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Seminário Coberturas de Madeira, P.B. Lourenço e J.M. Branco (eds.), 2012 73 Recuperação de estruturas de coberturas tradicionais de madeira – análise de alguns exemplos Filipe Ferreira AOF – Augusto de Oliveira Ferreira & Ca Lda. [email protected] SUMÁRIO As coberturas são uma das mais importantes partes dos edifícios, dado conferirem a proteção superior necessária aos agentes atmosféricos e apresentarem, entre outros, uma importância arquitetónica e artística marcante, individualizando os edifícios, em muitos casos perpetuando a sua imagem. A madeira tem sido, desde tempos imemoriais, um dos elementos mais utilizados. As razões da sua escolha perdem-se no tempo. Desde a não existência de outros materiais disponíveis, às razões económicas ou tecnológicas a madeira tem sido usada ao longo dos séculos. Por outro lado, as coberturas, estando sujeitas à ação do ambiente agressivo exterior, são facilmente deterioradas, com o tempo. Quando as telhas se deslocam ou partem, verifica-se a entrada de água das chuvas com a consequente deterioração de todo o interior do edifício. As estruturas de madeira das coberturas são assim as primeiras a ser afetadas. Na intervenção no património construído as coberturas são as primeiras a ser consideradas, para garantirem assim a proteção de todo o restante interior dos edifícios. Importa portanto refletir sobre o tipo de intervenção a fazer, sobre os materiais a aplicar, as técnicas a utilizar. É fundamental o conhecimento das técnicas tradicionais de construção em madeira e da sua aplicabilidade, a par das novas tecnologias. Cada caso concreto representa um caso único de estudo, onde se deverá refletir, respeitando o definido nas cartas internacionais em vigor. Contudo, para que uma intervenção seja bem sucedida é necessária uma equipa de profissionais que abarquem todas as especialidades em causa, desde os projetistas aos que executam o trabalho com o seu saber, passando por arqueólogos e historiadores. Essa equipa deverá interagir entre si, de forma a garantir que o processo corra bem. O projeto de execução é, a este nível, o começo de todo o processo. Durante os trabalhos de intervenção, surgem frequentemente muitos dados novos, muitas surpresas, que irão condicionar a solução final. Apresentam-se neste artigo alguns casos de estudo, de intervenções em alguns edifícios representativos portugueses. PALAVRAS-CHAVE: ESTRUTURAS DE MADEIRA, COBERTURAS EM MADEIRA, REABILITAÇÃO, DEFICIÊNCIAS EQUIPAS MULTIDISCIPLINARES 1. CONTEXTO – BREVE ABORDAGEM DO TEMA Nas intervenções em coberturas confrontamo-nos muitas vezes com situações limite, em que é necessário optar por uma solução. Muitas vezes estamos na presença de operações simples de manutenção, o que não oferece dificuldade, dado bastar limitarmo-nos a afinar ou substituir algum elemento ou revestimento. Muitas vezes basta uma pintura com uma tinta de protecção. O problema começa a surgir quando houve dano e a recuperação da estrutura passa, por exemplo, pela substituição de algumas partes da sua estrutura ou, no caso limite, na reformulação de toda a sua estrutura com eventual substituição integral.

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Page 1: Recuperação de estruturas de coberturas tradicionais de ... · Figura 1 – Exemplos da geometria de estruturas de madeira e dos seus constituintes: (a) e (b) Perspetivas de estruturas

Seminário Coberturas de Madeira, P.B. Lourenço e J.M. Branco (eds.), 2012 73

Recuperação de estruturas de coberturas tradicionais de madeira – análise de alguns exemplos

Filipe Ferreira

AOF – Augusto de Oliveira Ferreira & Ca Lda. [email protected]

SUMÁRIO

As coberturas são uma das mais importantes partes dos edifícios, dado conferirem a proteção superior necessária aos agentes atmosféricos e apresentarem, entre outros, uma importância arquitetónica e artística marcante, individualizando os edifícios, em muitos casos perpetuando a sua imagem. A madeira tem sido, desde tempos imemoriais, um dos elementos mais utilizados. As razões da sua escolha perdem-se no tempo. Desde a não existência de outros materiais disponíveis, às razões económicas ou tecnológicas a madeira tem sido usada ao longo dos séculos. Por outro lado, as coberturas, estando sujeitas à ação do ambiente agressivo exterior, são facilmente deterioradas, com o tempo. Quando as telhas se deslocam ou partem, verifica-se a entrada de água das chuvas com a consequente deterioração de todo o interior do edifício. As estruturas de madeira das coberturas são assim as primeiras a ser afetadas. Na intervenção no património construído as coberturas são as primeiras a ser consideradas, para garantirem assim a proteção de todo o restante interior dos edifícios. Importa portanto refletir sobre o tipo de intervenção a fazer, sobre os materiais a aplicar, as técnicas a utilizar. É fundamental o conhecimento das técnicas tradicionais de construção em madeira e da sua aplicabilidade, a par das novas tecnologias. Cada caso concreto representa um caso único de estudo, onde se deverá refletir, respeitando o definido nas cartas internacionais em vigor. Contudo, para que uma intervenção seja bem sucedida é necessária uma equipa de profissionais que abarquem todas as especialidades em causa, desde os projetistas aos que executam o trabalho com o seu saber, passando por arqueólogos e historiadores. Essa equipa deverá interagir entre si, de forma a garantir que o processo corra bem. O projeto de execução é, a este nível, o começo de todo o processo. Durante os trabalhos de intervenção, surgem frequentemente muitos dados novos, muitas surpresas, que irão condicionar a solução final. Apresentam-se neste artigo alguns casos de estudo, de intervenções em alguns edifícios representativos portugueses.

PALAVRAS-CHAVE: ESTRUTURAS DE MADEIRA, COBERTURAS E M MADEIRA, REABILITAÇÃO, DEFICIÊNCIAS EQUIPAS MULTIDISCIPLINAR ES

1. CONTEXTO – BREVE ABORDAGEM DO TEMA

Nas intervenções em coberturas confrontamo-nos muitas vezes com situações limite, em que é necessário optar por uma solução. Muitas vezes estamos na presença de operações simples de manutenção, o que não oferece dificuldade, dado bastar limitarmo-nos a afinar ou substituir algum elemento ou revestimento. Muitas vezes basta uma pintura com uma tinta de protecção. O problema começa a surgir quando houve dano e a recuperação da estrutura passa, por exemplo, pela substituição de algumas partes da sua estrutura ou, no caso limite, na reformulação de toda a sua estrutura com eventual substituição integral.

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Recuperação de estruturas de coberturas tradicionais de madeira – Análise de alguns exemplos 74

Um problema frequente nos nossos dias é o das estruturas em betão armado existentes nos nossos edifícios antigos, executadas no século passado. A grande intrusividade dessas estruturas traduziu-se numa enorme perda patrimonial, com a supressão dos sistemas tradicionais de madeira e num grande problema para os edifícios, dado o comportamento incompatível com o dos outros elementos, como por exemplo as ações estruturais sobre as estruturas primitivas e a sua pouca durabilidade, ao nível das armaduras, bem como a degradação acelerada que provocam nos outros materiais, por exemplo nas madeiras. As várias tentativas pensadas para a sua remoção e substituição por estruturas semelhantes às primitivas não se revelaram executáveis, dados os estragos que iriam provocar no edificado e até uma certa apropriação aos edifícios. Teremos então de considerar a possibilidade de encarar essas estruturas como uma fase mais na vida do edifício e adaptá-las às funções. São estas e outras reflexões que se farão nos exemplos a apresentar.

2. OS VÁRIOS TIPOS DE ESTRUTURAS DE COBERTURAS EM MADEIRA

As coberturas dos edifícios antigos podem-se caracterizar por vários critérios, consoante a sua forma, e os materiais executados, desde a estrutura de suporte até ao revestimento. Em síntese, poderão enumerar-se os seguintes critérios, ver Tabela 1.

Tabela 1 – Critérios de caraterização de coberturas nos edifícios antigos.

Critérios Exemplos

Geometria Coberturas planas Coberturas inclinadas Coberturas Curvas

Revestimentos utilizados

Telha Pedra Tijolo Soletos (ardósia, madeira, cerâmicos) Chapas laminadas metálicas (zinco, cobre, chumbo) Entre outros

Materiais estruturais

Madeira Pedra Tijolos Cerâmicos Estruturas metálicas Entre outros

Na intervenção em coberturas deverão ser analisadas as suas características para, se escolher o melhor critério de intervenção, de forma a preservar a identidade do edifício, seja ela arquitetónica, estrutural, artística ou simbólica.

No caso das estruturas de madeira importa refletir sobre a sua geometria e sobre a geometria dos seus constituintes, como na Figura 1.

(a) (b) (c)

Figura 1 – Exemplos da geometria de estruturas de madeira e dos seus constituintes: (a) e (b) Perspetivas de estruturas de cobertura de madeira, com as várias partes que a compõem; (c) Estrutura de madeira sobre abóbada da Capela de S. Vicente, da Sé Catedral do Porto.

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Muitas vezes verificam-se geometrias complexas, de desenho apurado, de grande qualidade e dimensões, que nos fazem refletir sobre as dificuldades de que se terá revestido a sua execução, como no caso da estrutura da cobertura da Escadaria Nobre do Palácio da Bolsa, Porto, conforme se poderá verificar na Figura 2.

(a) (b) (c)

Figura 2 – Intervenção na estrutura da cobertura da Escadaria Nobre: (a) Esquema estrutural em 3D; (b) e (c) Aspeto das vigas treliçadas da estrutura.

O desenho das estruturas e dos seus acessórios é fundamental, tendo chegado aos nossos dias exemplares de grande qualidade, como na Figura 3.

(a) (b) (c)

Figura 3 – (a) Exemplo de uma asna, com a estrutura secundária superior e acessórios metálicos; (b) Exemplos de ligações de peças de madeira; (c) Cobertura em madeira, nas

Termas de Vidago.

3. A MADEIRA

As madeiras mais correntes nas construções, apresentadas neste artigo são, na sua maioria, o castanho, o carvalho, o eucalipto e o pinho, nas suas variadas espécies. A grande maioria são madeiras existentes no nosso país, outras foram importadas de países europeus, como, por exemplo, a Letónia: Surgiram as madeiras provenientes de outros cantos do mundo, como Africa, Brasil, entre outros.

4. ALGUMAS DEFICIÊNCIAS ENCONTRADAS NAS INTERVENÇÕES

Quando analisamos em pormenor uma construção, particularmente no caso de coberturas de madeira, observamos várias anomalias, típicas da degradação como a fluência, a degradação biológica e as consequências das ações termo-higrométricas, com predominância de umas ou outras, caso a caso, em função dos vários fatores existentes, resultantes da especificidade da construção, ver Tabela 2 e Figura 4.

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Recuperação de estruturas de coberturas tradicionais de madeira – Análise de alguns exemplos 76

Tabela 2 – Anomalias mais usuais em estruturas tradicionais de cobertura em madeira.

Anomalias Possíveis causas

Podridões Insetos xilófagos Presença de água Má qualidade das madeiras

Deformações

Secção mal dimensionada Assentamentos, rotações do edifício Ocorrência de danificações Ligações deficientes entre as peças

Fungos Presença de água Contacto com o ambiente exterior

Falta de manutenção

(a) (b)

(c) (d) (e)

Figura 4 – Exemplos de anomalias mais usuais encontradas em estruturas de coberturas em madeira; (a) e (b) Podridões; (c) Deformações; (d)e (e) Fungos.

5. OPÇÕES E METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

A intervenção neste tipo de estruturas poderá ser feita em vários níveis, consoante o seu estado de conservação ou alteração, as características arquitetónicas e a sua autenticidade. De uma forma geral, poder-se-ão considerar vários níveis de intervenção, desde a menos intrusiva, como reparação pontual de uma pequena parte, até à substituição integral, em casos extremos de degradação, ver Tabela 3. Numa intervenção deste tipo, muitas vezes não há uma única solução.

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Tabela 3 – Níveis de intervenção em estruturas de madeira em coberturas.

Níveis de intervenção: 1. Reparação pontual de elementos degradados 2. Substituição pontual, com materiais e técnicas tradicionais 3. Substituição integral com materiais e técnicas semelhantes às existentes 4. Reforço de estruturas existentes com recurso à aplicação de elementos novos de outra

natureza 5. Substituição integral por uma nova solução estrutural com recurso eventual a novos

materiais e novas técnicas

Nas intervenções de reabilitação quer no património classificado, quer no Património corrente, deverá ser seguida uma metodologia que salvaguarde as características do edifício. Essa metodologia deverá compreender várias fases, ver Tabela 4.

Contudo, como foi já referido neste texto, os trabalhos de intervenção definitivos são sempre pensados na fase de obra, com uma equipa multidisciplinar, que entenda o Património e os seus problemas e responda com boas soluções aos imprevistos que sempre surgem nestas intervenções.

Tabela 4 – Metodologia a seguir numa intervenção.

Intervenções de conservação, reparação e recuperação - Fases: 1. Recolha de informação de avaliação da capacidade de desempenho da construção 2. Determinação das causas da existência de danos 3. Avaliação correta da importância e extensão das degradações. 4. Escolha de medidas corretivas menos intrusivas e melhor adaptadas. 5. Definição atempada e planeada das intervenções. 5. Monitorização do comportamento, após as intervenções.

6. ALGUNS CASOS DE ESTUDO

Serão abordados de seguida alguns casos de estudo. A abordagem não será exaustiva, abrangendo a totalidade das intervenções. Serão focados, em cada caso, apenas alguns casos de realce, tendo sido escolhidos vários contextos diferentes. Serão analisadas, sumariamente, as possíveis causas das anomalias, o enquadramento arquitetónico e histórico e as soluções encontradas, ver Tabela 5.

Tabela 5 – Casos de estudo escolhidos.

Caso de estudo Materiais da estrutura Caso apresentado Igreja Matriz de Caminha Madeira e B.A. Reabilitação geral Sé Catedral do Porto Madeira e B.A. Cúpula e Transepto Casa do Coro da Sé do Porto Madeira Estrutura nova Parque da Boavista, Braga Madeira Reformulação

6.1. Reabilitação da Igreja Matriz de Caminha

6.1.1. O Edifício

A Igreja Matriz de Caminha está classificada como Monumento Nacional, desde 1910. A sua construção compreende duas fases, provavelmente: a primeira em 1428 e a segunda em 1488. Foi alvo de várias intervenções, com modificações, ao longo da sua vida.

Sofreu recentemente obras de requalificação, que abrangeram a quase globalidade do edifício, sendo de referir, as intervenções nas coberturas, Figura 5.

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Figura 5 – Igreja Matriz de Caminha.

6.1.2. Anomalias verificadas ao nível das estruturas da cobertura

A sua estrutura apresentava diversas anomalias, resultantes de intervenções anteriores desadequadas e de falta de manutenção, com telhas partidas, falta de planeza das vertentes das coberturas das coberturas, podridões generalizadas, com especial relevância nos apoios. Os coroamentos das paredes estavam, na sua maior parte rematados por uma viga, nuns casos frechal, em madeira, com podridões e noutros, em betão armado, com armaduras parcialmente à vista, em estado de corrosão, em alguns casos, muito acentuado. Os apoios das peças de madeira, como por exemplo os barrotes das estruturas das coberturas, encontravam-se com podridão cúbica generalizada, com oxidações nos elementos metálicos de fixação. O revestimento de telha das coberturas, telha “Lusa”, encontrava-se bastante deteriorado, com telhas partidas e com acumulação generalizada de depósitos de folhas, esqueletos de ave e guano, sobre as telhas e entre estas e os forros das coberturas. Estes também se encontravam com podridão generalizada. Verificava-se a existência de térmitas nas estruturas de madeira, ver Figura 6.

(a) (b) (c)

Figura 6 – Aspetos do estado de conservação dos madeiramentos das coberturas (a) Estado dos revestimentos de telha e forro guarda-pó; (b) Estado do frechal em madeira e barrotes; (b)

Caso de um frechal em betão armado.

6.1.3. Intervenção

O projeto de intervenção de arquitetura esteve a cargo dos Arq.tos António Portugal e Manuel Reis. O projeto de reforço estrutural esteve a cargo do Engº Mateus Gomes, o estudo do tratamento das madeiras a cargo do Prof. Engº Amorim Faria e o estudo dos problemas higrotérmicos a cargo do Prof. Engº Vasco Freitas. Compreendeu as seguintes fases, ver Tabela 6.

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Tabela 6 – Igreja Matriz de Caminha – Tratamento das estruturas das coberturas em madeira

Fases da intervenção: 1. Trabalhos preliminares de proteção; 2. Remoções faseadas; 3. Aspiração e limpeza; 4. Mapeamento das anomalias e definição do plano de intervenção; 5. Remoção manual das partes não funcionais de madeira; 6. Desinfestação dos madeiramentos e do coroamento das paredes; 7. Substituição total ou parcial das partes disfuncionais; 8. Tratamento dos elementos em betão armado; 9. Fornecimento e aplicação de reforços em aço inoxidável; 10. Aplicação de parafusos autorroscantes em aço inoxidável;

Foi efetuada a proteção do edifício contra a entrada de águas das chuvas, através da colocação de uma cobertura provisória. Foi protegido o património integrado através de colocação de vedações e foi garantida a segurança das pessoas, por meio de redes, entre outros, como se verifica na Figura 7. Foi implementado um plano de segurança.

(a) (b)

Figura 7 – Proteção do edifício: (a) Cobertura provisória; (b) Rede anti-queda.

De seguida foi feita a remoção faseada dos revestimentos de telha e rufos metálicos, a que se deu início à aspiração das estruturas de madeira com limpeza do forro e do extradorso dos tetos. Após a limpeza e remoções havia já condições para uma análise rigorosa do estado de conservação dos madeiramentos, pelo que foi feito o mapeamento das anomalias, com o registo nomeadamente de podridões, empenos, peças partidas, ausência de elementos estruturais, e existência de elementos disfuncionais e feito o estudo de intervenção. Foi verificado o teor de humidade das várias peças de madeira. Em consequência, foi feita a remoção manual das partes não funcionais, das peças de madeira, por desbaste. Foi feita a desinfestação dos madeiramentos. A operação compreendeu a aplicação por pincelagem e pulverização de produtos xilófagos. Foi feita também a injeção de produtos xilófagos nas extremidades dos barrotes, junto aos frechais, para criar uma barreira mais eficaz ao avanço das térmitas. Foi aplicada também uma calda termiticida sobre os coroamentos das paredes com o mesmo objetivo, ver Figuras 8 e 9.

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(a) (b) (c)

Figura 8 – Aspetos do tratamento das estruturas de madeira das coberturas; (a) Medição do teor de humidade; (b) Desbaste de podridões; (c) Pulverização com produto xilófago.

Figura 9 – Injeção de produto xilófago.

Foi feita a substituição total ou parcial das partes disfuncionais, por outras de madeira semelhante em condições de resistência mecânica e aos insetos xilófagos. Nos casos de menor intrusividade, foram aplicadas peças de madeira em substituição de outras existentes em betão armado que imitavam madeira (Figura 10)

Figura 10 – Peças em madeira em substituição das pré-existentes em betão armado.

Na maior parte dos casos, os elementos existentes em betão armado foram mantidos, pois a sua demolição e substituição por elementos semelhantes aos primitivos em madeira e pedra, seria

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demasiado intrusiva para o imóvel. Assim, foram tratados os elementos, a dois níveis, Figura 11: • Ao nível do betão, removendo as partes em destaque e fazendo a reintegração volumétrica

com argamassas compatíveis; • Ao nível das armaduras, removendo a oxidação pulverulenta existente, substuindo

armaduras não funcionais por outras semelhantes, aplicando produtos de proteção nas existentes desprotegidas. Após o novo recobrimento das armaduras foram aplicados produtos preservadores sobre o betão.

Foram aplicados reforços metálicos em aço inoxidável, nas zonas de ligação, quer em substituição de outros existentes em ferro, já oxidados, quer em novos locais; Finalmente, todos os pregos foram substituídos por parafusos autorroscantes em aço inoxidável, dado estar a tratar de uma intervenção junto ao mar, Figura 12.

(a)

(d) (g)

(j)

(b)

(e) (h)

(l)

(c)

(f)

(i)

(m)

Figura 12 – Aspetos do tratamento e aplicação de armaduras: (a) Armaduras de ferro à vista; (b) e (d) Remoção das partes em destacamento; c) Após a proteção das armaduras; (e)

Aplicação de camada de proteção do betão e das armaduras; (g) e (h) Furação e aplicação de bucha química para fixação das próteses metálicas; (f) a (i) Sequência da aplicação de próteses em aço inoxidável; (j) e (l) Próteses em aço inoxidável nas ligações das peças de madeira; (m)

Fixação do forro de madeira com parafusos autorroscantes em aço inoxidável.

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6.2. Sé do Porto - Recuperação na Capela do Santíssimo e do Lanternim do Transepto

A Capela do Santíssimo Sacramento situa-se a Norte da nave lateral esquerda da Sé Catedral do Porto. É constituída por um corpo de planta circular, encimada por um zimbório. A cobertura nesse corpo, em forma de cúpula incompleta, encontrava-se em estado de degradação visível, sendo a base de apoio das telhas muito irregular em argamassa de muito má qualidade, em forma de chapéu. Foi uma intervenção muito complexa, projeto do Engº Pinho Borges. Dessa intervenção realça-se a reconstituição da forma da cobertura, tendo-se recorrido a uma estrutura de madeira, em cúpula, com aplicação de cambotas em madeira de castanho, de forma regular, afastadas da base em argamassa, entretanto consolidada. As cambotas foram travadas por meio de tarugos em madeira. Sobre elas foi executado um sistema de cobertura, compreendendo uma membrana de sub-telha e telha mini canudo (Figura 13)

(a) (b) (c)

(d) (e) (f)

Figura 13 – Sé Catedral do Porto - Reabilitação da cobertura de madeira da Capela do Santíssimo Sacramento: (a) Estrutura radial vista de cima; (b) Vista de frente, com as cambotas e travessas; (c) Vista em planta, em projeto; (d) Pormenor da fixação dos barrotes no frechal; (e) Vista do sistema de cobertura ventilada, com ripado, contra-ripado, membrana permeável

ao vapor e telha mini de canudo; (f) vista final, de cima.

No caso do Lanternim do Transepto, este apresentava fissuras preocupantes nos paramentos de alvenaria de pedra, encontrando-se a cobertura com estrutura de madeira e telha em muito mau estado. A abóbada nervurada sob a estrutura do telhado também se encontrava com instabilidade na ligação entra as várias pedras, pelo que teria de ser consolidada (Figura 14). O projeto de intervenção, a cargo da Arq.ta Ângela Melo e do Prof. Engº Paulo Lourenço, compreendeu, em síntese, o estudo e interpretação das causas da fissuração. Compreendeu a colocação de um anel em todo o perímetro do corpo do lanternim, no contorno dos paramentos de pedra, pelo interior, e a execução de uma estrutura e cobertura de quatro águas, em madeira de castanho, segundo as boas práticas de intervenção (Figura l4). Previamente foi feita a consolidação da abóbada nervurada de pedra (Figura 15).

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(a) (b) (c)

Figura 24 – (a) Aspeto inicial e numa primeira fase da intervenção, com cobertura provisória, após remoção da telha e estudo da estrutura; (b) Vista da abóbada nervurada antes da

consolidação; (c) Vista da nave da igreja.

Figura 35 – Intervenção no Transepto; Projeto da solução de reforço em anel, em aço inoxidável, complementado com pregagens às paredes; Aspetos e pormenores da execução da

cintagem e pregagens.

A estrutura de madeira, de pavilhão, é constituída por 4 guieiros em madeira, madres e frechal também em madeira, fixado para o anel em aço metálica atrás referido. No cruzamento das peças de guieiro foi colocada uma peça de ligação também em madeira, sem apoio à abóbada de pedra (Figura 16).

Figura 46 – Aspetos da execução da estrutura de madeira da cobertura.

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6.3. Remodelação, Recuperação e Restauro da Casa do Coro da Sé do Porto

A Casa do Coro da Sé Catedral do Porto encontrava-se com a cobertura em estado de degradação irreversível, para além do facto de ser necessário reorganizar os espaços, com uma nova distribuição dos vários pisos (Figura 17). Atendendo a esses fatores o projeto, da autoria dos Arq.tos Brandão Alves e António Marques e do Prof. Engº Moreira da Costa, previu uma estrutura contemporânea de base tradicional em madeira de pinho nórdico (Figura 18). É esta opção estrutural que se pretende realçar neste exemplo.

(a) (b) (c)

Figura 57 – A Casa do Coro da Sé do Porto: (a) Alçado parcial; (b) Vista aérea sem a cobertura, entretanto desmontada; (c) Aspeto da cobertura durante o desmonte.

(a) (b) (c)

(d) (e) (f)

Figura 18 – A Casa do Coro da Sé do Porto; (a) Alçado principal, em projeto; (b) e (c) Desenhos de projeto; (d), (e) e (f) Diversas fases da montagem da estrutura de madeira.

6.4. Reabilitação das coberturas do edifício no “Parque da Boavista”, Braga

Os edifícios chegam aos nossos dias com as marcas que o tempo lhes deixou, tendo passado por acontecimentos, que originaram uma alteração muitas vezes decisiva na sua estrutura e utilização futura.

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O edifício em causa, concluído em 1910, sofreu um grande incêndio na primeira metade do século passado, que lhe destruiu a maior parte das coberturas e revestimentos de tectos, com, por exemplo estuques. Nos trabalhos de reconstrução do edifício, que se seguiram, foi alterada a cobertura, com uma má solução construtiva - construção de um algerós interior, que permitia a entrada de águas das chuvas. Assim, a opção de intervenção, relativamente às coberturas, consistiria em manter a última situação criada ou recriar a inicial, sendo esta última a opção escolhida pela equipa, constituída pelos Engº Filipe Ferreira e Arq.tos Francisco Azeredo e Lília Costa. Esta opção foi tomada por razões de coerência do desenho inicial e por razões funcionais, para evitar a constante entrada de águas das chuvas no edifício (Figuras l9 e 20).

(a) (b)

(c) (d)

Figura 69 – (a) e (b) Vistas do edifício; (c) Desenho com a reabilitação após incêndio, com a representação do algerós interior; (d) Desenho com a configuração atual, semelhante à

primitiva.

Figura 20 – Aspeto da estrutura de madeira da cobertura, constituída por ripado, contra-ripado, membrana permeável ao vapor, isolamento térmico com 80 mm de espessura, forro,

constituído por contraplacado marítimo, com 19mm de espessura e estrutura depois de reabilitada.

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7. REFERÊNCIAS

[1] Cóias V., Inspeções e Ensaios na Reabilitação de Edifício, Lisboa, IST Press, 2006. [2] Cóias V., Reabilitação Estrutural de Edifícios Antigos, Lisboa,

Argumentum/GECoRPA, 2006. [3] Appleton J., Reabilitação de Edifícios – Patologias e Tecnologias de Intervenção

Lisboa, Edições Orion, 2003. [4] Paula R.F; Cruz H., Reabilitação pouco intrusiva de vigas de madeira – um caso de

estudo, 2º PATORREB, Porto, 2006 [5] Cruz P. J., Negrão J. H., Branco J. M. A Madeira na Construção CIMAD 04 – 1º

Congresso Ibérico A Madeira na Construção, 25-26/03/2004, Guimarães, Portugal, 2004.