reforma agrária e economia solidária- o caso da usina catende

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62 Estud.soc.agric, Rio de Janeiro, vol. 15, no. 1, 2007: 62-88. Astrid Schäfers Reforma agrária e economia solidária: o caso da usina Catende Introdução O conceito de autogestão se refere a dois aspectos: a autogestão da sociedade como forma de direção participativa na política, na eco- nomia e nas demais instituições sociais e, por outro lado, a autogestão no local do trabalho, incluindo o universo da produ- ção, sua administração, os processos decisórios e as relações laborais. Não são poucas as tentativas, ao longo da história, de organizar atividades econômicas de forma democrática e igualitá- ria em empresas autogestionárias. Diz-se que uma empresa é autogestionária quando seus trabalhadores são os sócios sem ou- tros vínculos de trabalho ou de investimento. A autogestão consti- tui uma forma específica de democracia industrial distinta de sis- temas de participação, seja acionária, seja nos lucros de empresa (Singer, 2003: 16). Astrid Schäfers é doutoranda em ciências políticas na Freie Universität de Berlim ([email protected]).

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RETRATA A ECONOMIA SOLIDÁRIA E A REFORMA AGRÁRIA.

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  • Reforma agrria e economia solidria: o caso da usina Catende

    62 Estud.soc.agric, Rio de Janeiro, vol. 15, no. 1, 2007: 62-88.

    Astrid Schfers

    Reforma agrria e economia solidria:o caso da usina Catende

    Introduo

    O conceito de autogesto se refere a dois aspectos: a autogesto dasociedade como forma de direo participativa na poltica, na eco-nomia e nas demais instituies sociais e, por outro lado, aautogesto no local do trabalho, incluindo o universo da produ-o, sua administrao, os processos decisrios e as relaeslaborais. No so poucas as tentativas, ao longo da histria, deorganizar atividades econmicas de forma democrtica e igualit-ria em empresas autogestionrias. Diz-se que uma empresa autogestionria quando seus trabalhadores so os scios sem ou-tros vnculos de trabalho ou de investimento. A autogesto consti-tui uma forma especfica de democracia industrial distinta de sis-temas de participao, seja acionria, seja nos lucros de empresa(Singer, 2003: 16).

    Astrid Schfers doutoranda em cincias polticas na Freie Universitt deBerlim ([email protected]).

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    Este texto apresenta algumas reflexes a propsito de nossa expe-rincia investigativa na usina Catende, em Pernambuco. A pes-quisa partiu da hiptese geral de que uma empresa de autogestopode gerar processos democrticos. Durante o trabalho emprico,procurou-se averiguar em que condies a autogesto d origem aformas de participao ampla, de criao de espaos de autono-mia que fortalecem a comunidade e promovem o desenvolvimen-to regional. Foi analisada a influncia das condies da vida mate-rial, da cultura e da organizao de trabalho, do regime de propri-edade e do nvel de educao dos trabalhadores na experinciaautogestionria. Ainda foi investigado at que ponto o processode autogesto promove a prpria educao e especialmente a eman-cipao poltica dos trabalhadores e de suas famlias.

    Cooperativas e outros empreendimentos autogestionrios renas-cem na Europa e na Amrica Latina como resultado do crescentedesemprego que se intensifica nos anos 1990 com a liberalizaodo comrcio internacional e com o afastamento do Estado do mun-do produtivo. No Brasil, tem crescido o nmero das empresasautogestionrias nos ltimos 20 anos, principalmente a partir daabertura do mercado brasileiro aos produtos estrangeiros e da con-seguinte reestruturao produtiva. Mais de 3 milhes de trabalha-dores perderam os seus empregos na segunda metade da dcadade 1990 (Mattoso, 1999: 6). Incapazes de competir com os baixospreos dos produtos que entraram no Brasil em grande quantida-de, numerosas empresas brasileiras faliram. Muitos desemprega-dos que no conseguiram voltar ao mercado de trabalho formal sejuntaram para organizar a produo ou a comercializao de umbem ou viabilizar crdito de forma coletiva. A partir da recupera-o de empresas falidas por parte dos trabalhadores, desenvol-veu-se um novo tipo de cooperativismo. Os trabalhadores se orga-nizaram em comisses de fbrica e passaram a gerir a massa falidae transform-la em cooperativas com o apoio de sindicatos e ou-tras organizaes que surgiram tentando criar formas organizativasque mantivessem os postos de trabalho como, por exemplo, a

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    ANTEAG (Associao Nacional dos Trabalhadores em Empresasde Autogesto). Desse modo emerge um cooperativismo chama-do de novo cooperativismo ou cooperativismo autntico que tende a sediferenciar do velho cooperativismo da Organizao das Coope-rativas Brasileiras (OCB), como se sabe, orientado busca de efici-ncia econmica.

    A Constituio de 1988 garantiu autonomia aos empreendimentoscooperativos frente ao Estado. Esse tipo de retirada da interfern-cia estatal do cooperativismo, conjugado com a crise dareestruturao produtiva e os altos ndices de desemprego j refe-ridos, constitua uma situao na qual se organizaram diversosatores da sociedade civil que comearam a ver nas cooperativaspossibilidades de gerao de trabalho e renda. O nmero de coo-perativas registradas na OCB passou, entre 1990 e 2002, de 3.700 a7.800 (OCB, 2005). Entre 1990 e 2001, o nmero de cooperativasregistradas no Departamento Nacional de Registro Comercial(DNRC) aumentou de 4.666 para 20.579 (Pires e Lins, 2004: 39).Isso corresponde a um crescimento de 331%. Essa expanso acele-rada de cooperativas pode, assim, ser atribudA a dois fatores: porum lado, ao crescimento do desemprego e, por outro, reativaode movimentos sociais que querem alterar a distribuio de poderdentro de um sistema poltico marcado por profunda desigualda-de. Esses movimentos aspiram desenvolver modelos alternativosde organizao social e econmica. O Movimento de EconomiaSolidria se constituiu basicamente no Frum Social Mundial, noano 2001, em Porto Alegre. Os elementos fundamentais que dorazo de ser economia solidria so a ausncia de um Estado deBem-Estar que recolha os desempregados e o aumento dos exclu-dos na sociedade. O Movimento de Economia Solidria est com-posto pelos chamados empreendimentos de economia solidriapromovidos por entidades como sindicatos, ONGS, unidades uni-versitrias (incubadoras), instituies pblicas, como a Senaes (Se-cretaria Nacional de Economia Solidria) do Ministrio de Traba-lho que tambm o apia. As cooperativas ligadas a esse movimen-

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    to buscam organizar trabalho, produo, comercializao e crdi-to de forma coletiva, democrtica e igualitria, assegurando liber-dade individual e educao aos seus partcipes. Sublinhe-se queum dos objetivos mais difceis de serem concretizados a criaode condies de igualdade.

    Um momento crucial para a reinveno do cooperativismo ruralfoi o final dos anos 1990, poca em que grupos de pequenos agri-cultores passaram a se auto-identificar como agricultores familia-res. Eles realavam em suas vidas produtivas no mais o tamanhodas propriedades, mas o tipo prioritrio de relaes de trabalhocom o qual se envolviam (Abramovay, 2003). Passaram a fazer rei-vindicaes s polticas pblicas que estavam disponveis desdeque foram criados os Conselhos Municipais de DesenvolvimentoRural (CMDR), o Programa de Fortalecimento da Agricultura Fa-miliar (Pronaf) e a Secretaria de Agricultura Familiar no Minist-rio do Desenvolvimento Agrrio (Esteves, 2004: 8). Nesse tempodiversos movimentos dos agricultores familiares incentivaram obeneficiamento da produo e organizaram pequenas e mdiasassociaes e cooperativas agroindustriais seguindo o exemplo dosistema de cooperao agrcola que o Movimento dos Sem-Terra(MST) havia constitudo por meio da Confederao das Coopera-tivas da Reforma Agrria no Brasil (CONCRAB) (Ferreira, 2003).

    O mtodo investigativo

    Para alcanar os objetivos da pesquisa, foram usados entrevistas eo mtodo da observao participante. O papel de observador pas-sivo foi visto como inadequado uma vez que, segundo Johoda,Deutsch e Cook, ocorrem muitas situaes nas quais o observa-dor percebido como forasteiro que incomoda se no exerce umafuno que parea til aos membros da comunidade (1967: 89).

    A observao participante incluiu encontros e discusses tantodentro da cooperativa como na usina e nos engenhos. Tambmforam realizadas entrevistas semi-estruturadas com os operrios e

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    os trabalhadores assalariados, assim como com os agricultores fa-miliares. No caso dos operrios, aplicou-se um questionrio no qualse perguntava sobre a satisfao com o trabalho, sobre a forma dasdecises relativas organizao da produo, salrios e investi-mentos e sobre quem as tomava. Foram feitas ainda entrevistascom membros do conselho gestor, o sndico da massa falida e re-presentantes dos sindicatos e do Incra.

    Autogesto, democracia e igualdade

    Antes de seguir com os resultados da pesquisa, cabe fazer algu-mas referncias conceituais. Segundo sua doutrina, a empresaautogestionria se caracteriza, principalmente, por trs qualida-des. Em primeiro lugar, pela socializao dos meios de produo,pressupondo a substituio da propriedade privada por um tipode propriedade social. Em segundo lugar, pelo que seria a socializa-o do poder decisrio por meio de um sistema de democraciadireta, isto , a participao de todos na formao de uma vontade ouum objetivo coletivo e no exerccio de poder (Nascimento, 2005: 6).Por ltimo, e isto o mais difcil, a autogesto se realiza por meiode mudanas nas relaes intersubjetivas necessrias solidarie-dade. Isso requer uma revoluo do cotidiano. A realizao dessasqualidades constitui o tipo ideal da autogesto. Por que to dif-cil alcanar essas qualidades? questionvel, por exemplo, se re-almente todos, alm do trabalho, querem participar da tomada dedecises.

    Por outro lado, o conceito da autogesto aspira igualar a distribui-o de poder dentro da empresa, de modo que o trabalhador par-ticipe, como qualquer outro funcionrio da empresa, do processodecisrio sobre a organizao do trabalho, o montante dos salriose os investimentos. Nesse sentido, autogesto quer dizer ges-to democrtica. Geralmente, o termo democracia alude ao sis-tema poltico. Se aspiramos uma organizao democrtica do sis-tema poltico, por que ento o sistema econmico poderia escapar

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    a normas democrticas? Mesmo se conhecemos a definioetimolgica de democracia (grego: demos = povo, kratein = domi-nar), com o decorrer do tempo, a compreenso desse domnio dopovo tornou-se mais polissmica. Essa compreenso vai alm daexpectativa de que a soberania seja do povo e que o poder se exer-a no interesse do prprio povo, conquanto os membros de socie-dades modernas esperam de uma democracia mais que meras elei-es. Eles aspiram que o governo possibilite a auto-realizao notrabalho e a diminuio de desigualdades sociais. Robert Dahl con-sidera o conceito de democracia como um estado ideal. A aproxi-mao a esse estado e a sua construo institucional ele o chamapoliarquia. A poliarquia significa uma funo do consenso sobreoito normas que se referem participao igualitria de todos osmembros da organizao (princpio one person one vote) e trans-parncia no processo de tomada de decises (Dahl, 1989: 67).1 Almdisso, Dahl parte de uma proposio da teoria madisoniana quediz que na ausncia de controles externos, qualquer dado indiv-duo, ou grupo de indivduos, tiranizar os demais (idem: 14).

    A democracia como conceito alusivo organizao no local do tra-balho possui um significado prximo ao de uma forma de demo-cracia direta. O socialista utpico Pierre-Joseph Proudhon defen-dia tal sistema constitudo pela coletividade dos operrios qualchamava de fora coletiva:

    A democracia industrial a mxima realizao dessa fora co-letiva, exatamente no sentido de que ela envolve no apenasuma multido de trabalhadores, mas uma comunidade organi-zada em cada unidade de trabalho, que expressa orevigoramento das autonomias e a superao do isolamento. Aretomada do poder social imanente de modo descentralizado rea-liza em alto grau a liberdade dos produtores, no sentido do quechamamos hoje de autogesto, em oposio heterogesto(Resende e Passeti, 1986: 26).

    A organizao e a realizao de uma democracia direta parecemser tanto mais difceis quanto maior o nmero de pessoas envolvi-das. Numa cooperativa muito grande pode, portanto, ser necess-

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    rio constituir rgos que representem os cooperados, como, porexemplo, um conselho de administrao eleito pelos trabalhado-res. Se todas as decises forem tomadas com base na aprovao detodos, uma empresa maior ser incapaz de operar de forma ade-quada e com a rapidez que exige o mercado capitalista. Por essarazo, observa-se um sistema democrtico representativo em mui-tas cooperativas de produo da Economia Solidria.

    Mas voltemos a uma questo mais geral, pensando na organiza-o democrtica de uma empresa: por que a participao na ges-to de sua empresa poderia interessar a um operrio? SegundoJoyeux, tal participao s interessa ao operrio se ela transformasuas condies de existncia: Gerir uma empresa em comum,enquanto esta conserva suas estruturas de classe, consistiria paraos operrios gerir sua prpria misria, sua prpria explorao(Joyeuz, 1988: 14). O que confere empresa suas estruturas de classeso as diferenas de remunerao, a manuteno de autoridadesque excedem o quadro da tarefa a realizar, a repartio de lucro daempresa, a distribuio de uma mais-valia que o trabalho de todoscriou, assim como a propriedade da empresa. O objetivo dos soci-alistas utpicos era a abolio de todos os privilgios de classe noseio da empresa. Portanto, somente deveria existir uma nica clas-se diferenciada pela natureza de uma tarefa a realizar, avaliada demodo igualitrio sob todos os planos: econmico, social e moral.Todos so operrios manuais ou intelectuais, como haviam reivin-dicado os grandes congressos da organizao operria antes e de-pois da Comuna (idem).2 Os socialistas utpicos Robert Owen,Charles Fourier e Pierre-Joseph Proudhon partem da hiptese deque igualdade s pode ser alcanada pela associao dos operri-os: Quando os trabalhadores so associados, eles so iguais(Proudhon, 1924: 96). Segundo esses socialistas, a desigualdadenatural era conseqncia da diferena de talentos e capacidadesdo homem. Essa desigualdade somente poderia ser superada setodos os trabalhadores fossem pagos de forma igual, independen-temente do seu produto de trabalho (ibid.: 95-96). Isso tambm

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    uma exigncia difcil de realizar em qualquer sociedade porque,se todos ganham igual, independentemente do produto de seu tra-balho, o estmulo para trabalhar torna-se muito pequeno. Quanto realizao do princpio da igualdade, cujo objetivo consiste emcriar condies igualitrias de vida e, assim, iguais chances de par-ticipao na tomada de decises, numa empresa na qual produoe trabalho so organizados de forma democrtica deveria existirum limite para o distanciamento entre os salrios, sobretudo dife-renciando a distncia entre trabalho manual e trabalho intelectual.

    A criao do projeto Catende Harmonia

    O projeto coletivo Catende Harmonia surgiu no auge da crise daagroindstria canavieira, no incio dos anos 1990 em Pernambuco.Desde o comeo do sculo XX, os donos das usinas, chamados ba-res do acar, foram subvencionados com recursos pblicos.Criado em 1933, o Instituto do Acar e do lcool (IAA) subvenci-onava os usineiros devido sua influncia na capital Braslia e aoatraso econmico do Nordeste. Quando o cenrio mudou e ogoverno Fernando Collor fechou o IAA, em 1994, acelerou-se asituao de insolvncia da atividade aucareira. A m gerncia at ento embutida nos mecanismos oficiais de apoio ficou mostra, exibindo a incompetncia empresarial de um setor da eco-nomia nordestina que sempre se vangloriou de representar o pro-cesso de modernizao industrial na regio (ANTEAG-ProjetoCatende Harmonia, 2005: 4). O quadro piorou ainda mais a partirda introduo de padres tcnicos avanados sob a gide dos fi-nanciamentos do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e dos incen-tivos fiscais administrados pela Sudene. Mesmo em crise, o setorse prevaleceu da fora poltica remanescente para usufruir benef-cios oriundos de polticas enviesadas engendradas nos circuitosdo poder.

    A crise estrutural da economia aucareira, no Nordeste dos anos1980, e a liquidao do IAA haviam levado muitas usinas insol-

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    vncia e desativao, sendo os seus trabalhadores demitidos emmassa. Para os trabalhadores da Usina Catende, a crisesucroalcooleira dos anos 1990 significou excluso social, desem-prego, expulso de suas moradias e destruio dos seus prpriosstios. Como ocorrera com outras empresas que haviam falido noestado, esse era o cenrio da morte anunciada. A mobilizao sin-dical na Usina Catende comeou quando os proprietrios demiti-ram 2.300 trabalhadores rurais entre os meses de agosto e setem-bro de 1993 e se recusaram a pagar os seus salrios e direitos. Quan-do foram demitidos, os trabalhadores j no vinham recebendosua remunerao h meses. O sindicato pediu uma indenizao, aqual foi recusada pelos usineiros, que argumentavam terem di-nheiro e que a situao econmica no permitia o dispndio.3

    No final do ano de 1994, o quadro de insolvncia da usina se agra-vou. Em plena safra, o pagamento dos salrios e do dcimo tercei-ro salrio foi suspenso. Nesse momento, os trabalhadores demiti-dos se uniram aos trabalhadores ainda na ativa, no campo e naindstria, e realizaram a maior das greves ocorrida at ento quedurou cerca de 19 dias. Muitos deles hesitaram em participar damobilizao. Um artigo de um dirio do Recife incitou-os, numapgina de coluna social, a participar da greve. Ilustrado comfotos, o artigo relatava, de forma detalhada, uma festa de Ano-Novo num dos hotis mais caros de Recife. Uma fotografia mos-trava o dono da usina Catende entre os convidados da festa to-mando champanhe. Este artigo foi a gota que fez o barril trans-bordar, lembra Lenivaldo (Eisenberg, 1977). Entre o Natal e o AnoNovo os trabalhadores demitidos quase passaram fome. Nem na-queles dias eles tiveram uma boa comida na mesa.

    Quando se sucederam novas demisses, os demitidos, os seus sin-dicatos e a Federao dos Trabalhadores da Agricultura dePernambuco (Fetape) entraram com um pedido de falncia daCompanhia Industrial do Nordeste Brasileiro razo social da usinaCatende na Comarca de Catende. Em reao ao pedido dos tra-balhadores, os usineiros requereram autofalncia na Comarca do

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    Recife uma semana depois. Essa medida continha a inteno defraude que foi neutralizada, em 1995, pela nomeao do Banco doBrasil como sndico da massa falida nas duas comarcas (Anteag-Projeto Catende Harmonia, 2005: 6). Assim nasceu o pedido defalncia, articulado pelos 2.300 trabalhadores demitidos sem ne-nhuma indenizao de direitos.

    Decretada no ano de 1995, foi a primeira falncia judicial deusina nordestina. Rompeu-se, nesse caso, com o costume deserem os usineiros quebrados, eles prprios, os liquidantes desuas empresas falidas, como sucedeu com outras 18 empresas.Estas foram sucatadas, e os credores, pblicos e trabalhistas,foram lesados em seus direitos (idem).

    As organizaes sindicais negociaram com os usineiros, ento re-presentados pelo Banco do Brasil, que era o maior credor da massafalida. Junto aos seus sindicatos e s associaes de moradores quesurgiram nos engenhos como resultado do seu processo de lutas,os trabalhadores definiram consensos prvios com os poderes p-blicos envolvidos e assumiram a iniciativa de indicar um novo sn-dico que assumiu no final do ano de 1997. O projeto Catende Har-monia foi articulado por lderes do movimento sindical e da Pas-toral da Terra que comearam a administrar a produo de acarna usina e nos 48 engenhos a ela pertencentes. Esse projeto seautodefine como:

    [...] uma das principais iniciativas autogestionrias em curso noBrasil, integrando o esforo de economia solidria desenvolvi-do pelos trabalhadores em reao aos efeitos da poltica neoli-beral. Representa a maior reao organizada de trabalhadoresnum estado no qual, s na dcada de 1990, 18 outras usinas edestilarias pernambucanas fecharam as portas, em meio a ele-vados dbitos e fraudes s execues fiscais e trabalhistas (idem).

    No projeto Catende Harmonia existem dois tipos de organizaolaboral: trabalho assalariado e agricultura familiar. Em sua totali-dade, o projeto envolve 4.300 famlias, das quais 3.600 esto nocampo e 1.200 vivem diretamente do salrio. Entre os trabalhado-res assalariados da usina Catende, h safristas e fichados: enquan-

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    to os fichados trabalham o ano todo para a usina (cortando canadurante a safra e limpando os plantios de cana durante o perododa entressafra), os safristas so licenciados depois da safra e ficamdesempregados. O perodo de safra comea em outubro e acabano ms de fevereiro do ano seguinte. Isso significa que os safristastrabalham cinco meses para a usina e permanecem desemprega-dos nos outros sete meses. Muitos fazem bicos e poucos tm umtrabalho formal nesse perodo da entressafra. Como a agriculturase diversifica num processo muito demorado, os plantios de ou-tras culturas ou a piscicultura ainda no tm impacto, ou seja, arenda auferida em outras atividades no significativa. Em 1995,alguns trabalhadores comearam a plantar a sua prpria cana:

    Foi uma coisa espontnea a agricultura familiar: primeiro ti-nham 67 famlias plantando cana, o ano depois foram 400 fam-lias e o ano depois j eram 1.700 famlias plantando cana. Apessoa que comeou plantar no tinha adubo, a, a usina come-ou a emprestar. Isto foi pago de um fundo e quando no tinhasuficientemente, j tinha o Pronaf (entrevista: Liberato, 2007).

    O direito de plantar significou uma grande liberdade para os tra-balhadores uma vez que, sob o regime dos usineiros, o plantio noera permitido.

    Pode plantar, pode criar o que voc puder e quiser. Outra em-presa faz isso no. S Catende (entrevista: Trabalhador do en-genho Catende, 2007).

    Os trabalhadores haviam vivido numa situao de submisso edependncia. No se troca uma lmpada queimada; a usina, quetudo sabe e tudo v, quem providencia a troca, dizia um ditadodos operrios da usina Catende. Os trabalhadores rurais eram im-pedidos de plantar cana:

    De vez em quando a gente trabalhava solos muito ruins. A gen-te tentava plantar para ns escondido. Quando os donos desco-briam jogavam fora a cana que a gente tinha plantado. Eles que-riam absolutamente nos impedir de plantar ou criar (entrevista:Evanildo, hoje agricultor familiar, 2004).

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    Com a significativa expanso do acesso terra entre os trabalha-dores-credores em regime de agricultura familiar surgiu a necessi-dade de organizar o uso individual dos bens coletivos e os com-promissos e deveres que os trabalhadores da empresa tinham as-sumido. Por isso, em 1995, foi criado o programa Cana de Mora-dor, por meio do qual os agricultores familiares se comprometiama vender a cana para a usina Catende. Inicialmente, a sua implan-tao envolveu financiamento interno, sem juros e com carncia eprazo nos moldes de uma cooperativa de crdito na qual a moedaeram sementes, insumos e terras (Anteag-Proj. 2005: 10). Hoje, 2mil trabalhadores fazem parte do programa. Em 2002, eles con-quistaram o acesso ao crdito pelo Pronaf gerenciado pelo Bancodo Brasil de Catende com o qual se desenvolveu parceria para ga-rantir acesso amplo ao crdito e qualidade da sua aplicao.

    A situao institucional da administrao judicial dificultava o fi-nanciamento das atividades e a realizao de projetos como, porexemplo, cursos de alfabetizao ou de piscicultura para jovensdevido ao fato de que a usina, como massa falida, no ter acesso acrdito. O processo falimentar muito demorado de modo que ostrabalhadores-credores somente receberam, at agora, uma peque-na parte dos seus crditos trabalhistas. Por esse motivo, o objetivodo projeto sempre foi o de conseguir o acesso democrtico dostrabalhadores aos 26 mil hectares de terra da usina Catende, sejapelo caminho jurdico, seja por meio da sua desapropriao. Emoutubro de 2006, as terras da usina foram desapropriadas por trsdecretos presidenciais. Desde ento, iniciou-se o processo de re-forma agrria nos 48 engenhos da usina Catende. Para dar conti-nuidade ao projeto coletivo, o Incra, junto com a diretoria da coo-perativa, est desenvolvendo um modelo de reforma agrria ade-quado s condies e s necessidades do projeto Catende Harmo-nia. Os 48 engenhos so considerados como um nico assentamentoque se chama Assentamento Agroindustrial Governador MiguelArraes em homenagem ao governador de Pernambuco que sem-pre dera respaldo ao projeto frente ao governo federal.

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    A gesto na usina Catende No tempo dos usineiros, antes da decretao da falncia, a gesto da empresa se orientava por uma centralizao familiar, baseada nas aes de cada acionista da sociedade annima denominada Companhia Industrial do Nordeste Brasileiro. Os trabalhadores estavam totalmente subordinados aos usineiros, cujo regime de controle e disciplina superava o espao do trabalho. Alm disso, sua atuao em organizaes sindicais esteve restringida durante a ditadura militar, e, mesmo aps o seu fim, os usineiros continuaram limitando-a.

    O projeto Catende Harmonia tem por meta criar um sistema de gesto com participao dos trabalhadores e de suas organizaes nas deliberaes da empresa. Nos documentos da usina no especificado de que forma e por meio de que rgos deve-se concretizar essa participao. A pesquisa mostrou que a gesto da usina Catende tem, por um lado, carter representativo e, por outro, participativo. A primeira caracterstica se v nos rgos representativos dos trabalhadores: a diretoria, o conselho gestor e a cooperativa. Fundada em uma assemblia em novembro de 2005, a cooperativa tinha por finalidade adquirir adubo e mquinas para os agricultores familiares. Nesse momento tambm foi eleita a diretoria do projeto. Uma vez por ano rene-se uma assemblia. A cada dois anos o conjunto de trabalhadores realiza eleies.

    A diretoria responsvel pelo planejamento da produo, elabora propostas para compor um plano relativo a questes financeiras, de investimento e de projetos. Est formada pelo sndico da massa falida Marivaldo Silva de Andrade, os assessores do projeto Catende Harmonia, os funcionrios da cooperativa, as educadoras responsveis pelos projetos com jovens e a administradora dos chals. Temas importantes so discutidos e pr-decididos apenas pela diretoria. O conselho gestor constitudo pela diretoria, pelos presidentes de associaes, pelos tcnicos, pelos encarregados da usina e da produo agrcola. Oficialmente essas reunies so abertas

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    a todos os membros do projeto, mas, em geral, s comparecem os convocados, pois existe uma lista de pessoas e instituies a serem chamadas, elaborada pela secretria da diretoria. No entanto, os no-convocados no participam por no se sentirem bem vindos: Na reunio deles a gente no entra, no (entrevista: trabalhador fichado, Canto Flor, 2007). Por outro lado, observa-se uma participao desigual das associaes no conselho gestor:

    Existe um grupo de gestores e as 48 associaes. Tem umas que participam mais, outras menos. Tem associao que tem funcionrio l e sabe mais das coisas. Outras esto mais afastadas (entrevista: Ivanildo, presidente da associao de Pirangi, 2007).

    Em janeiro de 2007, no final da safra, no havia mais recursos para pagar tanto os trabalhadores assalariados da usina e do campo como os agricultores familiares que fornecem cana-de-acar para a usina. Alm disso, ainda estava pendente a entrega do acar Comisso Nacional de Abastecimento (Conab), acar esse que j havia sido comprado antecipadamente. Essa questo foi discutida pela diretoria e elaboraram-se duas propostas. A primeira consistia em negociar com a Conab e pedir alongamento do prazo para a entrega do acar e pagar os salrios em dia. A segunda proposta, que ganhou, foi a de entregar o acar para a Conab e pagar os salrios com atraso. Essa proposta foi apresentada aos presidentes de associaes e aos representantes dos operrios junto ao conselho gestor. Ela inclua j a pr-deciso da diretoria; isso quer dizer que a discusso sobre as questes mais gerais, como planejamento da produo, projetos e investimentos, est reservada diretoria, aos encarregados tcnicos da usina e ao superintendente da produo agrcola, entre os quais ocorrem conversas e reunies prvias.

    O lado participativo da gesto (as reunies do conselho gestor) se reduz muitas vezes simples aprovao ou recusa de propostas elaboradas pela diretoria. Contudo, a funo das reunies vai alm disso. Caso nas reunies se manifeste muito protesto contra as propostas que a diretoria apresenta, estas so modificadas, principalmente depois de terem sido discutidas pelos presidentes

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    das associaes na base (na usina e nos engenhos). Os presidentes das associaes so eleitos, anualmente, pelos moradores dos engenhos. Eles deveriam representar os interesses dos engenhos frente diretoria e cooperativa, mas, como alguns deles trabalham na cooperativa, no esto suficientemente presentes nos engenhos para defenderem tais interesses nos espaos de participao.

    As estruturas de deciso e representao dos trabalhadores (diretoria, sindicatos, associaes) geralmente so usadas para passar informaes da diretoria ou da cooperativa s associaes, aos engenhos e aos operrios da usina, ou seja, de cima para baixo. Em relao participao dos trabalhadores nas reunies das associaes, da usina e do conselho gestor, observou-se que os trabalhadores e agricultores familiares esto muito envolvidos na construo e na organizao do projeto e se identificam muito mais com ele que os operrios. Tambm deve-se levar em conta que foram os trabalhadores do campo que construram o projeto. Ademais, a organizao do trabalho do campo oferece mais autonomia.

    O processo de produo nos engenhos ocorre de forma diferente, as pessoas que trabalham no campo esto mais conscientes do processo de produo e eles se apropriam mais facilmente deste; isto significa que para eles mais fcil de alcanar o controle sobre o processo de produo (entrevista: Lima, 2004).

    Essa autonomia e a possibilidade de expandir-se em termos econmicos, plantando a prpria cana, aumentam o interesse dos trabalhadores do campo em participar das reunies com a diretoria e se empenhar na melhoria das condies de produo, pois alguns trabalhadores assalariados do campo tambm plantam sua prpria cana. Eles no dependem somente do salrio e sua renda varia de acordo com a produo.

    Eles tm acesso terra e no vivem somente da venda da cana-de-acar, enquanto os trabalhadores assalariados s vivem do salrio. Eles vivem do que a famlia produz. O processo de integrao social diferente (idem).

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    Os agricultores foram usina com mais freqncia que os trabalhadores assalariados. Alm disso, nas reunies, o nmero de agricultores familiares superava o nmero de trabalhadores assalariados que eram os que menos participavam. Tampouco existe rgo de representao poltica para os operrios. Eles so representados unicamente pelos funcionrios tcnicos da usina, os quais defendem os interesses da usina e se empenham na melhoria das suas instalaes de produo e no cuidam dos interesses dos operrios. Muitos safristas da usina e do campo no se atrevem a fazer crticas porque temem no serem contratados na prxima safra. Alguns deles, que haviam reclamado do atraso do salrio com o encarregado do seu setor na usina, contaram que depois tiveram dificuldades.

    Durante as reunies do conselho gestor quase s falavam os assessores. Poucos trabalhadores se manifestavam e, quando o faziam, geralmente eram aqueles que tinham uma relao mais prxima com a diretoria. A influncia da cultura de submisso ainda forte:

    Nunca foram de pensar, de falar o que acham. Era de dizer que acham no. Era sim-sim ou no-no. Ento hoje, voc quebrar isto, fazer com que eles pensem, com que eles falem, n, a gente tem as reunies do conselho gestor e ainda precisa melhorar muito porque a maioria das pessoas no tem aquela coisa de falar. Eles esto acostumados a ouvir, a cumprir ordem (entrevista: Edilene, 2007).

    A diferena de conhecimento entre os membros da diretoria, assim como entre os funcionrios da usina e da cooperativa e os trabalhadores, tem muita importncia para a participao. Os trabalhadores carecem de um conhecimento mais abstrato. No conhecem a lei de falncia, no dispem de noes de contabilidade e tambm no possuem o costume de pensar a usina Catende numa perspectiva mais ampla. Por esse motivo, muitos trabalhadores no entendem os clculos da diretoria ou no se sentem em condio de contrariar as propostas que

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    ela apresenta. Resumindo: constatou-se que, alm da falta de informaes idnticas para todos os membros do projeto, no h transparncia quanto s alternativas discutidas nas reunies, que, como j mencionado, no so abertas a todos, assim como a gesto financeira da Usina, ou seja, todos os gastos (incluindo salrios dos coordenadores, gastos com comida nos chals, eventos etc.) no se disponibilizam abertamente.

    As diferenas salariais tm por funo manter aquelas diferenas de conhecimento. Os funcionrios da cooperativa e da usina ganham R$ 1.500,00, isto , cinco vezes mais do que ganham os trabalhadores que cortam cana. O salrio dos operrios varia entre um salrio mnimo (R$ 360,00) e R$ 500,00 (adicionando as horas-extras e os suplementos por trabalho noturno e pelo barulho). Os assessores ganham R$ 3.000,00 e o salrio do sndico ascende a R$ 8.000,00, ou seja, este ganha 22 vezes o salrio de um trabalhador do campo. Mesmo sendo a diferena de salrio na usina Catende menor do que a de outras usinas da regio, suficiente para produzir a diferenciao de classes: tanto o salrio dos trabalhadores do campo quando dos operrios no lhes permitem pagar uma escola ou uma faculdade privada numa situao de educao pblica insuficiente (na regio no h nenhuma faculdade pblica). Enquanto os funcionrios da usina ou da cooperativa e seus filhos estudam em faculdades privadas, os trabalhadores ocupam-se na luta pela sobrevivncia da famlia. Essa desigualdade representa a continuao de um sistema que hierarquiza trabalho manual e trabalho intelectual.

    O coletivo e o individual no processo da reforma agrria

    A partir do final de janeiro de 2007, em vez do salrio, que passou a ser pago com atraso, os trabalhadores e os agricultores familiares receberam somente uma cesta bsica e R$ 50,00 ou R$ 100,00 por quinzena. Essa situao trouxe muita insatisfao. Quanto ao trabalho, a situao aqui piorou para ns. Ns trabalhamos e no

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    recebemos (entrevista: Marcelo Luzio, 2007). No questionrio da pesquisa, um operrio escreveu que o seu sonho consistia em receber o salrio em dia.

    Muitos trabalhadores continuam insatisfeitos e no confiam na diretoria. Em 2004, os trabalhadores-credores receberam uma parte da indenizao (R$ 1.400,00). Como a usina no possua capital de giro, a diretoria props que eles renunciassem a R$ 400,00 daquela quantia. A soma dos valores de que abrissem mo seria aplicada na compra de caminhes. provvel que eles comeram o dinheiro, diz Ronaldo, morador do engenho Cana Brava (entrevista, 2007). Esse dinheiro foi gasto para pagar salrios, explica Ivanildo, presidente da associao Pirangi (entrevista, 2007). Uma parte considervel dos agricultores familiares achava que o dinheiro que o projeto recebeu do governo federal sempre ficava na usina e no os beneficiava. Sem confiar na cooperativa, eles acham que os membros da diretoria se aproveitam do financiamento.

    Eu achava que uma cooperativa vem ser para o bem da gente. A gente pagava cooperativa e a gente, quando precisar dela, tem uma semente, tem um adubo, o que tiver. Mas a cooperativa que a gente paga, de Catende, a gente paga e fica para eles mesmos l em Catende (entrevista: Trabalhador de engenho Cana Brava, 2007).

    Devido a outras experincias negativas, muitos trabalhadores e agricultores familiares acreditam que, numa cooperativa, alguns sempre enriquecem em prejuzo de outros. A desconfiana em relao diretoria tambm tem a ver com a desinformao, pois alguns engenhos esto muito distantes da cidade de Catende onde se encontram a sede da usina e a da cooperativa. Na poca de chuva quase impossvel ir at esses engenhos, j que, com a lama dos caminhos, os moradores no chegam s reunies nas quais fluem as discusses e as informaes novas. Por outro lado, a diretoria tampouco especifica as contas e a despesas da gesto (por exemplo, os gastos dos chals onde os engenheiros moram e comem de graa). Os assessores do projeto apenas explicam a quantidade de acar

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    produzida e as contas que a usina ainda tem para pagar.

    Nos meses posteriores desapropriao das terras comeou um conflito em torno da ajuda que a reforma agrria propiciou aos agricultores para garantir-lhes a segurana alimentar e a compra de mquinas e equipamentos (Incra, 2007). A cooperativa props que se destinasse 50% desse fomento s famlias dos agricultores familiares e que se usasse os outros 50% em investimentos.

    Os trabalhadores moram em casas da usina sem ter que pagar aluguel. A usina pe caminhes e mquinas disposio dos agricultores familiares. A situao deles no comparvel com a dos sem-terra, que no tm nada quando recebem a terra (entrevista: Lima 2007).

    Essa proposta recebeu muita crtica de vrios agricultores que queriam que todo o fomento lhes fosse entregue. O Incra finalmente informou que haveria uma parte destinada ao coletivo (para a cooperativa) e outra atribuda a cada famlia.

    Quanto reforma agrria, a diretoria que est negociando com o Incra defende a posio de que as terras no devem ser divididas a fim de que se garanta a sobrevivncia da usina:

    As negociaes da coordenao do Projeto Catende com o governo federal para realizao da reforma agrria vislumbram alguns critrios bsicos, isto , realizar uma interveno fundiria sem quebrar o ciclo produtivo, respeitando a ocupao do solo existente entre morador e usina e, por ltimo, a garantia da unidade fbrica e campo, aperfeioando o modelo de autogesto em andamento. Ora, partindo da raiz da luta pelos direitos que nos mantem vivos nesse 13 anos, nosso modelo de assentamento contempla agricultura familiar e agricultura coletiva (idem).

    No entanto, a insatisfao chegou a um ponto tal que levou os moradores de alguns engenhos a quererem tornar-se independentes, adquirindo a propriedade individual das terras que trabalhavam: Eu quero ser individual. melhor dividir para cada um ter seu tiquinho de terra para poder trabalhar e se virar (entrevista:

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    Trabalhador e agricultor familiar do engenho Monte Alegre, 2006). Este trabalhador associa liberdade com o termo individual, quer ser independente e no mais depender do coletivo e vender para a usina. Muitos agricultores familiares (alguns deles tambm so trabalhadores assalariados) mostram-se cansados com a difcil situao financeira e no desejam se manter dependentes do coletivo.

    A gente apia quem quer ficar coletivo com a usina. Mas por que, se existe o coletivo, por que no pode existir o individual? Se tem uma pequena parte que est querendo cada um a sua terra, por que, se a gente respeita o direito deles, eles no podem respeitar o direito da gente? (entrevista: Jane, agricultora familiar, 2007).

    Quando est em dificuldade financeira, a usina paga os agricultores familiares com vrios meses de atraso. Alm disso, eles ainda so obrigados a vender para a usina por terem assinado a sua adeso ao programa Cana de Morador:

    A gente ia vender para a usina at o ponto que ela pagasse. Esse compromisso agora com o coletivo voc tem que colocar porque voc assinou. Voc tem um contrato com a usina, mesmo ela no pagando voc tem de botar para ela. Eu acho isso uma injustia porque, j que ela no est pagando, a gente no botaria. Porque assim tem muito dinheiro. A gente aqui no tem noo do que acontece l. Eu acho assim: se eles investissem melhor o dinheiro daria para pagar. E porque eles, no final do ano vo somar, eles s somam as dvidas. Eles nunca somam o lucro (idem).

    Em alguns engenhos existem duas associaes: uma que se mantm a favor do projeto do Assentamento Agroindustrial Governador Miguel Arraes e outra que se aproximou do MST. No tempo do conflito, nos anos da falncia, o MST comeou a defender os agricultores familiares que queriam adquirir a propriedade da terra de forma individual em contraposio ao modelo coletivo. Nosso objetivo desfazer os laos que a usina nos impe, disse o dirigente do MST, Jaime Amorim, numa assemblia organizada pelo MST na regio da Mata Sul para convencer os agricultores familiares de que

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    o melhor seria conseguir o seu pedao de terra. Alguns trabalhadores se sentem representados pelo MST que, ao contrrio deles, conhece o procedimento da reforma agrria, a situao jurdica e os direitos de assentados. O MST contra a plantao de cana-de-acar porque esta favorece o regime da grande propriedade. Os trabalhadores da Catende, no entanto, somente sabem plantar cana e com ela que conseguem renda superior que obteriam vendendo macaxeira no mercado.

    Pensar um modelo de reforma agrria individual parece difcil pois existe pouca terra para as 4.300 famlias. A usina Catende tem 26.000 hectares, mas o espao de plantio de 24.000 hectares uma vez que o Ibama exige que uma rea fique sem cultivo. Caso esses 24.000 hectares fossem divididos, cada famlia receberia apenas cinco hectares de terra.

    A reforma agrria individualmente aqui, ela um suicdio. Do ponto de vista poltico-ideolgico eu levantaria outros aspectos. Estou falando do ponto de vista produtivo e econmico, ela um suicdio. E mais: ela iria reproduzir a reforma agrria individual, ela iria reproduzir o que os assentamentos agrrios esto reproduzindo em toda a Zona da Mata: trabalho precrio, trabalho clandestino, trabalho de criana, ia reproduzir por a (entrevista, Lenivaldo, 2007).

    Levando em conta a pequena experincia dos trabalhadores com a gesto de um empreendimento, o tamanho da terra que ficaria com cada famlia e a dependncia dos pequenos agricultores em relao aos atravessadores, a diviso das terras da usina Catende parece oferecer um cenrio bem menos vivel.

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    Consideraes finais

    O caminho rumo a uma gesto democrtica numa regio ainda com marcas da escravido e com forte dependncia de seus trabalhadores rurais em relao aos senhores de engenho e aos usineiros certamente ser longo. O costume da subservincia continua arraigado na sociedade daquela regio nordestina.

    Os trabalhadores da usina Catende esto acostumados a se dobrar aos poderes constitudos e a evitar conflitos. Muitos deles no exigem serem informados e, com isso, no criticam s prticas no-solidrias ou no igualitrias de organizao do processo de tomada de deciso. A diferena de conhecimento entre os trabalhadores e agricultores familiares faz com que, com freqncia, eles no se atrevam, por exemplo, a exigir poder falar durante as reunies o mesmo tempo de que dispem os membros da diretoria. Mas este tipo de comportamento submisso bem menos freqente na gerao dos jovens entre 16 e 25 anos que esto se integrando ao projeto a partir de cursos de formao (por exemplo, piscicultura) e so organizados pela associao dos jovens Puama.4 Esses jovens necessitam de um ampla formao em escolas e faculdades que os ensinem a ser crticos e a aplicar o conhecimento no seu cotidiano. Por essa razo, seria importante aumentar os salrios dos trabalhadores assalariados e diminuir os dos funcionrios da usina, da cooperativa, dos assessores do projeto, bem como a remunerao do sndico. Trata-se de reduzir as desigualdades oriundas da diferenciao de classe.

    Tal medida poderia aumentar a confiana dos trabalhadores e dos agricultores familiares nos assessores do projeto. A igualdade fundamental para manter o projeto coletivo do Assentamento Agroindustrial Governador Arraes. A tentativa de alguns moradores de engenhos de se libertar dos laos com a usina e de adquirir seu lote individual de terra pode ser entendida como uma forma de protesto. Nesse sentido, as crticas desses moradores deveriam ser discutidas de forma igualitria no conselho gestor.

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    A situao econmica da usina Catende marcada pela incapacidade de competir no pas (por exemplo, com as usinas de So Paulo) e no mercado internacional. Uma das razes certamente o clima e a impossibilidade de usar mquinas por conta da estrutura ngreme da paisagem na Mata Sul de Pernambuco. Passa (2002) argumenta que uma empresa autogerida tem clara limitao para acumular capital devido s relaes democrticas que reduzem a velocidade das decises e aos limites impostos livre disposio de mo-de-obra (os trabalhadores no podem ser simplesmente demitidos). verdade que as discusses reduzem a agilidade das decises no projeto Catende Harmonia. Alm disso, a situao falimentar da usina e a necessidade de se modernizar o complexo agroindustrial dificultam a produo e, assim, o rendimento. No entanto, a pesquisa aqui relatada sobre a gesto do complexo agroindustrial da usina Catende mostrou que os condicionantes econmicos e a necessidade de aumentar a produtividade para garantir renda s 4.300 famlias deixam pouco espao para que se revise a estrutura democrtica do projeto. Todavia, uma reviso da estrutura democrtica e dos mecanismos de tomada de deciso indispensvel para que se crie um sistema de acesso igualitrio informao e participao.

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    Catende.

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    Ivanildo. presidente da associao Pirangi, 1 de maro de 2007, Catende. Jane, agricultora familiar e presidente da associao de Cana Brava em

    favor da reforma agrria de forma individual, 28 de fevereiro de 2007, Catende.

    Liberato, Arnaldo, assessor do projeto Catende Harmonia, 17 de janeiro de 2007, Catende.

    Lima, Lenivaldo Marques da Silva, assessor do projeto Catende Harmonia, 11 de novembro de 2004, Recife.

    ____. Entrevista em 20 de maro de 2007, Catende. Marcelo Lucio, trabalhador fichado do engenho Canto Flor, 24 de janeiro

    de 2007, Catende. Paiva, Ana Beatriz Macieira Ribeiro de, advogada da massa falida da usina Catende, 23 de janeiro de 2007, Recife. Ronaldo, agricultor familiar do engenho Cana Brava, 28 de fevereiro de 2007.

    Trabalhador e agricultor familiar do engenho Catende, 22 de fevereiro 2007. Trabalhador e agricultor familiar do engenho Monte Alegre, 22 de novembro

    de 2006, Monte Alegre. Trabalhador do engenho Cana Brava, 28 de fevereiro de 2007. Trabalhador fichado do engenho Canto Flor, 24 de janeiro de 2007.

    Notas 1As oito normas que Dahl estabelece so as condies necessrias e

    suficientes para maximizar a democracia no mundo real (Dahl, 1989: 68). Essas normas so regras que regulam a votao de uma organizao democrtica. Elas incluem o princpio da maioria simples, ou seja, se trata de uma democracia majoritria. Esse princpio questionvel se se considera a crtica da ditadura da maioria (Oberreuter 1986) e o prprio Dahl reconhece o seu limite: ... quanto mais um grupo se aproximar de uma diviso igual, menos vlido se torna o princpio da maioria (Dahl, 1989: 46), mesmo se de forma insuficiente. Segundo outra norma, relativa transparncia, todos os membros de uma organizao devem possuir informaes idnticas sobre as alternativas (idem: 73).

    2 O autor se refere Comuna de Paris que os trabalhadores franceses organizaram em 1871, celebrada por Karl Marx na poca por crnicas e textos curtos.

    3 Desde os anos 1980, foram fechadas na Zona da Mata 18 usinas e os trabalhadores ficaram sem indenizao. Cf. Lenivaldo, um dos coordenadores do projeto, in: Eisenberger, 1977: 22).

    4 Puama significa, na linguagem indgena, rosa que nasce das pedras.

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    88 Estud.soc.agric, Rio de Janeiro, vol. 15, no. 1, 2007: 62-88.

    SCHFERS, Astrid. Reforma agrria e economia solidria: o casoda usina Catende. Estudos Sociedade e Agricultura, abril 2007, vol.15 no. 1, p. 62-88. ISSN 1413-0580.

    Resumo. (Reforma agrria e economia solidria: o caso da usina Catende).Este artigo reflete o processo de participao no projeto CatendeHarmonia, desenvolvido por lderes dos sindicatos rurais e mili-tantes polticos a partir da falncia da usina pernambucana de a-car em 1993. Analisando as observaes feitas durante pesquisaemprica, identificaram-se os limites e as possibilidades para umagesto democrtica. Alm disso, procurou-se analisar o significa-do de individual e coletivo nos conflitos que surgiram a partirda reforma agrria.

    Palavras-chave: economia solidria, gesto democrtica, reformaagrria.

    Abstract. (Agrarian Reform and Solidary Economy: a study about Caten-de farm). This article discusses the process of participation in theproject called Catende Harmonia that has been developed by rurallabor unions and political activists since the bankruptcy of theCatende sugar factory in Pernambuco (Northeastern Brazil) in 1993.The observations made during the investigation are analyzed inthe context of the limits and possibilities of democraticmanagement. Furthermore, the paper examines the meaning ofindividual and collective in the conflicts arising from the landreform process.

    Keys words: solidary economy, democratic management and theland reform.