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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X POR AMOR OU POR DINHEIRO: A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO ILÍCITO Priscilla Placha Sá 1 RESUMO: A temática de gênero e o encarceramento feminino estão atravessados pelas permanências do patriarcado e da heteronormatividade, bem como pela interseccionalidade de raça e classe. A criminalidade feminina parece replicar a divisão sexual de papéis no crime, particularmente, no comércio de drogas, em que deixam de ocupar papéis de protagonismo, figurando no segundo ou terceiro escalões. OBJETIVO GERAL: Analisar os pontos de convergência nos discursos produzidos pelas decisões judiciais e os discursos produzidos pelas próprias mulheres acerca das causas que as levaram ao envolvimento com o mercado de drogas. METODOLOGIA: (1) seleção de material teórico sobre criminologia feminista e cárcere de mulheres; (2) coleta empírica: (2.1.) 1 oficina sobre gênero, cárcere e drogas com mulheres privadas de liberdade no regime semiaberto; (2.2.) 4 rodadas de entrevistas semiestruturadas com mulheres presas em três Unidades de Regime Fechado; (3) análise de decisões judiciais em casos de condenação pela Lei de Drogas. RESULTADOS: É possível perceber que a institucionalização do combate ao crime, quando figuram mulheres como autoras de delito reproduzem-se os discursos sobre a quebra e/ou reprodução de papeis do feminino; fato que aparece também nas entrevistas com as mulheres quando indagadas sobre o motivo do envolvimento com o comércio de drogas. Palavras-chave: Cárcere, Drogas, Mulher 1. INTRODUÇÃO A figura da mulher criminosa e o seu envolvimento com o crime associa-se, para um dos expoentes da criminologia positivista, ao mesquinho, ao perverso, ao sujo e ao mal. A prostituta, assim, na visão de Cesare Lombroso, é o exemplo do descritivo por ele feito em La Donna Delincuente. De início, já vale citar que mesmo quanto a esse autor a obra de maior referência lida e repetida nos tradicionais manuais de criminologia é L’Uomo Delincuente., demonstrando o silenciamento tanto histórico quanto científico sobre a mulher. Interessante, notar, porém que noutro possível marco do “nascimento” 2 da criminologia Malleus Maleficarum séculos antes a mulher ocupava o lugar de criminosa e de herege: a bruxa era essa figura personificada do feminino delinquente e que deveria receber a pior de todas as punições do mundo 3 . Mas o ponto mais 1 Especialista em Direito Processual Penal pela PUCPR. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR. Doutora em Direito do Estado pela UFPR. Professora Adjunta de Direito Penal da PUCPR e da UFPR. Professora do Programa de Mestrado em Direitos Humanos e Políticas Públicas da PUCPR. Curitiba Paraná Brasil. 2 Sobre as divergências a respeito desse marco da Criminologia (com a Escola Positiva Italiana ou com as Inquisições e, em especial, com o Martelo das Feiticeiras (o Malleus Maleficarum) ver: ZAFFARONI, Eugenio Raúl. BATISTA, Nilo; et. al. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume Teoria Geral do Direito Penal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revan. 2011, p. 510-512. 3 KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. O Martelo das Feiticeiras. Trad. Paulo Fróes. 22ª ed. Rio de Janeiro: Record / Rosa dos Tempos. 2011. Em especial, o elenco das teses centrais: p. 15-17; p. 174-175. Conferir, ainda, a crítica as vinte teses do Martelo das Feiticeiras: ZAFFARONI, Eugênio Raúl. A questão criminal. Trad. Sérgio Lamarão. 1ª ed. Rio de Janeiro: Revan. 2013, p. 35-40.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

POR AMOR OU POR DINHEIRO: A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO ILÍCITO

Priscilla Placha Sá1

RESUMO: A temática de gênero e o encarceramento feminino estão atravessados pelas

permanências do patriarcado e da heteronormatividade, bem como pela interseccionalidade de raça

e classe. A criminalidade feminina parece replicar a divisão sexual de papéis no crime,

particularmente, no comércio de drogas, em que deixam de ocupar papéis de protagonismo,

figurando no segundo ou terceiro escalões. OBJETIVO GERAL: Analisar os pontos de

convergência nos discursos produzidos pelas decisões judiciais e os discursos produzidos pelas

próprias mulheres acerca das causas que as levaram ao envolvimento com o mercado de drogas.

METODOLOGIA: (1) seleção de material teórico sobre criminologia feminista e cárcere de

mulheres; (2) coleta empírica: (2.1.) 1 oficina sobre gênero, cárcere e drogas com mulheres privadas

de liberdade no regime semiaberto; (2.2.) 4 rodadas de entrevistas semiestruturadas com mulheres

presas em três Unidades de Regime Fechado; (3) análise de decisões judiciais em casos de

condenação pela Lei de Drogas. RESULTADOS: É possível perceber que a institucionalização do

combate ao crime, quando figuram mulheres como autoras de delito reproduzem-se os discursos

sobre a quebra e/ou reprodução de papeis do feminino; fato que aparece também nas entrevistas

com as mulheres quando indagadas sobre o motivo do envolvimento com o comércio de drogas.

Palavras-chave: Cárcere, Drogas, Mulher

1. INTRODUÇÃO

A figura da mulher criminosa e o seu envolvimento com o crime associa-se, para um dos

expoentes da criminologia positivista, ao mesquinho, ao perverso, ao sujo e ao mal. A prostituta,

assim, na visão de Cesare Lombroso, é o exemplo do descritivo por ele feito em La Donna

Delincuente. De início, já vale citar que – mesmo quanto a esse autor – a obra de maior referência

lida e repetida nos tradicionais manuais de criminologia é L’Uomo Delincuente., demonstrando o

silenciamento tanto histórico quanto científico sobre a mulher. Interessante, notar, porém que

noutro possível marco do “nascimento”2 da criminologia – Malleus Maleficarum – séculos antes a

mulher ocupava o lugar de criminosa e de herege: a bruxa era essa figura personificada do feminino

delinquente e que deveria receber a pior de todas as punições do mundo3. Mas o ponto mais

1 Especialista em Direito Processual Penal pela PUCPR. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR. Doutora

em Direito do Estado pela UFPR. Professora Adjunta de Direito Penal da PUCPR e da UFPR. Professora do Programa

de Mestrado em Direitos Humanos e Políticas Públicas da PUCPR. Curitiba – Paraná – Brasil. 2 Sobre as divergências a respeito desse marco da Criminologia (com a Escola Positiva Italiana ou com as Inquisições e,

em especial, com o Martelo das Feiticeiras (o Malleus Maleficarum) ver: ZAFFARONI, Eugenio Raúl. BATISTA,

Nilo; et. al. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume – Teoria Geral do Direito Penal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revan.

2011, p. 510-512. 3 KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. O Martelo das Feiticeiras. Trad. Paulo Fróes. 22ª ed. Rio de Janeiro:

Record / Rosa dos Tempos. 2011. Em especial, o elenco das teses centrais: p. 15-17; p. 174-175. Conferir, ainda, a

crítica as vinte teses do Martelo das Feiticeiras: ZAFFARONI, Eugênio Raúl. A questão criminal. Trad. Sérgio

Lamarão. 1ª ed. Rio de Janeiro: Revan. 2013, p. 35-40.

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importante é que a própria figura da mulher não ganhou, nas leituras feitas sobre o texto, esse papel

de centralidade, se não as questões sobre o modelo inquisitório, a tortura e etc.

O apagamento da mulher na grande narrativa universal, mesmo como inimiga4, é

compreensível na perspectiva de que tanto a “história”, quanto o “direito” são escritos pelos signos

do poder, com inscrição própria no discurso do masculino.5 Heróis e vilões são, assim, os homens

das grandes epopeias, das conquistas, dos feitos e dos crimes, mesmo que, em relação aos

criminosos, também seja possível indicar a potência de escolhas criminalizantes já denunciadas, na

grande faixa da criminalização secundária, pela criminologia crítica.6

Das possíveis demarcações que as pesquisas científicas – escritas sob o influxo de uma

epistemologia e criminologia feminista7 – indicam para demarcar a dicotomia do masculino e do

feminino, interessa especialmente, ao presente texto, a que se refere à divisão sexual do trabalho8 e,

em particular, do trabalho ilícito ligado ao mercado de drogas9, no qual a feminização da pobreza

parece ter especial destaque10. A divisão sexual do trabalho que atribui ao homem o trabalho

produtivo e à mulher o reprodutivo aparece desenhada, também, no mercado de drogas no qual irá

pesar uma dupla sentença: a criminal, carregada do patriarcado em associação ao combate às

drogas; a social, da reprovabilidade pela quebra do papel dócil e recatado de quem se viu envolvida

com o comércio ilícito de drogas, mesmo em nome da família ou pelo próprio companheiro ou

marido.

4 SÁ, Priscilla Placha. O sistema penal e suas inimigas: o controle dos corpos femininos de presas comunistas e

traficantes. Boletim IBCCRIM, v. 274, p. 18-19, 2015. 5 MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 115-118.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de

Janeiro: Revan; ICC, 2012. p. 142-144. 6 Ver: SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. 2ª ed. Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2006. 7 O trabalho de Soraia da Rosa Mendes pode ser aqui indicado como um desses expoentes: Criminologia feminista:

novos paradigmas. São Paulo: Saraiva, 2014. Mas há outras criminólogas, como Vera Regina Pereira de Andrade

(Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012). Com o

olhar voltado para a questão da mulher encarcerada, conferir: ARGUELLO, Katie Silene Cáceres Arguello; MURARO,

Mariel. Las mujeres encarceladas por tráfico de drogas en Brasil: las muchas caras de la violencia contra las mujeres.

Onati Socio - Legal Series, v. 5 (2), p. 389-471, 2015. 8 Tendo como ponto teórico fundamental a proposição feita por Bourdieu, ao tomar em conta o projeto de Virgínia

Wolf, de que a divisão sexual do trabalho como a conhecemos não é recente e pode se constituir “como instrumento de

uma verdadeira socioanálise.” (BOURDIEU, Pierre. Dominação Masculina. Trad. Maria Helena Kühner. 9ª ed. Rio de

Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p. 9). 9 Da mesma forma que pondera Bourdieu (de que não se tratava, então, algo novo), a proposta da presente pesquisa

também não é uma novidade, especialmente se considerarmos os últimos anos a quantidade e qualidade de pesquisas e

trabalhos científicos realizados sobre o tema, quando emerge o hiperencarceramento de mulheres, como decorrência de

fraturas sociais consolidadas e o apreço pela prisão com as alterações legais da Lei 11.340/2006. 10 CORTINA, Monica Ovinski de Camargo. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista.

Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 23, n. three, p. 761-778, Dec. 2015. p. 766-770.

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As atenções sobre o tema, provavelmente, carregam justificativas distintas, se olharmos para

quem sobre elas escreve. Mas é fato que o crescimento exponencial do número de mulheres

privadas de sua liberdade no Brasil nos últimos anos11 rompe o apagamento, direcionando

trabalhos, como o que ora se apresenta, a partir de categorias e questões próprias dos estudos de

caráter feminista.

A proposição do presente trabalho é identificar pontos de encontro e ruptura entre os

discursos das sentenças criminais e o discurso das mulheres grávidas e com bebês, privadas de

liberdade em unidades prisionais do Paraná, os quais foram analisados a partir da divisão “por

amor” e “por dinheiro”, conforme adiante será explicitado. Isso porque se evidencia em suas falas a

violência pelas vias simbólicas da comunicação e do conhecimento de que nos fala Bourdieu.12

A presente pesquisa é um recorte de um trabalho de maior fôlego chamado “Diário de uma

Intervenção”, que se encontra no prelo, o qual foi realizado pelo Projeto Mulheres pelas Mulheres13,

resultado de uma parceria entre a Universidade Federal do Paraná, a Pontifícia Universidade

Católica do Paraná e a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná. O Mulheres pelas

Mulheres, composto por advogadas, professoras e acadêmicas de Direito, iniciou-se no início de

2014 buscando dar visibilidade e voz a mulheres muitas vezes esquecidas e silenciadas; não raro

pelos próprios grupos feministas que não as reconhecem como suas iguais ou ao menos como suas

parceiras de lutas e conquistas.14

Recorte da pesquisa: autuações por tráfico de drogas em face de mulheres privadas de liberdade

grávidas e com bebês

A pesquisa realizada, em três unidades prisionais femininas no Estado do Paraná,

inicialmente, não tinha como foco específico as gestantes e as mulheres que estavam recolhidas

juntamente com suas crianças dentro das penitenciárias. Primeiramente, buscou-se fazer uma

análise geral da população carcerária das unidades femininas localizadas na Região Metropolitana

11 Dados do Departamento Penitenciário Nacional apontam que em 2000 haviam cerca de 05 mil mulheres nas

penitenciárias brasileiras; em 2014, esse número saltou para 37.380, representando um aumento de 567%. No mesmo

período, a população carcerária masculina – embora expressivamente maior em números absolutos – apresentou um

crescimento bem menor, de “apenas” 220%. BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. DEPARTAMENTO

PENITENCIÁRIO NACIONAL. Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN Mulheres – junho

de 2014. Ministério da Justiça, 2015. 12 BOURDIEU, Pierre. Dominação Masculina. Trad. Maria Helena Kühner. 9ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

2010. p. 7-8. 13 Página do facebook do Projeto Mulheres pelas Mulheres: https://www.facebook.com/mulherespelasmulheres/ 14 Importante registrar pontos de estranhamento do movimento feminista e a imperatividade contemporânea em

reconhecer suas multiplicidades e interseccionalidades: BIROLLI, Flávia. Autonomia e desigualdades de gênero:

contribuições do feminismo para a crítica democrática. Vinhedo: Editora Horizonte. 2013, p. 133.

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de Curitiba e na própria capital, visando identificar, dentre alguns fatores, a sua condição de

atendimento jurídico, as principais causas do encarceramento, bem como a realidade em que tais

mulheres viviam antes da prisão e no decorrer do encarceramento. Assim, o foco primário era o da

descrição de um perfil de encarceramento feminino.

Entretanto, pelo que se poderia denominar de um “hiperencarceramento” tópico envolvendo

gestantes e, depois, a sua manutenção no cárcere com as crianças já nascidas, dentro das

penitenciárias paranaenses, ensejou ao final do ano de 2015, uma demanda da própria administração

penitenciária. Dessa forma, priorizou-se o atendimento às mulheres pertencentes a essas duas

categorias, em entrevistas realizadas durante quatro mutirões no segundo semestre do ano de 2015,

cujos resultados foram associados – com o intuito de escrita do presente trabalho – com uma

“oficina” sobre gênero realizada, também, em 2015, com mulheres em situação de regime

semiaberto, não grávidas e sem crianças dentro do cárcere.

- Local da realização da pesquisa

O Complexo Penitenciário do Estado do Paraná, situado em Piraquara, tem a maior

concentração de pessoas privadas de liberdade do Estado, com mais de 10.000 pessoas dispersas em

6 Unidades prisionais; duas dessas Unidades eram destinadas, exclusivamente, para mulheres: (i) a

PFP – Penitenciária Feminina de Piraquara e a (ii) PCEFem – Penitenciária Central Feminina de

Piraquara15. As demais Unidades são para homens privados de liberdade. Em tese, a PCEFem

estaria destinada às presas provisórias16. Na prática, não há essa efetiva separação. Próximo à

Piraquara, em Pinhais, fica a unidade do Complexo Médico Penal do Estado.

- Público-alvo: mulheres privadas de liberdade grávidas e com as mulheres com crianças,

autuadas e sentenciadas por tráfico de drogas

15 Essa unidade foi desativada para mulheres em dezembro de 2016, instalando-se no local uma unidade de reintegração

exclusivamente para homens. Com o fechamento dessa unidade, embora tenha havido uma liberação de algumas

internas, as demais (mais de 100 mulheres) foram acomodadas na outra unidade (a PFP). Isso levou a uma situação

interna grave, pelas precárias condições, culminando no mês de março de 2017 na 1ª. rebelião de mulheres ocorridas no

Estado do Paraná desde a criação da unidade PFP na década de 70. 16 Informações disponíveis em: http://www.depen.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=149. Acesso

em: 25 jul. 2016.

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Esclareça-se que no período em que as entrevistas foram feitas, em outubro e novembro de

201517, a questão da gestação e maternidade estava assim organizada: (i) gestantes: as mulheres

presas, provisórias ou definitivas, que estivessem grávidas, independentemente do estágio e da

condição da gravidez, eram encaminhadas ao Complexo Médico-Penal (CMP), onde deve(ria)m

receber toda a assistência médica relacionada ao pré-natal; (ii) mulheres com bebês: as mulheres,

após darem à luz no Hospital Angelina Caron, eram encaminhadas – às vezes no mesmo dia do

parto cesáreo ou natural – à Penitenciária Feminina de Piraquara (PFP)18.

As entrevistas foram feitas, então, nessas duas Unidades (CMP e PFP).

Antes de iniciarmos os trabalhos, era informado tanto pelas agentes penitenciárias

femininas, quanto pelas acadêmicas de que a realização da entrevista seria feita de forma voluntária,

ou seja, nenhuma interna estaria obrigada a participar. Cada duas acadêmicas, supervisionadas,

atendiam uma interna apresentando a proposta de trabalho e registravam, mais uma vez, a não

obrigatoriedade de sua realização. No CMP, somente uma interna recusou-se a participar da

entrevista, não informando o motivo. Na PFP, todas as internas participaram das entrevistas.

O ambiente usado no CMP era uma sala com carteiras “tipo” sala de aula e não havia a

supervisão de nenhuma agente penitenciária, também não houve restrição ao instrumento usado na

pesquisa e tampouco exigência de apresentarmos as entrevistas respondidas ou controle sobre o seu

conteúdo durante a realização. Já na PFP, foram três os ambientes usados para as entrevistas: (a) a

própria “creche”, dado o elevado número de mulheres com crianças; (b) sala destinada à

informática; e (c) sala de aula. As entrevistas não tinham a supervisão de nenhuma agente

penitenciária, também não houve restrição ao instrumento usado na pesquisa e tampouco exigência

de apresentarmos as entrevistas respondidas ou controle sobre o seu conteúdo durante a realização.

Registre-se, no entanto, que, pelo trânsito elevado de pessoas (fosse das pesquisadoras, das próprias

internas, e do trânsito de profissionais da advocacia – a sala do parlatório era próxima da sala de

informática) a presença das agentes penitenciária era constante, mas não permaneciam na sala de

entrevista durante a sua realização.

17 Após um motim feito pelas mulheres grávidas, no mês de março de 2016, que teria ocorrido por maus tratos, segundo

informações oficiosas, as gestantes foram transferidas para a PFP. E, ainda, está indefinida a forma como isso dará de

forma regular. 18 À época dos atendimentos, as gestantes, por força de eventos externos ao próprio âmbito da Justiça Estadual

associados com grandes operações no Estado (como as Operações Lava Jato, Quadro-Negro e Publicano, por exemplo),

estavam recolhidas na mesma ala em que as mulheres submetidas a medidas de segurança e as internas levadas ao

Complexo Médico Penal para o tratamento de doenças (inclusive, infectocontagiosas) ou a realização de exames e

cirurgias.

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Ao entrevista-las, seguia-se um roteiro previamente estabelecido por meio da elaboração de

um questionário, o qual abordava desde a situação socioeconômica e a escolaridade da interna, no

que interessa, em particular a esse texto, era também indagado às entrevistadas, segundo sua própria

visão, o motivo principal para o seu envolvimento com as drogas e que deu ensejo ao título do

presente texto: a) “por dinheiro”: enfocando as razões vinculadas à obtenção de dinheiro (como

sustento próprio, da família, ou manutenção do próprio uso) e b) “por amor”: tendo em

consideração as vinculações a alguém da família ou ligação afetiva ou amorosa (filho, sobrinho,

companheiro, marido, pai, etc.).

Já a “oficina” de gênero foi realizada em única oportunidade na unidade de regime

semiaberto, denominada CRAF – Centro de Regime Semiaberto Feminino do Paraná, no ano de

2015, atualmente desativada e funcionando como unidade virtual de monitoramento eletrônico de

mulheres nessa condição. Tal “oficina”, realizada pelas acadêmicas e supervisionada, tanto na

elaboração quanto na realização, buscava refletir sobre a condição social das mulheres encarceradas

e sobre a sua participação no delito, tendo como marco orientador um feminismo descolonizado e

interseccional inserido na realidade brasileira e latino-americana.

Sistematização dos dados colhidos

Dentre as entrevistas realizadas, trinta e duas foram objeto de sistematização completa de

dados. No entanto, somente quinze destas compõe o objeto de análise do presente texto, tendo em

conta existir ao tempo da entrevista ou em até 6 meses depois de sua realização, sentença judicial de

mérito por tráfico de drogas, nos quais não havia a imposição de segredo de justiça e por isso

poderiam ser consultadas. Tal recorte reduziu o universo de análise para dezesseis casos, cabendo

assinalar que uma entrevistada tinha dois processos judiciais, por tráfico, assim, pela existência

dupla foram considerados como sendo dois casos, inclusive porque o desfecho das sentenças

judiciais é distinto.

O grupo de maior prevalência, no que concerne ao indicado pela entrevistada como sendo a

motivação primária para o comércio de drogas foi o que se relaciona à obtenção de dinheiro. Em

treze casos foram indicadas motivações nesse sentido: para o sustento da família (nove casos), para

o sustento próprio (dois casos), ou da manutenção do vício (um caso).

O segundo grupo, então, com menor incidência afirmou que seu envolvimento com as

drogas derivava de relacionamento familiar ou afetivo com alguém já envolvido com o tráfico de

drogas, sendo os três casos por elas relacionados com a figura do marido/companheiro.

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Nas informações adicionais, que também eram objeto de questionamento e que podem

ajudar a compreender esse grupo de respostas, verificou-se que do total de grávidas e mães (no

grupo maior das entrevistas, ou seja as trinta e duas): - 46% das mulheres tinham entre 18 e 25 anos

de idade; - 80% tinha até 3 filhos; - 43% não tinha o ensino fundamental completo; - 28% tinha o

ensino fundamental completo; - 5% só tinha o ensino médico completo; - 5% era analfabeta.

Na “oficina” de gênero, que fora realizada com um grupo mais aberto e sem a sistematização

de entrevistas por meio de questionário escrito, a posição prevalente no grupo participante

(aproximadamente vinte e cinco mulheres, que se encontravam em regime semiaberto, privadas de

liberdade num período de 2 a 3 anos) era a de que as duas motivações (por amor ou por dinheiro)

estavam relacionadas entre si, ou seja, o sustento da família associava-se ao fato de o marido ter

abandonado ela e a prole ou por já estar preso; ou o marido ou companheiro estava preso e havia a

obrigado ou pedido para levar droga para seu uso, para o acerto de dívidas, pagamento de favores

na cadeia, entre outros. Em suas falas, restou evidenciado também o abandono pelo próprio

companheiro e pela própria família, a culpabilização por terem se envolvido com o crime ou por

terem sido pegas, como também, a reprodução do discurso a respeito dos males que a droga causa.

Todas as entrevistadas, grávidas e com crianças, do grupo de 16 casos aqui escolhidos foram

presas em flagrante-delito, tendo como locais da prisão, prioritariamente, casa, rua e entrada em

unidades prisionais ou delegacias.

As sentenças judiciais foram acessadas por meio do portal eletrônico do Tribunal de Justiça

do Estado Paraná, nos casos em que não havia segredo de justiça, pois somente quem detém

procuração das internas poderia fazê-lo. O sistema de controle da movimentação processual e do

conteúdo é o sistema Projudi19 e permite a busca pelo nome da pessoa e vara de origem.

Dos casos analisados, que não se encontravam sob segredo de justiça20, como já exposto,

foram consideradas apenas as sentenças de mérito, sendo que quatorze casos redundaram em

condenação criminal, dois em absolvição (um por falta de provas e outro por se entender presente

uma causa de inexigibilidade de conduta diversa). Não sendo considerada a interposição e eventual

resultado de recurso de apelação criminal fosse pela defesa fosse pela acusação.

Do total de quatorze casos em que houve condenação, em treze deles, a justificativa por

parte da entrevistada fora a de que o envolvimento fora pela obtenção do dinheiro, já as decisões

judiciais consideraram de forma prevalente que a obtenção de lucro seria inerente ao comércio de

19 Acesso pelo link: https://projudi.tjpr.jus.br/. 20 Normalmente, em casos como os analisados, quando existe escuta telefônica e que, em regra, redunda no início da

persecução criminal por meio de mandados de prisão preventiva, o feito fica em segredo de justiça.

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drogas e esse fato não autorizava, por isso, aumento de pena. O que apareceu com frequência,

aumentando, a pena – com entendimentos divergentes – foi a “quantidade significativa de droga”21.

Uma sentença considerou que 500g não caracterizava essa circunstância, mas outra considerou que

23g autorizava o aumento.

Análise dos dados colhidos

A mulher privada de liberdade é jovem, não branca, com baixa escolaridade, mãe de dois ou

mais filhos e não detinha emprego formal antes da prisão22. Esse perfil aqui indicado não se

distancia daquele apresentado pelo Levantamento nacional de informações penitenciárias:

INFOPEN Mulheres – junho de 2014, como também não destoa do perfil socioeconômico da

mulher privada de liberdade, nem do delito de tráfico de drogas (ou delitos, se considerarmos o de

associação para o tráfico, responsável por uma ampla gama de autuações e condenações) como a

causa primária de encarceramento de mulheres no país.

Quando se fala em “lucro” e especialmente “lucro fácil” deixa-se de reconhecer que muitas

vezes as mulheres, seus corpos e suas vidas, são menos valiosos do que a própria droga que

comercializam ou carregam. Os postos baixos que ocupam nas organizações criminosas, com

pequenas quantidades drogas que detém para a venda no pequeno e perigoso varejo, bem como a

falta de acesso a armas de fogo23, demonstra sua descartabilidade para as próprias facções, seus

companheiros e maridos.

Nos comentários às respostas objetivas, algumas delas verbalizaram que a própria gravidez

era fruto ou de uma imposição para o acesso às unidades penais, com menor vigilância, ou de uma

relação eventual e descompromissada, tanto com ela como com a futura criança.

A sobreposição de heranças de um modelo dominante que representa a força do masculino

que dispensa justificação24, acerca dos signos culturalmente atribuídos ao feminino, associa-se no

âmbito da criminalidade a outros vetores25 que permeiam os poderes públicos que se tornam

21 “Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal,

a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.” (Lei n.º

11.343/2006). 22 Isso a partir do âmbito mais amplo da pesquisa, mas também, no recorte proposto. 23 No grupo analisado, somente uma mulher detinha arma de fogo e afirmou dela valer-se para sua autodefesa em face

do ex-marido. Esse fato confirmou-se, pois o ex-marido fora autuado por tentar violentar sexualmente uma das filhas

comuns, com apenas 2 anos de idade. 24 BOURDIEU, Pierre. Dominação Masculina. Trad. Maria Helena Kühner. 9ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

2010. p. 18), com especial destaque ao esquema por ele proposto: p. 19. 25 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A questão criminal. Trad. Sérgio Lamarão. 1ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2013.

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incapazes de reconhecer o fenômeno da feminização da pobreza26 que tem potencializado essa

prisionização massiva de mulheres27.

Esses fatores são cada vez mais indicados por diversas pesquisas das mais diversas áreas que

relatam o cotidiano das agruras vividas por mulheres; cenário em que a falida guerra às drogas tem

efeitos muito particulares sobre as mulheres28.

À divisão sexual do trabalho associa-se a dicotomia dos espaços na qual aos homens

destina-se a atuação no espaço público (que se constitui nos espaços das esferas de poder, tanto

político, quanto econômico), e às mulheres reserva-se o espaço doméstico (no que se destacam os

cuidados com a casa e com os filhos)29. Esse binômico, também, margeia a questão do trabalho

produtivo e do trabalho reprodutivo que no limite representa uma espécie de divisão da vida na qual

as mulheres ocupam um lugar mais baixo na escala da consideração social, com papeis de segunda

classe, e sub-representação nos espaços de poder e da decisão, inclusive no tráfico de drogas30.

Ainda que haja – nos textos mais referenciais – que apresentam de forma crítica essa

temática, percebe-se que essa divisão ainda está relacionada com um modelo tradicional tanto de

sociedade, quanto de família, tendo em conta uma mulher que também tem um recorte próprio.

Quando uma lei (como a que tratou da prisão domiciliar ou as Regras de Bangkok) trata de

mulheres no cárcere, refere-se a um estereótipo externo que migra para o âmbito do cárcere. Assim,

deve-se mesclar essa percepção a questões que desvelam um feminismo que, também, carrega

algumas vicissitudes notadamente por sua fala elitista, intelectual e branca31, que inclusive, tem

dificuldades em reconhecer temas como a condição da mulher negra, a questão transgênero, a

prostituição, pois essas questões relacionam-se muito diretamente com as mulheres em situação de

privação de liberdade.

26 CORTINA, Monica Ovinski de Camargo. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista.

Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 23, n. three, p. 761-778, Dec. 2015. p. 766-770. 27 Cada vez mais descrita, pelos mais diversos saberes: DINIZ, Debora. Cadeia: relatos sobre mulheres. 1ª ed. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2015., QUEIROZ, Nana. Presos que menstruam. Rio de Janeiro: Record, 2015.),

VARELLA, Drauzio. Prisioneiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. E confirmadas pelos dados oficiais do

próprio órgão gestor do sistema carcerário, segundo o primeiro levantamento feito sobre as mulheres privadas de

liberdade: BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL.

Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN Mulheres – junho de 2014. Ministério da Justiça,

2015. 28 ARGUELLO, Katie Silene Cáceres Arguello; MURARO, Mariel. Las mujeres encarceladas por tráfico de drogas en

Brasil: las muchas caras de la violencia contra las mujeres. Onati Socio - Legal Series, v. 5(2), p. 389-471, 2015. 29 BOURDIEU, Pierre. Dominação Masculina. Trad. Maria Helena Kühner. 9ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

2010, p. 17-18. 30 DIAS, Camila Caldeira Nunes. Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro

Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. 2011. 386 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade

de São Paulo, São Paulo. 31 BIROLLI, Flávia. Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a crítica democrática.

Vinhedo: Editora Horizonte. 2013, p. 133.

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A participação comunicacional das mulheres, mesmo não privadas de liberdade, encontra

fatores reais e simbólicos que sequestram seu discurso, lembrando, inclusive, que privadas do

ensino formal e da escrita uma parte de suas heranças representa a tradição oral. Se mulheres que

ocupam espaços de poder têm dificuldade de fala, como a que preside o Supremo Tribunal Federal,

declarado recentemente que “seus colegas falam por ela”, o que representa o fenômeno

manterrupting, parece ser possível compreender a situação na qual aquelas que se encontram

privadas de liberdade enfrentam para tanto.

Os campos de fala e de produção discurso não raro encontra-se silenciados; ocupam a

condição de objeto de pesquisa e não de sujeito da própria história, pois o saber reinante, mesmo o

de uma epistemologia feminista, insere-se no campo da ciência formal e produzidas por estudantes,

professoras e cientistas que de alguma forma acessaram o espaço das academias e universidades.

A mulher privada de liberdade produz o seu discurso no âmbito do processo penal,

unicamente no interrogatório; uma única vez, terá a oportunidade de se manifestar – algemada, de

uniforme, cabeça baixa e olhar acinzentado num ambiente onde as expressões latinas e os

formalismos encontram-se nas cerimônias degradantes como mais um dos recursos que constroem o

sujeito delinquente, descritas pelo labeling approach32.

Isso, em verdade, também não é novo. As bruxas detidas pelas inquisições, segundo o

Martelo das Feiticeiras, tinham de entrar amarradas em redes, sem poder tocas os pés no chão, e não

podiam olhar diretamente os magistrados porque eram sedutoras, deviam ser despidas e

vasculhados os seus corpos, não se devia acreditar no seu choro33. Mais de quatro séculos depois,

no Manual de Policiamento Ostensivo da PMPR, haveria as mesmas advertências de cuidado para a

fala do feminino que quando não dissimula pelo choro, seduz pelo sexo.34

Assim, quando os discursos sobre os motivos de suas autuações, produzidas pelas mulheres

encarceradas e pelas sentenças judiciais, apresentam convergências e permanências tal fato

32 DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade

criminógena. Coimbra: Coimbra Editora. 1997, p. 347. 33 O texto descreve pormenorizadamente como tratar as bruxas durante um julgamento: KRAMER, Heinrich;

SPRENGER, James. O Martelo das Feiticeiras. Trad. Paulo Fróes. 22ª ed. Rio de Janeiro: Record / Rosa dos Tempos.

2011, p. 414-443. 34 “O policial jamais deve conduzir um interrogatório de campo com uma mulher quando ele estiver sozinho. Se tal

situação ocorrer o patrulheiro deverá procurar ajuda de outro policial. As mulheres tornam-se mais agressivas do que os

homens, quando selecionadas para um interrogatório de campo. Em reavaliação ao interrogatório as mulheres

freqüentemente reclamam que o patrulheiro fez proposta indecorosas, foi abusado ou que a insultou. Duas das defesas

primárias que as mulheres usam durante o interrogatório são lágrimas e sexo. A primeira é compreensível e a última

ignorada. As lágrimas podem ser induzidas pelo toque freqüente das pálpebras e o patrulheiro poderá notar quando

começa usar um lenço ou depois das lágrimas desaparecem.” (MANOEL, Élio de Oliveira. Policiamento ostensivo, com

ênfase no processo motorizado. Curitiba: Optagraf. 2004, p. 140).

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representa a reprodução do patriarcado e da heteronormatividade no sistema de justiça criminal e da

parte das mulheres demonstra a enorme dificuldade de se descolar da teia que intersecciona as

fraturas sociais que envolvem ao mesmo tempo a violência institucional e a pobreza estrutural.

Considerações finais

O encarceramento massivo de mulheres, especialmente, a partir da nova Lei de Drogas de

2006, precisa ser compreendido e analisado dentro de um espectro social mais amplo que denuncia

a um só tempo as permanências do modelo patriarcal que, de certa maneira, sempre esteve presente

no direito, como também o processo criminal tem servido ao propósito de criminalizar a

feminização da pobreza.

O perfil socioeconômico das mulheres encarceradas pelos delitos relacionados com o

comércio de drogas demonstra a criminalização massiva de mulheres afastadas do acesso aos postos

de trabalho formais e mais rentáveis, como também subtraídas do processo de escolarização, além

de se incluírem no casamento infantil e na gravidez precoce.

A maternidade que, para a grande maioria das mulheres, é associada ao natural, para elas é

parte compulsória de uma repetição geracional que se insere num ciclo vicioso de gerações inteiras

vinculadas ao comércio de drogas como forma tanto de subserviência de classe quanto de gênero,

permeada pela questão de raça.

O discurso judicial reproduz a tragédia cotidiana que essas mulheres vivem e faz anunciar a

que suas futuras gerações irão representar na medida em que privadas de liberdade, deixam uma

prole completamente a mercê de cuidados, mesmo que precários, iniciando precocemente mais um

ciclo de encarceramento e institucionalização.

Referências

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(des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan; ICC, 2012.

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access on 26 June 2017. http://dx.doi.org/10.1590/0104-026X2015v23n3p761.

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For love or money: the gender-based division of illicit labor

ABSTRACT: INTRODUCTION: The issue of gender and female imprisonment are crossed by the

permanence of patriarchy and heteronormativity, as well as by the intersectionality of race and

class. Female crime seems to replicate the sexual division of roles in crime, particularly in the drug

trade, where they cease to play leading roles, appearing in the second or third tier. GENERAL

OBJECTIVE: To analyze the points of convergence in the discourses produced by the judicial

decisions and the discourses produced by the women themselves about the causes that led them to

be involved with the drug market. METHODOLOGY: (1) selection of theoretical material on

feminist criminology and female prison; (2) empirical collection: (2.1.) 1 workshop on gender,

prison and drugs with women deprived of their liberty in the semi-open regime; (2.2.) 4 rounds of

semi-structured interviews with women detained in three Closed Regime Units; (3) analysis of

judicial decisions in cases of conviction by the Drug Law. RESULTS: It is possible to perceive that

in the institutionalization of the fight against crime, when women are portrayed as the perpetrator of

crime, discourses on the break and / or reproduction of feminine roles are reproduced; A fact that

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also appears in interviews with women when asked about the reason for involvement with the drug

trade.

Keywords: Prison, Drugs, Woman