ressignificando o conceito de territ_rio

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    BRITO, C. A PETROBRAS e a gesto do territrio no Recncavo Baiano [online]. Salvador: EDUFBA, 2008. 236 p. ISBN 978-85-232-0542-3. Available from SciELO Books .

    All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

    Todo o contedo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio - Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.

    Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, est bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

    Ressignificando o conceito de territrio

    Cristvo Brito

  • Ressignificando oRessignificando oRessignificando oRessignificando oRessignificando oconceito de territrioconceito de territrioconceito de territrioconceito de territrioconceito de territrio

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    Ressignificando o conceito de territrioRessignificando o conceito de territrioRessignificando o conceito de territrioRessignificando o conceito de territrioRessignificando o conceito de territrio

    O termo territrio refere-se a uma categoria geogrfica elaborada historica-mente, e constitui um conceito consagrado nas cincias humanas.

    O vocbulo territrio essencialmente polissmico. Genericamente utiliza-do para designar uma extenso da superfcie da Terra, na qual grupos sociais,instituies e indivduos entram em disputa pela afirmao de seus interesses,semelhante ao que ocorre entre os animais de uma mesma espcie. Certamente,essa uma assertiva com a qual no se pode concordar nos dias de hoje, mas a que prevalece. Entende-se que essa polissemia implica inconsistncias acercado significado do conceito de territrio, induzindo alguns (pessoas, pesquisado-res e agentes de Governo) a entenderem que a simples existncia de uma parcelada superfcie terrestre ou uma rea de terra o prprio territrio; outros cremque a existncia do territrio confirmada com a presena do Estado; outrosacreditam que territrio o mesmo que espao geogrfico; outros, ainda, o rela-cionam a uma certa dimenso espacial e durabilidade temporal; e outros, o maisgrave, tm no territrio uma forma de controle de uns agentes sociais sobreoutros. Contudo, nas falas e nos textos, predomina a idia de relaes de poderentre os distintos agentes, que se acredita ser a premissa subjacente ao referidoconceito.

    Estudos desenvolvidos a partir da dcada de 1980, por pesquisadores dascincias humanas, sobretudo da geografia, buscam superar a vinculao biolgi-ca que permeia o entendimento sobre o territrio, com a valorizao das aessociais. Entretanto, a compreenso desse conceito ainda oculta princpios que,forosamente, remetem a territorialidade, que so as aes entre os agentessociais, ao nvel de relaes hierarquizadas e com forte apelo sintagmtico.

    Os territrios, como o locus de manifestao das materialidades sociais emmeio s foras universalizantes do sistema capitalista, resultam no que Santos,M. (1994) designa de uma forma impura. Nesse sentido, a territorialidade hu-mana aparece como o conjunto de relaes mediadas pelo poder entre os distin-tos agentes sociais (Estado/Governo, empresas, instituies sociais,..., cidados),que se interessam por algum objeto comum localizado numa dada poro doespao geogrfico. A territorialidade implica a capacidade desses agentes de pro-duzirem e/ou organizarem sistematicamente territrios, segundo um projeto ori-entado por um agente hegemnico (GRAMSCI, 2000).

    Aqui se entende que a territorialidade humana constitui to-somente umaestratgia para o desenvolvimento e/ou defesa de algum tipo de interesse deagentes sociais especficos. Da mesma maneira, o termo territrio no significaser propriedade dos agentes sociais, porque exprime apenas uma relao poltica

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    e no patrimonial, apesar de, etimologicamente, o referido termo derivar do la-tim territorium que significa terra pertencente a algum.

    Os territrios so produzidos e podem ser desfeitos sem que seja necessriasua vinculao com o Estado ou o Governo. Perlongher (1987), Godoi (1998) eSilva, S.; Silva, B. (2003) do bons exemplos de territrios que se organizaramsem a participao do Estado ou do Governo. O primeiro autor estudou a prosti-tuio viril no centro da cidade de So Paulo; a segunda autora analisou as rela-es sociais entre indivduos de um mesmo tronco familiar em torno da proprie-dade, ocupao e uso da terra rural no serto do Piau; e os dois ltimos autoresestudaram as aes de uma associao de pequenos produtores rurais na regiosisaleira do estado da Bahia. Sobre essa temtica os exemplos so numerosos.

    Assim, a territorialidade humana e seu substrato material, com todas as carac-tersticas naturais e as socialmente criadas so termos que encerram uma nicaassertiva resultam de relaes sociais desenvolvidas entre os diferentes agen-tes, mediadas pelo poder e projetadas numa dada poro do espao geogrficoque se torna territrio.

    Dessa maneira, se da parte de um agente hegemnico que se insere numadada poro do espao geogrfico e entra em relaes com os demais agen-tes existentes no houver uma inteno sistemtica de reproduzir o territrioespecfico durante uma frao de tempo relativamente duradoura, o mesmosomente ir durar o tempo de cessar a energia que o fez surgir.

    Todavia, apenas afirmar que o territrio resulta de relaes de poder entre osagentes no adianta muito se se pretende avanar com o significado do referidoconceito, pois, seja pela antiga forma de compreend-lo, a partir da geopolticaratzeliana, seja por meio de sua crtica, com as contribuies elaboradas porRaffestin (1993), Sack (1986) e Souza, M. (1995) dentre outros autores, a relaode poder essencial para o conceito de territrio.

    Para esses autores a idia de poder central, permeia toda a obra de Ratzel(MENDOZA; JIMNEZ; CANTERO, 1982; MORAES, 1990). Em Raffestin (1993, p.58) clara a combinao entre poder e territrio quando o autor escreve: Oterritrio no menos indispensvel, uma vez que a cena do poder e o lugar detodas as relaes [...]. No mesmo sentido, Sack (1986, p. 26) torna explcito aindissociabilidade entre poder e territorialidade ao afirmar: Human spatialrelations are the results of influence and power. Territoriality is the primary spatialform takes.1 Por fim, Souza, M. (1995, p. 78, grifos do autor) grafa, [...] oterritrio, objeto deste ensaio fundamentalmente um espao definido e deli-mitado por e a partir de relaes de poder. Dessa maneira, acredita-se que

    1 As relaes humanas no espao so o resultado da influncia e do poder. A territorialidade primeiramente

    forma espacial (traduo nossa).

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    revisitar os conceitos de poder e territrio essencial para uma contribuio aosestudos sobre essa temtica.

    Tem-se por princpio que o que fundamenta uma relao de poder entre osagentes envolvidos numa dada relao social o consenso e nunca a submisso(ARENDT, 1994), apesar de ser um tipo de relao que necessariamente movidapor assimetrias, as quais se manifestam por meio de conflitos de interesses enunca por igualdades, da a meno existncia de um agente hegemnico queexerce o papel de liderana.

    Considera-se como ao de liderana qualquer tipo de ao desenvolvidapor um determinado agente social legitimamente capaz de assumir tal posio,disso excluindo-se qualquer referncia a um ato de relao vertical, de coman-do/obedincia2. Nesse sentido, os territrios so reproduzidos segundo um pro-cesso de cooperao. A cooperao, segundo Marx (1988, v. 1, p. 374) [...]a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um pla-no, no mesmo processo de produo ou em processos de produo diferentesmas conexos.

    Das aes de liderana de um agente hegemnico num dado territrio resultaque o contedo que atribui identidade aos territrios reflete mais fortemente asmaterializaes dos interesses dos agentes hegemnicos que coordenam legiti-mamente o consenso formado tacitamente ou no em torno de um cronogramade objetivos, mediado pelas perspectivas desses agentes. Entretanto, cada umdos agentes envolvidos busca, de alguma maneira, defender tambm seus res-pectivos interesses e almeja suas ambies, do contrrio no existe consenso,mas sim a coao, dominao, controle ou termos correlatos que, no fim, signifi-ca a supresso da autonomia (CASTORIADIS, 1982) dos demais agentes envolvi-dos na relao social.

    A contemporaneidade tem sido marcada, cada vez mais, por aes desenvol-vidas pelos movimentos sociais organizados que reclamam das autoridades go-vernamentais constitudas maior participao e autonomia na cena poltica, des-de a escala do lugar at a mundial. Nessa senda, os agentes sociais, sejam quaisforem, muitas vezes, tm apresentado seus pleitos segundo atitudes cada vezmais despojadas de relaes de comando/obedincia. Isso se deve, em parte, aoavano do regime de Governos democrticos em vrias partes do mundo, e a umconstante e progressivo aumento da permissividade e conquista da participaodos movimentos sociais organizados em decises que afetam a ordem social,

    2 O conceito de legitimidade baseia-se em Lafer, que elaborou o prefcio da obra Poder e legitimidade. O autor

    assinala que, A legitimidade fundamentalmente avaliativa, requerendo o concurso da opinio pblica, que no

    espao da palavra e da ao, julga dos ttulos em nome dos quais o poder exercido (FARIA, 1978, p. 12-13).

    Vrios autores relacionam a ideia de territrio ao poder, por isso necessrio entender o poder neste texto.

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    econmica, poltica e ecolgica em muitos pases3. Em outras palavras, j se notacontemporaneamente que h uma tendncia geral no sentido de que um nicoagente, seja ele qual for, j no impe mais aos demais suas opinies, paixes edesejos, pelo menos abertamente, o que comum nos regimes tirnicos de direi-ta e/ou de esquerda.

    Dito isso, se a prpria realidade emprica da sociedade em que se vive temdemonstrado rejeio a relaes baseadas em comando/obedincia, por que en-to, na anlise cientfica das relaes de poder entre distintos agentes, ainda seinsiste em apelar para esse tipo de interpretao, incorrendo em grave equvocoao no considerar os reais significados que se escondem por detrs de uma rela-o de dominao, de controle ou de comando/obedincia como adverte Ma-chado (1995, p. 22):

    Precisamente nas organizaes scio-econmico-espaciais que aparece tam-bm a conotao negativa, essencialmente poltica, do ato de controlar, namedida em que identificado como ato de evitar transformaes que ameacema estrutura vigente de poder, ela mesma tomado como algo socialmente negati-vo (grifos da autora).

    Apesar de todo o cuidado com o significado poltico e rigor cientfico aplica-dos pelos estudiosos do tema em torno da idia de poder, muitos continuam areproduzir idias como, dominao, controle e termos correlatos, significando omesmo que poder.

    Os fatos da histria social moderna e contempornea so suficientes e bas-tantes, quando evidenciam que milhes de pessoas, em distintas partes do mun-do, viveram e em alguns casos vivem ainda h vrias geraes sob o domnio oucontrole de outras, como exemplo pode-se lembrar: os povos indianos, chineses,escoceses e sul-africanos sob o controle ingls; depois os chineses sob a revolu-o comunista; o povo chileno sob o controle da ditadura do general Pinochet; adominao da ditadura militar (1964-1985) no Brasil; e, por fim a invaso doIraque, em 2002, pelas tropas norte-americanas e seus liderados, desconsiderandoacordos internacionais, para no falar de fatos mais grotescos. Certamente essesno so exemplos de relaes de poder, mas de pura dominao ou controle.

    3 Dias, R. (1997) oferece um artigo intitulado Gesto pblica e meio ambiente: o caso da CESP e as duas usinas

    termoeltricas em So Paulo, que traz discusso a participao dos movimentos sociais organizados nas deci-

    ses que afetam diretamente os interesses coletivos, mesmo com o enfrentamento dos interesses do Estado ou do

    Governo. Nesse artigo o autor analisa o processo de reao popular que embargou peremptoriamente as inten-

    es da Companhia Energtica de So Paulo (Cesp) em tentar instalar uma usina termeltrica no municpio de

    Paulnia (1989/1992) e outra em Mogi-Guau (1992/1993), no estado de So Paulo.

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    Ressignificando o conceito de territrio

    Diante da indistino do significado poltico subjacente a esses termos enten-de-se ser necessrio, ainda que brevemente, explorar as principais contribuiessobre o conceito de poder.

    Acredita-se como Arendt (1994), que a insistncia na repetio dessa maneirade entender o poder como relao vertical advm da situao histrica de ohomem querer sempre dominar o prprio homem, e a polissemia embutida notermo poder cumpre bem certos objetivos conjunturais principalmente dos go-vernos e genericamente dos agentes sociais no governamentais que possuemos meios e as condies de fazer com que os demais agentes atendam seusinteresses, seja por meio da persuaso, ou da coao. Nessa perspectiva destacaArendt (1994, p. 32): Se a essncia do poder a efetividade do comando, entono h maior poder do que aquele emergente do cano de uma arma, e seriadifcil dizer em que medida a ordem dada por um policial diferente daqueladada por um pistoleiro .

    E insiste a autora:

    Por detrs da aparente confuso subjaz a firme convico luz da qual todas asdistines seriam, no melhor dos casos, de pouca importncia: a convico deque o tema poltico mais crucial , e sempre foi, a questo sobre quem dominaquem. Poder, vigor, fora autoridade e violncia seriam simples palavras paraindicar os meios em funo dos quais o homem domina o homem; so tomadospor sinnimos porque tm a mesma funo (ARENDT, 1994, p. 36, aspas daautora).

    AborAborAborAborAbordagens corrdagens corrdagens corrdagens corrdagens correntes sobrentes sobrentes sobrentes sobrentes sobre o conceito de podere o conceito de podere o conceito de podere o conceito de podere o conceito de poder

    Modernamente, a abordagem corrente sobre o conceito de poder baseia-senas idias sistematizadas pelo socilogo Max Weber que apenas um dos cami-nhos tericos possveis e representava um certo momento histrico o final dosculo XIX e o incio do sculo XX , com todas as demandas decorrentes dasdinmicas de uma nova ordem poltica, social e econmica mundial emergente,associada ao expansionismo de alguns Estados-nacionais europeus mais fortes,em especial a colonizao do continente africano, e internamente, nesses pases,a luta poltica entre as classes sociais para assumir e/ou manter a posio demando, e tudo isso precisava ser legitimado tambm cientificamente. Esse cami-nho atendia aos interesses, tanto das burguesias nacionais, como das classessubalternas que aspiravam a tomada do comando em seus respectivos pases.

    Conforme Weber (1991, p. 33), [...] o Poder significa toda probabilidade deimpor a prpria vontade numa relao social, mesmo contra resistncias, seja qual

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    for o fundamento dessa probabilidade. Ora, dessa maneira, o poder seria propri-edade de um indivduo ou agente que dispe dos meios e das condies suficien-tes para impor aos demais indivduos e organizaes que participam de uma rela-o social, sua vontade, seus desejos e paixes; no limite, pelo carter funcionaldessa definio, o exerccio do poder, nessas bases, pode-se tornar, em certas con-dies, um claro convite a variadas formas de coao, alm de alimentar os esque-mas de dominao e controle social e poltico, como, mas que nunca, a histriasocial contempornea tem evidenciado.

    Destarte o poder entendido como uma relao unidimensional, apesar dalarga defesa que se faz dessa via de se compreender e exercitar o poder, mas quenos dias de hoje parece anacrnica, tendo em vista a recusa mais veemente dasociedade tirania. de se observar que Weber no defendia a tirania, mas suaformulao se baseava na realidade de uma poca em que o exerccio da domi-nao, da violncia legitimada estava sob o monoplio dos Estados-nao.4

    Para Poulantzas (1986) que era um intelectual orgnico do movimento polti-co de esquerda, o poder somente existe na luta de classes e pertence classeque assume a posio dominante, em virtude de uma certa homogeneidade deinteresses de classe envolvida numa estrutura. Para o autor o poder corresponde[...] a capacidade de uma classe social de realizar os seus interesses objetivosespecficos (POULANTZAS, 1986, p. 100).

    de se notar que o autor empobrece o significado da categoria poder aoreduzi-lo luta de classes e a invocar uma homogeneidade de interesses de clas-se difcil de se verificar, haja vista as constantes disputas de posies e cizesentre os grupos constituintes das distintas classes sociais. Ser que no interiordas classes sociais no coabitam interesses conflitantes? Pode-se exemplificarque nos pases onde o socialismo foi implantado as incontveis formas de mani-festao de conflitos somente no ganhavam a dimenso pblica por causa domedo, do temor represso de uma sociedade policialesca. De outra maneira,como ficam as demandas dos grupos sociais minoritrios que no possuem orga-nizao estruturada em classe? Essas so questes iniciais que dificultam aoperacionalizao da concepo de poder proposta por Poulantzas (1986), nummomento em que a condio humana (ARENDT, 1981) requer e exige a livreexpresso da palavra e das aes.

    4 A obra de Weber vasta e consistente, especialmente quando o autor trata dos conceitos, os quais so finamente

    elaborados e resultam de interpretaes criteriosas da realidade social de sua poca. Sua obra rica e de longo

    alcance intelectual, tanto que desde a sua publicao, que foi traduzida para vrios idiomas, ele vem formando

    escolas em vrios campos do saber cientfico, principalmente na sociologia. Porm, a histria social, como enten-

    dida tambm por Weber dinmica e os conceitos no so eternos, eles podem ser ressignificados e/ou sofrer a

    concorrncia de um outro que pode emergir como possibilidade de alternativa, no caso, a definio de poder

    proposto por Arendt.

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    Noutra perspectiva, Foucault (1999) se esfora em discutir o conceito depoder a partir da idia de como ele exercido e em que condies. Nessesentido, o autor critica as concepes doutrinrias e marxistas que tm emcomum o economicismo, servindo essencialmente para favorecer as relaesde produo e a dominao de classe. O autor conclui que

    [...] o poder no se d, no se troca nem se retoma, mas se exerce, s existe emao, como tambm da afirmao que o poder no principalmente manuten-o e reproduo das relaes econmicas, mas acima de tudo uma relao defora (FOUCAULT, 1999, p. 175).

    A novidade trazida por Foucault reside em considerar o poder como no sen-do de propriedade de nenhum indivduo ou agente, ele existe e exercido. Con-tudo, o autor encara as relaes de poder entre os agentes de forma absoluta eem sentido disciplinar.

    Contrapondo-se a toda e qualquer possibilidade de tutela e/ou cerceamentoda ao e do discurso, ou seja, da vida pblica que prpria da sociedade huma-na, Arendt (1994) entende que o poder emerge da relao de consenso entre osagentes sociais, e por isso, a violncia descartada. A autora adverte que noexiste poder puro e nem violncia pura. A violncia poder at ser utilizada emalguma medida, mas apenas de forma instrumental e autorizada e, alm disso, aviolncia jamais pode ser entendida como pressuposto do poder.

    Para Arendt (1994, p. 36):

    O poder corresponde habilidade humana no apenas para agir, mas para agirem concerto. O poder nunca propriedade de um indivduo; pertence a umgrupo e permanece em existncia apenas na medida em que o grupo conserva-se unido. Quando dizemos que algum est no poder, na realidade nos referi-mos ao fato de que ele foi empossado por um certo nmero de pessoas paraagir em seu nome.

    Essa assertiva indica que o poder no hierrquico e tampouco que umagente tenha mais poder que outro; indica tambm que o poder tantomais afirmado quanto maior for o nmero dos agentes que emprestam seusnomes favoravelmente a uma dada ao do grupo com o qual se relacio-nam. Segundo Arendt (1994), o poder existe e prprio das relaes soci-ais, no precisando, portanto, de justificao; o que precisa de justificaopara seu uso a violncia. Essa proposta de poder defendida por Arendt(1994) implica que o mesmo garantido pela legitimidade das aes dosagentes, autorizadas em nome do consenso. A elaborao sobre o poderfeita por Arendt (1994) apresenta-se como uma criao intelectual avana-

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    A Petrobras e a gesto do territrio no Recncavo baiano

    da, baseada em reflexes de problemas concretos do tempo atual, que rea-ge sempre presente tendncia negao da pluralidade da vida socialpblica.

    A emerA emerA emerA emerA emergncia e estado atual do conceito de territriogncia e estado atual do conceito de territriogncia e estado atual do conceito de territriogncia e estado atual do conceito de territriogncia e estado atual do conceito de territrio

    Durante o sculo XVIII, alguns filsofos j haviam sugerido a emergncia eaplicao do termo territrio, sem, contudo defini-lo. Montesquieu (1973), em1748, foi um dos que tratou do assunto territrio de maneira direta, no captu-lo XXII do seu livro O esprito das leis. Para ele, o territrio surge como umaparte do espao geogrfico ocupado e usado por uma dada formao econ-mico-social. Com entendimento semelhante a Montesquieu (1973) sobre o ter-ritrio, Voltaire (1978), no mesmo perodo, ao tratar da guerra, no dicionriofilosfico, apresenta a noo de territrio como sendo terra de domnio de umprncipe. Em 1857/8, Marx (1986) prenuncia o conceito de territrio em seusescritos sobre as formaes econmicas pr-capitalistas.

    De acordo com Marx (1986, p. 87), a noo de territrio estaria dada em suadeclarao, [...] o que faz com que uma regio da terra seja um territrio de caa o fato das tribos caarem nela [...]. Com isso, o autor aponta a condio desuporte da vida material de um dado grupo social que se apropria e usa uma partedo espao geogrfico, em um perodo historicamente datado. evidente que Marx(1986) no estava preocupado em compreender o territrio em si, mas sim asformaes econmico-sociais pr-capitalistas, que forneceria elementos de anlisepara seu trabalho de maior flego O capital.

    Para o autor, o territrio pode apresentar uma certa fixidez ou mobilidadedependendo do uso que os grupos sociais fazem dele, o que determinadopela forma de organizao social, poltica e econmica desses grupos sociais.Mas isso no implica qualquer tipo de afeio pelo substrato material, mas to-somente, a apropriao das possibilidades materiais de reproduo da vida.

    O conceito de territrio somente emergiu da condio de noo a partir dasistematizao dos trabalhos de Ratzel (MORAES, 1990), em fins do sculo XIX, eestritamente vinculado ao Estado-nao que prov os meios de sua expanso edefesa, segundo sua potncia. Portanto, o territrio torna-se um meio pelo qualo Estado-nao tambm se fortalece, retirando dele as condies para implementaro seu vigor econmico, cultural e blico, como potncia temvel, por meio derelaes sociais de dominao e de violncia.

    de Ratzel a seguinte definio de territrio: [...] uma determinada poroda superfcie terrestre apropriada por um grupo humano (MORAES, 1990, p.23). Na concepo do autor o que fica patente a idia de conquista, domnio e,

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    Ressignificando o conceito de territrio

    por fim, de propriedade de uma dada poro do espao geogrfico, que se de-senvolve ao nvel das relaes entre os seres do mundo natural. Esse pensamentodecorre do fato de que em seu tempo fim do sculo XIX , o autor estavaprofundamente influenciado pelas idias darwinistas e pelo processo expansionistae belicista do Estado germnico depois de sua unificao.

    Um dos primeiros autores que se preocupou em descolar a idia de territrio,do darwinismo e das aes belicistas dos Estados foi Gottmann (1973). O autorapresenta uma anlise pormenorizada sobre o significado do termo territrio. Elebaseia sua abordagem no processo de desenvolvimento histrico, poltico e cul-tural da sociedade humana, relacionando os eventos da formao dos territrioscom a satisfao das necessidades de segurana, soberania nacional e prosperi-dade econmica, poltica, social e cultural dos povos.

    Contrariamente a Ratzel, mas ainda preso idia primordial da existncia doEstado-nao como condio para o surgimento dos territrios, Gottmann (1973)concebe o territrio como sendo o substrato onde o Estado-nao exerce suasoberania. Para ele, o territrio emerge junto com a soberania nacional. Segundoo autor, o territrio no um conceito absoluto e nem abstrato, ele encerra umcontedo essencialmente relacional, envolve a noo de ocupao e uso de umadada poro do espao geogrfico, que pode ser identificada implicitamente nadefinio proposta por ele:

    The concept of territory, though geographical, because it involves accessibilityand therefore location, must not be classified with physical, inanimatephenomena. Although its Latin root, terra, means land or earth the wordterritory conveys the notion of an area around a place; it connotes an organizationwith an element of centrality, which ought to be authority exercising sovereigntyover the people occupying or using that place and the space around it(GOTTMANN, 1973, p. 5).5

    A elaborao de Gottmann (1973) refinada e bastante fundamentada umatese de difcil contestao , porm, com tantas possibilidades, no se pode quererou simplesmente aceitar que territrios somente possam existir sob a condio deexistncia de um Estado-nacional, o que implicaria, tambm, que a experincia doterritrio somente ocorreria no singular, ignorando a toda riqueza da realidade.

    Raffestin (1993, p. 144) elabora uma reflexo singular sobre o territrio,entendendo-o como [...] um espao onde se projetou um trabalho, seja ener-

    5 O conceito de territrio, embora geogrfico, porque envolve acessibilidade e localizao, no deve ser classifica-

    do como fenmeno fsico, inanimado. Embora sua raiz latina, terra signifique terra, a palavra territrio transmi-

    te a noo de uma rea ao redor de um lugar; conota uma organizao com elementos de centralidade, que

    deveria ser a autoridade que a soberania exerce sobre as pessoas que ocupam ou usam o lugar e o espao em seu

    redor (GOTTMANN, 1973, p. 5, traduo nossa).

    O conceito de territrio, embora geogrfica, porque envolve a acessibilidade e, portanto, localizao, no devem ser classificadas com fenmenos fsicos, inanimados. Embora a sua raiz latina, terra, significa "terra" ou "terra" a palavra territrio transmite a noo de uma rea em torno de um lugar; conota uma organizao com um elemento de centralidade, o que deveria ser autoridade exercer soberania sobre as pessoas que ocupam ou utilizam aquele lugar e o espao em torno dele.

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    A Petrobras e a gesto do territrio no Recncavo baiano

    gia e informao, e que, por conseqncia, revela relaes marcadas pelo po-der. Para o autor, A territorialidade aparece ento, como constituda de rela-es mediatizadas, simtricas ou dissimtricas com a exterioridade (1993, p.161). O autor enftico ao referir-se territorialidade explicando que ela nodeve ser vista como uma simples ligao com o espao geogrfico; o autoresclarece que [...] a territorialidade se inscreve no quadro da produo, datroca e do consumo das coisas (RAFFESTIN, 1993, p. 161).

    Em sua contribuio terica sobre a territorialidade e o territrio Raffestin(1993) esforou-se em esclarecer que territrio e espao geogrfico no so amesma coisa; o espao geogrfico tem existncia anterior ao territrio e sobreele que se organiza o territrio. O autor enfatiza o carter do poder que essen-cialmente multidimensional, mas estava sucumbido ideologicamente e condicio-nado a uma concepo unidimensional, ao alcance exclusivamente do Estado-nao.

    Sem dvida, bastante meritria a abordagem que Raffestin (1993) desen-volve para entender a territorialidade e o territrio, principalmente porque o au-tor props uma outra fundamentao compreenso do tema, e que contribuiupara erigir avanos substanciais sobre a temtica.

    No entanto, Raffestin (1993) no atenta para distinguir poder de dominao,apesar de optar por trabalhar com o conceito de poder apresentado por Foucault(1999), talvez seja a que resida uma das fontes de ambigidade, pois o autor,pelo que se apresenta, somente apreendeu a parte problemtica da formulaode Foucault (1999) o sentido absoluto e disciplinar das relaes sociais. Assimescreve o autor: [...] o poder visa o controle e a dominao sobre os homens esobre as coisas (RAFFESTIN, 1993, p. 58). Inicialmente, ele se prope a utilizar aproposta de poder desenvolvida por Foucault, mas, na verdade, como vimos an-teriormente, na idia de poder de Weber (1991) que ele efetivamente se inspi-ra. Para Raffestin (1993), poder, controle e dominao so termos equivalentes,o que implica necessariamente uma relao definida por aes de comando/obedincia. Esse tipo de relao social retira a autonomia dos agentes envolvidosnela, exceto o que domina, o agente sintagmtico ou outro adjetivo atribuvelqueles que comandam. Isso patente em suas afirmaes,

    As imagens territoriais revelam as relaes de produo e consequentementeas relaes de poder, e decifrando-as que se chega estrutura profunda. DoEstado ao indivduo, passando por todas as organizaes pequenas ou grandes,encontram-se atores sintagmticos que produzem o territrio (RAFFESTIN, 1993,p. 152).

    Ora, com isso, o autor apenas desloca o centro da dominao do Estado/Governopara outros agentes particulares, seja um indivduo ou uma organizao, enquanto

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    atores sintagmticos, ou seja, aqueles que determinam o que podem ou no fazer osagentes subordinados; depois, Rafesttin (1993) reduz a territorialidade a fenmenosrelacionados exclusivamente rbita econmica produo, circulao, troca e consu-mo de bens e servios , quando, na verdade abundam exemplos de territorialidadesligados a gnero, etnia e idade dentre outros.

    Assim, reduzir a territorialidade humana a um fenmeno estritamente econ-mico para distinguir da territorialidade animal contribui pouco para compreen-so desse fenmeno.

    A rigor so esses os principais inconvenientes da formulao de Raffestin (1993)que confirmam a polissemia embutida no conceito de territrio, fruto de suacompreenso confusa do conceito de poder e de uma necessidade mope deafirmao da geografia como a disciplina que monopoliza o tema.

    Aps a publicao da verso original da obra de Raffestin em 1980, foi semdvida o estudo de Sack, publicado em 1986, que contribuiu com os maioresavanos sobre o conceito de territorialidade e seu substrato material o territrio num plano j desvinculado das amarras do Estado-nao, proposto por Raffestin(1993).

    Sack (1986, p. 19) define a territorialidade como a [...] attempt by an indivi-dual or group to affect, influence, or control people, phenomena, and relationships,by delimiting and asserting control over a geographic area.6

    Dentre todas as contribuies que Sack (1986) apresenta para compreenso doconceito de territrio, as mais importantes referem-se a trs questes singulares.

    Primeiramente, refora a distino entre a territorialidade humana e aterritorialidade animal. Enquanto para os humanos a territorialidade significa umaestratgia de ao dos agentes frente a seus interesses num dado territrio, ouseja, passa pela rbita da ao poltica, para os animais a territorialidade resultade instintos fundados somente em aes de natureza biolgica.

    Segundo, os territrios no possuem uma dimenso fixa, variam de tamanhoe inclusive podem ser mveis, a exemplo dos navios de distintas nacionalidades.Os territrios tambm possuem uma durao temporal varivel, isto , da mesmamaneira que existem num dado momento, noutro podero deixar de existir.

    Por ltimo, como os territrios so pores do espao geogrfico organizadosem torno da liderana de um agente hegemnico, ento, se pode concluir quevrios territrios podem ser estruturados concomitantemente pelo mesmo agente.Acredita-se, porm que esses territrios no apresentam a mesma configuraoterritorial. Essa ltima caracterstica levantada por Sack (1986) uma das maisimportantes, pois permite a abordagem metodolgica do territrio articulado em

    6 [...] tentativa por um indivduo ou um grupo para afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenmenos e relaes, pela

    delimitao e afirmao do controle sobre uma rea geogrfica (1986, p. 19, traduo nossa).

    [...] tentativa por um indivduo ou um grupo para afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenmenos e relaes, pela delimitao e afirmao do controle sobre uma rea geogrfica

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    A Petrobras e a gesto do territrio no Recncavo baiano

    rede, pela possibilidade de um mesmo agente projetar suas aes em vrios terri-trios ao mesmo tempo. Essa abordagem sumamente importante para a anlisedos fenmenos scio-territoriais por meio das redes geogrficas.7

    Essas contribuies tornam mais fcil a compreenso do conceito deterritorialidade e de territrio, pois sepultam de uma vez por todas a idia de que oterritrio e a territorialidade so determinados exclusivamente pela presena doEstado-nao.

    Da mesma maneira que existem territrios independentemente das aes dosEstados-nao, tambm se formam os territrios representados pelo exerccio dasoberania dos Estados-nao, cuja relao de poder com a sociedade se exprimeno ambiente poltico do Congresso Nacional dos respectivos pases, em se tratandode democracias. Do mesmo modo, as reas de jurisdio dos Governos em suasdistintas escalas de ao e das autarquias federais, estaduais (provinciais) e munici-pais que agem em dadas partes dos pases para promover o progresso social eeconmico em regies economicamente deprimidas so tambm territrios.

    Nesse sentido, dois exemplos de territorialidade dos Estados-nao podemser destacados: a Tennessee Valley Authority (TVA), nos Estados Unidos da Am-rica do Norte, e no caso brasileiro, a extinta Superintendncia do Desenvolvimen-to do Nordeste (Sudene), e demais rgos governamentais que agem em todo oBrasil e os das distintas nacionalidades em vrias partes do mundo.

    Vale destacar que em nenhum desses dois exemplos o Estado/Governo utilizoumecanismos de coao na inter-relao com os demais agentes envolvidos, aocontrrio, as mediaes polticas que foram privilegiadas. Por exemplo, no em-bargo da construo das usinas termeltricas nos municpios de Paulnia-SP, em1989/1992, e Mogi-Guau-SP, em 1992/1993, em decorrncia de aes popula-res contra a Companhia Energtica de So Paulo (Cesp), apesar de ter sido desfa-vorvel para a empresa, nem o Governo do estado de So Paulo e nem a prpriaempresa utilizaram recursos coercitivos para tentar anular a Lei, de iniciativa po-pular, aprovada nas respectivas Cmaras Municipais, a qual probe peremptoria-mente a instalao desse tipo de empreendimento nos referidos municpios (DIAS,R., 1997).

    Esses exemplos servem para reforar o entendimento de que a territorialidade um fenmeno produzido por vrios tipos de agentes sociais que se relacionamentre si, sob a liderana de um determinado agente que goza de legitimidade noconsenso firmado com os demais.

    O estudo de Sack (1986) de uma riqueza terica e experimental significa-tivas. Contudo, assim como Raffestin (1993) , Sack (1986, p. 27, 52-53) tambmadmite a relao de dominao como sinnimo de relao de poder, como est

    7 Sobre o conceito de redes consultar Dias, L. (1995a) e Santos, M. (1997).

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    explcito em sua definio e nos argumentos que aparecem em toda sua obra,[...] who is controlling whom and for what purposes.8

    Corra (1994) apresenta uma discusso importante sobre a territorialidade deuma grande empresa no Brasil a companhia de cigarros Souza Cruz. O autor seempenha em distinguir territrio de espao geogrfico e explora o termoterritorialidade e desterritorialidade, dentre outros, relacionados ao conceito deterritrio. A territorialidade , ento, explicada como sendo o resultado de aesmateriais e imateriais empreendidas pelos agentes com vistas a permitir-lhes aconquista de um dado territrio e sua posterior permanncia no mesmo, ou seja,a sua reproduo; a desterritorialidade significa para um dado agente a perda doterritrio, mas que poder ser retomado no futuro. O autor explica que, ao seapropriar de um territrio, o agente no est tornando-se proprietrio do mes-mo, mas to-somente buscando prover as necessidades de sua reproduo en-quanto agente social, que desenvolve interesse sobre um objeto especfico alilocalizado.

    O texto importante porque exemplifica o processo de territorializao deuma empresa, como um estudo de caso. No entanto, Corra (1994) tambm fazuso do termo controle, pois seu entendimento sobre o conceito de territorialidadee de territrio influenciado por Sack (1986), como afirma o prprio autor.

    Buscando dirimir algumas dvidas sobre o conceito de territrio, Souza, M.(1995), outro gegrafo brasileiro, reabre em alto nvel o debate sobre esse con-ceito. Acredita-se que o grande mrito do autor , por um lado, ter trazido paraa discusso sobre o conceito de territrio, o conceito de poder com as contribui-es tericas desenvolvidas pela cientista poltica Arendt (1994), e, por outrolado, tentar sistematizar alguns exemplos de territorialidades associadas antro-pologia e sociologia.

    Como os autores anteriores, Souza, M. (1995, p. 87) se esfora para esclare-cer o que o territrio ao assinalar que [...] territrios, que so no fundo antesrelaes sociais projetadas no espao que espaos concretos [...]. O autor tam-bm salienta que os territrios existem e que no h nenhuma lei que determineque eles sejam uns justapostos aos outros. Ao contrrio, dependendo dos tiposde territorialidades, vrios territrios podem, inclusive, superpor-se sem nenhu-ma ordem prvia e, tampouco, nenhum deles tem obrigao de fazer coincidir otamanho de sua rea com outro qualquer que esteja sobreposto ou anteposto,alm da possibilidade de serem mveis, como j havia destacado Sack (1986) e,antes dele, Marx (1986).

    Se Raffestin (1993) e Sack (1986) complicam um pouco o entendimento doconceito de territrio ao se prenderem idia de controle/dominao como equi-

    8 [...] quem controla quem e para que propsitos? (SACK, 1986, p. 27, 52- 53, traduo nossa).

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    valentes ao poder, Souza, M., (1995) tambm segue na mesma direo, pois omesmo no atentou para a sutileza da indistino de uma relao social de po-der, de uma relao de dominao. Isso, em decorrncia do fato de o autor sepreocupar em tentar encontrar o agente que exerce a funo de dominao noterritrio, tal como ele mesmo explicita,

    O territrio, objeto deste ensaio, fundamentalmente um espao definido e delimi-tado por e a partir de relaes de poder. A questo primordial, aqui, no , narealidade, quais so as caractersticas geoecolgicas e os recursos naturais de umacerta rea, o que se produz ou quem produz em um dado espao, ou aindaquais as ligaes afetivas e de identidade entre um grupo social e seu espao.Estes aspectos podem ser de crucial importncia para a compreenso da gnese deum territrio ou do interesse por tom-lo ou mant-lo, como exemplificam as pala-vras de Sun Tzu a propsito da conformao do terreno, mas o verdadeiro Leitmotiv o seguinte: quem domina ou influencia e como domina ou influencia esseespao? (SOUZA, M., 1995, p. 79, grifos do autor).

    Do exposto at aqui evidencia-se que o autor, como os demais, nutriu suaidia sobre o poder no pensamento de Weber (1991), o qual um caminhopossvel para interpretar a realidade social. Porm, o que pesa a opodiametralmente oposta idia de poder defendida por Arendt (1994), quando oreferido autor afirma que,

    A conceituao acima resumida , como se ver mais adiante na seo 2, de uminteresse especial para o presente artigo, por ampliar a idia de poder e simultanea-mente libert-la da confuso com a violncia e da restrio dominao, permitindoassim conjugar as idias de poder e, por extenso, territrio e autonomia (SOU-ZA, M., 1995, p. 80, grifos do autor).

    Cabe ressaltar mais uma vez que, para Arendt (1994), poder e violncia, domi-nao, controle ou comando so conceitos inconciliveis, porque enquanto oprimeiro privilegia a pluralidade e a vida ativa pblica, os demais as reprime.Sendo assim, o exemplo de territrio apresentado por Souza, M. (1995) evidenci-ado pelas materializaes da territorialidade do trfico de drogas nas favelascariocas no outra coisa, seno, e infelizmente, o ambiente da tirania e daviolncia perpetrados pelos diversos bandos de criminosos, onde as pessoas debem so vigiadas pelos olheiros dos traficantes, so humilhadas e silenciadas,no restando possibilidade para a ao e para o dilogo autnomos, conformedefende Arendt (1981), em A Condio humana. Entende-se, dessa maneira,que, ao mesmo tempo em que o referido autor ampliou substancialmente oshorizontes em relao ao entendimento sobre o conceito de territrio, tambmcriou uma fonte de dvidas sub-reptcia.

    Ele diz que usa a ideia de poder de Arendt, mas comunga da ideia de Weber.

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    Dentre outros autores, na ordem cronolgica, uma das ltimas contribuiesfundamentais sobre o conceito de territrio foi apresentada por Santos, M.;Silveira (2001, p. 19) como sendo [...] uma extenso apropriada e usada. Essadefinio de territrio vlida, no sentido de relativizar o fenmeno daterritorialidade em uma dada poro do espao geogrfico que se torna terri-trio, como referncia de uso de certos objetos por dados agentes sociais emmeio a uma totalidade parcial.

    Todavia, a proposta apresentada por Santos, M.; Silveira (2001) e seus colabo-radores, pela prpria perspectiva da abordagem do assunto, no contempla rela-es de poder, o que a aproxima mais do conceito de espao geogrfico. Osautores antecipam que para eles o territrio sinnimo de espao geogrfico;porm, nesse ponto que se acredita residir a ambigidade do conceito na pers-pectiva dos autores.

    Por fim, Haisbaert (2006) desenvolve uma longa e acurada discusso, muitoproveitosa e oportuna, sobre o conceito de territrio, sobretudo, pela aborda-gem sofisticada, com o exemplo da idia de multiterritorialidade. Nos dias dehoje, segundo o autor, a multiterritorialidade significa a possibilidade de os agentessociais terem acesso a distintos territrios simultaneamente, por meio de interfacestcnicas, tecnolgicas e informacionais, conforme sua capacidade de pagar poresse acesso.

    Cabe indicar que o autor no esclarece o conceito de poder, que ele associaa controle/dominao e, por outro lado, ao longo do texto, fica evidente que oautor se inspira em Sack (1986), com a idia de quem controla quem em umadeterminada rea; e em Santos, M.; Silveira (2001) com a idia de espaobanal.

    Aps a anlise das contribuies levantadas sobre o conceito de territrio,cabe, por fim, explicitar o que se entende por territrio e, portanto, a definioque doravante ser seguida neste livro.

    Do exposto at aqui pode-se concluir que como todo conceito, o de territ-rio um daqueles em elaborao, o que constitui tarefa nada fcil de explicardiante do grau de complexidade que envolve o tema. Por enquanto, o que sepretende at aqui contribuir para iluminar os caminhos a serem trilhados.Nesse sentido, compreende-se a territorialidade como um processo social queenvolve um feixe de inter-relaes mediadas por acordos formais ou no entredistintos agentes que se interessam por algum tipo de objeto comum a eleslocalizado numa dada poro do espao geogrfico que se torna territrio.