas, nessa esfera restrita, o poder dos tribunais não comporta, em regra, restrição fundada na natureza da medida” (“Teoria e Prática do Poder Judiciário”, p. 607).

No mesmo sentido é a jurisprudência do eg. STF de todos os tempos, rememorada pelo eminente e saudoso Ministro LUIZ GALLOTTI, ao relatar o MS n. 1.959, julgado em 23.01.57, in-vocando decisões anteriores (EDGARD COSTA, “Os Grandes Julgamentos do STF”, vol. III, 1964, ps. 204 e segs.; REVISTA FORENSE, 148, ps. 152 e segs.) Da ementa do julgado, destaco:

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“Desde que se recorre ao Judiciário, alegando que um direito individual foi lesado por ato de outro Poder, cabe-lhe examinar se esse direito existe e se foi lesado.

Eximir-se com a escusa de tratar-se de ato político seria fugir ao dever que a Constituição lhe impõe, maxime após ter ela inscrito, entre as garantias fundamentais, como nenhuma outra o fizera, o princípio de que nem a lei poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão do direito individual.”

Dita orientação foi reiterada no RMS n. 11.140, MT, julgado em 10.06.63 (RDA, vo1. 74, ps. 267/71).

O princípio aí aludido constava da Constituição de 1946, art. 141, § 4.º, e se repetiu nas de 1967, art. 150 e Emenda n. 1/69, art. 153, em parágrafo, na mesma ordem o 4.°.

Cabe, agora, enfrentar o mérito da relação jurídica em apreciação, Objeto do recurso extraordinário, e através do qual os inconformados recorrentes esperam que o eg. STF lhes repare a lesão do direito indi-vidual, o qual não lhes atendeu o r. acórdão ora impugnada.

3. Penso, data venia, que não se houve com o costumado acerto a douta maioria do eg. Tribunal, como, de resto, bem mostraram os votos vencidos, totalizando 10, alguns dos quais proficientemente fundamentados.

Com efeito. Nem as disposições regimentais, nem os preceitos constitu-

cionais pertinentes, antes transcritos e sobre os quais se armou o dissídio impõe a maioria absoluta de votos da totalidade do Legis-lativo, para autorizar a proclamação dos candidatos como eleitos, em primeiro escrutínio.

O que o art. 31 da Carta Maior estatui e os demais, Constituição do Estado e Regimento Interno, dispõem, em sequência obrigatória e simétrica, é que as deliberações sejam tomadas por maioria de votos, com a presença da maioria absoluta dos membros que inte-gram o órgão (Câmara e Senado, no plano federal, e Assembleia Legislativa e Câmara Municipal, no plano estadual e municipal, respectivamente).

O mandamento que se contém no citado art. 31 condensa, como tantos outros, princípio organizacional, também chamado básico, essencial ou sensível, ao qual ficaram sujeitos os diplomas de menor alcance, como os dos Estados e Municípios.

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O que se permitiu, no particular, ao constituinte local e ao serem versadas normas regimentais, foi, sem desfigurar o standard federal, disciplinar, formalmente, a eleição, como modalidade de delibera-ção, sem jamais, repita-se, afetar a substância daquele, pertinente a matéria eleitoral, ou seja, o quorum para validar as eleições e o quantum dos votos para apuração do resultado.

E assim sucedeu. A Constituição do Estado, no art. 13, repetiu a determinação da Federal. art. 31. Apenas, em seu parágrafo único, dispôs sobre a forma de exercício do voto, a qual determinou fosse secreta para as eleições e nas hipóteses por ela previstas. A sua vez, o Regimento Interno minuciou o aspecto formal da eleição: requisi-tos das cédulas, meio de utilizá-las, designação dos escrutinadores, apuração do resultado e sua proclamação, bem como o momento da posse dos eleitos. É o que se lê no art. 15, b, c, d, e §§ 1.º e 2.°.

Identicamente sucedeu com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 7.°, e seus respectivos incisos.

E, reitere-se, tinha que, realmente, ser assim, como consequên-cia do rígido sistema que, bem ou mal, não vem ao caso averiguar, se iniciou em 1934 e se fez mais sensível com o advento da Carta de 1967, bem como da Emenda n. 1/69, art. 13 e seus incisos, es-pecialmente, o II, e o § 1.º.

A propósito, escreve o eminente Ministro OSWALDO TRI-GUEIRO, em seu festejado Direito Constitucional Estadual, FO-RENSE, 1930, ps. 135/6:

“A partir da Constituição de 1934, entretanto, o direito federal vem impondo aos Estados um tipo de governo cada vez mais pa-dronizado de tal sorte que o poder de auto-organização essencial à existência do regime federal está reduzido a uma “ficção, que não disfarça convincentemente, o unitarismo de um fato que está asfixiando o Estado.”

E, em outra expressiva passagem, versando sobre o quorum, afirma, p. 149:

“A aprovação de qualquer proposição, pressupõe, necessaria-mente, manifestação da vontade dos membros das Casas legislativas, através do voto. A forma de votação é matéria geralmente definida nos Regimentos Internos que dispõem sobre as várias maneiras de colher os votos dos legisladores, voto público ou secreto voto nominal ou voto simbólico, bem como sobre o quorum exigido para

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as diversas votações. Em seu exagerado casuísmo, porém, a Cons-tituição Federal vigente (art. 31), estabelece que, salvo disposição em contrário, as deliberações de cada Câmara serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria dos seus “membros, ... funcio-nando com a presença da maioria (metade mais um) dos presentes (metade da metade e mais um). uma Assembleia de 35 Deputados, para exemplificar, pode aprovar qualquer proposição por apenas 10 votos favoráveis.”

No mesmo sentido é o magistério de MARCELO CAETANO, após enumerar numerosos julgados do eg. STF, de um dos quais destacou síntese feliz e muito expressiva do voto do saudoso Mi-nistro RODRIGUES ALCKMIN, proferido na Representação n. 392 RS. da qual fui Relator e cujo acórdão se encontra publicado na RTJ, vol. 66, ps. 659/71), verbis:

“A obediência aos princípios federais tem sido um standard da constitucionalidade dos dispositivos das leis maiores dos Estados” (“Direito Constitucional”, FORENSE, II, p. 301) .

Dito destaque veio a ser repetido em ementa a posterior julgado, qual seja a Representação n. 949-RN e da qual foi Relator o eminente Ministro CORDEIRO GUERRA (RTJ, 81, p. 332).

Na mesma esteira, PONTES DE MIRANDA (“Comentários da Constituição de 1967, com a Emenda 1, de 1969”, ps. 312/3), MANOEL G. FERREIRA FILHO (Coments. à Const. do Brasil, Ed. Saraiva, I, ps. 117 e segs.) e outros.

4. De outra parte, não há como pretender excluir-se da expres-são deliberações, da qual se serviram os textos constitucionais em comentário, a matéria referente às eleições.

Estas (as eleições) constituem a espécie; aquelas (as deliberações) o gênero. Umas e outras representam a forma pela qual os entes coletivos exprimem a sua vontade, através do voto. CARVALHO SANTOS, em seu “Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro”, vol. 5, ps. 159/61, enumera, com detalhes, as formas várias de deliberação através do voto, tanto no Direito Público como no Privado.

Demais, no caso particular do Rio Grande do Sul, o parágrafo único do art. 13 da Constituição dirimiu quaisquer imprecisões, porventura existentes, ao especificar, expressamente as eleições, o que não teria sentido, se das deliberações não cuidasse o artigo ao qual se agregou. Igual dispositivo sé encontra nas constituições dos Estados, além de outros, São Paulo e Pernambuco, arts. 7.º, I e II, e 2.º, parágrafo único, respectivamente.

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5. Dessarte, cogente o princípio federal que dispõe sobre as deliberações dos Legislativos, nelas se incluindo, evidentemente, as eleições, todos em perfeita convivência, resta, apenas, apurar o número real de votos do candidato para lhe assegurar a vitória. E outro não pode ser senão o da maioria dos presentes, únicos votan-tes, satisfeito o quorum deliberativo, ou seja, a presença da maioria absoluta dos componentes do órgão.

6. É mais do que fácil evidenciar esta verdade, de resto já acentuada no desenvolvimento do assunto.

Efetivamente. Duas são as condições impostas na apuração do resultado da

eleição para os cargos da Mesa. A primeira é o quorum para validar o funcionamento do órgão quando se dispõe a tomar deliberações através do voto; e ele é o da maioria absoluta dos integrantes, ou seja o número imediatamente superior à metade dos Deputados, tal como estatui o art. 15, a, do Regimento, cópia fiel do art. 7.°, I, do Regimento da Câmara dos Deputados.

Ditos instrumentos (Regimentos), explicitaram as expressões das Constituições: “maioria de seus membros” (Federal. art. 31) e “maioria dos membros da Assembleia” (Estadual, art. 13).

A outra condição é que os candidatos que disputam as eleições obtenham a maioria absoluta de votos daqueles que formam o citado quorum, ou seja, dos presentes, pois, os ausentes, como é óbvio, não votam, sequer por ficção ou simbolismo. Para que pudessem se servir desse meio (voto simbólico) era mister que houvesse autori-zação expressa como sucede no eg. STF, através de seu Regimento Interno quando dispõe, art. 12, § 3.°, verbis:

“Considera-se presente à eleição o Ministro, mesmo licencia-do, que enviar seu voto, em sobrecarta fechada, que será aberta publicamente pelo Presidente, depositando-se a cédula na urna, sem quebra do sigilo.”

Tal dispositivo inexiste para as eleições nos Legislativos, nem lhe é peculiar, o que importa reafirmar que os únicos votos compu-táveis são os dos presentes.

É o que, de resto, está expresso no debatido Regimento, art. 15, e, com o acréscimo, “em primeiro escrutínio”, ou como estatui o Regimento da Câmara dos Deputados, art. 7.º, XI, verbis:

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“ ... maioria absoluta dos votos dos membros presentes para a eleição, em primeiro escrutínio”.

Aqui, as locuções regimentais explicitaram as palavras de que se serviram as Constituições “maioria de votos”, iguais em ambas (Federal e Estadual).

7. Acentue-se que a maioria absoluta não constitui uma expres-são vaga, imprecisa, indeterminada. Ela exige sempre um padrão de referência, como, de resto, se faz expressa a própria Lei Maior, fonte e manancial primário - e da qual deve brotar a mais pura orientação exegética dos demais preceitos de inferior hierarquia e com os quais se relaciona.

Veja-se o que dispõe o art. 116, ao cuidar da declaração de incons-titucionalidade. A maioria absoluta nele introduzida está determinada com o padrão de referência “de seus membros ou do órgão Especial”. Igualmente o art. 144, a, b e c, e III, quando se utiliza das expressões “maioria absoluta de seus membros, ou dos Desembargadores” ao versar o delicado tema da recusa ao acesso dos juizes.

Preceitos outros e muitos poderiam ser trazidos em abono deste entendimento, todos extraídos da Constituição.

Dessarte, as expressões de que se serve o Regimento, art. 15, e, “maioria absoluta”, sem qualquer padrão especificativo,· por certo que não quis se subentendesse dos integrantes da totalidade do órgão, como explicitou na alínea a, mas a dos presente, pois desses é que passou a versar, após estatuir o quorum deliberativo. Esta, demais é a conclusão que se extrai da interpretação sistemática de todo o dispositivo, a qual não difere, todavia, da sua exegese gramatical, ou seja da norma, em particular exame, a alínea e.

8. E tanto o quorum deliberativo como o critério para apurar o resultado das deliberações somente foi excepcionado, nas hipóteses previstas na própria Constituição. Assim dispõem os arts. 31 e 13, in principio, respectivamente, das Cartas Federal e Estadual. Em sintonia com eles os arts. 40, I, 42, parágrafo único, 48, 50, 51, § 3.º, da última, aos quais correspondem os arts. 14. § 5.°, 36, 37, § 3.°, 48, 62, 73, § 1.º, da primeira das Constituições.

E, note-se, o quorum de exceção que, em todas as citadas dispo-sições se especificou, guarda inteira simetria, obediente o estadual ao federal, e tinha que ser, como de resto, tem entendido o eg. STF em numerosos julgados proferidos em Representações (RTJ, 90, ps. 1/11; 81, ps. 332/6; 57, ps. 358/83;52, ps. 501/27).

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9. Por fim, acentue-se que, no fundo, em verdade, o sistema deliberativo dos Legislativos não se alterou no regime republicano, desde a Constituição de 1891.

Veja-se a velha mas sempre nova lição de AURELINO LEAL, em sua “Teoria e Prática da Constituição Brasileira”, I, 1925, p. 89:

“Quorum parlamentar. Chama-se quorum o número de repre-sentantes necessários ao funcionamento de uma Câmara Legislativa. No art. 18 a Constituição estabelece regra geral de um duplo quorum para as votações: presença da maioria dos membros de cada uma das Câmaras, e o assentimento da maioria absoluta destes. Nas vo-tações a maioria absoluta dos presentes é contada dentro da maioria absoluta dos membros da Câmara.”

No mesmo sentido é o magistério de AGENOR ROURE (“A Constituição Republicana”, r, 1920, p. 427), JOÃO BARBALHO, (“Constituição Federal Brasileira”, Comentários, 1924, p. 89) e CARLOS MAXIMILIANO Comentários à Constituição Brasileira”, 2.ª ed., ampliada, p. 298).

Com o advento da Constituição de 1946, o critério não se alterou, como mostra PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1946”, II, 1953, p. 238).

A transição, a partir de 1934, e, notadamente a da Carta de 1967, foi apenas pelo aspecto absorvente e determinativo, imposto pela nova ordem federativa, a qual limitou aos Estados o poder de auto-organização, como já foi versado, jamais afetando o critério nas deliberações.

Assim, sem nenhum proveito a invocação do v. acórdão re-corrido aos precedentes, referentes a eleições pretéritas da Mesa, exigindo, para os então eleitos, maioria absoluta de votos da tota-lidade dos Deputados. O fato, por si, não geraria nenhum direito, nem comprometeria critério diverso em eleições futuras.

De qualquer sorte, porém, após o advento da constituição de 1967, como já ficou sustentado, tal critério não poderia prevalecer, mesmo que viesse a ser aceito pelo Regimento, o que não sucede, porque, em tal hipótese, inconstitucional seria o Regimento, por contrariar o já comentado art. 31 da Carta Maior.

10. A longa, e, por vezes, insistente e reiterada argumentação deduzida evidencia o bom direito sustentado pelo impetrante e os litisconsortes ativos fortes todos nos textos constitucionais da

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República e do Estado, à sombra dos quais cabe buscar a legítima exegese das normas regimentais pertinentes.

Todavia, o v. aresto do eg. Tribunal não lhes reconheceu, negando-lhes o direito líquido e certo que postularam através do mandado de segurança.

11. Para fazê-lo, como se apura da ementa transcrita, fiel ao pensamento da douta maioria, considerou:

a) que, segundo o Regimento da Casa a “maioria absoluta” para a eleição da Mesa, em primeiro escrutínio, diz respeito à totalidade dos deputados que compõe o Legislativo;

b) que tal conclusão exegética decorre do próprio conceito de “maioria absoluta” que está sempre relacionada ao todo, a menos que haja restrição expressa e esta seria a tradição da Assembleia;

c) que a regra regimental assim interpretada não afronta os arts. 31 e 13 das Constituições Federal e Estadual que preveem “maioria simples” para quaisquer deliberações, menos as administrativas, onde se incluem as eleições, disciplinadas pelo poder de organizar-se, segundo outorga também constitucional, art. 30.

12. Considero que, em assim procedendo, o aresto recorrido deu ensejo ao recurso extraordinário para o eg. STF, com seguro embasamento no art. 119, III, a e c, da Constituição Federal. Quanto à primeira alínea porque contrariou o seu art. 31, combinado com o art. 13 e seus incisos, especialmente o II, e o § 1.º; e quanto à segunda (letra c), eis que o ato impugnado foi, desde a petição inicial, e até antes dela, perante o próprio Legislativo, ao ensejo da eleição, contestado ante a citada Carta, com base nos já referidos artigos, e, não obstante, o acórdão julgou válido o ato incriminado.

Realmente. Não esteve bem inspirada a honrada maioria do col. Colegiado local.

Como já se fez acentuar, a regra que se contém no art. 31 da Constituição Federal, ao qual corresponde o art. 13 da Estadual, é cogente aos Estados, cujo poder de auto-organização ficou “limi-tadíssimo”, na expressão do Ministro OSVALDO TRIGUEIRO, em passagem já transcrita, afetando até os lindes dos Regimentos Internos dos Legislativos.

E ao fazê-lo, usando a expressão “deliberações”, compreendeu a todas, salvo aquelas que ela própria, constituição, explicitou, como, de resto, o fez, de forma expressa, a Constituição do Estado, em

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seu art. 13, melhor elucidado, no particular das eleições, através de seu parágrafo único, como também já foi longamente demonstrado. Assim, seja no pertinente ao poder regimental de auto-organizar-se, seja na função mais ampla de administração, a depender de delibera-ção do órgão, seja, enfim, no âmbito legiferante, tudo segue a regra segura e límpida do citado art. 31, salvo nas expressas exceções consagradas no texto constitucional, também já comentadas, e nas quais não se incluíram as eleições da Mesa.

Orientando-se diversamente, por certo, o acórdão contrariou e de frente o comentado art. 31, ao qual se pode conjugar, como reforço, o art. 13, e seus incisos, notadamente o II e o § 1.°.

É o suficiente para justificar só por si o conhecimento do recurso e o seu provimento, como bem o situou e propugnou a petição de recurso extraordinário, a qual tem inteiro apoio nas considerações anteriores deste parecer fundadas na jurisprudência da eg. Corte Suprema, acorde com a melhor doutrina.

Mas não é só. O excepcional oferece igual consistência quanto ao segundo fundamento, letra c.

O ato do Senhor Presidente da Assembleia ora impugnado é “ato do governo local”, a que se refere a mencionada letra c, no conceito que lhe atribuem os doutrinadores (AMARAL SANTOS. “Primeiras Linhas de Direito Processual Civil”, 3.º vol., 3.ª ed. Saraiva, n. 825, ps. 156/7; JOSÉ AFONSO DA SILVA, Recurso Extraordinário no Direito Processual Brasileiro, RT, 1963, n. 99, p. 224).

E dito ato, contestado, nas circunstâncias já referidas, perante o art, 31, c/c o art. 13 e seus incisos especialmente, o II e o § 1º, não logrou sucesso perante o eg. Tribunal, o qual deu por sua validade.

Entretanto, a arguição de inconstitucionalidade ao aludido ato é mais do que razoável, o que justifica o conhecimento da irresignação derradeira, nos termos da Súmula n. 285. E ainda, o seu provimento, pelas razões constantes da petitória recursal e amplamente desen-volvidas neste parecer.

13. Dessarte, seja pelo primeiro, seja pelo segundo dos funda-mentos deduzidos. ou por ambos, o que seria mais coerente, é de esperar-se o conhecimento e o provimento do recurso extraordinário por essa col. Suprema Corte, deferindo-se o mandado de segurança, nos próprios termos do pedido, fazendo, assim, como sempre, a melhor Justiça.

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14. Por último é de notar-se que o r. julgado impugnado, ao impor condenação em honorários de advogado Em ação de mandado de segurança, dissentiu da jurisprudência do eg. STF, cristalizada em sua Súmula, verbete n. 512, o qual foi mantido mesmo após o advento do vigente C. Pr. Civ., como se vê de julgados vários de ambas as Turmas (RTJ, 95, ps. 404 e 428), onde são invocados precedentes outros.

Justifica-se aqui o conhecimento e provimento do recurso com assento na letra d do permissivo constitucional.” 23

Da mesma forma, parecer que enfrentou questão pouco versada na doutrina e na jurisprudência acerca dos limites do poder do Tribunal de excluir candidato aprovado no concurso para a magistratura.

A respeito, anotou o Ministro Thompson Flores, invocando a sua longa experiência de magistrado, verbis:

“Versa a espécie sobre o citado ato administrativo, na sua fase primeira, antes da indicação dos concorrentes aprovados e classifi-cados para sua regular nomeação.

Em dita fase, o procedimento concursal divide-se em outras tantas, as quais integram o que os autores denominam fases progres-sivas ou sucessivas (O. Ranelletti, in Le Guarentigie della Giustizia nella Pubblica Ammnistrazione, 4ª ed., Dott. A. Giuffrè Editore, 1934, p. 117, n. 76). Assemelha-se o concurso a uma espécie de escada, cujos degraus têm área própria e devida destinação. Por eles, degraus, vai ascendendo o concorrente, conquistando, em cada um deles, um relativo direito subjetivo.

Parecem-me os concursos para provimento dos cargos públicos, especialmente os dos juízes, de maior qualificação, às licitações nas concorrências públicas, como fazem notar os tratadistas da matéria. Deles, limito-me a indicar, por sua habitual clareza, o sempre consulta-do Professor Hely Lopes Meirelles, em várias de suas obras, inclusive Pareceres, e das quais destaco seu considerado Direito Administrativo Brasileiro, 5ª ed., ps. 396 e seguintes, e a clássica Licitação e Contrato Administrativo, 3ª ed., ps. 117 e seguintes, todas elas ilustradas com julgados, especialmente do Egrégio S.T.F.

4.1. O que brota da simples leitura do edital em comentário é o que acaba de ser afirmado. Sua clara linguagem e disciplinação, referente às

23 In Revista Forense, v. 303, pp. 130/4.

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várias fases do certame, mostra a sua racionalidade, permitindo verifi-car, como nas concorrências públicas já citadas, que, cumpridas que sejam pelo concorrente, completam-se, ultimam-se, a elas não mais se retornando. Certamente não se afirmará que gozam, cumpridas, do poder da res judicata, mas, porque definitivas, não se reabrem.

5. Com efeito.O edital que rege o presente concurso, nº 24/83, é longo, deta-

lhado e bem sistematizado. Proporciona, assim, fácil compreensão. É penoso para o concorrente pelas exigências muitas que lhe impôs cumprir.

5.1. Começa ele disciplinando o pedido de inscrição provisó-ria, n. 1, seguindo-se a chamada “Fase Preliminar”, n. 2. Nessa se realiza a nominada “prova escrita preliminar”, dividida em duas partes devidamente esclarecidas, ns. 2.1 a 2.6.

Aos que forem nela aprovados, proporciona-se o direito de requererem a “Inscrição Definitiva”, n. 3.1, impondo ao requerente, além de petição detalhada, a apresentação de novos documentos, n. 3, alíneas a e e.

Convém, desde já, sublinhar o que estatuem seus sub-itens, 3.2 a 3.4.

Dizem eles, verbis:“3.2 O Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em sessão

secreta decidirá, conclusivamente, e por livre convicção, a respeito da admissão dos candidatos aprovados na prova escrita preliminar, atendendo às suas qualidades e aptidão para o cargo.

3.3 A Comissão colherá informes sobre os candidatos, pro-cedendo à sindicância da vida pregressa e investigação social.

3.4 Os candidatos aprovados na prova preliminar serão submetidos a entrevista com a Comissão de Concurso”.

5.2 Sucessivamente seguem-se as “Provas Escritas”, n. 4, disci-plinadas nos sub-itens 4.1 a 4.6; “Prova Oral”, n. 5.1; a de “Aferição dos Títulos”, n. 5, integrada pelos sub-itens 5.1, alíneas a a n, e 6.2 a 6.5; as dos “Exames de Saúde, Física e Mental e o Psicotécnico”, n. 7.

Atinge-se, assim, a cognominada “Nota Final”, n. 8; e, à derradeiro, o “Julgamento do Concurso”, n. 9. Encerra-se com os esclarecimentos do prazo de “validade” do concurso, n. 10. Segue-se a da “Nomeação”, n. 11, “Observações Gerais”, ns. 12 a 12.5; e, para encerrar, o de n. 13, o da “Comissão de Concurso”.

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6. A requerente submeteu-se a todas elas e as satisfez, cum-pridamente, tanto que atingiu àquela da aprovação e subsequente classificação, cabendo-lhe o 51º lugar, em lista que foi divulgada.

6.1 Foi aí que aconteceu o pior, resultando, após dita divul-gação, omitido o seu nome ao ser publicada a relação no D.O. de 22.05.85. Continua ela a ignorar o motivo da exclusão, ainda que, em reclamo administrativo, o propugnasse, sendo ele indeferido, o que lhe obstou qualquer gênero de defesa da presuntiva ocorrência da falta, a qual há de ser grave, face ao grau de penalidade que lhe foi imposta, com o elenco de efeitos, os mais variados e negativos, quanto à sua personalidade.

Observo, data venia, que em épocas passadas, como já salientei atrás, diversa era a orientação da Colenda Corte.

Vigilante sempre como me impendia o ser, como os demais Colegas, estive sempre atento a repelir concursandos sobre cuja idoneidade moral pairasse dúvida. E isto desde os momentos iniciais de análise da inscrição. Nessa fase, fazendo-o discricionariamente, como já era admissível (M. Petrozziello, in Il Rapporto di Pubblico Impiego, Società Editrice Libraria, 1935, p. CLI). Mas, note-se, procedia o Eg. Tribunal diversamente quando a acusação ocorria em fases posteriores do concurso, quaisquer que fossem elas, mesmo à altura posterior a da aprovação e prestes à indicação dos candidatos já classificados. Ouvia-se, nesse ínterim, o acusado para que a co-nhecesse, oferecesse defesa e, se o quisesse, apresentasse provas. Em sessão secreta, o Tribunal apreciava o ocorrido e decidia, por maioria de votos, pela sua procedência ou não. Excluía-se o concor-rente na primeira hipótese, ou mantinha-se-o no lugar conquistado na segunda. E assim era o seu procedimento habitual, repetido e unânime, isso porque seu ato administrativo era, manifestamente, regrado, em harmonia com os termos da lei e em consonância com as garantias que a Constituição assegurava ao candidato.

Em precioso estudo intitulado “L’Esclusione dai Pubblici Con-corsi e L’art. 51 della Costituzione”, publicado na renomada Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, 1952, conclui, em significativo trecho, Giovanni Miele, verbis:

“Quindi, di fronte a un atto amministrativo lesivo di un diritto o interesse legittimo v’è sempre la possibilità della tutela giurisdizionale; ma, poichè la lesione di un diritto o interesse legittimo può essere in relazione ai motivi determinanti dell’atto,

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la persona cui il provvedimento si riferisce deve essere messa in grado di conoscerli. Ne consegue allora, che, allo stesso modo in cui gli altri elementi rilevanti per la legittimità dell’atto risultano o debbono risultare dall’atto stesso, come la competenza, l’osservanza delle forme e della procedura, la menzione che è stato udito un parere obbligatorio, così parimenti deve risultare dall’atto la specificazione delle ragioni giustificative che siano giuridicamente rilevanti per la legittimità di esso”.

7. Considero, por isso, data venia, que mal orientada esteve a Egrégia Corte ao proferir a deliberação com respeito à requerente.

8. A análise do edital do concurso não autoriza, data venia, a exclusão comentada.

Realmente, e cabe insistir.Em duas oportunidades o respeitável Órgão Especial do Tri-

bunal de Justiça examina e decide a respeito da idoneidade do concorrente: primeiramente, na chamada “Inscrição Definitiva”, ns. 3 e 3.2; posteriormente, a segunda das fases para o exame da honorabilidade do candidato é a do “Julgamento do Concurso”, n. 9, e, em especial, n. 9.1.

Convém ter presente essas normas indicadas, as quais me abstenho de transcrever para não estender em demasia o presente pronunciamento, posto que as recordando a cada passo, pois elas são decisivas para apreciar o procedimento recursal.

8.1 Na primeira fase, o poder da Corte é discricionário, tal como o conceitua a doutrina e repetem os julgados dos Tribunais.

Na segunda das fases indicadas seu poder é regrado, como em qualquer outro momento, até o da posse do candidato. E, ocorren-do a indicação da falta, o comportamento do Tribunal é diverso, obrigado que está a convocar o acusado, revelando-lhe em que consiste a inculpação.

Oferece-lhe, então, oportunidade de defesa e até de produção de provas. Secretamente as examina e decide, já não mais de plano e conclusivamente, como sucede quando dispõe do poder discri-cionário, posto que com base no livre convencimento, e conclui por sua procedência ou não, com os efeitos daí emergentes e já considerados, como é próprio do ato regrado.

O cuidado que deve orientar o Tribunal no exame da honora-bilidade dos candidatos à judicatura é questão que me dispenso de

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considerar, pois é conhecido o alto proceder com que sempre atua a mais alta Corte de Justiça local.

Ora, se a honradez do cidadão merece integrar sua personali-dade, admitindo presuntivamente sua ocorrência, com mais forte razão a do funcionário público que dispõe de parcela de autoridade, notadamente o juiz, que vai julgar os atos de seus jurisdicionados, nos mais variados sentidos, seja na família, como marido e pai; seja no ambiente de trabalho, quando pratica tantos atos administrativos, no exercício da função, quanto na tela criminal, quando aplica as mais graves sanções.

São os magistrados como a mulher de César, sejam, em reali-dade, honrados, mas parecerem o ser, como requer a comunidade onde irão praticar o seu delicado ofício.

8.2 Não foi em vão que o Egrégio Tribunal de Justiça, ao ser procedida a adaptação da Constituição do Estado à Carta Federal, propôs - e a Colenda Assembleia Legislativa aceitou - a adaptação que constou do novo texto constitucional do Estado, em seus arts. 109, V, e 115.

Todavia, o Governador representou à Procuradoria-Geral da República arguindo a inconstitucionalidade dos preceitos citados, além de muitos outros.

Tomou dita Representação o nº 749 e foi julgada improcedente (Representações no S.T.F., t. II, ps. 206 e seguintes; RTJ, vol. 50, ps. 738 e seguintes).

Criou-se, na ocasião, a figura do Juiz Adjunto, estatuindo-se que só se tornaria Juiz de Direito aquele que, depois de ultrapassa-do o prazo de dois anos da investidura no cargo para o qual havia prestado concurso apenas nas provas intelectuais, prestasse, agora, decorrido o biênio, concurso de títulos.

A excelência do novo sistema, salientei então, e com ligeiras modificações de forma, consta hoje da Carta local, Emenda n. 7.

8.3 Invoco o precedente para mostrar que a vigilância dos Ór-gãos Disciplinares não se finda com os concursos, sobre os quais se discute neste mandado de segurança. Prorroga-se, ela, pela vida inteira dos magistrados em atividade. E ela se torna quão mais fácil, proveitosa e salutar ao Poder Judiciário quando antes de adquirir o magistrado as prerrogativas de juiz vitalício. Ela já ocorria, há anos, no Estado de São Paulo, no extinto Estado da Guanabara,

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onde o prazo era de quatro anos, e, pelas virtudes do sistema, outras unidades da federação o aceitaram.

É que, até então, precárias eram as condições para examinar de requisitos outros a satisfazer pelo juiz, além daqueles comprovados no concurso de provas.

Os que versaram os predicamentos impostos aos bons juízes os destacam em suas obras, votos e artigos de doutrina (Mário Guima-rães, O Juiz e a Função Jurisdicional; identicamente o salientou o julgado em M.S. n. 2.267, em 30.11.53, publicado na R.D.A., v. 60, ps. 120/3). O Diagnóstico elaborado pelo S.T.F. sobre a Reforma do Poder Judiciário realizada em 1977, quando eu exercia a Pre-sidência daquela Alta Corte, depois do estudo meditado dos mais de noventa volumes com proposições dos Tribunais e mais aquelas que constam hoje de seus arquivos, o salienta. Igualmente o faz a Proposta de Reforma do mesmo Estatuto, em 11.05.56 (in R.D.A., v. 46, ps. 54 e seguintes).

Cabe ler, para melhor ilustrar, todo o debate que se fez na Egrégia Suprema Corte quando, larga e profundamente, houve por bem rejeitar a inconstitucionalidade da representação, no particular, para se verificar a importância que aquela Corte emprestou aos predicamentos impostos aos juízes (Rp. n. 749, in R.T.J., v. 50, p. 738 e seguintes).

8.4 Essas observações que acabam de ser feitas para bem evidenciar a exigência mais que indórmita que se reclama quanto aos juízes e dos Órgãos Superiores que sobre eles têm jurisdição, notadamente disciplinar, - faltas de ordem moral e social - acaso ocorrentes, ao menos a eles imputadas, impõe-se, como não poderia deixar de ser, sob pena de contrariar a Constituição, assegurar-lhes toda defesa, dependendo os procedimentos adotados dos direitos subjetivos que já dispõem, tal como estatuem os diplomas citados. E acentue-se que sempre opera-se veladamente, discretamente e até, por vezes, secretamente, para assegurar, a cada passo, a discrição na sua apuração, em prol do Poder Judiciário.

Falam por si alguns julgamentos ocorridos na Suprema Corte, muitos dos quais participei, como se vê das publicações já feitas (R.T.J., v. 85, ps. 986 e segs.; v. 86, ps. 619 e segs.; v.89, ps. 846 e segs.; e v. 109, ps. 48 e segs.).

9. In caso, a requerente foi excluída, cancelando-se a sua ins-crição sumariamente, nas circunstâncias já por vezes várias subli-

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nhadas, quando, até então, sua inscrição prevaleceu para justificar as muitas provas que lhe sucedeu.

Procedeu a Egrégia Corte como se dispusesse do poder dis-cricionário que já não possuía, o qual era evidentemente regrado. Obrigado, então, ao exercício de atividade sujeita à disciplina legal, seja como se deduz das disposições constantes do edital já comentado, as quais condensam toda a legislação pertinente, seja da própria Constituição, ao calor das quais devem ser consideradas e obedecidas.

9.1 Na espécie já tão examinada, omitindo-se o Colendo Tribu-nal em proporcionar à requerente, como lhe cumpria, o direito de defender-se, praticou ato administrativo eivado de nulidade mortal, tal como dispõe o Código Civil, art. 145, IV, aplicável também aos atos administrativos, na lição unânime dos autores, como já salientava há anos o Mestre saudoso Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, 5ª ed., 1982, p. 94), combinado com o art. 153, §§ 15, 21 e 4º, da Constituição Federal de 1969.

Outro não é o ensinamento de Raphael Alibert, em sua obra clássica Le Contrôle Juridictionnel de L’Administration, Paris, 1926, pp. 221/2, verbis:

“Le vice de forme en droit administratif est une nullitté qui provient de la violation de formes édictées par les lois et règlements. Cette nullité existe sans texte et elle est en principe absolue.

Les formalités administratives ne sont pas des procédures de pure forme dont il serait loisible à l’administration d’éluder l’accomplissement. Ce sont des garanties accordées aux administrés; elles sont pour eux la contre-partie des pouvoirs exorbitants de l’administration, ainsi qu’une assurance contre le risque des décisions hâtives, mal étudiées et vexatoires. Elles sont en principe d’ordre public”.

9.2 É lamentável que a Egrégia Corte tenha procedido contra a lei, realizando o ato impugnado, deslembrada de assegurar o direito de defesa à concorrente, máxime nas circunstâncias em que o fez. Dito direito é inato à criatura humana.

O próprio Deus, o mais sábio e justo dos juízes, assim o en-tendeu, apesar do seu poder total, desde o princípio do mundo. Externou-o ao ser cometido o primeiro homicídio ocorrido sobre a Terra, quando Caim, levado pela inveja, matou seu irmão Abel.

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São palavras do Senhor, segundo a Bíblia Sagrada, Genesis, cap. 4, n. 9:

“E o Senhor disse a Caim: onde está teu irmão Abel ao que Caim respondeu. Eu não sei. Acaso sou eu guarda do meu irmão?”

E consta do mesmo livro e capítulo, n. 10:“Disse-lhe o Senhor: Que é o que fizeste? A voz do sangue

de teu irmão clama desde a terra até mim.”

E, só então, o Senhor o puniu. Não se animou, o maior Juiz, a aplicar-lhe a sanção, como o fez, sem ouvi-lo para que se defendesse.

E assim seguiu-se na marcha das gerações.Entre nós, o direito de defesa jamais foi ignorado e deixou de ser

reconhecido. Desde o regime republicano, conforme a Constituição de 1891, resultou expresso, art. 72, § 16. Integrou, ele, as demais Constituições que àquela se seguiram: 1934, 1937, 1946, 1967 e Emenda nº 1/69, art. 153, § 15, em pleno vigor.

9.3 Por certo os fatos mais comuns ocorrem nos procedimentos criminais. Mas sempre se reconheceu a necessidade de observar-se o direito de defesa nos processos administrativos, quando do seu exame se imputa falta grave ao servidor. No presente procedimen-to, a toda evidência, ele é de aplicar-se, eis que trata de processo semelhante ao qual incidem normas decorrentes do Direito Admi-nistrativo.

9.4 Cabe assinalar que mesmo no regime revolucionário instau-rado no País em 1964, os Atos Institucionais, embora sobranceiros à própria Constituição, reconheceram o direito de defesa, deixando-o expresso. Assim ocorreu com o primeiro deles, AI n. 1/64, art. 7º, § 4º, com a regulamentação que lhe atribuiu o Decreto nº 53.897, de 27.04.1964, art. 5º (in R.F., v. 206/434), ao impor graves sanções.

No S.T.F. concorri com meu voto para anular diversas sanções impostas com base no citado art. 7º, § 4º. E o fundamento central das nulidades dos procedimentos referidos assentou na falta de audiência dos imputados, como o impunha a citada legislação. Destaco de tais julgamentos os primeiros deles, publicados na R.T.J., v. 47/211; v. 50/67; e v. 53, ps. 120 e 379.

Inegavelmente o princípio em comentário, direito de defesa, aplica-se ao procedimento do concurso quando, é certo, ocorre acusação sobre o concorrente já admitido em definitivo, depois de procedido o seu respectivo exame, discricionariamente, pelo Tribu-

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nal. Certo ele não vem expresso, apesar dos detalhes introduzidos na regulamentação do concurso, seja, no edital, seja em leis outras a ele referentes.

Dito direito, que o Padre Vieira acentuava em seus “Sermões” ser “sagrado”, está implícito na sua disciplinação, eis que a Consti-tuição sobre ele incide, projetando-se com toda a força e intensidade.

Cabe, aqui, invocar a lição do saudoso mestre Pontes de Mi-randa, em seus Comentários à Constituição de 1967 c/c a Emenda nº 1/69, t. 4º, p. 624, “c”, verbis:

“Nenhuma lei brasileira pode ser interpretada ou executada em contradição com os enunciados da Declaração de Direitos, nem em contradição com quaisquer outros artigos da Constitui-ção de 1967; porém alguns dos incisos do art. 153 são acima do Estado, e as próprias Assembleias Constituintes, não os podem revogar ou derrogar. Tais incisos são os que contêm declaração de direitos fundamentais supra-estatais”.

10.1 Certamente se dirá que, em sendo assim, mesmo na primeira fase do certame, havendo dúvida sobre a idoneidade do concorrente, o direito de defesa tinha de lhe ser reconhecido. Sem qualquer razão o argumento porque opera, então, o Tribunal, discri-cionariamente, com o poder que sempre se lhe reconheceu e sempre constou das leis e regulamentos dos concursos. E inexiste, ademais, qualquer direito do candidato de ser admitido naquele instante pre-facial do respectivo procedimento. Jamais daí por diante, quando o seu pedido de inscrição já fora reconhecido como definitivo, tal como ocorreu com a requerente.” 24

A contenda foi solvida pelo Supremo Tribunal Federal, acolhendo o parecer no RE nº 116.070-RS, publicado o acórdão na RTJ 129/883.

Ao analisar a prescrição da ação de cobrança de honorários advoca-tícios, teve oportunidade de expor os seus reconhecidos conhecimentos de direito civil, concluindo, verbis:

“A) CONSIDERAÇÕES NECESSÁRIAS1. O título de crédito que embasou todos os procedimentos dos

quais se serviram os consulentes para receberem seus honorários como advogados, foi o contrato que avençaram com Lídio Floriano

24 In Revista de Direito Administrativo, v. 225, pp. 420/5.

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Melo, através de escritura pública lavrada em 31-5-1952.Com ele, contrato, instruíram a primeira das ações, a executiva,

ajuizada contra Lídio em 29-11-1969; dele se serviram, após, para se habilitarem na sobrepartilha da estância “Duas Marias”, iniciada em 12-9-1974; e do mesmo instrumento se serviram para a demanda que intentaram contra os herdeiros de Lídio, a qual findou em acordo, homologado pelo juiz; e foi ele, ainda, que veio a alicerçar a ação sumaríssima, recentemente apreciada, em segunda instância, como ficou referido no capítulo anterior.

2. Das cláusulas avençadas no contrato em questão, entre outras, estatuíram as que impende serem transcritas, e que são as seguintes:

“.......................................................................QUARTA - Em remuneração de tais serviços o outorgado

LYDIO FLORIANO MELLO, por bem desta escritura e na melhor forma de direito, e, na qualidade de testamenteiro no exercício da testamentaria, se obriga a pagar aos outorgantes seus advogados, trinta e cinco por cento (35%) calculado sobre o líquido a ser apurado. - Considera-se líquido, o saldo resultante do valor real da estância “Duas Marias”, acrescido da importância correspondente a indenização devida pela ocupação do imóvel e durante todo o tempo, desde as escrituras de venda ou cessão de direitos hereditários até final liquidação - deduzidas as parcelas correspondentes ao preço, mais os juros moratórios e quaisquer benfeitorias no mesmo prédio rural, realizadas pelo comprador.

QUINTA - Entende-se rescindido de pleno direito o presente contrato de honorários de advogados e sujeito, em consequência, o outorgado LYDIO FLORIANO MELLO, ao integral pagamen-to dos mesmos honorários advocatícios:

a) (...)b) si esta, sem justa causa, revogar os poderes já outorgados

aos mesmos;.........................................................................OITAVA - Os honorários serão devidos aos advogados ora

outorgantes, ressalvada a hipótese da referida cláusula quinta e suas letras - logo após a terminação do serviço judiciais a que se obrigaram e que deverão realizar sem dolo e nem malícia e deverão ser pagos, anual e parceladamente até final liquidação, com o saldo dos arrendamentos produzidos pelo mesmo imóvel rural. - Entende-se saldo, a importância líquida da renda, des-contadas as quantias atinentes ao pagamento de impostos e taxas relativos e incidentes sobre o mesmo campo; ...”

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3. Através delas, as cláusulas, em conjugação com o mandato recebido, impunha-se aos consulentes a missão de usarem dos pro-cedimentos adequados para fazerem retornar ao acervo hereditário de Narciso Melo a estância “Duas Marias”, bem como a ele, espólio, incorporarem a indenização que apurassem em liquidação, decor-rente da ilegal ocupação daquela área, ou seja, desde a posse até sua efetiva restituição. Daí os precisos termos do pedido, constante da parte derradeira petição inicial, da ação proposta, de nulidade da alienação, anteriormente transcrito, mas que convém repetir, verbis:

“...devolverem ao monte da herança a estância de criar denominada “Duas Marias”, devendo, ademais, repor ao monte o valor correspondente à indenização pela fruição e ocupação do prédio rústico, acrescido dos juros legais moratórios, descontada a quantia relativa ao total do preço pago, acrescida, também, de juros legais, tudo na conformidade do que for apurado em liquidação.”

4. Por isso, os honorários contratados, em princípio, somente, seriam devidos com o cumprimento integral daquela pretensão, acolhida, sem restrições, pelo julgado final do Eg. Supremo Tribunal Federal.

5. Todavia, obstados ficaram os consulentes de levarem a bom termo o seu encargo, pela atitude do contratante, Lydio, bem como dos demais herdeiros que, posteriormente, lhes haviam outorgado procuração para a execução amigável do acórdão referido, - revo-gando, imotivadamente, seus mandatos.

6. A partir de então, ou, mais precisamente, quando fossem notificados dos atos revogatórios, dispensados estavam os consu-lentes da atividade profissional a que se haviam comprometido, sem prejuízo do direito de receberem a totalidade dos honorários profissionais contratados, tal como dispõe a cláusula quinta, letra b, do contrato, antes também transcrita.

7. Sucede que o contrato de honorários em questão, tendo em vista as condições estipuladas, caracteriza-se como especial, nominado pelos doutores, como contrato cotalício ou quota-litis. Com base nele, o quantum ajustado somente dará direito a seu re-cebimento, quando ocorrer lucro para o cliente, ou seja, quando a demanda proposta for julgada procedente, ainda que em parte. E é, exatamente sobre o líquido apurado que incidirão as percentagens ajustadas, proporcionando sua paga (PONTES DE MIRANDA, Trat. de Dir. Priv., VI, 1955, p. 151).

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8. Assim, embora os consulentes se tornassem titulares do di-reito à totalidade dos honorários contratados, sem necessidade de prosseguirem, como advogados, na execução do acórdão final do Eg. Supremo Tribunal Federal, face à revogação do seu mandato pelos outorgantes, não poderiam eles, os consulentes, exercitá-los, desde logo; e isto porque a percentagem a eles referentes, incidiria sobre o líquido a ser apurado, definido, dito líquido, como o valor real da estância “Duas Marias”, acrescido da importância correspondente à indenização devida pela ilegal ocupação do referido imóvel, durante todo o tempo, desde as escrituras de venda ou cessão de direitos hereditários, até final liquidação, deduzidas as parcelas correspon-dentes ao preço, mais os juros moratórios e quaisquer benfeitorias no mesmo prédio rural, realizadas pelo comprador, tal como dispõe a cláusula quarta, antes igualmente transcrita.

9. Tudo, pois, está a mostrar que o exercício do direito assegu-rado aos consulentes, de receberem seus honorários profissionais, estava a depender de dois acontecimentos futuros, quais sejam: 1º) a verificação do valor real da estância a devolver; e 2º) a liquida-ção do valor da indenização devida pela sua ocupação, como ficou explicitado anteriormente. Eram fatos jurídicos porvindouros, inexistentes à época da revogação do mandato, e, só ocorridos anos após, o último dos quais, recentemente, com a prolação da respectiva sentença de liquidação.

É a aplicação do disposto, respectivamente, nos arts. 114 e 118 do Cód. Civil, verbis:

“Art. 114. Considera-se condição a cláusula, que subordina o efeito do ato jurídico a evento futuro e incerto.

.........................................................................Art. 118. Subordinando-se a eficácia do ato à condição

suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.”

A propósito, com propriedade, acentuou o eminente e saudoso Min. Orosimbo Nonato, ao votar, como relator, no RE nº 13.386, do D.F., in Rev. For., 132, p. 420:

“...É certo que, na pendência da condição suspensiva, a obligatio não se torna exigível, nihil interim debetur a condição suspensiva impede antes de seu implemento, que o ato desvele sua eficácia (vede Espínola, in Manual Lacerda, vol. III, parte 2ª, p. 294).

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Como disse Coviello, “il negozio esiste anche prima s’avveri la condizione, ma la sua efficacia rimane sospesa (Man. di Dir. Civ., § 134, p. 426).

O que então ocorre é uma expectativa, posto que qualificada, de direito, que se adquirirá com o seu implemento.”

Anteriormente, no mesmo sentido, já decidira o Eg. Supremo, ao julgar o Ag. de Pet. 4.192 do D.F., em 05-5-1926, do qual foi relator o eminente e saudoso Min. Edmundo Lins (Rev. de Direito, 83, p. 369/72). E, mais recentemente, no RE nº 83.942, em 19-10-1976, do qual foi relator o eminente Min. Cunha Peixoto (apud M. NOELI FOL. Direitos do Advogado do Paraná, p. 295/304).

Esta é, ademais, a lição dos nossos tratadistas. Além de ESPÍ-NOLA, citado inicialmente, cabe acrescentar: CLÓVIS (Cód. Civ. Coment., I, 1931, p. 365-6); CARVALHO SANTOS (Cód. Civ. Bras. Inter., III, 1937, p. 51-63); CAIO MÁRIO (Inst. de Dir. Civ., I, 1978, p. 487-93) e outros.

Inobstante, PONTES DE MIRANDA, cuidando, especificamen-te, dos contratos cotalícios de honorários, como, no caso, preleciona, in Trat. de Dir. Priv., VI, 1955, p. 151:

“... Nos contratos cotalícios de honorários, em que a percen-tagem há de ser paga afinal, a pretensão somente nasce quando se procede à liquidação. Não há, aí, condição suspensiva; há direito e, ao ser feita a liquidação, pretensão.”

10. Pouco importa que, em 29-11-1969, após a revogação dos mandatos, tenham os consulentes ajuizado contra Lídio Floriano de Melo, ação executiva visando a cobrar seus honorários.

É que, com o julgamento final da causa, tal procedimento tornou-se ineficaz; com ele, pois, não se podendo operar para o desprezo da condição suspensiva já comentada e constante do contrato.

B) DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE AÇÃO1. Como ficou inicialmente esclarecido, a Cda. 1ª Câmara

Cível do Tribunal de Alçada, ao julgar a apelação interposta pelos réus vencidos, herdeiros nomeados de Narciso Melo, houve por bem decidir:

a) por unanimidade, rejeitar as prejudiciais suscitadas pelos apelantes, de carência de ação e coisa julgada; e

b) por maioria, acolher a de prescrição do direito de ação, também por eles arguída.

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2. Conquanto uniformes na conclusão, reconhecendo a pres-crição, dissentiram os votos vencedores na sua fundamentação.

Operou o do relator com o contrato de honorários, e dele extraiu subsídios para reconhecer que o marco inicial do prazo da prescrição era o da data do julgamento final proferido pelo Eg. Supremo, ou seja, 25-11-1963, posto admitisse que, ainda que fosse ele 29-11-1969, consumada, de qualquer sorte, estaria a prescrição, sem apreciar os motivos que, porventura, tivessem interrompido o prazo quinquenal.

Mais completo se fez o voto do terceiro juiz, Dr. Lio Schmitt, após seu pedido de vista dos autos.

Embora reconhecesse ser encargo do Espólio pagar os hono-rários dos advogados contratados pelo testamenteiro, concluiu, inobstante, que não estava dito acervo hereditário vinculado às cláusulas do contrato ajustado apenas entre o testamenteiro e os profissionais, dado que sobre dito contrato não foram ouvidos nem o inventariante, nem os herdeiros, nem ocorreu, ademais, homologação judicial.

Por isso, concluiu que o direito dos advogados de cobrarem seus honorários defluiu da data em que se verificou a revogação do mandato, quando, consequentemente, se iniciaria a contagem do prazo para prescrição. Protraiu-o, todavia, para 29-11-1969, data do ajuizamento da primeira ação de cobrança, em questão, ausente que se fizera a notificação do ato revogatório. E, como repeliu qualquer causa suspensiva ou interruptiva do prazo prescricional, aceitou sua consumação.

3. Com todas as vênias dos nobres juízes que formaram a maioria, no julgamento rememorado, tenho que não foram bem inspirados ao acolherem a prejudicial de prescrição.

É o que se pretende demonstrar a seguir.4. Como preleciona CÂMARA LEAL, em sua clássica mono-

grafia Da Prescrição e da Decadência (p. 21 e segs.), um dos funda-mentos nucleares do instituto da prescrição assenta, desde o Direito Romano, na omissão, na negligência, no descaso, no desinteresse do titular do direito em exercê-lo. Assim tem decidido, também, o Eg. S.T.F. (Rev. For., 124/121-2 e 105/279-82).

Foi esse o comportamento dos advogados consulentes? A res-posta só pode ser, seguramente, negativa.

Com efeito.

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Desde 1952, ou seja, há 31 anos, se entregaram os consulentes na defesa de seu constituinte, propondo, a primeira das ações por eles ajuizadas, a qual, sempre no bom combate, lograram vitoriar-se, na derradeira instância, o Plenário do Egrégio Supremo.

Depois, foram as tratativas amigáveis como queriam os inte-ressados para a execução do acórdão. Já quase exitosos, ao cabo de três anos, viram, imotivadamente, revogados seus mandatos.

Daí os procedimentos de que se valeram para se verem pagos. A primeira das ações em 1969. O procedimento administrativo, ao habilitarem seu crédito nos autos da sobrepartilha, iniciada em 1974. A seguir, na outra ação proposta contra os herdeiros de Lídio Floriano Melo, a qual findou por acordo. Por último, a que se iniciou em 1981.

E, tudo isso, para receberem seus honorários profissionais pe-los serviços prestados. Proporcionaram seu pertinaz labor vultoso patrimônio aos herdeiros de Narciso Melo, no qual não seriam aquinhoados não fossem, repita-se, seus ingentes e longos esforços, como competentes advogados.

Tudo está a evidenciar que o reconhecimento da prescrição não se poderia ter alimentado em boas fontes do Direito.

5. Como ficou bem deduzido nas considerações da seção an-terior, se é certo que a revogação dos mandatos originou o direito aos advogados consulentes de receberem a totalidade dos honorá-rios contratados, todavia, seu recebimento estava a depender das condições suspensivas introduzidas na própria avença, somente realizadas posteriormente.

Basta ter presentes as cláusulas antes transcritas, que, sem di-ficuldade, concluir-se-á que, antes da devolução da estância “Duas Marias”, quando seria apurado o seu real valor, e se procedesse à liquidação correspondente à indenização pelo decurso de tempo da ilegal ocupação, satisfeitas não estariam as condições.

É, pois, da realização de cada uma delas que se há de contar o prazo da prescrição, nos termos do art. 170, I, combinado com os arts. 114 e 118, todos do Código Civil.

Em abono dessa solução, mostram-se, a meu ver, valiosas as considerações expendidas por Guillouard, em obra célebre, verbis:

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“...toutes les fois qu’une créance est conditionnelle, ou à terme certain ou incertain, la prescription commence non du jour où la créance est née, mais du jour où elle est devenue exigible par l’accomplissement de la condition ou l’arrivée du terme. La raison en est que la prescription suppose une négligence du créancier dans l’exercise de son droit, et on ne peut lui reprocher aucune négligence tant que la créance n’est pas exigible.”

(In Traité de La Prescription, A. Pedone Éditeur, Paris, 1901, t. 1º, p. 77, n. 77)

E, satisfeitas ambas, há menos de cinco anos da era em que in-gressaram em juízo - 08-9-1981, os consulentes, com o procedimento sumaríssimo a que se refere o acórdão comentado, não se teria ulti-mado o quinquênio estatuído pelo art. 100 da Lei nº 4.215, de 1963.

A tal conclusão se chega, operando com o contrato de honorários ajustado entre o testamenteiro e os advogados consulentes.

6. Posto tenha o douto voto do terceiro juiz reconhecido a res-ponsabilidade do Espólio pelo pagamento dos honorários debatidos, invocando para tanto o disposto nos arts. 1760 e 1137, II, respec-tivamente, do Cód. Civil e do C.P.C., considerou que não estava ele, Espólio, vinculado às cláusulas do contrato e pelas razões já apontadas anteriormente. Daí não encontrar motivos para considerar as condições suspensivas nele introduzidas.

7. Penso, data venia, que o raciocínio, por demasiado simplista, não concluiu com o devido acerto.

Admito, ad argumentandum, a desvinculação reconhecida. Todavia, sua razão de ser residiria no pertinente ao prejuízo que, porventura, trouxesse aos herdeiros, ou seja, no valor dos honorá-rios, por serem exorbitantes ou excessivos, pois o dever de pagá-los o reconheceu o nobre juiz no voto em apreciação. Assim, sobre a percentagem de 35% contratada. No mais, as cláusulas são até limitativas para os consulentes. E sua invocação fala por si próprio. Ademais, a base sobre a qual assentaria o cálculo é da própria lei, e, tanto o vencimento ordinário como o extraordinário da avença, igualmente, nela assentam, como se vê, da simples leitura, respec-tivamente, dos arts. 97, in fine, 100, I, II e V, parte segunda, todos da Lei nº 4.215, de 1963.

Assim, também, para o Espólio e os herdeiros, inteiramente válidas eram as condições suspensivas, às quais se impuseram os próprios consulentes e em manifesto favor daqueles.

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8. Quando, porém, se venha a aceitar a desvinculação completa e integral do Espólio, aos termos e demais cláusulas do contrato de honorários de advogado, como quer o r. voto, ainda assim, não há, data venia, como reconhecer prescrito esteja o direito dos consulentes, obrigando-os a nova demanda, sabe-se lá por quantos anos ainda, para fazerem valer o seu direito, através, então, da ação ordinária de enriquecimento sem causa, direito este nitidamente pessoal, e cuja prescrição é vintenária, nos termos do art. 177 do C. Civ. (FONSECA, Arnoldo Medeiros da. In: CARVALHO SANTOS. Repert. Enciclop. do Dir. Bras., v. 20, p. 237-42).

Efetivamente.Brotam dos autos e dos documentos deles extraídos e que me

foram presentes, de forma quase solar, que duas causas interrom-peram a prescrição do direito dos autores: as do art. 172, III e V, do C. Civ. Dizem elas:

“Art. 172. A prescrição interrompe-se:I - (...)II - (...)III - Pela apresentação do título de crédito em juízo de

inventário...IV - (...)V - Por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial,

que importe reconhecimento do direito pelo devedor.”

O primeiro deles, tomado em sua ordem cronológica, é constitu-ído pela já mencionada “CARTA DE COMPROMISSO”, subscrita pelos herdeiros, firmada em 15-9-1972, em instrumento particular, subscrito, também, por duas testemunhas, e jamais impugnado.

Dele cumpre destacar duas de suas cláusulas, as de números 2 e 8. Seu texto integral é o que segue:

“.......................................................................2) Os signatários se comprometem a concordar que o imóvel

em questão, seja dado em arrendamento ou parceria a terceiros, mesmo por prazo superior ao fixado para a indivisibilidade, para que, com a renda sejam atendidos os encargos do imóvel, inclusive os correspondentes às despesas judiciais e os honorários devidos pela propositura da ação de anulação da cessão ou venda de direitos hereditários a Orivaldo Lara Palmeiro e consequente execução da sentença; (grifei)

.........................................................................

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8) Todos os condôminos participarão na proporção de seus quinhões de todas as dívidas, obrigações e despesas contraídas ou feitas no interesse dos condôminos e referentes ao imóvel denominado “Fazenda Duas Marias” excluídas, porém NAIR MELLO e VILMA MELLO GOMES DE OLIVEIRA do que é devido pelos condôminos aos advogados Edgar Wilson Mon-dadori, Carlos Alberto Mondadori, Cyro de Carvalho Santos, Edilberto Degrazia e Ricardo Talaia O’Donell.” (grifei)

Tenho, por inequívoco, o reconhecimento da dívida dos con-sulentes, referente a seus honorários, pelos herdeiros; e, assim, servindo de causa interruptiva da prescrição, na data de sua lavra-tura, tal como o requer o citado inciso V do art. 172, do C. Civ., antes transcrito.

Trata-se de instrumento pelo qual os condôminos da estância “Duas Marias”, ainda então indivisa, se propunham arrendá-la. Por isso, comprometiam-se, como o denominaram na CARTA, a repartir as rendas que adviriam, as quais caberiam pro rata a cada um, e, bem assim, as despesas, entre as quais precisavam os honorários em questão, tendo até o cuidado de especificar a ação da qual decorriam e da sua própria execução. Dita cláusula 2 casa-se, perfeitamente, com aquela que consta do contrato de honorários, na ordem oitava e antes também transcrita, onde se declina uma das formas do re-cebimento dos honorários, ou seja, com os recursos das rendas da estância em questão.

E reiteraram os herdeiros seu dito compromisso, incluindo outros além dos consulentes, mas que trabalharam nas causas; explicando-se a ressalva de duas delas por que se teriam proposto pagar a parte que julgavam devida, a qual resultou em depósito judicial, procedido em 1974.

Nem os comentadores do preceito em menção - art. 172, V, exigem atributos outros para o ato interruptivo.

A propósito, sinala CÂMARA LEAL, em sua monografia anteriormente citada, após versar o tema e a doutrina, inclusive no Direito Alemão, baseado em Plank, cuja opinião transcreve (ob. cit. p. 225), verbis:

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“.......................................................................Resumiremos, pois a interpretação do dispositivo legal,

dizendo: sempre que o sujeito passivo pratique algum fato ou faça alguma declaração verbal ou escrita, que não teria praticado ou feito, se fosse sua intenção prevalecer-se da prescrição em curso, esse ato ou declaração, importando em reconhecimento direto ou indireto do direito do titular, interrompe a prescrição.”

No mesmo sentido são os ensinamentos de CLÓVIS (ob. cit. v. I, p. 444, nº 5); CARVALHO SANTOS (Cód. Civ. Bras. Interp. III, 2. ed., p. 430-1, nº 7); CAIO MÁRIO (Instituições de Dir. Civ. I, 1978, p. 606).

E esta tem sido a orientação da jurisprudência, sempre pacífica, do S.T.F.

Votando, no julgamento do RE nº 7.952, em 20-7-1944, assi-nalava o saudoso Min. Castro Nunes: “... o ato inequívoco pode ser indireto para o reconhecimento...” (Rev. dos Tribs., 162/363).

Na mesma linha é o que se lê no julgamento do RE nº 4.416, em 01-8-44, através da palavra de seu eminente e saudoso Min. Orosimbo Nonato. Admitiu ele que o ato interruptivo pudesse até ser virtual, não se fazendo mister fosse ele expresso. O que se faz necessário é que, inequivocamente, se relacione com a dívida reconhecida (Rev. For., 103/53-4).

Igualmente, ficou assentado no RE nº 8.558, em julgamento de 17-10-1944, quando aquele eminente Ministro, como relator, admitiu, fundado em autores estrangeiros, que o reconhecimento em observação poderia até mesmo ser verbal, o que autoriza concluir que qualquer meio, desde que inequívoco se faz válido para o fim interruptivo (Rev. For., 105/80-1).

É no sentido exposto o pensar dos doutos: Baudry-Lacantinerie, in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil (De La Prescription), Librairie Du Recueil, Paris, 1899, t. XXV, p. 325, n. 529; Henri de Page, in Traité Élémentaire de Droit Civil Belge, Établissements Émile Bruylant, Bruxelles, 1943, t. 7º, v. II, pp. 1.078/1.080, n. 1.194; L. Guillouard, in. Op. cit., pp. 230/2, nºs 247/248.

Dispensável, dessarte, a invocação de julgados ou opiniões de doutores outros para evidenciar que a CARTA DE COMPRO-MISSO revela, de forma inequívoca, o reconhecimento da dívida,

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e, consequentemente, por hábil, interrompeu o prazo da prescrição na data em que foi firmada.

9. Cumpre, por fim, verificar da causa final que também te-ria interrompido o fluxo prescricional. Refiro-me a do já citado art. 172, III, pela apresentação do título de crédito no juízo de inventário.

O inventário, no caso, diz respeito à sobrepartilha, procedida no acervo devolvido: a estância “Duas Marias” e o líquido apurado pela sua ilegal ocupação. Pois foi nesse procedimento administrativo que se verificou a apresentação do título de crédito dos consulen-tes. Dito título é o mesmo que embasa a presente ação: o contrato de 31-5-1952. Nem os autores dispõem de outro. Em decorrência dele é que o inventariante Lídio, em suas declarações, nos autos da referida sobrepartilha, procedeu à sua descrição, em 16-4-1975. Fê-lo em cumprimento ao disposto no art. 993, IV, f, do C.P.C.; e, mais tarde, no decurso do demorado andamento do feito, se dispôs à separação de bens para seu pagamento.

E foi, não somente diante das declarações em apreço como da apresentação, em 21-12-1976, pelos consulentes de seu título de crédito, que, frente às impugnações dos herdeiros e do legatário, Hospital São Patrício, o juiz despachou, encaminhando a pretensão às vias ordinárias, o que ocorreu em 28-8-1980 (fl. 322), dos autos da sobrepartilha em questão.

Dessarte, além da interrupção da prescrição anteriormente verificada, com a CARTA de 15-9-1972, outra se operou, posterior, com a citada apresentação do título de crédito, pelos credores, no juízo de inventário, no caso a sobrepartilha.

10. Pouco influi o largo espaço de tempo que medeiou entre a citada apresentação do título, em 21-12-1976, e o despacho do magistrado, ocorrido em 28-8-1980, de resto, inferior a cinco anos. É que, enquanto, vigilantes, aguardavam o pronunciamento dos herdeiros e demais interessados, e processava-se o feito, até que o juiz decidisse a respeito, persistia seu propósito de cobrar, obstando fluxo prescricional. Tal comportamento dos credores, posto que, em processo de inventário, equipara-se ao ajuizamento da própria ação de cobrança, como se pode extrair da conjugação do art. 1796, §§ 1º e 2º, do C. Civ., e arts. 1018 e seu parágrafo único e 1039, I, in fine, do C.P.C.

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Neste sentido é a lição dos autores, dos quais invoco apenas CARPENTER (Manual Paulo Lacerda III, já cit., p. 287); AL-MEIDA OLIVEIRA (A Prescrição, p. 122); OLIVEIRA CASTRO (Cód. Civ. Interp. pelo S.T.F., II, p. 77) e BRENO FISCHER (A Prescrição nos Tribunais, II, 1957, p. 288 e segs., § 253, invocando excelente julgado do Trib. de Justiça de S. Paulo, in Revista Forense, 108/316-7, da lavra do saudoso processualista Herotildes Lima, cuja expressiva ementa dispõe:

“Honorários médicos. Prescrição. Interrupção.A apresentação do crédito de honorários no juízo do inventário

produz interrupção da prescrição que só recomeça a correr depois de decidida a remessa do credor às vias ordinárias.”

11. A longa e detalhada exposição, por vezes até demasiado insistente, evidencia que, quando os autores, ora consulentes, ajui-zaram sua ação de cobrança contra os herdeiros de Narciso Melo - 08-9-1981 - através do procedimento sumaríssimo, prescrito não se achava o seu direito, mesmo que se levasse em consideração a desvinculação completa entre o contrato de honorários e os herdeiros em questão, ora demandados.

E isto porque:a) iniciado o prazo em 29-11-1969 com a propositura da primei-

ra das ações, sofreu interrupção com o reconhecimento da dívida pela “CARTA COMPROMISSO” de 15-9-1972;

b) passando o prazo de novo a fluir da última das datas, foi, novamente interrompido em 21-12-76, com a apresentação do título de crédito no juízo do inventário (sobrepartilha);

c) e porque dita interrupção é de efeito prolongado (BRENO FISCHER, ob. e vol. cit. p. 288, primeira parte) só findou em 02-8-1980, quando, pondo termo ao pedido de pagamento, despachou o juiz, encaminhando os credores às vias ordinárias; contando-se daí, de novo, o prazo;

d) ajuizada a derradeira ação em 08-9-1981, não decorreram os cinco anos, prazo prescricional estatuído pelo art. 100 da Lei nº 4.215, de 1963, seja da última das datas mencionadas, seja da penúltima delas.” 25

25 In Revista Forense, v. 359, pp. 182/8.

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Os seus pareceres lembram, na forma de deduzir e de concluir, o mesmo estilo dos tempos de juiz: o modo límpido e correntio que nota-bilizaram as suas sentenças e acórdãos.

Em expressiva homenagem que lhe foi prestada pela academia, logo após a sua aposentadoria, o saudoso Desembargador Mário Boa Nova Rosa delineou com fidelidade o perfil do jurista Carlos Thompson Flores, verbis:

“O juiz Carlos Thompson Flores, porque juiz ele foi todo, só e sempre, teve a Justiça, com esses conceitos, como o breviário em que assentou a sua fé no primado do Direito.

Não tomou, porém, esses princípios, como armadura ou como escudo, mas brandiu-os, como lança ou como gládio, durante toda sua longa, brilhante e prestimosa vida de julgador. Mesmo afastado já da esperança sem temor, da mocidade; mas ignorando também o temor sem esperança dos que não tem mais futuro, acreditou sempre no poder da Lei e na magestade da Justiça.

Foi bem o tipo clássico do magistrado de carreira, que fez do hábito de julgar um sincero apostolado e só compreendeu o Direito como uma obrigação superior, pairando acima dos interesses e das paixões.

Nunca foi mero aplicador da lei; nem simples compulsador de ementários de jurisprudência; e, muito menos, um insensível aos dramas humanos que a realidade, surpreendentemente, suscita, alguns com aparência de insolúveis. Pelo contrário, timbrou sua fecunda caminhada com provas incontroversas de penetrar no âmago da lei, subtraindo da norma sua essência de justiça, para conciliar o interesse público com as pretensões privadas das partes, não sa-crificando o direito, nem sendo rigoroso ao extremo, nem tolerante em demasia; porque fez dos repositórios de julgados a bússola de suas convicções sobre o contexto social do momento, sem tornar-se subserviente com o fim escuso de aumentar a probabilidade de serem as sentenças mantidas, com um falso halo de prestígio, mesmo contrariando as verdadeiras ideias de seu subscritor não reveladas; sempre se despiu do aparato de autoridade intransigente que, de fato, nunca se impõe, embora possa ser temida, para revestir-se de autoridade branda, mas firme.

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Proferiu decisões que ficaram assinaladas com a sua marca, pois - como refere Lourenzo Cornelli - nenhum julgador se des-poja inteiramente de seus hábitos, inclinações e preferências, que gravitam em torno de suas decisões, sem que ele o queira ou saiba. Pode, se exercitar a centelha divina que Deus põe em sua mente, realizar a função criadora reclamada por Alberto V. Fernandez, advogado e professor argentino, do juiz, para quem as normas jurídicas gerais são esboços, incompletos objetos, obscuros e, às vezes, toscos, que o intérprete estuda, analisa e penetra com toda a ciência ao seu alcance.

O pragmatismo de sua longa formação de juiz pareceu, quiçá, formalista ... Mas esse formalismo traduzia a pureza de seus métodos de jurista clínico, que tanto valorizava a perfeição do diagnóstico quanto enfatizava a adequação, a cada mal específico, da terapêutica própria. No mais, mesmo em questões de índole formal, foi benevo-lente e tolerante, trazendo aos textos rígidos e frios o abrandamento que sua inclinação temperamental impunha. Do juiz profissional, justamente envaidecido de sua carreira e da missão augusta que desveladamente cumpriu; do juiz liberal em quem a ânsia de fazer justiça às partes tornava reparador intransigente das violações à liberdade, não só dos probos e dos justos, mas de todos, sem dis-criminações nem fronteiras outras que as da lei; do juiz exato na transigência, generoso na severidade, humano na disciplina - de um juiz assim dotado pode se dizer que nasceu para a mais alta Corte de Justiça, indo nela encontrar a mesma atmosfera que seu modo de ser desde sempre respirara.

(...)No grande volume que é a vida de S. Exª. a sua atuação como

juiz ficará assinalada entre duas folhas: a longínqua e modesta pre-toria de Herval do Sul e a recente e magnífica presidência da Corte Suprema; mas, ao contrário da flor esmaecida que, para lembrança de alguém, se conserva entre as páginas de um livro, seu exemplo não perderá o viço na memória de seus contemporâneos e servirá de modelo para os porvindouros.” 26

26 In Revista Estudos Jurídicos, v. XI, nº 32, ano 1981, pp. 102/3.

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A morte alcançou-o em 16.04.2001, aos 90 anos de idade.Em 15.08.2001, o Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul

conferiu-lhe a Comenda Honorífica “Magistrado Exemplar” post mor-tem, num público reconhecimento aos seus elevados méritos como juiz e jurista.

No decorrer de quase meio século, repetindo Bento de Faria, o Ministro Carlos Thompson Flores distribuiu justiça sem os excessos da mediocridade exibicionista, praticou o bem sem alardes; elevou o conceito de nossa Pátria, honrou a sua toga, impôs-se ao respeito e admiração dos seus pares e jurisdicionados, avassalou os corações de quantos serviram ao seu lado e sobretudo os dos que continuarão a fruir o proveito dos seus ensinamentos.

Nos merecidos aplausos que rodeiam a longa trajetória do Ministro Carlos Thompson Flores, resplandece a qualidade mestra de todo homem marcante: a fidelidade a si mesmo, à sua vocação e aos seus ideais de justiça. Foi nesse nobre sentimento que acumulou forças para contrariar os poderosos, para amparar os fracos, para desprezar a momentânea e falsa opinião das multidões e para servir o interesse superior da Justiça.

Afirmou um magistrado francês que “c’est mal définir la grandeur du magistrat, que de ne la faire connaître que par son pouvoir. Son autorité peut commencer ce tableau, mais sa vertu seule peut l’achever. C’est elle qui nous fait voir en lui l’esprit de la loi et l’áme de la justice; ou plutôt il est, si l’on peut parler ainsi, le supplément de l’une et la perfection de l’autre. Il joint à la loi, souvent trop générale, le discer-nement des cas particuliers; il ajoute à la justice cette équité supérieure sans laquelle la dureté de la lettre n’a souvent qu’une rigueur qui tue, et l’excès de la justice devient quelquefois l’excès de l’iniquité”. 27 Nenhuma sentença literária seria mais apropriada de esclarecer a magistratura de Carlos Thompson Flores como essa de D’Aguesseau, ao revelar o segredo da projeção de sua jurisprudência que se prolongará pelo tempo afora, pois soube marcar acima dos interesses dos homens e das contingências do momento para representar o mais puro ideal da Justiça, como aquele expresso por Bossuet em presença de Luiz XIV, verbis:

27 In Oeuvres Choisies Du Chancelier D’Aguesseau, Librairie de Firmin Didot Frères, Paris, 1863, pp. 108.

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“Deve ela – a justiça - ser presa a regras. Inegável em sua conduta, conhe-cendo o verdadeiro e o falso nos fatos que expõe. Deve ser ainda cega em sua aplicação. Sobretudo, deve ser branda algumas vezes, dando lugar à indulgência. Finalmente, a Justiça é insuportável nos seus rigores. A constância a fortalece nas regras; a prudência a esclarece nos fatos; a bondade lhe faz compreender as misérias e as fraquezas. Assim, a primeira a sustenta; a segunda, a aplica; a terceira, a tempera. Todas as três virtudes a tornam perfeita e a completam por seu concurso”. 28

Virtus praestat ceteris rebus.

28 In Oeuvres de Bossuet, Firmin Didot Frères, Paris, 1862, t. I, p. 421.

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Poema em madeira

Luiz Carlos de Castro Lugon

A árvore vê o bosquecom seus olhos de madeira.Recebe a paisagem autêntica,nua de todo o pensamento.

Diz-se o indizíveltanto quanto possível.Nem realidade refeita,nem construção, só colheita.

Criança olhando o mundoem superfície e fundo.(Poesia é antes da fala,o pouco que se diz do muito que se cala).

A árvore vê o bosquecom seus olhos de criança.O poeta olha a vidaávido de semântica.(A palavra, que o sustenta, é apenas ferramenta).E porque antecedeaquilo que foi feitoé que a palavra escapaa tudo o que é conceito.

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A criança escreve seu mundono alfabeto de madeira.(e o dizer pouco ou nadana ingênua alegriade toda algavariaé como o exercíciode separar poesiaprocurando a mensagemna sopa de aletria).

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Hermenêutica(ou o vinho e a Garrafa)

Luiz Carlos de Castro Lugon

Direito, meu amigo, é como um vinhoque transita no bojo do processo;fluido que é, não pode andar sozinhoe à mesa do conviva ter acesso.

Encontrarás das lides no caminhointérpretes de pose e de sucesso,que, escravos nos grilhões do pergaminho,um passo a mais não dão pelo progresso.

E, em se prendendo à forma tanto, tanto,cultuam mais o barro do que o santo.Esse legem habemus não aceito.

Quem a má exegese não descarta,cuida demais que o vidro não se parta;derrama a rara essência do direito!

POEMAS

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conjeturas e definição final de uma Gota de orvalHo em uma

folHa de inHame

Luiz Carlos de Castro Lugon

Estou à margem. O rio é o mesmo,água em viagem lenta, sem motivo.A esmo um pássaro arrisca um grito,protesto vão: o tempo, como o rio,a um só tempo fica e passa.

Estou à margem. O mundo é o mesmo,de sua própria órbita cativo.Um não em mim explode de um conflito:encaro o sol, não me entrego, não me integro.Não vou ao mar; vou à nuvem.

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omolu

Luiz Carlos de Castro Lugon

Assimilei em mim o mal do mundo,mágoa por mágoa, praga por praga,peste por peste. O trabalho sujoeu fiz, corpo abertoa cada nova chaga, as mãos em calos,as olhos cheios de morte.

Causo-te asco, então? Corpo impuroProvoca nojo à hipócrita brancuraDo teu alvo lençol rico, rendado?Sou a peble, a ralé, o contágio,a miséria, a face oculta do mundo,o lixo, o esconso Omolu.

Sou Obaluaiê, o remorsoque dói no preconceito, a sequelaNo rosto, a mangra da bexiga.Não, não fujas de mim, eu sou a sombrade ti que para ti desenhaste,indelével na pele da alma.

Sou velho Omolu. Se eu danço,deves dançar; se me canso,deves sentar;; e, no arremedo,hás de sentir-te igual, que, ao fundo,sabes da corrupção atrás da máscara pálida afivelada em teu rosto.

POEMAS

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