realismo juridico escandinavo - resumo

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Realismo Juridico Escandinavo O REALISMO JURÍDICO ESCANDINAVO: O movimento realista escandinavo, no dizer de Dennys Lloyd, foi contemporâneo do norte-americano, com o qual, aliás, como não poderia deixar de ser, tem importantes pontos de contato. Assim como os autores americanos, os escandinavos chamaram a atenção para a necessidade de explorar os fundamentos sociológicos do direito, numa postura que deveria ser traduzida como um rechaço ao dogmatismo da norma jurídica; para eles, o direito válido não seria outra coisa senão a predição daquilo que os tribunais decidiriam, na exata medida do pensamento americano; sustentaram ser imperioso, ainda, investigar as formas efetivas por que o processo judicial e administrativo funcionam, não aceitando como explicação a existência de regras escritas que vinculariam os juízes e funcionários, porque essa explicação seria parcial e deixaria sem justificação incontáveis problemas relevantes. De par com possuir muito em comum com o pensamento norte-americano, o realismo jurídico escandinavo é mais filosófico do que aquele, porque adentrou mais o problema da realidade jurídica para perscrutar os fundamentos mesmo do direito, aquilo que ele é em si. Kalr Olivecrona, um dos mais destacados autores do realismo escandinavo, sustentava que a idéia de que existiam normas de direito vinculatórias é mero produto da fantasia, derivava mesmo de superstições e crenças do passado. Nesse sentido, o direito não seria mais do que uma forma de psicologia. O direito teria uma base psicológica importantíssima, que não prescindiria, todavia, de um sistema de força para ser eficaz. Mas quando um ordenamento jurídico é bem estabelecido, a força é deixada em segundo plano, porque o

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Realismo Juridico Escandinavo

O REALISMO JURÍDICO ESCANDINAVO:

O movimento realista escandinavo, no dizer de Dennys Lloyd, foi contemporâneo do norte-americano, com o qual, aliás, como não poderia deixar de ser, tem importantes pontos de contato. Assim como os autores americanos, os escandinavos chamaram a atenção para a necessidade de explorar os fundamentos sociológicos do direito, numa postura que deveria ser traduzida como um rechaço ao dogmatismo da norma jurídica; para eles, o direito válido não seria outra coisa senão a predição daquilo que os tribunais decidiriam, na exata medida do pensamento americano; sustentaram ser imperioso, ainda, investigar as formas efetivas por que o processo judicial e administrativo funcionam, não aceitando como explicação a existência de regras escritas que vinculariam os juízes e funcionários, porque essa explicação seria parcial e deixaria sem justificação incontáveis problemas relevantes.

De par com possuir muito em comum com o pensamento norte-americano, o realismo jurídico escandinavo é mais filosófico do que aquele, porque adentrou mais o problema da realidade jurídica para perscrutar os fundamentos mesmo do direito, aquilo que ele é em si.

Kalr Olivecrona, um dos mais destacados autores do realismo escandinavo, sustentava que a idéia de que existiam normas de direito vinculatórias é mero produto da fantasia, derivava mesmo de superstições e crenças do passado. Nesse sentido, o direito não seria mais do que uma forma de psicologia.

O direito teria uma base psicológica importantíssima, que não prescindiria, todavia, de um sistema de força para ser eficaz. Mas quando um ordenamento jurídico é bem estabelecido, a força é deixada em segundo plano, porque o condicionamento psicológico seria suficiente para moldar o padrão de conduta que se quer ver acatado.

Toda e qualquer norma jurídica - sustenta Olivecrona - tem por objetivo influir no comportamento das pessoas, sendo esse precisamente o propósito do legislador ao traçar o modelo da conduta desejada. A aplicação da lei seria, já então, a utilização dessas ações imaginárias como modelos de conduta toda vez que na vida real surgirem os fatos que corresponderem a elas. Seguindo esse norte - explica Miguel Reale - "o conteúdo das normas jurídicas é definido como ‘idéias de ações imaginárias a serem cumpridas (por exemplo, por juízes) em situações imaginárias’".

É da essência das normas jurídicas que elas não tenham referência a valores, não obstante através delas se procure influir no proceder individual das pessoas. As normas operariam sobre a vontade como imaginários imperativos independentes.

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Alf Ross, de sua parte, procede à eliminação da dimensão da validade como categoria distinta da eficácia. Ele identifica duas espécies de realismo, o psicológico e o condutista.

O realismo psicológico, segundo Ross, encontraria a realidade do direito nos fatos psicológicos. Desse modo, uma norma jurídica seria vigente se aceita pela consciência jurídica popular. Que essa norma também seja aplicada pelos tribunais é um fato até certo ponto secundário, porque isso seria a conseqüência normal do fato de a consciência popular, que determina, inclusive, as reações do juiz, havê-la na conta de vigente, obrigatória.

Segundo esse ponto de vista, para saber se uma regra jurídica é vigente deve-se empreender uma investigação socio-psicológica: tem-se que investigar se essa regra é acatada pela consciência jurídica popular.

Já o realismo condutista identifica o direito com as decisões dos tribunais. A norma é vigente, para os condutistas, se há razões suficientes para supor que ela virá a ser aceita pelos tribunais em suas decisões. Aqui, a equação se inverte: o fato de as normas serem compatíveis com a consciência jurídica dominante é derivado e já agora secundário, é um pressuposto normal, mas não essencial para que venham a ser aceitas pelos tribunais.

Alf Ross faz uma síntese perfeita entre o realismo psicológico e o condutista, nestes termos: enquanto a teoria psicológica explica a vigência do direito segundo a fórmula o direito é aplicado porque é vigente, a teoria condutista proclama que o direito é vigente porque é aplicado. E conclui, in verbis:

"Solo podremos alcanzar una interpretación sostenible de la vigencia del derecho, si efectuamos una síntesis del realismo psicológico y el realismo conductista. Tal es lo que he intentado explicar en el presente capítulo. Mi punto de vista es conductista en la medida en que busca hallar consistencia y predecibilidad en la conducta verbal, exteriormente observada, del juez. Es psicológico, en la medida en que la aludida consistencia es la de un todo coherente de significado y motivación, únicamente posible sobre la base de la hipótesis de que en su vida espiritual el juez se halla gobernado y motivado por una ideología normativa cuyo contenido conocemos".

Para os jusfilósofos escandinavos, a juridicidade seria algo que se constataria na norma no momento de sua aplicação, de maneira que a dimensão da validade e a dimensão da legitimidade se identificariam com a dimensão da efetividade.

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ROSS : POSITIVISMO E REALISMO JURÍDICO

O realismo jurídico foi outra vertente filosófico-jurídica que influiu bastante na época atual; aparentado do historicismo, com o qual comunga numa apreciação eminentemente sociologista do Direito, pode ser como típica gestação intelectual nórdica, calcada num realismo filosófico de matriz aparentada com o positivismo pela adesão ao esquema empirista de fonte do conhecimento e pela pós-metafísica radical, que vê no fenômeno jurídico uma exclusiva produção encoberta da força política vinculativa entre Direito e querer-poder do intérprete (juiz).

Na escola de Upsala (Suécia) encontra sua base primordial, e tem em pensadores como Karl Olivecrona, Axel Hargenstrom, dentre outros, seus principais corifeus (GUSMÃO, 2006, p. 191).

Para o realismo jurídico, não existe valor jurídico em si, como ente independente espiritualmente, mas apenas atos de valoração do Direito por quem detém o poder - para o realismo escandinavo, que segue a acepção psicologista do fenômeno jurídico, valor é igual a valorar, assim, impingir valor ao Direito é tarefa de quem possui o controle do poder político ou de quem possa exercer função política sobre a estrutura jurídica.

O realismo estuda a aplicação do poder em relação ao direito, e como o fenômeno “poder” na sociedade incide sobre a estrutura jurídica. O poder como meio de consecução da norma jurídica e os fatores ideológicos e motivacionais, sociológicos e políticos que influem na decisão judicial, a qual sintetiza o sistema e serve de instrumento de aplicação e construção exclusiva do aparato finalístico do Direito.

Comumente tem-se a idéia de que o realismo pretende ‘reduzir’ o Direito à força, mas em verdade nota-se pelo estudo da obra de Ross que o que se pretende é estudar os fatores de poder a consecução do direito pelo juiz e a aplicação do direito por este último como um elemento de poder social.

Outros pressupostos filosóficos de Alf Ross são os advindos do Círculo de Viena - neopositivismo empirista lógico (Carnap, Wittgenstein) e da Escola de Oxford – método analítico do discurso jurídico (Austin).

O critério de verificação deve ser utilizado na busca pela verdade – o discurso deve ser submetido à verificabilidade com sua correspondência empírica. O sentido de uma expressão ou conceito linguistico é o que a experiência de seu uso nos indica, conforme aduz Ludwig Wittgenstein(MONDIN, 2000, p.123). Não é válido fazer generalizações nem abstrações sem uma correspondência com a base empírica referencial, como asserta Carnap apud Mondin (2000, p.119).

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A construção de um discurso plausível(inclusive do discurso jurídico), passa pela interligação coerente, de base realística e empírica, que se faz entre as expressões linguisticas utilizadas no discurso. Não existe verdade em si(ideal)mas somente pragmática- a verdade é uma função relacional entre termos empiricamente fundamentados e coerentemente interligados, ensinamentos de Carnap e, em geral, da Escola de Oxford.

3.1. VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA EM ROSS

Alf Ross (2003, p.103) doutrina que o ordenamento jurídico não é uma multiplicidade de normas conjugadas lógica e racionalmente, mas um todo coerente sujeito a um contínuo processo de evolução.

Para Ross o direito é produto da sociedade,mas não apenas como referencial fático ou empírico, porém num sentido de validade como categoria de um direito efetivamente existente (BARZOTTO, 2000, p.80),sendo que o direito deve ser entendido como um sistema legal, porém com efetividade.

Praticamente, Ross funde os conceitos de efetividade e validade. Partindo da análise da própria terminologia alemã e dinamarquesa correspondente ao termo valid(inglês)- que expressa o direito válido mas sem referência direta a sua efetividade, ele encontra na tradição nórdica e alemã as palavras gyldig (dinamarquês) e gultig (alemão) que expressam exatamente validez num sentido de efetividade (BARZOTTO, 2000, p.79).

Na linguagem jurídica dinamarquesa gyldig expressa algo efetivamente existente. Isso implica conceitualmente, para Ross, uma validade não apenas formal do sistema legal, mas efetiva, com cumprimento das normas pelas pessoas e a aplicação efetiva do direito pelo juiz (BARZOTTO, 2000, p.80).

O sistema legal implica, desse modo, um fundamento de validade que se assenta não apenas na validade,mas na vigência do direito, aqui entendida vigência como aplicabilidade efetiva do direito pelo juiz – no reconhecimento que o julgador faz de uma regra válida. O fato é que o juiz deve reconhecer, validando efetivamente a norma escrita, formal, constitutiva do ordenamento.

A metodologia na tradição anglo-saxã segue uma tendência à convalidação do pressuposto de validez pela ação orientadora do juiz e pode ser considerada centrada na empiricidade da vivência do caso concreto, ao passo que a metodologia do sistema positivo centra-se na visualização da doutrina intelectualizada e racionalmente construída pela ação dos doutrinadores que esclarecem e orientam o direito vigente, sendo que a técnica de argumentação nesse caso consiste em desenvolver o

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significado do que a lei prevê, qualificando os fatos a partir desse esclarecimento prévio (ROSS, 2003, p.138).

O fato, porém, é que todo juiz insere-se numa corrente de influência oriunda da sua visão ideológica, ético-política e não pode fugir à ascendência de suas inclinações, ao tempo que necessita, a fim de persistir no mundo das decisões jurídicas dominantes, da ideologia vigente no sistema jurídico no qual se encontra inserido e que embasa a metodologia jurídica orientadora do processo de interpretação das normas (ROSS, 2003, p.137).

No processo de efetivação do direito, de procedimentalização da vigência - que é a relação entre interpretação e técnica argumentativa, tem muito a construir-se com base nas possibilidades de aplicação da lei – fatores como o texto legal, as considerações pragmáticas e avaliação fática.

O fato, porém, da realidade do fenômeno jurídico, é que o juiz concede um propósito à lei que ele na verdade cria em sua ideário e vontade subjetivas em consonância com os fatos metodológicos, sociológicos, lingüísticos, políticos e ideológicos dominantes no sistema jurídico do qual ele faz parte (ROSS, 2003, p.183).

As técnicas de argumentação, muitas das vezes são empregadas com o sentido de que o juiz justifique uma decisão que na verdade constrói, num sentido mais amplo, em função da interpretação que ele faz de um texto, e assim instaura uma aura de justificação para o “fato de poder” construído por ele (ROSS, 2003, p. 183).

O fato é que a des-ideologização da função judicaturial passa exatamente pela análise e, conseguintemente, revelação dos fatores de poder reais que existem por trás da decisão, perfazendo uma verdadeira psicologia social da norma pela análise e dscrição da mesma e não pela mera construção conceitual lógico-dogmática (ROSS, 2003, p.185).

A análise, pois, do processo de interpretação, revela o caráter predominantemente centrado na noção material de vigência que Ross imprime ao direito, o que abre as portas para a discussão em torno da legitimidade.

3.2. O PROBLEMA DA LEGITIMIDADE EM ROSS

O fato, portanto, do direito vigir pela interpretação dada pelo juiz de acordo com suas inclinações, ideologia, sentimentos, enfim, pela interação entre o direito formal com as condições políticas efetivas e pessoalmente significantes reconhecidas pelo julgador, implica o problema da incidência social do direito e de como as pessoas aceitam o ordenamento jurídico, como o legitimam como válido.

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O problema da legitimidade, para Ross, passa pelo sentido de aplicação da força, do poder, sobre a regulação das relações sociais – é exatamente isso que o o julgador perfaz. Ele constitui uma força legitimada pelo aparato jurídico e faz vigorar o direito a partir dessa estrutura com o processo de interpretação que faz do ordenamento, no entanto, realmente as pessoas aceitam as decisões judiciais ? Elas reconhecem como legítimo esse processo decisório?

Buscar responder a essa indagação sobre a legitimidade dentro do sistema de Alf Ross implica reconhecer a análise sócio-psicológica que ele faz da relação direito-sociedade. Ross centra sua análise nos elementos constitutivos da psique humana, quais sejam, a vontade e a razão.

Implica reconhecer, para Ross, uma série de fatores que influem na formação da vontade (ROSS, 2003, p.79), os impulsos fundados na necessidade,nascidos do mecanismo do interesse, e o impulsos calcados no indivíduo pelo meio social, sendo que os do segundo grupo são interpretados como metafísicos e provenientes de uma vontade “superior”.

O fato é que a formação da consciência jurídica de obediência à lei implica uma obediência desinteressada, implica na adesão sem que haja uma constrição à vontade por meio da força, mas existe um temor de risco pela desobediência, mas isso para Ross (2003, p.80) não é determinante, porém secundário.

O sistema de obediência à lei, consiste, portanto, em uma adesão em forma de consciência jurídica, que, se meramente associada ao plano da validade, implica em consciência jurídica formal, mas se atrelada ao aspecto da transformação do sentido das normas de acordo com a significação material das mesmas, fundamenta a consciência jurídica material (ROSS, 2003, p.81).

O fato e que as pessoas em geral possuem uma consciência formal que mantém a ordem jurídica estável pela adesão aos governantes, aos juízes e ao direito. Porém, isso não impede uma modificação da consciência jurídica com as transformações sócio-políticas e, dessa forma, se ocorrer a desvinculação da consciência ao sistema objetivo jurídico-político, ocorrerá uma ruptura da legitimidade do mesmo. O governo pode passar a ser considerado tirânico, ilegítimo, opressor, e não mais jurídico, legítimo – isso significa precisamente a ruptura dessa consciência jurídica de legitimação do direito (ROSS, 2003, p.81).

O sistema jurídico pode ser considerado legítimo apenas, para Ross(2003,p81), em função de um elemento de reconhecimento consciencial e ideológico. Essa parece ser a posição global, inclusive, da própria escola realista de Uppsala, visto que Olivecrona, segundo Ross (2003, p.80), concorda com essa posição a respeito da legitimidade.

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A consciência jurídica é tão presente como critério de legitimação que segundo Ross as pessoas seguem as normas mesmo estando as mesmas em conflito com seu pensamento jurídico específico a respeito da justiça. A força da consciência de adesão ao direito é um fator de formação da legitimidade.

A alimentação dessa consciência dá-se, por conseguinte, de diversos fatores. Primeiramente, o pode social, policial, intimidativo do sistema e seu aparato de força, implica na adesão por ‘temor’ ao sistema – a força constitui elemento constitutivo da formação da vontade de adesão.

A força pode ser utilizada e representa um poder de coação potencial que gera um fator de formação da vontade de adesão na consciência jurídica (ROSS, 2003, p.82). Isso é reforçado, logicamente, quando efetivamente a força é utilizada. A força é sempre um poder que influi na vontade de adesão e que constitui, segundo Ross (2003, p.83), função da validade do direito.

Ross, como já dito, nem de longe fundamenta a validade do direito na força, mas reconheça nela um elemento constitutivo da formação da vontade de adesão, implicando, dessarte, um fator de formação da legitimidade.

O fato é que para Ross o poder e a força como corolário do mesmo dependem da estrutura jurídica para garantir sua eficácia e ação, dessa forma, não há uma construção de poder que não tenha de ser competência jurídica legitimada.

O fato é que o direito assegura ao poder a vinculação sócio-psico-ideológico-política com um sistema de validade que através da adesão psíquica estabiliza as relações sociais. O fato é que a consciência jurídica formal é adesão ao poder racional, de legitimação pela validade do ordenamento, na vigência da interpretação que lhe dá o juiz, aproxima-se do modelo de Max Weber traça em sua sociologia compreensiva de legitimidade racional-legal (BARZOTTO, 2000, p.84).

A consciência jurídica material, instável se revolucionária, implica numa proximidade com o modelo moral e perfaz uma natureza de cunho não jurídica, porque exatamente rompe com a consciência formal do respeito à lei, corroendo, assim, a legitimidade do sistema.

Esquematicamente, tem-se os elementos de composição da legitimidade para Ross: 1- A vontade de aderir ao direito é formada por elementos psicológicos que constituem a vontade jurídica formal, implicando na formação da consciência jurídica formal de obediência ao sistema e a uma consciência material que pode transformar-se ao longo do tempo e que, caso desvincule-se do sistema ,corrói sua legitimidade. 2- A ideologia de obediência ao Estado é reforçada por fatores culturais, políticos, sociológicos etc, servindo para formar um estatuto psicológico de validade tanto na mente do juiz como na do cidadão. 3- A consciência jurídica psicológica fundamenta,

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lato sensu, a validade e esta estabiliza-se como legitimidade em torno da adesão e do respeito à decisão judicial e ao direito. 4- O direito legitima-se pela ideologia do poder como coação, que pelo poder compulsório representa outro fato importante na consubstanciação da legitimidade. O elemento coativo implica em garantia da força à legitimidade, mas não para ser utilizado aleatoriamente, mas tão-somente em caso de descumprimento da ordem judicial ou da norma. 5- Ross conclui que todo poder necessitada da legitimação jurídica, pois funcionada por meio do direito, é uma competência jurídica, somente assim podendo legitimar-se e, nesse ato, garante a eficácia do direito.

4. ANÁLISE COMPARATIVA DO CONCEITO DE LEGITIMIDADE EM KELSEN E ROSS

O debate entre Ross e Kelsen foi profícuo e representou o embate entre um sistema empirista de cunho psicologista e sociológico em Ross, com o racionalismo formalista e logicista de Kelsen.

Os dois reforçaram, todavia, a posição positivista, advinda desde a chamada escola técnica de Laband, Gerber, Orlando (REALE, 1998, p.157 ss) de reconhecer um direito vigente, materialmente normativo, afastando o puro formalismo das construções irrealistas, quer metafísicas(algumas correntes do neokantismo) ou propriamente oriundas de um positivismo sem a vinculação com o problema da eficácia(jurisprudência dos conceitos).

Nesse sentido, quando Kelsen assinala com uma preocupação para a eficácia global do sistema assegurar a legitimidade do mesmo, demonstra sua preocupação com a efetividade, a vinculação com a realidade. Não existe norma fundamental sem o reconhecimento de sua eficácia, senão, seria a mesma ilegítima.

Ross, todavia, comunga da posição kelseniana de estabilização da legitimidade em torno da validade. Direito válido é direito eficaz e, consequentemente, para portar eficácia é necessário uma vinculação com a legitimação. Se o direito não for sócio-psicologicamente legítimo não é mais direito, é tirania. Ora, se a validade é o conceito estabilizador da legitimidade para ambos, onde mora a divergência entre os jusfilósofos aqui estudados ?

Precisamente na problemática do fundamento da validade, a legitimidade. Se a eficácia é condição da validade, e a vigência o prolongamento efetivo da validade, a legitimidade, isto é, o porquê o direito obriga, implica em posicionamentos filosóficos os mais diversos.

Assumir com Bierling o reconhecimento como regra de legitimação, restaurando a cada momento o pacto social originário como condição de legitimidade do direito, não pareceu uma idéia muito aceita pelo positivismo no século XX e mesmo

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Hart, ao tentar rememorar essa idéia, não perfez um sistema considerado coerente (BARZOTTO, 2000,p. 117).

O fato é que Kelsen deixa transparecer em seu sistema a obrigatoriedade de um ponto de vista objetivista, ele não analisa profundamente os motivos da adesão da vontade à estrutura sistemática do direito, e, assim, fazendo, constrói uma teoria objetivista-formalista da legitimidade.

Para Kelsen, a validade só pode ser referida ao seu fundamento, que é a norma fundamental, assim, ele foca a legitimidade no próprio processo de validade lógico-transcendental, descartando qualquer vinculação com o problema axiológico ou da eficácia.

Nesse ponto Kelsen ataca Ross (BARZOTTO, 2000,p.57), identificando no realismo um apelo injustificado à eficácia da aplicação da norma em relação à conduta, como se o processo de desenvolvimento e auto-reprodução do sistema jurídico implicasse numa identificação com a conduta por ele tutelada. Novamente, aplica Kelsen a distinção radical entre ser e dever-ser - não se deduz direito do campo fático da ação humana.

Apesar de Kelsen (1991, p.123) defender que uma norma em particular pode até perder a validade por desuso, com o sistema jurídico a eficácia global continua a assegurar a validade do mesmo, reforçando sua legitimidade.

Observa-se que para Kelsen, ao contrário de Ross, os fundamentos de uma consciência jurídica formal ou material são irreconhecíveis pela dogmática e a ciência do direito, sendo tarefa talvez da sociologia ou da psicologia buscar encontrar os motivos de adesão ao sistema, mas em todo caso a validade do sistema encontra-se nele próprio e no estudo objetivo da sua estruturação formal.

Ross, ao identificar o fundamento da legitimidade com a consciência jurídica formal, faz um salto à sociologia, à política e a psicologia. Identificar o “sentido de aplicação da força” e os “motivos determinantes” na configuração de um ato de vontade que construa a legitimidade do sistema jurídico parecem, em todo caso, uma tese divergente do paradigma do positivismo formalista e lógico de Kelsen, que influencia predominantemente no século XX o chamado pós-positivismo de cunho analítico da linguagem (BOBBIO, 1995, p. 131 ss).

O problema da eficácia talvez seja melhor trabalhado em Ross, quando analisa o papel da adesão à decisão e a psicologia do julgador na interpretação do direito vigorante. O sistema jurídico e sua natureza destinada à regulação da conduta devem requerem uma eficácia e devem realmente manter pertinência com a realidade social e a vida concreta dos atores do direito – juiz, partes, comunidade etc.

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Uma teoria da legitimidade multidisciplinar é efetivamente construída por Ross, mas não é suficiente para afastar o problema da auto-referencia do sistema jurídico e se pensarmos que grande parte da dogmática e da sociologia e filosofias do direito ainda seguem um postulado de auto-poiese (auto-referente e fechado), e não de alopoiese (aberto e heterônomo), a vinculação a uma teoria da legitimidade que fuja do paradigma da referencia prioritária ao próprio sistema parece não ser bem vinda.

No entanto, o sucesso de uma posição não é a adesão prática da maioria, mas a busca pela fundamentação de sua coerência verídica intrínseca. De fato, Ross não sustenta sua posição dentro da dogmática jurídica dominante, mas sua consideração de que a legitimidade em último caso depende do reconhecimento político (não no sentido contratualista já ultrapassado, acima referido), mas no sentido de valor político social e de legitimidade psicológica dos indivíduos pode ser interessante para desdobramentos de psicologia forense, sociologia do comportamento jurídico dentre outras aplicações.

Na prática, todavia, o sistema se dinamiza e se reproduz em função da pressuposição de validade intrínseca e da vinculação com um fundamento de auto-reconhecimento interno (a Constituição, por exemplo, no caso dos sistemas democráticos) é de fundamental importância para o tratamento objetivo e científico pela ciência direito das aplicações normativas do ordenamento jurídico – a perenidade de Kelsen parece mais visível.

CONCLUSÃO

É longo o processo de desconstrução da legitimidade em termos de vinculação com fundamentos absolutos – baseado na religião, na ética, no dever, enfim, tudo isso na torrente de laicização progressiva e radical que gerou a crise da legitimidade política do Estado Moderno, e a um tempo a gestação de um direito positivo com validade cada vez mais auto-referente (SALDANHA, 1993, p.56).

O problema é que a existência do Estado e a obediência pelos cidadãos de suas normas requer uma justificação de legitimidade nem sempre é aceita sem tortuosos questionamentos, sem desavenças e críticas a seus fundamentos.

A situação em que o positivismo encontra o direito no século XX, e a tentativa de justificá-lo utilizando categorias auto-poiéticas (LUHMANN, 1980), esbarra nos conflitos intestinos da democracia, voltada para a multiplicidade de posicionamentos e a crítica dos fundamentos “estabilizados”, bem como nas relações de poder e suas acomodações (ADEODATO, 1989, p.3).

Certamente as posições de Kelsen e Ross são contribuições importantes e paradigmáticas na senda da tentar-se legitimar o direito, porém, é preciso frisar a

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necessidade da discussão crítica que envolve, na democracia, a revalidação constante dos pressupostos de legitimação do sistema jurídico e não a estabilização dos mesmos em função de conceitos advindos de uma racionalidade intra-referente e abstracionista ou de um sociologismo político que legitima o direito a partir do reconhecimento de ‘fatos’ ou das forças políticas dominantes, interpretadas pelos magistrados, que como profetas pitônicos gregos ou pretores romanos são intérpretes privilegiados do direito (LEAL, 2002, p.23).

A preocupação da legitimação do direito em Habermas (MOREIRA, 1999, p.43) ao expor a tensão entre faticidade e validade e a busca pelo aprofundamento crítico-discursivo que desconstrói e reconstrói fundamentos, buscando legitimar-se no seio de uma sociedade plural e internamente contraditória (capitalismo pós-industrial) – com certeza valoriza os âmbitos da validade interna e vinculação sócio-psíquica como topoi discursivos relevantes porém não exclusivos e finalizantes, para o debate em torno da legitimidade do direito na pós-modernidade.

As posições enfim, de Ross e Kelsen são tão relevantes que o dilema da legitimação do direito construído por Habermas gira em torno precisamente, mas não exclusivamente, da dialética do direito entre a faticidade (Ross) e a validade (Kelsen) – o que ainda tecerá talvez as principais disputas no horizonte democrático dialético possível de uma práxis da ação e uma crítica discursiva dos fundamentos da legitimidade jurídica na sociedade democrática no terceiro milênio.