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A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso. [Recensão a] Plato, Gorgias. A Revised Text with Introduction and Commentary by E. R. Dodds Autor(es): Pereira, Maria Helena Rocha Publicado por: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de Estudos Clássicos URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/27240 Accessed : 10-Nov-2018 05:51:54 digitalis.uc.pt

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A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis,

UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e

Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos.

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de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste

documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por

este aviso.

[Recensão a] Plato, Gorgias. A Revised Text with Introduction and Commentary by E.R. Dodds

Autor(es): Pereira, Maria Helena Rocha

Publicado por: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de EstudosClássicos

URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/27240

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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA INSTITUTO DE ESTUDOS CLÁSSICOS

C O I M B R AMCMLXIII-LXIV

V O L S . X V E X V I

H V M A N I T A S

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uma bibliografia selectiva de obras úteis para o desenvolvimento dos temas abordados. E notemos que esta bibliografia está perfeitamente actualizada, sendo sempre indi- cadas as obras e as edições mais recentes — até 1964, ano da publicação deste livro.

J. Geraldes Freire

Plato, Gorgias. A Revised Text with Introduction and Commen- tary by E. R. Dodds. Oxford, at the Clarendon Press, 1959. VIII + 406 pp.

«O Górgias é o mais «moderno» dos diálogos de Platão. Os problemas gémeos que expõe — como dominar o poder da propaganda numa democracia, como refa- zer os padrões morais num mundo cujos princípios tradicionais se desintegraram— são também os problemas centrais do séc. xx» — escreve o Prof. Dodds. Estas circunstâncias, juntas à falta de um comentário científico do diálogo no último meio século, levaram o famoso helenista a preencher tal lacuna com este livro, que é um monumento de saber e de erudição.

Nele nenhum problema foi descurado, e à interpretação do pensamento de Platão serve de base uma sólida preparação filológica. Dodds não se limitou, como geralmente acontece neste tipo de edições, a utilizar o texto oxoniense e respectivo aparato, registando em nota as possíveis discordâncias. Efectivamente, o trabalho do editor tinha de ser refeito. Dos quatro melhores manuscritos, entre os 64 que contêm este diálogo, só dois, B e T, estavam perfeitamente colacionados. Foi neces- sário 1er de novo F, que Burnet interpretara deficientemente, e estudar exaustiva- mente W, que ele desprezara quase por completo. Aproveitou, além disso, alguns manuscritos menores, como Flor. X, Flor. b, V e Y, os papiros, em número de quatro, na maior parte ainda não utilizados, e a tradição indirecta, excepcionalmente rica neste caso. A longa exposição do prefácio, de pp. 34 a 67, sobre os documentos em que assenta a reconstituição do texto, incluindo a examinatio e a recensio dos manuscritos medievais e dos papiros e a apreciação crítica de comentários antigos e da tradição indirecta, é um modelo de clareza e de rigor científico.

Deste modo, a nova edição supera e substitui a de Burnet, a de Theiler e a de Croiset, embora, como o A. modestamente afirma, o estabelecimento definitivo do texto do Górgias não possa fazer-se ainda desintegrado do estudo de conjunto de toda a tradição manuscrita de Platão.

Um duplo aparato, o dos testimonia e das variantes, acompanha o texto.Entre os exemplos de emendatio, devem salientar-se, como os mais brilhantes,

o de 465a 4, 491a 4 e 493b 2. A primeira é uma das mais discutidas cruces do Gór- gias, que o A. resolve estabelecendo uma disjunção entre as duas formas verbais idênticas — ώι προσφέρει <r¡> a προσφέρει — com base sobretudo na recapitulação deste passo em 501a. A segunda resolve-se por uma haplografia, considerando que existira um primeiro τίνων masculino e um segundo partitivo neutro : ούκοϋν συ ερεϊς

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περί τίνων; <τίνων> ό κρείττων.... πλέον εχων.... πλεονεκτεί; Na terceira, em vez de eliminar αύτοϋ, como Sauppe, ou de considerar a frase como uma glossa, como Hirschig, prefere, com Heindorf, introduzir uma palavra da qual dependa το άκόλασ- τον, mas, em vez de διά, sugere συνείς, que facilmente desapareceria do texto depois de είσι.

O longo, exacto e bem informado comentário é uma mina de conhecimentos, não só para quem se propõe estudar o Górgias em si, como para quem se interesse por muitos outros problemas da cultura antiga. Ao lado de passos que discutem o texto sob o ponto de vista linguístico (como no fragmento de Píndaro em 484b l־c 3, pp. 270-272; na jura elíptica μά τον em 466e 6, p. 234; na explicação da complexa sintaxe da resposta de Polo em 461b 4-c 3, p. 221) há outros que elucidam admirà- velmente, com a concisão, objectividade e segurança características da melhor esco- laridade inglesa, pontos de história, de filosofia, de religião, de cultura em geral. Exemplos do que acabamos de dizer são o comentário a 447c 2, p. 190, sobre os sen- tidos de τέχνη ; a 473e 7, p. 247, sobre a actuação de Sócrates como επιστάτης; a 474d 4, pp. 249-250, sobre o sentido de το καλόν no Gorgias, Symposion, Hippias Maior; a 493a 2-3, p. 300, sobre a origem da doutrina do σώμα-σήμα, que Dodds, como em geral os grandes especialistas actuais, nega aos Órficos; a 492d l-493d 4, pp. 296-299, sobre o mito dos tonéis e das Danaides, que implica também a discussão dos sentidos de σοφός em Platão; a 507c 8-508c 3, pp. 330-339, sobre as origens do significado de κόσμος = universo, onde nota que, afinal, a atribuição pitagórica assenta num fragmento de Filolau pouco seguro (posteriormente ã publicação desta obra, Jula Kerschensteiner, Kosmos, Quellenkritische Untersuchungen zu den Vor so- kratikern, Zetemata, Heft 30, München, Beck, 1962, impugna a autenticidade daquela atribuição e considera que é apenas mais uma suposta fonte que os antigos quiseram ver em Platão, quando a ideia é na verdade expressa pelo Timeu, depois de prelu- diada no Górgias; a esta hipótese, porém, responde antecipadamente o comentá- rio ad locum de Dodds, que «não há nada neste passo ou em Xen., Mem., I. I. 11 que sugira que fosse uma novidade completa no tempo de Platão, ou mesmo no de Sócrates»); a 519b 3-52la 1, pp. 365-366, sobre a remuneração do ensino dos sofis- tas; e sobre o profissionalismo entre os Gregos, em 512c 5 (p. 349); a 501 d l-502d 8, pp. 320-322, sobre a posição de Platão quanto ao teatro, em que observa que o filó- sofo não tem a «teoria estética» que têm querido impor-lhe, mas lhe importa apenas a influência educativa e social das artes. De entre todos, salienta-se o comentá- rio ao mito escatológico (523a-527e), que discute exaustivamente (pp. 372-376). Distingue nele a parte de reminiscência literária, enumera as fontes do julgamento post-mortem, dos nomes dos juizes, da topografia, da doutrina da remissão dos erros e, por último, isola o que chama o «resíduo platónico». Expondo clara e objecti- vãmente um dos mais complexos problemas da religião grega, Dodds toma posição contra os que persistem ainda em ver na origem deste mito uma suposta catábase órfica, mesmo depois da tese de H. W. Thomas, Epekeina, München, 1938.

Deixámos para o fim, propositadamente, a parte da introdução relativa ao conteúdo do diálcgo, que compreende as seguintes secções: 1. Assunto e estrutura;2. Figuras e épocas; 3. Data da composição; 4. Platão e Atenas.

A primeira inclui uma excelente análise dos temas que alternam no diálogo—ρητορική e ευδαιμονία—e se entrelaçam no mito final, e classifica sugestivamente a sua estrutura de «em espiral» (ουδεν παυόμεθα εις το αυτό άεί περιφερόμενοι — 517c).

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Na segunda, caracteriza as diferentes figuras que intervêm na obra. A propó- sito da de Górgias, rejeita a sua inclusão entre os sofistas, observando que, embora Hipp. Ma. 285b lhe chame 0 Λεοντΐνος σοφιστής, ele está ausente, sem que ninguém nisso faça reparo, do que Dodds chama graciosamente o «Congresso dos Sofistas»— o Protagoras — e que o Górgias em si o considera um rhetor (449a), profissão que distingue cuidadosamente da de sofista; por outro lado, Cálicles não hesita em dene- grir a espécie na presença do seu hóspede e amigo (520a 1). Reconhece, no entanto, que o Leontino tinha as «características externas comuns aos primeiros sofistas»: vida itinerante, método epidictico, ensino remunerado — embora não ensinasse a αρετή.

Mas, tendo embora em conta a dificuldade de estabelecer com rigor a que espécie de pessoas devia aplicar-se esta designação, dado que a diferenciação de sen- tido de σοφός e σοφιστής permanece flutuante mesmo em Isócrates e Platão, parece-nos que é de manter a opinião tradicional. Górgias aparece equiparado a Pródico no Ménon 96d, e, no mesmo diálogo, quando, em resposta à pergunta de Sócrates Oí σοφισταί σοι οντοι, οϊπερ μόνοι επαγγέλλονται, δοκοϋσι διδάσκαλοι είναι άρετής (95b-c), Ménon responde Kai Γοργίου μάλιστα, ώ Σώκρατες, ταϋτα αγαμαι, δτι ούκ αν ποτε αύτοϋ τοϋτο άκονσαις ύπισχνονμένου, άλλά και των άλλων καταγελαι, δταν άκονσηι νπισχνουμένων' άλλα λέγειν οΐεται δείν τιοιεΐν δεινούς (95c), está implícita a noção de que era sofista, embora com uma orientação diversa. Uma oposição para- lela a esta distingue Protágoras dos outros, a avaliar pela afirmação que é posta na sua boca no diálogo que tem o seu nome, de que, ao passo que os demais sobre- carregam os jovens, forçando-os a aprender o cálculo, a astronomia, a geometria e a música, quem vier ter com ele não aprenderá mais do que o assunto que o trouxe : a prudência na administração da casa e na da cidade (318d-319a). A especiali- zação de Górgias nos domínios da oratória não o impede, por outro lado, de caber na definição final de Sofista 268c-d.

Especialmente notável é a caracterização que faz da figura de Sócrates neste diálogo e a discussão da respectiva cronologia absoluta e relativa, procurando defi- nir não só a posição do Górgias na obra platónica, como em relação aos seus con- temporáneos, Isócrates, Polícrates, Antístenes e Esquines Socrático. Ao contrário de Jaeger (Paideia, III, 43, 303), não vê referências a esta obra no Contra Sophistas nem na Helena, embora julgue reconhecer a sua presença em outras mais tardias, como a Antidosis e o Panathenaicus.

Na secção sobre Platão e Atenas, põe em relevo a posição única deste diálogo, pelo tom pessoal que o informa e pela expressão directa do juízo do autor sobre as instituições e feitos da sua cidade, qualidades distintivas que fizeram do Górgias, no dizer de Schleiermacher, a «Apologia de Platão». É este ponto de vista que o A. confirma, à luz da Carta Sétima.

O volume termina com um apêndice sobre «Sócrates, Cálicles e Nietzsche», bibliografia e um tríplice índice (testimonia, geral e de palavras ou frases gregas ana- lisadas no comentário).

Objectividade, clareza, precisão, riqueza informativa, são os termos que natu- raímente se oferecem para resumir a impressão produzida pela leitura de tão belo trabalho.

Maria Helena da Rocha Pereira