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Reforma Curricular do Ensino Médio Politécnico: reflexos no interior da escola, reflexos na docência
Resumo A cada mudança de governo o estado do Rio Grande do Sul sofre a imposição de reformas e políticas educacionais. A ausência de debate, tanto com os professores quanto com a comunidade escolar, têm produzido efeitos negativos para a educação pública estadual. Os professores sentem‐se desvalorizados, perdem o interesse pela profissão e pelo ato de educar e relutam em aceitar, entender e aplicar as novas políticas. É o que pode estar ocorrendo com a “Proposta pedagógica para o ensino médio politécnico e educação profissional integrada ao ensino médio 2011‐2014” implantada nesse estado. Diante disto, este artigo apresenta o resultado de uma investigação em que se analisam alguns dos efeitos produzido pela reforma curricular imposta às escolas e seus professores a partir de entrevistas realizadas com professores de uma escola pública estadual. Os resultados demonstram que há um sentimento de impotência da parte dos professores diante da reforma implantada, ainda que os mesmos apontem algumas possibilidades positivas. Palavras‐chave: Reforma educacional. Ensino médio politécnico; Reforma curricular; formação de professores.
Cláudia Zank
Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected]
Margareth Fadanelli Simionato Centro Universitario Metodista IPA
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Introdução
Os anos de 2007 a 2010 foram difíceis para a educação no Rio Grande do Sul (RS).
As ações levadas a efeito pela Secretaria da Educação, estabeleceram ações como a
enturmação (junção de turmas numa mesma sala de aula), a multisseriação (junção de
séries diferentes em uma mesma sala com apenas um professor), o fechamento de
turmas da modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos), o fechamento de escolas, e a
implementação de políticas privatizantes (BACCIN; MENDES, 2009). Acrescenta‐se a estes
cortes, os relativos à manutenção da infraestrutura das escolas e o não cumprimento do
Piso Salarial Profissional Nacional. Como consequência, a educação pública gaúcha entrou
em grave crise: escolas sucateadas, laboratórios fechados, bibliotecas precárias, falta de
professores e funcionários aliados a um enorme número de aposentadorias em três anos
(LAZZAROTO, 2011).
Em 2011, quando da posse do novo governo (do Partido dos Trabalhadores ‐ PT),
professores e comunidade escolar esperavam por ações que viessem a acabar com esta
crise, propondo mudanças que garantissem ganhos na qualidade da educação. Na visão
da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (SeducRS), estes ganhos ocorreriam a
partir da implantação de sua “Proposta pedagógica para o ensino médio politécnico e
educação profissional integrada ao ensino médio 2011‐2014”.
Na introdução da Proposta são relatados alguns dos problemas enfrentados pelo
Ensino Médio no RS, dentre estes a baixa taxa de escolaridade líquida1, a defasagem
idade‐série, os altos índices de abandono e reprovação, o alto número de alunos fora da
escola, o pouco número de professores atuando no Ensino Médio, a infraestrutura
precária das escolas e, por fim, o currículo fragmentado. Diante disso, a Seduc apresenta
sua solução:
Essa conjunção de fatores apresenta uma realidade que exige, urgentemente, novas formas de organização do Ensino Médio. Além do aporte de investimentos para a ampliação e recuperação da rede física das escolas, do investimento na formação e valorização do magistério, há a necessidade da construção de uma nova proposta político‐pedagógica [...] (SEDUC, 2005, p. 7).
1 Idade esperada para o ensino médio, a qual é, segundo o documento da Seduc, dos 15 aos 17anos.
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O documento segue, então, justificando e apresentando sua proposta que, em
poucas palavras, se constitui em um Ensino Médio Politécnico2 e na Educação Profissional
integrada ao Ensino Médio3.
Vê‐se, assim, e na falta de ações até o momento que mostrem o contrário, que
esse governo propunha acabar com a crise na educação através de alterações na
estrutura curricular do Ensino Médio: “Os problemas de infraestrutura, da remuneração
dos trabalhadores da educação, do acesso à formação continuada, de recomposição do
quadro e de reestruturação da jornada são secundarizadas. O único problema tratado
com urgência é o currículo [...]” (BÚRIGO, 2013, p. 13).
Ainda que ficasse claro para a comunidade escolar e acadêmica que a crise da
educação pública estadual não seria resolvida com esta proposta, foi sua imposição o que
mais angustiou os docentes, principalmente no período inicial de sua implantação.
Conforme aponta Búrigo (2013, p. 13), “A reforma em curso na rede estadual gaúcha se
apresenta com um discurso que tem confundido muitos professores e estudantes:
formula enunciados de tom emancipátório, mas impõe uma vontade de governo [...]”.
Devido a prazos apertados, não pode se considerar que houve real debate, a proposta foi
apresentada no segundo semestre de 2011 para implementação no primeiro semestre de
2012:
Ao apresentar seu projeto de Reestruturação do Ensino Médio, bem como o cronograma de “debates”, estabelecendo o prazo para a elaboração do documento final para janeiro de 2012, o governo derruba seu próprio argumento de que a proposta vai ser construída democraticamente (CPERS, 2011, online).
Na visão do sindicato CPERS (Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul)
(2011, online), a proposta foi construída de “cima para baixo”, sem uma consulta séria e o
necessário debate com os docentes: “Estaremos novamente diante de um ‘regimento
padrão’ elaborado pela SEC à revelia da comunidade escolar”. Para o sindicato (2011), a
democracia do governador e de seus secretários está presente apenas em seus discursos. 2 O Ensino Médio Politécnico “tem por base na sua concepção a dimensão da politecnia, constituindo‐se na
articulação das áreas de conhecimento e suas tecnologias com os eixos: cultura, ciência, tecnologia e trabalho enquanto princípio educativo” (SEDUC, 2011, p.5).
3 “A educação profissional integrada ao ensino médio se configura como aquisição de princípios que regem a vida social e constroem, na contemporaneidade, os sistemas produtivos” (SEDUC, 2011, p.5).
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De modo democrático ou não, a “Proposta pedagógica para o ensino médio
politécnico e educação profissional integrada ao ensino médio 2011‐2014” foi implantada
e, desde então, são muitas as questões que se apresentam. Dentre estas, a que trata dos
reflexos dessas mudanças no trabalho e na vida do professor. Ainda que os problemas na
educação pública estadual não tenham começado no governo do PT ou mesmo no do
PSDB, as constantes alterações, ocorridas nas mudanças de governo, sem o necessário
debate com a comunidade escolar, podem apresentar‐se como difíceis de aceitar,
entender e aplicar para a maioria dos professores. Ao sentirem que não têm “voz”,
estes professores podem perder a eficácia e o interesse pela profissão (HARGREAVES et
al, 2002). Eles se sentem sobrecarregados e desvalorizados. Nas palavras de uma
professora da rede estadual, o que sobrecarrega os professores, no entanto, não é
apenas o excesso de trabalho, às vezes de 60 horas, em escolas diferentes, mas
Sobrecarrega‐os o insuficiente investimento no setor educacional, que transforma o cotidiano escolar numa luta permanente contra o desconforto (quando não contra a insalubridade) no local de trabalho. Sobrecarrega‐os a política pública que não transgride a ordem do capital e os estimula a permanecer exclusivamente como "preparadores" de mão‐de‐obra para o mercado de trabalho. Embora os discursos oficiais afirmem o inverso. Sobrecarrega‐os, também o salário miserável, representante e desvelador da grande contradição das sociedades capitalistas que, com "mão‐de‐obra barata", fazem da precariedade no atendimento ao grande público um instrumento garantidor da supremacia do poder privado. Mais do que tudo isso, no entanto sobrecarrega‐os a falta de perspectiva profissional, o estreito e nublado horizonte que seus olhos vêem, quando saem para trabalhar (GAUTÉRIO, 2013, online).
Diante disto, este artigo busca em Hargreaves (2001; 2004) e Hargreaves et al
(2002) o embasamento teórico necessário às reflexões sobre as questões docentes
frente às reformas educacionais . E, a partir de entrevistas com 08 professores da rede
pública do Rio Grande do Sul, investiga e analisa alguns dos efeitos produzidos pela
última reforma nas escolas e em seus professores.
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1. Reformas educacionais, reflexos nas escolas e nos professores
A lógica neoliberal não é prerrogativa do Estado do RS e nem mesmo do Brasil. Presente
em diferentes países, mostra‐se no final do século XX como uma tendência
governamental, alterando profundamente o funcionamento das escolas em diversas
partes do mundo. Em contextos neoliberais, as questões econômicas se sobrepõem às
sociais. Há movimentação de recursos entre os países, e da esfera pública para a privada.
Além disso, os governos reduzem os gastos públicos, e a educação, como “um dos itens
mais onerosos e vulneráveis na lista de gastos públicos” (HARGREAVES, 2001, p.17) sofre
cortes constantes.
A vulnerabilidade da educação traz consequências para alunos e para aqueles que
vivem e trabalham com ela, os professores. Em diferentes países, eles tornam‐se “vítimas
do enfraquecimento da rede de previdência social, da redução nos gastos com o bem
estar público, das convulsões sociais nas famílias dos alunos e do descompromisso geral
com a vida pública” (HARGREAVES, 2001, p.17).
No Brasil, e mais especificamente no Rio Grande do Sul, não é diferente. As
mudanças protagonizadas durante os últimos governos estaduais encontram
semelhanças com o que é descrito por Hargreaves sobre a educação nos Estados Unidos
no fim do século XX, início do século XXI:
Os salários dos professores foram congelados. Os cargos remunerados de coordenação foram reduzidos. As cargas de trabalho ainda continuam a aumentar. Os professores se viram em uma cilada em que se faz mais por menos (2004, p. 94).
Além dessa situação salarial e de carga de trabalho, os professores ainda tiveram
que enfrentar as avaliações externas e as reformas educacionais que comumente
ocorrem sem que sejam consultados. Hargreaves (2004, p. 73) aponta uma relação entre
as avaliações e as reformas, explicando suas ocorrências:
[...] as agendas globais preocupadas com padrões e metas mensuráveis, resultados de pesquisa, dados para responsabilização, ênfase nas habilidades básicas e o impulso à privatização, colonizaram progressivamente as práticas de reforma educacional e as prioridades dos países menos desenvolvidos.
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Vê‐se, portanto, que estas situações, claramente impostas por agendas globais e
de interesse de alguns poucos setores, se apresentam de forma independente de uma
preocupação com a qualidade da educação, o que explica a não necessidade de colocar
os professores como protagonizadores.
As avaliações externas surgiram no final dos anos 1980 como uma tendência da
gestão escolar de contar com indicativos de qualidade da educação. O PISA (Programme
for International Student Assessment/Programa Internacional de Avaliação de Estudantes)
torna‐se referência e, aqui no Brasil, influencia a metodologia de outros programas de
avaliação, como o SAEB4 (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e o ENEM5 (Exame
Nacional do Ensino Médio).
Hargreaves (2004, p. 77) aponta que esse tipo de gestão escolar supervaloriza
resultados e desempenhos em detrimento de aspectos essenciais à educação:
Padrões de desempenho, metas, listas de competências são as prioridades e, ao lhes dar ênfase exclusiva ou excessiva, não apenas descuidam, mas também prejudicam ativamente a dimensão emocional do ato de educar. Transformam a aprendizagem em uma corrida mecânica e desobrigada rumo a metas, ou preenchem o tempo dos professores com tarefas técnicas, não sobrando espaço para a criatividade, a imaginação e os relacionamentos, ou seja, para todas aquelas coisas que estimulam a paixão de ensinar.
Conforme aponta este autor, em vez de se preocuparem em promover a
aprendizagem, em se envolver emocionalmente com os alunos, e em se atualizar e se
capacitar, os professores sentem‐se pressionados a fazer o que é “mandado”: ensinar
para resultados, treinar os alunos para avaliações padronizadas. Com isso perdem a
flexibilidade, a criatividade e, por fim, o ânimo: “A realidade de trabalho desses
professores não tem sido energizadora [...]; tem sido antes um mundo desanimador de
microgestão, padronização e complacência profissional [...]” ( HARGREAVES, 2004, p.
90).
4 O SAEB é composto por três avaliações: a Aneb (Avaliação Nacional da Educação Básica), a Anresc
(Avaliação Nacional do Rendimento Escolar) e a Ana (Avaliação Nacional da Alfabetização). 5 O ENEM surgiu, inicialmente, para avaliar o desempenho do estudante no final do Ensino Médio. Somente
a partir de 2009 passou a também ser utilizado para ingresso no Ensino Superior.
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Com relação especificamente à última alteração no currículo do Ensino Médio no
RS, implantada na vigência do atual governo estadual, pode se dizer que esta
desencadeou uma serie de reordenações pedagógicas, alterando profundamente o modo
como escolas e professores estavam estruturados.
Exemplo disto é o trabalho por área de conhecimentos. Este, proposto e
materializado na avaliação da aprendizagem apenas por áreas de conhecimento e
utilizando‐se de conceitos para informar o rendimento do aluno, gerou um desconforto
muito grande no interior das escolas, como é possível observar na fala de um dos
professores entrevistados:
Não que sejamos contra reformas que venham para promover a aprendizagem do nosso
aluno, mas o que mais angustia é quando não sabemos o que fazer, ou melhor, como
fazer para ser justo na avaliação do aluno (Professor 8).
Da mesma forma, outro docente se manifesta sobre as mudanças provocadas no
interior da escola e no seu trabalho diário com os alunos:
O que queremos, na maioria das vezes são as condições mínimas de trabalho, tempo para
preparar nossas aulas, tempo de pensar os projetos de pesquisa no coletivo e não
precisar correr de escola em escola para completar a carga horária e conseguir um salário
ao menos digno para sobreviver. Trabalho manhã tarde e noite, com ensino médio, e
tenho em média 350 alunos por semana. Como acha que vou conseguir realizar uma
avaliação individual e por parecer como escreveram na proposta? (Professor 3).
É importante ainda destacar, dentro da proposta da Seduc, o trabalho
interdisciplinar. A interdisciplinaridade vem sendo, já há algum tempo, estudada e
defendida por diferentes educadores. Contudo, no RS o trabalho interdisciplinar não
contempla a integração de disciplinas, mas de áreas de conhecimento. Estas
oportunizariam a construção de projetos, “elaborados a partir de pesquisa que explicite
uma necessidade e/ou uma situação problema” (SEDUC, 2011, p. 28), em seminários
integrados, ou seja, em espaços de comunicação, socialização, planejamento e avaliação
das vivências de professores e alunos e práticas do curso (SEDUC, 2011, p. 28). Na fala de
um dos professores entrevistados, fica clara a abertura para a proposta, mas com
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ponderações da realidade escolar que os afeta no cotidiano e que faz parte das condições
reais e objetivas do desenvolvimento do trabalho escolar:
Entendo que a proposta do seminário integrado é uma janela que se abre para que
possamos trabalhar com eles [os alunos] temas antes não abordados, como, por exemplo
a questão do machismo nos dias de hoje. Mas o que mais me angustia, é que nem consigo
encontrar os colegas na escola para conversar sobre os avanços dos alunos porque um dá
aula num turno, outro já saiu para dar aula em outra escola, e assim por diante. Tem as
horas atividade, mas não se consegue reunir todos da mesma área no mesmo horário
sempre. Essa reforma deveria ter previsto que pudéssemos trabalhar 40 horas na mesma
escola, no mínimo. Sem contar que agora temos que avaliar de um jeito muito diferente
sem preparo nenhum. Não sei como vou fazer isso. Na escola o Pedagógico tem
trabalhado isso nas reuniões, mas é difícil para todos. Vai passar muito aluno sem saber
muita coisa” (Professor 2).
A proposta de Ensino Médio Politécnico está bem fundamentada e pensada, mas
não se trata de uma proposta simples, que pode ser rapidamente compreendida e
aplicada. Ela requer leituras, debates e estudo por parte dos professores, conforme
explicam Hargreaves et al (2002, p. 113):
Integrar o currículo, quando a prática dominante por décadas tem sido dividi‐lo em disciplinas e em especialidade, é um trabalho árduo do ponto de vista conceitual e prático. Planejar o ensino conforme padrões a serem cumpridos, no lugar do conteúdo a ser vencido, requer mudanças fundamentais nas estratégias de sala de aula dos professores e, para muitos deles, saltos consideráveis em seu nível técnico.
Assim, se concorda com estes autores (2002) de que parece haver um abismo
entre aquilo que consta em documentos oficiais e aquilo que é implantado. Para diminuir
este abismo, é preciso o convencimento da comunidade escolar sobre o efetivo avanço
qualitativo que a mudança pode proporcionar, o que só ocorre na troca de ideias, no
debate entre as partes. Sem esse convencimento, qualquer mudança pode fracassar, pois
levará ao desestímulo, sensação de desvalorização e de fracasso: “para qualquer tipo de
reforma ter sucesso, os professores devem acreditar que terão uma voz significativa nas
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decisões e não irão se tornar os únicos bodes expiatórios do fracasso em atingir os
objetivos” (MARSH, 1999, p. 192 apud HARGREAVES et al, 2002, p. 18).
Convencer os professores da necessidade de mudança significa convencê‐los de
que essas mudanças serão em prol da educação e dos alunos. Hargreaves et al (2002, p.
119) apontam que, para os professores, a mudança que beneficia os alunos é sempre
positiva, já
A mudança negativa foi considerada como sendo aquela que está a serviço de uma agenda política, e não de uma agenda educacional; aquela que é “imposta”,”ditada”, “forçada” ou “empurrada” aos professores pelo governo (Hargreaves et al., em fase de elaboração). De maneira interessante, nesse vocabulário da mudança imposta, os professores se representam como tendo sido desrespeitados, desconsiderados e invadidos.
Os autores (2002) apontam então perspectivas6 que devem ser levadas em conta
quando se deseja promover mudanças nas escolas e na educação, uma vez que estas,
inevitavelmente, envolvem os professores. A primeira perspectiva relaciona‐se à questão
técnica, ou seja, à possibilidade de proporcionar aos professores aprender sobre as
novidades apresentadas. Estas não devem ser formações aligeiradas ou superficiais, mas
proporcionar aprendizado, experimentação e a oportunidade de entender a mudança,
afinal “Os professores não alteram e nem devem alterar suas práticas apenas porque uma
diretriz lhes é apresentada, e eles se sentem forçados a cumpri‐la” (HARGREAVES et al,
2002, p. 114).
O que se observou nas escolas, entretanto, foi o aligeiramento da implantação da
proposta, sem maiores estudos e apropriação das novas organizações didático‐
pedagógicas implicadas na proposta. Soma‐se a isso o desencontro de informações, por
vezes gerado pelos setores externos à escola, como é possível constatar na fala de um
dos entrevistados:
6 Hargreaves et al (2002) tratam de 04 perspectivas: a técnica, cultural, política e pós‐moderna. No entanto,
este artigo não abordará a perspectiva pós‐moderna por entender que as características dessa sociedade, conforme apontado pelos autores, não se fazem presente na maior parte da sociedade brasileira, mais heterogênea em diferentes aspectos.
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Pra começar, soubemos muito pouco do politécnico. Na escola pouco foi falado sobre
isso e quando começaram a explicar, já tivemos que começar as aulas com essa grade
nova. Nem elas [direção e pedagógico] sabiam explicar o que era essa reforma. Foi muita
mudança de uma hora para outra. Diminuiu carga horária de algumas disciplinas, e
entrou o seminário integrado. Não se sabia bem o que fazer nessa aula. Era pesquisa? De
que tipo? Foi tudo muito confuso. Ainda está confuso (Professor 5).
Nesse sentido, Kuenzer (2011) observa que a questão conceitual proposta nos
textos legais ainda gera discussões e controvérsias entre professores e gestores.
Segundo a autora, isto pode ocorrer devido a pouca apropriação teórico‐epistemológica
dos conceitos por parte dos atores envolvidos na materialização da proposta.
A segunda perspectiva diz respeito à questão cultural e refere‐se:
[...] aos significados e às interpretações que os educadores atribuem à mudança; mostra como ela afeta e até confronta as crenças dos professores e as suas práticas; como os professores (juntos ou sozinhos) entendem as mudanças nas ideias, nas crenças, nas emoções, nas experiência e na vida dos professores.” (HARGREAVES et al, 2002, p. 115)
A perspectiva cultural relaciona‐se diretamente à parte humana, presente em toda
e qualquer reforma educacional, e pode ser a menos levada em conta por aqueles que
propõem as mudanças e desejam implanta‐las. Segundo Morgado (2005, p.77) um dos
grandes problemas “das reformas educativas passa por desvalorizarem o poder da
cultura instituída na escola para aceitar, adaptar e/ou repudiar as inovações que lhes são
propostas e que entram em conflito com as estruturas e valores dominantes na
instituição”.
Uma terceira perspectiva apontada pelos autores é a política:
A perspectiva política diz respeito à maneira como o poder é exercido sobre outras pessoas ou desenvolvido com elas, aos modos como grupos e seus interesses influenciam o processo de inovação e reforma e à maneira como as finalidades abordam, ou desafiam as distribuições de poder existentes na sociedade ou, ainda, concordam com elas. (HARGREAVES et al, 2002, p. 118)
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No sentido abordado por estes autores, podemos relacionar a perspectiva política
com as mudanças de governo e respectivos modelos de gestão educacional que estes
adotam, bem como com os objetivos que pretendem atingir com as reformas. Acredita‐se
que o ideal seria que estes objetivos fossem ao encontro dos propósitos da educação e
de sua inerente missão social.
Para Hargreaves et al (2002, p. 151), os legisladores, governantes, administradores
públicos e líderes educacionais devem refletir melhor sobre as mudanças que propõem,
pois elas afetam diretamente e significantemente “o modo como o trabalho intelectual e
emocional do ensino são concretizados”. Assim, antes de ter objetivos políticos, estas
pessoas devem ter como atribuições fundamentais o apoio aos professores, dando‐lhes
garantia que as mudanças serão mantidas (HARGREAVES et al, 2002, p. 151).
Os mesmos autores afirmam: “os professores esperam receosos a próxima
iniciativa caprichosa de reforma, sofrem de ansiedade com relação ao desempenho
diante da avaliação e da inspeção constantes, e não se sentem confiantes em seus
superiores, nem que estes confiem neles” (2004, p. 98). Diante disso, se questiona: Como
podem realizar um bom trabalho nessas condições? Qual a educação que esta reforma
está promovendo?
Considerações Finais
Uma breve retomada do panorama da educação no RS nos últimos anos mostra uma
série de reformas que ocorreram de forma imposta, ou seja, sem que houvesse um
debate com os professores e comunidade escolar acerca dos problemas e possibilidades
de soluções.
De um governo para outro, continuam ou se ampliam algumas questões, dando a
impressão que reformas entram e saem do cenário educacional assim como os partidos
políticos entram e saem dos governos. Nessa dança, políticas educacionais são impostas,
implantadas, engavetadas e substituídas. Nesses casos, resta aos professores assistir à
desvalorização de tudo o que foi construído (e desconstruído) no período anterior e
recomeçar a partir de uma nova política. Mas qual o resultado disso para a educação?
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Hargreaves (2004) não é positivo quanto a esses resultados. Ao contrário, mostra
que os professores se sentem desvalorizados, desacreditados, cansados,
sobrecarregados. A educação, naturalmente, sente os reflexos desse profissional. Para
Hargreaves et al (2002), há aspectos que devem ser levados em conta se o que se deseja
é uma reforma que se mantenha e que beneficie, de fato, a educação. Todos esses
aspectos relacionam‐se com os professores.
Ainda que as pesquisas e estudos realizados pelo referido autor se deem em
países de língua inglesa, principalmente Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, há pontos
em comum conosco no que tange à educação. E um deles diz que não é possível fazer
educação de qualidade sem ouvir a classe docente, o que é atestado por este professor
da rede estadual:
Sabemos que a educação escolar sempre foi e continua sendo alvo de opiniões, críticas e tentativas. Está na hora de sofrer mudanças, porém, que devam ser pensadas e repensadas dialogando com os responsáveis que estão em sala de aula. Somos nós, professores, que sabemos das realidades e desafios enfrentados no dia a dia. Mudanças são necessárias, sim. Entretanto, não podemos abraçar um projeto no qual os caminhos não se mostram claros e coerentes. [...] Não podemos esquecer que, além de tudo, são nossos alunos que saem prejudicados. (HÜBNER, 2012, online).
Assim, as pesquisas e reflexões de Hargreaves (2001; 2004) e Hargreaves et al
(2002) acerca das questões docentes frente às mudanças são um convite à reflexão e à
realização de pesquisas. Acrescenta‐se, ainda, a possibilidade de ampliar os estudos
acerca das possíveis relações entre as análises realizadas pelos referidos autores e a
realidade dos professores do ensino público estadual no RS.
Referências
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