revista almocreve 2009

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beleza natural… tradições… cultura… 2009 UM RETRATO DAS GENTES DE CARÇÃO ALM CREVE

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Page 1: Revista Almocreve 2009

beleza natural…

tradições…

cultura…

2009

UM RETRATO DAS GENTES DE CARÇÃOALM CREVE

Page 2: Revista Almocreve 2009

ALM CREVE

UM RETRATO DAS GENTES DE CARÇÃO

beleza natural…tradições…cultura…

2008

UM RETRATO DAS GENTES DE CARÇÃO

CarçãoUm pedacinho do “Reino Maravilhoso”

Sofi a Jerónimo

Maria Sofia Rodrigues Jerónimo nasceu em Car-ção, concelho de Vimioso, distrito de Bragança e residente na freguesia de Custóias, concelho de Ma-tosinhos, distrito do Porto. Estudou na cidade do Porto até ao 7.º ano do Liceu (3.º Ciclo), ano que foi interrompido pela inesperada

morte de sua mãe o que a levou a tirar o Curso do Magistério

Primário, ficando sempre com um vazio em relação ao curso

de História que almejava. Já no exercício das suas funções docentes no Ensino

Básico, ingressou na Faculdade de Letras da Universidade

do Porto, onde se licenciou em História, Ramo educacional.

Efectuou o estágio do 1.º Grupo A (História) na Escola Se-

cundária de Carolina Micaielis do Porto. Fez o 1.º módulo do curso de Administração Escolar no

Instituto Superior de Educação e Trabalho (ISET) do Porto.

Fez a administração ao Curso de Inspectores Orienta-

dores do Ensino Primário na Escola do Magistério do Porto,

1974/75.Foi Coordenadora Pedagógica de 1974 a 1978.

Em 1985/86 orientou um Curso de Formação subordina-

do ao tema “Línguas e Cultura Portuguesa”, promovida pelo

Centro de Formação Abel Salazar, em Matosinhos.

No seu currículo acumula anda as funções de Director de

Escola, 1968/69; 1970/71; 1973/74;A responsabilidade do Serviço do IASE – Instituto de

Apoio Social Escolar 1977/80;Delegada da Escola no âmbito do “programa Foco” para

organizar a Área Escola 1992/93;Organização e implementação da Biblioteca na escola,

1991/94;Aposentou-se em Maio de 1998, ms continuou dando o

seu contributo à escola, e aos alunos quer escrevendo tex-

tos, quer organizando e colaborando nas festas escolares,

até à publicação no Diário da República. Foi colaboradora do “Jornal de Matosinhos” durante al-

guns anos. É colaboradora na revista “Almocreve – um retrato das

gentes de Carção”.

TRABALHOS (Publicados)

“Factos, Histórias, Lendas, Festas e Romarias”

TRABALHOS (não publicados)

“Escola como Organização-Escola da 4.ª Vaga”“A Criança no Séc. XIX”“Desenvolvimento Pessoal e Social”“Desenvolvimento Curricular”“A Escola não deve ser uma ilha isolada”

“A Tomada de Decisão”“O Dia da Mãe” (Palestra)“O Mediterrâneo”“Citânia de Sanfins”

“A Sociedade da Corte”“Relatórios de Estágio”“Perfil Psicológico da Criança”“Anos Vinte – Peso Crescente da Classe Média”“Os Loucos Anos Vinte” (Teatrinho)

ALMOCREVE

Carç

ão,

Um p

edac

inho

do

“Rei

no M

arav

ilhos

o”

António Júlio AndradeMaria Fernanda Guimarães

ALMOCREVE

Carção

– A

Capi

tal d

o Mar

rani

smo

António Júlio Andrade, natural de Felgueiras

concelho de Torre de Moncorvo, estudou nos

Seminários de Vinhais, Bragança e Braga e

na Faculdade de Filosofi a da Universidade do

Porto. Possui o curso de Técnico de Turismo

Cultural ministrado no Centro Nacional de

Cultura em Lisboa.

Foi professor do Ensino Secundário e actualmente trabalha

na Câmara Municipal de Torre de Moncorvo como Técnico de

Bibliotecas Arquivos e Documentação.

Fez parte da comissão instaladora do Museu do Ferro da

extinta Ferrominas EP.Durante 10 anos foi Director do Jornal “Terra Quente” quinzenário

que se publica em Mirandela.Foi vencedor do 1.º Prémio da 1.ª Edição dos Prémios de

“Conservação da Natureza e Património Cultural” com um

trabalho sobre o “Lagar Comunitário da Cera de Felgueiras

– Moncorvo”, criado com o aval das Secretarias de Estado

do Ambiente e da Cultura, representando Portugal na fi nal

Europeia realizada em Madrid no ano de 1988.

Publicou vários trabalhos monográfi cos sobre a sua aldeia, o

seu concelho e a sua região.A partir de 1999 vem-se dedicando ao estudo dos “Judeus

e Marranos no Distrito de Bragança” em colaboração com a

Cátedra de Estudos Sefarditas “Alberto Benveniste”.

Maria Fernanda Guimarães – Curso de Turismo

tendo exercido as funções de 1.ª Técnica de

Turismo até ao ano de 2000.Investigadora na área dos estudos Sefarditas,

nomeadamente nas comunidades de cripto-

judeus transmontanas.Colaboradora da Cátedra de Estudos Sefarditas

“Alberto Benveniste” desde as suas primeiras actividades.

Contribuição no âmbito da Cátedra de Estudos Sefarditas,

com investigação para o Dicionário Histórico dos Sefarditas

Portugueses – Corpo prosopográfi co de mercadores e gente

de trato.Colabora com o quinzenário Terra Quente onde é responsável,

na área da investigação, pela página “Entre o Cristianismo e o

Judaísmo” desde 1999.

Page 3: Revista Almocreve 2009

Índice

Editorial...................................................................................... . 2Mensagem.do.Presidente.da.C.M..Vimioso.............................................. . 5Mensagem.do.Presidente.da.J.F..Carção................................................. . 7Fado;.Ser.Carçonense...................................................................... . 8Saudade;.Gentes............................................................................ . 9Carção,.no.reverso.do.meu.mundo;.Mês.de.Agosto.................................... .10Carção,.minha.musa.inspiradora.......................................................... .11Voltar.às.Origens;.Desta.casa.vou.sair…................................................. .12Pai.Nosso.pequenino;.Oração.da.Manhã.de.Natal...................................... .13Ode.ao.Futebol.............................................................................. .14Tânia.Afonso.–.Campeã.Nacional.de.Kicboxing......................................... .15Rota.Almocreve.............................................................................. .16As.Gavetas.da.Memória.–.Doutor.Manuel.M..Lopes..................................... .19Doutor.Sidónio............................................................................... .21A.saga.de.um.carçonense.pelo.mundo.afora............................................ .22Uma.Maria.da.Fonte.Carçonense......................................................... .25Carção,.anos.60.–.Epopeia.duma.noite.sem.luar....................................... .27Breve.cronologia.sobre.a.Casa.do.Povo.de.Carção..................................... .33Azulejos na Fachada – devoção, saudosismo ou afirmação de outra realidade? .. .35Carção.–.Identidade.e.Memória........................................................... .38Carção.–.Preservação.de.uma.arquitectura.anímica................................... .41Encomendar.as.Nossas.Almas.............................................................. .47Origem.da.palavra.“Marrano”............................................................. .53Um.interessante.documento.sobre.Fábrica.de.Cola.em.Carção..................... .57Casas.típicas.do.concelho.de.Vimioso.dos.séculos.XIX.e.XX.......................... .59Jorge.Lopes.Henriques,.de.Carção.e.alguns.familiares.processados.pelaInquisição..................................................................................... .65Cartoon.“Museu.em.Carção”.............................................................. .74

Ficha técnica

Propriedade: Associação Cultural dos Almocreves de CarçãoCapa: Casa de Trabalho Dr. Oliveira SalazarImpressão e paginação: Casa de Trabalho Dr. Oliveira Salazar Dep. Legal: 183993/02Tiragem: 1000 exemplares Ano: Agosto de 2009Contactos para informações e colaboração: 966197194/966510938 Associação Cultural dos Almocreves de Carção Bairro S.to Estêvão, Rua A, n.º14 5230-124 Carção - Vimioso E-mails: [email protected] [email protected] [email protected] [email protected]: www.almocreve.pt

Page 4: Revista Almocreve 2009

Escrever.o.editorial.de.mais.um.número.da.revista é particularmente gratificante!

Após. oito. anos. de. muita. determinação.no. sentido. de. se. criar. um. meio. informativo.abrangente.na.nossa.povoação,.a. revista.Al-mocreve.é.já.uma.realidade.consolidada..

Claro.que.projectos.como.este.têm.os.seus.custos e dificuldades. Os meios financeiros são limitados.e.as.condições.técnicas.e.humanas.representam.entraves.difíceis.de.superar..Tais.limitações.regem.o.ritmo.e.a.escala.do.nosso.trabalho,.que.não.é.tão.célere.ou.tão.exten-so.como.desejaríamos..No.entanto.a. imensa.generosidade. das. pessoas. enquanto. colabo-radores,.patrocinadores,.leitores,.receptores.e.transmissores.de.palavras,.rapidamente.se.tornam. em. redes. de. comunicação. tremen-damente eficazes. A participação de todos permite ultrapassar muitas das dificuldades, fazendo. com. que. este. projecto. prospere. e.evolua.

Ao.longo.destes.anos,.a.revista.Almocreve.tem-nos.apresentado.muitos.dados.históricos.e.culturais.que.provavelmente.de.outra. for-ma.jamais.poderíamos.conhecer.e.preservar..Por.outro.lado,.vai.testemunhando.as.nossas.vivências. presentes,. tornando-se. um. instru-mento.precioso.para.os.nossos.vindouros,. já.que. imortaliza. muito. do. actual. património.cultural.da.nossa.região..

Outra.das.vertentes.que.este.projecto.tem.conseguido.realizar.é.a.divulgação.histórico-cultural.local.um.pouco.por.todo.o.país.assim.como.também.no.estrangeiro..

O almocreve é uma figura típica da nossa aldeia.conhecida.em.toda.a.região.do.nordes-te.transmontano..Até.o.grande.Camilo.Castelo.Branco.a.ele.se.refere.num.dos.seus.mais.im-portantes.romance.“Amor de Perdição”..Hoje.em. dia,. a. revista.Almocreve,. embora. numa.outra.dimensão,.continua.a.divulgar.o.nome.de.Carção.

Esta. edição. apresenta. vários. artigos. de.grande. qualidade,. demonstrando. a. grande.importância.de.Carção.no.passado.e.presente.no.panorama.cultural.da.região..

Além. da. revista,. a. associação.Almocreve.tem.promovido.e.desenvolvido.outros.eventos.de.forma.a.dinamizar.um.pouco.mais.a.povo-ação..O.ano.de.2008.foi.a.prova.disso.mesmo,.com.a.organização.da.II.Feira.de.Artesanato.e.a.publicação.e.apresentação.dos.livros.“Car-ção,.a.Capital.do.Marranismo”.da.autoria.de.

António.J..Andrade/M.ª.Fernanda.Guimarães.e.“Carção,.um.pedacinho.do.Reino.Maravilho-so” da autoria de Sofia Jerónimo. Aos autores destas.duas.obras.deixamos.o.nosso.agradeci-mento.pelo.excelente.contributo.para.o.enri-quecimento.histórico.e.cultural.de.Carção..

Ainda.este.ano,.a.nossa.Associação.adqui-riu.um.domínio.para.o.novo.SITE.da.Almocreve.(www.almocreve.pt).para.desta. forma.divul-gar.a.nossa.povoação.e.manter.actualizados.todos.aqueles.que,.por.razões.diversas,.se.en-contram.longe.da.terra.que.os.viu.nascer...

Outro.dos.projectos.que.ambicionávamos.e.que finalmente concretizamos, foi a aquisição de.uma.casa,.sita.na.Praça.David.dos.Santos,.com.o.objectivo.de.a.recuperar.e.transformar.num.espaço.onde.funcionará.o.Museu.e.a.sede.da.nossa.associação...

Para.o.ano.de.2009,.a.Almocreve.pretende.dar.continuidade.à.organização.da.Feira.de.Ar-tesanato.(será.a.III).e.apoiará.a.apresentação.do.livro.“Carção,.Sonho.e.Alma”.da.autoria.de.António.P..Jerónimo...

Para. que. a. publicação. da. sétima. edição.da.revista.Almocreve.e.a.realização.de.outros.eventos.por.nós.organizados.fossem.possíveis,.foram. necessárias. diversas. contribuições. de.muitas.pessoas.amigas,.a.quem.deixamos.um.profundo.agradecimento.

Assim,.e.em.primeiro.lugar,.agradecemos.a.todos.aqueles.que.nos.enviaram.os.seus.arti-gos,.deixando-nos.mais.um.contributo.para.a.recolha.e.preservação.da.nossa.história,.nome-adamente.a.ADCMC,.Adriano.C..Filho,.António.J..Andrade,.António. P.. Jerónimo,.António.R..Mourinho,.David.L..Levisky,.M.ª.Fernanda.Gui-marães,. Fernando. Pereira,. Francisco. C.. An-drade,.Inácio.Steinhardt,.José.Cavaleiro,.Luís.Cardoso,. Luís. Vale,. Manuel. Cardoso,. Manuel.C..Andrade,.Pedro.Jerónimo,.Sara.Afonso,.Se-rafim João, Sofia Jerónimo e Teresa Minga.

Estendemos.ainda.o.nosso.agradecimento.a.todos.os.patrocinadores,.nomeadamente.pro-prietários. de. estabelecimentos. comerciais,.cujas. generosas. contribuições. foram. essen-ciais.para.superar.os.custos.desta.edição..

Gostaríamos.de.manifestar.também.o.nos-so. reconhecimento. à. Junta. de. Freguesia. de.Carção.pela.assistência.na.elaboração.de.mais.esta.edição.

Do.mesmo.modo,.exprimimos.a.nossa.gra-tidão.à.Câmara.Municipal.de.Vimioso.que.mais.uma. vez. contribuiu. valorosamente. na. publi-

Caros leitores!

Page 5: Revista Almocreve 2009

cação.de.mais.um.número.da.revista,. assim. como. noutros.projectos. que. temos. vindo. a.realizar.

Agradecemos. também. ao.Sr.. António. Santos.. Além. de.amigo,.conselheiro.e.entusias-ta.da.cultura.do.nosso.povo,.é.a.ele.que.recorremos.em.mo-mentos de maior dificuldade. O seu apoio, não só financeiro mas.sobretudo.moral,.transmi-te-nos confiança e é veículo de grande.incentivo.e.inspiração.

Do.mesmo.modo,.deixamos.o.nosso.reconhecimento.ao.Sr..Érico.Vaz..Não.podemos. igno-rar. todo. o. incentivo. que. nos.tem. disponibilizado. para. po-dermos. realizar. todos.os.nos-sos.sonhos.

O.maior.agradecimento.vai.para. si,. amigo. leitor.. Ao. ad-quirir. este. exemplar,. temos.consciência.mais.uma.vez.que.o. principal. objectivo. foi. con-seguido.em.pleno,.comunican-do. e. deixando-lhe. mais. uma.mensagem. de. grande. orgulho.e.estima.pela.cultura.da.nossa.povoação..

Agora.só.falta.o.amigo.lei-tor. comunicar. connosco,. par-ticipando. assim. activamente.na.edição.de.2010...

Por. último,. deixamos. um.pedido.de.desculpas.a.todas.as.pessoas.que.nos.enviaram.arti-gos.que.não.foram.publicados..Não. foi. a. qualidade. textual.que. esteve. em. causa,. mas. a.falta.de.espaço.nesta.edição..Inserir.mais.artigos. tornar-se-ia financeiramente insuportá-vel.para.a.Associação..No.en-tanto, fica já a promessa que os. mesmos. serão. publicados.na.próxima.edição..

Um.abraço.amigo,

Paulo Lopes (Presidente.da.Associação.

Almocreve)

Page 6: Revista Almocreve 2009

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Page 7: Revista Almocreve 2009

Manuel dos Santos Rodrigues do Vale

Mensagem do Presidente

da Câmara Municipal de Vimioso

A.pedido.da.Associação.Almocreve,.a.quem.agradeço.o.simpático.convite,.dirijo-me.a.todos.os.munícipes,.em.geral,.e.aos.carçonenses,.em.particular,.sem.esquecer.todos.aqueles.que,.não.podendo.estar.connosco,.trazem.a.sua.terra.e.o.seu.concelho.no.coração.e.os.defendem.orgu-lhosamente.

Saúdo,.de.forma.especial,.os.responsáveis.pela.Associação.Almocreve.que,.para.lá.de.todo.um.conjunto.de.iniciativas,.têm.mantido.a.edição.desta.Revista.que.se.assume,.cada.vez.mais,.como.uma referência cultural, pela qual esperamos, ano após ano, e com a qual já nos identificamos.

Permitam-me.uma.palavra.acerca.do.trabalho.autárquico.Apesar.da.crise.em.que.vivemos.e.que.nos.afecta,.principalmente.porque.somos.um.município.

pequeno,.tudo.temos.feito.para.minorar.e.até.superar.os.efeitos.da.mesma.....Não. obstante. todos. os. atrasos. na. abertura. de. candidaturas. ao. novo. Quadro. Comunitário.

(QREN),.temos.estado.muito.atentos,.o.que.nos.tem.permitido.apresentar.várias.candidaturas,.todas.elas.aprovadas,.e.que.nos.possibilitam.dar.continuidade.aos.investimentos.que.geram.di-nâmica.e.qualidade.de.vida.ao.concelho.

O.Parque.Ambiental,.a.Zona.Industrial,.as.termas,.aliados.a.outros.investimentos.já.realiza-dos,.permitirão,.com.toda.a.certeza,.criar.postos.de.trabalho.

Mas.o.trabalho.autárquico.não.pode.ser.feito.sem.o.contributo.e.colaboração.das.freguesias..A.freguesia.de.Carção,.em.geral,.e.o.seu.Presidente.da.Junta,.em.particular,.não.se.têm.poupado.a.esforços,.no.sentido.de.fazer.de.Carção.uma.freguesia.de.referência.

Hoje,.todos.se.orgulham.da.recuperação.da.Casa.do.Povo,.as.rotundas.foram.embelezadas.de.forma.original,.o.Lar.de.Idosos.foi.ampliado,.as.associações.têm.sido.apoiadas,.as.pessoas.conti-nuam.a.ser.atendidas.com.toda.a.atenção.e.respeito.num.clima.muito.saudável.de.colaboração.e.entreajuda..

A.Associação.Almocreve.e.os.seus.colaboradores,.juntamente.com.outras.associações.de.Carção,.têm.sabido.defender.e.promover.a.sua.terra,.enobrecendo.a.valentia.e.a.coragem.dos.seus.antepas-sados.que.elevaram.e.levaram.o.nome.desta.terra.a.todos.os.locais.onde.esteja.um.carçonense.

É.com.estas.iniciativas.que.nós.nos.fortalecemos.e.que.nos.animamos.a.continuar,.procurando.sempre.fazer.mais.e.melhor.

Uma.palavra.a.todos.quanto.passam.férias.ou.visitam.o.concelho.e.também.Carção..Deixo.os.votos.de.muita.confraternização,.de.boas.férias.num.ambiente.de.serenidade.e.amizade,.engran-decendo.as.festividades.em.honra.de.Nossa.Senhora.das.Graças.

. . . . . . . . . Um.abraço.amigo,

Page 8: Revista Almocreve 2009

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Page 9: Revista Almocreve 2009

Mensagem do Presidente da Junta

de Freguesia de Carção

Mais.uma.vez.agradeço.a.oportunidade.que.a.Revista.Almocreve.me.dá.para.me.dirigir.a.to-dos.os.Carçonenses.neste.ano.de.2009,.ultimo.ano.do.meu.mandato.de.quatro.anos.à.frente.dos.destinos.da.Freguesia.de.Carção.

Ciente.do.meu.dever.cumprido.não.queria.deixar.de.vos.transmitir.um.agradecimento.muito.especial.a.todos.que.contribuíram.para.que.Carção.seja.uma.terra.acolhedora.e.digna.do.seu.nome.e.do.seu.espírito.bairrista.e.aventureiro.

Deixarei. aqui. também.um.agradecimento.ao.muito.que. foi. feito. ao. longo.destes.quatro.anos,.que.de.uma.forma.abnegada.sempre.se.procurou.fazer.tudo.que.estava.ao.nosso.alcance.sem.olhar.a.esforços.ou.a.interesses.

Muito.mais.se.poderia.ter.feito,.mas.como.deveis.compreender.os.últimos.anos.não.foram.fáceis, com a crise que também nos visitou. No entanto até ao final do mandato ou seja ate finais de.Outubro.ainda.iremos.colocar.em.marcha.mais.dois.ou.três.projectos.que.entendemos.que.são.fundamentais.para.a.revitalização.dos.centros.históricos.de.Carção.

Neste.sétimo.número.da.Revista.Almocreve.recheada.de.artigos.de.uma.riqueza.impar,.queria.também.elogiar.a.Associação.Almocreve.e.a.Casa.do.Povo,.pelo.empenho.em.tudo.o.que.tem.feito.

Uma.palavra.especial.aos.autores.dos.livros.“.Carção, Sonho e Alma”.e.“.Vida e Obra do P.e Amândio Lopes”.aos.quais.a.Junta.de.Freguesia,.se.quis.associar.e.patrocinar,.porque.entende.que.a.cultura.e.a.preservação.da.memória.da.gente.ilustre.de.Carção.deve.ser.perpetuada,.como.foi.o.caso.do.saudoso.Pe..Amândio.

O.trabalho.que.se.tem.vindo.a.desenvolver.na.preservação.do.nosso.património.e.ao.mesmo.tempo.no.embelezamento.das.entradas.na.freguesia,.tem.sido.um.dos.emblemas.da.Junta.de.Freguesia.de.Carção.na.gestão.e.governo.da.mesma,.sempre.servindo.como.forma.de.criar.con-dições.de.visita.a.esta.freguesia.por.parte.dos.seus.conterrâneos.e.não.só.

Esta mensagem a todos os leitores e a todos os Carçonenses, nada mais significa do que transmitir-vos.singelamente.o.apreço.que.sinto.por.todos..No.entanto.sempre.realçaria.aqueles.que.com.o.seu.esforço.e.dedicação,.tem.levado.Carção.mais.longe,.contribuindo.assim.com.for-ma.de.divulgação.das.nossas.potencialidades.turística,.pelos.diversos.meios.e.formas.

A.terminar.deixaria.uma.mensagem.especial.a.todos.os.nossos.emigrantes.que.se.encontram.entre.nós.durante.as.suas.férias,.desejando-lhe.uma.boa.estadia.na.sua.terra.natal.e.umas.boas.Festividades.em.honra.da.Nossa.Sr.ª.das.Graças.

SEMPRE.AO.VOSSO.DISPOR.. UM.ABRAÇO.DE.AMIZADE.

O.Presidente.da.Junta.de.FreguesiaMarcolino Rodrigues Fernandes

Page 10: Revista Almocreve 2009

Ser carçonense.É alma!É paixão!É orgulho!Fazer.parte.de.uma.terraQue.é.mundo.É.honrosoFazer.parte.de.tanta.historia,De.tantas.lutasDa.tanta.vida…Ser.carçonenseNão.se.explicaSente-se.

SaraAfonso

Fado

Aqui.ao.lemeSou.mais.eu,Sou um povo que quer o que é teu!’Um.povo.de.saudadeUm.povo.de.destinoUm.povo.de.tradições.e.raízesUm.povo.de.choro.Fado.Gentes.de.sonhos.e.conquistasGentes.de.fé.e.amorGentes.de.guerra.e.paz.Bandeira.de.sangue.derramado.na.esperança.de.uma.nova.vida.Homens.de.bravura.e.coragem,Mulheres.de.punho.e.de.história.Vidas.antigas,Antepassados.inesquecíveis.Futuro.incerto,Mar.e.terra.perdidos.na.imensidão.deste.mundo.Vidas.novas,EsperançaEsperança!Portugal,Honra.e.orgulho.Meu Portugal!

SaraAfonso

Page 11: Revista Almocreve 2009

Saudade

Só.estando.longeÉ.que.se.percebe.como.tu.és.importante.Só.estando.longeÉ.que.sentimos.a.falta:Da.tua.paisagemDo.teu.cheiroDa.tua.história.Só.estando.longeÉ.que.aperta.o.coraçãoSó.de.ver.um.compatriota,Só.de.ouvir.o.teu.nome:Carção!

SaraAfonso

Gentes

Gentes.comuns,Gentes.trabalhadorasGentes.que.sofrem.e.amam,Nesta.terraPor.esta.terraCom.esta.terra.Carção!Lutam,Choram,Gritam…E.deixam.históriaE.fazem.história,A.história.de.Carção:Terra.de.agricultoresTerra.de.doutoresTerra.de.orgulho.e.fé.

SaraAfonso

Page 12: Revista Almocreve 2009

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Carção, no reversodo meu mundo

Conhecia.todos.os.caminhos,Todos.os.carreiros.da.aldeia.Conhecia.os.perigos.escondidosProvenientes.da.alcateiaDos.lobos.famintos,.da.solidãoDos.montes,.da.imensidãoDo.horizonte.tão.vasto...E.tão.pequeno.

Conhecia.o.tempo.felizDa.inocência...,E.a.clemênciaDa.insólita.relutância.em.partir....Conhecia.o.frio.nordestinoDo.vento.gélido.da.noiteE.as.mãos.de.sangue,.do.açoiteDas.madrugadas.sem.destino.

Conhecia.todo.aquele.mundo,Que.do.mundo.estava.esquecido.Só.não.conhecia,.no.fundo,Este.outro.mundo......Onde.hoje.ando.perdido.

AntónioPradaJerónimo

Mês de Agosto

Já.não.sei.calar.a.saudadeQue me arrebata o coração no mês de Agosto!...Se.a.ti.não.for,.vem.o.desgostoRegar-me.as.raízes.do.corpoE.mandar-me.ir.até.ti...

E,.assim.sei.que.não.morri,Sei.que.as.saudades.do.meu.coração,São.raízes.plantadas.em.tiMeu.porto.seguro.....minha.casa.Carção.

AntónioPradaJerónimo

Page 13: Revista Almocreve 2009

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Carção: Minha musainspiradora

Nos.campos.mutiladosDa.minha.terra.de.esperança,Reencontrei.os.ecosDos.pensamentos.partilhadosCom.as.minhas.feridas.de.criançaE.a.paixão.dos.tempos.loucos...

Na.poeira.que.o.vento.levantaDos.caminhos,.agora.desertos,Reencontrei.o.Coração.perdidoE.a.ternura.que.se.suplantaNos.olhos,.ainda.despertos,Deste.meu.corpo.entardecido....

Nos.campos.abandonados,Nos.caminhos.desertosDa.minha.terra.de.esperança,Brotarão.meus.sonhos.abandonadose,.pelo.vento.serão.dispersos,Por esta terra de cândida confiança...

E,.à.paisagem,.costuradaP`la.memória.da.minha.infância,Retorna,.breve,.o.meu.destino.Traz-me.a.paz,.nunca.antes.encontradaE.a.dor.sentida.pela.distância,Encontra.em.ti.o.seu.declínio...

Oh! terra minha abençoada!...Como.sinto.o.teu.brilho.e.o.teu.odorE.como.sei.que.na.distânciaFoste sempre a minha terra amada!...Quando.te.abandonei,.foi.por.ignorância,Ou.por.julgar.que.um.outro.amorMe.encheria,.como.tu.o.Coração,Minha musa inspiradora CARÇÂO!

AntónioPradaJerónimo

Page 14: Revista Almocreve 2009

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Voltar às Origens

Ao.voltar.à.festa.de.CarçãoVinte.e.cinco.anos.passadosSenti.saudade.no.coraçãoRevivi.momentos.atrasados.

À.noite,.na.procissão,Adorei.ver.varandas.e.janelasDando.luz.ao.nosso.coraçãoCom.tantas.dezenas.de.velas.

Na.procissão.do.dia.percorriAs.ruas.de.antigamenteEm.algumas.eu.viCasas.bem.diferentes.

Mas.em.todas.elas.reconheciAlgo.que.me.é.familiarTalvez.uma.casa,.uma.varandaOu.mesmo.alguém.a.acenar…

Gostei.de.ver.várias.alteraçõesOutras.bastante.remodeladasEnchem.os.nossos.coraçõesVer.as.coisas.bem.tratadas.

A.casa.do.Povo.bem.conservadaNos.anos.sessenta.lá.se.reuniaUm.grupo.de.“estudantada”Pois.outro.sítio,.para.nós,.não.havia.

Foi.lá.que,.em.Agosto.de.1965Se.fez.a.primeira.encenaçãoRepresentada.por.esse.grupoDe.estudantes.de.Carção.

Quando.em.Agosto.lá.entreiRecordei.esses.bons.momentosGostaria.mais.uma.vezDe.juntar.lá.“todos”.os.elementos..

TeresaMinga

Desta casa vou sair

Desta.casa.vou.sairPara.a.minha.vida.governarTantos.anjos.me.acompanhemComo.areias.tem.o.mar.Deus.à.frente,.eu.atrásDeus.me.livre.das.astúcias.de.SatanásEm.honra.de.Deus.e.da.Virgem.Maria,.um.Pai.Nosso.e.uma.Avé.Maria..

TeresaMinga

Page 15: Revista Almocreve 2009

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Pai Nosso pequenino...

Pai.Nosso.pequeninoPelo.monte.vai.rugindoCom.as.chaves.do.ParaísoQuem.lhas.deu,.quem.lhas.dariaSanta.Maria.MadalenaCanta.o.galo.e.vem.a.luzE.o.Menino.com.a.CruzPra.sempre.Ámen.JesusEm.honra.de.Deus.e.da.Virgem.Maria,.Um.Pai.Nosso.e.uma.Avé.Maria.

TeresaMinga

Oraçãoda Manhã de Natal

Bons.dias.vos.dou.Senhora,Por.ver.o.tempo.cumprido,A.maior.glória.que.tendesÉ.ver.Jesus.nascidoJesus.nasceu.esta.noiteNa.cidade.de.BelémNão.deixou.de.tomarO.nome.de.Nazaré.(Nazareno)Tomou.o.nome.e.a.pátriaConforme.a.humanidadeVosso.prémio.Rei.da.GlóriaDa.parte.da.divindade.Pois.vós.ó.Virgem.MariaQue.tristeza.não.sentistesDa jornada que fizestesQuando.para.Belém.partistes.Eram.as.onze.da.noiteNão.encontraste.pousadaA.muitas.portas.batesteNinguém.vos.respondia“Alvisaram”.ConvoscoUma.grande.tiraniaA.noite.estava.tão.friaQue.tudo.se.congelavaA.alma.se.partiaE.o.coração.se.arrancavaSaíste.fora.de.portasAli fizestes moradaMandastes.fazer.lumeCom.“fusil”.a.S..JoséEle.o.fez.com.brevidadeComo.Vosso.esposo.éBaixou.um.anjo.do.céuCantando.Avé.MariaGlória.que.nasceu.Jesus,.Amén.

TeresaMinga

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Rectângulo.verde,.meio.de.sombra.meio.de.sol.Vinte.e.dois.em.cuecas.jogando.futebol.Correndo,.saltando,.ziguezagueando.ao.som.dum.apito.Um.homem.magrito,.também.em.cuecas.E.mais.dois.carecas.com.uma.bandeira.De.cá.para.lá,.de.lá.para.cá.Bola.ao.centro,.bola.fora..Fora o árbitro!.E.a.multidão,.lá.do.peão.Gritava,.berrava,.gesticulava.E.a.bola.coitada,.rolava.no.verde.Rolava.no.pé,.de.cabeça.em.cabeça.A.bola.não.perde,.um.minuto.sequer.Zumbindo.no.ar.como.um.besoiro,.Toda.redonda,.toda.bonita.Vestida.de.coiro..O.árbitro.corre,.o.árbitro.apita.O.público.grita.Gooooolllllooooo!.Bola.nas.redes.Laranjadas,.pirolitos,.Asneiras,.palavrões.Damas.frenéticas,.gordas.esqueléticas.esganiçadas.aos.gritos..

Todos.à.uma,.todos.ao.um.Ao.árbitro.roubam.o.apito.Entra.a.guarda,.entra.a.polícia.Os.cavalos.a.correr,.os.senhores.a.esconder.Uma.cabeça.aqui,.um.pé.acolá.Ancas,.coxas,.pernas,.pé,.Cabeças.no.chão,.cabeças.de.cavalo,.Cavalos.sem.cabeça,.com.os.pés.no.ar.Fez-se.em.montão.multidão..E.uma.dama.excitada,.que.era.casada.Com.um.marinheiro.distraído,.No.meio.da.bancada.que.estava.à.cunha,.Tirou-lhe um olho, com a própria unha!.À unha, à unha!.Ânimos ao alto!.E no fim, perdeu-se o campeonato!”

Rec.JoséCavaleiro. (Poema.de.Tóssan)

Ode ao futebol

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Tânia.Afonso,.natural.de.Carção,.iniciou.a.prática.do.kicboxing.em.meados.de.2007.na.Associação.de.Desportos.de.Combate.de.Ma-cedo.de.Cavaleiros.(ADCMC)..Foi.pela.sua.hu-mildade, dedicação e talento que se firmou no.kickboxing.a.nível.nacional..Neste.momen-to.tem.a.graduação.de.cinto.verde.

Tal.como.ela,.a.ADCMC.tem.vários.atletas.que. também. se. sagraram. campeões. regio-nais.e.nacionais..Se.acederem.ao.site.(www.adcmc.co.cc) podem verificar várias notícias, eventos.e.vídeos.da.atleta.e.poderão.acompa-nhar.futuramente.o.trajecto.de.Tânia.Afonso,.que.tem.muito.para.dar.ao.kickboxing.nacio-nal.e.à.nossa.região.

Abaixo.enumeramos.os.títulos.e.participa-ções.de.Tânia.desde.o. início.da.sua.carreira.desportiva,.tendo.participado.no.escalão.jú-nior.em.menos.de.60kg.

.- 19/01/2008 - Vice-Campeã Regional

Norte de Light-Contact em Barcelos- 17 e 18/05/2008 - Vice-Campeã Nacio-

nal de Light-Contact em Parede (Cascais)- 17/01/2009 - Campeã Regional Norte de

Light-Contact em Famalicão- 07/03/2009 - Vencedora do Ladies Open

em Light-kick em Parede (Cascais)- 30 e 31/05/2009 - Campeã Nacional de

Light-contact em Lagos

A.presente.época.(2008/2009).foi.perfeita.para.ela,.uma.vez.que.somou.apenas.vitórias.em.todas.as.competições.em.que.participou.

Tânia Afonso - Campeã Nacional de Kicboxing

Os.Campeonatos.Nacionais.onde.participou.contaram.com.mais.de.650.atletas.distribuí-dos.pelas.várias.categorias.de.pesos.e.idades.

..Neste.momento.a.ADCMC.tem.planos.para.

leccionar.noutras. localidades.e. conta.com.os.atletas.mais.graduados.e.obviamente.com.a.Tâ-nia.Afonso.para.poder.auxiliar.os.mais.novos.

Esta.atleta.é.um.dos.símbolos.da.ADCMC.a.par.de.Clicia.Queiroz.(tetra.campeã.nacional)..e.Franclim.Fernandes.(campeão.nacional).

ADCMC

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ROTA ALMOCREVE

Os.que.me.conhecem,.há.muitos.anos,.sa-bem.que.não.consigo.estar.parado.pois,.procu-ro.sempre.fazer.os.projectos.mais.inúteis.que.se.possam. imaginar.e.por.arrasto,. incluo.uns.quantos amigos para fazer essas loucuras!

Então,.deixo-vos.mais.um.desses.projectos,.realizado.no.dia.1.de.Maio.de.2009,.baseado.numa.de.muitas.rotas.já.históricas,.percorridas.pelos.Almocreves.da.nossa.povoação..

Umpoucodehistória…Se. recuarmos. no. tempo,. numa. época. em.

que.apenas.existiam.caminhos.de.terra.e.uma.paisagem.intacta,.nesta.região.a.comida.e.bens.de.primeira.necessidades.chegavam.às.aldeias.perdidas.através.do.trabalho.do.Almocreve.

Muitos.destes.locais,.totalmente.isolados.no.interior.do.país,.só.conseguiam.receber.o.que.necessitavam.graças.à.determinação.e.esforço.destes.senhores..O.seu.trabalho.consistia.em.ir.de.aldeia.em.aldeia.com.um.burro.ou.mula.car-regado.de:.azeite,.ovos,.bacalhau,.polvo.seco,.sardinha.(quando.a.havia),.etc.,.comprando.e.vendendo.os.poucos.excedentes.e. levando-os.aos.que.não.tinham..A.grande.maioria.desses.senhores,.eram.habitantes.de.Carção,.no.con-celho.de.Vimioso..Nesta.aldeia,. eram.muitas.as. famílias.que.sobreviviam.do.duro. trabalho.entre.as.quais,.algumas.gerações.da.minha.fa-mília..Nesta.actividade.participavam.todos.os.

homens.desde.tenra. idade.até.que.as.pernas.lhes.permitissem..

Durante. anos,. estes.Almocreves. percorre-ram.quilómetros.intermináveis.com.suas.mulas.carregadas,.a.salvação.de.muitas.famílias..

Pouco.a.pouco,.com.a.chegada.das.estradas.e dos veículos a motor, esta profissão passou a ter.cada.vez.menos.peso.na.sociedade. local,.acabando.por.desaparecer.nos.anos.80,.deixan-do.para.trás.milhares.de.histórias.e.aventuras..

OporquêdaRotaAlmocreveDesde.pequeno.que.oiço.histórias.sobre.os.

Almocreves,. muitas. delas. contadas. e. vividas.pelo.meu.pai,.herdadas.do.meu.avô.e.compar-tilhadas.com.outros.membros.da.família..

Com.apenas.12.anos,.meu.pai.já.percorria,.sozinho,.dezenas.de.quilómetros.pelos.campos.e. ladeiras,. fazendo. sol,. chuva. ou. neve.. Pelo.caminho,.na.companhia.da.sua.velha.mula,.ia.vendendo.o.que.conseguia.para.ajudar.no.sus-tento.da.família..

Essas.vivências.sempre.me.suscitaram.mui-ta. curiosidade.. Nascido. e. criado. na. cidade,.estas. histórias. encantaram. o. meu. imaginário.através.da.sua.enorme.componente.heróica.e.aventureira..

Muitas.vezes.dizia.aos.meus.pais.que.um.dia.também. havia. de. percorrer. esses. caminhos,.nem.que.fosse.só.com.o.objectivo.de.preservar.essa.experiência. familiar.por.mais.uma.gera-ção..

Ele.sempre.se.ria.de.mim….alegando.que,.quando. eu. crescesse,. esses. caminhos. já. não.existiriam,.que.seriam.impossíveis.de.percor-rer.a.pé.ou.simplesmente.porque.nunca.con-seguiria fazer tal sacrifício! Mesmo sem cre-dibilidade,. prometi-lhes. que. o. faria,. sem. eu.mesmo.saber.se.isso.seria.possível.de.levar.a.cabo.algum.dia..

Passados.muitos.anos,.através.da.Internet,.consegui a cartografia militar de Portugal e, de.repente,.lembrei-me.dessa.velha.promessa.de.um.dia. realizar. a. rota.que.o.meu.pai. fa-

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zia.como.Almocreve..Por.essa.altura.também.voltei.a.andar.com.a.minha.velha.bicicleta.de.montanha.(BTT).e.propus-me.utilizar.esse.meio.para.fazer.o.caminho,.sentindo.assim.na.pele.o. que.durante. gerações. viveram.os.meus. fa-miliares..Comecei.aos.poucos.a.procurar.mais.informação.sobre.a.zona.e.o.percurso..Aprovei-tava.todas.as.visitas.do.meu.pai.a.Tenerife.para.sentá-lo.à.frente.dos.mapas.e.tomar.notas.do.que.me.dizia..Na.sua.última.visita.à.ilha,.com.o.Google Earth, conseguimos finalmente traçar a rota definitiva. Antes de me “embiciclar”.nesta.aventura,.decidi.ir.ao.terreno.comprovar.se.re-almente.ainda.existiam.tais.caminhos..Regres-sei.muito.contente.porque.vi.que.esta.aventura.era. 100%. viável. através. do. caminho. original..No entanto, fiquei com a sensação que utili-zando.a.bicicleta.de.montanha.não.seria.possí-vel experienciar todas as dificuldades sentidas pelas.minhas.anteriores.gerações..Finalmente,.depois.de.estudar.bem.o.terreno.e.tendo.em.conta.o.meu.calendário.de.corridas.para.2009,.decidi. que. seria. durante.o.presente. ano.que.realizaria.a.Rota Almocreve..A.data.da.sua.re-alização.foi. traçada.para.1.de.Maio.de.2009..Porquê esta data? Porque foi o 92º aniversário do.meu.avô.materno.(Tio.Mizé),.um.verdadeiro.Almocreve.em. todo.o. seu.esplendor,. e. assim.prestava.da.mesma.forma.uma.homenagem.a.dois.familiares:.ao.meu.pai,.por.ser.a.sua.rota.e.ao.meu.avô,.por.ser.o.seu.aniversário.

Para o futuro, ficam portas abertas para uma.nova. realização.mas,. dessa. vez,. feita. a.pé.. Disso. falaremos. noutra. ocasião.. No. total.são.105.quilómetros.com.pouco.mais.de.2600.metros de desnível positivo!

Por fim chega o dia... Inicialmente,. tinha. planeado. realizar. a.

Rota Almocreve. sozinho,.mas.à.última.hora,.três.amigos.de.Tenerife.acharam.que.a.aventu-ra.que.me.propunha.fazer.era.demasiado.inte-ressante.para.ser.feita.apenas.por.uma.pessoa,.decidindo.juntar-se.a.mim.nesta.viagem.

Depois.do.primeiro.dia.em.Carção,.servindo.para.conhecer.alguns.pontos.que.ainda.desco-nhecia e outras povoações da zona, chegava fi-nalmente.o.momento.esperado.por.mim.desde.há muitos anos. Por fim, ia finalmente realizar um. sonho. idealizado. na. minha. cabeça. desde.pequeno. Por um dia ia ser Almocreve!

Às.8.da.manhã,.já.com.o.sol.a.mostrar.os.encantos. da. região,. demos. a. nossa. primeira.pedalada. em. direcção. a. Rio. de. Onor.. Estava.

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em. marcha. a. aventura.... Pouco. a. pouco,. os.quilómetros. foram.caindo.em.companhia.dos.encantos.paisagísticos.da.região..

A. primeira. paragem. foi. em.Argozelo. para.reparar.um.furo.na.roda.traseira.da.bicicleta.de.um.amigo..Outra.para.tomar.o.pequeno-al-moço.em.Rio.Frio,.logo.antes.de.iniciar.um.dos.troços.mais.bonitos.e.que.nos.levou.desde.esta.aldeia.até.Gimonde..A.última.descida,.por.uma.pista de terra batida com uma magnífica vista sobre.o.rio.Sabor,.foi.um.dos.momentos.mais.inesquecíveis. que. passámos. em. toda. a. rota..Deixámos.para.trás.o.restaurante.D..Roberto,.local. onde. outrora. os. Almocreves. de. Carção.pernoitavam.antes.de.seguir.viagem,.e.segui-mos.em.direcção.a.Varges,.onde.tínhamos.de-cidido.almoçar..Ao.chegar,.esperava-nos.o.meu.pai..Durante.o.almoço.falámos.muito.sobre.as.dificuldades sentidas para chegar até alí e do difícil.que.seria.para.os.Almocreves.fazer.esta.viagem..Sem.dúvida,.a.todos.nos.pareceu.re-almente.um. feito.heróico.e. só.estávamos.no.km.45..Muito.nos.faltava.ainda.por.ver.e.viver.nesse.dia.

Depois.de.Varges,.dirigimo-nos.à.aldeia.de.Rio.de.Onor,.equador.da.Rota Almocreve..Fei-tas.as.fotos.da.praxe,.continuámos.a.nossa.pe-dalada.por.uma.acentuada.ladeira.até.Vila.Meã..Para.trás,.deixámos.as.aldeias.de.Guadramil.e.São.Julião..Pouco.a.pouco.o.dia.ia-se.esgotando.e.em.prol.de.terminar.a.rota,.tivemos.que.to-mar.a.decisão.de.abandonar.as.pistas.de.terra.batida.e. seguir. só.por.estrada.a.partir. deste.ponto..Já.com.o.sol.a.descer.no.horizonte,.por.momentos,.imaginámo-nos.arrastando.uma.ve-lha mula como outrora faziam os Almocreves! Que.duro.deveriam.ser.esses.tempos,.ao.frio.e.ao.sol,.dia.após.dia,.sem.saber.se.o.que.trans-portavam chegaria a ser bem vendido!

Em.Quintanilha,.optamos.por.fazer.um.des-vio.no.percurso.inicial,.previsto.por.Pinelo,.e.tomar.o.IP4.até.Rio.Frio..Esta.decisão.fez.au-mentar. o. percurso. em. cerca. de. 12. quilóme-

tros, mas deu-nos a confiança que necessitáva-mos.para.alcançar.o.objectivo.proposto.por.nós.nessa.mesma.manhã.e.que.não.era.outro.que.chegar.a.Carção.exclusivamente.com.o.esforço.das.nossas.pernas.

Às.7.da.tarde,.com.quase.11.horas.de.bici-cleta.e.117.quilómetros. realizados,.ao. limite.de. todas.as.nossas. forças,.entrámos.em.Car-ção..Nas.nossas.caras.era.possível.deslumbrar.a.felicidade.de.ter.cumprido.um.objectivo.e.de.reviver.algo.memorável.feito.outrora.por.gente.especial..Além.de.ter.que.limpar.algumas.lágri-ma.perdidas,.para.mim.era.também.um.sonho.de criança por fim tornado realidade.

EmcadacasadeCarçãoháumaRotaAl-mocreve

Passados.alguns.dias,. tenho.a.certeza.que.não chegámos nem a viver metade das dificul-dades.ou.aventuras.que.outrora,.os.Almocreves.passaram nas suas viagens, mas posso afirmar que.valorizo.muito.mais.agora.os.seus.grandio-sos. feitos.. É. por. isso. que. antes. de. terminar,.gostava.de.transmitir-lhes.uma.última.mensa-gem..A.Rota Almocreve.é.uma.das.muitas.rotas.familiares.que,.durante.décadas,.foram.sendo.percorridas. por. gerações. de. famílias. carço-nenses.. Devíamos,. todos. os. descendentes. de.Almocreves,.recordar.a.rota.da.nossa.família.e.documentá-la.o.melhor.possível,.para.que.es-tas.possam.perdurar.no.tempo.e.não.caiam.no.esquecimento.dos.nossos.antepassados.

Espero que com esta humilde e insignifican-te.aventura.e.com.a.colaboração.da.Associação.Almocreve,.se.abra.uma.porta.para.salvar.um.troço.importante.da.nossa.história.e.que.as.ge-rações.futuras.de.descendentes.de.carçonen-ses.possam.também.elas.percorrer.os.mesmos.caminhos.em.busca.das.aventuras.que.outrora.vivenciaram.os.Almocreves.de.Carção.

PedroJerónimo

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AS GAVETAS DA MEMÓRIA

Os que, por obras valorosas, Se foram da lei da morte libertando.

Por.mérito.próprio,.a.“Almocreve”.tornou-se. uma. referência. no. panorama. cultural. de.Trás-os-Montes,.sendo.já.um.valor.incontorná-vel.na.divulgação.dos.valores.da.nossa.terra.

Depois.dos.primeiros.números,.como.que.de.apresentação.e.declaração.de.intenções,.cres-ceu.rápida.e.segura.e.hoje,.seguramente,.po-demos.dizer.que,.com.esta.equipa,.o.seu.limite.só.poderá.ser.o.universo.

Porque.a.dimensão.dum.povo,.tanto.como.na.grandeza.dos.seus.feitos,.se.cimenta.também.na.preservação.da.sua.memória,.iniciamos.esta.nova.secção.tentando,.através.dela,.perpetu-ar a memória dos muitos filhos de Carção que, pelo.seu.valor.e.mérito,.tanto.contribuíram,. por. esse.mundo.além,.para.o.engrandecimento.e.da.sua.terra.

Mais. que. qualquer. outra.secção. da. revista,. esperamos.que.este.seja.um.espaço.aber-to.a.todos,.tentando.construir.assim.uma.enorme.galeria.dos.nossos.mais.ilustres.antepassa-dos,.que,.de.alguma.maneira,.se.tenham.distinguido.nos.mais.variados. ramos. da. actividade.humana.

Sem. desprestígio. para. ne-nhum. dos. muitos. carçonenses.ilustres com direito a figura-rem.nesta. galeria. de. notáveis,. vamos. abri-la.este.ano.com.três.grandes.vultos,.dois.na.área.da.medicina,.respectivamente.os.médicos.Dr..Manuel.Maria.Lopes.e.Dr..Sidónio.Augusto.Fer-nandes.e.um.na.área.da.literatura,.Adriano.Au-gusto.da.Costa..

Dr.ManuelMariaLopesTambém. conhecido,. sobretudo. pelos. mais.

antigos,.como.o.“.Doutor.da.Antoninha”,.o.Dr..Lopes.nasceu.em.Carção.no.já.longínquo.dia.13.de.Junho.de.1894.

Oriundo.duma.família.abastada,.teve.o.pri-vilégio,. então. muito. raro,. de. estudar. e. tirar.um.curso.superior.

Com elevada classificação, tirou o curso se-cundário.no.Liceu.de.Bragança,.concluindo.de-pois,.em.1918,.a.licenciatura.em.Medicina.na.

Faculdade.de.Medicina.do.Porto,.cidade.onde,.de.imediato,.começou.a.exercer.medicina,.na.especialidade.de.otorrinolaringologia.

Fogoso.e.impulsivo,.cedo.conclui.que,.entre.as.quatro.paredes.dum.consultório.médico,.di-ficilmente poderia dar largas à sua ambição.

Estávamos,. então,. numa. época. de. muita.emigração.sobretudo.para.a.América.do.Sul.

O. transporte. de.milhares. de. pessoas. para.esses.países,.era.feito,.quase.exclusivamente,.em. grandes. navios,. sobretudo. franceses,. in-gleses.e.alemães,. sem.qualquer.preocupação.de.carácter.higiénico.ou.sanitário.e.onde,.não.raro,.grassavam.epidemias.devastadoras.

Foi.na. resposta.a.este.de-safio que o jovem médico viu uma. oportunidade. soberana.de. realizar. os. seus. sonhos. e.por. à. prova. a. sua. coragem. e.capacidades..

Sem. hesitar,. alistou-se. na.marinha.Mercante. onde,. con-forme.ouvi.dele.próprio,.exer-ceu.a.medicina.em.condições.dramáticas,.sendo,.ao.mesmo.tempo,. auxiliar,. enfermei-ro,. instrumentista. e. médico,.chegando,. inclusivamente,.a. ter. de. operar. sozinho,. sem.materiais.esterilizado..À.falta.de.bisturis,.chegou.a.usar.sua.

faca de bolso, depois de bem afiada e esterili-zada.num.pouco.de.álcool.a.arder.

Foi. nestas. condições,. extremamente. difí-ceis,.que.fez.o.grande.tirocínio,.que.haveria.de.fazer.dele.um.dos.médicos.mais.experientes,.completos.e.brilhantes.da.sua.geração.

Por.razões.familiares.abandonou.a.Marinha.Mercante.e,.depois.duma.breve.passagem.por.Murça,.onde.casou.e.chegou.a.abrir.consultó-rio,.regressou.a.Carção.por.volta.dos.anos.de.1930/12931,.donde.nunca.mais.quis.sair,.resis-tindo.aos.apelos.e.aos.muitos.convites.que.lhe.fizeram para regressar ao Porto.

Na.plena.posse.de.todas.as.suas.faculdades,.dedicou-se. apaixonadamente. ao. exercício. da.medicina.na. sua. terra.natal. em.acumulação,.durante.muitos.anos,.com.as.funções.de.Médi-co.Municipal,.durante.os.quais.calcorreou.todo.

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o.concelho,.quase.sempre.a.cavalo.e.não.pou-cas vezes a pé, fiel ao seu juramento e escravo do.compromisso.que.a.si.próprio.se.impusera.quando. resolvera. dedicar-se. devotadamente.ao exercício da sua profissão em prol de todos os.que.necessitassem.dos.seus.serviços.

Durante.mais.de.cinquenta.anos,.em.toda.a.região,.só.Carção.se.podia.orgulhar.do.luxo.que,. para. a. época,. era. ter. um. médico. resi-dente,.passando-lhe.pelas.mãos.quase.todo.o.concelho.de.Vimioso.e.parte.do.planalto.mi-randês.

Atrás.do.seu.aspecto.austero.e.do.índice.de.grande.exigência.para.com.ele.próprio.e.para.com.quem.o.procurava,.escondia-se.um.grande.profissional, extraordinariamente competente, dedicado. e. prestável,. que. atendia. com. igual.carinho.e.respeito.todos.os.que.o.procuravam,.fosse.o.homem.mais.importante,.ou.a.criança.mais.humilde.

Quando.vencia.as.barreiras.da.sua.introver-são,.transformava-se.num.conversador.eméri-to, de fino sentido de humor e piada oportuna, sendo.um.gosto.ouvi-lo.contar.as.histórias.da.sua.vastíssima.experiência,.revelando-se.tam-bém.possuidor.duma.cultura.vastíssima.e,.ao.mesmo.tempo,.um.homem.sensível,.generoso.e.bom.

Como.homenagem.e.gratidão,.vou.terminar.relembrando.hoje.um.já.bem.distante.dia.de.meados. de. Setembro. de. 1954,. em.que,. pela.primeira.vez,.entrei.no.seu.consultório.

Naquele. tempo,. ninguém. podia. ir. estudar.sem. apresentar. um.atestado.de.boa.saúde,.comprei. no”soto”. do.Sr.. Gabriel. uma. folha.de. papel. azul. (custava.nesse.tempo.trinta.cen-tavos). e. pedi. empres-tados,. creio. que. vinte.escudos,. que,. mais. ou.menos,.era.o.que.teria.de. pagar. ao. médicos.para.me.passar.o.ates-tado.

Quando,. depois. de.me. passar. o. referido.atestado,.lhe.perguntei.quanto.era,.olhou.para.mim.com.um.olhar.pro-fundo.de.muito.carinho.e,.à.semelhança.do.que.fazia.a.todos.os.miúdos.

que.iam.estudar,.respondendo-me.apenas:-. Não. é. nada,. meu. rapaz,. mas. lembra-te.

sempre ficas a dever-me a obrigação de estu-dar.para.ser.alguém.e,.então.sim,.vais.pagar-me,.com.juros.e.tudo..

Dá. o. dinheiro. ao. teu. pai,. que. a. vida. não.está.fácil.para.ninguém.e,.a.ti,.desejo-te.muita.e.muita.sorte.

Durante. os. muitos. anos. que. ainda. viveu,.sempre que me encontrava na oficina de meu pai,.de.que.era.cliente.assíduo.para.tratar.do.seu.calçado.e,.mais.que.isso,.dos.arreios.da.sua.gigantesca.e.famosa.burra.castanha,.à.mistura.com.os.seus.sábios.conselhos,.de.tanto.saber.e.experiência. feitos,. com.um.mal.disfarçado.sorriso,.deliciava-se.trazendo-me.à.lembrança.a.dívida.contraída.naquele.dia.de.Setembro.de.1954.

Reformado. em. 1969,. por. limite. de. idade,.agora.mais.por.vocação.e.amizade,.continuou.fiel ao juramento de Hipócrates até falecer em 1983,. sendo. sepultado. no. jazigo. de. família,.então.o.único.que.havia.no.cemitério.da.terra.que.o.vira.nascer.

Passados. tantos. anos. sobre. a.morte.deste.grande.carçonense,.é. com. imensa. saudade.e.mal.disfarçada.tristeza.que.vemos.constante-mente.fechada.a.porta.do.seu.antigo.consultó-rio.e.com.igual.mágoa.confessamos.que.nunca.Carção.teve.e.jamais.terá.um.médico.assim.

F.CostaAndrade..

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Doutor Sidónio

O.Doutor.Sidónio.Augusto.Fernandes.é.natural.de.Bragança..Nasceu.em.28.de.Setembro.de.1918..Estudou em Bragança até ao 7.º Ano no Liceu Nacio-nal.(Escola.Secundária.Emídio.Garcia)..Licenciou-se.em.Medicina.na.Universidade.de.Coimbra..

Fez.o.Estágio.em.Doenças. Infecto-Contagiosas.no.Hospital.Correia.de.Lobos.em.Lisboa..

Em.1953.veio.exercer.Clínica.Geral.no.Hospital.de.Rua.da.Calçada,.em.Vimioso,.na.altura.com.13.000.habitantes..

Contudo,.as.suas.raízes.encontram-se.em.Car-ção..Foi.desta.aldeia.que.saíram.seus.avós,.quando.verificaram que aqui não havia condições para dar aos seus filhos uma vida melhor, um futuro. mais. promissor.. Fixaram-se. em.Bragança,.enquanto.outros.rumaram.a.Macedo, Porto, Penafiel, ou demanda-vam.terras.além.Atlântico..Foi.o.início.da. diáspora. Carçonense,. face. à. falta.de condições verificadas então, nesta e noutras.aldeias.congéneres..

Atento,.dedicado,.amigo,.foi.médi-co.na.Casa.do.Povo.de.Carção.durante.alguns.anos,.onde.desempenhou,.com.mestria.e.saber,.as.suas.funções..Sen-sível.aos.mais.carenciados,.e.cioso.do.dever.cumprido.e.da.sua.missão.assistencial,.nunca.se.furtou.a.responder.à.chamada.fosse,.de.dia.ou.de.noite,.fosse.Verão.ou.Inverno..De.facto,.era.um.médico. sempre. presente,. com. o. qual. os. doentes.podiam.contar..

A par do profissionalismo que o caracterizava, tinha. um. coração. abnegado. e. afectuoso,. sempre.uma.palavra.de.conforto.e.ânimo.para.os.seus.do-entes.e.familiares.tentando.minimizar.a.dor.de.uns.e.desespero.de.outros..

Se.por.ventura.não.houvesse.outra.alternativa,.e. fosse. necessário. conduzir. o. doente. ao. Hospital.de. Bragança,. onde. havia. melhores. recursos,. ele.próprio.o.fazia.na.sua.viatura.sem.qualquer.hesita-ção,.se.achasse.que.isso.seria.imprescindível.para.o.doente..Não.raras.vezes.ele.próprio.foi.buscar.os.medicamentos.no.seu.carro.para.tentar.salvar.o.pa-ciente..

Ora.estas.atitudes.são.de.uma.grandeza.e.huma-nismo.tais.que.não.no.podem.passar.despercebidas..Lembremo-nos como eram deficientes as condições sócio-económicas.de.então,.e.as.poucas.acessibili-dades.e.meios.de.transporte.da.aldeia.nesse.tem-po..

Que.belo.exemplo.para.alguns.médicos.da.ac-tualidade!...

Foi. eleito. presidente. da. Câmara. Municipal. de.Vimioso. em. 1959,. cargo. que. desempenhou. com.competência.e.espírito.de.equidade.para.com.todos.os.Munícipes,.norteando-se.sempre.pelo.desenvol-vimento.e.progresso.do.seu.Concelho..

A sua actividade não se confinou apenas ao exercício.das.funções.médicas,.mas.abrangeu.várias.outras.vertentes..A.ele.se.deve.a.implementação.do.Hospital.da.Misericórdia.de.Vimioso,.obra.de.grande.alcance.social,.que.deixou.para.a.posteridade,.ao.serviço.de.todo.o.concelho..

No.âmbito.da.cultura,.e.constatando.quão.im-portante.é.o.Saber.para.o.desenvolvimento.duma.

região,. diligenciou,. em. colaboração.com.o.Dr..Alberto.Machado,.então.Se-cretário.do.Ministro.da.Educação,.para.a.criação.ds.Escola.Preparatória.de.S..Vicente. –. E.B.. 2/3,. com. a. secção. da.Escola. Augusto. Moreno. de. Bragança..Assim,. muitas. crianças. puderam. con-tinuar.a.estudar.sem.se.deslocarem.do.seu.ambiente.familiar..Que.excelente.oportunidade!...

Todavia.era.necessário.arranjar.as.estruturas. para. o. funcionamento. da.Escola..

Apesar.de.a.câmara.não.dispor.de.verba.para.custear.essa.despesa,.não.baixou.os.braços..Antes,.porém,.lançou.mãos.dos.recursos.que.tinha.ao.seu.dispor:.prescindiu.de.algumas.comodidades.que.lhe.eram.adstritas.como.Presidente.da.Câmara..Dispen-sou.para.esse.efeito.o.seu.gabinete.e.o.salão.Nobre.para.sala.de.Professores.e.sala.de.aulas..Nas.trasei-ras.da.Câmara.mandou.instalar.dois.pré-fabricados.onde.funcionavam.as.salas.de.Trabalhos.Manuais.e.Educação Visual. Assim ficou solucionado o proble-ma..Foi.de.facto.uma.medida.inteligente.que.muito.contribuiu.para.o.desenvolvimento.cultural.do.Con-celho,.e.por.conseguinte.dos.Carçonenses..

Também.as.acessibilidades.mereceram.a.aten-ção.do.Doutor.Sidónio..A.ele.deve.o.município.tam-bém.a.estrada.municipal.que.liga.Vale.de.Frades.e.Avelanoso.e.as.Três-Marras,.etc..

É. de. toda. a. justiça. porém,. e. bem. merecida,.esta.pequena.homenagem.a.este.excelente.médico.e.competente.Presidente.de.Câmara.que.dedicou.toda.a.sua.vida.ao.serviço.das.pessoas.deste.con-celho..E,.porque.as.suas.raízes.se.encontram.nes-ta.vetusta.aldeia,.merece.pois.ser.considerado.um.ilustre filho de Carção.

Sofia Jerónimo

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Adriano.Augusto.da.Costa,.nasceu.em.Car-ção.-.Vimioso,.no.dia.28.de.Julho.do.ano.de.1902. Era filho de Francisco Manoel da Costa e.de.Libória.de.Oliveira,. sendo.que,.os. seus.familiares.tinham.a.alcunha.de.“Marnóia”.

Os. seus. avós. eram:. António. Joaquim. da.Costa.e.Isabel.Maria.Joana.e.quando.nasceu,.por.costume.da.época,.o.padrinho.é.quem.co-locava.o.nome.no.rebento.e.ele.teria.por.essa.razão. o. nome. de. Roque,. porque. esse. era. o.nome.do.padrinho.destinado.pelos.seus.pais,.todavia,.às.vésperas.do.baptizado.houve.um.desentendimento.entre.os.pais.e.os.padrinhos.e.ele.não.foi.registado.nessa.altura,.e.durante.três.longos.anos,.todo.mundo.o.conhecia.como.o.“Menino”,.e.após.essa.data,.é.que.seus.pais.o.registaram.com.o.nome:.Adriano.Augusto.da.Costa,.extraído.de.6. imperadores.romanos.e.de.6.Papas.que.existiram.(Adriano.Augusto).

Tanto.o.seu.avô,.como.o.seu.pai,.eram.co-merciantes. e. possuíam. uma. frota. de. carro-ções,.os.quais.faziam.o.transporte.de.merca-dorias.de.Bragança.para.a.cidade.do.Porto,.to-davia,.com.a.construção.da.Estrada.de.Ferro,.não.mais.puderam.fazer.esse.tipo.de.transpor-te,.então.resolveram.construir.um.prédio.em.Carção,.de.3.andares,.prédio.esse.que.resistiu.até.a.bem.pouco.tempo,.sendo.derrubado.e.construíram.outro.no.lugar.

Além disso adquiriram terrenos e fizeram plantações. de. vinhedos,. consequentemente,.produziam. o. famoso. vinho. da. região,. bem.como,.no.edifício.construído. foi.aberta.uma.mercearia,. tipo. super-mercado. que. vendia.produtos. alimentícios,. peles,. azeites. e. ou-tros tipos de produtos. A construção foi no fim do.século.XIX.e.a.região.era.uma.verdadeira.calmaria,.com.o.povo.“carçonense”. imbuído.sempre.pelos.festejos.religiosos.e.pelas.belas.músicas.folclóricas,.às.quais.no.mundo.inteiro.não.existem.paralelos..

A SAGA DE UM CARÇONENSE PELO MUNDO AFORA

No.ano.de.1895,.um.primo.do.seu.avô,.es-teve.na.Argentina.e.no.Rio.de.Janeiro.e.voltou.encantado,.alegando.que.a.América.era.o.“Pa-raíso” e com isso influenciou a vontade de seu pai.para.num.futuro.rumar.para.esse.“Paraíso.Terrestre”..A.Vida.continuava.calma,.já.tinha.dois. irmãos. mais. velhos,. o.António. e. o. Dia-mantino.e.nasceu.a.irmã.Isabel..Quando.tinha.por.volta.de.8.anos,.sua.mãe.veio.a.falecer,.o..pai acabou ficando com 4 menores de idade para.a.criação.e.num.impulso.mental,.optou.para. sair. de. Carção,. e. resolveu. ir. procurar.o. seu. destino,. a.América. do. Sul,.marcando,.viagem.para.a.Buenos.Aires,.na.Argentina,.no.entanto,. ao. chegar. ao. Consulado. no. Porto,.encontrou.um.conterrâneo.que.o.aconselhou.a.ir.para.o.Brasil.e.para.a.cidade.de.São.Paulo,.porque.lá.era.falado.o.português.e.na.Argenti-na.o.Espanhol,.sendo.que.o.valor.da.passagem.era.tão.somente.39.mil.réis.e.para.a.Argentina.era.139.mil.réis,.consumando-se.então.a.sua.saída.da.terra.tão.querida.e.isso.se.deu.no.ano.de.1911..

Ao.chegar.em.São.Paulo,.o.local.destinado.não.era.agradável.e.tiveram.que.rapidamen-te.mudar.de.lugar,.indo.residir.na.Rua.Miller,.onde.a.maioria.dos.residentes.eram.lusitanos.e.até.existia.uma.entidade.de.nome.“São.João.Batista” local que os portugueses aos fins-de-semana.cantavam.o.fado.e.dançavam.as.mú-sicas. folclóricas..Ali. começou. nos. seus. pou-cos.anos.de.idade.(11.anos),.a.aprender.uma.profissão de marceneiro, mas, não era o seu gosto. e. com. o. irmão. mais. velho. começou. a.ser.vendedor.de.tecidos,.e.ser.um.verdadeiro.“ALMOCREVE”,. viajando.pelo. interior. do. Es-tado.de.São.Paulo,.e.nessas.alturas.nas.horas.de.folga,.começou.a.sua.vontade.de.escrever.poesias,.seu.desiderato.para.a.vida.toda.

Passados.alguns.anos.nesse.trabalho,.no.ano.de.1928,.veio.a.casar-se.com.Maria.Anunciação.

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Anes,.que.também.havia.imigrado.de.Rio.Frio,.local.próximo.a.Carção.e.na.mesma.época.seus.pais. também. rumaram. para. o. Brasil.. Foram.residir.em.outro.bairro.ou.seja.o.do.Tatuapé,.local.também.onde.orda.de.portugueses.adqui-riam.seus.terrenos.para.construírem.suas.casas.e. foi. isso. que. aconte-ceu.. Nesse. bairro,. os.portugueses,. também,.aos fins-de-semana cantavam. o. fado. ao.som.das.guitarras.e.das.declamações.poéticas.e.o.ADRIANO.era.um.emé-rito.declamador.e.com-punha.lindas.poesias.

Passados. alguns.anos. montou. uma. loja.de.tecidos.na.Rua.José.Bonifácio,. no. centro.da. cidade. de. São. Pau-lo,. porque. era. um. dos.maiores. vendedores.que. existiram,. e. nessa.época. também. ingres-sou.na.Casado.Poeta.de.São. Paulo. e. na. União.Brasileira. de. Trovado-res,. daí. compôs. a. sua.obra-prima.“Os.Primei-ros.Bandeirantes”,.sen-do.a.história.da.descoberta.do.Brasil.cantada.em.décimas.nos.seus.versos.

Adriano.Augusto.da.Costa,...além.de.ser.um.exímio. tocador. de. guitarra. e. de. violão,. era.um.grande.compositor.e.poeta.de.primeira.li-nha,.ele.editou.os.seguintes.livros:

1976 “OS PRIMEIROS BANDEIRANTES”.1982 “A VIDA E OBRA DE ALBERTO SAN-

TOS DUMONT”.1985 “SÃO PAULO F.C., SUA HISTÓRIA E

SUAS GLÓRIAS”.1986 “POESIAS E SÁTIRAS”

Em. sua. vida. social,. pertenceu.à.primeira.Directoria.do.CENTRO.TRÁSMONTANO.DE.SÃO.PAULO,”.em.1932,.ano.de.sua.fundação.e..que.hoje. é. uma. das. maiores. entidades. médicas.da.América. do. Sul,. e. onde. os. “portugueses.carçonenses”. desfrutam. sempre. no. primeiro.sábado.de.cada.mês.da.“Tasca.do.Aldeias.de.Portugal”,.com.danças.e.músicas.

Foi.um.dos.mais.vibrantes.poetas.da.Casa.do.Poeta.de.São.Paulo,.onde.empolgava.seus.

pares.com.suas.declamações,.o.que.fazia.tam-bém.na.União.Brasileira.de.Trovadores.

Fundou.a.escola.“AMIGOS.DO.SABER”,.onde.ensinou.gerações.de.portugueses.por.mais.de.10.anos,.essa.escola.era.gratuita.e.por.amor.ao.ensino.

Toda. vida. sonhou. com. a. sua. “CARÇÃO”,..e.a.todos.que.perguntavam.de.onde.ele.era,.dizia.“PORTUGUÊS.DE.CARÇÃO”,.e.descrevia.essa.terra.de.sonho.como.se.estivesse.presen-te.nela..

ADRIANO.AUGUSTO.DA.COSTA,.foi.mais.um.“carçonense”.que.deixou.a.sua.terra.maravi-lhosa.para.ensinar.no.Brasil.o.que.era.ser.por-tuguês.e.o.que.era.ser.“carçonense”.

ADRIANO. veio. a. falecer. em. 31/12/2004,.com.102.anos.de.idade,.em.São.Paulo/Brasil.

Por. essa. razão. eu.ADRIANO.AUGUSTO. DA.COSTA.FILHO,.me.ufano.de.ter.sido.Filho.dele,.e.por.ter.deixado.em.meu.coração.o.mesmo.amor. que. ele. tinha. por. CARÇÃO,. esse. amor.que.eu.amo.de.todo.o.coração,.porque.sou:

Brasileiro.pelo.Sol.e.Português.pelo.Sangue.e.Carçonense.de.todo.coração.

AdrianoAugustodaCostaFilhoMembro da Casa do Poeta de São Paulo – Brasil

Membro do Movimento Poético Nacional do BrasilMembro da Ordem Nacional dos Escritores do Brasil

...

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O.Jornal.Mundo.Lusíada,.editado.no.Estado.de. São.Paulo,. foi. concebido.pelo. génio. iluminado.do.jornalista.“ODAIR.SENE”,.e.derrama.seu.manto.sobre.os.corações.dos.portugueses.e.luso-descendentes.

Odair.Sene.é.brasileiro.de.sangue.e.português.de.coração,.como.dezenas.de.milhares.de.brasileiros.apaixonados.por.Portugal.e.pela.rica.cultura.lusíada.

Casado.com.Da..Cleodete.Borges,.quem.muito.contribuiu.e.segue.contribuindo.para.esse.lindo.veiculo,.Odair Sene é o responsável pela publicação, é pai de três filhos, sendo que dois deles trabalham no jornal.

Como.toda.empresa.familiar,.ela.também.começou.muito.tímida..No.início.ele.fazia.a.reportagem,.fazia.a montagem das páginas, mandava para a gráfica, saia para entregar, recebia os anúncios e saia também para.pagar.as.contas.(quando.tinha.dinheiro),.além.de.buscar.novos.anúncios.e.novas.oportunidades.

Ele,.Odair.Sene,.decidiu.fazer.o.jornal.por.incentivo.de.muita.gente.ligada.às.entidades.de.São.Paulo.e.percebeu.que.faltava.uma.mídia.que.se.propusesse.a.fazer.uma.publicação.séria.e.representativa.e.com.a.graça.Divina.conseguiu.essa.maravilha.que.é.o.jornal.e.após.11.anos.de.actividades.ter.um.jornal.de.primeiro.mundo,.muito.bem. impresso.e. com.matérias. as.mais.bem. feitas. e.de. interesse. geral. e.da. comunidade.lusitana.de.São.Paulo,.do.Brasil.e.quiçá.do.exterior.

O.jornal.é.feito.basicamente.focado.na.necessidade.da.manutenção.das.raízes.lusas.do.Brasil,.sempre.publicando.sobre.eventos.das.associações.portuguesas.e.trazer.PORTUGAL.mais.próximo.para.os.leitores.do.jornal..Tem.notícias.disponíveis.(com.imagens).pela.Agência.Lusa.para.a.publicação.e.tenta.mostrar.nas.reportagens.o.que.acontece.de.mais.importante.nas.relações.culturais,.políticas,.sociais.e.económicas.entre.Portugal.e.Brasil.

Odair Sene, tem muito orgulho de ter como seus parceiros, os próprios filhos, para ter a certeza de que haverá no futuro, o qual, por certo, com a seriedade que a profissão exige, será um futuro bem próspero. Para tanto, a Vanessa sua filha, que é formada em jornalismo, já começa as ditar as regras editoriais e o Rodrigo o outro filho, que é formado em publicidade e “marketing”, começa a ditar as regras visuais. Com esses dois detalhes,.se.tem.uma.dinâmica.e.um.“layout”.mais.modernos..O.resultado,.que.está.sempre.em.busca.é.mais.assinantes,.mais.anunciantes.e.mais.mercado..Portanto,.ele.crê.em.um.futuro.bastante.promissor.

É.interessante.informar.e.recordar.onde.tudo.começou,.porque.muito.pouca.gente.faz.essa.pergunta,.pois.que,.começou.em.um.pequeno.espaço.na.sua.residência..Era.tão.pequeno.que.cabia.tão.somente.o.Odair.e.um.computador,.aliás,.um.computador.tão.básico.que,.para.abrir.um.documento.tinha.que.fechar.o.outro,.duas.coisas.abertas.ao.mesmo.tempo,.nem.pensar.nisso.e.hoje.o.jornal.tem.uma.boa.rede.com.boas.máquinas,.Internet.rápida.e.com.uma.condição.muito.boa.para.ser.feito.também.um.bom.trabalho..Após.o.pequeno.espaço.de.trabalho,.começou.a.melhorar.em.uma.fase.boa.com.uma.sala.alugada.e.em.parceria.com.uma.tradicional.e.antiga.agência.de.turismo.e.em.seguida.uma.sala.melhor.no.prédio.do.Elos.Clube.Grande.ABC.(local.onde.estão.há.5.anos).e.agora.já.estão.mirando.um.lugar.melhor.–.querendo.ter.a.sua.sede.própria.

No.dia.11.de.Setembro.de.2008,.foram.completados.11.anos.em.actividade.e.todos.nós.nos.orgulhamos.em.dizer.que.o.Jornal.Mundo.Lusíada.é.a.principal.mídia.luso-brasileira,.que.tem.credibilidade.na.grande.São.Paulo,.no.grande.A.B.C..e.agora.na.baixada.Santista.

E.eu.como.não.podia.deixar.de.ser,.além.de.sentir.um.imenso.orgulho.por.poder.fazer.este.artigo.para.a.fenomenal.Revista.ALMOCREVE.do.nosso.querido.e.eterno.PORTUGAL,.só.tenho.a.agradecer.a.esse.gigante.da.mídia.luso-brasileira,.com.certeza.criado.no.Paraíso.

Divino,.o.magistral..ODAIR.SENE.Adriano Augusto da Costa Filho

Membro da Casa do Poeta de São Paulo – BrasilMembro do Movimento Poético Nacional do Brasil

Membro da Ordem Nacional dos Escritores do Brasil Brasileiro pelo Sol e Português pelo Sangue,

Coração “Carçonense” São Paulo/Brasil.

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Estávamos.em.pleno.Verão..Um.Verão.tór-rido.e. luminoso,.tão.característico.de.terras.trasmontanas.–.três.meses.de.inferno.e.nove.meses.de.Inverno.–.diz.um.velho.ditado..Efec-tivamente.é.assim..

Na.aldeia,.maioritariamente.rural,.as.pes-soas.passavam.os.dias.inteiros.nas.fainas.agrí-colas.. À. noite. regressavam.a. casa. já. com.as.estrelas.a.luzir.no.céu,.a.maior.parte.das.ve-zes..A.primeira.tarefa.que.os.esperava,.depois.de.um.dia.de.extenuante.trabalho,.era.levar.os.animais.sequiosos.a.beber.e,.ao.mesmo.tempo.encher.os.cântaros.do.precioso.e.indispensável.líquido,. para. fazerem. a. ceia..Então.no.tempo.das.ceifas.e.tri-lhas,.era.realmente.um.pande-mónio.à.beira.dos. fontenários;.pessoas. e. animais,. uns. para.matar. a. sede,. outros. para. en-cherem.os. cântaros,. em. inter-mináveis filas, que levavam ao desespero,. quer. pelo. cansaço,.quer. pela. falta. de. paciência..Por.isso,.as.pessoas.mais.atrevi-das,.sempre.que.podiam.desres-peitavam.a.ordem.de.chegada,.o.que.originava.grandes.e.feias.zaragatas:.insultos,.cabelos.pu-xados,. cântaros. partidos. nas.cabeças,.etc..Um.triste.espec-táculo.que.se.pagava.para.não.o.ver,.causado.não.só.pela.falta.de. civismo,. mas. também. pela.falta de infra-estruturas que satisfizessem as necessidades..“Na.casa.onde.não.há.pão,.todos.ralham.e.ninguém.tem.razão”,.diz.o.povo..A.si-tuação.agravava-se.ainda.quando,.por.vezes.as.pessoas.eram.agredidas.pelo.sacudir.do.rabo.e.focinho.dos.animais,.ao.enxotarem.as.moscas,.terríveis. insectos. que. invadiam. a. povoação,.um pavor!

Apesar.da.aldeia.ser.rica.em.água.de.boa.qualidade,. nem. sempre. os. seus. responsáveis.tiveram.o.bom.senso.de.orientar.e.cuidar.do.seu aproveitamento duma maneira eficaz. Pa-rece. que. os. antigos. tinham,. apesar. de. tudo,.uma. visão.mais. ampla. das. necessidades,. eri-gindo.fontenários.dispersos.por.vários.locais.da.freguesia,.de.modo.a.servir.todos.os.habitan-tes, sem necessidade de estar em grandes filas à.espera.de.sua.vez..Todavia,.esses.fontenários.de.chafurdo.se,.por.um.lado.tinham.a.virtude.de.se.poder.encher.o.cântaro.sem.precisar.de.

Uma “Maria da Fonte” Carçonenseguardar.a.vez,.por.outro.eram.anti-higiénicos,.porque. ao. meterem. os. recipientes. na. água.esta.estava.sujeita.a.contaminações.de.toda.a.ordem,.o.que.originava.graves.doenças..

Posteriormente, as fontes ficaram inacti-vas,.por.motivos.de.saúde.pública.e.o.bebe-douro principal que ficava no cimo do Vale foi destruído.e,.bem.no.meio.da.aldeia,.no.Lar-go das Fontes, foi edificado um chafariz, com duas. torneiras,. onde. as. pessoas. enchiam. os.cântaros.e.a.água.que.vazava.enchia.o.tanque.onde.os.animais.bebiam..No.entanto.eu.ape-nas.me.lembro.de.uma.só.torneira.funcionar..

Era.muito.pouco.para.tanta.gente..Além.dos.inconvenientes.acima.descritos,.longas.horas.à.espera.de.encher.o.cântaro,.ainda.tinham.que. o. carregar. ao. quadril,. ou. nos. braços. a.distâncias.bastante.consideráveis.–.Bairro.de.Cima,.Bairro.de.São.Roque,.Bairro.da.Igreja,.Quinta,.Penedas,.etc..Era.um.autêntico.cal-vário!...

Para.minimizar.estas.distâncias.e.inconve-niências. resolveram,. as. autoridades. mandar.colocar.um.fontenário.na.Praça..Sem.dúvida.que se reduziram filas, e encurtaram distân-cias. a. percorrer. com. os. cântaros. às. costas..Acontecia. porém. que,. aberta. a. torneira. do.fontenário.da.Praça,.não.corria,.ou.corria.mi-nimamente.a.torneira.do.fontenário.das.Fon-tes..Esta.situação.levou.ao.desentendimento.dos. habitantes. da. freguesia,. originando. um.grande conflito e a divisão dos seus habitan-tes.em.duas.facções..Uma.defendia.o.encerra-

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mento.do.fontenário.da.Praça,.voltando.tudo.à.situação.anterior,.outra.defendia.que.se.de-via.arranjar.outra.alternativa.que.não.fechar.o.fontenário,.pelos.inconvenientes.já.demais.conhecidos..

Sem.que.fosse.possível.chegar.a.um.con-senso,.a.facção.que.se.sentia.lesada.recorreu.à.força.pedindo.a.intervenção.das.autoridades.respectivas. –.a.Guarda.Nacional.Republicana.para.fechar.o.fontenário.da.Praça..

A. outra. facção. não. aceita. a. afronta,. re-voltando-se.e,.ao.pressentirem.que.a.Guarda.estava a chegar tocam os sinos a rebate! Jun-ta-se.o.povo,.uns.a.favor.da.decisão,.outros.contra.. Entretanto. chega. a. Guarda. com. os.operários.e.a.ferramenta.para.levar.a.tarefa.a.cabo..Uns.gritam,.outros.discutem,.uma.gran-de confusão!

Então.a.Guarda.no.meio.daquela.barafun-da.dá.ordens.aos.funcionários.para.que.o.fon-tenário.seja.encerrado.

De.repente,.surge.uma.mulher.alta,.forte,.era.a.tia.Maneira,.irrompe.pelo.meio.daquela.multi-dão e, agarrando-se ao fontenário exclama!

-.Não! Não! O fontenário não será fechado!Os.agentes,.perplexos,.olham.a.senhora.e.

dão.ordens.para.que.se.retire.

Insistem.mas.ela.não.obedece..Ao.ver.que.lhe. iam. deitar. a. mão. para. a. desviar,. grita.ela:.

-.Olhem para o meu estado! Olhem para o meu estado! Nem ousem tocar-me!

Os.guardas.embaraçados,.estupefactos.pe-rante. esta. situação,. sem. saber. o. que. fazer,.resolveram.retirar-se..

-. Bendita gravidez!. –. Exclamaram. os. de-fensores.do.fontenário.da.Praça.

-.Gravidez?! Que gravidez?.–.Replicou.ela..E,.de.repente,.mete.a.mão.à.cinta.e.tira.

da.barriga.uma.grande.almofada..Os.circuns-tantes,.ao.presenciar.a.cena,.desataram.numa.risada hilariante que pôs fim a este tumulto. O.fontenário.continuou.aberto...

A.imaginação,.a.audácia.e.coragem.podem.por. vezes. vencer. batalhas;. assim. aconteceu.em.alguns.momentos.da.nossa.História,.onde.a astúcia e valentia da mulher ficaram bem patentes, tal como ficou bem gravada a men-te.de.que.presenciou.esta.cena,.a.atitude.co-rajosa. da. tia. Maria. Maneira,. uma. autentica.Maria.da.Fonte,.que. lutou.pelos.seus. ideais,.uma.vez.que.o.progresso.ainda.não.tinha.che-gado.a.Carção..

Sofia Jerónimo

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CaféSnack-Bar

Margarida Cristina C. Fernandes

Bairro da Quinta, 1

Tlm. 960 089 024

5230 C A R Ç Ã O

GONÇALVES

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Em. Carção,. sobretudo. para. os. mais. pobres,.começou.muito.cedo.o.Inverno.de.1960.

O. rebusco. da. castanha. não. deu. para. cozer.mais. de. meia. dúzia. de. vezes,. as. primeiras. ge-adas,. anormalmente. fortes,. cedo. recozeram.as.nabiças. e. os. repolhos. e. de. azeitona. não. havia.quase.nada.

A.juntar.a.tudo.isto,.era.cada.vez.mais.com-plicado.ir.à.ladeira.do.Sabor.fazer.uma.carga.de.estevas,.não.havia.nabos.na.Alamela,.nem.grelos.na.Veiga.e.as.batatas.e.as.cebolas.acabaram.havia.muito.nas.hortas.da.Ribeirinha.

Depois de terminadas as sementeiras em fi-nais.do.Outono,.ninguém.dera.a.ganhar.uma.jeira.que.fosse.

As.barragens.do.Douro.havia.muito.que.não.davam.trabalho,.as.minas.de.Argoselo.e.de.Co-elhoso. não. aceitavam. ninguém. e. não. andavam.estradas.nas.redondezas.

Estavam no fim as poucas batatas colhidas “a meias”.nas.hortas.do.Monte.ou.da.Ribeirinha.e,.de-pois.de.pagar.a.mercearia,.a.padeira,.o.sapateiro,.o.alfaiate,.o.barbeiro.e.não.sei.que.mais,.o.que.so-brara.dos.míseros.alqueires.de.cereal.colhidos.nas.chaquedas.da.Fireira,.em.Santa.Marinha,.em.Vale.de.Palácios,.nas.bordas.de.Vale.de.Madeiros.e.do.Castelinho,.já.nem.chegavam.para.ir.duas.vezes.ao.moinho.do.Coleijo.

A.fome,.negra,.dura.e.crua.fome,.espreitava.já.ameaçadoramente.

Os filhos mais novos iam confortando a barri-ga.com.a.sopa.quente,.regularmente.distribuída.na.Cantina.Escolar,. fundada.e.mantida.pela. ge-nerosidade.ímpar.dos.Beneméritos.Irmãos.Santos.enquanto.os.mais.velhitos.vagueavam.pela.aldeia,.sem.alegria.e.sem.esperança,.matando.o.tempo.a.jogar.à.bilharda,.ao.pingue.ou.ao.pião,.atirando.aos. pardais,. que. nunca. conseguiam. apanhar. ou.entretendo-se.a.brincar.aos.contrabandistas.e.aos.guardas,.ou.aos.polícias.e.aos.ladrões,.disfarçando.assim.a.meninice.a.que.nunca.tiveram.direito.

Era.neste.cenário.de.quase.desespero.peran-te.a. impotência.para. fazer,. fosse.o.que. fosse,.para.alterar.esta.vida.de.miséria,.que.se.afoga-vam.os.pensamentos.da.maior.parte.dos.homens.de.Carção,.sem.saída.possível.nem.solução.à.vis-ta, horas sem fim às abrigadas ou sentados nas escadas.da.Capela.de.Santa.Marinha,.olhando.de.soslaio.para.a.taberna.do.Chelo,.enquanto.iam.metendo.as.mãos.nos.bolsos,.esperando.que,.por.milagre,.ainda.aparecesse.alguma.moeda.esque-cida,.que.desse.para.um.quarteirão.de.vinho.ou.uma.pinga.de.aguardente.

Foi.numa.destas.tardes.de.Domingo,.que.um.indivíduo.desconhecido,.baixo.e.anafado,.de.ve-lhas.calças.de.pana.amarela.e.samarra.de.gola.de.pele.de.raposa.bem.apertada.ao.pescoço,.vindo.dos. lados.de.Santulhão,. se.aproximou.do.grupo.e,.como.quem.desempenha.um.papel,.de.tantas.vezes.repetido.já.mais.que.decorado,.perguntou.como.iam.as.coisas.por.ali.

Perante.o.coro.de.queixas.com.que.foi.brin-dado.por.todos.eles,.não.lhe.foi.difícil.apanhá-los.por.onde.era.mais.fácil.

Com.resposta.decidida.e.pronta,.encostou-os.

à.parede,.contrapondo-lhes.que.“só.estavam.mal.porque.queriam,.que.era.só.querer.ir.ganhar.mui-to.e.bom.dinheiro.para.a.Espanha,.para.a.França.e.até.para.a.Alemanha”..

-.Isso.é.muito.fácil.de.dizer,.meu.amigo,.retor-quiu-lhe.um.deles..O.pior.é.o.resto.

-.Meus.amigos,.quem.realmente.quiser.ir.para.fora,.apareça.no.cabanal.da.Capela.de.S..Roque,.hoje, às oito da noite. Tragam só uma fotografia, quinhentos.escudos.quem.quiser.ir.para.a.Espa-nha,.ou.um.conto.quem.quiser.ir.para.a.França.

O.resto.é.comigo.Se. quiserem. mesmo. ir. para. onde. se. ganha.

dinheiro. a. sério,. não. se. atrasem.e. resolvam-se.depressa,.que.o.próximo.carro.está.quase.com.a.lotação.esgotada.

Nessa.noite.já.ninguém.comeu.o.caldo.sosse-gado.

Foi. juntar. os. últimos. tostões,. pedir. o. resto.emprestado.e,.antes.que.fosse.tarde,.ir.fazer.o.trato.com.aquele.homem.caído.do.Céu,.que.lhes.prometia.abrir.as.portas.da.fortuna..

No.S..Roque..foi.tudo.rápido.e.muito.fácil.Tudo.se.resumiu.a.entregar.o.dinheiro.e.meta-

de duma fotografia, recebendo em troca a infor-mação.que.o.carro.para.a.França.sairia.de.Carção.de.23.para.24,.às.duas.da.manhã.

Em.menos.de.meia.hora.estava.tudo.acertado.e.o.homem.baixo.de.samarra.de.gola.de.pele.de.

CARÇÃO, ANOS SESSENTA — Epopeia duma noite sem luar(*)

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GONÇALVES

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raposa.e.calças.de.pana.amarela,.com.um.“boa.noite. apressado”. desapareceu. a. cavalo. para. os.lados.de.Izeda.

Só.quando.se.meteram.na.cama,.é.que.aque-les.homens.começaram.a.pensar.se.tudo.aquilo.seria.mesmo.assim,.ou.não.seria.antes.uma.gran-de.vigarice.

Porque.nem.às.mulheres.disseram.bem.o.que.tinham.ido.fazer.ao.S..Roque.àquela.hora,.o.sono.nunca. mais. chegou,. o. que. tornou. aquela. noite.ainda.mais.longa.e.negra.que.as.muitas.noites.de.pesadelo.e.insónia.até.então.vividas.

Agora apenas restava confiar e esperar que chegasse.depressa.o.dia.de.abalar..

Na.noite.combinada,.não.havia.Lua.para.ilu-minar. aquela. interminável. noite. dum. Inverno.que, como todos, nunca mais tinha fim.

Do.Vale.até.à.Quinta,.a.noite.parecia.menos.noite.porque.a.geada.intensa.que.caíra.desde.o.fim da tarde aclarava o lodo petrificado do chão com.miríades.de.minúsculos.cristais.de.gelo,.es-magados.de.horas.em.quando.pelo.caminhar.rit-mado.dum.ou.outro.noctívago.mais.atrasado,.de.regresso.a.casa,.depois.duma.velada.em.casa.de.algum.familiar.ou.amigo,.para.onde.fora.“.passar.um.bocado.ao.lume”.ou,.quem.sabe,.para.provar.as.chouriças,.curadas.pelo.frio.das.geadas.

Nas.estreitas.ruelas.dos.bairros.de.Cima,.de.Falcão,.dos.Gatos,.das.Penedas.ou.do.Canto.da.Valenta,.a.luz.coada.e.difusa.das.estrelas.criava.por.toda.a.parte.uma.áurea.de.mistério.avassa-lador,.apenas.perturbado.pelo.latir.plangente.de.algum. cão. sem. dono. enroscado. debaixo. duma.soleira.mais.acolhedora,.pelo.miar.sofrido.de.al-gum.gato.abandonado.na.rua.à.sua.sorte,.ou.de.algum.animal.encerrado.na.loja,.ao.qual.tinham.enganado.a. fome.com.bem.menos. ração.que.a.esperada.depois.dum.dia.de.trabalho.

Para. acabarem. os. socos,. as. meias. solas,. as.tombas,.os. remendos,.ditar.as.brochas,.etc.. ti-veram.que.“velar”.mais.que.o.costume.os.“Bel-miros”..“os.“Mingas”,.os.“Pesquins”.e.os.outros.sapateiros.da.terra..

Havia.contudo.alguma.coisa.no.ar.que. fazia.daquela. noite. uma. noite. diferente. das. muitas.noites,.todas. iguais,.de.todos.os. Invernos,.tam-bém.eles.todos.muito.iguais.

Um.enorme.camião,.tipo.carro.de.transporte.de.animais.para.as.feiras.de.gado,.com.a.caixa.co-berta.com.uma.lona.mais.remendada.que.calças.de.pobre,.meses.sem.conta.usadas.de.dia.e.pon-teadas.à.noite,.com.joelheiras.sobre.joelheiras.e.quadras.a.perder.de.conta,.chegou.ao.entardecer.ao.povo.e,.depois.de.se.mostrar.passando.pelas.

Fontes.e.pela.Praça,.foi.estacionar.discretamente.para.os.lados.do.Carvalhal.

Com.o.dobrar.da.meia.noite,.mulheres.sofri-das,.feitas.silhuetas.fantasmagóricas.vestidas.de.negro,.pressentindo.que.estavam.muito.próximas.de,. por. longos. períodos,. se. transformarem. em.“viúvas.de.homens.vivos”.e.“mães.de.órfãos.com.pai”,.começaram.a.deambular.rápida.e.discreta-mente,.levando.aos.familiares.e.amigos.a.novida-de.da.chegada.do.aguardado.camião.

Odiavam.aquele.carro.que,.mesmo. levando-lhes o marido e os filhos para terras de que nunca ouviram.falar.e.nem.faziam.a.mínima.ideia.onde.poderiam. ser,. lhe. deixava. a. vaga. esperança. de.que,. mais. tarde,. talvez. lhes. trouxesse. as. novi-dades que lhes fizessem renascer a alegria e dar sentido.ao.calvário.das.suas.vidas.

Realmente,. só. a. sua. coragem. heróica. lhes.dava.força.para.continuar.a.viver..

Tudo.era.muito.duro.e.triste.mas,.com.a.sua.resignação. evangélica,. resumiam. tudo. a. um..“como.tem.mesmo.que.ser…”.paralisante.que.até.a.capacidade.de.revolta.lhes.castrava.

O.ritual.era.simples.e.sempre.o.mesmo.Com. três.pancadas. secas. todas.as.portas. se.

abriam.e.a..mensagem.era.rápida:“Os.homens.que.se..mexam..O.carro.já.está.

no.Carvalhal.e..sai.às.duas”.Passadas.as.mensagens.que. lhe. foram.enco-

mendadas,.era.o.regressar.rápido.para.casa.dar.os.últimos. jeitos.à.“fardela”.da.merenda.e.aos.poucos.pertences.que.cada.um.iria.levar.

Poucos,. mesmo. muito. poucos,. porque. já. ti-nham.sido.avisados.que.não.poderiam.levar.gran-de.coisa,.porque.o.carro.ia.levar.muita.gente.e,.se. “acontecesse. qualquer. coisa”,. sempre. seria.melhor.não.andar.muito.carregados,.até.porque.em.França.“.havia.de.tudo.barato,.do.bom.e.do.melhor”.

Este. “acontecer. qualquer. coisa”…não. agra-dou a alguns mais desconfiados, mas a reacção era.a.mesma.de.sempre,.“.se.tem.que.ser,.terá.mesmo.que.ser”.

À.medida.que.se.avançava.para.a.hora.marcada,.as.badaladas.do.relógio.da.Igreja,.oferecido.pelos.Preparados. e. recentemente. colocado. na. parede.da.frente.sob.orientação.do.tio.Manuel.Jandiz,.ca-íam.como.pedras.sobre.o.ânimo.daqueles.homens.rudes,.transidos.de.medo.e.dum.frio.anestesiante.que,.descendo.pela.espinha,.lhes.paralisava.a.alma.sem.ânimo,.desfeita.pela.angústia,.e.destroçava,.sem.piedade,.os.corações.amargurados.

À.medida.que.a.hora.da.partida.se.aproxima-va,.muitos.pensaram.ainda.em.desistir.

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Mas, caramba, como desistir agora?A.vida.por.lá.estava.a.correr.bem.aos.que.ti-

nham. ido. depois. da. Páscoa. e. até. foi. a. mulher.do.compadre.“francês”.que.lhe.emprestara.o.di-nheiro.que.faltava.para.pagar.ao.passador,.já.des-colara da caderneta Militar a fotografia que, di-vidida.em.duas,.garantiria.à.família.a.chegada.ao.destino.quando,.com.uma.das.metades.na.mão,.o.passador.viesse.cobrar.o.resto.da.viagem..

Aos.muitos.credores,.jurara.que.os.primeiros.francos. recebidos. seriam.para.começar.a.pagar.as.dívidas.

À mulher e aos filhos dera a esperança de que, dentro.de.pouco.tempo,.mandaria.muitos.francos.para comprar tudo o que fizesse falta e nunca mais.haveria.um.Natal.pobre.e.triste.como.o.que.iam.ter.este.ano.

Nos.Natais,.nunca.mais.faltaria.pescada,.ba-calhau.inglês.e.uma.polveira.bem.grande,.azeite.à. farta.para. regar.bem.as.batatas.e.as.couves,.travessas de afilhós, sapatos novos, meias de lã, calças,.camisas.e.tudo,.tudo.como.e.mais.que.os.outros.

Como. desistir. se. até. já. tinha. dito. a. toda. a.gente. que. não. aguentava. mais. aquela. miséria.em.que.vivia,.a.passar.tantos.dias.sem.trabalho,.sem haver quem lhe fiasse uma fogaça de centeio para enganar a fome dos filhos?

Como.desistir,.se.até.já.tinha.dito.alto.e.bom.som.na. taberna.do.Tai.que,.dali. para.a. frente,.“nunca.mais.trabalharia.para.corno.nenhum.por.uma.estela.de.bacalhau,.meio.litro.e.dez.miserá-veis.melréis”..

Não,.desistir.é.que.não,.porque.um.homem.nunca.desiste..Quando.diz.que.vai.é.porque.vai.mesmo.e.agora,.para.a.frente.é.que.era.o.ca-minho.

O.sino.devia.estar.quase.a.bater.as.fatídicas.duas. da. madrugada. daquele. 24. de. Dezembro.de.1960.

Na rua petrificada pela geada começaram a ouvir-se.passos.apressados.dos.primeiros.a.diri-girem-se.para.o.carro.que,.coberto.de.gelo,.os.esperava.no.Carvalhal.

Vergado. pela. angústia,. apanhou. do. escano.a. saca.cinzenta.muito.ponteada,.em. forma.de.mochila,. onde. a. mulher. lhe. acondicionara. as.coisas.

Meia fogaça fiada pela Maria Cavala, um chou-riço.ainda.mal.curado.pedido.à.vizinha.e.o.resto.do.bacalhau.da.última.estela.que.a.mulher.es-condera dos filhos e guardara para a merenda, a navalha,.uma.camisa,.umas.ceroulas,.um.par.de.meias.de.lã.e.um.lenço.das.mãos.

Naquele.momento.de.angústia.e.de.dor,.era.toda.a.sua.riqueza,.era.tudo.o.que.ia.levar.para.aquela.viagem,.da.qual.apenas.sabia.onde.come-çava,.não.fazendo.a.mínima.ideia.onde.e.quando.iria.terminar.

Depois.de.apertar.as.orelhas.do.gorro.de.lã,.agarrou-se.à.mulher.com.uma.força.inaudita.e.os.filhos, como que impelidos por uma atracão irre-sistível,.atiraram-se.a.ele.num.choro.lancinante,.agarrando-o. pelas. pernas,. como. que. tentando.prende-lo. ao. chão. térreo. e. húmido. do. casebre.em.que.viviam.

Quase petrificado, perdeu toda a reacção e, a muito.custo,.começou.a.mexer.as.pernas.em.di-recção.à.porta,.carregando.em.cada.uma.o.peso.do.mundo.inteiro.

Com.a.voz.embargada.pela.dor.apenas.con-seguiu balbuciar o nome dos filhos enquanto cru-zava.os.olhos.marejados.de.lágrimas.com.o.olhar.apagado.e.triste.da.mulher.que.tanto.amava.

Ao.dobrar.a.soleira.da.porta,.num.último.olhar.para.o.interior.da.sua.casa,.não.conseguiu.travar.duas. lágrimas. como. punhos,. sentindo. que. para.trás.ia.deixar.o.melhor.dos.mundos,.aqueles.que,.até.ali,.era.realmente.todo.o.“seu.mundo”.

Enquanto os filhos, num chorar lancinante, lhe diziam.adeus,.a.mulher,.com.um.gesto.arrastado,.estendeu. para. ele. o. braço. direito. e,. abrindo. a.mão,.disse-lhe:

-.Toma.e.traz.sempre.contigo.a.medalha.de.Nossa.Senhora.das.Graças..Já.que.nós.não.pode-

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mos.ir.contigo,.que.vá.Ela,.te.proteja.e.sempre.te.acompanhe..

Estava.mesmo.na.hora.de.abalar.Gelado. por. dentro,. quase. não. sentiu. o. frio.

agreste.que,.na.rua,.lhe.fustigava.o.rosto.Quando.chegou.ao.Carvalhal,. já.o.motorista.

tentava.a.muito.custo.por.a. funcionar.o. .velho.e..muito.cansado.motor.diesel..do.velho.Bedford.que.o.iria.levar.para.o.destino.

Num. silêncio. quase. sepulcral,. uns. após. ou-tros,.foram-se.sentando.nas.tábuas.de.soalho.que.faziam.de.bancos,.cravadas.nos.taipais,.a.toda.a.volta.da.carroçaria.

De. certo.que.não.eram.nada. cómodos.mas,.como.não.havia.dinheiro.para.mais.e.nem.sequer.tinham.documentos,.não.havia.outro.remédio.se-não.aguentar.e.calar.

Quando o velho motor diesel finalmente pegou,.o.camião.estremeceu.por.todos.os.la-dos,.ameaçando.desconjuntar-se.em.qualquer.curva.

Fechado.o.taipal.de.trás,.com.o.descer.da.lona.da.capota,.uma.escuridão.ainda.mais.aterradora.envolveu.o.mísero.espaço.em.que.os.encaixaram.e,. enquanto. alguns. sibilavam. baixinho. as. suas.orações,.ouviram-se.de.fora,.em.voz.aterradora,.as.primeiras.e.únicas.indicações:

- A partir de agora, meus senhores, é calar ou dormir.

Deixando.para.trás.uma.nuvem.do.gasoil.mal.queimado,..tão.preta.como.a.tristeza.que.lhe.re-talhava.o.coração,.o.velho.chaço,.depois.de.se.livrar.a.muito.custo.da.arada.em.que.estaciona-ra,.entrou.na.estrada.para.Argoselo,.onde.chegou.rapidamente.

Com.medo.da.GNR,.parou.às.alminhas,.antes.da. entrada. do. povo,. onde. o. aguardavam. mais.duas.dezenas.de.candidatos.a.emigrantes.

Aqui,.os.que,.por.necessidade.ou.por.medo,.tentaram. descer. para. urinar,. foram. impedidos.pelo.ajudante,.berrando.para.dentro.que.mijas-sem.no.chão,.porque.as.vitelas.e.os.porcos.tam-bém.o.faziam.e.nunca.tinham.morrido.antes.de.chegar.à.feira.

Estarrecidos.pelo.medo.e.pelo.frio,.ninguém.respondeu.e,.num.instante,.depois.de.todos.su-birem,.o. carro.arrancou.de.novo,. agora.em.di-recção.a.Espanha,.tentando.alcançar.a.fronteira.antes.do.clarear.da.manhã.

No.serpentear.terrível.da.estrada.de.Outei-ro,. muitos. enjoaram. e,. aquele. espaço. fétido.onde.alguns.viajavam.de.pé.segurando-se.à.ar-mação.da.capota,.tornou-se.mais.insuportável.ainda.

Em. surdina,. não. fossem.os. passadores. ouvir.na. cabine,. começaram. a. ouvir-se. as. primeiras.queixas.e.soltaram-se.as.primeiras.pragas.

Passadas. mais. de. duas. horas. neste. suplício.aterrador,.a.charanga.em.que.viajavam,.depois.de.meia.dúzia.de.saltos,.saiu.da.estrada,.parou,.desligou.o.motor.e.apagou.as.poucas. luzes.que.ainda.funcionavam.

O. ajudante,. num. ápice. desceu. o. taipal. de.trás,.e.berrou.para.dentro:

-Meus senhores, estamos muito perto da fronteira. Saiam depressa e, calados como ra-tos, venham atrás de mim. Nada de barulhos, falar, ou acender um cigarro que seja, porque o mais pequeno descuido pode deitar tudo a perder. Se vocês não se importam, pelo que me toca, eu não quero voltar para trás nem levar um tiro nos cornos.

Quando.houver.notícias,.cá.estarei.eu.para.as.dar..Vamos.embora.que.se.faz.tarde.

Em fila indiana, serpentearam mais de uma hora.por.entre.castanheiros..e.carvalhos,.não.se.apercebendo.sequer.de.terem.entrado.em.Espa-nha,.bem.perto.de.Alcaniças.

Subitamente,.entraram.num.carreiro.aperta-do,.escondidos.dum.lado.e.doutro.por.silvas.mais.altas.que.um.homem,.chegando,.poucos.minutos.depois,.a.um.pequeno. lameiro. seco.pela.geada.e ladeado a toda a volta por grandes fincões de pedra,.muito.perto.já.da.estrada.de.Zamora.

Com.a.mesma.voz.rude.de.sempre,.o.passador.avisou.que.ninguém.se.atrevesse.a.sair.do.lameiro.e,.muito.menos,.a.ir.para.a.estrada.porque,.den-tro.de.meia.hora,.viria.um.camião.espanhol.para.os.levar.até.à.França.

Sem.qualquer.palavra,.nem.um.simples.dese-jo.de.boa.viagem,.como.um.fantasma,.desapa-receu.na.noite,.voltando.para.trás.pelo.caminho.donde.vieram..

Só.que.aquela.maldita.meia.hora.nunca.mais.passava..Carros.atrás.de.carros.passavam,.cada.vez.com.mais.frequência,.na.estrada.de.Zamora.

Com. o. clarear. da. manhã,. apercebendo-se.bem. do. autêntico. curral. em. que. os. meteram,.perdidos.numa.terra.que.não.conheciam.e.aban-donados. à. sua. sorte,. enquanto. uns. começaram.a. chorar. convulsivamente,. outros. praguejavam.dizendo.mal.da.sua.sorte,.de.nada.adiantando.os.conselhos. dos. que,. mais. calmos,. aconselhavam.um.pouco.mais.de.paciência.

Subitamente,.quando.o.relógio.da.velha.torre.de.Alcaniças.batia.as.sete.da.manhã,.em.vez.do.camião.espanhol.que.os.devia.levar.para.França,.viram-se.cercados.por.caros.da.policia.espanho-

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la,.os.terríveis.carabineiros,.que,.entrando.para.o.lameiro.de.carabina.apontada,.os.obrigaram.a.deitar,.de.mãos.atrás.das.costas.

Mandaram-nos depois levantar e, em fila in-diana,.conduziram-nos.a.pé,.até.ao.pequeno.lar-go.em.frente.às.instalações.da.alfandega,.à.saída.de.Alcaniças.para.as.Três.Marras.

Quando.o.anafado.e.bem.nutrido.sargento.Or-doñes,.impante.de.vaidade.e.de.mal.disfarçado.ar.de.superioridade,.se.dirigiu.para.junto.deles,.

todos. pensaram.então. que. a. sua.França.iam.ser.as.terríveis. cadeias.de.Zamora.ou.Sa-lamanca,.longe.de.tudo. e. de. todos,.sem.ninguém.que.os.pudesse.ajudar.e.defender.

Deitada. fora,.depois. da. última.passa,. a. beata.que. estava. a. fu-mar. e. depois. de.

coçar.o.mal.tratado.bigode.onde,.mal.disfarçado,.se.escondia.o.pingo.deixado.pelo.último.espirro.provocado.pelo.frio.da.manhã,.saudou.os.prisio-neiros.com.um.sarcástico.bom.dia.para,.logo.de.seguida,.os.brindar..com.este.brilhante.discurso:

.-.Com.que.então,.meus.senhores,.ir.a.salto.para a França? Pelos vistos, acabou-se a palha em Portugal, não foi?

O.que.vocês.mereciam.era.ir.já.todos.apodre-cer.no.cárcere.e.só.sair.de.lá.quando.as.galinhas.tivessem dentes, mas isso, só pela comida, ficava muito.caro.para.a.Fazenda.de.Espanha.e.era.sorte.de.mais.para.vadios.como.vocês.

Depois. de. render. os. meus. homens,. sereis.acompanhados. até. às.Três. Marras,. onde. o. meu.amigo.Rodrigues.tratará.de.vos.fazer.a.folha.

Podem.sentar-se.um.pouco.no.chão,.que.ain-da.é.cedo.para.ir.incomodar.o.meu.amigo.

Cercados. de. carabineiros,. como. se. de. um.bando de malfeitores se tratasse, ficaram naque-le.tormento.humilhante.mais.de.uma.hora.

Na. gélida. manhã. daquele. dia. de. Consoada,.enquanto.esperavam.pelo. tal.Rodrigues,.muito,.amigo.do.sargento.espanhol,.sentiram-se.as.pes-soas mais miseráveis, insignificantes e humilha-das.de.todo.o.mundo.

Perdida.toda.a.noção.do.tempo.e.do.espaço.em.que.se.encontravam,.a.única.preocupação.era.chegar.a.casa.de.noite.para.assim.esconderem.a.

vergonha.imensa.que.lhes.torturava.o.coração.e.a.alma,.nem.se.lembrando.tão.pouco.que.aquele.era.já.o.dia.de.Consoada.

Mas.nem.nisso.a.sorte.os.acompanhou.Passadas mais de duas horas, chegaram fi-

nalmente. às. Três. Marras,. onde. os. aguardavam.já todos os guardas fiscais do posto de fronteira português.

Dirigindo-se-lhes. com. aquele. ar. militarão,.que.os.Cabos.RD.tão.bem.sabiam.interpretar,.o.Cabo.Rodrigues.informou-os.que,.por.ser.dia.de.Consoada.e.por.decisão.superior,.depois.de.iden-tificados, iriam passar o Natal a casa, transporta-dos.num.carro.do.Comando.de.Bragança,.que.de-via.estar.mesmo.a.chegar,.lembrando.que,.sortes.como.aquela.não.aconteciam.sempre.

Sorte!...Nunca.a.palavra.“sorte”. . teria. sido. tão.ma-

drasta..para.ninguém.Mortos.de.fome.e.de.cansaço,.nunca.se.senti-

ram.tão.mal.Afundados.no.vazio.da.sua.frustração.e.do.seu.

fracasso, se não fossem as mulher e os filhos que deixaram.em.casa,.a.haver.sorte,.para.evitar.tan-ta.vergonha,.a.única.sorte.que.então.mais.que-riam,.era.desaparecer.

Chegados.ao.povo,.fecharam-se.em.casa,.ou-vindo apenas os filhos a chamarem-lhe Pai.

- Em Carção, em Dezembro de1960, para muitos não houve missa do Galo nem noite de Natal!

- Em Carção, em Dezembro de 1960, para muitos, o sonho virara pesadelo!

-Em Carção, em Dezembro de 1960, para muitos, a vida ficou ainda mais negra que toda a negrura junta de todas as noites negras dos muitos Natais passados sem que naquelas almas amarguradas, reinasse o mais débil fio de espe-rança em melhores dias.

- Em Carção, em Dezembro de 1960, para muitos não se ouviram nos Céus os cânticos dos anjos anunciando o nascimento do Deus Menino.

- Em Carção, em Dezembro de 1960, para muitos, nem o sorriso do Menino Jesus trouxe a alegria e a esperança num futuro melhor.

- Em Carção, em Dezembro de 1960, no dia 25, nem todos puderam cantar o “Cristãos ale-gria, que nasceu Jesus”, porque, nem para to-dos, foi dia de Natal.

F.CostaAndrade

. (*) Extraído dum livro inédito ficcionado sobre a emigração nos.anos.60.

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Page 34: Revista Almocreve 2009

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deAntóniodosSantoseLurdesRamos

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As. denominadas. Casas. do. Povo,. foram.instituídas pelo Decreto-lei nº 23051 de 22 de. Setembro. de. 1933,. tendo. como.objecti-vo.principal,. promover.a.melhoria.das. con-dições. sociais. dos. mais. desfavorecidos,. e.ainda. promover. o. fortalecimento. de. laços.entre.proprietários.rurais.e.trabalhadores.no.sentido.da.preservação.moral.e.espiritual.das.parcelas.rurais..

Em 1940 foi publicado o Decreto-lei nº 30.710.de. 29.de.Agosto,. vindo.a. acentuar. a.vertente.de.instituição.de.previdência. social. de. ins-crição.obrigatória,.passan-do.assim.a.ter.por.objecti-vo.a.acção.médico-social,.assistência.materno-infan-til. e. proteção. na. invali-dez.

Em 1969 a Lei nº 2.144 de. 29. de. Maio,. desenha.um.novo.quadro.de. com-petências. das. Casas. do.Povo,. passando. assim. a.assegurar. a. previdência.social. e. a. representação.profissional dos trabalha-dores. agrícolas. e. demais.residentes.na.sua.área.de.jurisdição,. passando. as-sim. a. ter. personalidade.jurídica,. reforçando. ain-da.a.componente.de.dinamização.sócio-eco-nomica.e.cultural.

Com.o.25.de.Abril.de.1974,.mesmo.com.o.cariz.ideológico.que.as.Casas.do.Povo.tinham,.elas.mantiveram-se.e.reforçaram.ainda.mais.direitos.aos.seus.associados.e.á.sua.existên-cia.

A.partir.do.Decreto-lei.4/82.de.11.de.Ja-neiro,. novas. adaptações. foram. introduzidas.no.regime.jurídico.das.Casas.do.Povo,.passan-do.a.partir.dessa.década.a.serem.considera-das. pessoas. colectivas. de. utilidade. pública,.constituídas.por.tempo.indeterminado.e.com.o. objectivo. de. promover. o. desenvolvimento.e.bem-estar.das.comunidades,.sobretudo.nos.meios.rurais.

Após.esta.breve.introdução.sobre.as.Casas.do.Povo.a.nível.nacional,.procurarei.agora.fa-zer.uma.breve.resenha.histórica.sobre.a.cons-trução.da.actual.Casa.do.Povo.de.Carção.

Assim.direi.que.desde.os.anos.40.que.existiu.

Breve cronologia da construção da Casa do Povo de CarçãoCasa.do.Povo.em.Carção,.mais.concretamente.em. 1937. (conforme. é. referido. no. cartão. de.pessoa.colectiva),.terá.tido.a.sua.sede.inicial.na.casa.que.agora.é.minha.propriedade,.Rua.da.Praça.(antiga.casa.do.tio.Zé.Bravo),.depois.teve.sede.também.na.Rua.da.Praça,.na.antiga.casa.do.tio.Luís.Bravo,.hoje.propriedade.do.Sr..Nuno.Jerónimo.Moreira.

Por. volta. do. ano. 1962. iniciam-se. os. con-tactos.com.a.Brigada.de.Bragança.da.Comis-são. Coordenadora. dos. Serviços. Médicos. das.

Instituições.de.Previdência.para.procederem.ao.estudo.e.aquisição.de.um.terreno.para.a.construção.da.Nova.Sede.da.Casa.do.Povo.de.Carção.

Desses.contactos,.começou-se.por.sugerir.a.aquisição.de.uma.parcela.de.terreno.ao.Sr..António. Manuel. do. Vale. Fernandes,. (confor-me.assinalado.na.foto.–.Fig.1),.pelo.preço.de.12.000$00.

Aí.seria.construída.a.Casa.do.Povo,.pelo.va-lor.global.de.377..677$00,.para.a.construção.de.um.edifício.que.seria.muito.semelhante.ao.ante-projecto.da.Casa.do.Povo.de.Izeda.

Após alguns meses verificou-se que o 1.º terreno. proposto. se. tornou. impossível. a. sua.aquisição,.conforme.é.referido.em.ofício.de.7.de.Novembro.de.1963.

Perante. tal. situação. optou-se. pela. aqui-sição. de. um. terreno. com. cerca. de. 3100m2.à. Sr.ª.Ana. das. Dores. Domingues,. pelo. preço.10.000$00.

Page 36: Revista Almocreve 2009

Após.a.escritura.de.tal.terreno.datada.de.21.de.Dezembro.de.1963,.procedeu-se.à.pu-blicação.da.abertura.do.Concurso.para.cons-trução.da.dita.Casa.do.Povo.pelo.preço.Base.de.licitação.377.677$00,avisos.publicados.no.Jornal.O Século,.o.Primeiro de Janeiro.data-dos.de.28/05/64.e.no.Mensageiro de Bragança com.data.de.29/05/64.

Em.12/08/1964,.foi.a.obra.adjudicado.ao.Sr.. Francisco. Júlio. Ferreira,. pelo. preço. de.377.650$00,.que.como.relata.a.informação.da.Brigada.de.Bragança.de.8/8/64,.que.depois.da.

hora.de.abertura.do.concurso.nin-guém.tinha.apa-recido,.referiu.a.mesma.que.o.Sr..Empreiteiro. Jú-lio. Ferreira,. re-sidente. em. Pa-rada.–.Bragança,.chegou.atrasado.por.avaria.na.bi-

cicleta.motorizada,.a.Comissão.aceitou.a.pro-posta.para.evitar.mais.demoras.na.construção.da.Casa.do.Povo.de.Carção.

As. obras.de. construção.do.edifício. foram.entregues.provisoriamente.em.25/05/65.

Em.14.de.Junho.de.1965.foi.inaugurada.por.Sua.Excelência.o.Ministro.das.Corporações.e.Previdência. Social,. Prof.. Doutor. Gonçalves.Proença...

No.decurso.desta.obra.algumas.peripécias.foram.surgindo,.que.numa.outra.oportunida-

de procurarei relatar, ficando apenas uma em que. a. Sr.ª. Professora.Ana. Joaquina. Oliveira,.apresentou.queixa.em.4/02/66,.pelos.prejuí-zos.causados.num.seu.terreno.contíguo.á.Casa.do.Povo.

À.época.da.construção.da.nova.sede.(actu-al).da.Casa.do.Povo,.faziam.parte.da.direcção.da.mesma.os.seguintes.conterrâneos:.

Presidente.–.Manuel.Augusto.Lopes.Jandiz.Secretario.–.Diamantino.Prada.Tesoureiro.–.António.Salazar.

De. 1966. a. 1971,. foi. presidente. da. Casa.do.Povo.de.Carção.o.Sr..Professor.Albino.José.Rodrigues.

Nos.anos.setenta.foi.presidente.da.Casa.do.Povo.o.Sr..António.Andrade

Nos.anos.Oitenta.esteve.a.frente.da.direc-ção.da.Casa.do.Povo.–.Luís.dos.Santos.Miran-da.Garrido.

Desde.2004,.aquando.da.nova.reestrutura-ção.e.regularização.jurídica.da.Casa.do.Povo,.dirige os destinos desta Associação – Serafim Dos.Santos.F..João.

Ao.longo.dos.últimos.três.anos,.a.Casa.do.Povo.de.Carção. tem.vindo.a. sofrer.obras.de.requalificação no edifício e arranjos urbanís-ticos.do.exterior,.para.contribuir.para.a.utili-zação.condigna.dos.utentes.e.das.instituições.que.nela.se.instalaram.e.utilizam.

Serafim João

.

João AméricoGonçalves Andrade

Informação Foi atribuída ao Notário, Dr. João Américo Gonçalves Andrade, licença para instalação de Cartório Notarial, exercendo a actividade na Avenida Sá carneiro, 11 (antiga sede da Caixa de Crédito Agrícola), em Bragança, ficando a seu cargo o acervo do extinto cartório Notarial.

CARTÓRIO NOTARIAL DE BRAGANÇAAv. Dr. Francisco Sá Carneiro, N.º 11 • 5300-252 BRAGANÇA

Tel. 273 302 880/5 – Fax 273 302 889Email: [email protected]

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Page 37: Revista Almocreve 2009

Algumas. casas. de. Macedo. de. Cavaleiros.têm.azulejos.nas.suas.fachadas..Não.são.gran-des. painéis.. São. pequenos. conjuntos. de. seis.ou. nove. azulejos,. raramente. mais,. quase.todos eles de invocação religiosa. Há fi-gurações.do.Santo.Ambrósio,.da.Nossa.Se-nhora.da.Conceição,.de.S..José,.de.Nossa.Senhora.do.Aviso.de.Serapicos,.da.Sagrada.Família,.além.de.outros..Mas.os.que.mais.se.repetem.são.os.de.S..Bartolomeu.e.de.Nossa.Senhora.das.Graças,.respectivamen-te.os.oragos.de.Argoselo.e.de.Carção..São,.também, os mais significativos. Primeiros apontamentos.de.um.tema.que.promete,.estas. linhas.breves.não.são.mais.do.que.uma.proposta.de.pistas.para.o.estudo.de.uma.realidade.mais.ou.menos.escondida.mas.com.a.qual.Macedo.de.Cavaleiros.conviveu.e convive e cuja face visível tem estado, afi-nal,.sempre.à.vista:.emblemas,.pequenos.pai-néis.de.azulejos....

UmpassadorecenteEstão.por.fazer.os.estudos.sobre.a.génese,.

estrutura.e.evolução.social.da.população.da.re-gião.em.que.se.recorta.o.concelho.de.Macedo.de.Cavaleiros..Apesar.de.implícita.naquela.que.foi,.durante.muitos.anos,.a.obra.de.referência.sobre.esta.unidade.administrativa,.O Concelho de Macedo de Cavaleiros1, ou de magnifica-mente.bem.aguarelada.na.extraordinária.con-ferência.O Romance Social Secular de Macedo de Cavaleiros2,.o.que.é.certo.é.que.se.carece.de.estudos.mais.profundos.e.parcelares..Impossí-vel,.por.isso,.dar.uma.visão.de.síntese.que.seja.completa.e.abrangente,.se.bem.que,.quanto.à.sua evolução demográfica, tenha vindo a lume

AZULEJOS NA FACHADA– devoção, saudosismo ou afirmação de outra realidade?

no trabalho científico Macedo de Cavaleiros, Cultura, Património e Turismo3.alguma.infor-mação. relevante. nesta. matéria. e. ali. escrita.

como.uma.chamada.de.

atenção. séria,.contribuindo.de.forma.decisiva.para.desfazer.alguns.mitos.correntes,.como.o.de.Macedo.ser.apenas.um.lugarejo.pequeno,.pobre.e.obscuro.até.meados.do.século.XIX..Ora,.é.precisamente.esta.última.obra.que,.sem.dúvidas.nem.equí-vocos,.vem.demonstrar.que.nesses.meados.do.século.XIX,.período.em.que.o.Reino.é.dividi-do.administrativamente.mais.ou.menos.como.hoje.se.encontra,.Macedo.já.era.uma.povoação.maior.do.que.Cortiços.e.Chacim,.concelhos.à.custa.dos.quais.se.faria,.na.sua.maior.parte,.o.actual.município.de.Macedo.de.Cavaleiros...

Centrado.no.Nordeste.de.Portugal.numa.en-cruzilhada.de.vias,.precisamente.num.dos.pontos.de.intersecção.do.trajecto.Moncorvo-Bragança.e.Planalto.de.Miranda-Mirandela,.o.então.novo.concelho.e.nova.vila.rapidamente.tirou.partido.e.consequências.da.coincidência.criada..Econo-micamente.tornou-se.um.centro.de.convergên-

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cia.de.gente.e.de.distribuição.de.produtos...Pelo fim do século XIX o seu crescimento

dava-se.tanto.em.população.como.em.parque.habitacional..Ora,.tal.população.era.sobretudo.gente.imigrada,.vinda.dos.arredores.e.de.con-celhos.vizinhos,.atraída.para.a.oportunidade.de.mercado.oferecida.por.um.número.crescente.de.funcionários.e.serviços.que.se.iam.implan-tando.e.estabelecendo..E.com.uma.novidade,.em.Trás-os-Montes:.gente.nova,.de.algum.modo.desenraizada.e.para.aqui.convergindo.para.fa-zer.obra.e.ganhar.a.vida,.é.sempre.gente.que.tem.uma.mentalidade.mais.aberta,.um.espírito.mais. empreendedor,. menos. preconceituoso. e.mais.tolerante.

Por.essa.altura.a.vida.não.era.fácil.para.os.lados.de.Carção.e. Argoselo.. Famílias. nume-rosas.acotovelavam-se.numa.terra.que.agricolamente.não.dava para todos e cujo tráfi-co.de.fronteira,.capaz.de.fa-ses.de.grande.lucro,.por.esses.anos. não. estava. famoso.. Sé-culos. de. comércio. recoveiro.eram.a.tradição.corrente.e.à.voz.de.“lá.vem.o.almocreve”.ou.“ali.vai.um.tendeiro”,.en-tendia-se.“ali.vir.um.Carção”4,.colado.que.estava.este.termo.como. sinónimo. dessas. activi-dades.. E. doutras,. todas. rela-cionadas.com.o.negócio.e.com.a.circulação.do.dinheiro.

Mirandela,.por.outro.lado,.inaugurava.o.ca-minho-de-ferro5,.entrava.numa.época.promis-sora.de.um.progresso.mais. rápido..Daí.que.a.gente. de. Carção. tenha. tentado. um. contacto.na.cidade.do.Tua.para.o.seu.estabelecimento,.apalpado. o. terreno. para. um. movimento. mi-gratório.. Saíram. gorados. estes. esforços,. en-sarilhando-se. tais. negócios,. tal. como. saíram.baldados.os.seguintes,.já.no.século.XX,.tendo.sido.manifesta.a.hostilidade.com.que.a.classe.comercial. de. Mirandela. encarou. o. assunto. e.eficaz a forma como a sua classe política o sou-be.então.resolver.a.favor.dos.da.terra6..A.con-sequência.foi.terem-se.voltado.para.Macedo.as.atenções. das. gentes. de. Carção,. onde. alguns.já.tinham.assentado.arraiais,.urgindo.resolver.o.estrangulamento.em.que.se.sentiam..Ficou.sempre. um. ressentimento. desta. fase,. desta.rejeição.dos.da.Princesa.do.Tua,.tendo.ouvido.várias.vezes,.mesmo.dezenas.de.anos.passados.

sobre.o.assunto,.a.alguns.comerciantes.“Car-ções”.de.Macedo,.os.maiores.impropérios.em.relação.aos.de.Mirandela..Ao.ponto.de.os.es-crúpulos. nesta.desforra.histórica. chegarem.a.proclamações.de.que.nem.um.centavo.ali. se.devesse.gastar:.“ao vir do Porto, se começar na reserva já para cá de Murça, prefiro ficar na estrada e vir a pé do Vimieiro do que me-ter gasolina em Mirandela!”..Esta.frase.ouvi-a.vezes.sem.conta.sem.lhe.saber.a.causa..Viria.a.descobri-lo.uns. anos.depois,. conversa.mais.franca.em.que.o.desabafo.me.foi.explicado.

As. feiras.de.Macedo.constituíam.um.forte.atractivo.e.a.Praça.das.Eiras,.durante.mais.de.um.século.o.local.de.realização.de.mercados,.

foi. pólo. de. convergência. e. resi-dência.desta.nova.população.imi-grada7....

Entretanto,. uma. nova. via. se.abria. na. vila,. em.direcção. à. Es-tação. de. Caminho. de. Ferro,. lo-comotivas. aqui. apitando. desde.1905.. Ficavam. à. disposição. por.preço.barato,.para.construir.ca-sas.e.armazéns,. vastos. lotes.de.terreno.para.um.local.excêntrico.da.terra...

O. novo. meio. de. transporte.veio. encurtar. em. horas. as. via-gens.possíveis.de.e.para.o.lito-ral..Por.outro. lado,.para.quem.

tinha.negócios.itinerantes.para.o.Planalto.de.Vimioso,.Miranda.e.Mogadouro,. esta. nova.estação.era. o. cais. ideal. para. as.mercadorias.que. a. partir. daqui. se. podiam. despachar. em.carros-matos.ou.no.dorso.de.mulas,.viajando.as.pessoas.em.diligências...

Empurrada.pelas.vicissitudes.da.república,.da.grande.guerra.e.da.pneumónica,.uma.nova.vaga.veio.para.Macedo.nos.anos.vinte,.atraída.pelo. surto. de. progresso. que. a. vila. de. então.experimentava,.seduzida.por.haver.comboio,.transportes.motorizados8.e.oportunidades.de.negócio.. Nesta. fase. para. cá. vieram. viver. os.Ferreira,. os. Liberal,. os. Lopes,. os. Roma,. os.Gonçalves.e.mais.uns.quantos,. a. juntar-se.a.pioneiros.já.estabelecidos..Deixamos.para.ou-tro. momento. alguns. episódios. e. fases. desta.migração.

DeazulejosnafachadaFoi.a.partir.desta.época.que.começaram.a.

ser.construídas.as.casas.com.os.azulejos.em.que.figurava a Senhora das Graças e o S.Bartolomeu.

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Um.ou.outro.fê-lo.cerca.da.Praça.das.Eiras.ou.no.Prado.de.Cavaleiros.mas. foi. sobretudo.ao.longo.da.Rua.e.Avenida.da.Estação.(hoje.Ave-nida.D.Nuno.Álvares.Pereira,.e.nesse.tempo.a.

Rua. da. Estação.começava. logo.onde.hoje.se.ini-cia.a.Rua.Dr..Luís.Olaio),.ou.para.lá.desta,. na. saída.para. Mogadouro.–.o.mesmo.é.di-zer,.na.saída.para.Vimioso.....

Armazéns. e.estabelecimen-to s . de . todo . o.tipo,. miudezas,.fazendas,.merce-

arias,.louças,.azeites,.ferragens,.calçados,.rou-pas,.produtos.alimentares,.peixe.fresco.chega-do.por.via.férrea.com.gelo.do.Porto.ou.salgado.em. barrica,. negócios. feitos. ao. balcão. ou. de.mais.grosso.trato,.ainda.outros.mais.discretos,.com.dinheiro.por. juros,.mercadorias. não.de-claradas,.produtos.de.contrafacção,.de.tudo.se.podia.comprar.e.vender.naquelas.centenas.de.metros..Esta.área.da.vila.mereceu.o.epíteto.de.Carçolândia,.hoje.ainda.não.esquecido.e.que,.mesmo.nos.dias.que.correm,.se.ouve.com.mais.ou.menos.humor.ou.mais.ou.menos.chiste.por.quem.o.profere….

A. distribuição. dos. azulejos. pelas. ruas. da.actual. cidade. não.nos.parece.aleatória.nem. casual,. obede-cendo. à. que. foi. a.distribuição. das. fa-mílias. que. se. foram.implantando.

Ainda. hoje. se.vêem. aplicar. azule-jos.novos,.em.casas.que.já.vão.na.tercei-ra. geração. de. imi-

grados.de.Argoselo.e.de.Carção..Se.para.alguns.a devoção é logo o primeiro impulso a justificar a.despesa,.uma.devoção.à.qual. se.mistura.a.gratidão.pelos.bons.negócios.e.uma.invocação.à. protecção. celeste,. para. outros. é. o. saudo-sismo.de.um.passado.que.nem.está.enterrado.nem.lhes.é.desconhecido,.perpetuado.que.está.por.numerosas.mas.inconfessáveis.histórias.fa-miliares..

…Mas.não.é. inteiramente.descabido.ques-tionarmo-nos,.ao.vermos.os.azulejos,.se.estes.não.serão.também.mais.do.que.isso,.também.uma.simbologia.para.uma.realidade.existente.de significados menos evidentes. Nem por isso menos fortes. Uma afirmação de um elemento reconhecível.numa.comunidade.que,.ao.longo.da. história,. sobretudo. ao. querer. ultrapassar.momentos.ou.períodos.de.hostilidade.circun-dante,.foi.graças.à.utilização.de.uma.estraté-gia.de.sobrevivência.que.chegou.até.hoje..

Azulejos. na. fachada. podem. muito. bem.ter.sido.e.serem.ainda.um.sinal.fazendo.par-te.dessa.estratégia.que.está.muito.para.lá.de.ser.apenas.uma.devoção.sentida.ou.um.mero.saudosismo..Cremos.bem,.e. continuaremos.a.estudá-lo,. que. serão.mais. ainda.do.que.uma.afirmação de uma outra realidade. Que o terão sido.até.agora.

ManuelCardosoLicenciado.em.Medicina.Veterinária.(UTL-Lisboa),.

Pós-graduado.em.Ciências.Agrárias.(UTAD-Vila.Real).Pós-graduado.em.Gestão.e.Conservação.da.Natureza

(UA-Açores).Docente.do.IPB-Bragança

Vereador.da.C..M..de.Macedo.de.Cavaleiros

.––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––..Obras publicadas:O.Segredo.da.Fonte.Queimada,.romance,.Sopa.de.Letras,.2009.Um.Tiro.na.Bruma,.romance,.Sopa.de.Letras,.2007.(2.edições).

Macedo de Cavaleiros Rua a Rua, monográfico, CMMC, 2005.Quartzo.–.Vidas.de.um.Veterinário,.contos,.Quarteto,.2000.

Glossário.de.Equídeos,.didáctico,.Quarteto,.1999...........

________________________

1..Armando.Pires,.O.Concelho de Macedo de Cavaleiros,.Ed..Junta.Distrital,.19632..Águedo.de.Oliveira, Romance Social Secular de Macedo dos Cavaleiros,.Conferência.proferida.no.âmbito.das.comemorações.do.Centenário.de.Macedo.de.Cavaleiros,.documento.dactilogra-fado,.inédito,.1963.3..Carlos.Alberto.Santos.Mendes,.Macedo de Cavaleiros, Cultura, Património e Turismo (Contributos para um programa integrado),.ed..Câmara.Municipal,.20054..Em.Macedo.eram.denominados.de.“Carções”.todos.os.imigrados.de.Argoselo,.Vimioso.e.Carção.e.mesmo.os.que,.sendo.de.outras.terras.distintas,.com.aqueles.tinham.algum.parentesco.5..1887.6. .Veja-se.a.nota.13.de.Macedo de Cavaleiros Rua a Rua,.pág..136..Obra.do. autor,. publicada.em.2005.pela.Câmara.Municipal.de.Macedo.de.Cavaleiros..Estes.episódios,.que.terão.ocorrido.por.duas.vezes,.uma.ainda.no.século.XIX.e.outra.já.no.século.XX.prova-velmente.depois.da.I.Grande.Guerra,.foram-me.também.corrobo-rados.pelo.testemunho.do.Dr..António.de.Sousa.Falcão.a.quem.os.teria.contado.seu.pai,.o.Dr..Frederico.Falcão.Machado,.Presidente.da.Câmara.Municipal.de.Macedo.de.Cavaleiros,.contemporâneo.e.interveniente.num.deles..7..Na.mesma.nota.13.de.Macedo.de.Cavaleiros.Rua.a.Rua,.pág..136.se.refere.um.assento.de.6.de.Setembro.de.1884.segundo.o.qual.no.“Largo.da.Feira”.morreu.Branca.do.Nascimento,.natural.e.bapti-zada no Porto, em Santo Ildefonso, filha de D.Angelina Raimundo Ferreira.e.de.Francisco.Alberto.Rodrigues,.ourives,.de.Carção.8 Os do Meneses Cordeiro, cuja estação rodoviária ficava junto da dos.Caminhos.de.Ferro.

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Aceitei.o.convite.que.me.foi.generosamen-te.endereçado.pelo.PAULO.LOPES.para.ocupar.esta. página,. com. um. sentimento. de. honra,.privilégio.e.gratidão..E.como.uma.primeira.e.bem.modesta.prestação.para.saldar.a.minha.parte.da.dívida.que.todos.os.carçonenses.têm.para. com. esta. jovem. equipa. que,. ano. após.ano,. vem. fazendo. O Almocreve,. que. tanto.tem.feito.para.a.re-descoberta,.a.recuperação.e.a.perpetuação.da.nossa.memória.colectiva..Pondo.sobretudo.a. tónica.no.que.é.uma.das.marcas. genéticas.de.Carção:.uma. sociedade.assente.numa.linha.de.clivagem.e.separação.entre.dois.troncos.genéticos.distintos,.clara-mente. referenciados. e. explicitamente. assu-midos.na.vivência.e.consciência.de.cada.um..

De. um. lado,. os. judeus/cristãos-novos/marranos: artesãos e comerciantes de profis-são,. com.a.vocação.da.partida.e.a. fome.de.ver.e.viver.mundo,.tendencialmente.sempre.a.caminho,.bebendo.e. interiorizando.uma.cul-tura.de.abertura.e.de.troca.de.coisas.mate-riais.e.culturais..Do.outro.lado.os.“cabrões”,.expressão.que.deve.ler-se.depurada.de.toda.carga.negativa.com.que,.em.geral,.a.palavra.circula.na.língua.portuguesa..E.que.aqui.vale.apenas.como.a.palavra.com.que.se.exprime.e.significa o outro lado do corpo e da alma de Carção:.a.comunidade.ligada.à.terra.e.à.sua.cultura. física.e.espiritual..Eram.(são).pesso-as.que.organizaram.sempre.os.trabalhos.e.os.dias.em.função.dos.apelos.da.terra,.ao.ritmo.do.eterno.retorno.das.quatro.estações..E,.por.isso, com a vocação para estar, ficar e ver o mundo.e.a.vida.à.dimensão.dos.horizontes.de.Carção..E.mais. virados.para.os. saberes.e.os.valores.estabilizados.e.mediatizados.pela.tra-dição.de.séculos..Não.devendo,.por.exemplo,.levar-se.à.conta.de.exagero.asseverar-se.que,.até.aos.meados.do.século.XX,.trabalhavam.a.terra.segundo.procedimentos.técnicos.e.rela-ções.económicas.em.muito.idênticos.àquelas.sobre.os.quais. se.organizava.a.vida. rural.na.remota.Idade.Média..

Esta.é.a.experiência.e.a.memória.de.Car-ção..Uma.experiência.secular.que.é.um.mi-lagre.quotidianamente. renovado:. com.hori-zontes,. gostos,. culturas. e. interesses. diver-gentes.e.contraditórios,.a.verdade.é.que.os.dois. lados. souberam. sempre. lançar. pontes.de.comunicação,.interdependência.e.solida-riedade,. sobre. o. rio. das. divergências. e. an-tagonismos..E.têm.permanentemente.vivido.

Carção — Identidade e memória numa. estranha. relação. dialéctica. de. inimi-zade/amizade:. apesar. de. tudo,. incindivel-mente. ligados. e. inseparáveis. como. irmãos.siameses..Até. porque. uns. não. poderiam. vi-ver.nem.sobreviver.sem.os.outros..Porque.a.vida.de.todos.os.dias.assentava.numa.divisão.do. trabalho,. não. formal. nem. formalizada,.mas. nem. por. isso. menos. consistente. e. es-tabilizada..Por. falta.de.aptidão.e.de.gosto,.os. judeus.não.trabalhavam.a.terra..Quando.não.andavam.a.respirar.o.pó.dos.caminhos,.negociando,.comprando,.vendendo.e.trocan-do,.dispersavam-se.em.pequenos.ou.grandes.grupos.pela.rua.principal.da.aldeia,.que.co-meçava. e. acabava. em. dois. grandes. largos..Para.onde.convergiam,.espreitando.a.“raça”.de.sol.no.inverno.ou.a.sombra.no.verão..Para.aí.discutir.tudo:.desde.os.pequenos.aos.gran-des. negócios;. desde. os. pequenos. aos. gran-des.eventos;.da.pequena.à.grande.política..E.escrutinando. acontecimentos,. efemérides. e.a.vida.de.todos.os.dias,.pondo.de.pé.uma.es-pécie.de.jornal.falado,.actualizado.dia.a.dia,.hora.a.hora..Para.espanto.e.gáudio.do.turis-ta.ou.do.viajante,.que.não.entendiam.como.Carção.podia.governar-se.com.tanta.gente.“à.boa.vida”..Embora.não.trabalhassem.a.terra,.muitos.judeus.eram,.em.maior.ou.menor.me-dida,.proprietários.de.terras..O.que.os.obri-gava.a.buscar.entre.os.“cabrões”.a.mão.de.obra. indispensável. para. as. sementeiras,. as.mondas,.as.ceifas,.as.colheitas,.as.vindimas.e,.pelo.meio,.toda.uma.série.ininterrupta.de.tarefas.que.tornavam.possíveis.os.momentos.mais marcantes e gratificantes das sementei-ras.e.das.colheitas..Toda.uma.teia.de.víncu-los.que.tendiam.a.prolongar-se.no.tempo,.a.perpetuar-se.para.além.da.sucessão.de.gera-ções:.cada.judeu.tendia.a.contratar.sistema-ticamente. os. mesmos. “obreiros”.. Também.do. outro. lado. se. estendiam. os. laços:. cada.“cabrão”. tinha. o. seu. “soteiro”. (logista),. o.seu.sapateiro,.o.seu.alfaiate,.o.seu.latoeiro,.pagando.normalmente.a.“fazenda”.com.dias.de.trabalho.

Esta. infra-estrutura. económica. tinha. re-flexos óbvios e compreensíveis ao nível do social,.do.cultural.e.do.afectivo..Desde.logo,.ela propendia a esbater as linhas de conflitu-alidade,.deixando.mais.expostos.e.reforçados.os.marcadores.da.solidariedade..Não.havia,.é.certo,.casamentos.entre.os.dois.lados,.mas.os.judeus.eram.invariavelmente.convidados.para.

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padrinhos. dos. casamentos. e. dos. baptizados.dos. “cabrões”.. Esta. solidariedade. resultava.particularmente. exposta. nas. lides. judiciais:.quando.chamado.a.tribunal,.um.judeu.fazia-se. acompanhar. dos. “seus”. cabrões,. sendo.também.a.inversa.verdadeira..Relativamente.indiferentes.à.“verdade”.e.à.“justiça”.ideali-zadas.e.abstractas,.eles.compareciam.em.blo-co.em.Tribunal.e.em.bloco.actuavam..Nas.suas.representações,.a.“razão”.só.podia.estar.do.lado.dos.“nossos”..E.os.“nossos”.eram.aque-les.que. integravam.a.pequena.e. estabilizada. comunidade. de.judeus.e.“cabrões”..Na.certeza.de. que. os. impulsos. de. solida-riedade.e.cumplicidade.funcio-navam. nos. dois. sentidos,. isto.é,.numa.lógica.e.numa.dinâmi-ca.de.solidariedade.

Mas. era. sobretudo. fora. de.Carção. que. a. solidariedade.entre. judeus. e. “cabrões”. se.decantava.e.sublimava..Mal.se.ultrapassava.a.linha.de.frontei-ra.do.“termo”.de.Carção.e.se.lançava. o. último. olhar. sobre.as.casas.que.mais.resistiam.na.linha.do.horizonte,.e.já.a.cliva-gem.entre.judeus.e.não.judeus.se. silenciava. e.desaparecia.. E.com. ela. desapareciam. os. las-tros de animosidade e conflito. A. partir. daí. registava-se. inva-riavelmente.uma.estranha.fusão.de.perspec-tivas,. de. crenças. e. de. valores..A. partir. daí.sobrava.apenas.a.memória.comum.e.o.senti-mento.de.pertença.à.mesma.história..Numa.palavra,. dissolvia-se. a. consciência. genética.e ficava apenas a identidade de carçonense. E. seguiam. em. frente,. vergados. pela. mesma.saudade.e.rezando.aos.mesmos.santos,.como.os.olhos.e.o.coração.virados. sobretudo.para.o.altar.da.Senhora.das.Graças..E.punham.em.comum.o.pão.—.o.salpicão,.o.folar.—.e.o.vinho.que.levavam.

Era.assim.se.o.encontro.tinha.lugar.ali.bem.perto,.em.Vimioso,.em.Bragança.ou.Macedo..No.Porto.ou.em.Lisboa..E.era-o.também.e.so-bretudo.se.ele.ocorria.lá.bem.longe,.na.Fran-ça.ou.na.Alemanha,.no.Brasil.ou.em.Angola,.terras.de.emigração..Em.tempos.de.paz.ou.de.guerra..Onde.quer.que.chegasse,.só.e.desen-raizado,.um.carçonense.sabia.que.encontrava.

abrigo.e.mesa.em.casa.de.outro.que.chegara.antes.e.se.encontrava.já.instalado,.não.raro.a.ocupar.patamares.elevados.na.escala.social.ou.económica..Fosse.como.fosse,.rico,.reme-diado.ou,.até.pobre,.ele.aproveitava.sempre.o.encontro.como.momento.sempre.esperado.e. sempre. benvindo. de. partilha.. Do. pão,. da.memória,.do.sonho.e.das.notícias.frescas.que.o.recém-chegado.trazia.e.que.o.outro.bebia.com.a.sofreguidão.com.que.a.terra.recebe.as.chuvas.em.pleno.Agosto..Na. certeza.de.que.

naquele.abraço.de.chegada.não.havia.verda-deiramente.judeu.nem.“cabrão”..Havia.ape-nas.Carção..Uma.mesma.e.só.raiz.de.identi-dade.e.memória.e.uma.mesma.razão.de.ir.à.luta. e. procurar. a. vida. nas. sete. partidas. do.mundo..

Em definitivo, por sobre a linha irrecusá-vel e definida de separação das águas entre judeus.e.“cabrões”,.Carção.impôs-se.e.sobre-pôs-se.sempre.como.referente.de.identidade.dum. povo. verdadeiramente. único.. Noutros.termos,.Carção.era.não.só.o.denominador.co-mum,.mas.também.e.sobretudo.e.denomina-dor.dominante..O.momento.de.união.e.iden-tidade,. que. claramente. se. sobrepunha. aos.momentos.de.distinção.e.diferenciação.asso-ciados.à.partença.a.um.ou.outro.dos.troncos.genéticos.

ManueldaCostaAndrade

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Este.vilarejo.situado.ao.norte.de.Portugal,.na.região.de.Trás-os-Montes,.próximo.a.Bragan-ça.e.a.poucos.quilômetros.da.fronteira.com.a.Espanha,.é.tido.por.alguns.pesquisadores.como.a. “Capital. do. Marranismo”,. região. acima. do.Alto.Douro..Seus.habitantes,.cerca.de.600,.em.sua.maioria. idosos,. são. verdadeiros. almocre-ves.descendentes.de.cristãos-novos..Eles.car-regam.na.memória.o.orgulho.e.o.peso.de.serem.descendentes.de.judeus.que,.perseguidos.pela.Inquisição. portuguesa. entre. os. séculos. XVI. e.XVII,.foram.obrigados.a.renunciar.a.fé.judaica.e.se.converter.ao.cristianismo..Muitos.dos.seus.antepassados.foram.processados,.acusados.de.conduta.judaizante.pelo.Santo.Ofício,.condenados. à. morte. no.pelourinho. e. queimados.por. não. abrirem. mão. de.sua.crença..Outros.se.con-verteram. ao. cristianismo.para.sobreviver..

Nas. férias. de. verão,.Carção muda de fisionomia com. o. aumento. da. popu-lação,. ao. receber. seus. jo-vens,.como.é.o.caso.de.Pau-lo.Lopes..Este.descendente.de.marranos,.que.conhece-mos.de.forma.inusitada,.re-cebeu-nos. de. braços. aber-tos,.acolhendo-nos.como.se.fossemos.alguém.da. família.há. muito. tempo. esperado..Professor. secundário,. ele.trabalha. nos. Açores. e,. nas.férias,.como.muitos.de.seus.companheiros. de.juventude,.retorna.de.regiões.distantes.ou.de.outros.países.para.visitar.a.família..Nos.inter-valos,.dias.de.folga.ou.madrugada.a.fora,.de-dica-se.ao.preparo.de.seu.doutorado.em.Histó-ria.da.Arte,.pesquisando.“A.talha.dourada.na.diocese.de.Bragança-Miranda.entre.metade.do.século XVII e finais do século XIX”, trabalho re-alizado,.com.frequência,.por.artistas.judeus.ou.seus.descendentes.marranos..E.ainda.encontra.tempo.para.ser.o.editor.da.revista.local,.pro-duzida.pela.Associação.Cultural.dos.Almocreves.de.Carção,.“freguesia”.pertencente.ao.“conce-lho”.de.Vimioso..

O.corpo.editorial.da.revista.Almocreve.pro-cura.preservar.e. resgatar.o.passado.histórico.de.sua.gente..Almocreves.são.os.trabalhadores.

que,.no.passado,.utilizavam.mulas.de.carga.co-mumente.conduzidas.pelos. judeus.da. região,.que. andavam.de. terra. em. terra. para. vender.mercearias.ou.comprar.peles.de.animais.para.serem.tratadas.e.abastecer.as.fábricas.de.tra-tamento.de.peles.(os.pelames).e.de.cola.(com.o. aproveitamento. dos. resíduos. das. peles). de.forma.a.prover.a.região.ou.as.fábricas.do.Por-to,.Covilhã.ou.Guimarães..

O.curioso.é.como.fui.parar.em.Carção,.nes-ta.terra.longínqua,.que.eu.jamais.ouvira.falar.e.na.qual.me.senti.em.casa,.entre.familiares.e.amigos,.com.quem.pude.compartilhar.histó-rias e afinidades de costumes e de tradição que

me.tocaram.profundamente.a. alma.. Emergiu. em. nosso.encontro.um.sentimento.de.irmandade,. de. sincronismo.de.idéias.e.de.ideais,.muito.difícil.de.descrever,.mas.fá-cil.de.sentir..Algo.que.deve.se.assemelhar.ao.que.Freud.chamou. de. “arquitetura.anímica”,. isto. é,. conjun-to. de. elementos. psíquicos.que.“permite.que.os. indi-víduos.de.um.determinado.grupamento,.coletividade,.irmandade. ou. classe. en-contrem.similaridades,.fa-miliaridades.e.se.reconhe-çam.como.pertencentes.a.tal.grupo.ou.comunidade,.a.despeito.de.histórias.de.vida. totalmente. díspa-

res”..Isto.foi.dito.por.ele.na.carta.de.agrade-cimento à B’nei Brit, em 1926, por ocasião do prêmio.que.lhe.foi.conferido..

Mas,.o.que.me.levou.a.Carção.e.o.que.me.mobilizou a momentos de profunda emoção? Foi.o.destino,.ou.comunicações.de.inconscien-te.para.inconsciente,.como.dizem.os.psicana-listas?

A. verdade. é. que. a. vida. é. muito. curiosa,.principalmente. quando. se. é. intrometido.. As.coisas. acontecem. e,. depois,. as. atribuímos. a.forças.ocultas.que.não.sabemos.dizer.de.onde.vem,.nem.para.onde.vão..Mas,.desta.vez,.elas.me.levaram.a.Carção.

Tudo,. aparentemente,. começou. na. missa.de.sétimo.dia.de.um.amigo.cristão..Dirigi-me.à. igreja. onde. ocorreria. o. ato. religioso. e,. lá.

Carção, a preservação de uma arquitectura anímica

Restaurante Mesón LA PARRILLA

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chegando,.encontrei-me.com.um.Sr..Adriano,.do.qual.jamais.ouvira.falar.ou.tinha.visto.em.minha.vida.e.que.lá.estava.para.prestar.as.úl-timas.homenagens.ao.falecido..A.igreja.ainda.estava.vazia,.e.ele,.vestido.de.forma.elegante,.procurava.o.interruptor.de.luz.para.clarear.o.recinto..

Um. tanto. constrangido,. perguntei-lhe. de.quem.era.a.missa,.pois.havia.o.risco.de.chorar.por.equívoco.a.morte.de.um.estranho,.mas.que.na. certa. também.mereceria. compaixão..Con-versa.vai.conversa.vem,.ele.me.conta.que.é.es-critor,.membro.da.Casa.do.Poeta.de.São.Paulo..Conta-me.seus.últimos.ensaios..Eu,.para.não.me.sentir.passado.para.trás,.conto-lhe.que.também.havia.publicado.livros,.e.que,.no.momento,.es-tava.interessado.em.estudar.Maimônides.

Digo-lhe. que. havia. escrito. um. livro,. Um Monge no Divã,.que.abordava.a.adolescência.de.um. religioso.beneditino.do. século.XI-XII. e.que,. agora,. estava. desejoso. por. conhecer. o.pensamento de um judeu dessa época. A figura judaica.mais.representativa.da.Europa.do.me-dievo central era esse filósofo nascido em Cór-doba..Relatei-lhe.um.pouco.da.obra.e.da.histó-ria.de.RAMBAM,.cuja.diáspora.foi.semelhante.à.de.milhares.de.judeus.e.cristãos.da.Andaluzia.perseguidos.pelos.turcos.Almohades.que.inva-diram.a.região,.obrigando-os.a.se.converterem.ao. islamismo.. Restavam. poucas. opções. para.não.morrer:.fugir.ou.converter-se..Alguns.pre-feriram.preservar.o.judaísmo.às.escondidas..A.família.de.Maimon.caminhou.pelo.sul.da.Espa-nha.muçulmana.até.chegar.a.Fez,.no.Marrocos..Muitos. judeus. se. dispersaram,. fugindo. para.Castela.e.para.outras.regiões.da.Europa.e.da.África,.entre.elas,.Palestina.e.Portugal.

No.meio.dessa.conversa,.Adriano.se.diz.des-cendente.de.marranos.e.conta.a.história.como-vente.de.seus.pais.e.familiares.provenientes.de.Carção,.cujos.ancestrais.eram.cristãos.novos..Descreve.o.modo.como.eles.viviam.e.os.resídu-os.de.comportamentos.judaicos.presentes.nos.hábitos.e.costumes.de.sua.gente,.a.pele.clara,.muitos. deles. com. cabelos. ruivos,. e. que. cos-tumavam.fechar.as.janelas.às.sextas-feiras.ao.entardecer,. acender. velas. e. cobrir. o. espelho.por.ocasião.de.alguma.morte.em.família.

Digo-lhe.que.sou.judeu.e.ele.prossegue.en-tusiasmado. relatando. como. a. Inquisição. por-tuguesa.perseguiu.os. judeus.de.Carção,.prin-cipalmente.nos. séculos.XVI. e.XVII..No. século.passado,.alguns.de.seus.familiares.vieram.para.o.Brasil..

Deste. relato. nasce. uma. amizade. e. junto.vem. a. troca. de. muitas. informações. que. cul-minaram.com.a.apresentação,.por.e-mail,.de.Paulo.Lopes.e,.uma.revelação.surpreendente:.a. bandeira. de. Carção,. criada. não. há. muito.tempo,. tem.como. símbolo. central. a.Menorá,.o.candelabro.de.sete.braços,.um.dos.símbolos.mais comum que identificam o judaísmo.

Impactado. pelo. encontro. e. pela. sucessão.de. eventos,.motivado. pela. homofonia. do. so-brenome.do. protagonista. de.meu. novo. livro,.resolvi.conhecer.Carção..

Ruth. e. eu. fomos. de. carro,. da. linda. e. ro-mântica. cidade. do. Porto. até. Bragança,. com.direito a um pernoite e passeio pela florida e bem.cuidada.Guimarães..Assim.que.chegamos.a.Bragança,.Paulo.veio.nos.receber..Pudemos.ouvi-lo. por. duas. horas,. sem. nenhuma. inter-rupção,.sobre.sua.vida.e.o.vilarejo.de.Carção..Combinamos.um.encontro.na.aldeia,.às.12h.do.dia.seguinte,.pois.ele.havia.também.marcado.com.outros.dois.amigos.portugueses,.diante.da.casa.dos.pais.do.Sr..Adriano..No.dia.seguinte,.saímos.no.horário.combinado.e.fomos.a.Outei-ro.onde.visitamos.a.praça,.o.pelourinho,.a.pri-são.e.o.tribunal,.um.a.poucos.passos.do.outro..De.lá.rumamos.direto.para.Carção,.onde.a.vida.rural.predomina.entre.o.verde.e.o.bege,.de.um.terreno.árido.e.pedregoso,.de.uma.vegetação.rala.entre.oliveiras,.hortaliças,.áreas.de.pas-toreio,. indústrias. e. artesanatos. rudimentares.que.alimentam.o.comércio.da.região.

Chegamos.uma.hora.antes.do.combinado.e.tivemos. tempo.para. fazer. um.giro. a.pé.pela.região.. Encontramos. caminhando. pelas. ruas.de. terra. ou. de. pedra. mulas. carregando. pro-dutos. agrícolas,. semelhantes. aos. almocreves.de.um.passado.distante.quando.os.vendedores.ambulantes. eram. judeus. ou. marranos,. hoje.cristãos,. que. transportavam.em. seus. animais.pesados.fardos.de.pele.curtida.de.boi,.de.ove-lha.e.carneiro..Vendiam.também.queijo,. sal,.peixe,.farinha,.azeite,.cereais.e.lã..Os.judeus.dominavam.o.comércio.local.e.dos.arredores..Eram.os.almocreves.que,.montados.em.mulas.ou.machos.de.carga,.caminhavam.pela.região,.geralmente.transportando.e.fazendo.comércio.de.peles..A.indústria.do.curtume.era.realizada.praticamente. pelos. judeus. que. para. amaciar.a. pele. utilizavam. uma. técnica. rudimentar. a.partir.do.uso.de.excremento.de.cães.que.co-letavam.pelos.caminhos.. Isto.gerava.escárnio.por.parte.dos.cristãos.que.ofendiam.a.honra.e.a.dignidade.dos.judeus.que.transitavam.entre.

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terras.de.Portugal.e.de.Espanha,.como.Castela.e.as.aldeias.do.nordeste.luso,.tanto.por.ques-tões.de.comércio.quanto.por.ações.provocadas.pela Inquisição de ambos os países. Isto fica patente.quando.ouviam.nas.paradas.que.per-corriam.o.seguinte.soneto:

Caga perro, caga cão,P’ra curtir o cordovão;Caga cão, caga perro,P’ra curtir o bezerro.

Outros.judeus.eram.artesãos.ou.mercadores.ambulantes.de.bacalhau,.arroz,.azeite,.ofere-cendo.de.casa.em.casa.seus.artigos,.ampliando.significativamente o comércio da região. Aos cristãos.cabia.a.lavoura.

Andrade.e.Guimarães.revelam.que.“em.pri-meiro. lugar,. diremos. que. as. comunidades. de.Carção,. Argozelo. e. Vimioso. estão. umbilical-mente.ligadas,.parecendo.formar.uma.grande.família,. quase. sempre.com. casamentos. en-dogâmicos.. E. também.nos.parece.que.as.ori-gens. da. comunidade.remontam.ao.tempo.da.expulsão.dos. judeus.de.Espanha,. pois. não. exis-te. qualquer. documento.que. nos. fale. de. judeus.em.Carção.antes.daquela.época.. Aliás,. os. proces-sos. mostram. que. muitos. deles. tinham. casa.lá.e.cá,.declarando-se.frequentes.vezes.‘mo-radores em Carção e assistindo em Castela’ e vice-versa”..Salientam.que.“é.impressionante.a.capacidade.de.resistência.desta.comunidade.à.Inquisição”..

Paulo.conta-nos.um.pensamento.popular.so-bre.a.riqueza.dos.judeus.de.Carção:.“para.um.judeu.nada.mais.faltava.para.fazer.fortuna.que.uma.libra.e.uma.mula.e.que,.quando.aqui.nascia.algum.[judeu],.logo.nascia.uma.mula,.tão.habi-tual.era.a.atividade.deles.como.Almocreves”...

Já.na.parte.baixa.da.aldeia,.passamos.pela.casa.da.senhora.Mathilde.Jerónimo.que.estava.trabalhando.em.um.tear.manual,.tão.antigo.e.vivido.quanto.ela..Com.a.pele.enrugada.pelos.anos,.talvez.mais.de.80,.pela.aridez.da.terra,.do.frio.e.do.sol,.tecia.uma.colcha,.segurando.em.uma.das.mãos.uma.lançadeira.(tipo.de.agu-lha).que. também.é.um.dos. símbolos.da.ban-deira.de.Carção,.representando.a.capacidade.de.trabalho.do.povo.e.o.amor.ao.artesanato..

O.espaço.era.exíguo,.de.paredes.e.piso.de.pe-dras,.antiga.estrebaria.ou.armazém.de.trigo.e.feno,.separado.por.um.teto.de.madeira.da.par-te.superior.da.casa.nos.séculos.da.Inquisição..A.parte.social.e.os.dormitórios,.principalmente.no.inverno,.eram.aquecidos.pela.dissipação.do.calor.dos.animais.e.do.feno..Imaginei.quantas.histórias.haviam.por.lá.ocorrido.e.como.pode-ria. ter. sido.o. schteitel.de.minha.mãe.e.avós.maternos,.quando.deixaram.Yedenitz,.na.Euro-pa.Central,.no.início.do.século.passado.

Prosseguimos. andando. pela. parte. baixa.da. povoação,. onde. os. judeus. se. aglutinavam.numa.espécie.de.gueto.e.que.depois.foi.habi-tado. pelos.marranos,. termo. pejorativo. como.eram.chamados.os. cristãos-novos,. cujo. signi-ficado é: sujos ou porcos. Cruzada a “rua do meio”,.nome.da.travessa.que.separa.os.judeus.dos.cristãos,.seguimos.em.direção.à.casa.que.

havia.pertencido.aos.fa-miliares. do. Sr.. Adriano..Paulo. nos. explica. que.acima.da.“rua.do.meio”.viviam. os. cristãos;. di-visão. cultural. nítida. e.geográfica: acima, os cristãos. e. abaixo,. os.judeus..Aliás,.na.Idade.Média. Central. era. co-mum.se.acreditar.que.o. que. vinha. de. cima.

vinha.de.Deus.e.o.que.vinha.de.baixo,.vinha.do.Diabo..

A. casa. dos. pais. do. Sr..Adriano. ainda. pre-serva.características.antigas:.um.sobrado.com.uma. sacada. ou. pequena. varanda. dando. para.a.rua.principal.e.paredes.de.pedra..Da.porta,.pode-se.observar.a.pequena.praça.com.o.cha-fariz.e.o.local.onde.os.animais.apeavam.para.beber.água.

Em.Carção.ainda.existem.algumas.casas.não.recobertas.de.argamassa.em.cujas.paredes.de.pedra.podem.ser.percebidas.depressões.onde.os.judeus.colocavam.as.Mezuzot,.pequenos.ro-linhos.escritos.que.contém.uma.reza.abenço-ando.a.vida..Era.costume.tocá-los.com.os.de-dos.e.depois.beijá-los.ao.entrar.e.sair.de.casa..Foi.possível.ver.inscrições.de.cruzes.com.uma.base.triangular,.deixadas.pelos.cristãos-novos.como.forma.de.disfarce.para.não.serem.impor-tunados.pelas.autoridades.religiosas..Porém,.a.maioria.das.casas.está.sendo.tomada.pela.nova.arquitetura.e.materiais.disponíveis.no.merca-do,.que.encobrem.o.histórico.de.luta.e.de.tra-

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balho.do.povo.judeu.que,.durante.certo.tempo.viveu.em.relativa.harmonia.com.os.cristãos.

Mais. adiante,. chegamos. ao. local.marcado.para.o.encontro..Era.diante.de.ruínas.de.pe-dra. situadas.entre.duas. casas. já. reformadas..Nessas.ruínas.encontramos.uma.laje.sobre.uma.porta,.contendo.nele.inscrito.1653.e.em.alto-relevo.um.grande.Leão.de.Judá.deitado.e.duas.aves,.interpretadas.como.pelicanos..Próximo,.havia. duas. cruzes. com. base. triangular,. sím-bolo. com. o. qual. os. judeus. convertidos. eram.identificados para não serem molestados pelas autoridades.da. Igreja..Por.outro.lado,.muitos.marranos. preservavam. o. hábito. de. fechar. as.janelas e acender velas às sextas-feiras no final da.tarde,.com.a.chegada.do.Shabat..

Andamos.mais.um.pouco.e.encontramos.a.mãe.de.Paulo,.dona.Celene.Fernandes,.vestida.com roupa de trabalho, que veio ver o filho e seus.amigos,.uma.pausa.na.atividade.de.vende-dora.de.peixes.da.região..Cheia.de.vitalidade,.aspecto.saudável.e.alegre,.com.cara.de.quem.não. tem.medo.do. trabalho,.ela. conversa. co-nosco. como. se. fôssemos. velhos. conhecidos..Nesse.momento,.ouve-se.uma.barulheira.infer-nal.de.buzina.e.alto-falante.vindos.de.uma.ca-minhonete,.perturbando.a.paz.da.região..Era.o.concorrente.de.Celene,.vindo.de.outro.vilarejo.oferecer.peixe.aos.moradores.de.Carção..Ela.ri.e.aparenta.não.se.importar.com.a.invasão,.e.com.bom.humor.diz.que.cada.um.está.lutan-do.para. sobreviver. e. que. há. lugar. para. todo.mundo..Ela.acrescenta:.“Numa.outra.vez.irei.vender.meu.peixe.na.terra.dele”..Lembrei-me.de.minha.mãe.em.casa.usando.um.avental.pa-recido.enquanto.cuidava.de.nós.e.da.cozinha.

Na. hora. e. local. combinados. aparecem. os.amigos.de.Paulo,.Maria.Fernanda.Guimarães.e.Antonio.Júlio.Andrade..Ambos.os.pesquisadores.que.estavam.terminando.de.revisar.o.livro.que.seria.lançado.dentro.de.alguns.dias..Seu.título:.Carção.–.a.Capital.do.Marranismo..Logo.depois,.juntou-se. a. nós. um. fotógrafo. canadense. que.nos.últimos.dez.anos.tem,.a.cada.ano,.fotogra-fando.os.hábitos,.costumes,.tradições.e.monu-mentos.que.o.tempo.vai.apagando..

Tudo.aquilo.me.parecia.surpreendente..Pa-recia.um.sonho.estar.naquela.terra.distante.e.ao. mesmo. tempo. tão. próxima,. falando. com.pessoas.desconhecidas,.mas.cuja.familiaridade.fazia-se.presente,.irmanados.pela.empatia.des-pertada.e.pelo.encontro.de.diferentes.motiva-ções.unidas.pela.história.do.povo.judeu,.entre.cristãos.à.procura.do.elo.perdido.em.relação.às.

suas.origens..Algo.das.transmissões.transgera-cionais.ali.estava.presente,.não.apenas.como.lembranças,.mas.com.muita.emoção.

Maria.Fernanda.Guimarães.e.Antonio.Júlio.de.Andrade.são.dois.pesquisadores.da.história.da.região.e.dos.tempos.da.Inquisição..Tanto.a.revista.Almocreve.quanto.este.grupo.de.traba-lho.tem.por.objetivo.investigar.os.usos,.costu-mes.e.tradições.da.gente.dessa.comunidade.e.arredores..

Ela.é.colaboradora.da.Cátedra.de.Estudos.Sefaraditas. “Alberto. Benevides”. e. pesquisa.para.o.Dicionário.Histórico.dos.Sefaraditas.Por-tugueses,.em.Lisboa.e.na.Torre.do.Tombo,.onde.teve.a.oportunidade.de.ouvir.a.respeito.da.nos-sa.querida.Profa..Annita.Novinski..Andrade.de-dica-se.desde.1999.ao.estudo.dos.judeus.e.dos.marranos.do.Distrito.de.Bragança.em.colabo-ração.com.a.mesma.Cátedra.de.Estudos.Sefa-raditas,.além.de.ter.funções.na.bem.montada.biblioteca.de.Torre.de.Moncorvo..

Pessoas. gentis. e. eruditas,. possuidoras. de.profundo.conhecimento. sobre.a.história.polí-tica,.econômica,. social.e. religiosa.da. região..Fernanda.e.Antonio.Júlio.já.haviam.publicado.“Subsídios para a história da Inquisição em Torre de Moncorvo”.

Fomos.todos,.em.seguida,.almoçar.no.res-taurante,.onde.saboreamos.uma.deliciosa.ba-calhoada.–.prato.típico.dos.marranos.de.Carção.no.Yom.Kipur.dos.séculos.XVI.e.XVII..Durante.o.almoço,. a. conversa. sobre. judeus. e.marranos.prosseguiu.e.uma.das.pessoas.disse.que.por.ali.só há cristãos-novos e a outra, de pronto, afir-mou:.“não.senhor,.aqui.só.há.judeus”..

Fernanda.também.nos.contou.de.seus.an-tepassados.judeus,.dos.processos.a.que.foram.submetidos,.das.torturas.e.da.garra.dos.judeus.que.lutaram.para.preservar.sua.fé.às.escondi-das..Ela.recorda.o.desaparecimento.dos.sam-benitos da igreja matriz, onde ficavam expos-tas.as.mantas.que.eram.colocadas.pela.cabeça.à.semelhança.de.um.saco..O.Tribunal.do.Santo.Ofício.obrigava.os.condenados.a.vestirem.essas.vestes e a desfilarem com elas pelas ruas antes de.cumprirem.a.sentença.no.pelourinho.ou.na.fogueira,. quando.eram.desnudados..Nela. era.pintada.a.imagem.da.pessoa.condenada,.rode-ada de cães, serpentes e diabos, que ficaria exposta.na.igreja.após.sua.morte.e.queima.do.corpo..Sua.função.era.a.de.submeter.o.povo.e,.em.especial,.os.cristãos.novos.condenados.por.heresias.ou.atitudes.consideradas.judaizantes,.para.que.ninguém.esquecesse.do.mal.que.eles.

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fizeram para a cristandade. Seu desapareci-mento. da. igreja,. levado. supostamente. pelos.judeus,.foi.interpretado.como.um.ato.expres-sivo.de.coragem,.de.luta.e.de.fé.judaicas.para.defender-se.da.opressão.da.Igreja..Estes.pes-quisadores.citam.que.“foram.registrados.nessa.aldeia.a.existência.de.pelo.menos. três. livros.judaicos,.proibidos.por.lei”.

Em. meio. a. essa. discussão. de. quem. era. o.quê,.Paulo. levanta-se,.abre.uma.bandeira.de.Carção.e.a.oferece.para.mim.e.minha.esposa.como.expressão.de.fraternidade..Ver.a.bandei-ra. aberta. com. a.grande. Menorá.no. centro. mobi-lizou-me. profun-da. emoção. que.agora. comparti-lho. com. o. leitor..Pensei. até. que. o.símbolo.acima.da.Menorá.fosse.uma.Mezuzá,. mas. de.pronto. me. cor-rigiram,. dizendo.que. era. a. lança-deira.utilizada.no.tear,. expressão.da.capacidade.de.trabalho.da.gente.de. Carção.. Estes.símbolos.são.lade-ados.pelos.dois.rios.que.banham.a.localidade.e.na.parte.superior.há.uma.fortaleza.medieval,.caracterizando.a.época.de.sua.fundação..Ain-da,.fui.agraciado.com.uma.coleção.dos.núme-ros. publicados.da. revista.Almocreve.e.exem-plares.dos.livros.acima.mencionados.

Esse.grupo.de.idealistas.deseja.preservar.e.resgatar. as. lembranças. daquilo. que. não. está.nas.imagens,.mas.nos.sentimentos,.nas.memó-rias.encriptadas.de.um.passado.que.não.pode.ser.esquecido..Eles. se. referem.aos.processos.que.a.Santa.Inquisição.portuguesa.realizou,.dos.quais.esses.dois.autores,.Antonio.Júlio.e.Maria.Fernanda,.estudaram.cerca.de.50..Dentre.es-tes,.25.processos.de.pessoas.que.foram.presas.e.processadas.pelo.Santo.Ofício..Em.conseqü-ência,.foram.torturadas,.condenadas.ao.pelou-rinho,.mortas,.salgadas.e.queimadas.para.que.nenhum.vestígio.de. seu.corpo.e.alma.restas-se..Tudo.isso.se.passava.diante.do.povo.como.entretenimento.e.demonstração.do.poder.da.Igreja.. Lembranças. conscientes. e. inconscien-

tes,.fantasmas.que.percorrem.a.memória.pro-funda.desses. jovens.ávidos.de. resgatar. o.elo.perdido.e.reparar.a.memória.e.a.vida.de.seus.antepassados.judeus..Conteúdos.de.orgulho.e.de. dor. guardados. em. algum. lugar. da.memó-ria.e.que,.por.diferentes.circunstâncias,.agora.emergem.e.tornam-se.o.motor.propulsor.de.um.projeto.corajoso.e.audacioso...

Eles.desejam.erguer.um.memorial.em.ho-menagem. àqueles. que. foram. processados. ou.mortos.pela.Inquisição.portuguesa..Pretendem.construir.na.entrada.do.povoado.uma.grande.

Menorá. com. os.nomes. das. víti-mas. da. intole-rância. religiosa.e.de.outros.inte-resses.para.que.o.tempo. não. apa-gue. a. história..Estas. pessoas.querem. resga-tar. as. verdades,.desfazer. as. in-justiças.e.apagar.as. sombras. de.dor. e. culpa. que.os. perseguem..São.atos.de.repa-ração.para.poder.se. libertar. e. se.religar. aos. seus.

ancestrais.judeus,.através.da.cultura.da.coe-xistência.entre.as.diferenças.

A.comunidade.local.está.ávida.para.desen-volver. um. roteiro. turístico. histórico-judaico.unindo. as. várias. cidades,. vilas. e. aldeias. que.ainda.possuem.vestígios.da.vida.judaica.local,.como. Bragança,. Vila. Real,.Argozelo,. Carção,.Vimioso,.Outeiro,.Torre.de.Moncorvo,.Freches,.além.do.importante.acervo.de.Belmonte,.situ-ada.nós.pés.da.Serra.da.Estrela..

Durante.minha. rápida. trajetória.por.esse.roteiro.turístico.histórico-judaico.a.partir.de.Carção,.motivado.por. laços.afetivos.que.me.unem. à. Portugal. e. ao. povo. judeu,. invadido.por um sentimento profundo de identificação com.tais.propósitos.eu.tive.vontade.de.parti-cipar.dos.anseios.dessa.gente.desconhecida.e.tão.familiar..

DavidLéoLeviskyMembro Efetivo e Professor da Sociedade Brasileira de Psica-

nálise de São Paulo. Psiquiatra da Infância e da Adolescência.

Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Membro da Diretoria Executiva do Centro da Cultura Judaica.

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Quando. visitei. pela. primeira. vez. a. aldeia.de.Carção,.decorria.o.mês.de.Março.do.ano.de.2002..Foi.a.convite.do.meu.amigo.João.Campos,.director.do.Jornal.Nordeste.que,.num.encontro.ocasional.num.qualquer.passeio.da.cidade.de.Bragança, me desafiou para o acompanhar nes-sa.mesma.noite.a.Carção.onde.iria.fazer.uma.reportagem.sobre.uma.tradição..Nunca.ouvira.falar. de. tal. ritual,. mas. pela. descrição. breve.que.me.fez.do.mesmo,.não.hesitei.em.partir.para. tal. experiência..Não. consigo. recordar. a.data.exacta,.mas.lembro-me.bem.do.impacto.assombroso.que.o.ambiente.escuro.e. frio,.as.vozes.sussurrantes.nas.casas.e.os.cânticos.anó-nimos.na.escuridão.me.causaram.

Entrámos. em. várias. casas,. conversámos. e.entrevistámos. alguns. habitantes. e. encomen-dadores, tirámos fotografias e fomos insistente e.repetidamente.convidados.a.beber.e.comer..Recordo.como.se.ontem,.o. impacto.de.cami-nhar.com.esses.grupos.de.pessoas.pela.escuri-dão.da.noite.-.numa.típica.observação.partici-pante,.deambulando.ao.som.das.suas.melodias.ao.encontro.de.cada.lâmpada.que.se.acendia.à.porta.dos.lares.habitados.

Desde.logo.me.disponibilizei.para.escrever.a.peça.para.o.Jornal,.que.seria.publicado.pas-sados.uns.dias.ou.na. semana. seguinte..Assim.foi.e.apesar.do.estilo.jornalístico.do.texto,.por-que assim tinha que ser, sempre fiquei com a ideia.de.voltar.a.este.tema1,.mas.desta.vez.re-correndo.a.outras.ferramentas.e.perspectivan-do-o.de.um.outro.prisma..Mesmo.não.tendo,.à.época,. particular. interesse.pela. religiosidade.popular,.logo.percebi.o.imenso.manancial.dis-ponível.que.permitiriam.uma.riquíssima.inves-tigação.antropológica..Assim.e.agora,.passados.todos.estes.anos,.surgiu.esta.oportunidade.de.colaboração. com. a. revista.Almocreve,. que. a.relativa.distância. tenho.acompanhado.e.cujo.blog/site.visito.assiduamente.

Gostaria.de.começar.por.algumas.conside-rações.preambulares:.Primeira,. sendo.o.tem-po. e. o. espaço. aqui. disponíveis. reduzidos,. a.pesquisa.realizada.não.foi.além.da.recorrente.nestes.estudos.da.religiosidade.dita.popular.-.os.documentos.provenientes.da.própria.aldeia.–.Carção suas gentes usos e tradições,.de.Fran-cisco.Rodrigues.e.a.Revista.Almocreve,.edição.0;.Depois,.O.Abade.de.Baçal.e.o.Dr..Belarmino.Afonso pela proximidade ao local etnográfico e, por fim, José Leite de Vasconcelos e Moisés Espírito.Santo,.este.pela.especialização.neste.

Encomendar as nossas almas

campo.do.saber.e.aquele.pela.abrangência.ge-ográfica das suas investigações.

Outra.consideração.diz.respeito.ao.aviso.que.importa.fazer.ao.leitor,.pois.estamos.perante.uma etnografia que tradicionalmente acontece num.registo.oral,.o.que.permite.aos.“actores”.uma grande flexibilidade e abertura nos pro-cessos,.pois.essa.oralidade.(reza.e.cântico).é.manipulada.e.controlada.pelos.intervenientes.e,.historicamente,.foi.e.é.veiculo.de.transmis-são.de.conhecimentos.(trans)geracionais..Num.registo.diferente,.como.a.escrita,.que.poderá.acontecer.num.mesmo.espaço,.mas.num.tem-po. diferente,. no. qual. o. investigador. regista.essa mesma realidade, essa flexibilidade dá lu-gar a uma determinada tensão dada a dificul-dade sentida em alcançar toda a fluidez oral do.empírico.-.das.orações.e.cânticos.e,.depois,.a.própria.escrita.apresenta-se.como.potencial.redutora. e. cristalizante. dessas. realidades..Conscientes.e.avisados.destes.condicionalismos.metodológicos.poderemos.então.ler,.conhecer.e.perceber,.ainda.que.prismaticamente,.a.en-comendação.das.almas.de.Carção..

Etnografando. o. rito2. -. entendido. enquan-to.uma.repetição.de.um.fragmento.do.tempo.original. que. serve. de. modelo. para. todos. os.tempos.-.que.as.gentes.de.Carção.teimam.em.não.deixar.morrer3,.poderemos.caracterizar.os.

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Pimentão & Veiga, Construções

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vários.aspectos.ou.componentes.dessa.experi-ência.religiosa..Sem.querer.dar.um.tom.emi-nentemente.académico.e.procurando.uma.lin-guagem.não.hermética,.procurarei.enquadrar.o. rito. em. análise. no. âmbito. da. religiosidade.popular. tradicional. e. seus. aspectos. mais. im-portantes.

OremosouCantemosA.Quaresma.apresenta-se.como.um.tempo.

sagrado4, excepcional e de reflexão, introspec-ção e dedicação à fé, no qual os fiéis são con-vidados.a.uma.atitude.e.a.um.comportamento.mais.reservado,.através.da.prática.do.jejum,.da.esmola.e.da.oração..Em.Carção,.é.durante.este.período.da.Quaresma.que.podemos.assis-tir.à.Encomendação.das.Almas,.rito.que,.basi-camente,.é.uma.forma.de.recordar.os.mortos.e.interceder.pelas.almas.que.estarão.no.Pur-gatório. para. que. possam. rumar. ao. reino. dos.Céus..Convém,.desde.logo,.relembrar.que.no.mundo.rural.as.almas.sempre.foram.objecto.de.um.culto.quotidiano:.O.toque.das.ave-marias.de manhã, as orações no final das refeições, as.trindades.à.noitinha,.as.esmolas.dadas.aos.santos.da.aldeia.e.à.igreja.podem.ser.em.seu.nome,.assim.como.este.culto.em.apreço.que,.em.muitos.locais,.era.e.é.realizado.à.revelia.da.Igreja.e.dos.sacerdotes..Segundo.Espírito.Santo.não.será.por.acaso.que.este.ritual.acontece.no.tempo.da.Quaresma.e.esse.facto.está.directa-mente. relacionado.com.o.calendário.agrícola.anual,. pois. coincide. com. o. tempo. da. Prima-vera.e.da.germinação.das.sementeiras,.“essa encomendação consiste em repetir de casa em casa um cântico que assimila as almas a pesso-as adormecidas: chamam-se as almas para que elas despertem neste momento do ano que é o da germinação. (…) E assim tornar os mortos propícios às culturas5”.(Espírito.Santo,.1990)..

Este. ritual. assume.duas. diferentes. formas.de.expressão:.A.oração,.que.acontece.todas.as.noites.do.tempo.da.Quaresma.em.cada.casa,.onde.depois.do.sino.da.igreja.tocar.se.juntam.os. familiares. e. os. amigos. à. volta. da. lareira;.

e. o. cântico6,. que. reúne,. às. quartas-feiras. e.sábados.à.noite,.os.indivíduos.junto.da.Igreja.partindo. depois. para. uma. ronda. pela. aldeia,.passando.pelas.diferentes.ruas.da.aldeia.e.pa-rando,.momentaneamente,.nas.encruzilhadas.e.à.porta.das.casas.que.tenham.luz.acesa..

MomentosdePassagemAquilo.que.podemos.denominar.de.um.hábi-

to.popular.é.o.acto.de.fazer.promessas..Algo.a.que.os.indivíduos.recorrem.frequentemente.na.sua.existência.quotidiana.e.a.facilidade.e.na-turalidade.com.que.o.fazem.remete.a.promes-sa.para.um.universo.comum,.transformando.a.relação.com.a.divindade.numa.corrente.troca.de.favores.e.numa.reciprocidade.generalizada..A.encomendação.das.almas.pode.também.ser.consequência. de. uma. promessa,. que. um. ou.vários.indivíduos.tenham.feito.e.assim.a.con-tra-dádiva.passa.a.ser.a.prece7.pelas.almas.do.Purgatório.. Este. encontro. de. interesses. para.além.de.propiciarem.o.rito,.reforça.a.teia.de.solidariedade.social.comunitária.e.permite.aos.indivíduos.projectarem.um.imaginário.cultural.comum.. Fácil. será. compreender. que. apesar.de.estarmos.perante.uma.manifestação.públi-ca.de.fé.ou.crença.colectiva,.na.sua.essência.trata-se.de.um.momento. introspectivo.e.que.diz.respeito.à.experiência.religiosa. individual.de.cada.participante,.pois.cada.um.recordará.e.suplicará.pelas.almas.daqueles.que. lhe.são.mais.próximos..Assim,.também.não.será.de.es-tranhar.que.a.motivação.individual.para.a.par-ticipação. nesta. manifestação,. seja. algo. que.não.é.partilhado.nem.conhecido.pelos.demais..Tal.como.acontece.na.promessa,.a.relação.ou.o.diálogo.com.a.entidade.sagrada.é.algo.de.pes-soal.e.intransmissível,.não.carecendo.de.verba-lização.escrita.ou.oral..Todos.juntos.mas.cada.qual.com.o.seu.sofrimento.e.o.seu.pedido..

Este.carácter.funcionalista.e,.de.certa.for-ma,. egoísta8,. leva-nos. também. a. perceber. a.importância.do.culto.aos.mortos.nas.comunida-des.tradicionais,.que.ritualizam.a.morte.como.um. momento. de. passagem. e. preocupam-se.

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com.ele,.pois.acreditam.que.é.uma.passagem.para.o.além,.para.outra.vida.e/ou.para.outra.dimensão..Este.momento.não.tem.a.ver.só.com.a.morte,.mas.sim.também.com.a.vida.e.é.um.pilar.basilar.das.comunidades9..Portanto,.inte-ressa.procurar.saber.a.importância.destes.ritu-ais.de.morte.enquanto.elementos.estruturan-tes. ou. estruturadores. da. vivência. quotidiana.das.pessoas.e.das.comunidades..

ADevoçãoEsta.devoção.às.almas.do.Purgatório.é.sim-

ples.e.humilde.e,.ao.contrário.do.que.acontece.com.o.santo.da.aldeia,.com.os.santos.padroei-ros.ou.com.qualquer.outra.veneração.a.uma.di-vindade,.não.carece.de.qualquer.materialida-de - iconografias, altares ou construções maio-res. Como podemos verificar aqui, em Carção, qualquer. local.pode.ser.esse.áxis mundi,.en-quanto.lugar.possuidor.da.energia.vital.da.cria-ção,.onde.o.mundo.profano.é.transcendido.e.é.possível.a.comunicação.com.os.deuses.(Eliade,.2002),.onde.é.possível.a.ligação.entre.o.Céu,.a.Terra.e.o.Inferno..Esses.lugares.podem.ser.a.casa,.a.rua.ou.a.encruzilhada..A.própria.deam-bulação.pelas.ruas.remete-nos.para.a.ideia.de.procissão.que.é.um.cortejo.ritual.e,.tal.como.é. sabido,. tem.por. objectivo. impregnar-se.da.“virtude”.que.emana.do.centro.e.fazê-la.irra-diar. difusamente. pelas. periferias.. Portanto,.sacralizar.lugares.por.defeito.profanos..

Esta.fé.e.esta.devoção.das.gentes.desta.al-deia. são. atestadas,. também,. pela. existência.de.um.retábulo.na.igreja.dedicado.às.almas.do.Purgatório10..Estaria.tentado.a.referir-me.a.este.retábulo.como.um.Ex-Voto11,.mas.pelo.facto.de.nunca.o.ter.estudado.e.dada.a.sua.imponência,.pela qualidade e pelo pormenor, prefiro evitar a.especulação.e.reforçar.a.sua.importância.en-quanto.materialização.simbólica.da.centralida-de.do.culto.às.almas.do.Purgatório.em.Carção.

EspaçoseMovimentosComo.já.vimos.este.ritual.acontece.em.dois.

espaços.bem.distintos.–.casa.e.rua,.normalmen-te.apresentados.como.opostos.simbólicos,.que.deixam.perceber.uma.estruturação.e.endere-çam-nos. para. a. omnipresente. hierarquia. dos.espaços..Convirá.estabelecer.um.princípio.de.organização.do.espaço,.ou.seja,.como.é.vivido,.sentido.e.percebido,.numa.lógica.de.continui-dades.e.descontinuidades.entre.aquilo.que.é.considerado sagrado e aquilo que é considera-do profano, duas modalidades de ser no mun-do, duas situações existenciais assumidas pelo

Homem ao longo da sua história.(Eliade,.2002)..Associados. a. esta. separação. entre. estes. dois.mundos.estão,.também,.os.conceitos.de.puro.e.impuro,.sendo.que.o.puro.está.para.o.sagrado.como.o.impuro.está.para.o.profano..Existe.um.permanente.cuidado.por.parte.dos.indivíduos.e.das.comunidades.em.banir.o.impuro.do.espaço.ou lugar sagrado – tal como poderão verificar mais.à.frente.no.texto,.a.passagem.e.a.para-gem.dos.grupos.de.encomendadores.nas.encru-zilhadas poderá ser significativa em relação a este.aspecto.

Segundo.nos.diz.Paulo.Lopes.(2002).existi-ram.até.à.década.de.80.vários.cruzeiros12.espa-lhados.pela.aldeia..Lugares.onde.os.grupos.de.encomendadores.paravam.momentaneamente.para,.em.grande.roda,.rezarem.e.cantarem.em.louvor.de.Deus.e.sufrágio.das.almas.do.Purga-tório..Na.sua.grande.maioria.estas.construções.encontravam-se. nas. encruzilhadas13,. locais.com.forte.simbolismo,.pois.cada.encruzilhada.é.um.lugar.sagrado.e.constitui.uma.ruptura.do.espaço.segurizante.da.aldeia.e.por.isso.importa.que.a.procissão,.que.projecta.o.sagrado.para.fora. do. seu. âmbito. e. sacraliza. os. territórios.que.pisa,.percorra.todas.as.encruzilhadas.para.garantir.que.os.maus.espíritos.se.mantenham.afastados.. É. aqui,. nas. encruzilhadas,. que. as.almas.se.reúnem.em.procissões.nocturnas.co-nhecidas.como.“irmandades”.e,.por.isso,.os.in-divíduos.quando.encomendam.as.almas.estão.

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também,.a.participar.nesse.esforço.colectivo.de.vivos.e.mortos..Um.outro.aspecto.interes-sante.e.que.reforça.esta.simbiose.simbólica.é.que,.tal.como.as.irmandades.se.cobriam.com.lençóis.brancos.dissimulando.os.seus.rostos,.os.participantes. (vivos). cobriam-se. totalmente,.principalmente.o.rosto,.para.que.não.se.sou-besse. quem. canta.. Uns. e. outros. ocupam. os.mesmos.espaços.que.consideram.seus.

Para além do valor e do significado que cada um. desses. cruzeiros. teria. para. a. população.(LOPES,. 2002),. importa. aqui. referir. o. simbo-lismo.religioso.destas.construções..Segundo.o.Padre.Fontes.(1992),.para afugentar o diabo, as coisas ruins e dar virtude aos frutos, afu-gentar as almas do outro mundo, é a cruz que serve a tudo, de remédio e mesinha. Nas en-cruzilhadas dos caminhos, a meio da aldeia, lá está o cruzeiro. No lugar dos grandes perigos, onde inimigos nos esperam e se cruzam, onde os bandidos atacam, onde as sombras assus-tam, nas encruzilhadas, a mostrar e guiar os viandantes, ergueram-se os cruzeiros.

IdentidadeseTempoÉ. por. esta. forte. adesão. dos. habitantes. de.

Carção.e. suas.diásporas.a.este.momento.par-ticular. da. sua. vivência. religiosa. que. podere-mos afirmar que estamos, também, perante uma.questão.de.identidade:.de.ser.ou.não.ser,.

de.pertencer.ou.não.pertencer..Esta.dimensão.identitária.obriga.a.um.permanente.diálogo.do.eu.(individuo.e/ou.comunidade).com.os.outros.(indivíduos. ou. comunidades). –. leia-se. aqui. a.possibilidade.de.a.encomendação.das.almas.ser.algo que acontecerá noutras geografias, noutras populações. da. região. e. concelho.e,. portanto,.ser.necessário.esse.exercício.de.entendimento.daquilo.que.eu.vejo.nos.outros.que.se.asseme-lha.ou.difere.de.mim.e.naquilo.que.os.outros.po-derão.ver.em.mim.que.difere.ou.se.assemelha.a.eles14..Através.destes.vários.processos.constro-em-se.as.identidades.individuais.e.colectivas..E.estas.últimas. são,.por. seu. lado,.centrais.para.a definição das identidades individuais e, aqui, a.participação.e.o.reconhecimento.deste.ritual.pode.ser.entendido.como.uma.narrativa. -.na-quilo.que.Appiah.(1994).chama.de.manuscritos,.definindo-os como narrativas que as pessoas po-dem.usar.ao.moldar.os.seus.planos.de.vida.e.ao.contar as histórias das suas vidas – que identifica e.agrega.as.gentes.de.Carção..

Mas. identidade. é. também. a. continuidade.de.um.povo.ou.comunidade.ao.longo.do.tempo..Símbolos.de.identidade.são.aqueles.que.permi-tem mostrar e afirmar a sua continuidade, a sua permanência.enquanto.comunidade..Esta.noção.de. identidade. implica,.obrigatoriamente,.uma.espécie.de.memória.colectiva15,.com.capacida-de.de.interpretar.e.de.reconhecer-se.ao.longo.da.

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história..A.tradição16.ocupa.aqui,.sem.qualquer.dúvida,.um.lugar.central,.uma.vez.que.coincide.com.a.herança.cultural.que.os.Carções.herda-ram.de.seus.antepassados.e.é.essa.tradição.que.permite um controlo reflexivo da acção na orga-nização.do.espaço-tempo.da.comunidade,.inse-rindo.cada.actividade.ou.experiência.particular.na.continuidade.de.passado,.presente.e.futuro..Apesar.de,.actualmente,.estarmos.enquadrados.por.um.“mundo”.social.dito.moderno,.onde.a.noção.de.estilo.de.vida.assume.um.lugar.central.e um significado particular, quanto mais a tradi-ção perde a sua influência e a vida quotidiana é reconstituída.em.termos.de.uma.dialéctica.en-tre.o.local.e.o.global.(Giddens),.mais.os.indiví-duos.são.forçados.a.negociarem.escolhas.entre.uma.diversidade.de.opções.de.estilos.de.vida..Será.também.por.isso.que,.a.terminar.este.pe-queno.texto,.relembro.a.obrigação.cultural.da.geração. actual. na. preservação. e. manutenção.deste.peculiar.ritual.para.que.possa.alcançar.o.tempo.futuro.e.as.suas.gerações.

LuísValeMestre em Estudos Culturais, vertente Antropologia

Licenciado em AntropologiaPresidente da Associação Eira – Cultura Implicada

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– AlgumasdasobrasPublicadasBem Perto do Céu – A Novena Retiro da Senhora da Serra (2007)

Histórias de Escano e Soalheira (2008)

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1. Pela. eminência. de. condicionalismos. temporais. e. geracionais,.acrescido.o.meu.desconhecimento.de.qualquer.estudo.sobre.este.ritual.deixo.aqui.o.alerta.para.que,.com.a.brevidade.possível,.se.proceda.a.um.estudo.mais.rigoroso.acerca.deste.rito..Será.uma.obrigação.hereditária.para.todos.aqueles.que.de.uma.forma.ou.de.outra,.tiveram.contacto.com.o.mesmo..

2.Modos.de.agir.que.só.nascem.no.interior.de.grupos.homogéneos.e.que.se.destinam.a.suscitar,.a.alimentar.ou.a.refazer.certos.estados.mentais.desses.mesmos.grupos.(Durkheim,.2002).

3. Diga-se,. para. bem. da. verdade. empírica,. que. será. muito. fácil.este rito, com o passar do tempo e das gerações , desaparecer defini-tivamente.da.vivência.desta.comunidade.e.passar.a.ser.mais.uma.das.inúmeras.recordações.colectivas.do.imaginário.transmontano.

4.O.tempo.sagrado.é.permanentemente.recuperável.e.repetível..Mantém-se.sempre.igual.a.si.mesmo,.não.muda.nem.se.esgota,.enquan-to.que.o.tempo.dessacralizado.tem.uma.duração.precária.e.evanescen-te,.que.conduz.irremediavelmente.à.morte.(Eliade,.2002).

5.Em.muitas.comunidades.rurais.eram.comuns.as. ladainhas,.que.consistiam.numa.procissão.que.deambulava.pelos.campos.do.termo.da.aldeia,.pedindo.aos.santos.por.uma.boa.sementeira..

6.Símbolo.por.excelência.da.palavra.que.liga.a.potência.criadora.à.sua.criação,.na.medida.em.que.esta.reconhece.a.sua.dependência.de.criatura.e.a.exprime.na.alegria,.na.adoração.ou.na.imploração..É.o.sopro.da.criatura.a.responder.ao.sopro.do.criador..

7.Marcel.Mauss.escreveu,.em.1909,.um.texto.acerca.da.Prece,.no.qual a define como “actos tradicionais eficazes que se relacionam com as coisas consideradas sagradas” e como “a instituição central no pro-cesso evolutivo da vida religiosa das sociedades e que na sua origem possui apenas rudimentos indecisos, fórmulas breves e esparsas, cân-ticos mágico-religiosos que mal se podem chamar de preces. E depois desenvolve-se, sem interrupção, e termina por invadir todo o sistema de ritos”..Segundo.este.autor.a.prece.pode.ser.considerada.um.rito,.pois possui as mesmas propriedades e a mesma eficácia de um rito re-ligioso.(Mauss,.1909).

8.Quando.digo.egoísta.é.no.sentido.de.que.me.parece.óbvio.que.face.ao.fascínio.e.aos.receios.provocados.pelo.total.desconhecimento.da.morte,.e.face.às.incertezas.quanto.ao.destino.da.nossa.alma.depois.dessa.passagem.e.na.impossibilidade.de.garantirmos.um.lugar.cativo.no.Céu,.importa.garantir.que.alguém.encomende.também.a.nossa.alma.

9.Nas.nossas.comunidades. sempre.houve. rituais.de.natalidade.e.mesmo.pré-natais..A.morte.é.redentora.

10.Segundo.recolha.de.Leonel.Vaqueiro.Salazar.que.na.Revista.Al-mocreve nº 0 faz uma pormenorizada descrição do mesmo.

11 Tem por significado “por um voto” e provém do latino vóveo..No.vocabulário.popular.é,.muitas.vezes,.substituído.pelos.termos.milagre,.graça.ou.mercê..São.vários.os.tipos.e.formas.destas.manifestações:.qua-dros, figuras, objectos e relíquias. São ainda hoje visíveis nas igrejas, sacristias.e.locais.de.veneração.ou.culto,.como.provas.do.cumprimento.de.um.voto.ou.em.memória.de.uma.graça.obtida.

12.Padrão.da.Cristandade,.símbolo.de.crença.e.elemento.falante.na.paisagem.humana..

13.A.importância.simbólica.da.encruzilhada.é.universal..Cruzamen-to.de.caminhos.encontra-se.no.centro.do.mundo..Lugares.epifânicos.(de.aparições.e.revelações),.as.encruzilhadas.são.assombradas.pelos.espí-ritos.e,.por.isso,.o.homem.que.procura.reconciliar-se.com.eles,.ergue.construções.–.obeliscos,.altares,.pedras.e.inscrições,.tudo.o.que.possa.contribuir para a reflexão. São um lugar de passagem entre mundos, da vida.para.a.morte.

14.Implícita.está.a.ideia.de.relativismo.cultural..15.Pode.ser.entendida.como.um.quadro.de.referência.partilhado.

de.recordações. individuais..É.constituída.pela. integração.de.diferen-tes.passados. (individuais).num.passado.comum.aos.membros.de.uma.comunidade.

16.Inerente.à.ideia.de.modernidade,.surge.um.contraste.com.a.tra-dição como modo de integrar controlo reflexivo da acção na organiza-ção.espácio-temporal.da.comunidade..O.papel.da.tradição.é,.também,.o.de.permitir. reanalisar.o.passado,.em.situação.de.presente,.evocar.papéis.sociais.do.mundo.de.ontem,.não.afastando.a.necessidade.de.a.própria.tradição.ter.de.ser.reinventada.por.cada.nova.geração.(MAIA).

Bibliografia:DURKHEIM,.Émile,.2002,.As Formas Elementares da Vida Religiosa,.

Oeiras,.Celta.Editores;ELIADE,.Mircea,. 2002,.O Sagrado e o Profano,. Lisboa,. Livros. do.

Brasil;ESPÍRITO.SANTO,.Moisés,.1990,.A Religião Popular Portuguesa,.Lis-

boa,.Assírio.&.Alvim;LOPES,. Paulo,. 2002,. Encomendação das Almas,. in. Revista.Almo-

creve.-.edição.0,.Carção,.Edição.da.Associação.Cultural.dos.Almocreves.de.Carção;

MAIA,. Rui. Leandro. (org.),. 2002,.Dicionário de Sociologia,. Porto,.Porto.Editora;

MAUSS,.Marcel,.1909,.La Prière,.Paris,.Félix.Alcan.Éditeur;.RODRIGUES,.Francisco,.2000,.Carção suas gentes usos e costumes,.

Carção,.Câmara.Municipal.de.Vimioso;VALE,.Luís,.2007,.Bem Perto do Céu – a novena-retiro da Senhora

da Serra,.Chamusca,.Edições.Cosmos.

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Page 54: Revista Almocreve 2009

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Por.gentileza.de.«O.Almocreve.de.Carção»,.tive.o.privilégio.de.ler.o.livro.«Carção,.a.Ca-pital. do. Marranismo»,. excelente. trabalho. de.investigação.histórica,.da.autoria.de.Fernanda.Guimarães.e.António.Andrade.

Devem.os. seus. autores. ser. felicitados.por.este.valioso.contributo.para.o.estudo.das.co-munidades.cripto-judaicas.da.região,.e.encora-jados.a.continuar.a.obra,.como.prometem.

Gostaria. de. dedicar. este. meu. comentário.a algumas reflexões pessoais sobre o uso dos termos. marrano e marranismo,. sobre. o. qual.ainda.não.consegui.libertar-me.totalmente.de.sentimentos.mistos.

Tempo.houve.em.que.era.intransigente.na.minha.objecção.ao.uso.do.vocábulo.marrano,.para.designar.o.cripto-judeu,.isto.é,.o.indiví-duo que, professando oficialmente outra reli-gião,.v.g..o.cristianismo,.segue.secretamente.todos.ou.alguns.rituais.judaicos1..

Quando,.na.década.de.1980,.aceitei.colabo-rar.voluntariamente.na.feitura.do.documentá-rio.de.Frédéric.Brenner.e.Stan.Neumann,.«Les Derniers Marranes». sobre. esse. tema,. impus,.como condição, que me foi confirmada por es-crito,.que.o. título.não. incluiria.essa.palavra,.que.eu.considerava.pejorativa..

Quando o filme se encontrava na fase da montagem, e, quando, por necessidade de fi-nanciamento,.a.empresa.produtora.francesa.se.viu.forçada.a.fazer.um.contracto.com.um.canal.de.televisão,.foi-me.pedido.que.os. libertasse.do.compromisso.assumido.para.comigo,.pois.de.contrário.a.associada.potencial.se.recusava.a.participar.

Os. argumentos. que. me. venceram. foram.dois:.marrano.era.a.designação.pela.qual.eram.universalmente.conhecidos.os.heróicos.descen-dentes.dos.judeus.convertidos.pela.força,.que.conseguiram. manter,. em. constante. perigo. de.morte,.as.suas.tradições.secretamente,.durante.quatro.séculos..Tornara-se,.portanto,.mais.num.título.de.mérito,.do.que.num.apodo.negativo..Por.outro.lado,.era.também.usado.sem.relutân-cia.por.historiadores.eméritos.como.Cecil.Roth.e.Salvador.Revah,.entre.muitos..Cripto-judeu,.a.designação.que.eu.pedia.que.fosse.usada,.só.seria.reconhecida.pelos.estudiosos,.que.não.re-presentavam.certamente.a.maioria.da.audiên-cia.que.o.documentário.iria.ter.

Antes de me render à evidência, fiz um pe-queno.estudo.sobre.a.matéria..São.as.conclu-

A origem e evolução da palavra Marrano

sões.desse.estudo.que.me.proponho.comparti-lhar.com.os.leitores.

A.história.das.palavras,.envolvendo.etimo-logia.e.semântica,.sofre.como.toda.a.história,.da. sua. característica. de. interpretação,. nem.sempre. objectiva,. nem. sempre. comprovada.por.factos,.e.deve.ser.encarada,.portanto,.com.todas.as.reservas.e.com.a.admissão.A.priori.da.possibilidade.de.erros.

Marrano...palavra.que.nos.chegou.da.língua.castelhana significava porco..Disso.não.há.dú-vidas..A.sua.atribuição,.primeiro.aos.judeus.em.geral,.depois.aos.judeus.convertidos.ao.cristia-nismo,.indica.uma.manifestação.de.desprezo,.através. do. nome. de. um. animal,. considerado.imundo,. cujo. consumo. lhes. estava. proibido.pela.sua.anterior.religião.

Originalmente,. era. uma. palavra. árabe,.muharrama,.de.cujas.diversas.acepções,.todas.em.redor.do.mesmo.sentido,.podemos.destacar.excluído, proibido, excomungado.. O. termo,.usado.pelos.ocupantes.muçulmanos,.terá.pois.ficado para a língua castelhana, como o nome do.animal.proibido,.mas.também.como.o.indi-víduo.excluído.da.sociedade..O.falso.converti-do,.tanto.judeu.como.muçulmano.no.passado,.deveria.ser.excluído..Era.uma.muharrama,.um.marrano...

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Na.prática,.era.impossível.distinguir.entre.os significados de marrano.e.de.porco.

Evidentemente.que,.nos.meios.judaicos,.o.termo.marrano.não.era.usado.

Vejamos,.o.que.podemos.aprender,.a.esse.propósito,.no.processo.de.Francisco.Mendes,.o.Beicinho,.de.Miranda.do.Douro,.na. Inquisição.de.Évora,.no.ano.de.1544.

Francisco.Mendes.era.um.preceptor.secreto.da.religião.judaica,.junto.dos.cristãos-novos.da.região.mirandense.e,.mesmo.no.cárcere,.era.consultado.pelos.restantes.presos,.em.matéria.de.religião.

Perguntado. sobre. os. méritos. de. um. livro.escrito.por.certo.judeu,.que.se.havia.converti-do,.“como.eles”.e.era.agora.cristão,.Francisco.Mendes.atalhou.logo.que.eles.não.eram.como.aquele,. porque. eles. eram. anussim (forçados.em.hebraico,.singular.anuss),.enquanto.o.outro.era.um.mechumad,.isto.é.um.renegado,.que.se.havia.convertido.voluntariamente.

O. termo. anuss, anussim,. usado. por. este.cripto-judeu,.no.cárcere.da.Inquisição.no.sécu-lo.XVI,.já.era.usado.há.muitos.séculos.antes,.e.ainda.hoje.é.usado.na.literatura.hebraica,.para.designar.os.convertidos.pela.força.na.Península.Ibérica.e.os.seus.descendentes...

É.também.a.designação.usada.actualmente.pelas. diversas. organizações. de. descendentes.de. conversos,. em. diversos. países. do. mundo,.que.procuram.aprofundar.as.suas.raízes.judai-cas.e.regressar.ao.judaísmo.dos.seus.antepas-sados,.como,.por.exemplo.Saudades,.na.África.do.Sul,.Kulano,.nos.Estados.Unidos,.e.Shavei Yisrael,.em.Israel.

Temos.assim.o.termo.hebraico.Anussim.(ou.na grafia inglesa Anusim) a ser usado em várias línguas,.em.substituição.de.Marrano..Em.Israel,.só.se.usa.anussim.

Como. a. criatividade. humana. não. tem. li-mites, há quem use a grafia marranus (Barros Basto.foi.mais.longe.e.escrevia.maranus,.com.

um.só.R).e.então.propõem.uma.pseudo-etimo-logia.hebraica.para.a.palavra...mar.anuss.

Mar pode ter dois significados em hebraico: senhor.e.amargo.

Assim.mar+ânus.poderia.ser.senhor.forçado,.ou,.mais.plausivelmente,.amargamente.força-do.. Barros. Basto,. intitulado,. o. Apóstolo. dos.Marranos,. pelo. historiador. judeu. Cecil. Roth,.passou a usar também o termo com o sufixo hebraico para o plural: maranussim!

Deixando.estas.especulações,.que.só.muito.boa.vontade.poderia.levar.a.aceitar.como.his-tóricas, tentemos agora colocar o significado de.marrano,.no.seu. lugar.semântico,.ao. lado.de.cristão-novo.e.de.cripto-judeu.

Israel.Salvador.Revah,. falecido.historiador.judeu.francês,.entendia.que.todos.os.marranos.são.cristãos-novos,.mas.nem.todos.os.cristãos-novos.são.marranos..Isto.é,.antes.da.abolição.da. distinção. entre. cristãos-velhos. e. cristãos-novos,. todos. os. descendentes. de. judeus. for-çados. a. converter-se. ao. cristianismo,. eram.cristãos-novos..Mas.só.aqueles,.de.entre.eles,.que.continuavam.a.praticar.em.segredo.remi-niscências.do.culto.judaico,.eram.marranos.

Aceito.a.diferenciação,.como.sou.forçado.a.aceitar.o.uso.comum.que.se.dá.hoje.ao.termo.marrano,. como. equivalente. de. cripto-judeu,.designação.esta.que.me.parece.menos.contro-versa.e.mais.correcta.

Tenho.muitos.amigos.em.Belmonte.que,.na.altura.em.que.os.conheci.eram.cripto-judeus..Pertenciam. a. um. grupo. de. famílias. de. cris-tãos-novos.que.persistentemente.conseguiram.transmitir.e.manter,.de.geração.em.geração,.uma.tradição.religiosa.judaica,.durante.quatro.séculos..Nas.últimas.décadas.eles.adoptaram.o.judaísmo.moderno.e.foram.aceites.no.seu.seio..Apesar.disso,.algumas.pessoas.mais.idosas,.en-tre.eles,.continuam.a.manter,.às.escondidas,.em.paralelo.com.o.culto.da.sinagoga,.os.costu-mes.ancestrais,.que.receberam.por. transmis-são.familiar..

São.reminiscências,.que.me.atreveria.cha-mar, à falta de melhor classificação, de crip-to-marranismo.... Aquilo. que. praticavam. no.passado.e.escondiam.dos.padres,.continuam.a.praticar.agora,.às.escondidas.dos.rabinos...

Em.Trás-os-Montes,.penso.que.já.não.existe.cripto-judaísmo..Há.cerca.de.25.anos,.quando.a.conheci,.a.bondosa.senhora.Olívia.Lopes,.ou.Olívia.Tabaco,.como.era.conhecida,.sabia.mui-tas.orações.do.tempo.de.sua.mãe,.e.quando.se.lembrava,.ainda.acendia.as.candeias.nas.noites.

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de. sexta-feira,.pronunciando.em.português.a.mesma.oração.que.a.minha.mulher.ainda.hoje.usa,. em. hebraico,. para. acender. as. velas. de.Shabath.

O.meu. saudoso. amigo,.Amílcar. Paulo,. um.pioneiro.na.recolha.das.orações.dos.cripto-ju-deus,.ainda.conheceu,.dez.anos.antes,.a.mãe.de.Olívia,.que.se.chamava.Otília.Augusta.Lo-pes,.e.testemunhava.que.ela.não.só.praticava,.mas.sabia.de.cor. todo.um.manancial.de.ora-ções.cripto-judaicas.em.português.

Em.Rebordelo,.Deolinda.Araújo,.que.conhe-ci.com.94.anos.de.idade,.e.com.quem.conver-sei.outra.vez,. três.anos.mais. tarde,.era.uma.mulher.com.uma.personalidade.extraordinária,.que.mantinha.uma.relação.directa.com.Deus,.comunicando.com.Ele.por.suas.próprias.pala-vras.. Sabia. de. cor. todas. as. mesmas. orações.registadas.em.Belmonte,.como.sabia.as.que.o.padre.lhe.ensinara.na.igreja.

Tendo ficado órfã de mãe, quando era pe-quenina,. seu. pai,. que. era. polícia. de. viação,.colocou-a.em.Rebordelo,.em.casa.de.uma.tia..Vinha.visitá-la.sempre.que.podia,.com.o.mo-tociclo do seu serviço. Por isso, a filha ficou conhecida.por.Deolinda.do.Mota..Deolinda.deu.à luz 18 filhos, “nunca tive uma dor, porque o Senhor.sempre.me.ajudou..Era.como.ir.buscar.uma.bilha.de.água.à.fonte...”.

Quando.era.menina,.o.padre.mandou-o.re-zar as suas orações, lembrava-se ela. “Quais? as da igreja ou as de casa?”. O sacerdote católico que,.segundo.outras.fontes.locais,.também.era.de. origem. cristã-nova,. pediu-lhe. as. de. casa..E,.quando.as.ouviu.disse-lhe:.“Deolinda,.podes.dizer.umas.e.outras,.pois.todas.são.boas,.e.se.rezares.do.coração,.Deus.não.faz.distinção”.

Mas. Deolinda. não. precisava. da. aprovação.de.ninguém.para.seguir.a.sua.religião..Nunca.escondeu. a. sua. qualidade. de. judia..A. quem,.como. eu. lhe. fazia. perguntas. sobre. esta. ou.aquela.versão.das. suas.orações,.onde.encon-trei.reminiscências.em.língua.hebraica,.ela.ti-nha.uma.resposta.pronta:.“O.senhor.com.a.sua.e.eu.com.a.minha”.

Diz.o.Talmud.que.“foi.por.mérito.das.nossas.mães.que.os.nossos.pais.saíram.do.Egipto”..

Em.Trás-os-Montes.e.nas.Beiras,.foi.por.mé-rito.das.judias.piedosas.que.se.conservou.a.me-mória.do.judaísmo.de.antanho.

InácioSteinhardt

––––––––––––––––––––1.O.termo.aplicou-se.também.aos.mouros,.que.praticavam.

a.sua.religião.às.escondidas,.mesmo.depois.de.convertidos.ao.cristianismo,.mas.com.menos.impacto.

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Todas.as.povoações.do.Nordeste.Transmontano-salvo raras excepções – onde se refugiaram e fixa-ram pessoas de etnia judaica, desde os finais do século.XV,.distinguiram-se.pelo.poder.de.iniciativa.que.conduziu.ao.progresso.económico.e.social.das.populações..Ainda,. neste. princípio. do. século. XXI,.podemos. citar. alguns. desses. povos. que. viram. au-mentar as suas populações pela fixação dos judeus. Estão.nestas.condições.as.povoações.de.Sendim,.no.concelho.de.Miranda.do.Douro;.Lagoaça,.no.Conce-lho.de. Freixo.de.Espada.à.Cinta. e. a. própria. sede.de. concelho;. Rebordelo,. no. Concelho. de. Vinhais;.Vilarinho.dos.Galegos,.no.concelho.de.Mogadouro;.Campo.de.Víboras,.Argoselo.e.Carção,.no.concelho.de.Vimioso,.e.a.própria.sede.de.concelho.

Nestas. povoações,. apesar. de. toda. a. depuração.que.a.Inquisição.exerceu.durante.os.séculos.XVI.a.XIX,.a.população.de.sangue.hebreu.procurou.integrar-se.vencendo.leis,.condições.e.circunstâncias,.atingindo.os fins sem olhar aos meios, porque, como diz o pro-vérbio.de.Carção,”onde há lucros não há escrúpulos”..Interessa.realizar.capital.de.tudo,.interessa.viver,.fa-zendo.do.negócio.um.ideal.e.essencial.“modus viven-di”.et cogitandi (um modo de viver e de pensar)..

Constatamos,.no.entanto,.que.este.modo.de.vi-ver. e. de. pensar. levou. ao. trabalho. e. ao. sacrifício.duro. que. fez. o. progresso. de.muitas. famílias. e. de.muitos.povos..Não.vamos.fazer.mais.considerações,.porque.muita.gente.está.mais.informada.do.que.eu,.no.que.a.isto.diz.respeito...

O.que.nos.leva.a.escrever.estas.poucas.linhas.é.um. documento. que. fala. de. uma. licença. da. Junta.Das.Fábricas.do.Reino.emitida.por.despacho.de.20.de Julho de 1785 a favor de Ana Garcia e seus filhos, António.Lopes,.Manuel.Lopes.e.Francisco.Lopes.para.a.montagem.de.uma.fábrica.de.cola.na.povoação.de.Carção,.naquele.tempo,.termo.da.vila.de.Outeiro.

Devemos.deixar.claro.que.este.documento.é.ci-tado.pelo.Abade.de.Baçal,.na.página.203.do.Vol..IV.das.Memórias.e.o.mesmo.Abade.refere,.no.volume.II.da.mesma.obra,.que.há.ainda.três.fábricas.de.cola..Em.segunda.mão,.também.José.Maria.Amado.Mendes.cita.o.Abade.na.página.411.da.obra.Trás-os-montes nos Fins do século XVIII..

Acontece.que.nem.o.Abade.de.Baçal.nem.Amado.Mendes.transcreveram,.integralmente,.o.documen-to.que.nos.parece.de.certo.interesse.pela.totalidade.do.conteúdo.

O.facto.de.a.Junta.do.Comércio.e.da.Junta.das.Fábricas.do.Reino.conceder.licença.para.abrir.a.fá-brica.de.cola,.em.Carção,.é. importante.enquanto.mostra.o.poder.de.iniciativa.da.parte.de.Ana.Garcia.e seus filhos de montar um empreendimento com

UM INTERESSANTE DOCUMENTO SOBRE A FÁBRICA DE COLA DE CARÇÃOfim lucrativo, mas é também de muito relevo o fac-to de ser um empreendimento a favor dos artífices de.novos. inventos.e. com.a.obrigação.expressa.de.ensinar. os. aprendizes. nacionais. que. “em. número.competente.a.Junta.lhes.arbitrar“...

A.orientação.da.Junta.vem.no.sentido.de.ensinar.aos.novos.aprendizes.as.novas.tecnologias.do.tem-po.e.o.que.nos.surpreende.bastante.é.o.facto.de.os.senhores.da.fábrica.serem.obrigados.a.instruir.“sem reserva alguma e sem que por este respeito (pelo ensino) possam pedir ou aceitar prémio algum nem ainda pecuniário durante o tempo da sua obrigação (de ensinar) que não excederá cinco anos. Para este “curso”,.os.donos.da.FÁBRICA.deviam.obrigar.a.ma-tricular.os.aprendizes.na.Secretaria.da.mesma.Junta.tudo.na. forma.e.debaixo.das.obrigações.do. termo.que.assinaram na dita Secretaria deste Tribunal, vis-to que pela sua perícia se conste serem dignos desta graça que lhe facultamos por este Alvará”, etc.

Neste.nosso.tempo.do.século.XXI,.ouvimos.falar.em.novas.tecnologias..Estamos.no.tempo.dos.com-putadores,.dos.MP,.das.iniciativas.de.novos.empre-sários.da.Agricultura,.da.Indústria.e.do.Comércio.e.das.técnicas.de.markting,.etc.,.mas,.como.vemos,.neste.e.em.outros.testemunhos.documentais,.o.de-sejo.e.a. iniciativa.do.progresso.vem.de. longe.e.o.que mais nos edifica é que já, há mais de duzentos anos,.os.poderes.centrais.viam,.na. indústria,.uma.fonte.de.lucro.e.progresso,.aceitando.e.estimulando.a.montagem.de.fábricas.e.também.levando.os.donos.a.ensinar.a.quem.quisesse.aprender.novas.artes.e.métodos.de.aprendizagem,.constituindo,.por.assim.dizer verdadeiros centros de formação profissional. Sabemos.que.esta.indústria.da.cola.foi.bem.sucedi-da,.porque.em.Carção,.no.tempo.do.abade.de.Baçal,.em.pleno.século.XX,.ainda.existiam.três.fábricas.de.cola..Não.consta.que,.hoje,.em.Carção.ou.em.Argo-selo,.exista.ainda.alguma.fábrica.de.cola,.mas.ainda.há.quem.se.lembre.da.elaboração.da.cola.em.cal-deiras, de maneira artesanal. Foi a ciência que ficou dos.velhos.tempos.do.século.XVIII.e,.com.certeza,.de.tempos.anteriores.

Quais os produtos usados na elaboração dacola?

A.cola.é.uma.substância.adesiva.que.se.produz.a.partir.de.produtos.animais,.vegetais.ou.ainda.por.mistura.destes.produtos..

É.de.admitir,.sem.reservas,.que.os.fabricantes.de.Carção.usassem.as.peles,.os.ossos.e.cartilagens.para.a.obtenção.das.colas.de.origem.animal.constituídas.por.gelatinas.e.condrina,.produto.que.se.obtém.do.cozimento.das.cartilagens..Também.usaram.as.resi-

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Page 60: Revista Almocreve 2009

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nas.das.árvores.–.pinheiro,.cerejeira,.amendoeira,.juntamente.com.os.produtos.animais..

Carção,.bem.como.Argoselo,.eram.terras.de.cur-tidores..Por.isso,.estes.agentes.do.negócio.e.da.arte.da. pele. aproveitavam. as. gelatinas. dos. ossos,. das.cartilagens.e.das.peles.para. fabricar.a.cola..Nada.se.perdia.do.pelame.e.do.ossário..Tudo.se.transfor-mava..Realmente.o.judeu.foi.sempre.inteligente.e.de.visão.muito.larga.para.a.produção.e.para.o.ne-gócio..

Qual a utilidade da cola? A.cola.era.exportada.para. fora.da. região,.mas.

também.usada.aqui,.em.todo.o.Nordeste,.em.mó-veis.de.madeira,.na.colagem.das.diversas.peças.de.centenas.de.retábulos.de.madeira.das.nossas.igre-jas,.e.como.tapa.poros.das.diversas.peças.de.ma-deira.dos.retábulos,.esculturas.e.móveis,.amassada.com.serrim.para.colar.esculturas.e.as.madeiras.nas.habitações,.para.pegar.o.couro,.o.papel.e.o.vidro,.etc..

Na.época.do.licenciamento.da.fábrica,.este.pro-duto. devia. ter. uma. grande. procura,. porque. alem.desta,.existiram,.em.Carção,.mais.duas.fábricas.de.cola,.que.se.aguentaram,.até.bem.adiantado.século.XX..Todas.estas.fábricas.desapareceram.com.a.che-gada.da.grande.indústria.de.novos.produtos,.com.o.desenvolvimento.dos.meios.de.comunicação.e.dos.transportes..E. também.com.o.abandono.desta. re-gião.por.parte.dos.poderes.centrais.que.tudo.con-centraram.nos.grandes.centros.urbanos.e.industriais.do.litoral,.mas.o.Nordeste.Transmontano.gerou,.des-de.longa.data,.homens.de.iniciativa.económica,.de.envergadura.cultural.que.se. impuseram.e. impõem.também.socialmente,.como.valores.de.grande.rele-vo.no.país.e.no.estrangeiro..Isto.é.para.lembrar.aos.senhores.dos.governos.que.em.Lisboa.se.encerram.nos. seus. gabinetes. como. frades. em. clausura. per-pétua,.a.obrigação.que.têm.de.olhar.com.olhos.de.homens. para. a. esperta. e. laboriosa. gente. do. Nor-deste.Transmontano.e.trata-la.como.é.seu.expresso.dever.

ApêndicedocumentalCarçãoRegistodalicençadaJuntadoComérciopara

sefabricarcolanolugardeCarçãoquehease-guinte:

O Presidente e deputados da Junta da Ademe-nistração das Fábricas do Reyno e obras de Agoas Li-vres concedemos licença a Anna Garcia viúva e seus filhos António lopes Manoel Lopes e Francisco Lopes moradores no lugar de Carção termo da villa de Ou-

teiro ,Comarca de Bragança para que possao abrir no mesmo lugar de Carção huma fábrica de fazer cola e isto em virtude da Real resolução de Sua Ma-jestade a favor dos artifices dos novos inventos com declaração porem que serão obrigados a ensinar aprendizes nacionais que em numero competente lhe forem arbitrados por esta Junta ,instruindo-os sem reserva alguma sem que por este respeito lhes possam pedir ou aceitar premio algum nem ainda pecuniário durante o tempo da sua obrigação que não excederá de cinco anos fazendo-os igualmente matricular na Secretaria da mesma Junta tudo na forma e debaixo das obrigaçõens do termo que as-sinarao na dita Secretaria deste tribunal visto que pela sua perícia se conste averse dignos desta graça que lhe facultamos por este alvará por nós asignado e sellado com o sello desta Junta .

Lisboa vinte e tres de Setembro de mil setecen-tos e oitenta e cinco com quatro rubricas//

PordespachodaJuntadevintedeJulhodemilsetecentoseoitentaecincoRegistadoafo-lhasduzentoseoitentaesetedolivroSegundodoRegistodaSecreatariadamesmaJunta. Cum-prasse e registesse .Bragança vinte e seis de Outu-bro de mil setecentos e oitenta e cinco. Saopaio. E não dizia mais a dita licença de faculdade que aqui copiei da propria que entreguei ao suplicante Mano-el Lopes que assignou de como a recebeu.

Bragança e Outubro vinte e seis de 1785 João Alves de Almeida o escrevi e assinei.

João Alves de Almeida; Manoel Lopes

(LivrodoRegistodasLeisdaCâmaradeMi-randadoDouro,1762-1801,fol.174e174/V)

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Fontes:

ArquivodaCâmaraMunicipaldeMirandadoDouro,LIVRODEREGISTODASPROVISÕESDEMIRANDADODOURO,

fol.174e174/V).Alves,PeFranciscoManuelAlves,MemóriasArqueoló-

gico–HistóricasdoDistritodeBragança,Vol.IIevol.IVMendes, José Maria Amado, Trás os Montes nos fins do

séculoXVIII,Coimbra1981

AntónioRodriguesMourinhoDoutoramento em História da Arte - Universidade de Valladolid.

Licenciatura em História da Arte - Universidade de Valladolid.Director do Museu de Terras de Miranda, de 1988 a 2007

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––AlgumasobraspublicadasA talha nos concelhos de Miranda, Mogadouro e Vimioso

A História do Património Histórico e Artístico do Concelho de Macedo de Cavaleiros

Documento para o Estudo da Arquitectura Religiosa Antiga

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O. Concelho. de. Vimioso. situa-se. no. nor-deste.transmontano,.pertence.ao.Distrito.de.Bragança, confina a Norte com a Espanha, a Nascente.com.o.Concelho.de.Miranda.do.Dou-ro,.a. sul. com.o.Concelho.de.Mogadouro.e.a.poente.com.os.Concelhos.de.Bragança.e.Ma-cedo.de.Cavaleiros..Tem.uma.área.de.481.5.quilómetros. quadrados. e. é. composto.por. 14.freguesias:.Algoso,.Angueira,.Argozelo,.Avela-noso,.Caçarelhos,.Campo.de.Víboras,.Carção,.Matela,.Pinelo,.Santulhão,.Uva,.Vale.de.Fra-des,.Vilar.Seco.e.Vimioso..

Há. casas. tradicionais. de. rara. qualidade,.já. que. mantêm. as. características. típicas. do.século.XIX,.ainda.com.os.alpendres,.as.clara-bóias, o poço, o curral ... enfim, o embeleza-mento.proporcionado.pela.utilização.da.pedra.e.da.madeira.

Actualmente,. sente-se. alguma. procura.deste tipo de casas a fim de serem aprovei-tadas.para.o.Turismo.Rural.e.ainda.bem.que.assim. é,. caso. contrário. será. a. degradação.inevitável..As.várias. fotos.que.apresentámos.constituem. uma. amostragem. de. dois. tipos.de. casas,. muito. típicos. do. concelho.. O. gru-po.que.considerámos. ter.pertencido.a. famí-

lias.de.parcos.recursos,.parece-nos.ser.muito.típico,. deste. concelho..Apesar,. de. se. terem.feito. algumas. reconstruções,. ainda. persis-tem.uma.larga.amostragem,.e.o.motivo.é.que.quem.constrói.quer.construir.em.espaços.mais.amplos.não.no.meio.do.centro.urbano,. local.onde.se.situam.estas.casas..São.casas.que.se.foram.fazendo.por.partes,. iam-se.ampliando.conforme.as.necessidades.e.as.posses,.mas.no.geral.são.muito.exíguas,.talvez.por.não.haver.posses. para. fazer. maior. e. melhor. mas. tam-bém.porque.o.espírito.de.poupança.a.isso.re-comendava.“casa.quanto.caibas”.

Ao. lado. destas. há. algumas. que. apontam.para. outro. tipo. de. construção,. também,. a.opulência.e.ou.o.espírito.dos.donos,.é.notório.logo.pelo.exterior.do.alpendre,.dos.pilares,.da.varanda,.e.pelo.tipo.de.pedra.utilizada.

Fiz uma reportagem fotográfica deste tipo de.construções.já.lá.vão.uns.doze.anos,.agora,.quando.fui.fazer.uma.visita.de.reconhecimento.notei.que.algumas.das.casas.já.não.existiam,.e.outros.levam.a.placa.“vende-se”,.qualquer.dia.este.património.será.uma.miragem.

Casa com sacada ou Alpendre em MatelaÉ.uma.construção.em.dois.andares..O.pri-

meiro.em.ardósia.e.xisto,.o.segundo.em.estu-

que.(palha.e.madeira),.por.ser.mais.fácil.o.seu.tratamento.

No.primeiro.andar,.situava-se.a.loja,.onde.se.guardava.a.criação..Debaixo.das.escadas.há.ainda.uma.outra.dependência.para.pequenas.arrumações.

As casas típicas dos séculos XIX e XX no concelho de Vimioso

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O.segundo.piso.servia.de.residência.aos.do-nos..Aí. se. encontravam. todos. os. apetrechos.necessários.ao.dia.a.dia.do.agricultor.e.que,.como.podemos.imaginar,.seriam.apenas.os.es-tritamente.necessários.

Este. modelo. de. casa. pode. ser. apreciado.em.várias. aldeias. do. concelho.. Regra:. casas.pequenas,.poucas.divisões,.apenas.as.estrita-mente.necessárias..Dois.pisos:.um.para.os.ani-mais,.outro.para.o.agregado.familiar;.escadas.varanda.e.alpendre..

Material. utilizado:. pedra,. madeira,. estu-que,.telha.e.foram.caídas.a.branco.

Geralmente.estão.viradas.a.sul,.mas.tam-bém.há.algumas.viradas.a.poente.

Actualmente.algumas.já.deram.lugar.a.ou-tro.tipo.de.habitação.e.muitos.procuram.novo.dono, um reflexo da falta de gentes que ca-racteriza.este.nordeste.transmontano..

Casa em MatelaUtiliza. os.mesmos.elementos.de. constru-

ção da figura 1, embora com algumas dife-renças.construtivas.ao.nível.das.escadas.e.da.entrada.para.a.loja.

O.corrimão.é.muito.simples:.umas.ripas.de.várias.dimensões.dão-lhe.a.estética.

A.telha,.conhecida.por.telha.antiga,.é.a.usu-al.nesta.época.e.nesta.zona..Em.quase.todas.as.

aldeias havia telheiros que aproveitavam o fim de.verão.para.fazer.umas.fornadas..

Matéria-prima:. palha,. barro. e. excremen-tos.dos.asininos.e.mulares.para.dar.maior.con-sistência.

Lá.está,.bem.visível,.na.porta.do.andar.in-ferior,.a.gateira.para.entrada.livre.dos.gatos..Está.em.estado.bastante.degradado..

A.recuperação.é.urgente.

Casa com Forno em São JoanicoEsta.casa.apresenta.soluções.construtivas.

muito.vulgares,.embora.tenha.tido.um.acres-cento.à.posteriori.do.qual.surgiu.um.forno.

Geralmente,. o. forno. surge. na. cozinha,. e.não. havia. chaminés.. Neste. caso,. adaptou-se. um. forno. no. alpendre,. que. por. sinal,. se.apresenta. em. boas. condições,. também. aqui.

se.utilizaram.os.elementos.da.região:.pedra,.telha.e.barro,.materiais.que.estão.à.vista,.cla-ro.está.que.outra.parte.invisível,.segredo.de.cada.artista.

Fazer.um.forno.é.trabalho.de.artista,.sim.porque.erguer.uma.cúpula.exige.alguma.téc-nica..Desde.que.se.inicia.a.parte.inferior.até.colocar. a. chave. praticam-se. conhecimentos.geométricos,.empíricos….transmitidos.de.ge-ração. em. geração. obras. de. arte. e. engenho.sem.que.manuais.de.arquitectura..

Virada.a.Sul,.esta.casa.tem.sol.todo.o.dia,.que. inveja. para. muitos. citadinos,. pena. que.alguns. dos. engenheiros. e. arquitectos. conti-nuem.a.projectar.casas.no.mundo.rural. sem.que.este.pormenor.seja.equacionado..

O.alpendre.é.suportado.por.grossos.toros.de.madeira.

Casa em CaçarelhosTrata-se.uma.casa.de.lavoura.virada,.sensi-

velmente,.a.sul.e.muito.típica.da.arquitectura.

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conseguida.à.base.do.granito.da.região.Tudo.indica.que.terá.sido.erguida.por.par-

tes..Devemos.registar.o.aproveitamento.que.se. fez. do. espaço,. mas. também. a. ideia. de.imortalidade,.traduzida.tanto.pela.força.e.pe-renidade.da.pedra.que.utiliza,.como.pelas.ins-crições que ficaram na porta e nas janelas.

Digna.de.apreço.

Casa em AvelanosoO.que.torna.esta.casa.especial.é.a.forma.

circular.que.surge.do.lado.esquerdo.

Tinha.alpendre.e.a.matéria-prima.utilizada.foi.a.pedra,.o.estuque.e.a.madeira..

O.conjunto.continua.a.representar.a.casa.típica.transmontana,.com.o.alpendre.no.pri-meiro.andar.e.a.loja.no.rés-do-chão..

O material de construção, como a figura o revela,.é.o.típico.da.região.

Casa com Porta-postigo em AvelanosoSalientamos. através. desta. casa,. a. porta.

com.postigo..

Na.porta,.há.um.elemento.que.abre,.o.que.possibilita.a.entrada.de.luz,.a.conversa.com.os. vizinhos.... sem. ter. que. obrigatoriamente.expor.a.casa.aos.olhos.estranhos..

Em.casas.em.que.a.luz.natural.tinha.difícil.acesso,.esta.solução.era.óptima,.pois.funcio-nava.como.uma.porta-janela.

Casa em AvelanosoEsta. casa,. de. consideráveis. dimensões,.

quanto.nos.conseguimos.aperceber,.apresenta.esta.varanda,.virada.a.nascente,.sem.dúvida.óptima.para.uma.sesta.num.dia.de.verão.

É.mais.uma.casa.de.lavoura,.com.os.dois.andares, cada um com funções bem defini-das..

Casa e Curralada em CaçarelhosEsta. casa. apresenta. trabalho,. essencial-

mente,.à.base.de.granito.moldado.a.pico.É.um.exemplar.de.casa.de.lavoura.típica.À. direita. vemos. o. que. foi. uma. porta. de.

madeira,.típica.de.um.curral,.por.vezes.tam-bém.chamadas.de.curraladas.

Ainda.há.poucas.décadas.atrás.se.utiliza-vam.muito.este.tipo.de.portões,.também.co-nhecidos.por.portaladas..

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Casa com Forno em Vale de Pena (parte do forno à esquerda)

A. construção.é. feita. com.pedra. irregular.e. revestida. com. barro. que. depois. era. caia-do..Na.casa.típica.transmontana.era.frequen-

te.ver.o.forno.inserido.na.cozinha,.não.havia.chaminés,.um.espaço.óptimo.para.curar.o.fu-meiro..Tudo.se.passava.num.espaço.muito.exí-guo.dando.razão.ao.provérbio.popular:.“casa.quanto caibas!

Casa com Varanda e Alpendre em Caça-relhos

Este.bonito.conjunto.encontra-se.a.sul.da.igreja.Matriz.de.Caçarelhos.

.Como.é.visível,.os.três.pilares.proporcio-nam. um. conjunto. de. rara. beleza.. Podemos.imaginar.que.livros.de.arte.conheceriam.estes.canteiros.para.representarem.fustes.tão.gra-ciosos!

Esta, pertenceu a uma família afidalgada, e.é.algo.diferente.das.que.temos.vindo.a.apre-sentar!

Ao.lado,.notam-se.os.vestígios.de.um.an-tigo.lagar.de.vinho,.só.pode,.porque.em.Ca-çarelhos,. como. dizem. os. seus. habitantes,. a.quantidade.de.azeite.é.todos.os.anos.a.mes-ma. Não são necessários lagares de azeite!

Varanda de Casa em CarçãoEsta. casa,. derrubada. alguns. anos,. apre-

sentava. uma. solução. para. a. varanda. que. se.divulgou. bastante. nesta. região,. uma. grande.lousa.de.xisto.assente.em.dois.cachorrões.

As.paredes.revelam.uma.construção.feita.à.base.dos.materiais.da.zona..Perante.tal.ma-ravilha. de. determinação. e. engenho. pergun-támos:. -. Como. foi. possível. erguer. tamanha.pedra e colocá-la naquela varanda?

Casa em AvelanosoTal.como.a.anterior,.esta.casa.utiliza.gran-

des.lajes.de.xisto.para.obter.a.varanda..Nota-se.que.foi.reconstruída,.em.parte.

Casa em CarçãoA fotografia tenta demonstrar esta maravi-

lha.da.arquitectura.rural.carçonense..O.alpendre. torna-se. singular;. as. ripas.de.

madeira..Ao. lado. esquerdo. vemos. um. forno.erguido sobre troncos de madeira, original! As escadas.davam.para.duas.portas,.numa.delas.a. ferradura.para.não.deixar.entrar.os.maus-olhados,.ou.as.bruxas,.sei.lá…O.piso.inferior,.

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como.tantos.outros,.estava.destinado.aos.ani-mais.e.às.arrecadações..

Plena. utilização. dos. materiais. existentes.na.região.

Casa em CarçãoNesta. pequena. habitação,. já. desabitada,.

nota-se.uma.porta.com.postigo,.em.madeira.maciça.

O.trabalho.do.xisto,.e.a.solução.para.sus-tentar.o.alpendre,.são.de.algum.interesse..

Na. arquitectura. da. actualidade,. acabam.por. ser. também. estas. as. soluções.. Evita-se.contacto.da.madeira.com.zonas.mais.exposta.ao.tempo,.e.evita-se.a.degradação.

As.escadas.são.uma.amostra.do.que.foram.

Casa em CarçãoA.semelhança.com.as.duas.anteriormente.

referidas.é.notória.as.entradas.de.luz.são.as.que.se.vêm.

As.grades.da.varanda.já.utilizam.o.ferro.o.que.não.deixa.de.ser.uma.novidade..

Repare-se.nos.pormenores.dos.capitéis.

Casa em Pinelo Nesta.casa.notam-se.vários.materiais.cons-

trutivos..O.granito.emparelha.com.o.xisto.e.outro.tipo.de.rochas.

Parece-me. digno. de. ressalvar. a. varanda.em.ferro.forjado.e.os.grossos.pilares.de.grani-to.trabalhado..

Pelas.características.de.trabalho.que.apre-senta,. deve. ter. pertencido. a. uma. família.abastada.e.com.gosto.arquitectónico.bastante.apurado.

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Casa em PineloConstruída.em.1850,.esta.casa.torna-se.ca-

racterística.pelos.grossos.blocos.de.granito..E.pelo.formato.da.parte.superior.das.janelas,.a.revelar.um.dono.com.algumas.posses.

Dentro.dos.portões,.em.ferro,.notam-se.as.características. da. casa. típica. transmontana,.com.as.suas.arrecadações,.lojas.para.os.animais.e.acesso.à.casa.de.habitação.dos.proprietários.

Casa em Vilar SecoNeste.bonito.elemento.de.arquitectura.são.

de.realçar.os.pilares.de.granito,.assim.como.as.cantarias.da.varanda...

Vislumbra-se.um.bom.trabalho.de.canteiro.Bonito.conjunto.a.revelar.a.qualidade.dos.

pedreiros. da. região,. e. a. algum. desafogo. de.quem.a.mandou.construir.

ConclusãoApós. ter-mos. percorrido. praticamente.

todas. as. aldeias. deste. concelho,. podemos.concluir.que.a.arquitectura.rural,.apresenta.duas.características.bem.notórias:

As.casa.pequenas,.onde.viveria.um.agre-gado.familiar.de.fracos.recursos.

Utilizava.elementos.construtivos.da.zona:.a. saber. madeiras. e. pedra. de. vários. tipos,.conforme. a. cara. que. apresentasse.. São. ca-racterísticos.os.seus.alpendres.em.madeira.e.virados.a.Sul.

O.segundo.grupo.de.casas.caracteriza-se.utilizarem.o.granito.nas.portadas.e.varandas,.apresentam.bons.trabalhos.de.pedreiro.e.são.por.norma.de.maiores.dimensões.

Quase.poderemos.dizer.que.para.Este.do.rio,. abundam. as. construções. em. granito. e.para.Oeste.são.mais.típicas.as.construções.à.base.do.xisto.

Não.nos.é.possível.fazer.referência.a.mais.casas,.no.entanto.pensamos.que.damos.uma.ideia.dos.dois.tipos.mais.vulgarizados.nesta.zona.

Afinal, notam-se estilos de construção. Embora. não. houvesse. planos. nem. plantas,.a. arquitectura,. seguiu. a. moda. de. construir.dentro.destas.duas.formas.

Que.o.leitor.não.o.veja.como.uma.obra.de.rigor cientifico sobre a arquitectura, apenas uma imagem que pode ser o reflexo do que foram. os. séculos. XIX. e. parte. do. XX,. neste.concelho..

O.bom.será.mesmo.percorrer.este.paraíso.desconhecido.e. sentir. . in. loco. .a. força.que.nos. transmite.a.pedra,.ou.então.deixar.dar.azo.à. imaginação.de.forma.a.que.possamos.beber um pouco do passado, tão próximo!

FernandoPereiraDoutoramento em Ourivesaria Religiosa pela Universida-

de de Salamanca Mestrado em Estudos do Património pela Universidade

Aberta Licenciatura em História variante História Arte

pela Universidade de Coimbra

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– AlgumasobraspublicadasA ourivesaria Religiosa no Concelho

de Alfândega das Fé, Edição C.M.A.F. 1994 A Ourivesaria Religiosa do

Concelho de Vimioso, Edição C.M. Vimioso, 1997

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IJORGE LOPES – o caminho de Livorno

Quintela.de.Lampaças,.manhã.de.domingo,.13.de.Dezembro.de.1636.Nem.uma.alma.pelas.ruas.da.freguesia,.que.todos.estavam.na.igreja.para.assistir.à.missa.conventual..Ai.de.quem.se.atrevesse a faltar, sem motivo de força maior!

Algo. de. diferente,. porém,. acontecia. na-quele. domingo.. Estava. ali. um. comissário. da.Inquisição.de.Bragança,.acompanhado.de.guar-das.e.quadrilheiros.requisitados.na.correição,.com.ordens.de.prender.19.pessoas.de.Quinte-la.e.levá-las.presas.para.a.cadeia.de.Coimbra,.acusadas.de.terem.participado.em.uma.“mis-sa.judaica”.celebrada.em.uma.casa.da.aldeia,.no.Kipur.de.1634..Mas….fechadas.as.portas.da.igreja e procurados os criminosos, verificou-se, com espanto, que só estavam 10! Faltavam 7 homens e 2 mulheres!

Alguém.os.teria.avisado.que.iam.ser.presos.e, por isso, fugiram?! Mas como era possível?

As.suspeitas.viraram.certezas.e.recaíram.as.culpas. sobre. “um. homem. pequeno. de. barba.preta”, filho de Luís Lopes, de Miranda do Douro que,.na.sexta-feira.anterior.estivera.em.Quin-tela,.hospedado.em.casa.de.Martim.Rodrigues.e.fora.visto.a.entregar.uma.carta.a.Baltasar.Dias..Tal.carta.–.suspeitava-se.–.conteria.exactamen-te.a.lista.dos.que.haviam.de.ser.presos.

Na.sequência.das.investigações.a.que,.por.ordem.da.Inquisição.de.Coimbra.se.procedeu,.em.1.de.Abril.de.1638.o.licenciado.Miguel.Sou-sa.Correia,.juiz.de.fora.de.Bragança,.acompa-nhado.de.um.seu.irmão.e.de.um.meirinho.da.comarca,.procedeu.à.captura.e.prisão.de.Jor-ge.Lopes.Henriques,.na.aldeia.de.Carção.onde.

JORGE LOPES HENRIQUES, de CARÇÃO, e alguns familiares processados pela Inquisição

era.morador.e.estava.casado.com.Maria.Lopes..No.dia.seguinte,.foi.o.prisioneiro.remetido.ao.tribunal.do.Santo.Ofício.de.Coimbra,.onde.foi.interrogado..Correu.célere.o.seu.processo.pois.que,.no.dia.15.daquele.mês.de.Abril,.o.réu.foi.libertado. porque. os. inquisidores. concluíram.“que.não.havia.culpa.para.ser.preso.o.réu.nos.cárceres,.nem.mais.detido.na.prisão”..(1)

Estaria mesmo inocente? Ou seriam forja-das.as.provas.que.apresentou.e.os.inquisidores.iludidos?

A.verdade.é.que,.regressado.a.Carção,.Jor-ge.Lopes.tratou.logo.de.fugir.para.Castela.e.daí.para.Livorno,.cidade.italiana.governada.pelos.Medici.onde.os.judeus.podiam.professar.livre-mente. a. sua. religião.. E. a. partir. dessa. altura.temos.notícia.de.outras.pessoas.de.Carção.que.se dirigiram a Livorno. Algumas ali ficaram a residir,.avultando.o.peso.dos.trasmontanos.no.seio.da.comunidade.sefardita.livornesa.que.en-tão.era.a.maior.do.mundo,.juntamente.com.a.de.Amesterdão..(2)

Outros.iam.a.Livorno.em.espírito.de.missão.ou.peregrinação.religiosa,.com.o.objectivo.de.ali.aprenderem.coisas.da.lei.de.Moisés.e.de.lá.trazerem.livros..Temos.conhecimento.de.duas.viagens.dessa.natureza.feitas.por.cristãos-no-vos.de.Carção..Um.deles.foi.Domingos.Oliveira.que, regressado de Livorno com uma bíblia, fi-cou.desempenhando.o.papel.de.“rabi”.fazendo.celebrações. judaicas.na.própria.capela.cristã.de.Santo.Estêvão..Outro.carçonense.que.esta-giou.por.Livorno.foi.Roque.Rodrigues.da.Praça,.filho de uma mulher que foi queimada nas fo-gueiras da Inquisição de Coimbra e que ficou conhecida.como.a.“Bonita”.por.o.seu.retrato.entre.as.chamas.ardentes.pendurado.na.igreja.ser.tão.perfeito.que.parecia.estar.viva.

Todos. estes. casos. foram. por. nós. expostos.em.livro.–.Carção.Capital.do.Marranismo.–.edi-tado.no.ano.passado..E.também.no.mesmo.li-

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vro. falamos,.ao.de. leve,.da. família.de.Jorge.Henriques.cuja.história.na.Inquisição.era.mais.comprida. do. que. a. linha. do. comboio.. Vamos.então.ver.um.pouco.mais.dessa.história.

––––––––––––––––––––––1 IANTT, Inquisição de Coimbra, pº 3271, de Jorge Lo-

pes.Henriques.2.FRANCESCA.TRIVELLATO,.Les.juifs.d´origine.portu-

gaise.entre.Livourne,.le.Portugal.et.la.Mediterranée.(c..1650-1750),. in.:. Arquivos. do. Centro. Cultural. Calouste.Gulbenkian,.vol..XLVIII,.pp..171-182,.Lisboa.-.Paris,.2004..De.referir.que.Gabriel.Medina,.originário.de.Miranda.do.Douro,. genro. de.António. Rodrigues.Mogadouro,. era. um.dos.mais.poderosos.membros.da.comunidade,.o.qual.“se.ocupava.em.comércios.de.mercadorias.com.grande.cré-dito.de.seu.trato.para.todas.as.partes.do.mundo”.e.que.a nau Jerusalém que pertencia à firma dos Mogadouro “levam. daqui. cristãos-novos. portugueses. a. fazerem-se.judeus à dita cidade”. – IANTT, Inquisição de Lisboa, pº 2583,.de.Joseph.António.Pinto.

IIFRANCISCO VAZ E LEONOR LOPES – a sua

casa era como esnoga

Francisco.Vaz.e.Leonor.Lopes.eram.bisavós.de.Jorge.Henriques..Viviam.no.Mogadouro.e.fo-ram. metidos. nas. masmorras. da. Inquisição. de.Évora.em.Dezembro.de.1544,.na.sequência.de.uma. investigação. conduzida. pelo. famigerado.caçador.de.judeus,.Francisco.Gil,.por.terras.do.Nordeste.Trasmontano..O.método.era.simples..Chegado.a.uma.terra,.mandava.apregoar.que.na.igreja.matriz.se.faria.uma.cerimónia.muito.importante.e.toda.a.gente.era.obrigada.a.com-parecer..Com.os.fregueses.todos.na.igreja,.fe-chavam-se.as.portas.e.punham-se.guardas..De-pois.de.um.sermão.bem.convincente,.cheio.de.ameaças.com.as.penas.do.inferno,.intimavam-se. as. pessoas,. em. nome. da. Santa. Inquisição,.para.que.em.público.ou.em.particular.na.sacris-tia,.revelassem.qualquer.crime.de.judaísmo.de.que.tivessem.conhecimento..Naturalmente.que.muitos,.em.especial.cristãos-velhos,.aproveita-vam.a.oportunidade.para.se.vingar.de.afrontas.sofridas..E.certamente.que.alguns.cristãos-no-vos, confiantes de que logo seriam perdoados, iam.acusar-se.a.eles.e.a.outros..(1)

De.entre.estes.últimos,.ganhou.celebridade.em. Trás-os-Montes. o. malfadado. Diogo. Henri-ques.Franco,.de.Mogadouro.que.apresentando-se.na.sacristia.da.igreja.matriz.de.S..Martinho.do.Peso,.denunciou.mais.de.uma.centena.de.correligionários,.de.todo.o.nordeste.Trasmon-tano,. nomeadamente. o. casal. constituído. por.Francisco.Vaz.e.Leonor.Lopes..(2).

Quantidade. de. gente. foi. também. denun-ciada.por.Gaspar.Dias,.um.cristão-novo.do.Azi-nhoso,.preso.ao. início.de.Agosto.de.1544,.na.cadeia.de.Évora..E.também.o.Francisco.e.a.Le-onor fizeram parte dessa lista de denunciados..Também.no.Azinhoso.morava.Cristóvão.de.Cas-tro,.vendedor.de.azeite,.o.qual.foi.preso.por.Francisco.Gil.e.levado.para.o.castelo.de.Algoso..E.no.Algoso,.em.30.de.Julho.de.1544,.peran-te.o.dito.F..Gil.e.um.tabelião,.ele. terá. feito.declarações.muito.comprometedoras..Como.as.seguintes:.(3)

-.Disse.que.Francisco.Vaz,.sapateiro,.mora-dor.no.Mogadouro,.e.sua.mulher.são.judeus.e.eram.arrabis;.e.tinham.sinagoga.em.sua.casa;.e.isto.sabe.porque.o.viu.muitas.vezes.porque.ia.lá.com.os.outros.judeus;.na.qual.sinagoga.tinham.uma.tourinha.com.cornos.de.prata.dourados;.e.era.do.tamanho.de.um.gato.pouco.mais.ou.me-nos.(…).e.muitos.livros.em.hebraico.pelos.quais.rezavam.(…).e.que.o.dito.Francisco.Vaz.recebia.a finta que davam para a dita toura.

Levado. para. Évora. e. interrogado. sobre. o.mesmo.assunto,.em.24.10.1544,.Cristóvão.con-fessou.que.realmente.ele.e.outros.se.juntavam.em. sinagoga.em.casa.de. Francisco.Vaz,. onde.havia.“uma.mesa.posta”.e.sobre.ela.uma.“carta.de.pergaminho.(…).a.que.chamam.Tora”.e.ele.e.os.outros.faziam.orações.e.reverências.e.davam.esmolas. para. os. cristãos-novos. pobres. e. esse.fundo.de.assistência.social.chamavam.sedaca.

Eram. declarações. algo. diferentes. e,. por.isso, o inquisidor perguntou-lhe se ratificava as “confissões que fizera diante de Francisco Gil.“no.Algoso.no.mês.de.Julho”..A.resposta.de.Cristóvão.foi.desarmante:

- O que posso eu fazer senão ratificar as mi-nhas confissões?

E. começou. a. chorar.. E. perguntando-lhe. o.inquisidor.porque.chorava,.respondeu.que.era.por.estar.ali.preso.e.não.saber.de.sua.mulher.e seus filhos, desde há muito tempo, pedindo que.o.deixassem.ir..Algo.espantado,.“o.senhor.inquisidor.lhe.disse.que.o.tratavam.com.cari-dade.no.cárcere.e.que.não.tem.ferros.nenhuns,.nem.outras.prisões,.e.que.está.em.bom.cárcere.nas.câmaras.de.cima.e.que.portanto.acerca.do.tratamento.se.não.pode.queixar”.

O.tempo.corria.lento.e.em.19.de.Janeiro.de.1546,.em.nova.audiência,.leram-lhe.novamen-te as confissões feitas em 24.10.1544, pedindo-lhe que as ratificasse, o que ele fez.

Mais.um.ano.passou.e,.em.18.de.Março.de.1547, em nova audiência, ele reafirmou que

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se. juntavam.em.sinagoga.na.dita.casa.e.que.havia.uma.tora,.que.a.lia.o.mestre.António.de.Valença,.que.era.numa.língua.que.ele.não.co-nhecia.mas.que.depois.o.Mestre.explicava.em.linguagem.corrente.e.que.eram.coisas.da.lei.de.Moisés..E.acrescentou.o.seguinte:

-.Diz.a.sua.reverência.que.o.que.confessou.em.Algoso.perante.Francisco.Gil.que.não.é.cer-to;.e.que.estão.algumas.coisas.escritas.de.mais.do.que.ele.disse.

Explicou. depois. que,. em. casa. de. Francis-co.Vaz.não.viu.nenhuma.toura.com.cornos.de.prata.nem.de.ouro,.mas.que.ouvira.dizer.que.aquilo fora dito por um filho do casal ainda pe-queno.que.andava.na.escola..E.se.alguma.coisa.menos.verdadeira.disse.em.Algoso,.foi.“porque.houvera.medo.que.o.queimassem”..De.resto,.“o.dito.Fulano.escreveu.o.que.quis”.

Entretanto,.na.cadeia.de.Évora,.um.outro.prisioneiro. de. Mogadouro,. homem. de. muita.cultura. e. grande. pres-tígio. social,. médico. dos.Távoras,. decidiu-se. a.colaborar. com. os. inqui-sidores. contando. tudo,.descrevendo. pormenori-zadamente.as.cerimónias.que.faziam,.os.preceitos.da.lei.que.guardavam,.as.orações.que.rezavam,.o.calendário.das.festas.e.o.significado dos jejuns… e denunciou. mais. de. uma.centena. de. cristãos-novos. que. com. ele. judaizaram,. não. apenas.em.Mogadouro.mas.por.todo.o.Nordeste.Tras-montano,.que.ele.conhecia.muito.bem,.que.o.percorria. em. pregações. da. lei. e. celebrações.judaicas..Ele.sim,.era.o.grande.Rabi.que.os.ju-deus.do.Nordeste.Trasmontano.respeitavam.e.seguiam.. Referimo-nos. ao. Mestre.António. de.Valença..Também.ele.confessou.que.em.casa.de.Francisco.Vaz.e.Leonor.Lopes.é.que.faziam.sinagoga.e.que. lá. tinham.guardada.um.Torah.em.hebraico.que.ele.lia.e.explicava.depois.em.português..(4)

E.estas.eram.as.acusações.que.pesavam.so-bre.eles..E.como.eles.estavam.separados,.na-turalmente.não.podiam.combinar.uma.defesa.conjunta..Mas.havia.factos.e.episódios.que,.de.algum. modo,. marcaram. as. relações. entre. os.denunciantes.e.os.denunciados.e.que.Francis-co. e. Leonor. alegaram. em. sua. defesa,. brigas.com.familiares.de.Cristóvão.de.Castro.e.Gas-

par.Dias..Desacreditar,.ou,.ao.menos,.diminuir.o.valor.probatório.das.denúncias.de.Diogo.H..Franco. foi. ainda. mais. fácil,. pois. que. toda. a.gente.sabia.que.ele. fora. julgado.em.Miranda.do.Douro.por.ter.roubado.umas.peles.e.conde-nado.a.ser.açoitado.pelas.ruas.da.vila..A.denún-cia.de.mestre.Valença.é.que.não.seria.esperada.mas….Francisco.Vaz.recordou-se.que,.em.certa.ocasião,.tendo.ele.sido.repartidor.das.sisas.do.Mogadouro,.o.Mestre.fora.queixar-se.a.D..Fili-pa,.mulher.de.Luís.Álvares.de.Távora,.dizendo.que.tinha.lançado.uma.contribuição.muito.ele-vada ao seu filho Afonso de Valença… (5)

Da.acusação.de.rabi.também.Francisco.fa-cilmente.se.livraria.apresentando-se.como.“um.homem.muito.simples,.que.não.sabe.ler.nem.escrever,. nem. sabe. ciência. nem. linguagem,.nem. latim,. nem. hebraico,. nem. caldeu,. nem.grego,.nem.letra.alguma.de.nenhuma.sorte”.

De.seus.actos.como.bom.cristão,.falavam.as.certidões. das. confrarias.de.que.o.casal.fazia.parte.e.as.missas.que.manda-vam.celebrar..E.Francis-co. Vaz. contou. especial-mente. um. episódio. da.sua. vida,. acontecido. no.Verão. de. 1543,. em. que.esteve. muito. doente.. A.ponto. de. ter. mandado.chamar.o.reitor.da.igreja.para o ouvir em confissão e.lhe.dar.a.comunhão.e.os. últimos. sacramentos,.

pois.queria.morrer.como.bom.cristão..Nenhum.judeu faria isso!

Em.simultâneo,.fez.uma.promessa.à.Senhora.da.Serra,.pedindo-lhe.que.o.curasse..E.tendo-se.curado,.logo.tratou.de.a.cumprir.deslocando-se.àquele. santuário. sito.nas.proximidades.de.Bragança,.no.alto.da.serra.da.Nogueira,.distan-te.quase.20.léguas.de.Mogadouro..E.levou.con-sigo.mais.de.20.pessoas,.homens.e.mulheres,.cristãos.novos.e.velhos.a.quem.pagou.todas.as.despesas.e.lá.cumpriu.sua.promessa.mandando.celebrar.3.missas.a.que.todos.assistiram.

Claro que indicou testemunhas (26!) que tudo confirmaram, a começar pelo reitor da matriz. do. Mogadouro.. A. generalidade. dessas.testemunhas.fez-se.igualmente.eco.dos.boatos.que.corriam.sobre.a.toura.ou.“cabeça.de.boi.ou.vaca.dourada.com.cornos.ou.candeias”.

Essa.história.foi.também.tirada.a.limpo.por.uma.testemunha,.João.Mendes,.tabelião.de.Al-

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goso.que.em.Mogadouro.tinha.uma.escola.onde.ensinava uns meninos, entre eles um filho de Francisco.e.Leonor..E.explicou.que.o.rapazinho.é.que.tinha.dito.para.os.colegas.que.o.pai.tinha.em.casa.uma.cabeça.de.boi.mas.que.dissera.aquilo.a.gozar.com.os.outros,.em.tom.de.brin-cadeira.

Impressionante.a.capacidade.de.resistência.de.Leonor.Lopes,.mulher.de.21.anos,. casada.há 8, mãe de 4 filhos, o mais novo dos quais partilhava.a.cela.da.prisão.com.ela.e.mais.8.ou.9.mulheres:.durante.4.anos.metida.na.enxovia,.manteve-se.negativa,.nada.confessando.e.nin-guém.denunciando..Ainda.no.dia.16.de.Julho.de.1648,.já.muito.depois.de.o.papa.Paulo.III.ter.decretado.perdão.geral.para.os.cristãos-novos.presos.e.dizendo-lhe.os.inquisidores.que.con-fessasse suas culpas para poder beneficiar do mesmo.perdão.e.sair.em.liberdade,.ela.respon-deu.que.nada.tinha.a.confessar,.que.não.tinha.de.pedir.misericórdia.nenhuma..(6)

Dois.dias.depois,.no.entanto,.pediu.audi-ência.e.resolveu-se.a.confessar..Disse.que,.8.anos.atrás,.o.marido.andava.metido.com.uma.criada.que. tinha.e.a.desprezava.e.ela,. indo.visitar.seu.tio.Manuel.Fernandes,.irmão.de.seu.pai,.viúvo,.este.lhe.disse.que.deveria.rezar.ao.Deus.do.Céu.e. lhe.ensinou.a. lei.de.Moisés.e.que.se.dera.bem.nessa.crença.e.também.com.seu.marido.as.coisas.se.compuseram..Confes-sou.até.que,.mesmo.no.cárcere,.ela.chegou.a.guardar.o. sábado.como.dia. santo,.coisa.que.os.inquisidores.já.sabiam,.pois.tinham.posto.a.cela.debaixo.de.vigia.

Leonor.Lopes.deu.ainda.as.explicações.que.faltavam.sobre.a.bíblia.“que.era.de.pergaminho.e.as.folhas.do.dito.livro.eram.de.pergaminho.e.escrito.de. letras.muito.grossas.e.douradas;.e. sendo-lhe. mostrado. pelos. senhores. inquisi-dores.um. livro.escrito.de.molde,.disse.que.a.letra.do.livro.que.ela.diz.não.tinha.a.letra.da-quela.maneira.mas.que.tinha.uma.letra.grande.e.grossa.e.que.as.ditas.letras.eram.douradas,.e.logo.o.dito.Duarte.Álvares.lhe.dizia.que.era.letra.hebraica”.

Este. Duarte. Álvares. era. naquela. altura.(1642).homem.de.60.anos,.natural.de.Chacim.e.estava.casado.com.Catarina.Nunes..Foi.ele.que.se.apresentou.em.casa.de.Francisco.Vaz.com.aquele livro que ali ficou guardado em uma arca.. E. a. partir. dessa. altura. é. que. passou. a.sua.casa.a.ser.frequentada.pelo.mestre.António.de.Valença.e.pelos.outros.e.todos.nela.faziam.sinagoga..

––––––––––––––––––––––1.ALEXANDRE.HERCULANO,.História.da.Origem.e.esta-

belecimento.da.inquisição.em.Portugal,.Tomo.III,.pp.130-133..MARIA.JOSE.FERRO.TAVARES,..Para.o.Estudo.dos.Ju-deus.em.Trás-os-Montes.no.Sec..XVI,.1985.

2 IANTT, Inquisição de Évora, pº 2162, de Diogo Henriques.Franco.

3 IANTT, Inquisição de Évora, pº 7084, de Gaspar Dias; pº 4434, de Cristóvão de castro.

4 IANTT, Inquisição de Évora, pº 8232, de António de.Valença.

5 IANTT, Inquisição de Évora, pº 8776, de Fran-cisco.Vaz.

6 IANTT, Inquisição de Évora, pº 11213, de Leonor Lopes

IIICATARINA VAZ – a cumplicidade de Alcañices

Ao. início.do.mês.de. Setembro.de.1578,. a.Inquisição. de. Valladolid. prendeu. um. grande.número.de.pessoas.na.vila.de.Alcañices,.acusa-das de judaizarem, acção que ficou conhecida como.“complicidad.de.Alcañices”.

Porém,.quatro.mandados.de.prisão.não.fo-ram.executados,.porque.as.pessoas.em.causa.fugiram.para.o.lado.de.cá.da.fronteira..E.logo.a.Inquisição.de.Valladolid.escreveu.para.o.vigá-rio.geral.de.Miranda.do.Douro.(o.bispo.estava.sempre.ausente).pedindo.a.prisão.e.envio.para.Valladolid daquelas pessoas, assim identifica-das:.(1)

*. Julião. Domingues,. sapateiro,. e. Beatriz.Gonçalves,.sua.mulher,.que.estariam.refugia-dos.em.Carção.

*.Ana.Lopes,.mulher.de.António.Rodrigues,.que.teria.fugido.para.Duas.Igrejas,.terra.de.seu.nascimento.

*. Manuel. de. Almança,. “que. ali. estudava.para. clérigo. e. costumava. cantar. em. casa. do.bispo.de.Miranda”.

Acrescentavam. os. inquisidores. que. em.Valladolid.havia.denúncias.contra.muitas.mais.pessoas.que.residiam.na.região.de.Miranda.mas.que,.por.haver.então.muito.trabalho.naquele.tribunal,.não.era.possível.fazer.relação.delas.e.copiar.as.respectivas.denúncias.

Entretanto. e. à. medida. que. os. presos. iam.sendo.interrogados.sobe.a.“complicidad.de.Al-cañices”,.a.lista.de.denúncias.e.de.gente.cul-pada. ia. crescendo. e. outras. prisões. eram.en-comendadas. pelos. inquisidores. espanhóis. às.autoridades.de.Miranda.do.Douro.

Em.Janeiro.de.1580,.o.cónego.Colaço,.vigá-rio.geral.da.diocese,.comunicava.para.Valladolid.

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que.tinha.prendido.Isabel.Lopes,.de.Duas.Igre-jas,.e.João.de.Leão,.de.Bragança,.prisões.que.igualmente. tinham. sido. encomendadas.. E. co-municou.também.para.Coimbra,.perguntando.se.devia.mandar.aqueles.prisioneiros.e.outros.que.entretanto.fossem.feitos.para.Valladolid..(2)

Desta. cidade,. logo. responderam,. pedindo.que.lhe.mandassem.aqueles.presos.e.informan-do.que.Ana.Lopes.se.tinha.ido.apresentar.na-quele.tribunal,.em.12.de.Janeiro.passado..(3)

A.carta.enviada.para.Coimbra.terá.sido.re-enviada. para. o. Conselho. Geral. da. Inquisição.

portuguesa.o.qual. respondeu.ao.vigário.geral.de.Miranda.dizendo.que.os.prisioneiros.deviam.ser.julgados.em.Portugal.e.a.Valladolid.devia.pedir-se.que.mandassem.as.culpas.que.lá.havia.contra.os.réus..(4).

Entretanto.e.no.seguimento.da.prisão.de.Be-atriz.Gonçalves,.mulher.de.Julião.Domingues,.o.vigário.geral.de.Miranda,.através.do.correge-dor.Gonçalo.de.Andrade.Farinha,.fez.prender.Catarina.Vaz,.que.estava.a.morar.em.Mogadou-ro.e.sobre.a.qual,.em.carta.de.4.de.Abril.de.1580,.escrevia.para.a.Inquisição.de.Coimbra:

-.Desta.mulher.de.Mogadouro.depende.mui-to. porque,. se. neste. reino. há. judeus,. devem.estar.na.vila.de.Mogadouro..E.lá.assiste.tam-bém.o.autor.desta.apostasia.e.cumplicidade.de.Alcañices,.que.se.chama.Luís.Francisco,.era.da.vila.de.Mogadouro.e.é.de.crer.que.de.onde.saiu.tal.mestre.não.faltem.discípulos.

Quem era então esta Catarina Vaz? Era uma das filhas de Francisco Vaz e Leonor Lopes ou Fernandes,.nascida.por.1560.e.que.estava.ca-sada.com.Gonçalo.de.Castro,.do.Azinhoso,.resi-dindo.o.casal.na.vila.castelhana.de.Alcañices.

Metida. na. cadeia. de. Miranda,. ao. início. do.mês. de.Abril. de. 1580,. Catarina. declarou. que.tendo.sido.preso.o.seu.marido.e.sequestrados.todos.os.seus.bens,.incluindo.a.casa.onde.mora-vam,.ela.se.viu.sozinha.e.abandonada.em.terra.estranha,.com.uma.criança.ao.colo..E.porque.

era.uma.“mulher.moça”,.de.menos.de.20.anos,.e.tinha.sua.honra.para.defender,.veio-se.embo-ra.para.casa.de.seus.pais.em.Mogadouro,.“aon-de esteve um ano muito quieta e pacificamente com.muita.honra.e.como.boa.cristã.servindo.a.Deus.e.a.seus.mandamentos.como.é.obrigada”..Estranhava,.pois,.porque.a.prendiam.

Foi.só.em.19.de.Fevereiro.de.1582.que.Ca-tarina.Vaz.deu.entrada.no.aljube.da.Inquisição.de. Coimbra,. aonde. também. tinham. chegado.cópias.das.denúncias. feitas. contra.ela.na. In-quisição.de.Valladolid,.nomeadamente.por.Ana.Gonçalves, filha do cobrador de impostos do marquês.de.Alcañices..(5)

Na.cela,.Catarina.foi.posta.sob.vigilância.e.não.foi.preciso.esperar.muito.para.que.a.vissem.em.atitudes.de.quem.reza.à.maneira.judaica,.“abrindo.os.braços.e.cerrando-os.(…).meneando.a.cabeça.para.diante.e.para.trás”..Vejamos.duas.cenas.descritas.pelos.guardas.que.a.vigiavam:

-.E.acabando.de.jantar.alevantou.e.ajuntou.as.mãos.junto.ao.queixo.e.as.abriu.e.cerrou.28.vezes ficando-lhe juntas pelo colo outras vezes abrindo-as.todas.com.as.palmas.da.mão.para.diante.e.sobre.os.ombros…

-.E.acabando.ela.de.comer.lhe.viu.ajuntar.e.levantar.as.mãos.junto.ao.rosto.por.55.vezes.e.algumas.vezes.as.abria.uma.da.outra,.obra.de.um.palmo.e.outras.vezes.menos.(…).e.parecia.que.bolia.com.a.boca.como.quem.rezava.posto.que.lhe.não.entendeu.nada…

Em.3.de.Janeiro.de.1583,.Catarina.Vaz.de-cidiu-se finalmente a confessar seus erros e pedir.clemência..Disse.que.foi.doutrinada.por.Isabel.e.Ana.Gonçalves,. irmãs,.moradoras.em.Alcañices, filhas de Alonso Gonçalves. Elas lhe terão.ensinado.que.devia.guardar.o.sábado,.co-meçando.na.sexta-feira.à.noite.por.acender.as.candeias.e.com.elas.fez.o.primeiro.jejum,.que.foi.o.do.Kipur,.em.que.“jejuou.todo.o.dia.e.ceou.pescada. seca,. ovos. e. grãos”.. Claro. que. esta.confissão era muito diminuta e os inquisidores lhe.aconselharam.a.que.dissesse.tudo..E.outras.audiências. se. seguiram. e. mais. cumplicidades.Catarina. confessou,. acrescentando. os. nomes.dos.cristãos-novos.que.se.juntaram.em.Alcañi-ces.a.celebrar.com.jejuns.o.Kipur.de.1587..E.só.depois. de. ser. submetida.a. tormento.e. ter.confessado.que.Luís.Francisco.,.cristão-novo.de.Mogadouro,.morador.em.Alcañices.que.a.cate-quizou,.é.que.os.inquisidores.acharam.que.ela.tinha feito completa e inteira confissão.

Saiu.condenada.em.cárcere.e.hábito.peni-tencial.perpétuo,.no.auto-de-fé.celebrado.na.

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praça.de.Coimbra.em.25.de.Novembro.de.1584..Regressou a Mogadouro ao fim de Fevereiro do ano.seguinte,.vestida.com.o.ultrajante.sambe-nito..Em.8.4.1588,.o.cardeal.arquiduque.inqui-sidor.geral.atendeu.a.sua.petição.para.que.tal.pena.lhe.fosse.levantada,.“por.ser.mulher.mui-to pobre e doente e ter filhos (…) visto haver já perto.de.5.anos.que.trás.a.dita.penitência…”

Quem. foi. a. Coimbra. buscar. o. papel. com.esta.deliberação.foi.o.seu.marido.Gonçalo.de.Castro,.entretanto.saído.das.masmorras.da.In-quisição.de.Valladolid..E.para.a.deliberação.ser.executada,.teve.Catarina.de.viajar.até.Coim-bra. Aí, então, em 21.5.1588, lhe tiraram, fi-nalmente.o.hábito.penitencial.e.o.seu.processo.se.concluiu..

––––––––––––––––––––––1. É. importante. referir. que. o. bispo. de. Miranda. era.

D..António.Pinheiro,.que.foi.em.Portugal.o.maior.orador.político.da.época.e.por.isso.houve.até.quem.lhe.chamasse.“o.Cícero.português”,.cabendo-lhe.discursar.na.abertura.das.Cortes.e.em.outras.ocasiões.mais.solenes..Tinha.vá-rios.cargos.de.natureza.política,.assistindo.geralmente.na.Corte..Aliás,.era.também.o.cronista.mor.do.reino.e.terá.sido.decisivo.o.seu.papel.nas.manobras.políticas.que.le-varam.à.união.de.Portugal.a.Castela..FRANCISCO.MANUEL.ALVES,. Memórias.Arqueológico. Históricas. do. Distrito. de.Bragança,.vol..II,.pp..14-24.

2.Recordemos.que.Valladolid.era.então.a.capital.da.Espanha unificada, residência normal da Corte e cidade relativamente.próxima.de.Miranda.do.Douro.

3.Ana.Lopes.viria.a.ser.queimada.na.fogueira.pela.In-quisição.de.Valladolid.

4.Na.carta.do.Conselho.Geral.escrevia-se:.“Do.ano.de.1542.a.esta.parte.está. (regulado.que).não.se. remetem.as.pessoas.e.somente.se.mandam.as.culpas.para.se.cas-tigarem.aonde.ao.tal.tempo.são.moradores,.e.posto.que.no.ano.de.1572.se.trata.de.se.remeterem.de.um.reino.ao.outro,. houve. isto. efeito;. e. pedindo. deste. reino. alguns.que.lá.estavam,.por.terem.cá.culpas,.não.nos.foram.re-metidos,.antes.de.cá.lhes.mandaram.suas.culpas.para.lá.serem.castigados,.o.que.eles.devem.fazer.também.agora,.mandando-nos.de.lá.as.culpas.que.tiverem.contra.os.que.cá. residem”.. –. IANTT,. Inquisição. de. Coimbra,. processo.268, de Catarina Vaz, fl.13.

5.Ana.Gonçalves.acabou.também.por.ser.condenada.à.fogueira por aquele tribunal. - pº 268, fl. 43

IVBRITES HENRIQUES – queimada na fogueira

Luís. Lopes,. neto. de. Francisco. Vaz. e. Leo-nor.Fernandes,. terá.nascido.em.Vimioso,.por.1565..Casou.com.Catarina.Álvares.que.lhe.deu.3 filhos. O casal terá residido em Quintela de Lampaças,.ao.menos.por.algum.tempo.

Pelos 40 anos, Luís ficou viúvo e casou de novo.com.Brites.Henriques,.originária.do.Azi-

nhoso,.13.anos.mais.nova.do.que.ele..Fixaram.sua.residência.em.Miranda.do.Douro,.na.rua.da.Costanilha.

Em.Dezembro.de.1618,.ambos.foram.presos.pela.Inquisição.de.Coimbra..Foram.dois.os.de-nunciantes.e.ambos.estavam.presos.nos.cárce-res.daquele.mesmo.tribunal..Um.deles.(Álvaro.Lopes).era.de.Lagoa.de.Morais,.terra.de.Lam-paças.e.disse.que.tinha.judaizado.em.Quintela,.na. casa.de.Luís. Lopes,. com.ele.e. com.a. sua.mulher..O.outro.(Jerónimo.Henriques).era.do.Azinhoso,.primo.de.Brites.Henriques.e.confes-sou. ter. estado.em.casa.de. Luís. e. Brites,. em.Janeiro.passado.e.os.três.se.tinham.declarado.judeus..(1)

Não.vamos.seguir.o.desenrolar.dos.proces-sos.de.Luís.e.Brites..Diremos.que.ambos.purga-ram.no.tormento.(2).e.saíram.no.auto.de.fé.ce-lebrado.em.29.11.1621,.condenados.em.leves.penas.espirituais..De.resto,.vamos.espreitar.a.relação. de. bens. apresentada. por. Luís. Lopes,.que.se.dizia.curtidor.de.peles:

A.casa.onde.viviam,.avaliada.em.70.mil.réis.Outra.casa.diante.daquela.que.valia.20.000.rs.Uma.casa.de.palheiro,.no.valor.de.10.000.rs.Uma.vinha.ao.S..André,.que.valia.20.000.rs.Uma.tinaria.onde.curtia.os.couros,.na.ribei-

ra,.por.cima.da.ponte,.que.valia.20.000.rs.12.ou.13.couros.que.valeriam.20.000.rs.Uma.cortinha.na.mesma.ribeira,.no.valor.de.

10.000.rs.Metade.de.um.prado,.que.valia.5.000.rs.Uma. cortinha. onde. estavam. 22. colmeias,.

abaixo.da.ponte,.no.valor.de.10.cruzados.Uma.terra.junto.à.vinha,.no.valor.de.6.000.rs.200.alqueires.de.trigo,.o.alqueire.a.70.rs.20.alqueires.de.cevada,.o.alqueire.a.50.rs.5.cubas.de.vinho.que.teriam.250.almudes,.o.

almude.a.100.rs.8.ou.9.vasilhas.do.vinho,.grandes.e.peque-

nas,.que.todas.valiam.5.000.rs.2.copos.de.prata.que.valiam.20.cruzados.Um.escritório.que.valia.10.cruzados.

Possivelmente. alguns. destes. bens. foram.alienados. para. suportar. as. despesas. dos. pro-cessos.e.da.estadia.na.prisão..E.parece.que.não.sobreviveu.uma.menina.parida.na.cadeia.por.Brites.Henriques.

Regressados.a.Miranda,.Brites.e.Luís. reto-maram. suas. vidas. e,. 20. anos. depois,. tinham.casado 2 filhas e 3 filhos, restando solteiro um filho nascido por 1623. E casados estavam tam-

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bém os 3 filhos do primeiro casamento de Luís Lopes.

Entre.1636.e.1672.não.houve.bispo.titular.na.diocese.de.Miranda.do.Douro..E.entre.os.có-negos.do.cabido.parece.que.a.primazia.coube.ao.dr..Francisco.Luís,.arcediago.de.Mirandela,.que.em.1614.foi.nomeado.vigário.capitular.e.em 1630 visitador oficial da diocese, pelo bispo D..Jorge..Não.sabemos.é.se.foi.nessas.funções.ou.nas.de.comissário.da.Inquisição.que.“aos.28.de.Maio.de.1643,.nas.casas.de.morada.do.dito.

comissário.na.Sé.da.dita.cidade”.de.Miranda,.recebeu. o. testemunho. de. uma.Catarina. Vaz,.cristã-velha,.que.serviu.de.criada.em.algumas.casas. de. cristãos-novos,. dizendo. que. na. rua.da.Costanilha.todos.eram.judeus.e.mandavam.varrer.as.casas.de.fora.para.dentro.e.às.sex-tas-feiras.mandavam.e.compor.as.candeias.e.as.deixavam.acesas.até.acabar.o.azeite.e.que.aos.sábados. vestiam. seus. fatos. lavados. e. nesses.dias.não.trabalhavam.e.nem.sequer.se.acendia.o.lume.nas.suas.casa..(3)

Idêntico. foi. o. depoimento. prestado. por.Francisco.Pires.Trovisco.e.por.Maria.de.Fontes..E pelos nomes citados, bem se fica com a ideia de.que,.naquele.tempo,.a.histórica.rua.da.Cos-tanilha.era.essencialmente.povoada.por.famí-lias. cristãs-novas.. E. não. faltaria. sequer. uma.estalagem,.pertencente.a.Ana.Ramires,.de.70.anos..Mas.vejam.os.nomes.dessa.gente.denun-ciada.por.judaizante:

Francisco.Esteves.Alonso.de.Leão.e.sua.mulher.Gaspar.Álvares.Manuel.Mendes.e.sua.mulher.Isabel.de.Cas-

tro.Francisco.de.Castro.Francisco.de.Castro,.braselho.Luís.Lopes.e.sua.mulher.Brites.

Diogo Lopes, filho de Luís Lopes e sua mu-lher.

Belchior Lopes, filho do mesmo e sua mu-lher.

António.Ramires.e.sua.mulher.Luís.Ramires.e.sua.mulher.A Cardosa, mulher viúva que ficou de Luís

Garcia,.que.morreu.em.Castela.fugido.Henrique.Lopes.e.seu.genro.e.sua.mulher.André.Ramires.e.sua.mulher.Fernando.Ramires.e.sua.mulher.

Alguns.destes,.já.estavam.presos.nos.cárce-res.da.Inquisição.e,.em.8.de.Agosto.seguinte,.foi.ordenada.a.prisão.de.outros,.entre.eles.Bri-tes.Henriques..Vá-se.lá.saber.porque.o.homem.não.foi.preso,.se.as.culpas.eram.as.mesmas.

E,. embora. as. denúncias. fossem. extrema-mente. vagas,. o. crime. apontado. a. Brites. era.muito.grave:.relapsia..E,.em.compensação.da.fragilidade. das. denúncias,. procuraram. os. in-quisidores.obter.provas.concretas.do.judaísmo.da. ré,. colocando-a. sob. vigia. nas. segundas. e.quintas-feiras,.entre.os.dias.22.de.Outubro.e.2.de.Novembro,.dias.de.jejum.para.os.judeus..Vejam.a.lista.das.pessoas.que,.pelos.buracos,.estiveram. espreitando. durante. aqueles. dias,.desde.manhã.cedo.até.alta.noite,.dois.de.cada.vez:

João.Rodrigues,.homem.do.meirinho.Matias.Fernandes,.familiar.do.S..Ofício.António.Figueiredo,.homem.do.meirinho.António.Francisco,.familiar.Bernardo.João,.guarda.dos.cárceres.António.Dias,.solicitador.do.tribunal.Ventura.Nunes,.familiar.Manuel.Sequeira,.familiar.António.Mendes,.barbeiro.dos.cárceres.Manuel.Machado,.familiar.Tomé.Carvalho,.familiar.Manuel.Castelhano,.familiar.Manuel.Marinho,.familiar.

Efectivamente,. de. acordo. com. os. depoi-mentos. prestados. pelos. vigias,. Brites. Henri-ques.terá.feito.4.jejuns.judaicos.naqueles.dias,.não. comendo. nem. bebendo. nada. durante. o.dia,.mas.apenas.à.noite.depois.que.as.estrelas.apareciam.no.céu..Não.vamos.aqui.reproduzir.tais.depoimentos.que.terão.especial.interesse.para.a.compreensão.das.vivências.diárias,.dos.hábitos. alimentares. e. da. higiene. pessoal. nas.masmorras.da.Inquisição.

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Também.não.vamos.falar.das.muitas.contra-ditas.apresentadas.por.Brites.contra.os.que.a.denunciaram,.se.bem.que.algumas.sejam.bem.interessantes,.do.ponto.de.vista.do.estudo.do.viver.colectivo.da.terra..Apenas.um.episódio,.referente. à. ambiência. da. rua. da. Costanilha..Contou.a.ré.que,.em.determinada.altura,.em.frente. da. sua. casa,. do. outro. lado. da. rua. da.Costanilha,.quiseram.estabelecer.morada.o.tal.Francisco.Pires.Trovisco.e.sua.mulher.Tomásia.Falcoa..Tal.não.conseguiram.porque.a.isso.ela.se.opôs..E.então.ele.terá.proferido.uma.amea-ça.do.género:.para.o.ano.hei-de.morar.na.casa.que.eu.quiser,.pois.hei-de.fazer.com.que.sejam.despejadas.todas.estas.casas.onde.moram.pes-soas.da.nação..

Apesar.das. contraditas. e.de. terem.apare-cido.testemunhas.de.peso.como.o.cónego.Luís.Álvares.a.abonar.o.comportamento.cristão.de.Brites.Henriques,.a.sentença.cedo.seria.toma-da..Em.24.5.1644,.decidiu.a.Mesa.do.tribunal.que.ela.fosse.queimada.na.fogueira..Havia,.po-rém,.um.obstáculo.regimental..É.que.ela.ape-nas.tinha.9.meses.de.prisão.e.“era.estilo.pra-ticado.pelo.Santo.Ofício.não.se.relaxar.pessoa.alguma.sem.passar.um.ano.de.prisão”..Devia,.por isso, ficar “reservada no cárcere”.

Concordou.o.Conselho.Geral.com.a.sentença..E,.porque.não.fosse.planeado.qualquer.auto-de-fé.em.Coimbra.para.os.tempos.mais.próximos,.transitou.Brites.Henriques.para.as. cadeias.da.Inquisição.de.Lisboa,.em.Fevereiro.de.1645.

Sim,.na.impiedosa.luta.contra.o.governo.do.rei.D..João. IV,.a. Inquisição.precisava.mostrar.todo. o. seu. poder,. organizando. para. o. verão.desse.ano.uma.grande.festa.popular..E.que.me-lhor.festa.podia.haver.que.um.auto-de-fé.bem.luzidio e demorado?! E foi o que aconteceu na-quele.dia.25.de.Junho.de.1645.em.que.foram.penitenciados.74.réus,.13.dos.quais.condena-dos.às.chamas.da.fogueira..Entre.eles,.foi.quei-mada.Brites.Henriques,.a.mãe.de.Jorge.Lopes.Henriques,.de.Carção..(4)

––––––––––––––––––––––1 IANTT, Inquisição de Coimbra, pº 3497, de Luís Lo-

pes; pº 2115 e 2115-1 / MF 2073, de Brites Henriques.2.Luís.Lopes.é. levado.à.casa.do.tormento.aos.3.de.

Julho.de.1620...e.sendo.despojado.de.seus.vestidos.foi.sentado. no. banco. e. sendo. outra. vez. admoestado. que.dissesse. a. verdade.e. confessasse. as. suas. culpas.e. . por.o.não.fazer.,.pelo.senhor.inquisidor..Gaspar.Borges..foi.dito.que.se.ele.no.dito.tormento.morresse.ou.quebrasse.algum.membro.ou.perdesse.algum.sentido.a.culpa.seria.dele.réu. .e.não.deles.senhores. inquisidores.ordinário.e.deputados e oficiais e ministros do santo oficio. Pois com

tanto.atrevimento.se.punha..a.tão.grande.perigo.de.sua.vida..e.por.tornara.dizer.que.era.bom.cristão.e.não.tinha.culpas.contra.a.nossa.santa.fé,.que.confessar,..foi.atado.perfeitamente.e.sendo.alevantado.foi.outra.vez.admoes-tado.confessasse.a.verdade.não.pondo.em.si.ou.em.outros.testemunhos.falsos,.e.por.dizer.que.era.bom.cristão.e.que.não.tinhas.culpas.a.confessar..contra.a.fé,..foi.começado.a.alevantar.e.por.dizer.que.era.quebrado.e.os.cirurgiões.depois.de.visto.decidiram.que.não.podia.sofrer.tormento.de.polé. sem.notável. perigo.de. sua. vida,. . foi.mandado.descer.e.desatado.e.levado.ao.potro.para.nele..ter.o.tor-mento.correspondente.a.um.trato.esperto.e.outro.corrido.…sendo.lançado.no.dito.potro.lhe.foi.dado.uma.volta.com.um. . garrote.de.água.e.admoestado.dissesse.a. verdade.e.por.dizer.que.era.bom.cristão.lhe.foi.dado.outra.vol-ta.com.outro.garrote.de.água.e.admoestado.dissesse.a.verdade.e.por.tornar.a.dizer.que.era.bom.cristão.e.vir.o.cirurgião.à.mesa.e.dizer.que.estava.satisfeito.ao.assento.…foi.mandado.desatar...e.tirar.do.dito.potro.e.mandado.para.o.seu.cárcere.

O.tormento.de.água.segundo.o.professor.Borges.Co-elho. era. aplicado. principalmente. a. mulheres. dando. a.exemplo..o.caso.de..Inês..Fernandes..que.18.de.Janeiro.de.1594.em.Évora...“.….que.depois.de.sentada.no.potro..atam-lhe. os. braços. e. as. pernas…. dando-lhe. seis. voltas.em.cada.braço.e.duas.nas.coxas..Em.seguida.tapam-lhe.o.rosto.com.o.véu.e.lançaram-lhe.quatro.púcaros.de.água.pela.boca..

ANTT,.Inquisição.de.Évora.,.processo.8514.ANTÓNIO.BORGES.COELHO,.Inquisição.de.Évora,.p..45.3.FRANCISCO.MANUEL.ALVES,.memórias.Arqueológico.

Históricas.do.Distrito.de.Bragança,.vol..II,.pp..484.e.510.4.Em.Junho.de.1641D..João. IV.ordenou.a.prisão.do.

bispo.inquisidor-mor.D..Francisco.de.Castro,.acusado.de.envolvimento.num.golpe.de.estado.contra.o.rei,.junta-mente.com.outros.dignitários.da.igreja.e.da.nobreza..Pos-teriormente.o.mesmo.rei.viu-se.obrigado.a.libertá-lo.e.a.nomeá-lo.membro.do.seu.Conselho.de.Estado.

AntónioJúlioAndradeMariaFernandaGuimarães

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––..Algumas obras publica-das

Caminhos Nordestinos de Judeus e Marranos – página do Jornal Terra Quente de Mirandela desde 15-04-1999

Poderá Fénix Renascer? Contributo para a definição de uma “Rota de Judeus” no Nordeste Transmontano – Tese apre-

sentada ao III Congresso Transmontano - Bragança 2002

Percursos de Francisco Lopes Pereira e Gaspar Lopes Perei-ra, cristão-novo de Mogadouro – in: Cadernos de Estudos Sefar-

ditas, n.º 5 2005 – Cátedra dos Estudos Sefarditas “Alberto Benveniste”- Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

O Dr. Francisco da Fonseca Henriques e a sua família na Inquisição de Coimbra – In: Brigantia – Revista de Cultura – Vo-

lume de Homenagem a Belarmino Afonso – 2006

Subsídios para a História da Inquisição de Torre de Moncor-vo – Câmara Municipal de Torre de Moncorvo 2007

Os Távoras e os cristãos-novos no progresso de Mirandela – in: Actas das IX Jornadas Culturais de Balsamão- Centro Cul-

tural de Balsamão 2007.

Carção – A capital do Marranismo – Edição de Associação Cultural dos Almocreves de Carção - Associação CARAmigo

– Junta Freguesia de Carção – Câmara Municipal de Vimioso – 2008.

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P R O G R A M A C Í V I C ODia 17 de Agosto – Segunda-feira

• Abertura do Bar (com todo o tipo de bebidas e petiscos).

Dia 18 de Agosto – Terça-feira• Musica ambiente no recinto das festas.

Dia 19 de Agosto – Quarta-feira• Musica ambiente no recinto das festas.

Dia 20 de Agosto – Quinta-feira16 h. - Jogos tradicionais20 h. - Abertura da Quermesse (mais de 4000 óptimos prémios).21 h. - Torneio de Chincalhão (1.º prémio - uma vitela, mais de 40 equipas)

Dia 21 de Agosto – Sexta-feira16 h. - Jogos tradicionais• Noite de Música Ambiente.

Dia 22 de Agosto – Sábado16 h. - Arruada com o Rancho Folclórico da Associação de Paradela - TERRAS

DO BOURO - Minho.21 h. - Actuação do Rancho Folclórico.

Dia 23 de Agosto – Domingo16 h. - Jogos Tradicionais.21 h. - Actuação dos FADISTAS DE CARÇÃO.Noite - Música Ambiente.

Dia 24 de Agosto – Segunda-feira16 h. - Jogos tradicionaisNoite - Música Ambiente.

Dia 25 de Agosto – Terça-feira21 h. - Torneio de Sueca (Vitela em jogo, mais de 40 equipas).

Dia 26 de Agosto – Quarta-feira21 h. - Concerto da banda de Música dos B. V. Vimioso.

Dia 27 de Agosto – Quinta-feiraSalva de Morteiros16 h. - Sorteio da “Vitela” Campo de Futebol do G. D. Carção.21 h. - Actuação do Grupo Musical “TRIÂNGULO” de Sendim.23 h. - Música Tradicional Portuguesa “AUGUSTO CANÁRIO & AMIGOS”.

Dia 28 de Agosto – Sexta-feira16 h. - Apresentação do livro “Carção, Sonho e Alma”, Salão Nobre da Casa do

Povo.21 h. - Actuação do Grupo Musical “MIDNES” de Sendim.23 h. - Actuação do Famoso Duo “TAYTI”.

Dia 29 de Agosto – SábadoSalva de Morteiros.III Feira de Artesanato22 h. - Actuação do Grupo Musical “MELODIA”.23 h. - Actuação da Famosa Cantora “AGATA”.24 h. - Espectáculo Piro-Musical.Continuação do Grupo Musical “MELODIA”.

Dia 30 de Agosto – Domingo07 h. - Salva de Morteiros. Arruada com a Banda de Música dos B. V. de Vimioso.22 h. - Actuação do Grupo Musical “MELODIA”. Entrega da Festa.

N.ª Sr.ª das Graças

P R O G R A M A R E L I G I O S ODias 21 a 28 de Agosto Novena Religiosa na Igreja de St.ª Cruz

Dia 29 de Agosto - Sábado 14.00 horas – Missa com Sermão em Honra de St.ª Teresinha, seguida de Procissão.

21.00 horas – Momento Alto de Veneração da Srª das Graças; Procissão de Velas; Missa Campal na Capela de St.ª Marinha com Sermão.

Dia 30 de Agosto – Domingo 14.30 horas – Missa Solene dos Devotos à Padroeira com Sermão,

seguida de Procissão. “Adeus à Virgem”. “MomentosdeReflexão”.

CARÇÃO • 17 a 30 de Agosto • 2009