revista comercialista - 11ª edição - edição especial - direito marítimo

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Ano 2 - Vol. 11 Especial Direito Marítimo PERFIL Nelson Cavalcante Juiz do Tribunal Marítimo trata de relevantes questões para o cenário maritimista brasileiro

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11ª Edição da Revista Comercialista - Direito Comercial e Econômico - Edição Especial - Direito Marítimo

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Page 1: Revista Comercialista - 11ª Edição - Edição Especial - Direito Marítimo

Ano 2 - Vol. 11 Especial Direito Marítimo

PERFIL

Nelson Cavalcante Juiz do Tribunal Marítimo trata de

relevantes questões para o cenário maritimista brasileiro

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Revista Comercialista

REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 112 Sumário

5. Editorial

6. PerfilEntrevista com o Juiz do Tribunal Marítimo Nelson Cavalcante

14. DoutrinaArtigos acadêmicos sobre o que há de mais atual e relevante

Contrato de Transporte. Por Osvaldo Sammarco

O “arresto” de navios e a necessidade de reforma da legislação brasileira em vigor. Por Werner Braun Rizk

Análise econômica da limitação de responsabilidade do transportador marítimo. Por José Luiz Bayeux Neto

11a Edição - Especial de Direito Marítimo

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 11 3

A Revista ComeRCialista – DiReito ComeRCial e eConômiCo é uma publicação eletrônica trimestral, independente, com o es-copo de fomentar a produção acadêmico-científica nas áreas do Direito Comercial e Econômico. Contato (11) 98133-5813 - [email protected]. Editor: Pedro A. L. Ramunno - [email protected] aos leitores: As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as da Revista Comer-cialista nem das instituições em que atuam. É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem autorização prévia.

EDITOR EXECUTIVOPEDRO ALVES LAVACCHINI RAMUNNO

CONSELHO EDITORIAL

CONSELHO DISCENTEGUSTAVO LACERDA FRANCO

PACO MANOLO CAMARGO ALCALDEPEDRO ALVES LAVACCHINI RAMUNNO

RODRIGO FIALHO BORGES

CONSELHO DOCENTEFABIO ULHOA COELHO

JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIROMARIANA PARGENDLER

SÉRGIO CAMPINHO

ARTICULISTAS DESTA EDIÇÃOJOSÉ LUIZ BAYEUX NETOOSVALDO SAMMARCOWERNER BRAUN RIZK

REPÓRTER DESTA EDIÇÃOPEDRO ALVES LAVACCHINI RAMUNNO

DIAGRAMAÇÃORODRIGO AUADA

FALE [email protected]

Expediente

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 114 Apoio institucional

Seja também um [email protected]

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 11 5

O Direito Marítimo é um dos ramos do Direito Comercial de maior importância para a flu-ência da economia brasileira. Para tanto, basta observar os altos montantes transportados em mercadorias pelas águas nacionais diariamente.

O que ocorre, contudo, é o fato de sua relevância e aplicabilidade, pautadas principal-mente nos ditames da Lex Mercatoria, aparentarem serem negligenciadas por muitos, in-cluindo as principais instituições de ensino jurídico no país. Aos leigos, pode parecer que di-reito marítimo se resume tão somente ao conjunto de normas positivadas na segunda parte do Código Comercial de 1850, no entanto seu arcabouço normativo vai muito além.

Esta edição especial enfrenta exatamente essa visão minimalista que circunscreve esse importante ramo comercialista. Pretende-se, aproveitando a maré que envolve a discussão do Direito Marítimo – que pode ser exemplificada pelas Emendas 55 e 56 do Projeto de Lei nº 1572/2011 –, retirar momentaneamente as amarras que o prendem e mostrar, ao menos um pouco, a sua sofisticação e alguns dos pontos abertos ao debate.

Sendo assim, primeiramente, conta-se com a participação de Nelson Cavalcante e Silva Filho, Juiz do Tribunal Marítimo que ocupa a cadeira de Especialista em Direito Marítimo, o qual, em entrevista exclusiva, trata de relevantes questões relacionados a esse ramo do di-reito, incluindo a necessidade de revisão da atual legislação brasileira e a forma como o Di-reito Marítimo é tratado pelas instituições de ensino brasileiras.

Reforma legislativa também é um tema abordado por Werner Braun Rizk, advogado espe-cializado em Direito Marítimo e Procurador do Estado do Espírito Santo, um dos principais polos maritimistas brasileiros, em artigo sobre o “arresto” de navios, instituto diretamente relacionado ao maritime lien da common law.

Em seguida, Osvaldo Sammarco, referência no Direito Marítimo, em erudito e preciso texto, trata da importância do conhecimento marítimo nos contratos de transporte para a autorização da entrega da mercadoria ao importador no porto de destino, dando especial atenção para o desenvolvimento histórico do Direito Marítimo e da própria navegação.

Por fim, José Luiz Bayeux Neto aborda a limitação da responsabilidade do transportador marítimo à luz da análise econômica do direito, tratando da alocação de riscos contratuais entre a contratação de seguro de responsabilidade civil pelos transportadores e o seguro de dano da carga pelos embarcantes.

Espera-se que o atual momento, bastante auspicioso para o debate e, sobretudo, para o desenvolvimento do Direito Marítimo brasileiro seja aproveitado ao máximo pela comunida-de jurídica nacional, superando-se o longo período em que foi deixado à deriva por grande parte das nossas instituições políticas, jurídicas e econômicas. Busca esta edição da Revista, modestamente, contribuir nesse esforço tão necessário.

Direito marítimo: à deriva?

Conselho Editorial

Editorial

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Revista Comercialista

REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 116 Perfil

Nelson Cavalcante e Silva Filho, juiz do Tribunal Marítimo, mostra seu posicionamento sobre diversos temas

relacionados ao direito marítimo e portuário brasileiro

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Comercialista - Como a experiência do senhor na advocacia colabora em sua atuação como juiz?

Nelson Cavalcante - Antes de ingressar por concurso público no Tri-bunal Marítimo, em 2010, militei por 20 anos na advocacia contenciosa. Essa experiência de “balcão de fórum” me deu a sensibilidade neces-sária para entender o processo judicial como um drama que envolve as partes convertido em autos. Ao julgar, eu tenho que adequar com precisão a técnica processual e o direito material, que são abstrações do legislador, à concretude do conflito a ser solucionado; e 20 anos de experiência pretérita na advocacia maritimista me deram capacidade para encontrar a solução que mais atende os anseios da sociedade por uma navegação segura, missão maior do Tribunal Marítimo.

Comercialista - O Tribunal Marítimo possui natureza jurídica de ór-gão especial da Administração Direta da União, tratando-se, confor-me estabelecido por sua Lei Orgânica (Lei no 2.180/1954), de um órgão autônomo, auxiliar do Poder Judiciário. O apoio logístico do Tribunal Marítimo – provimento de pessoal e material para seu regular fun-cionamento – é feito pelo Ministério da Defesa, por meio do Comando da Marinha. Levando em consideração essa estrutura organizacional, o fato de existir uma intrínseca relação com o Ministério da Defesa influencia as atividades do Tribunal Marítimo e de seus membros?

Nelson Cavalcante - De forma alguma. O Tribunal Marítimo é efetiva-mente um órgão técnico autônomo e independente como estabelece sua Lei Orgânica e não guarda nenhuma relação de cunho hierárquico com outro órgão. Não há qualquer influência nas atividades do Tribunal Marítimo ou na atuação de seus Juízes, seja esta do Comando da Mari-nha, do Ministério da Defesa ou de qualquer outro órgão.

Perfil

Por Pedro Alves Lavacchini Ramunno

O panorama maritimista brasileiro

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 118

Comercialista - O fato de o Tribunal Marítimo ser in-tegrante da Administração Direta da União, a despeito de constituir órgão auxiliar do Poder Judiciário, faz com que seja um órgão adminis-trativo. Dessa forma, as de-cisões do Tribunal Marítimo são passíveis de revisão pelo Poder Judiciário. Qual é o re-sultado prático dessa pos-sibilidade de revisão, pela qual um ente público sem a especialidade que caracteri-za as atividades do Tribunal Marítimo pode reformar as decisões desse?

Nelson Cavalcante - De fato há casos em que condenados pelo Tribunal Marítimo bus-cam no Poder Judiciário uma nova tentativa de discussão das questões administrativas apreciadas pela Corte Marí-tima que levaram à sua res-ponsabilização pelo aciden-te ou pelo fato da navegação. Porém, o Poder Judiciário ao longo desses 80 anos desde a instalação do Tribunal Marí-timo tem prestigiado a espe-cialidade da Corte e mantido o mérito de nossas decisões. A jurisprudência é farta no sen-tido de que o Poder Judiciário, no controle do processo admi-nistrativo, deve limitar-se ao exame da regularidade do pro-cedimento, bem como à lega-lidade do ato atacado, sendo--lhe vedada qualquer incursão no mérito administrativo. Há dezenas de precedentes nesse sentido, inclusive no STJ e no STF. As decisões do Tribunal

Marítimo passíveis de revisão pelo Poder Judiciário, portan-to, são aquelas eivadas de ví-cios de ilegalidade ou irregu-laridade formal intransponível e nesse sentido é muito salu-tar e absolutamente aceitável o controle do Poder Judiciário. O que não se espera e, repi-to, não tem acontecido nes-ses 80 anos de existência da Corte Marítima, é que um Juiz possa, sozinho, com leveza, substituir a análise daquelas questões especializadas para as quais não foi preparado para resolver.

Conforme estabelece a Lei 2.180/54, o Tribunal Marítimo é um órgão colegiado, presi-dido por um Almirante e com-posto por dois comandantes de navios sendo um Capitão de Longo Curso da Marinha Mercante e outro Capitão de Mar e Guerra da Armada, um engenheiro naval, um especia-lista em armação de navios e dois bacharéis em direito, sen-do um especialista em Direito Marítimo e o outro em Direi-to Internacional Público. Es-ses Juízes analisam a natureza dos acidentes e dos fatos da navegação, apontam as causas determinantes e, em conjun-to, aplicam as penas da lei aos responsáveis, recomendando, sempre que necessário, medi-das preventivas e de seguran-ça. Quatro dos Juízes são civis, nomeados para o cargo após aprovação em concurso públi-co de provas e títulos e três são militares, nomeados pelo Pre-sidente da República median-

te proposta do Comandante da Marinha.

O procedimento se inicia nas Capitanias dos Portos, que, ao tomarem conhecimento da ocorrência de um acidente ou de um fato da navegação, abrem o que chamamos de IAFN – Inquérito Administrati-vo sobre Acidentes e Fatos da Navegação, que segue as dire-trizes traçadas pela NORMAM 09/DPC. Durante o inquérito são ouvidas testemunhas, jun-tados documentos referentes às embarcações envolvidas e é feita a análise técnica do even-to por meio de pessoal espe-cializado. No relatório final o encarregado do IAFN aponta os fatores que contribuíram, a causa determinante e os pos-síveis responsáveis, abrindo a esses a oportunidade de apre-sentarem defesa prévia antes de os autos do IAFN seguirem para o Tribunal Marítimo.

Recebido o IAFN no Tribu-nal Marítimo, esse é autuado e distribuído a um Juiz Rela-tor e a um Juiz Revisor. O Juiz Relator determina a remessa dos autos para a Procurado-ria Especial da Marinha - PEM, que poderá propor o arquiva-mento do processo de plano, o retorno dos autos à Capita-nia para novas diligências ou apresentar representação em face daqueles que entender responsáveis, pugnando por sua condenação.

Apresentada a representa-ção pela PEM, o Juiz Relator a leva ao plenário com seu rela-tório e dá seu voto, que pode

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ser pelo recebimento ou pelo arquivamento da representa-ção. Decidindo a Corte pelo recebimento os representa-dos serão citados pelos meios ordinários de citação previs-tos no Regimento Interno e na Lei Orgânica do Tribunal, que são coincidentes com os meios previstos no CPC salvo nos casos dos representados estrangeiros residentes no ex-terior, que são citados de pla-no por edital, sendo este re-metido ao Consulado de seu país e ao agente marítimo de seu armador. Os representa-dos têm prazo de 15 dias para contestar, respeitadas as hipó-teses de contagem diferencia-da do prazo em razão do nú-mero de representados ou de sua qualidade.

A fase seguinte é a de ins-trução do processo, na qual às partes é franqueada a oportu-nidade de produzirem todos os meios de prova que pretende-rem como a finalidade de con-firmarem suas teses. Essa fase não guarda a mesma rigidez do procedimento civil, ficando as partes livres para pedir oitivas, perícias e juntar novos docu-mentos enquanto a fase estiver aberta. Busca-se aqui apurar a verdade real tanto quanto pos-sível, não sendo suficiente para o Tribunal Marítimo a mera verdade processual, pois além de o julgamento poder resultar na imposição de sanções aos responsáveis que chegam até à cassação de sua habilitação profissional, a apuração das causas determinantes dos aci-

dentes e dos fatos da navega-ção de forma precisa é neces-sária para que a navegação seja cada vez mais segura. Caracte-riza a apuração formal dos aci-dentes e fatos da navegação, ademais, o fato de o Tribunal Marítimo apurar a responsa-bilidade subjetiva do agente no sinistro e que tal apuração independe da eventual obriga-ção deste agente, fora do âm-bito do processo marítimo, ser objetivamente responsável por indenizar em virtude da lei ou do contrato. Será o represen-tado condenado no Tribunal Marítimo, portanto, somente na hipótese de sua responsa-bilidade, oriunda de dolo ou culpa, ficar provada acima de qualquer dúvida.

Encerrada a instrução, às partes é dada a oportunidade de apresentarem suas alega-ções finais por memorial, fi-cando o processo maduro para ser julgado. O Juiz Relator, en-tão, faz o relatório e remete os autos ao Juiz Revisor, que pedirá data para julgamento pela Corte.

O julgamento tem início no Plenário, em sessões abetas ao público, com a leitura do rela-tório pelo Juiz Relator. A pala-vra é dada em seguida à PEM e em seguida aos advogados dos representados, tendo cada par-te 30 minutos para apresentar suas razões. A palavra retorna ao Juiz Relator que apresenta suas conclusões e em segui-da o Juiz Revisor apresenta as dele. Abre-se o debate entre os Juízes, que podem pedir escla-

recimentos aos Juízes Relator e Revisor e, até, aos advogados que sustentaram na tribuna. Encerrada a discussão inicia-se a votação pelo Juiz Relator, em seguida o Juiz Revisor e depois os demais juízes pela ordem do mais moderno ao mais antigo. O Acórdão é redigido pelo Juiz que prolatou o voto vencedor e é publicado no Diário Oficial da União.

Para encerrar esse resumo, há três recursos cabíveis em nosso procedimento: Embar-gos de Declaração, Agravo e Embargos Infringentes, cada qual com suas características e hipóteses de interposição. Há, ademais, previsão na Lei 2.180/54 que particulares que demonstrem efetivo interesse movam representações priva-das, seguindo essas o mesmo rito das representações públi-cas propostas pela Procurado-ria Especial da Marinha.

Os maritimistas que lerão essa entrevista poderão achar aborrecido esse resumo que lhe fiz, mas procurei demonstrar àqueles outros leitores menos afeitos às lides marítimas, que os julgamentos perante o Tri-bunal Marítimo respeitam um procedimento previsto em lei, que há durante todo o processo absoluta obediência ao contra-ditório e à ampla defesa, que os Juízes do Tribunal Marítimo são terceiros imparciais a julgar um processo movido pela socieda-de, aqui representada pela PEM, ou movido por alguém que de-monstre legítimo interesse em face de um suposto responsá-

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vel, e que as partes contam com todas as garantias constitucio-nais do devido processo legal.

Comercialista - Em diver-sas situações, seja pela práti-ca consolidada e costumeira, seja pela ausência de regula-ção interna, é comum obser-var referências a dispositivos internacionais para regular as relações travadas na seara marítima. É o que ocorre, por exemplo, com a aplicação dos Incoterms (International Com-mercial Terms) nos contratos de transporte marítimo, como forma de modelar a extensão da responsabilidade entre as partes contratantes. Consi-derando-se especialmente o caso brasileiro, essa tendência se justifica pela falta de uma preocupação legislativa com o tema ou pela maior adequação de uma regulação “suprana-cional” da matéria?

Nelson Cavalcante - O Direito Marítimo é por natureza cos-tumeiro e universal. Os inco-terms são uma demonstração disso. Não é por falta de pre-ocupação legislativa, portan-to, que o comércio marítimo lança mão de regulamentos internacionais ou do costume para resolver questões de di-reito público (navegação) ou privado (comércio marítimo). É mesmo assim que funciona o setor e é salutar que assim seja, pois são negócios que en-volvem pessoas e empresas de diversos países, com culturas jurídicas diferentes e, para que possam falar a mesma língua

quando vão tratar de negó-cios ou dirimir controvérsias, é interessante que respeitem os costumes e as Convenções Internacionais. Se cada país tentasse impor seu direito ao outro não haveria navegação segura nem negócios possíveis pelo mar.

Comercialista - A Emenda

56 ao Projeto de Lei propôs a instituição do livro de “Direi-to Marítimo”. Tomando como base esses recentes movimen-tos legislativos, o senhor é a favor da codificação do Direito Comercial? Existiria a possibi-lidade de o Código Comercial engessar o Direito Marítimo, ramo nitidamente relaciona-do à prática comercial?

Nelson Cavalcante - Ao con-trário. Engessados estamos hoje. Posso afirmar com abso-luta certeza que as Emendas 55 e 56, se transformadas em Lei, vão arejar a matéria e trazer o Direito Marítimo brasileiro do século XIX para o século XXI e, usando metáfora mais mari-nheira, retirar as amarras que prendem nosso Direito Marí-timo a uma legislação editada em 1850 e o impedem de nave-gar livre. Questão corriqueira, por exemplo, é o embargo à sa-ída de um navio do porto como meio de obter do armador uma garantia para determinada dí-vida. Esses processos simples em qualquer parte do mundo têm se transformado aqui em sérios imbróglios jurídicos em razão da falta de clareza de nossa legislação. Ocorre al-

gumas vezes de não se obter a ordem de embargo a tempo, ficando o credor literalmente a ver navios ou, em via inver-sa, acontece também de não se conseguir liberar o navio para seguir viagem, não obstan-te as garantias apresentadas, passando, ocasionalmente, o credor a devedor em razão do prejuízo causado ao navio e à carga em razão de demarches processuais. Há muitos outros exemplos de problemas resul-tantes da falta de previsão ou de clareza da nossa legislação anciã, como a miríade de en-tendimentos acerca dos pra-zos de prescrição desde que a parte primeira do Código Co-mercial, onde a matéria esta-va regulada, foi revogada pelo novo Código Civil, a dificulda-de que os Juízes, e, em seguida os Tribunais, têm para definir os responsáveis por eventual reparação nos casos em que envolvem NVOCC’s, o desacer-to acerca da figura dos Agentes Marítimos, ora confundidos com o próprio armador, ora com representantes comer-ciais ou com aqueles agentes regulados pelos artigos 710 e seguintes do Código Civil e etc... Portanto, o que as emen-das propostas pela ABDM bus-cam é justamente dar à legis-lação marítima brasileira uma modelagem mais próxima da legislação marítima dos países latinos e europeus, colocando--nos no círculo das nações que guardam um ambiente saudá-vel para os negócios. Para isso é necessário dar clareza às

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regras do jogo e é isso que as emendas pretendem.

Comercialista - Ainda sobre a Emenda 56, há posiciona-mentos que defendem a sua inconstitucionalidade, por julgá-la uma produção a fa-vor de armadores, fretadores, afretadores e transportadores marítimos brasileiros, pre-ocupando-se exclusivamen-te com os interesses destes. O senhor concorda com essa concepção?

Nelson Cavalcante - No Con-gresso do CMI – Comité Mariti-me Intenational, em Dublin, no ano passado, o Presidente da Delegação da Turquia, ao ser indagado o motivo pelo qual seu país não aderia a determi-nadas Convenções Internacio-nais, respondeu que “há três motivos: Paranóia, ignorância e vaidade. Paranóia por enten-der que se a Convenção foi es-crita em outro lugar e não na Turquia, não pode ser boa para os turcos. Ignorância, simples-mente, por não entendermos o alcance da Convenção propos-ta. E vaidade, pois se não foi pensado por turcos, não pode ser bom”. Poderíamos dizer o mesmo de algumas críticas feitas às Emendas propostas pela ABDM: há um pouco de paranóia quanto aos efeitos da adoção de certas práticas corriqueiras em outros países, mas nunca utilizadas por nós, como, por exemplo, a forma-ção de um fundo pelo armador quando abrir um procedimen-to de limitação de responsa-

bilidade. Há, ainda usando o mesmo exemplo, muito pou-co ou nenhum estudo sobre aquele instituto no Brasil, não obstante ser francamente uti-lizado em toda a Europa, Ásia e Américas do Norte e Latina, constar da maioria dos con-tratos de transporte marítimo lavrados no exterior, inclusive de transporte multimodal aqui no Mercosul. Aliás, é funda-mental que se esclareça que o texto e os valores dos limites propostos pela Emenda 56 fo-ram tirados do Acordo de Al-cance Parcial para a Facilitação do Transporte Multimodal de Mercadorias no MERCOSUL, do qual o Brasil é signatário e foi internado através do De-creto 1563/95, não tendo qual-quer fundamento, portanto, o discurso de que no Brasil não temos exemplos de limitações de responsabilidade.

A crítica de que as emendas favorecem os armadores, afre-tadores, transportadoes, a, b ou c, não tem qualquer sentido. Buscamos tanto quanto possí-vel o equilíbrio entre os envol-vidos no comércio marítimo, sempre com vistas no que é o uso e o costume no comércio marítimo mundial. A posição do armador até mesmo piorou em relação ao sistema do Có-digo Comercial em vigor. Por exemplo, a possibilidade de se reter uma embarcação foi mui-to ampliada, inclusive com a previsão de fazê-lo para buscar garantias por dívidas contra-ídas no exterior, o que hoje é expressamente vedado. Outro

exemplo de piora na posição do armador em comparação ao sistema atual é a supressão da previsão de sua responsabi-lidade cessar com o abandono do navio e fretes vencidos aos credores em razão de prejuí-zos causados à carga em razão da falta de diligência do capitão na guarda, acondicionamento e conservação desta, hipótese hoje prevista no art. 494. Vê-se que essas críticas foram feitas por quem não leu as emendas ou não comparou o que esta-mos propondo com o texto do Código em vigor.

Trabalhamos ao longo de todo o ano de 2012 para elabo-rar as propostas de emenda e ao longo desse período rece-bemos muitas contribuições e ouvimos muitas críticas, algu-mas absolutamente pertinen-tes, que levaram nosso grupo a rever vários dispositivos e outras sem qualquer funda-mento técnico, que, é claro, foram descartadas. O texto das emendas tomou por base a legislação do Chile, da Ve-nezuela, da Colombia, da Ar-gentina, da Itália, de Portugal e da China e também algumas Convenções Internacionais amplamente utilizadas no Co-mércio Marítimo Internacio-nal, além do próprio texto do Código Comercial em vigor que foi, obviamente, atualiza-do. Não encontramos incons-titucionalidade alguma nas duas propostas de Emenda, mas se alguém encontrá-la, por favor, apresente, pois será muito bom que o texto saia

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do Congresso Nacional sem tais falhas.

É importante que se frise que a ABDM sempre se colo-cou aberta ao debate e, assim, recebeu excelentes contri-buições de pessoas capazes e efetivamente conhecedoras de Direito Marítimo, pois do contrário não conseguiríamos terminar o trabalho no curtís-simo espaço de tempo que nos foi dado. Ademais, o processo legislativo ainda está em aber-to. Portanto, aqueles que se acharem capazes têm o dever de apresentar suas próprias propostas e as submeterem ao debate. É assim que se faz leis em um país democrático.

Comercialista - O Direito Marítimo é um dos ramos do Direito Comercial de maior importância para regulação da economia brasileira, bas-tando, para tanto, observar os exorbitantes valores que são transportados diaria-mente em mercadorias. Essa relevância, contudo, não se reflete de forma proporcio-nal no âmbito acadêmico, já que muitos cursos de Direi-to, incluindo alguns extre-mamente tradicionais, nem ao menos fazem referência ao Direito Marítimo em suas grades curriculares, princi-palmente quando afastadas geograficamente dos gran-des portos brasileiros. Na sua opinião, qual a razão dessa realidade?

Nelson Cavalcante - Não sei responder a essa pergunta.

Aliás a faço a mim mesmo to-dos os dias. Por que motivo não conseguimos despertar o interesse dos principais Insti-tutos de Direito do Brasil para esse tema, que, conforme pos-to na pergunta, é um dos ra-mos do direito com maior im-portância econômica não só no Brasil, mas no mundo? Já há muitos anos fomos deixados para trás na corrida acadêmica pela Argentina, pela Colômbia, pela Venezuela, pelos Estados Unidos, por todos os países europeus, que continuam pro-duzindo excelente pesquisa. O Direito Marítimo é belíssimo, sofisticado, tem suas raízes bem fincadas na antiguidade, é rico em temas a serem estuda-dos, tem muito espaço vazio na doutrina a ser preenchido, en-volve quantias elevadas, mas, ..., não sei por que, não tem in-teressado aos Institutos de Es-tudos Jurídicos do Brasil. Mas as propostas de Emenda 55 e 56 da ABDM provocaram como efeito imediato despertar a curiosidade dos estudantes de direito ávidos por novidades. Devemos aproveitar e clamar por mais espaço na academia e nos espelhar em instituições como o Institute of Maritime Law da Universidade de Sou-thamptom, na Inglaterra, o International Maritime Law Institute da Organização Ma-rítima Internacional em Malta, o Maritime Law Center da Uni-versidade de Tulane, em New Orleans, EUA, o Scandinavian Institute of Maritime Law, da Universidade de Oslo, Noruega

e, aqui bem próximo de nós, na Facultad de Derecho de la Uni-versidad de Buenos Aires que entre tantos outros institutos semelhantes pelo mundo, têm se destacado na qualidade de sua produção científica.

Comercialista - A infraes-trutura portuária brasileira sempre foi alvo de inúmeras críticas, situação que não se alterou após a promulgação da Lei 12.815/2013. Quais são as suas impressões acerca do novo marco regulatório portuário brasileiro? Mesmo diante deste novo diploma le-gal, quais mudanças o senhor promoveria?

Nelson Cavalcante - Certamen-te eu não sou o mais indicado para responder essa pergunta, por faltar-me vivência na ope-ração de terminais. O que eu posso dizer, no entanto, é que os portos brasileiros, desde que foram “abertos às nações amigas” por D. João VI, sempre dependeram do investimento privado para se estruturarem. O investimento público para a construção de portos sempre foi pequeno se comparado com o volume de recursos gastos em rodovias, por exemplo, não obs-tante as evidentes vantagens diretas e indiretas que o trans-porte marítimo tem sobre o transporte terrestre. Como re-sultado, vimos os equipamentos dos portos públicos se tornan-do obsoletos, os canais de aces-so sendo assoreados e as áreas de seu entorno sendo tomadas desordenadamente pelas ci-

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dades. A Lei 8.630/93, marco regulatório anterior, foi criada com o propósito de promover a modernizaçao de nossos portos e conseguiu alcançar, de cer-ta maneira, seus objetivos, mas provavelmente era hora de um novo ajuste. O tempo dirá me-lhor que ninguém se a nova lei é boa ou não.

Comercialista - Como o se-nhor avalia o impacto da fal-ta de infraestrutura dos por-tos brasileiros para a nossa economia?

Nelson Cavalcante - Como qualquer brasileiro que seja lei-tor dos principais jornais, es-pectador dos telejornais e que esteja ligado no noticiário que circula na internet, vemos a cada safra de grãos a enorme fila de caminhões formada ao lon-go das estradas que levam aos portos de Paranaguá e Santos, com o encarecimento do pro-duto para o exportador e o des-conforto causado aos cidadãos daquelas cidades, vemos a falta de estrutura para manuseio de carga geral conteinerizada nos terminais públicos, vemos a po-luição causada pelo manuseio de carga nos portos, causando danos à saúde da população no entorno, vemos as vias de aces-so aos portos sendo assoreadas apesar da necessidade de cala-dos maiores para os navios mais modernos. Todos esses são fa-tores que obviamente impac-tam na economia.

Comercialista - A curto pra-zo, como medida paliativa,

qual seria a melhor opção: reformar e ampliar os portos brasileiros em funcionamento ou construir novos portos, de acordo com as atuais necessi-dades do país?

Nelson Cavalcante - Na minha opinião deveríamos abrir fren-tes de curto, médio e longo prazo com vistas em transfor-mar toda a logística de trans-porte de mercadorias brasilei-ra em um sistema ágil, barato, pouco poluente e seguro. Os portos são um dos pontos de entrave, mas não o único. De-veríamos sim, no curto prazo, reformar e ampliar os portos já existentes, de modo a dar-lhes maior eficiência. Mas devería-mos ir muito além e ampliar a capacidade das hidrovias, re-alocar áreas portuárias para locais com menor impacto so-cio-ambiental, capacitar a in-dústria brasileira para fornecer os equipamentos necessários para a operação portuária e assim por diante. Há muito o que fazer e não devemos co-locar a responsabilidade sobre os ombros deste ou daquele governo ou partido. Esse deve ser um projeto de estado e não de governo.

Comercialista - A falta de uma moderna legislação sobre Di-reito Marítimo no Brasil tem o afastado de ser objeto de foro de eleição e ter sua legislação escolhida como aplicável em casos de controvérsias pro-venientes dos negócios jurí-dicos celebrados com partes brasileiras?

Nelson Cavalcante - Os con-tratos de transporte de merca-dorias por mar e os contratos de afretamento têm, habitual-mente, como foro de eleição a Inglaterra, os Estados Uni-dos, em especial o estado de Nova York ou um país da Eu-ropa continental, sobretudo a Holanda, Alemanha, Dina-marca e a Noruega. Mais mo-dernamente Cingapura tem despontado também como país que tem a simpatia dos contratantes como ambiente seguro para dirimir eventuais confitos. O mesmo se passa com a legislação de regência eleita nos contratos, em geral leis de um país europeu. Isso se dá tanto pela tradição que esses países têm na resolução de conflitos dessa natureza, dando certeza às partes que o conflito será analisado por uma Corte efetivamente pre-parada, como também pela re-gularidade da jurisprudência, que dá aos litigantes a possi-bilidade de analisar as proba-bilidades de ganho ou de per-da em eventual conflito antes de o mesmo ser judicializado. Para que cheguemos lá deve-mos, antes de tudo, atualizar nossa legislação e, em segui-da, procurar pacificar nossa jurisprudência. Estamos dan-do passos nesse sentido, com a adoção do regime de prece-dentes pelo Novo Código de Processo Civil e também atra-vés da proposição de normas mais afinadas com a realidade do comércio mundial com o Novo Código Comercial.

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A arte de navegar surgiu quando o homem construiu a primeira embar-cação, em passado

tão distante que a história não logrou registrar. O desenvolvi-mento do ser humano foi sem-pre estimulado por desafios e pela sua capacidade de su-perá-los. A ideia de construir a embarcação brotou, certa-mente, do espírito aventureiro e da curiosidade do homem, o qual, num impulso incontido, ousou desvendar os mistérios do mar, essa massa gigantesca de água que causava tanto te-mor e se pensava impossível de ser dominada.

Averiguar o ponto de irrup-ção histórica da embarcação é tarefa de puro arrojo da imagi-nação. CLAYTON SANTOS (in ‘Transporte Marítimo Interna-cional’, Ed. Gedimex, 1980, p. 9), numa ficção que pode não

Por Osvaldo Sammarco*

Contrato de Transporte A importância do Conhecimento Marítimo original para autorizar a entrega da mercadoria ao importador no porto de destino

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com ele, o tráfego da navega-ção, ensejando o aparecimen-to natural de normas próprias destinadas à sua regulamenta-ção, que se desenvolveram ali-cerçadas nos usos e costumes, marco da formação do Direito Marítimo.

O Direito Marítimo foi for-mado, então, em época que se perde no tempo, em razão de sua antiguidade, por força dos usos e costumes dos po-vos navegantes, que aos pou-cos se transformaram em leis e regulamentos, quando ainda não era conhecido o conceito de um direito mercantil autô-nomo e independente. Assim é que, pelo período de muitos séculos, a história do Direito Marítimo constituiu-se na his-tória do Direito Comercial.

Enquanto o Direito Comer-cial se desenvolvia lento e in-certo através dos usos e costu-mes praticados nos ambientes de mercado, o Direito Maríti-mo se destacava por um signi-ficativo progresso tecnológico, que brotava e se nutria de fon-tes surgidas da prática fecunda do tráfico marítimo.

No antigo comércio maríti-mo, a circulação das riquezas funcionava de modo muito di-verso daquilo que se conhece na atualidade. Em geral, era o dono do navio quem explorava pessoalmente o comércio pela via marítima. Ele adquiria as mercadorias e as transportava em seu próprio navio para um lugar onde ele acreditava re-vendê-las por um preço com-pensador.

estar muito distante da reali-dade, imaginou como o homem aventurou-se numa primeira embarcação. O homem teria notado que um tronco de ár-vore boiava, agarrou-se a ele e conseguiu a maior façanha de então, ou seja, atravessar um rio “navegando”. No intuito de conseguir uma pesca mais farta, alguém teve a ideia de unir um tronco a outro e, amarrando-os com junco ou cipó, construiu o que hoje chamaríamos de jan-gada. Desenvolvendo o enge-nho, movido pela necessidade de poupar o esforço físico para impulsionar a “embarcação”, al-guém teria usado uma vara, a qual, mais tarde, teria tomado a forma achatada na extremida-de, como um braço de madeira, para se constituir em remo.

Muito tempo passou até que surgiu a ideia de aproveitar a força do vento, e, então, a pri-meira vela, feita de pele ou te-cida com vegetal, foi construí-da, podendo o homem, então, vangloriar-se de ter inventado o sistema básico da navegação, que lhe permitiria sobrepujar os 2/3 de água que cobrem o nosso planeta.

Aos poucos, o homem foi desenvolvendo embarcações maiores e mais seguras, que lhe permitiram alcançar dis-tâncias cada vez maiores. Foi o início da comunicação entre os povos através dos mares. A na-vegação logo despertou o in-teresse comercial, movido pe-las necessidades locais, dando início ao comércio marítimo. O comércio pelo mar cresceu e,

A dificuldade das comunica-ções e a inexistência de agen-tes e representantes nos vários portos tornavam difícil que um comerciante de um porto ex-pedisse mercadorias a um co-merciante situado num outro porto, e devendo ainda confiar as mercadorias unicamente ao Capitão do navio.

Nos primeiros tempos da Idade Média, os carregadores embarcavam e seguiam com as mercadorias durante a viagem para cuidarem pessoalmente da descarga e da entrega aos com-pradores no destino. Não se co-gitava, em tais circunstâncias, de um contrato ou algum outro documento formal de trans-porte. O direito dos carrega-dores sobre as mercadorias era provado pelo registro de bordo, que tinha fé pública.

Com o desenvolvimento do comércio, os carregadores ti-veram a necessidade de no-mear pessoas residentes nas localidades onde se situavam os portos de destino para cui-darem da recepção das mer-cadorias e seus demais inte-resses. Essas pessoas foram depois denominadas ‘consig-natárias da carga’.

Despachando as merca-dorias para vários portos, os carregadores não mais acom-panhavam as mercadorias, as quais deveriam ser entregues a terceiros nomeados pelos carregadores, ensejando, en-tão, a necessidade de um do-cumento onde fosse ‘reconhe-cido’ pelo Capitão do navio a presença da carga a bordo e

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o direito do carregador sobre ela, bem como a legitimação do ‘consignatário da carga’ a retirá-la no porto de destino. Esse documento, uma vez que se constituía num ‘reconheci-mento’, passou a ser chamado de ‘Conhecimento de Carga’ ou ‘Conhecimento Marítimo’ ou ‘Conhecimento de Frete’ ou ‘Conhecimento de Embarque’ ou, ainda, ‘Conhecimento de Transporte’.

Instituído com esses con-tornos, o Conhecimento Marí-timo (CM) configurava um con-trato de transporte, através do qual o dono do navio assumia a condição de transportador e se obrigava a transportar as mer-cadorias nele descritas e des-carregá-las e entregá-las ao destinatário (consignatário) no lugar convencionado, median-te uma remuneração ajustada, que é o frete.

O rápido crescimento do co-mércio por via marítima ense-jou novas e variadas formas de utilização do navio. Quando a exploração do navio era orien-tada no sentido de empregá-lo no transporte, surgiram, en-tão, os contratos de fretamen-to, total e parcial e por tempo e por viagem. Alguns doutrina-dores distinguem os contratos de fretamento, como a obriga-ção do fretador de colocar o navio à disposição do afretador mediante uma remuneração, e os contratos de transporte de mercadorias, pelo qual o trans-portador se obriga em face do carregador a levar as merca-dorias de um porto a outro e

entregá-la ao consignatário designado, mediante o paga-mento de um frete ajustado.

Na constância de um contra-to de transporte, o CM passou a representar o início da exe-cução do contrato, mas tam-bém assumiu outras funções, tornando-se o documento mais importante num contrato de transporte de mercadorias.

De fato, o CM não se resume no simples reconhecimento que o Capitão faz da presença da carga a bordo; é também a prova do transporte das mer-cadorias que o transportador se obriga a fazer e de entregá--las ao consignatário indicado no porto de destino.

Na medida em que é título representativo de uma obriga-ção mercantil, assume as ca-racterísticas de uma ”Apólice de Carga”, como corretamente denominado na Itália (“Polizza di Carico”), e nela se estipulam as suas cláusulas e condições. Como essas cláusulas são im-pressas, subordinam o con-trato ao tipo impropriamente chamado de adesão.

A doutrina reconhece uma tripla natureza no CM: a) prova escrita da existência do con-trato de transporte; b) prova do recebimento da mercado-ria a bordo do navio e da obri-gação de entregá-la no porto de destino ao consignatário nele indicado; e c) é também título de crédito e prova da mercadoria.

Os Conhecimentos Maríti-mos podem ser emitidos no-minativos à ordem ou não à

ordem e ao portador. Os Co-nhecimentos à ordem são transferíveis por endosso e os ao portador se transferem pela simples tradição do título.

O Conhecimento é um título de crédito, mas também confi-gura uma estipulação em favor de terceiro, onde o estipulante é o remetente/carregador e o terceiro favorecido é o consig-natário/destinatário da mer-cadoria. Nesse quadro, o trans-portador deve zelar para que a mercadoria seja entregue à pessoa certa do destinatário, o que deve ser feito mediante a conferência do CM.

Considerando que, como tí-tulo de crédito, o Conhecimen-to é circulável e transferível por endosso, é indispensável que o transportador, diretamente ou por seu agente marítimo, faça a conferência da via original do Conhecimento, a qual obri-gatoriamente deve ser exibida pelo consignatário, para asse-gurar que a mercadoria será entregue àquele que sobre ela tem o legítimo direito.

Por vezes, pessoas que se in-titulam consignatários preten-dem que as mercadorias lhes sejam entregues com a exibi-ção de simples cópia (via não negociável) do CM, e isso não é possível, principalmente quan-do o remetente avisa ao trans-portador que está retendo a via original do Conhecimento, indicando a existência de pen-dências do consignatário.

O endosso tem a finalidade de facilitar a circulação do Co-nhecimento e, com disso, aten-

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O presente trabalho tem por objetivo o estudo das funções dos Conhecimentos Marítimos em conexão com os transpor-tes internacionais de merca-dorias. Nesse âmbito, via de regra, as mercadorias objeto desses transportes estão di-retamente relacionadas com a intensa atividade do comércio exterior.

Na hipótese de uma impor-tação por uma empresa brasi-leira, o importador, em geral, é o consignatário e o carrega-dor representa o exportador, ao qual é entregue o Conheci-mento. De posse do Conheci-mento, e enquanto o navio se-gue viagem rumo ao porto de destino, o carregador aguarda que o consignatário proceda ao pagamento da mercadoria para transferir-lhe a titulari-dade, o que se faz através da tradição do Conhecimento. Tratando-se de título de cré-dito endossável, a tradição da mercadoria deve ser feita com a transferência da via original do Conhecimento.

Ocorre, em algumas circuns-tâncias, que a compra e venda da mercadoria é feita com a in-terveniência de uma trading, a qual adquire a mercadoria do carregador e compromissa a sua venda com terceiro, que será o seu destinatário final. Nesse caso, o Conhecimento é emitido e entregue ao car-regador, figurando como con-signatário, nesse caso, a tra-ding. Mediante o pagamento da mercadoria, a trading então transfere os seus direitos ao

der ao dinamismo das negocia-ções com a mercadoria durante todo o trânsito marítimo e até a sua entrega ao destinatário final. A cada endosso ocorre a transferência dos direitos sobre a mercadoria ao endossatário, evidenciando a ocorrência de sucessivas transações.

Da emissão do Conhecimen-to até a entrega da mercadoria no destino ao consignatário observa-se uma sequência de procedimentos, os quais lhe conferem a condição de um título patrimonial (“Apólice de Carga”), que faz prova da mer-cadoria nele descrita. Confor-me seja emitido ao portador, nominativo à ordem ou não à ordem, ao seu possuidor ou consignatário ou endossatário são atribuídos os direitos de propriedade da mercadoria.

Durante o carregamento, o transportador, pela sua tripu-lação, vai emitindo os respec-tivos Recibos de Bordo (Mate’s Receipt), que são recibos pro-visórios correspondentes às parcelas de carga carregada. Terminado o carregamento, o transportador deve entregar o Conhecimento Marítimo, no prazo de 24 horas, em resgate aos recibos provisórios, a teor do artigo 578 do vigente Códi-go Comercial.

O Conhecimento, que deve conter os requisitos enume-rados no artigo 575 do Código Comercial, é entregue ao car-regador, que tem reconhecida, assim, a titularidade da merca-doria nele descrita, carregada no navio.

comprador mediante endosso, o qual assumirá a legitimidade para receber a mercadoria no porto de destino.

Similar situação ocorre quando o negócio tem a in-termediação de um Banco. O carregador, pretendendo ante-cipar o recebimento pela ven-da da mercadoria, negocia o Conhecimento com um Banco, que faz o adiantamento do va-lor da mercadoria devido pelo consignatário, numa operação com o formato de antecipação de recebível. Como garantia, o carregador entrega ao Banco as vias originais do Conheci-mento, tornando-o credor da mercadoria nele representada. Por sua vez, o consignatário é informado da transação e que o pagamento da mercadoria deverá ser feito diretamente ao Banco contra a entrega do Conhecimento.

Mais recentemente, uma nova figura surgiu entre os participantes de uma opera-ção de transporte marítimo in-ternacional de carga. Trata-se do NVOCC (Non Vessel Owner Common Carrier), cuja ativida-de, no seu início, se restringia a atender aos interesses de pe-quenos exportadores, os quais muitas vezes desistiam de ex-portar porque a sua carga ocu-pava apenas parte de um con-tainer, mas devia arcar sozinho com os custos portuários e pagar o frete por inteiro. O NVOCC opera com vários ex-portadores, consolidando suas cargas num container, permi-tindo compartilhar os custos

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da operação e o frete. Peran-te os exportadores, o NVOCC assume a condição de trans-portador. No entanto, ele não tem navio, de modo que, para o cumprimento da sua obrigação assumida com os exportado-res, o NVOCC realiza contratos de transporte paralelos com empresas de navegação.

A atividade do NVOCC evo-luiu muito com o tempo, abran-gendo os serviços de ‘agente de carga’ (Freight Forwarder), responsável, hoje, pela maioria dos fretes negociados ao redor do mundo.

Numa operação envolvendo NVOCC, a emissão e a circula-ção do Conhecimento ganham aspectos bem peculiares. O exportador contrata o NVOCC para cuidar de toda logística da exportação, incluindo a parte terrestre na origem e no desti-no, como também o transporte internacional. Nesse contexto, em meio aos procedimentos para atender aos propósitos das suas atribuições, o NVOCC contrata em nome próprio, como sendo o expedidor e car-regador, uma empresa de na-vegação para o transporte ma-rítimo da mercadoria.

Vislumbram-se na hipóte-se acima duas relações jurídi-cas distintas: a primeira, en-tre o NVOCC e o exportador; a segunda, entre o NVOCC e o transportador físico da mer-cadoria. Como consequência, são emitidos dois Conheci-mentos. Um, pelo NVOCC, no qual ele figura como transpor-tador, enquanto que o expor-

tador aparece como sendo o carregador, e este, por sua vez, indica o consignatário. Esse Conhecimento, emitido pelo NVOCC, é conhecido como BL House. Quando for o caso de carga consolidada, com vários exportadores, o NVOCC emite um BL House para cada expor-tador, pela respectiva parcela de carga carregada no contai-ner. O outro Conhecimento é emitido pelo transportador físico da carga (empresa de navegação), onde o NVOCC fi-gura como carregador (embar-cador/expedidor), o qual no-meia como consignatário um correspondente, o qual atuará como seu agente de carga no porto de destino, conhecido como agente desconsolidador, para cuidar dos trâmites para a liberação da carga junto ao transportador físico e fazer a entrega ao destinatário final apontado pelo exportador no BL House.

O Conhecimento emitido pela empresa de navegação (transportador físico) é conhe-cido como BL Master. O trans-portador físico, em geral, não é informado e não tem acesso ao BL House e nem tem infor-mação sobre o real exportador. Para todos os efeitos legais, o vínculo do transportador físico é com o NVOCC, nos termos do BL Master.

Existem algumas outras si-tuações que implicam em di-ferentes formas de emissão do CM, mas as formas menciona-das acima são as mais comuns e as mais importantes para as

questões que serão suscitadas adiante.

O artigo 1º, do Decreto n. 19.473, de 10/12/1930, estabele-ce que o ‘conhecimento de frete original, emitido por empresas de transporte por água, terra ou ar, prova o recebimento da mercadoria e a obrigação de entregá-la no lugar do destino’. O dispositivo acresce, ainda, que se trata de título à ordem e, salvo cláusula ao portador, “o conhecimento nominativo é transferível, sucessivamente, por endosso em preto, ou em branco...” (artigo 3º).

O artigo 8º, do mesmo esta-tuto legal, elenca procedimen-tos que devem ser seguidos em caso de perda ou extravio do Conhecimento de Transporte, a fim de assegurar que a mer-cadoria seja entregue àquele que sobre ela detém o legítimo direito.

O Decreto n. 19.473/30 foi revogado pelo Decreto s/n, de 25/04/91, o qual, por sua vez, foi posteriormente revogado em 1992, mas sem menção de repristinação. Todavia, uma grande parte da doutrina, com a qual nos alinhamos, susten-ta que o Decreto s/n, de 1991, não tem força hierárquica para revogar o Decreto n. 19.473/30, uma vez que este foi editado durante o período da ditadura Vargas, de maneira que o referi-do Decreto nasceu com o status de lei. O certo é que o Decreto n. 19.473/30 em nenhum mo-mento deixou de ser aplicado.

Os artigos 579 e 589 do ve-tusto Código Comercial rea-

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firmam a importância da via original do CM, evidenciando a sua condição de título de cré-dito. De fato, o artigo 579 es-tabelece que, uma vez emitido o Conhecimento em sua forma regular, o carregador não pode reivindicar a alteração da pes-soa do consignatário sem que faça a prévia entrega ao Capi-tão/transportador de todas as vias do Conhecimento ante-riormente emitido.

Ou seja, em respeito aos di-reitos do legítimo portador do Conhecimento, titular dos di-reitos sobre a mercadoria nele descrita, o Capitão e ou trans-portador não podem assinar novo Conhecimento em subs-tituição, sem que seja retirado de circulação o primeiro, o que é feito com o recolhimento de todas as vias originais.

O artigo 589, de seu lado, estabelece que nenhuma ação entre o Capitão (transporta-dor) e os carregadores ou se-guradores será admissível em Juízo se não for logo acompa-nhada do Conhecimento origi-nal, cuja falta não pode ser su-prida pelos recibos provisórios de bordo. Isso se justifica, na medida em que, sendo um tí-tulo de crédito, somente o Co-nhecimento original é que se reveste dos requisitos para va-ler como prova da mercadoria nele descrita e prova dos direi-tos do consignatário ou endos-satário nele identificado sobre a referida mercadoria.

Vale o CM pelo seu próprio conteúdo e, na lição de FRANS MARTINS (in Contratos e Obri-

gações Comerciais, 7ª. Ed. Fo-rense, 1984, p. 224), se consti-tui num título semelhante aos títulos cambiais, de maneira que, da mesma forma como não é admissível executar uma cambial através de sua cópia, igualmente quanto ao Conhe-cimento de Frete não se per-mite o exercício de ação sem o seu original.

A diversidade de relaciona-mentos que se estabelecem num contrato de transporte de carga, induzindo uma com-plexa circulação do CM, cria, muitas vezes, dificuldades no momento da entrega da carga no lugar do destino. Tem-se verificado situações onde o Conhecimento original é re-tido em algum ponto da sua circulação, por razões as mais diversas, inclusive inadimple-mento, e não chega às mãos do consignatário/destinatário da mercadoria, o qual, mediante o mero pagamento do frete e exibindo cópia simples do CM reivindica a entrega da mer-cadoria, e isso não é possível. O transportador tem o dever entregar a mercadoria àque-le que for o legítimo detentor do CM original. Se a entrega da mercadoria for feita sem a exibição e conferência do Co-nhecimento original e o rece-bedor não for o legítimo titular dos direitos sobre a mercado-ria, o transportador deverá ser responsabilizado pelas perdas e danos causados por erro na entrega da mercadoria.

Com rigor, sendo o CM títu-lo de crédito, ele é passível de

endosso, e na medida em que este transfere ao endossatário a titularidade da mercadoria, presumindo-se proprietário desta o último endossatário e detentor do título, só a cártula original outorga legitimidade àquele que pretende reivindi-car a entrega da mercadoria ou discutir em Juízo questões pertinentes à mercadoria que tenha por suporte esse docu-mento. A partir do advento do Decreto-Lei n. 116, de 1967, que dispõe sobre as operações por-tuárias inerentes ao transporte marítimo de mercadorias, e a evolução da organização dos portos no Brasil, a entrega da mercadoria, nos casos de im-portação, não é mais feita pelo transportador diretamente ao consignatário. De acordo com os sistemas portuário e adua-neiro, o transportador deve en-tregar a mercadoria à entidade portuária do lugar de destino, ao costado do navio. Em subs-tituição à entidade portuária, o recebimento das mercadorias descarregadas, hoje, é feita pe-los terminais portuários alfan-degados, conforme reforma da organização dos portos intro-duzida pela Lei dos Portos (Lei n. 8.630, de 1993), e hoje regida pela Lei n. 12.815, de 2013.

A liberação da mercado-ria ao consignatário (importa-dor) seguia uma combinação de procedimentos harmônicos, que protegiam os interesses do transportador, do consignatá-rio/importador e também os da Fazenda Nacional. Descarre-gada a mercadoria e depositada

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em mãos do terminal portuário, o consignatário devia se apre-sentar ao agente marítimo re-presentante do transportador e, exibindo o Conhecimento original, pagava o frete respec-tivo. O agente marítimo fazia a conferência do CM e passava recibo do pagamento do frete no próprio corpo do Conheci-mento, e isso significava, tam-bém, o reconhecimento da au-tenticidade do documento e a legitimidade dos direitos do seu portador, consignatário ou en-dossatário, especialmente para a retirada da mercadoria.

Com o Conhecimento origi-nal assim chancelado e a exi-bição de outros documentos exigidos, como a fatura co-mercial, e o pagamento de ou-tros encargos portuários e do respectivo Imposto de Impor-tação, o importador procedia ao competente desembaraço aduaneiro, com o registro da Declaração de Importação (DI) junto à Alfândega. Completa-do o procedimento aduaneiro, era expedida pela autoridade aduaneira a autorização em fa-vor do importador para a reti-rada da mercadoria no depósi-to ou terminal portuário. Além disso, para retirar a mercado-ria, o importador ainda deveria entregar ao depositário uma via original do Conhecimento, onde ficava arquivada para fu-turas conferências fiscais.

Importa relevar, pela perti-nência, que os Regulamentos Aduaneiros, incluindo o pre-sentemente em vigor, os quais são instituídos através de De-

cretos, sempre estabeleceram a obrigatoriedade do Conhe-cimento original para o despa-cho aduaneiro.

Com o pensamento focado na modernização e praticida-de dos procedimentos portuá-rios e aduaneiros, a Secreta-ria da Receita Federal editou a Instrução Normativa n. 800, de 2007, introduzindo o Sis-tema Integrado de Comércio Exterior, que ficou conhecido como Siscomex, consistente num sistema informatizado de controle de entrada e saída de embarcações e de movimenta-ção de cargas e containers em portos alfandegados.

A Instrução Normativa n. 800, de 2007, criou, no âmbito da administração aduaneira, a figura do “Conhecimento Ele-trônico” (CE), que nada mais é do que o Conhecimento de Carga informado à autoridade aduaneira na forma eletrônica, no Siscomex, mediante certifi-cação digital do emitente. Com isso, para fins fiscais, a RFB passou a considerar o “Conhe-cimento Eletrônico”, embora mereça ser ressalvado que na relação jurídica privada entre o transportador e os interesses da carga ainda persiste, como documento válido, a via físi-ca original do Conhecimento emitido por ocasião do carre-gamento, com todas as suas ca-racterísticas e propriedades de um título de crédito transferí-vel por endosso ou por simples tradição. O despacho aduanei-ro de importação foi disciplina-do pela IN SRF n. 680, de 2006,

cujo artigo 18 determinava que a DI deveria ser instruída, entre outros documentos, com a via original do Conhecimento de Carga, enquanto que o artigo 54, do mesmo diploma, estabe-lecia que para retirar as merca-dorias do recinto alfandegado, o consignatário/importador deveria exibir e entregar ao depositário uma via original do Conhecimento.

A partir da instituição do SIscomex, o despacho adua-neiro, realizado através do re-gistro da DI, passou a ser feito eletronicamente, com todas as informações relativas aos do-cumentos exigidos, tais como Conhecimento Marítimo e Fa-tura Comercial. Porém, salvo situações especiais, a exibição desses documentos não era mais obrigatória, embora o im-portador devesse preservá-los pelo prazo de cinco anos para atender a eventual fiscalização pela RFB. Quanto à liberação e retirada da mercadoria pelo importador, foram mantidas as exigências estabelecidas no ar-tigo 54 da IN 680, e, com isso, estava preservada a importân-cia do Conhecimento na sua via original, como forma de dar segurança à relação jurídica de natureza privada e aos conse-quentes negócios estabeleci-dos por via marítima.

No entanto, em maio de 2013, a RFB editou a IN n. 1356, com alterações substanciais na IN n. 680. As alterações mais importantes dizem respeito à dispensa da exibição do Co-nhecimento original tanto para

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o despacho aduaneiro quanto para a retirada da mercadoria do recinto alfandegado.

Diga-se, desde logo, que houve total impropriedade do ato, pois a norma induz uma indesejável intromissão da au-toridade aduaneira numa rela-ção jurídica entre particulares, nascida através do contrato de transporte. De fato, a autori-dade exorbitou de sua compe-tência. A alteração trouxe total insegurança jurídica para as partes envolvidas no contrato de transporte marítimo.

Ao instituir o despacho aduaneiro com o Conhecimen-to Eletrônico (e não mais com o CM original chancelado pelo agente marítimo) e autorizar que a mercadoria seja entregue pelo depositário ao consigna-tário/importador sem a ne-cessidade de apresentação do Conhecimento original, a nor-mativa aduaneira não só retira do transportador o controle sobre a entrega da mercadoria ao consignatário, mas também implica na perda do controle do fiel cumprimento do contrato de transporte. Nesse passo, a norma editada pela RFB reflete efeitos diretamente na relação jurídica entre o transportador marítimo e o contratante do transporte, e isso extrapola os limites da competência da autoridade administrativa e o próprio campo de eficácia das Instruções Normativas.

No topo da pirâmide suge-rida por Hans Kelsen está a Constituição Federal, que é a base de toda a organização ju-

rídica do Estado. No primeiro plano imediatamente abaixo da Constituição estão os Tratados e as Leis, ordinárias e com-plementares, que resumem as normas que criam, modi-ficam ou extinguem direitos e obrigações.

Descendo a escala hierár-quica, estão as normas infrale-gais. Os primeiros, nesse nível, são os Decretos Presidenciais, os Decretos Legislativos e as Resoluções, os quais, via de re-gra, servem para regulamentar as Leis. Finalmente, seguem as Portarias, Avisos, Regimentos e as Instruções Normativas, as quais, embora sejam também normativas, são mais detalhis-tas e devem, de forma estrita, satisfazer aos preceitos conti-dos nas Leis, mas não podendo jamais alterá-las e ou criar e extinguir direitos e obrigações.

A Instrução Normativa é ato puramente administrativo, emanada por autoridade admi-nistrativa e para valer apenas no âmbito administrativo. Tem natureza de norma comple-mentar, servindo também para prescrever a maneira de ser organizada a repartição ou de-partamento e o modo pelo qual nele se devem executar os ser-viços que lhe são afetos. Deste modo, a IN jamais poderá ino-var o ordenamento jurídico, sob pena de ilegalidade.

Se, de um lado, a IN não tem capacidade para inovar o or-denamento jurídico, de outro lado, tendo em conta que o emitente é uma autoridade ad-ministrativa, não menos certo

é que a IN também não tem o poder legal de estabelecer normas para reger ou interfe-rir em relações jurídicas entre pessoas de direito privado.

Isso permite dizer que a IN não pode ditar normas que interfiram de algum modo na relação que se estabelece en-tre o transportador marítimo e o consignatário/importa-dor da mercadoria em face de um contrato de transporte. Em outras palavras, a IN não pode criar regra que impe-ça o transportador de exigir a apresentação da via original do Conhecimento Marítimo como condição para liberar a entrega da carga no porto de destino.

O contrato de transporte é concluído com a entrega da mercadoria pelo transporta-dor, no lugar do destino, ao consignatário. A exibição da via original do Conhecimento no ato da entrega é uma forma de dar segurança jurídica ao transportador, que tem a pos-sibilidade de verificar que está entregando a mercadoria para a pessoa certa, como também ao próprio consignatário, que não correrá o risco de ter a sua mercadoria retirada ardilosa-mente do armazém do porto por pessoa que sobre ela não exerce legítimo direito.

Diante dos contornos e do campo de eficácia da norma administrativa é que se deve interpretar a IN n. 1356, de 2013. Isto feito, devemos con-siderar que a autoridade admi-nistrativa tem realmente todo o direito de instituir o chama-

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do Conhecimento Eletrônico e dispensar a apresentação do CM original para o despacho aduaneiro e outros fins fis-cais, mas as normas instituídas pela referida IN não alcançam de nenhum modo os direitos e obrigações decorrentes da relação jurídica estabelecida entre o transportador e os in-teresses da carga no âmbito do contrato de transporte, que se regulam pelas normas de direi-to privado.

Nesse passo, o transporta-dor, independentemente das questões fiscais e aduaneiras, tem o direito de exigir a apre-sentação do CM original para liberar a mercadoria ao con-signatário, o que implicar di-zer que o depositário, apesar da eventual liberação pela Al-fândega, não pode entregar a carga ao consignatário sem a devida autorização do trans-portador ou do seu agente marítimo.

A IN n. 1356 suscitou intenso debate na comunidade maríti-ma, ganhando grande destaque o dispositivo relacionado com a liberação da mercadoria sem o CM original.

Sobreveio, mais recente-mente, a IN n. 1443, de 06 de fevereiro de 2014, alterando a redação do § 3º, do artigo 55, da IN n. 680, de 2006, o que, confrontado com as alterações introduzidas pela IN n. 1356, causa uma certa ambiguidade.

De fato, enquanto a IN n. 1356 estabeleceu alterações na IN 680 no sentido de que para retirar a mercadoria, o impor-

tador não precisa apresentar ao depositário o CM original, a IN n. 1443 dispõe que ao pro-ceder à entrega da mercadoria o depositário não fica dispen-sado “de adotar medidas ou de exigir os comprovantes neces-sários para o cumprimento de outras obrigações legais, em es-pecial as previstas no artigo 754 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”

E, o artigo 754 do Código Ci-vil, dispõe que “As mercadorias devem ser entregues ao desti-natário, ou a quem apresen-tar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as re-clamações que tiver, sob pena de decadência de direitos.”

Só existe um meio para o depositário identificar o ver-dadeiro destinatário da merca-doria, e isso se faz através da conferência do Conhecimento Marítimo original. Aliás, o pró-prio dispositivo aponta nes-se sentido, na medida em que estabelece a necessidade da apresentação do ‘conhecimento endossado’, pois, para verificar se o ‘conhecimento foi transfe-rido por endosso ou não, tor-na-se indispensável a exibição da via original do CM.Apesar do aparente conflito com a IN 1356, deve prevalecer o princí-pio de que a regra nova revoga a regra antiga naquilo que lhe for contrário ou incompatível, e esse é o caso.

De qualquer forma, e como acima sustentado, a Instrução Normativa é ato administra-tivo e não produz efeitos nas

relações entre particulares, de modo que, no âmbito da rela-ção jurídica gerada pelo con-trato de transporte, o Conhe-cimento Marítimo original é documento indispensável para que o importador possa reivin-dicar junto ao transportador a entrega da mercadoria.

* Osvaldo SammarcoAdvogado. Sócio-fundador da Sammarco e Associados Advoca-cia. Graduado pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Procurador Municipal aposenta-do, presidente da Associação dos Advogados de Santos no biênio 1978/1979, membro da Asso-ciação Brasileira de Direito Marí-timo – ABDM, professor titular de Direito Marítimo desde 1996.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 11 23

1. Introdução O “arresto” de navios ocu-

pa papel de destaque na prá-tica da advocacia maritimista em razão dos custos envol-vidos no transporte maríti-mo e da urgência da medida, afinal, a conclusão de opera-ção de carga em poucas horas e a iminente partida da em-barcação tornam significativo o risco de ineficácia da tute-la. Infelizmente, não é inco-mum que a especificidade do Direito Marítimo e a necessi-dade de o magistrado apre-ciar imediatamente questão técnica com a qual raramente é afeto redundem em demo-ra que causa perda do inte-resse no provimento jurisdi-cional. Não há dúvidas de que

estas dificuldades se agravam ainda mais em razão das ar-caicas normas nacionais ati-nentes ao instituto do embar-go à saída de navio, que tem feição diferente na common law. E muitas dúvidas dos aplicadores do Direito ocor-rem justamente pela neces-sária adaptação da medida ao nosso sistema, a começar pela confusão comum em ra-zão da utilização do vocábulo “arresto”.

2. O “arresto” de navios na common law:

O “arresto” na common law está diretamente relacionado ao conceito de maritime lien, instituto que não guarda cor-respondência exata com ne-

O “arresto” de navios e a necessidade de reforma da legislação brasileira em vigorPor Werner Braun Rizk*

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nhum do Direito Brasileiro. O maritime lien, que implica em direito de seqüela sobre a embarcação, pode ser defi-nido de duas formas: “(1) um direito a parte da proprieda-de da coisa; e (2) uma preten-são privilegiada sobre o navio, aeronave ou outra proprieda-de marítima, referentes a ser-viços prestados a ela, ou danos causados pela referida pro-priedade”1. Reside aí a primei-ra dificuldade na adaptação do instituto ao Direito Bra-sileiro: A common law admi-te actio in rem, isto é, que a pretensão seja deduzida di-retamente em face da coisa, que, nesta hipótese, assume personificação, reputando-se “o navio” causador do dano e responsável pela sua repara-ção. Enquanto a lei brasileira admite apenas a actio in per-sonam – movida em face de pessoa natural ou jurídica, a actio in rem tramita em face do navio, sendo dispensável o comparecimento em juízo de seu proprietário ou afretador para integrar a lide.

A grande utilidade de se manejar ação desta nature-za na common law é evitar a tormentosa tarefa de promo-ver a citação de proprietários de embarcações cuja iden-tidade se faz de difícil aces-so, mediante o uso de bandei-

ra de conveniência e registros em países não signatários de convenções internacionais. Tais países oferecem como um de seus atrativos exa-tamente a dificuldade de se identificar o real proprietá-rio do navio. A promoção de ação em face da coisa permi-te a obtenção de decisão com eficácia erga omnes mediante comunicação dirigida apenas ao comandante da embarca-ção, como seu representante.

Embora não se exclua a possibilidade de a parte op-tar pela actio in personam, a dedução da pretensão para exercer maritime liens na common law pode se dar me-diante actio in rem, isto é, de ação ajuizada em face da coi-sa, que resulta na retenção da embarcação até que seja sa-tisfeita a obrigação ou pres-tada garantia suficiente para tanto. Como se pode ver, o embargo à saída de embarca-ção é, em sua essência, a efe-tivação de um direito material com seqüela sobre a coisa.

3. O “arresto” de navios do Direito brasileiro

3.1 Natureza e hipóteses do cabimento:

Não por acaso, a expressão “arresto” ao longo do texto vem sendo acompanhada da utilização de aspas. Isso se dá porque, sob o ponto de vista técnico processual, a medi-

da não é, de regra, uma ação cautelar de arresto. A utiliza-ção do vocábulo “arresto” re-sulta da tradução do verbo “to arrest” da língua inglesa, que significa “apreender”, “deter”, “embargar”. Assim como na common law, o embargo à saí-da de embarcações constitui a efetivação de uma preten-são de direito material, que deve ser deduzida de acordo com os mecanismos proces-suais oferecidos pela lei bra-sileira. Não obstante a utili-zação da palavra “arrest” pela common law, parece fora de dúvida que a ação judicial viá-vel no Brasil não se confun-de com a actio in rem acima mencionada, constituindo ac-tio in personam.

Não se perca de vista que uma embarcação pode ser embargada (ou “arrestada”) até mesmo sem a necessi-dade de se promover qual-quer ação judicial, como, por exemplo, por atos auto--executórios da Autorida-de Marítima, “na hipótese de perigo ou risco potencial à navegação, à salvaguarda da vida humana nas águas e/ou de poluição ambiental” (item 309 da NORMAM 7 - DPC2. Do mesmo modo, o embar-go pode ser conseqüência da efetivação de medida caute-lar típica de produção ante-

2 DPC - Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasilc

1 HILL, Cristopher, Maritime Law, 6. ed. LLP: 2003. p. 119. (tradução livre).

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 11 25

cipada de provas, pela qual a parte requer a realiza-ção de prova pericial ou oral. Como resultado prático, a embarcação pode ficar reti-da (impedida de seguir via-gem) até decisão ulterior do juízo.

Na lei brasileira, a ação típi-ca de “embargo à saída de em-barcações”, encontra-se pre-vista no Código Comercial, que confere o direito de impedir que a embarcação siga viagem nas seguintes hipóteses:

a) Para os detentores de determinados créditos aos quais se atribui a qualificação de privilégios marítimos, em qualquer porto, conforme dis-posto no art. 479 do Código Comercial: “Art. 479 - Enquan-to durar a responsabilidade da embarcação por obrigações privilegiadas, pode esta ser embargada e detida, a reque-rimento de credores que apre-sentarem títulos legais (artigo nºs 470, 471 e 474), em qual-quer porto do Império onde se achar, (...)”.

Há duas notas interessan-tes sobre o mencionado dispo-sitivo: A primeira é que ele em momento algum utiliza a ex-pressão “arresto”, mas sim “em-bargo” e “detenção”. A segunda é que, em que pese a inviabili-dade da actio in rem no Brasil, o artigo menciona “responsa-bilidade da embarcação”, como se pudesse ela ser personifica-

da tal qual na common law. Como se pode ver, embora

o ordenamento brasileiro não contemple o instituto do ma-ritime lien, o Código Comer-cial estabelece que os deten-tores de créditos privilegiados têm direito de seqüela e po-dem requerer o embargo da embarcação mesmo que este-ja sob posse de terceiros di-versos do sujeito da obriga-ção que originou o referido crédito.

São as seguintes normas vi-gentes no país que definem quais são os privilégios marí-timos no Brasil: O Código Co-mercial (art. 470 e seguintes) e a Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras Relativas aos Privilé-gios e Hipotecas Marítimas e o respectivo protocolo de assi-natura, firmados entre o Brasil e vários países, em Bruxelas, a 10 de abril de 1926 (Decreto n.º 351/35).

b) Por créditos não privi-legiados, apenas no porto de registro da embarcação, me-diante caução e como medida incidental, nos termos do art. 480 do Código Comercial:

Art. 480 - Nenhuma em-barcação pode ser embargada ou detida por dívida não pri-vilegiada; salvo no porto da sua matrícula; e mesmo nes-te, unicamente nos casos em que os devedores são por di-reito obrigados a prestar cau-

ção em juízo, achando-se pre-viamente intentadas as ações competentes.

c) Por dívidas particulares do armador contraídas para aprontar o navio para a mes-ma viagem e na falta de outra garantia, nos termos do art. 481 do Código Comercial:

Art. 481 - Nenhuma embar-cação, depois de ter recebido mais da quarta parte da car-ga correspondente à sua lota-ção, pode ser embargada ou detida por dívidas particula-res do armador, exceto se es-tas tiverem sido contraídas para aprontar o navio para a mesma viagem, e o devedor não tiver outros bens com que possa pagar; (...) e

d) Por dívidas particulares dos compartes, garantindo-se a o prosseguimento da via-gem mediante o oferecimento de caução:

Art. 483 - Nenhum navio pode ser detido ou embar-gado, nem executado na sua totalidade por dívidas parti-culares de um comparte; po-derá, porém, ter lugar a exe-cução no valor do quinhão do devedor, sem prejuízo da livre navegação do mesmo navio, prestando os mais compartes fiança idônea.

A retenção do navio pode até ser exercida por meio da ação cautelar típica de ar-resto, caso a parte credo-

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 1126

ra das dívidas acima mencio-nadas preencha os requisitos do artigo 814 do Código de Processo Civil. Esta é, entre-tanto, uma hipótese excep-cional e bastante rara, já que nos dias de hoje a maioria das dívidas previstas nos ar-tigos citados são contraídas sem prova literal de dívida li-quida e certa, nos termos da lei processual.

A rigor, a pretensão de em-bargar a saída do navio de de-terminado porto se exerce mediante ação cautelar ino-minada, conforme dispõem os artigos 798 e 799 do Códi-go de Processo Civil:

Art. 798. Além dos proce-dimentos cautelares especí-ficos, que este Código regu-la no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que jul-gar adequadas, quando hou-ver fundado receio de que uma parte, antes do julga-mento da lide, cause ao direi-to da outra lesão grave e de difícil reparação.

Art. 799. No caso do artigo anterior, poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de determina-dos atos, ordenar a guarda ju-dicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução.

Assim como na common law, o objetivo da medida não é, de regra, a efetivação fu-tura de penhora, mas sim a

obtenção de caução. A im-plementação prática da me-dida, entretanto, encontra al-gumas dificuldades em razão das normas arcaicas em vigor no Brasil e de sua defasagem com a tecnologia atual em-pregada na navegação.

3.2 Da defasagem da lei bra-sileira e do descompasso com as convenções interna-cionais em vigor

Conforme mencionado, os aplicadores do Direito no Brasil contam com duas nor-mas anciãs: o Código Comer-cial, de 1850, e uma Conven-ção Internacional de 1926. Não por acaso, ambas trazem algumas disposições de im-possível aplicação nos dias de hoje e outras defasadas em vista dos tratados internacio-nais em vigor.

Algumas delas são de or-dem histórica e econômica: O Código Comercial sur-giu no ordenamento jurídi-co brasileiro em 1850 como a primeira codificação privada do Brasil, fruto de interesses econômicos impulsionados pela independência do país.

Com a declaração de inde-pendência em 1822, além da necessidade política de fixar um Código de Direito Privado pátrio e romper em definiti-vo o “cordão umbilical” com Portugal, mostrava-se ur-gente a concepção de normas que incrementassem o então incipiente comércio exterior. E as normas de Direito Ma-rítimo que permearam a se-gunda parte do Código Co-mercial mostram claramente a intenção do legislador de atrair aos portos brasileiros embarcações estrangeiras. A Fórmula encontrada foi for-talecer a posição dos arma-dores estrangeiros e de seus capitães, em detrimento do exportador ou de qualquer outro credor nacional. Con-fira-se, por exemplo, a reda-ção dada ao art. 482: “Os na-vios estrangeiros surtos nos portos do Brasil não pode-rão ser embargados nem de-tidos, ainda mesmo que se achem sem carga, por dívidas que não forem contraídas em território brasileiro, em uti-lidade dos mesmos navios ou de sua carga; salvo provindo

3“Tem-se mesmo justificado a inarrestabilidade do navio estrangeiro, dadas certas circunstan-cias, pela conveniência de atrair navios de outras nações aos portos do país, que, mostrando-se assim hospitaleiro, tem o intuito de desenvolver as relações marítimas”(sic) COSTA, José da Silva. Direito Commercial Marítimo, Fluvial e Aéreo. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1935. E também: “Esse dispositivo de nosso código, nele introduzido por influência do antigo código comercial português (1883) que, por sua vez, já o trasladara do velho código espanhol de 1823, não tem outro propósito senão o de atrair, com mais facilidade, aos portos nacionais, os navios estrangeiros.” LACERDA, J.C. Sampaio de. Curso de Direito Comercial Marítimo e Aeronáutico (Direito Privado da Navegação), 2ª ed. Rio de Janeiro: 1954.presarial, Estudo em Homenagem a Modesto Carvalhosa, Luiz Fernando Martins Kuyven (Coord.), Saraiva, São Paulo, 2012, p.443.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 11 27

a dívida de letras de risco ou de câmbio sacadas em país es-trangeiro no caso do art. 651, e vencidas em algum lugar do Império.3”

Outras são de cunho tec-nológico, como, por exem-plo, a limitação contida no ar-tigo 479 do Código Comercial quanto ao embargo de na-vios que tenham à bordo car-ga correspondente a mais que a quarta parte de sua lotação.

Art. 479 - Enquanto durar a responsabilidade da embarca-ção por obrigações privilegia-das, pode esta ser embargada e detida, a requerimento de cre-dores que apresentarem títu-los legais (artigo nºs 470, 471 e 474), em qualquer porto do Império onde se achar, estan-do sem carga ou não tendo re-cebido a bordo mais da quar-ta parte da que corresponder à sua lotação; o embargo, porém, não será admissível achando--se a embarcação com os des-pachos necessários para poder ser declarada desimpedida, qualquer que seja o estado da carga; salvo se a dívida proce-der de fornecimentos feitos no mesmo porto, e para a mesma viagem.

Vale lembrar que o Códi-go Comercial de 1850 é bem anterior à invenção do con-têiner, que foi utilizado no transporte marítimo pela pri-meira vez cerca de cem anos depois. Na concepção do Có-digo, portanto, não se vislum-

brava a existência de navios full container, embarcações que operam com 100% de sua carga conteinerizada. Numa econômica de escala como a atual, este tipo de embarcação raramente opera com menos da quarta parte de sua capa-cidade à bordo, vale dizer, os navios liners (que operam via-gens circulares em rotas de-finidas) carregam e descarre-gam determinada quantidade de conteineres em cada por-to de escala e tentam otimi-zar seus custos aproveitando todos os espaços disponí-veis em cada trecho da via-gem. Caso seja aplicada ipsis literis a disposição constante no artigo 479 acima transcri-to, portanto, esta espécie de navio seria virtualmente im-possível de se embargar. Ob-viamente, não houve intenção do legislador de diferenciar navios full container de ou-tras embarcações. Simples-mente, o contêiner ainda não existia quando da concepção do referido dispositivo.

Além das disposições ul-trapassadas do Código Co-mercial de 1850, a defasagem da legislação brasileira se faz notar também em compara-ção com as normas interna-cionais em vigor. Basta com-parar o rol dos créditos que permitem o Embargo no or-denamento brasileiro (item 3.1 acima) com as disposi-ções contidas na Internatio-

nal Convention relating to the Arrest of Sea-going Ships, de 1952, que não foi ratificada pelo Brasil:

“Art. 3º: Observadas as pre-visões contidas no parágra-fo 4º deste artigo e no arti-go 10º, o autor pode arrestar o navio específico sobre o qual surgiu a ‘maritime claim’, ou qualquer outro navio de quem era o proprietário daquele na-vio específico quando surgiu o ‘maritime claim’, mesmo que o navio arrestado esteja pronto para zarpar; Entretanto, ne-nhum navio além daquele na-vio específico sobre o qual sur-giu o “maritime claim” poderá ser arrestado por força dos ‘claims’ mencionados no art. 1º, itens ‘o’, ‘p’ ou ‘q”.

Além de possibilitar o em-bargo de navio pronto para zarpar e de outros navios (do mesmo proprietário) diver-sos daquele que deu origem à dívida, o rol de “maritime claims” que ensejam a reten-ção é bem mais amplo do que o do Código Comercial:

“Art. 1º: “Maritime Claim” significa qualquer pretensão oriunda de um ou mais das se-guintes hipóteses:

(a) Dano causado por qual-quer navio, seja por colisão ou qualquer outro motivo;

(b) Perda de vida ou danos pessoais causados por qual-

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 1128

quer navio ou ocorridos em co-nexão com a operação de qual-quer navio;

(c) Salvamento;

(d) Contrato relativo ao uso ou cessão de qualquer navio seja por afretamento ou não;

(e) Contrato relativo ao transporte de bens num navio, seja mediante afretamento ou não;

( f) Perda ou dano a bens, in-clusive bagagens, transporta-dos por qualquer navio;

(g) Avaria grossa;

(h) Dinheiro tomado em em-préstimo pelo comandante para despesas de viagem;

(i) Reboque;

( j) Praticagem;

(k) Bens ou materiais for-necidos em qualquer lugar ao navio, para sua operação ou (m) manutenção;

(l) Construção, reparo ou equipagem de qualquer navio ou cobranças e despesas de do-cagem;

(m) Salários do Comandan-te, dos oficiais e da tripulação;

(n) Despesas feitas pelo co-mandante, inclusive despe-

sas feitas pelos carregado-res, afretadores ou agentes em nome do navio ou de seu ar-mador/proprietário;

(o) Disputas quanto ao título ou à propriedade de qualquer navio;

(p) Disputas entre co-pro-prietários de qualquer navio, seja em relação à propriedade, posse, emprego ou frutos da-quele navio;

(q) Hipoteca”;Do mesmo modo, ao con-

trário do sistema existente nos tratados internacionais sobre a matéria, o ordena-mento brasileiro veda que se intente medida cautelar de embargo de navio por dívi-da contraída no exterior, por força do artigo 88 do Código de Processo Civil.

Art. 88. É competente a au-toridade judiciária brasileira quando:

I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver do-miciliado no Brasil;

II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato prati-cado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no no I, reputa--se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

Não obstante a possibilida-de de o operador do Direito apoiar-se no parágrafo úni-co sob o fundamento de que o navio é atendido no país por agência marítima, o artigo 75, § 2º do Código Civil limita a fixação de domicílio apenas para as obrigações contraí-das pela referida agência, o que afastaria - igualmente – a possibilidade de se embargar o navio por dívidas contraídas no exterior. Aliás, as obriga-ções contraídas pela agência marítima brasileira em bene-fício da embarcação por si só já atrairia a incidência do in-ciso II do artigo 88 do Código de Processo Civil.

Vale ressaltar que o Bra-sil também foi instado a ade-rir à International Convention on the Arrest of Ships de 1999 e o Ministério das Relações Exteriores proferiu parecer

4“ Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:(...)IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e adminis-trações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.(...)§ 2o Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 11 29

contrário à ratificação (Ofí-cio nº 249, de 14/11/2011) sob o fundamento de que a referi-da convenção estaria em con-flito com a legislação brasilei-ra vigente pois: não previa o embargo de navio, necessa-riamente, como medida ga-rantidora de futura execução; Fugiria dos requisitos formais da ação cautelar de arresto, previstos nos artigos 813 e 814 do Código de Processo Civil – o que, nos dizeres do parecer, “não seria apropriado”; igua-laria o “arresto de navios” a uma medida cautelar inomi-nada; contraria as normas vi-gentes no Brasil de vedar em-bargo de navio estrangeiro ou que se encontre com mais de um quarto de sua carga; e permitiria que se processas-se o embargo no Brasil ainda que a dívida fosse contraída no exterior, o que ofenderia o artigo 12 da então Lei de In-trodução ao Código Civil.

Ora, o interesse na ratifi-cação de tratados interna-cionais se mostra mais la-tente justamente diante de disposições internacionais novas e diversas das leis na-cionais em vigor, com vista na unificação internacional nas normas atinentes à cir-culação de mercadorias. Se as disposições constantes em tratado internacional são be-néficas aos interesses do país e não se mostram incompa-tíveis com o sistema jurídi-

co pátrio, não há qualquer empecilho à sua internaliza-ção. O país careceria de in-teresse na ratificação – isto sim – se as disposições cons-tantes no tratado fossem contrárias aos seus interes-ses ou repetissem ipsis lite-ris aquilo que já constasse na lei nacional.

Diante desta relutância, afigura-se situação bastan-te curiosa: O Brasil, que é um país eminentemente de pro-prietários de carga, tem nor-mas mais favoráveis aos na-vios estrangeiros do que os próprios países detentores de grandes frotas.

4. Considerações finaisComo exposto, a lei brasilei-ra em vigor atinente ao em-bargo à saída de embarcações requer atenção redobrada e impõe a superação de obstá-culos que já existiriam pela simples circunstância de o Brasil ser um sistema de civil law no qual não há institutos correspondentes ao maritime lien e à actio in rem.

A tradução do vocábulo “arrest” traz consigo, ainda, o risco de a medida – que é de regra uma cautelar inomi-nada – ser confundida com a ação típica de arresto previs-ta nos artigos 813 e 814. Este equívoco é comum não só aos aplicadores do Direito no dia a dia como também a órgãos de governo.

Tais circunstâncias, agra-vadas pelo distanciamen-to entre o Código Comer-cial de 1850 e a realidade atual, recomendam a inter-pretação cuidadosa dos dis-positivos constantes naquele diploma. A tendência, entre-tanto, é que o Brasil caminhe para a evolução das normas atinentes ao Direito Marí-timo, seja com a ratificação de convenções internacio-nais ou com a elaboração de leis nacionais mais moder-nas e adequadas. Afinal, não parece haver justificativa ra-zoável para que o país, sendo cargo owner, possua normas mais favoráveis aos armado-res estrangeiros do que aque-las vigentes em países tidos como transportadores.

* Werner Braun RizkAdvogado sócio do escritório Zouain, Rizk, Colodetti & Advogados Associados. Procurador do Estado do Espírito Santo.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 1130

Todas as principais conven-ções internacionais acerca do contrato de transporte maríti-mo dos séculos XX e XXI – Re-gras de Haia de 1924, Regras de Haia-Visby de 1968, Regras de Hamburgo de 1978 e Regras de Roterdã de 2009 – estipula-ram mecanismos de limitação de responsabilidade do transpor-tador marítimo por perdas e ava-rias na carga ocorridas durante o transporte.

Os mecanismos de limita-ção previstos nessas conven-ções – bem como os mecanismos previstos em estatutos legais e convenções relativos a outros modais de transporte – seguem todos uma mesma lógica: preve-em que o transportador respon-derá por perdas e avarias à carga

até o limite do valor da carga de-clarado no conhecimento de trans-porte (Bill of Lading) e que, caso esse valor não seja declarado no conhecimento pelo embarcante, o transportador responderá até determinado valor, previamen-te fixado pelas convenções inter-nacionais, calculado em razão do peso da mercadoria perdida ou avariada, ou em razão do número de unidades de carga (containers ou pallets) avariadas ou perdidas.

O Brasil não incorporou em seu ordenamento jurídico ne-nhuma das grandes Convenções Internacionais sobre transpor-te marítimo de carga1. No direito brasileiro não há vigente, atual-mente, qualquer mecanismo legal de limitação de responsabilidade do transportador específico pa-

Por José Luiz Bayeux Neto*

Análise econômica da limitação de responsabilidade do transportador marítimo

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 2 – Volume 11 31

ra o modal marítimo, embora ha-ja previsão legal de limitação de responsabilidade do transporta-dor no transporte multimodal2 e nos modais aéreo3 e rodoviário4.

Em dezembro de 2012, a Asso-ciação Brasileira de Direito Maríti-mo–ABDM apresentou ao Senado sugestão de emenda ao Projeto de Novo Código Comercial para que nele se incluísse Livro dedi-cado ao Direito Comercial Maríti-mo (Emenda 56 ao PL 1.572/2011). A Emenda 56 prevê a instituição de mecanismo de limitação de responsabilidade do transporta-dor marítimo nos mesmos moldes e nos mesmos valores previstos nas Regras de Roterdã, de 2009.

Há grande celeuma entre os agentes do setor acerca das van-tagens e desvantagens de o Brasil incorporar em seu ordenamento jurídico as disposições sobre li-mitação de responsabilidade do transportador marítimo previstas nas Regras de Roterdã.

Ao mesmo tempo, observa-se certa resistência dos tribunais brasileiros em aplicar as regras de limitação de responsabilidade do transportador, mesmo nos casos

relativos a modais em que essas regras são expressamente previs-tas em lei. Os tribunais brasileiros usualmente qualificam as regras de limitação de responsabilidade como abusivas e parecem consi-derá-las como odiosos privilégios da classe dos transportadores.

Defenderei, aqui, que o meca-nismo de limitação de responsabi-lidade do transportador marítimo de carga previsto nas conven-ções internacionais – e repetido na Emenda 56 ao PL 1.572/2011 – promove uma alocação eficien-te dos riscos contratuais, ao me-nos nas operações de transporte de índole estritamente comercial, em que se pressupõe agentes com maior grau de informação acer-ca das condições econômicas da operação.

A contratualidade do me-canismo de limitação de responsabilidade

A chave para se compreender a eficiência do mecanismo de li-mitação de responsabilidade do transportador previsto nas con-

venções internacionais sobre transporte de carga marítimo re-side no caráter contratual desse mecanismo.

Esses mecanismos, com certa frequência, são abordados como se se tratassem de “imposições legais” de limites de responsabi-lidade do transportador, ou seja, como se a limitação prevista em lei fosse imperativa e não pudes-se ser afastada pela vontade das partes. Essa abordagem é equi-vocada. Os mecanismos de li-mitação de responsabilidade do transportador marítimo previstos nas convenções internacionais não consistem em regras de res-ponsabilidade civil, mas sim em regras de interpretação contratu-al, ou, melhor dizendo, regras de interpretação de atos realizados pelas partes na formação do con-trato de transporte.

Essas regras dispõem, em su-ma, que o ato do embarcante de declarar determinado valor da carga no conhecimento de trans-porte será interpretado como uma estipulação de limite de res-ponsabilidade do transportador ao valor declarado. O ato do em-barcante de não declarar o valor da carga, por sua vez, será inter-pretado como a anuência do em-barcante em se submeter a um regime de tarifação de indeniza-ção previamente fixado.

Em outras palavras, o que es-sas disposições fazem é promover uma inversão da regra padrão da responsabilidade contratual.

No direito dos contratos, via de regra, o devedor respon-de pela integralidade dos preju-

Doutrina

1 O Brasil é signatário da convenção denominada “Regras de Hamburgo”, de 1978, porém não a ratificou internamente.

2 No transporte multimodal doméstico, a limitação de responsabilidade é prevista no art. 17 da Lei 9.611/98, em conjunto com o art. 16 do Decreto 3.411/00. A limitação no transporte multimodal internacional é prevista no art. 13 do Acordo sobre Transporte Multimodal Internacional entre os Estados Partes do MERCOSUL de 1994, em conjunto com o item 2 do anexo I do Acordo.

3 No transporte aéreo doméstico, a limitação de responsabilidade é prevista no artigo 262 do Código Brasileiro de Aeronáutica, ao passo que, no transporte aéreo internacional, ela é prevista no artigo 22, inciso III, da Convenção de Montreal, incorporada ao Direito Brasileiro pelo Decreto 5.910/06.

4 Vide art. 14 da Lei 11.442/07 e o art. 18 do “Acordo sobre o Contrato de Transporte e a Respon-sabilidade Civil do Transportador no Transporte Rodoviário Internacional de Mercadorias, entre Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, de 16/8/1995”.

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ízos provocados ao credor pelo seu inadimplemento. As partes contratentes, contudo, podem derrogar a regra de ampla res-ponsabilização do devedor por meio de cláusulas de limitação de responsabilidade ou cláusulas pe-nais de prefixação de perdas e da-nos.

No contrato de transporte de carga, a regra instituída pe-los mecanismos de limitação de responsabilidade previsto nas convenções internacionais é a inversa: no silêncio das partes, o transportador responderá até uma determinada quantia, pre-viamente fixada em lei, que será calculada de acordo com o pe-so ou o volume da carga trans-portada. O embarcante, contudo, poderá alterar esse regime de responsabilidade contratual li-mitada e majorar a indenização devida pelo transportador em ca-so de perda ou avaria da carga, por meio da declaração do va-lor da carga no conhecimento de transporte.

Em outras palavras, as leis e convenções internacionais acer-ca do contrato de transporte ma-rítimo de carga instituem uma cláusula de limitação de respon-sabilidade “tácita” ou “presumida”, que pode ser elidida pelo embar-cante por meio da declaração do valor da carga no conhecimento de transporte.

Para qualquer que seja a cons-trução dogmática dos mecanismos de limitação de responsabilidade previsto nas convenções interna-cionais sobre a matéria, o que im-porta observar é que a limitação

de responsabilidade não é uma regra imperativa, mas sim dispo-sitiva: ao embarcante sempre é dada a opção entre (i) declarar o valor da carga no conhecimento de transporte e, com isso, obter a responsabilização do transpor-tador pelo valor integral da car-ga declarado; e (ii) não declarar o valor da carga, deixando a res-ponsabilidade do transportador limitada à tarifa legal.

A eficiência da liberdade de pactuar a alocação dos riscos contratuais

A liberdade conferida pelos mecanismos de limitação de res-ponsabilidade às partes do con-trato de transporte marítimo – liberdade de optar por um re-gime contratual de responsabili-dade limitada do transportador ou por um regime sem qualquer limitação – tende a ser eficiente.

Essa liberdade na contrata-ção do regime de responsabilida-de contratual aplicável permite que embarcante e transportador aloquem o risco contratual à par-te que pode suportá-lo ao menor custo possível.

E possuindo a liberdade para tanto, as partes sempre tenderão a fazê-lo. Afinal, ambas as partes saem ganhando quando o risco contratual é alocado para aque-la que pode suportá-lo ao menor custo. A eficiência na alocação

dos riscos contratuais produzi-rá excedentes que, em tese, serão partilhados pelas partes5.

Na prática do comércio ma-rítimo, o transportador cobra-rá do embarcante que declarar o valor da carga no conhecimen-to de transporte frete em valor maior do que aquele que cobraria do embarcante que não declaras-se o valor da carga. A razão disso é fácil de compreender: o embar-cante que declara o valor da car-ga no conhecimento oferece ao transportador maior risco con-tratual do que o embarcante que não declara o valor da carga. Uma vez que suportar risco custa di-nheiro, o transportador cobrará um valor de frete menor do em-barcante que lhe proporcionar menor risco.

Isso faz com que o embarcante se veja diante do seguinte dilema: ele pode declarar o valor da car-ga para garantir o direito a uma indenização integral do trans-portador e pagar, para tanto, um valor de frete mais caro, ou pode não declarar o valor da carga, fi-car “descoberto” sem o direito à indenização integral e pagar um frete em valor mais baixo.

De uma perspectiva estrita-mente econômica, a escolha, pelo embarcante, do regime contratu-al aplicável, está intimamente re-lacionada ao custo incorrido por cada uma das partes para suportar ou mitigar os riscos contratuais.

5 Confira-se: “Furthermore, the promisor may sometimes be the cheaper risk bearer because she may be in a better position to prevent breach or may simply be less risk-averse. When the promisor is the cheaper risk-bearer, it is socially desirable for the promisee to pay the promisor to assume the risk” (Michael Dorff, Attaching tort claims to contract actions: an economic analysis of contort. Seton Hall Law Review, n. 28, p. 390, 1997-1998).

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Em outras palavras, a escolha do embarcante entre declarar ou não o valor da carga no conheci-mento de transporte está relacio-nada ao custo de contratação de seguro incorrido por cada uma das partes: o custo do embarcan-te de contratar seguro de dano da carga em seu favor, e o custo do transportador de contratar segu-ro de responsabilidade civil em seu favor.

Se, entre as partes contra-tantes, o embarcante for aque-le que puder suportar os riscos inerentes ao contrato de trans-porte marítimo ao menor custo – ou seja, se o embarcante pu-der contratar seguro de dano da carga a um preço menor do que o pago pelo transportador para contratar seguro de responsabi-lidade civil –, então, sua melhor opção será deixar de declarar o valor da carga e suportar sozinho os riscos que o transporte marí-timo oferece à carga. Isso por-que, nessa hipótese, o valor do prêmio do seguro da carga pago pelo embarcante tenderá a ser menor do que o valor do acrés-cimo ao preço do frete que a de-claração do valor da carga no conhecimento acarretaria. Ou seja, será mais barato ao embar-cante ser “coberto” por uma se-guradora do que ser coberto pelo transportador.

Se o transportador for a par-te que puder suportar o risco do transporte ao menor custo – ou seja, se o transportador puder contratar seguro de responsabi-lidade civil a um preço menor do que o pago pelo embarcante para

contratar seguro de dano da car-ga – então fará mais sentido ao embarcante declarar o valor da carga no conhecimento. Isso por-que, nessa hipótese, o acréscimo do valor do frete decorrente da declaração do valor da carga no conhecimento tenderá a ser me-nor do que o valor do prêmio de seguro de dano que o embarcante pagaria se contratasse um segu-ro por sua conta. É mais barato ao embarcante, nesse caso, deixar o risco a cargo do transportador do que transferi-lo a um segurador.

É fácil observar que um regime baseado na liberdade das partes de alocar entre si o risco contra-tual é mais eficiente do que um regime no qual a alocação ori-ginal do risco contratual pela lei não pode ser alterada pela vonta-de das partes.

A liberdade na escolha do re-gime de responsabilidade contra-tual promovida pelos mecanismos de limitação de responsabilidade previstos nas convenções inter-nacionais sobre transporte marí-timo de carga é benéfica e atende aos interesses dos embarcan-tes. Isso porque essa liberdade na alocação dos riscos contratuais permite aos embarcantes opta-rem pelo regime que lhes assegu-ra o custo ótimo de frete e seguro da carga.

A eficiência da alocação do risco ao embarcante

No tópico anterior, concluiu--se que um regime de respon-sabilidade contratual em que as partes têm liberdade para aloca-

rem entre si os riscos contratuais é mais eficiente do que um re-gime em que a alocação original instituída pela lei não pode ser al-terada pela vontade das partes.

Isso não basta, contudo, para se afirmar a eficiência dos meca-nismos de limitação de responsa-bilidade previstos nas convenções internacionais sobre transporte marítimo de carga. Mesmo por-que, conforme já afirmado acima, o regime jurídico aplicável aos contratos em geral, em tese, já permite a livre realocação de ris-co contratual entre as partes, por meio de cláusulas de limitação de responsabilidade e cláusulas de prefixação de perdas e danos.

O regime de responsabilidade instituído pelos mecanismos de limitação de responsabilidade do transportador marítimo previstos em convenções internacionais di-fere do regime de responsabilida-de contratual geral não em razão da liberdade na alocação dos ris-cos contratuais (que existe nos dois regimes), mas sim em razão da alocação standard aplicável no silêncio das partes.

As normas contratuais dispo-sitivas – ou seja, aquelas que po-dem ser derrogadas pela vontade das partes – devem buscar insti-tuir regras que as partes presu-mivelmente pactuariam na maior parte dos casos. Uma regra dis-positiva que seja constantemente derrogada pelas partes é inefi-ciente: falha em identificar o que as partes presumivelmente acor-dariam na maior parte dos casos. A regra standard é feita para ser regra, não exceção.

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Assim, para se afirmar se os mecanismos de limitação de res-ponsabilidade do transportador marítimo são desejáveis e eficien-tes, é necessário se averiguar se o regime standard por eles insti-tuído (alocação de riscos ao em-barcante) é ou não o regime mais eficiente na maior parte dos ca-sos.

Contra a eficiência dos me-canismos de limitação de res-ponsabilidade do transportador marítimo, argumenta-se que, na maior parte dos casos, dentre as partes intervenientes no contra-to de transporte, o transportador seria aquele capaz de contratar seguro de responsabilidade ao menor custo. Isso porque, em ge-ral, cada transportador contra-ta um número maior de apólices de seguro do que cada um de seus clientes individualmente. Como quem compra no atacado paga menos por unidade do que quem

compra no varejo, há fundadas ra-zões para se crer que o transpor-tador de carga consiga contratar seguros de responsabilidade ci-vil a um prêmio menor do que o prêmio do seguro de dano da car-ga pago pelo embarcante para o mesmo interesse segurado.

O argumento é convincente e fundado em premissas verdadei-ras. Mas ele ignora algumas variá-veis relevantes do problema.

Conquanto seja verdade que o transportador, por ser um clien-te contumaz dos seguradores, obtenha um ganho de escala no preço de contratação do seguro, não necessariamente essa vanta-gem implicará que o custo médio da contratação do seguro pe-lo transportador seja mais baixo do que o custo médio da contra-tação de seguro pelo embarcan-te. Isso porque há uma assimetria de informações entre embar-cantes e transportadores acer-

ca do valor da carga transportada (e essa assimetria está no cerne da limitação de responsabilida-de) que faz com que o segurador do embarcante consiga realizar uma mensuração de riscos mais acurada do que a do segurador do transportador.

O embarcante e seu segurador sempre saberão de antemão o va-lor do interesse segurado, ou seja, sempre saberão o valor da carga objeto do transporte. Contudo, na hipótese em que o transpor-tador possa ser responsabilizado integralmente pelo valor da carga perdida ou avariada independen-temente de o valor da carga ter ou não sido declarado no conheci-mento, o transportador e seu se-gurador não saberão previamente qual o valor da carga transportada e, consequentemente, a dimensão do risco assumido.

Na ignorância da dimensão do interesse segurado, não resta ao segurador do transportador outra alternativa que não inferir o valor médio do risco coberto de acor-do com uma estimativa. Surgem aqui problemas de seleção adver-sa: não sendo capaz de distinguir entre embarcantes que oferecem alto risco (pois embarcam cargas valiosas) e embarcantes que ofe-recem baixo risco (pois embar-cam cargas de pouco valor), os transportadores e seus segura-dores assumem que o risco ofe-recido por suas contrapartes contratuais consistem em uma média entre clientes que ofere-cem alto risco e clientes que ofe-recem baixo risco.6

O sistema em que a respon-sabilidade recaia sempre sobre

6 Esse argumento é muito bem sintetizado por David S. Peck: “The second part of the negotiation involves allocating responsibilities to the party which can handle them most effectively. The lower the cost of performance, the higher the profit that can be split between the carrier and shipper. If the market works efficiently and the parties bear no transaction costs, then the parties will always arrive at the same economic result regardless of where default responsibility lies, as long as the parties are allowed to transfer responsibility freely. The result will be that the most effi-cient party will perform the duties and the difference will be made up in the price of the freight. One theory maintains that carriers disclaimed liability for loss because it constituted the most efficient scenario.38 As discussed below, shippers may possibly procure insurance or address the risk of loss more efficiently than carriers. The cost of obtaining and evaluating information constitutes a major cost of insuring a risk. The more information available concerning the cargo (i.e. its value, its nature and durability, whether the cargo is perishable, etc.), the more accurately the insurer can evaluate the risk of loss and the cheaper rates it can provide. The shipper enjoys a distinct advantage over the carrier here because it already has substantial knowledge of the characteristics of the cargo. If the carrier must insure the cargo, it must then exert time and ef-fort to obtain information already known to the shipper. The fact that carriers did not rush into disclaiming liability when the British courts first allowed them to do so supports this theory (…) shippers eventually discovered that they could obtain better and cheaper security from an insu-rance underwriter than from a carrier. The savings in rates exceeded the expense of insuring the cargo through a cargo insurer. The decrease in both the number of losses and the insurance rates themselves prove the success of this allocation. While exculpatory clauses may signal uneven bar-gaining power, they may also represent efficient negotiations between parties possessing equal bargaining power. Such clauses may also symbolize the most efficient allocation of resources for the particular transaction” (David S. Peck, Economic analysis of the allocation of liability for cargo damage: the case for the carrier, or is it? Transportation Law Journal, n. 26, p. 73-105, 1999).

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o transportador, independente-mente de o valor da carga ter ou não sido declarado no conheci-mento, pelo menos em tese, pre-judica os embarcantes de carga de baixo valor (que são tomados pelo transportador e seu segura-dor por embarcantes que ofere-cem riscos contratuais maiores do que os que eles realmente ofe-recem) e benefi cia os embarcan-tes de cargas de alto valor (que são tomados pelo transportador e seu segurador por embarcantes que oferecem riscos contratuais menores do que os que eles real-mente oferecem).

O fato de, na prática do mer-cado de transportes, na maioria esmagadora dos contratos, não

haver valor declarado no conhe-cimento – o que signifi ca que as partes optaram por transferir os riscos do transporte ao embar-cante, mantendo-se a cobran-ça de um frete baixo –, talvez seja um indício de que os custos de-correntes do problema de seleção adversa provocados pela assime-tria de informações entre trans-portador e embarcante quanto ao valor da carga superem as vanta-gens que o transportador tem de contratar o seguro no atacado.

Em outras palavras, apesar de os transportadores contrata-rem seguro no atacado e os em-barcantes contratarem no varejo, ainda assim é possível que se-ja mais barato aos embarcantes

contratarem o seguro de dano da carga do que aos transpor-tadores contratarem o seguro de responsabilidade civil, o que faz com que seja mais efi cien-te alocar os riscos contratuais do transporte ao embarcante do que ao transportador7.

* José Luiz Bayeux NetoAdvogado. Bacharel em direito pela Faculdade de Direito da USP e mestrando pela USP.

7 Vide, nesse sentido, observação de Lord Diplock: “Experience has shown that the economic advantages to cargo owner and carrier of accepting the limitation outweigh the economic advantages of declaring a higher value and so imposing a higher liability upon the shipowner. The option to declare a higher value is practically never exercised. It is sometimes asserted, with moral indignation, that carriers have robbed shippers of their option by insisting upon excessive freight rates if their liability is to exceed the ordinary limitation fi gure. All that this means is that the increase over the standard freight rates which the carrier requires for accepting the higher liability is greater than the reduction in the insurance premium which the cargo insurer is prepared to offer for the prospect of recovering a higher amount from the carrier or his P. and I. insurer, in the event of a loss for which the shipper is liable (…) If it had been more economical for the carrier to insure against the excess liability than for the cargo owner to cover it with his cargo insurer, without the insurer’s having any prospect of recovery against the carrier, this would have been discovered sometime in the forty six years since 1924, and the carrier would have quoted, for the goods declared to be of a higher value than the limitation fi gure, freight rates which would have refl ected the lower cost of covering the excess liability himself” (Lord Diplock, Conventions and morals-limitation clauses in international maritime conventions. Journal of Maritime Law and Commerce, v. 1, n. 4, p. 525, 1970).

4o trimestre de 2013 - Ano 2 - Volume 10

PERFIL

Abram Szajman,presidente da FECOMERCIO-SP, apresenta sua visão sobre o cenário empresarial do país

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