resenha orphan black

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Resenha sobre o seriado Orphan Black

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS DECLAVE

    Disciplina: LET0221 Leitura e produo de textos em lngua portuguesa II 2014/1 Turma A Prof. Dr. Luisandro Mendes de Souza Acadmico: Liana Vargas Fernandes

    ORPHAN BLACK E A FBULA DO FEMINISMO

    Sarah, uma mulher jovem vestindo trajes punk, entra em uma estao de metr quase deserta. No plano de fundo, podemos perceber outra mulher, de costas, chorando. Ela coloca sua bolsa e casaco no cho e comea a tirar os sapatos. Sarah se aproxima da mulher, indagando se ela est bem. Quando essa se vira, visivelmente abalada, vem o choque: ela exatamente igual a Sarah. A outra mulher exibe uma expresso com um misto de surpresa e exausto, e hesita apenas por um segundo antes de se atirar na frente de um trem.

    Assim nos apresentada Orphan Black, uma produo canadense da diviso norte-americana da BBC.

    Aps o choque inicial, Sarah resolve apanhar a bolsa de sua ssia para tentar desvendar o mistrio. Ela acaba se passando pela outra, uma policial chamada Beth Childs, e percebe que o caso muito mais complicado do que poderia imaginar: Sarah descobre que uma clone, e que Beth havia se unido a outras trs ssias para suas origens. Alm de tentar se livrar do Instituto DYAD, que as criou e que monitora suas vidas detalhadamente, o Clube das Clones, como se autodenominaram, precisa lidar com uma pessoa misteriosa que as est matando, uma a uma.

    Criada por Graeme Mason e John Fawcett, a srie de fico cientfica virou fenmeno de pblico e crtica. Com uma trama envolvente, em ritmo acelerado, e coberta de suspense, a produo merece elogios por todos os lados.

    A atuao da protagonista, Tatiana Maslany, impressiona. A atriz, que at ento no havia tido muitos papis de destaque, interpreta sete personagens, e no se fia apenas nos penteados e modos de vestir para distingui-las. Cada uma tem seus prprios trejeitos, suas expresses faciais, seu modo particular de falar. De Alison, a neurtica soccer mom, a Cosima, a cientista descolada, da ex-trambiqueira Sarah misteriosa Helena, nas mos de Maslany, as personagens ganham vida e saltam da tela. Muitas vezes, somos at capazes de identificar quando uma est se passando por outra, e chegamos a esquecer de que todas so interpretadas pela mesma pessoa.

    Essa impresso acentuada pelo excelente trabalho na execuo dos efeitos especiais. A cada episdio, vemos as clones interagindo, conversando, sentadas lado a

  • lado e at mesmo abraando uma outra, sem percebermos que um efeito de computador, auxiliado por uma dubl de corpo.

    Mas talvez o maior mrito da srie esteja alm das caractersticas tcnicas. Orphan Black apresenta algo raro na televiso e na mdia visual em geral: dominada pela perspectiva da(s) protagonista(s); uma perspectiva feminina, feminista, e extremamente diversificada. Esse um feito especialmente notvel para uma produo escrita por dois homens. O mais comum vermos mulheres que se enquadram em um nmero limitado de perfis; elas podem ser poderosas e duronas, mes donas-de-casa, mes que trabalham demais ou femmes fatales. uma surpresa feliz quando encontramos personagens to complexas como as mulheres de Orphan Black.

    O seriado no s passa com folga no Teste de Bechdel (xod das feministas, baseado em uma charge da cartunista americana Alison Bechdel, em que uma mulher diz a outra que s assiste filmes que se enquadrem em trs critrios: 1) precisa ter pelo menos duas mulheres 2) que conversem uma com a outra 3) sobre algo que no seja um homem), mas, como apontou astutamente uma piada na internet, falharia espetacularmente numa verso inversa do teste sempre que dois homens conversam entre si, sobre uma mulher (geralmente, uma das clones).

    Essa tendncia de se dar mais ateno perspectiva feminina parece ser um tema cada vez mais frequente em produes canadenses. Sries como Bomb Girls, Lost Girl e Rookie Blue (e, que surpresa! As duas ltimas j passaram pelas mos de John Fawcett, como diretor) tm demonstrado um esforo de criar histrias com protagonistas femininas, cujas vidas no circulam em torno de seus relacionamentos amorosos e de suas vidas sexuais. Ser solteira, casada, recatada, promscua, htero ou lsbica apenas um detalhe a respeito da personagem, e tratado com muita naturalidade. Ento, voc gay, diz Rachel em um episdio da segunda temporada. Minha sexualidade no a coisa mais interessante a meu respeito, responde Cosima, sem hesitar.

    Podemos ver Orphan Black como uma fbula sobre o feminismo. Afinal, o que esse movimento, seno mulheres lutando contra uma instituio poderosa (o patriarcado) pelo direito autonomia sobre suas vidas e sobre seus corpos? A mxima "minha biologia, minha deciso", frequentemente repetida por Cosima, pode muito bem ser comparada ao lema das campanhas pelo direito ao aborto seguro, "meu corpo, minha deciso". As mulheres de Orphan Black no admitem que lhes digam onde podem ir ou trabalhar, ou com quem podem se casar. Elas querem controle total sobre suas vidas, e nem instituies fictcias, nem a sociedade real, tm o direito tirar isso delas.