resumos - aula2,3,6

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AULA DOIS – PRÉ-HISTÓRIA DA CRIMINOLOGIA JUSTIÇA CRIMINAL A história do “penal” pode ser pensada como a história de uma longa fuga da vingança (dos indivíduos, das sociedades, do Estado). Do mesmo modo a história do processo penal pode ser tida como a longa história do fatigoso advento de um aparato de proteção e garantias disposto em torno do acusado e de seus direitos. A justiça penal não é historicamente representável no esquema de um constante progresso na direção da civilidade. Ela conheceu crises e regressões, assim como fases onde foi submetida a estratégias tirânicas e a projetos de domínio político. A justiça penal negociada Entre os séculos XI e XIII, primeira fase da experiência citadina, a vingança da vítima é um direito. É um modo reconhecido para restabelecer equilíbrios violados, para conseguir um ressarcimento e obter satisfação. Crimes que atingem as pessoas são assuntos privados, a serem tratados entre os interessados, a exceção do poder público. O motor e a finalidade da vingança é a satisfação e esta, que diferente da faida (ritualização), é regida pelo poder público na medida que este diz aos cidadãos quais são os modos de obtenção da satisfação. Tal negociação, entre os privados, não exclui recurso ao juiz. A ideia de que o delito, é primeiramente, uma ofensa (injuria) que importar antes reparar do que punir, que a reparação consiste na satisfação e que esta deve passar por uma negociação, está solidamente instalada na cultura daquelas primeiras comunidades citadinas e condiciona de maneira constitutiva sua concepção de justiça. A justiça negociada repousa sobre o consenso, antes mais que da certeza. Pertencimento, proteção, consenso e acrescento, oralidade, remetem ao caráter comunitário da justiça negociada. Entre os séculos XII e XV(nascimento do Estado moderno) uma transformação radical o sistema citadino italiano levando-o de uma fase comunitária, gerida com regras consuetudinárias, a uma autoritária, dominada por assembleias e partidos políticos. Novas formas de governo se impõem, mudando totalmente a relação entre súditos e senhores, entre direito e poder. A justiça negociada se tornará cada vez mais incompatível com as ordens constitucionais (modelo político-jurídico de uma sociedade organizada) dos regimes centralistas nascidos da crise das cidades. Ela preservará seu núcleo distintivo (a satisfação) escondendo-o nas práticas que presidiam o novo modo de fazer justiça. Justiça penal hegemônica Trata-se de um novo modo de fazer justiça. Entre o fim do século XIII e o início do século XIV imprime-se ao penal um forte caráter de publicização. Impõe-se o princípio no qual quem comete um delito lesa a sua vítima mas ofende também a respublica, a qual tem o direito de satisfação infligindo uma pena. E para levar a cabo tal princípio é concedido ao juízes afiados instrumentos bastante penetrantes: tortura, arbítrio ao modo de conseguir as provas e aplicar as penas etc. A partir desses elementos nasce um processo inquisitório. O novo modo de justiça ganha traços hegemônicos: reduz os espaços de negociação em matéria penal ao impor como princípio a oficiosidade da ação pública, a indisponibilidade do processo e sua direção conferida ao juiz, enfraquece a mediação porque impõe a ideia de que não há justiça sem punição do culpado. Enfim promove um modelo processual inquisitório que marginaliza o acusatório (lugar da

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  • AULA DOIS PR-HISTRIA DA CRIMINOLOGIA

    JUSTIA CRIMINAL

    A histria do penal pode ser pensada como a histria de uma longa fuga da vingana (dos indivduos, das sociedades, do Estado). Do mesmo modo a histria do processo penal pode ser tida como a longa histria do fatigoso advento de um aparato de proteo e garantias disposto em torno do acusado e de seus direitos. A justia penal no historicamente representvel no esquema de um constante progresso na direo da civilidade. Ela conheceu crises e regresses, assim como fases onde foi submetida a estratgias tirnicas e a projetos de domnio poltico.

    A justia penal negociada

    Entre os sculos XI e XIII, primeira fase da experincia citadina, a vingana da vtima um direito. um modo reconhecido para restabelecer equilbrios violados, para conseguir um ressarcimento e obter satisfao. Crimes que atingem as pessoas so assuntos privados, a serem tratados entre os interessados, a exceo do poder pblico.

    O motor e a finalidade da vingana a satisfao e esta, que diferente da faida (ritualizao), regida pelo poder pblico na medida que este diz aos cidados quais so os modos de obteno da satisfao. Tal negociao, entre os privados, no exclui recurso ao juiz.

    A ideia de que o delito, primeiramente, uma ofensa (injuria) que importar antes reparar do que punir, que a reparao consiste na satisfao e que esta deve passar por uma negociao, est solidamente instalada na cultura daquelas primeiras comunidades citadinas e condiciona de maneira constitutiva sua concepo de justia.

    A justia negociada repousa sobre o consenso, antes mais que da certeza.

    Pertencimento, proteo, consenso e acrescento, oralidade, remetem ao carter comunitrio da justia negociada.

    Entre os sculos XII e XV(nascimento do Estado moderno) uma transformao radical o sistema citadino italiano levando-o de uma fase comunitria, gerida com regras consuetudinrias, a uma autoritria, dominada por assembleias e partidos polticos. Novas formas de governo se impem, mudando totalmente a relao entre sditos e senhores, entre direito e poder. A justia negociada se tornar cada vez mais incompatvel com as ordens constitucionais (modelo poltico-jurdico de uma sociedade organizada) dos regimes centralistas nascidos da crise das cidades. Ela preservar seu ncleo distintivo (a satisfao) escondendo-o nas prticas que presidiam o novo modo de fazer justia.

    Justia penal hegemnica

    Trata-se de um novo modo de fazer justia. Entre o fim do sculo XIII e o incio do sculo XIV imprime-se ao penal um forte carter de publicizao. Impe-se o princpio no qual quem comete um delito lesa a sua vtima mas ofende tambm a respublica, a qual tem o direito de satisfao infligindo uma pena. E para levar a cabo tal princpio concedido ao juzes afiados instrumentos bastante penetrantes: tortura, arbtrio ao modo de conseguir as provas e aplicar as penas etc. A partir desses elementos nasce um processo inquisitrio.

    O novo modo de justia ganha traos hegemnicos: reduz os espaos de negociao em matria penal ao impor como princpio a oficiosidade da ao pblica, a indisponibilidade do processo e sua direo conferida ao juiz, enfraquece a mediao porque impe a ideia de que no h justia sem punio do culpado. Enfim promove um modelo processual inquisitrio que marginaliza o acusatrio (lugar da

  • mediao da justia negociada), reduzindo a negociao de crimes menores, a conflitos locais,s justias baixas e perifricas.

    A justia penal indicada como hegemnica se orienta sobre quatro pressupostos tcnicos: lei; ao e prova; a pena; aparatos.

    A lei Representa as normas postas pela autoridade, que cuida menos do consenso e privilegia a certeza. A dico da lei no passvel de negociao. A legislao restar esparsa e setorial por um longo tempo at o fim do sculo XV. Permanecera subordinada a justia, atributo do poder do Prncipe, e se imiscuir nas prticas dos tribunais, primeiro desfiada e depois digerida dentro da lgica anti-imperativista do direito comum. No panorama normativo emerge, ento, o trabalho da doutrina. Os juristas filtram, interpretando-a e organizando-a em sistema, as normas produzidas pelas autoridades polticas.

    A ao e a prova A justia de tipo hegemnico se vale de um processo prevalentemente por ao pblica (com o tempo cada vez mais invasivo), em que a coleta da prova confiada ao poder de investigao do juiz e baseada num amplo leque de meios intrusivos e coercitivos, contra os quais parece frgil querer opor a precria disponibilidade dos dbeis meios de defesa a disposio do acusado.

    A pena Resgate da negociao (dosimetria e execuo). Norma, ao, processo padronizado, coleta de provas convergem para um mesmo ponto: colocar o juiz em condies de punir aqueles que provocaram um dano com dolo. A pena assume, nesse quadro, uma centralidade especial.

    Os aparatos Burocratizao; instncias; hibridao de estilos. A justia entendida como modo de resolver conflitos {tambm de carter penal) com prticas compartilhadas, dentro de lgicas comunitrias e sobre o princpio da compensao, mostra abertamente o seu lugar secundrio com respeito as exigncias dos novos sistemas de poder. Em termos lato sensu constitucionais, a verticalizao dos processos de poder em que pouco a pouco investem os Estados da Idade Moderna, e a produo normativa que se liga a esta, tornam-se fontes necessrias de um sistema judicirio modelado sobre os traos do penal hegemnico.

    As practicae criminalis e a autonomia do direito penal

    As practicae criminales so o pilar doutrinal da justia de aparato e a razo no ultima da sua hegemonia. Asseverativa e prescritiva ao mesmo tempo, procedem sobre um duplo registro: legitimar com a experincia prtica o procedimento tal como ele , e ditar ao juiz o que ele deve decidir sobre punir ou no, sobre como e quanto defronte a infinita casustica que se pode apresentar. Com as practicae o processo governado, e delas pouco a pouco se desenvolver, partindo da realidade dos fatos, um direito penal atualizado, tecnicamente mais rigoroso e, sobretudo, autnomo. Com ela o jurista se socorre, ento, fundindo cincia e experincia. A Practica prescreve ao juiz de certificar-se, antes de ir adiante, que o delito tenha realmente acontecido, e depois de prosseguir com as vistorias, coleta de indcios materiais, busca por testemunhas, interrogatrios. Depois, uma vez identificado o suspeito, seguiro a inculpatio, a procura por provas ou indcios a encargo do juiz, a tentativa de obter uma confisso (inclusive atravs de tortura, se necessria e possvel), ou de qualquer forma a convictio, para depois encerrar com uma sentena correlata os resultados do processo.

    O paradigma da infrao poltica e a expanso do penal entre os sculos XVI e XVII

    Na Europa ao longo de todo o arco do sculo XVI ganha fora uma nova concepo do penal. Tal concepo repousa sobre o deslocamento da relevncia penal de um ato ou de um comportamento do plano do dano ao da desobedincia. Que corresponde a extenso do esquema da infrao poltica a toda violao penal de qualquer relevo. Qualquer violao de uma obrigao penal pode ser assimilada a uma perigosa forma de indisciplina.

    A justia ordinria e o modelo de inquisio romana

    Uma ateno ha de ser dada ao modelo processual adotado pela Inquisio romana, e, sobretudo, aos modos (organizao, condutas, astcias) que caracterizaram a sua ao.

  • O processo praticado pela Inquisio romana no e diferente do seu contemporneo processo ordinrio, comumente utilizado para os grandes criminosos nos Estados italianos (e no somente neles).

    O sistema processual da Inquisio mostra, todavia, traos peculiares, nas formalidades, no estilo de conduta, na organizao do aparato: centralizao e hierarquizao da atividade judiciria, legalizao da ao dos juzes vinculados a textos normativos certos e direcionados no a partir de interpretaes prprias, mas de um intenso e continuo afinamento das regras, profissionalismo do pessoal judicirio.

    Um detalhe no pouco importante esta no fato de que a Inquisio perseguia opinies e processava inteligncias, sufocando aquelas sociedades num tornilho de suspeitos e temores que a duras penas deixava respirar; a sua justia no ressarcia vitimas, nem etribua a quem houvesse materialmente lesado, com dano e com dolo. Defendendo o bem da ortodoxia, destrua o bem da liberdade. E o fazia na raiz, agredindo pensamentos e palavras, para meter-se entre as unhas da conscincia. Isso, quanto ao mrito, como diz os juristas. Quanto ao mtodo, pode- se dizer que a sua tradio, feita de sagacidade investigativa, de lcida correo, de frio equilbrio entre regras a observar e resultados a alcanar, famosa pela seriedade e pelo estilo, que so a outra face de uma legenda negra feita de prudentes impiedades e prfidas astcias, que serviro para alimentar e afiar o processo penal inquisitrio dos Estados continentais, adentrando ainda no sculo XX.

    AULA TRS - BECCARIA

    A DEGENERAO DAS PRTICAS, OS INTELECTUAIS REFORMADORES E AS PRIMEIRAS

    CODIFICAES PENAIS.

    No curso do sculo XVIII a chamada justia criminal hegemnica, isto aquela que no admite

    negociao no campo penal, realiza completamente sua progressiva prevalncia, e no final do sculo se

    apodera de maneira definitiva de todo o campo penal.

    Pela primeira vez na histria da Europa....

    Os intelectuais desenvolvem uma funo crtica de oposio, em coro e conflitiva, e o fazem no campo

    penal. De Montesquieu a Voltaire, de Rousseau a Beccaria, um coro de intelectuais que primeiramente

    impuseram a discusso e depois a reforma do sistema penal europeu.

    Assim se resumem as trs principais ideologias do Iluminismo penal: humanitarismo, utilitarismo,

    proporcionalismo. Aos quais se acrescenta a atitude abolicionista: a pena de morte banida, junto com as

    penas corporais, infamantes e as que revertiam seus efeitos sobre inocentes (o confisco, a damnatio

    memoriae). O espirito civilizado ser o princpio inspirador das normas e de sua aplicao.

    Processo e poderes do Juiz...

    Aos reformadores pareceram melhor submeter rigorosamente os juzes lei, negando-lhes at mesmo

    poderes interpretativos e relegando-os limitada funo de apurao dos fatos.

    O processo era recolocado num eixo totalmente diverso daquele que norteava o sistema das prticas.

    Nada de acusaes secretas, nem fases reservadas ou escondidas dos acusados. A investigao

    probatria torna-se transparente, saindo da lgica indiciria e demolindo o confuso sistema de provas

    legal, arcaico, rgido, pouco confivel. O nus da prova competir somente a quem acusa e aos acusados

    ser assegurado como inviolvel o direito de defesa, no sero submetidos a juramento, tampouco

    constrangidos fisicamente confisso: ao contrrio, comea a delinear-se na cena do processo o direito

    de silncio do acusado.

    Leis feitas de passado que abrem o futuro...

    No Cdigo penal dos delitos e das penas de 1787 e no cdigo Giuseppino de 1788 que vemos acolhidas

    as ideias dos reformadores. Neles se encontram o princpio da legalidade, proporo das penas, restrio

    da pena de morte, abolio da tortura.

  • A Revoluo Francesa se tornar a me dos princpios elaborados pelos reformadores. J a partir da

    Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado,1789, toma forma um sistema penal radicalmente novo,

    revisto no processo, na organizao judiciria, e no prprio mtodo de represso. A constituinte francesa

    de 1791 introduz uma classificao tripartida das infraes: crimes, delitos, contravenes. Nela

    encontramos presente todos os elementos que caracterizaro plenamente a codificao penal do sculo

    XIX, e no somente desta.

    Os blocos de granito de Napoleo Bonaparte...

    Em 1810 Napoleo ab-roga, revoga totalmente, o cdigo de 1791 e coloca em vigor o seu Cdigo Penal,

    verdadeiro bloco de granito na histria da codificao penal. Esse cdigo nasce j marcado pelo projeto

    poltica cesarista que o inspirava em larga medida: defender a ordem social e pblica, proteger o estado e

    governo, dissuadir e intimidar, ameaar e desencorajar.

    Uma lei de 1832, fruto da revoluo liberal de 1830 aboliu a marca e berlida, atenuou as penas, trouxe o

    remdio das circunstncias atenuantes, dizimou o batalho de crimes capitais, concedeu maior peso ao

    jri. O cdigo renovado que dal nasce toma o aspecto de um cdigo penal progressista que influenciar

    fortemente a legislao penal nos pases europeus.

    Beccaria ou o advento da ordem. O filsofo, os juristas e a emerso do problema penal A ordem A ordem proposta por Beccaria corrosiva em relao desordem/arbtrio dos sistemas penais do Antigo Regime. Criticando a penalidade tradicional e propondo um sistema punitivo transformado, ele traa as linhas de uma organizao poltica que pressupe a superao da Sociedade de ordens e o estabelecimento de um poder racional. Estatalista e utilitarista, o projeto beccariano de eficcia punitiva, visando a certeza penal, era fundamentalmente igualitrio. Em suma, em Dei delitti e delle pene, Beccaria formula uma crtica radical da sociedade do seu tempo. Esse processo acompanhado da proposio, s vezes implcita, de uma nova organizao civil e poltica, expressa no questionamento do sistema penal do seu tempo que ele pretende fundar segundo critrios de classificao novos. O lugar central do penal O maior mrito histrico de Beccaria reside no fato de ter colocado a questo penal no corao dos processos de transformao e de racionalizao da sociedade do sculo XVIII. O catlogo dos delitos e das penas era infinito. Da querela sobre a abolio, conservao ou limitao da pena capital, passa-se ao problema penitencirio, medida das penas, desejvel proporo com os delitos. A escala das sanes legais torna-se, consequentemente, o indicador e a medida da humanidade e da eficcia da ordem jurdica de uma sociedade ou de um Estado. Alm disso, na discusso sobre o processo (acusatrio e oral versus inquisitrio e escrito), aborda-se o problema do jri, assim como o do valor que convm dar s provas, e, por via de consequncia, convico do juiz. A este aspecto processual, acrescentam-se as inmeras questes relativas quilo que o direito penal contemporneo chama de parte geral, notadamente a tentativa, a cumplicidade, a reincidncia. A resoluo dos problemas ligados a estas categorias condicionava a modernizao do aparelho penal. A mediao dos juristas tradicionais A passagem da proposio de uma nova ordem a ser introduzida na sociedade atravs da reforma penal emerso de uma nova experincia da cincia penal marcada por uma resistncia, s vezes furiosa e surda, levada a cabo pelos tcnicos do direito penal, ou, melhor dizendo, pelos criminalistas profissionais vinculados tradio do direito comum. Este movimento de ideias e de prticas, que podemos qualificar de mediao jurdica. No sendo um tcnico do direito, Beccaria no se interessou seno pelas ideias gerais, e ele permanece distante da realidade tcnica e cotidiana. Ora, esta mediao dos criminalistas profissionais fundamental no que tange transposio dos grandes princpios para os bis e cdigos.

  • Ideologia e tcnicas: este duplo registro constituir a feliz premissa de onde brotar o direito penal integrado, constitudo pela dogmtica jurdica e pela sensibilidade poltico-cultural, emblemtica do sculo XIX, que eu chamei, noutro lugar, de penalistica civile. No se aproximando dos aspectos tcnicos concernentes a aplicao e interpretao da norma penal, este desprezo demonstrado pelo lado jurdico do penal conduziu Beccaria a uma forma de injustia em relao aos juristas profissionais do direito real, estes caticos volumes de privados e obscuros intrpretes. Essa negligncia do jurdico conduziu Beccaria a um erro estratgico na sua tomada de posio sobre a funo dos juzes e do seu papel no interior do aparelho de justia. Errando na sua avaliao sobre a possibilidade de a lei ser aplicada sem procedimentos interpretativos, ele no pde compreender que os juzes intrpretes necessrios da lei tornar-se-iam os guardies naturais da legalidade, ao ponto que ele no pde reivindicar a independncia deles para exercer uma funo de tutela e garantia. Beccaria parece inconsciente diante da mediao jurdica. Ela imperativa na medida em que se trata de passar de programas reformistas s regras funcionais, das ideias aos bis, da filosofia prtica penal. Para mensurar as primeiras realizaes legislativas verdadeiramente inspiradas nas teses beccarianas, dever-se- aguardar o sculo XIX com o advento do penal como cincia jurdica integrada, e com a emerso de uma nova figura de penalista: um jurista tecnicamente preparado, mas sensvel, ao mesmo tempo, s exigncias de reforma e do progresso social. Neste momento, a lio de Beccaria ter penetrado, na Itlia, na legislao e na cultura jurdica dos magistrados.

    AULA SEIS - LOMBROSO

    A criminologia no Brasil ou Como Tratar Desigualmente os Desiguais

    O autor introduz o texto dizendo que das teorias cientificistas desenvolvidas na Europa a partir da metade

    do sculo XIX o positivismo foi o que ganhou maior destaque dos historiadores e cientistas sociais

    brasileiros at meados de 1930 quando se iniciou o processo de institucionalizao e autonomizao das

    cincias sociais no pas.

    O artigo objetiva ressaltar a importncia das ideias da criminologia no debate intelectual brasileiro entre

    1880 e 1930, analisando-se como as concepes de Lombroso foram incorporadas pelos bacharis e

    juristas brasileiros que as utilizaram no s para pensar a sociedade nacional como tambm para propor e

    por vezes realizar reformas legais e institucionais inspiradas nos conhecimentos criminolgicos.

    A CRIMINOLOGIA NA EUROPA

    Cesare Lombroso (1835-1909) juntamente com Rafaele Garofalo (1852-1934) e Enrico Ferri (1856-1929)

    pretendeu construir uma abordagem cientfica do crime, estabelecendo desse modo uma oposio no

    interior das doutrinas penais entre a Escola Clssica e a Escola Positiva.

    Formado em Medicina Cesare Lombroso partindo do pressuposto de que os comportamentos so

    biologicamente determinados construiu uma teoria evolucionista na qual os criminosos aparecem como

    tipos atvicos, isto , como indivduos que reproduzem fsica e mentalmente caractersticas primitivas do

    homem. Seria possvel assim identificar, se valendo de sinais anatmicos, aqueles indivduos que

    estariam hereditariamente destinados ao crime.

    A principal obra de Lombroso, LUomo Delinquente foi reeditada vrias vezes a fim de que o autor pudesse

    incluir nela dados antropomtricos para confirmar sua teoria. Em 1899 passa a dar ateno tambm aos

    fatores socioeconmicos na etiologia do crime.

    Com sua teoria buscava criar uma cincia da natureza humana capaz de dar conta das desigualdades

    entre os homens. Entre os autores que compartilhavam da ambio do pai da criminologia encontramos os

    nomes de Ferri e Garofalo. Assim Lombroso, Garofalo e Ferri formam juntos os pilares intelectuais do

    movimento que ficou conhecido como Escola Positiva Escola Determinista ou Escola Italiana do

    direito penal, e que consolidou a definio mais geral da criminologia como a cincia voltada para o

    estudo do homem delinquente.

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  • Rafaele Garofalo era magistrado e escreveu, sobretudo, a respeito das reformas prticas da justia

    criminal e das instituies legais. Influenciado pelo darwinismo social e por Herbert Spencer cunhou a

    expresso delito natural para definir as condutas que ofendem os sentimentos morais bsicos de piedade

    e probidade em uma sociedade. Do mesmo modo que Lombroso, relegava os fatores sociais uma posio

    secundria na etiologia do crime.

    Enrico Ferri, por sua vez, era professor de direito penal e, ao contrrio dos anteriores, enfatizava os fatores

    sociais na etiologia do crime, mas sem deixar de lado os fatores individuais e fsicos. Para ele os crimes

    podiam ser divididos em cinco classes: natos, insanos, passionais, ocasionais e habituais.

    Durante o final do sculo XIX e incio do XX foram realizados na Europa diversos congressos de

    antropologia criminal a fim de espalhar as novas ideias penais. Fato que durante tais congressos

    diversas crticas foram tecidas contra as novas ideias penais. As crticas iam da afirmao por alguns de

    que o meio social era o verdadeiro caldo de cultura do crime, at a afirmao de que os mtodos

    utilizados por Lombroso careciam de cientificidade e que sua teoria era puramente dedutiva.

    No final do sculo XX as ideias bsicas da antropologia criminal entram em descrdito na Europa, mas,

    paradoxalmente, ganham vida na Amrica Latina.

    A CRIMINOLOGIA NO BRASIL

    Nas ultimas dcadas do sculo XIX Joo Vieira de Arajo, professor da Faculdade de Direito do Recife,

    se dedicar a divulgar as ideias da antropologia criminal de Lombroso no apenas entre seus alunos, mas

    tambm para um pblico especializado mais amplo, ao publicar artigos em revistas jurdicas no Rio de

    Janeiro. A partir da outros juristas passaram e divulgar as novas abordagens cientficas a respeito do

    crime e do criminoso. Alguns se tornaram entusiastas das novas ideias, outros censuravam o exagero de

    certas colocaes consideradas radicais, mas a grande maioria reconhece a importncia da discusso no

    campo do penal.

    Os juristas brasileiros estavam cientes das crticas que a antropologia criminal sofrera na Europa, e se a

    valorizaram no era por falta de informao a respeito do que ocorria l, mas sim por acreditarem que se

    tratava do que melhor se produzia na poca no campo da compreenso cientfica do crime.

    Parece difcil desse modo caracterizar a presena da antropologia criminal e da sociologia criminal no

    Brasil apenas como mais um caso de importao equivocada de ideias. As novas teorias criminolgicas

    pareciam responder s urgncias histricas que se colocavam para certos setores da elite jurdica

    nacional.

    A forte ciso presente no debate europeu entre a antropologia criminal de Lombroso, Garofalo e Ferri e a

    sociologia criminal de Tarde e Durkheim, no Brasil se diluiu em benefcio da Escola Antropolgica, com

    todos os autores aparentando ser do campo nico da criminologia.

    Os estudiosos do tema no Brasil distriburam-se entre as Escolas Antropolgica ou Sociolgica,

    especialmente pelo acento maior ou menor que atribuem aos fatores biolgicos ou socioculturais na

    etiologia do crime, mas no discordaram que a compreenso do crime e do criminoso requeria a presena

    simultnea das duas abordagens.

    Ao longo dos derradeiros anos do Brasil Imprio tentou-se efetuar a reforma dos institutos jurdicos sob a

    luz dos conhecimentos adquiridos pela antropologia criminal. Com a proclamao da Repblica veio novas

    esperanas de reformas legais e institucionais, que animaram ainda mais os crescentes adeptos da

    criminologia no pas.

    TRATAR DESIGUALMENTE OS DESIGUAIS.

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  • Embora o entusiasmo inicial tenha dado lugar a uma certa decepo, uma vez que o cdigo penal de 1980

    ficou muito aqum do que se esperava, por se organizar sob os alicerces da escola clssica, a percepo

    dos juristas reformadores mantm-se inalterada ao longo de toda a Primeira Repblica.

    Com a proclamao da Repblica, os desafios colocados para as elites republicanas no iriam se limitar

    apenas ao estabelecimento de novas formas de controle social, mas incluiro especialmente o problema

    ainda maior de consolidar os ideais de igualdade poltica e social do novo regime ante as peculiaridades

    histricas e sociais da situao nacional: presena da pobreza urbana nas principais metrpoles do pas.

    As elites republicanas, bem como os juristas reformadores adeptos da antropologia criminal, desde o

    princpio manifestaram grande desconfiana diante da possibilidade de uma real expanso da participao

    poltica. Para os criminologistas a igualdade jurdica no poderia ser aplicada aqui dada as desigualdades

    consideradas como constitutivas da sociedade brasileira.

    Quem desenvolveu de modo mais coerente a crtica ao ideial de igualdade jurdica, baseando nos

    ensinamentos da antropologia criminal, foi o mdico Nina Rodrigues. Diz ele que se as ideias da

    antropologia criminal fossem aplicadas com rigor a realidade nacional, diversidade climtica, fsica e

    tnica, toda a legislao penal deveria se adaptar a tamanha diversidade.

    Segundo Nina Rodrigues, no Cdigo de 1890 o legislador ptrio simplesmente abstraiu todas as

    desigualdades biolgicas e sociais que marcavam de maneira inconteste, aos olhos da cincia, a

    populao brasileira, ao cometer o grande erro de tratar igualmente indivduos desiguais, o que alis s

    serviria para criar conflitos internos.

    Os juristas ao longo de toda a primeira repblica iro propor, e por vezes realizar, reformas legais e

    institucionais a fim de dar aos desiguais (loucos, mulheres, menores), aqueles que no se encaixavam

    plenamente na nova ordem institucional, um tratamento jurdico diferenciado.

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