questões políticas acerca da teoria crítica a indústria da...

10
Questões políticas acerca da Teoria Crítica A indústria da cultura * João Pissarra Esteves Universidade Nova de Lisboa A Teoria Crítica da Sociedade permanece como uma das referências mais marcantes do pensamento social no nosso século, re- sultado da sua forte presença nos mais diver- sos domínios de estudo e, em muitos deles, por períodos de tempo invulgarmente pro- longados. É o caso dos estudos da cultura e da comunicação, onde a influência da Teoria Crítica se começa a alicerçar a partir do fim dos anos 30, com alguns trabalhos pioneiros de Adorno e Horkheimer 1 , e de forma mais marcante durante a década seguinte 2 . No trabalho que aqui apresento proponho- me traçar as fronteiras da influência da Te- oria Crítica nesta área de estudos - segundo limites bastante mais extensos do geralmente reconhecido - e, ao mesmo tempo, proceder a uma avaliação crítica da “teoria das indús- * in, Textos de Cultura e Comunicação ,n o 33, São Salvador-Bahia, UFBa/FC, 1995. 1 T. Adorno, “Sobre el carácter fetichista en la mú- sica y la regresión de la audición”, in Disonancias, Madrid, Ed. Rialp, 1966, pp. 17 e sgs. (orig. 1938); M. Horkheimer, “Art and mass culture”, Studies in Philosophy and Social Science, vol. 9-2, 1941. 2 Com a publicação do célebre texto “A indústria cultural: o Iluminismo como mistificação das mas- sas”, in T. Adorno e M. Horkheimer, Dialéctica do Esclarecimento, Rio de Janeiro, Jorge Zahar ed., 1985 (orig. 1947). trias da cultura” com base nos seus pressu- postos políticos. A posição em que me coloco para realizar este exercício não é a da pura exegése dos textos produzidos ou de uma avaliação estri- tamente imanente da consistência interna da teoria desenvolvida. Sem rejeitar este tipo de exigências - fundamentais a uma análise crítica rigorosa - a minha preocupação visa um pouco mais além: confrontar o argu- mento teórico não apenas com a sua lógica interna, mas também com a própria realidade da nossa experiência cultural. Deste modo, é dirigida uma interrogação muito precisa à Teoria Crítica: quanto à sua validade nas pre- sentes condições sociais, quanto à sua ade- quação às formas multifacetadas do nosso universo simbólico, de uma experiência en- tretecida na circulação acelerada dos bens culturais nas redes de comunicação que atra- vessam o nosso quotidiano. I Embora a designação “Teoria Crítica” dê a supor uma forte unidade, na verdade ela es- conde diferentes sensibilidades e, por vezes, mesmo divergências acentuadas entre os vá- rios autores que deram corpo a esta escola

Upload: vudung

Post on 17-Mar-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Questões políticas acerca da Teoria CríticaA indústria da cultura∗

João Pissarra EstevesUniversidade Nova de Lisboa

A Teoria Crítica da Sociedade permanececomo uma das referências mais marcantesdo pensamento social no nosso século, re-sultado da sua forte presença nos mais diver-sos domínios de estudo e, em muitos deles,por períodos de tempo invulgarmente pro-longados. É o caso dos estudos da cultura eda comunicação, onde a influência da TeoriaCrítica se começa a alicerçar a partir do fimdos anos 30, com alguns trabalhos pioneirosde Adorno e Horkheimer1, e de forma maismarcante durante a década seguinte2.

No trabalho que aqui apresento proponho-me traçar as fronteiras da influência da Te-oria Crítica nesta área de estudos - segundolimites bastante mais extensos do geralmentereconhecido - e, ao mesmo tempo, procedera uma avaliação crítica da “teoria das indús-

∗in, Textos de Cultura e Comunicação, no 33, SãoSalvador-Bahia, UFBa/FC, 1995.

1T. Adorno, “Sobre el carácter fetichista en la mú-sica y la regresión de la audición”, in Disonancias,Madrid, Ed. Rialp, 1966, pp. 17 e sgs. (orig. 1938);M. Horkheimer, “Art and mass culture”, Studies inPhilosophy and Social Science, vol. 9-2, 1941.

2Com a publicação do célebre texto “A indústriacultural: o Iluminismo como mistificação das mas-sas”, in T. Adorno e M. Horkheimer, Dialéctica doEsclarecimento, Rio de Janeiro, Jorge Zahar ed., 1985(orig. 1947).

trias da cultura” com base nos seus pressu-postos políticos.

A posição em que me coloco para realizareste exercício não é a da pura exegése dostextos produzidos ou de uma avaliação estri-tamente imanente da consistência interna dateoria desenvolvida. Sem rejeitar este tipode exigências - fundamentais a uma análisecrítica rigorosa - a minha preocupação visaum pouco mais além: confrontar o argu-mento teórico não apenas com a sua lógicainterna, mas também com a própria realidadeda nossa experiência cultural. Deste modo,é dirigida uma interrogação muito precisa àTeoria Crítica: quanto à sua validade nas pre-sentes condições sociais, quanto à sua ade-quação às formas multifacetadas do nossouniverso simbólico, de uma experiência en-tretecida na circulação acelerada dos bensculturais nas redes de comunicação que atra-vessam o nosso quotidiano.

I

Embora a designação “Teoria Crítica” dê asupor uma forte unidade, na verdade ela es-conde diferentes sensibilidades e, por vezes,mesmo divergências acentuadas entre os vá-rios autores que deram corpo a esta escola

2 João Pissarra Esteves

de pensamento. Num texto com estas limi-tações e de acordo com o objectivo da pre-sente reflexão, não é possível fazer aqui jus-tiça a essa rica pluralidade de vozes que res-soam no chamado pensamento crítico; pro-curarei, assim, circunscrever-me ao que po-demos considerar as posições dominantes, asteses consagradas que, por uma razão ou poroutra, acabaram por adquirir o estatuto deversão oficial da Teoria Crítica.

Apesar de todas as diferenças que se en-cerram no interior desta Teoria, há um nú-cleo fundamental congregador de uma de-terminada forma de pensar e que se as-sume como verdadeiramente representativo:o pensamento assumido como conhecimentocrítico, que se desdobra em crítica da reali-dade social e em crítica das ciências sociais -por contraponto ao conhecimento reificado,i.e., o conhecimento de uma realidade natu-ralizada, em relação à qual o homem comoque perdeu a capacidade de pensar (pensar,imaginar ou recriar a realidade do mundo eda vida de forma diversa daquela que existe).

O problema da reificação constitui-secomo preocupação científica a partir de umareflexão sobre o processo de racionalizaçãosocial3, vindo mais tarde a alimentar umvasto corpo de investigações sobre o pro-blema da ideologia. Num primeiro mo-mento, a reificação surge associada às for-mas sensíveis da experiência, directamentedependente de um potencial concreto da ra-

3O tratamento sistemático do problema da reifi-cação fica a dever-se a Luckács, através do estudo dediferentes formas concretas da vida burguesa (em par-ticular, a arte) e da ideologia, por ele definida como“falsa consciência” e equacionada em termos hege-lianos como “totalidade” - cf. G. Luckács, Historyand class consciousness, London, Merlim, 1971 (orig.1923).

zão, com uma forma socialmente operativae empiricamente apreensível4. A partirdeste ponto, a Teoria Crítica acabaria porconduzir a noção de reificação num per-curso filosófico-especulativo que, progres-sivamente, fez perder de vista um pro-grama coerente de pesquisa empírica. ComHorkheimer, em particular, e as suas teses dofim da razão, a reificação acaba por se ver re-duzida a uma categoria essencialmente abs-tracta5.

É a partir desta deriva, que me parece em-blemática da Teoria Crítica, que acaba por seconsolidar o seu verdadeiro fundamento po-lítico. A discussão que aqui proponho destefundamento político passa, em primeiro lu-gar, por uma análise sumária de alguns te-mas centrais do pensamento social: os pro-cessos de integração social e de socialização,os mecanismos fundamentais destes mesmosprocessos e as possibilidades de contestaçãosocial (a resistência à lógica hegemonizantede funcionalização generalizada do conjuntoda vida social).

Este conjunto de temas constitui, na formacomo é equacionado pela Teoria Crítica, umadirecta imanação da abordagem abstracta eespeculativa do problema da reificação; poroutro lado, a formulação destes temas dáuma forte visibilidade aos pressupostos po-líticos da Teoria; e ainda, este mesmos te-

4A reificação corresponde a uma relação particu-lar realidade-pensamento, quando estas duas entida-des não se posicionam entre si de uma forma determi-nista (cf. a vulgata marxista), mas como um “quadrototal”, no interior do qual se define e situa a generali-dade dos conflitos sociais - cf. P. Ricoeur, Ideologia yutopia, Barcelona, Gedisa, 1989, p. 300 (orig. 1986).

5M. Horkheimer, “The end of reason”, in A. Aratoe E. Gebhardt (org.s), The essential Frankfurt Schoolreader, Oxford, Basil Blackwell, 1978, pp. 26 e sgs.(orig. 1941).

www.bocc.ubi.pt

Questões políticas acerca da Teoria Crítica 3

mas fornecem-nos uma leitura compreensivabastante precisa da questão da cultura e dacomunicação, a que voltarei com mais por-menor adiante.

A visão pevalecente na Teoria Crítica so-bre os processos de integração social e desocialização é profundamente pessimista, aoconsiderar estes processos sociais básicos,em termos globais, como uma forma de vi-olência social, através da qual é concretizadaa submissão dos indivíduos.6 Embora o fun-damento político que sustenta esta posiçãoradical seja diferente conforme se trate dosdefensores da tese do capitalismo de Estado7

ou dos defensores da tese do capitalismo mo-nopolista8, no essencial, porém, subsiste um

6Uma “"racionalização"e "integração"de todas asrelações humanas na sociedade de troca plenamentedesenvolvida”, segundo uma lógica estrita de poder,exercida por exemplo pela família, que exige do con-junto dos membros da sociedade não apenas a obedi-ência, mas incute mesmo em cada indivíduo o desejode obediência - cf. T. Adorno e M. Horkheimer, Te-mas básicos de sociologia, S. Paulo, Cultrix, 1978, p.138 (orig. 1956).

7Entre os defensores da tese do capitalismo de Es-tado encontram-se Horkheimer e Pollock, os quaisa partir da experiência de Weimar e da subsequenteconstituição do Estado autoritário profetizam que aorganização social (a socialização e a integração so-cial) tinha passado a pautar-se por uma dominação in-tegralmente administrativa e de controlo centralizado(os princípios capitalistas haviam-se restringido a as-pectos de ordem puramente fomal) - cf. F. Pollock,“State capitalism: its possibilities and limitations”, inA. Arato e E. Gebhardt (org.), op. cit., pp. 71 e sgs.

8Para os defensores da tese do capitalismo mo-nopolista, a grande diferença em relação aos anteri-ores está na determinação do centro do poder, con-siderando eles que esta posição continua a pertencerao mercado. Mas no essencial, a sua visão políticada sociedade é convergente: os processos de integra-ção social e de socialização determinados pela lógicada dominação e pelos dispositivos da violência, numasociedade profundamente marcada pelo totalitarismo

acordo profundo: a integração social equaci-onada segundo uma visão unilateral, exclu-sivamente em termos de violência e domina-ção.

Em termos políticos, isto significa o to-tal descrédito na democracia tal como ela seveio a concretizar no chamado Mundo Oci-dental e, de forma ainda mais radical, o des-crédito na própria modernidade e na Razão.

A investigação levada a cabo pelo Insti-tut fur Sozialforschung será profundamentemarcada por este apriorismo político e temcomo resultados mais preocupantes os se-guintes: primeiro, a progressiva diluição dainvestigação sobre os processos sociais con-cretos e um desprezo cada vez mais acen-tuado pelo trabalho empírico de análise, se-gundo, deste tipo de investigação, aquela queainda subsiste (muito esporádica e irregu-lar) é marcada por graves distorções que le-vam a uma sistemática visão unificadora daexperiência - uma profunda insensibilidadepara com todos os aspectos da realidade so-cial que contrariam a posição teórica (e ospressupostos políticos) pré-estabelecida. Naanálise dos diferentes mecanismos sociali-zadores e de integração social, estas limita-ções são bem evidentes, como acontece, porexemplo, a propósito da família, a qual é re-duzida a uma mera extensão dos sistemasfuncionais, com a única função de garantiruma submissão isenta de conflito e a perfeita

e pela intolerância. Tudo se resume, afinal, a umacorroboração do radicalismo político, que nesta ver-são é só ligeiramente temperado por uma visão umpouco mais complexa dos processos sociais básicos,mas que não vai muito além de uma tentativa de ex-plicação do totalitarismo com base na “imposição”de um compromisso político essencial (de inspiraçãosocial-democrata) - cf. O. Kircheimer, “Changes inthe structure of political compromise”, in A. Arato eE. Gebhardt (org.), op. cit., pp. 49 e sgs.

www.bocc.ubi.pt

4 João Pissarra Esteves

moldagem das energias pulsionais dos seusmembros9.

A par dos mecanismos de socializaçãoe de integração social convencionais, en-tre os autores da Teoria Crítica desde muitocedo esteve patente uma atenção particularpara com as novas instâncias de socializa-ção e de integração social, sem que comisso, contudo, a sua posição de fundo tenhasofrido qualquer alteração. Pelo contrário,estes novos mecanismos vêm corroborar deuma forma ainda mais contundente, se as-sim se pode dizer, a tese fundamental: elessão apresentados como extensões perfeitasda dominação social, através dos quais temlugar a submissão das consciências individu-ais e a reificação das relações sociais - pormaioria de razão, pois, ao contrário dos me-canismos tradicionais que tiveram de sofreruma refuncionalização, estes são uma ima-nação directa da própria dominação social(racional) instituída.

II

De entre as novas instâncias de socializa-ção sobressaem a comunicação e a culturade massa, merecendo a sua análise particu-lar atenção por parte da Teoria Crítica. Sobo título “indústrias da cultura” e de acordocom a lógica global da Teoria antes referida,

9A importante crítica desenvolvida ao positivismosociológico, que considerava a família em termos na-turalistas (auto-suficiente, com um desenvolvimentopróprio e imanente), na linha da tradição romântico-restauracionista do idelismo alemão, acaba por pecarpor um profundo simplismo: o carácter social da fa-mília é reconhecido mas numa perspectiva puramentemecanicista - a família apenas como instrumento so-cial, medium de imposição da autoridade, de acordocom as exigências dos sistemas funcionais. cf. T.Adorno e M. Horkheimer, op. cit., p. 139.

o fenómeno cultural nas sociedades desen-volvidas é encarado como uma expressão dototalitarismo que predomina no conjunto dasociedade e a sua análise é articulada, basica-mente, a partir da categoria da manipulação10.

Contra as posições mais moderadas, porexemplo de Benjamin e de Brecht que enca-ram com algum entusiasmo os novos meiostecnológicos de produção da cultura (nome-adamente a fotografia, o cinema e a rádio11.), a tese sobre o fenómeno cultural quefaz vencimento e que irá vincular a TeoriaCrítica é da responsabilidade de Adorno ede Horkheimer, os quais no seu célebre ar-tigo sobre as indústrias da cultura sustentamum ataque muito violento a todas estas novasformas de expressão cultural, considerando-as irremediavelmente em oposição ao con-teúdo da experiência estética (da “arte autên-tica”), cumprindo um efeito essencial de des-sublimação, esvaziadas de conteúdos racio-nais e apenas comprometidas com as estraté-gias de manipulação comandadas pela lógicamonopolista, que ditaria assim as suas regrasnão apenas ao mercado mas, também, à or-ganização da vida social no seu conjunto12.

10A manipulação exercida pela comunicação e pelacultura de massa é assumida pelos teóricos críticoscomo denúncia tanto do fascismo como do capita-lismo monopolista, constituindo assim um argumentocomplementar à tese que sustenta existir uma espé-cie de continuidade natural entre estas duas formassocio-políticas - cf. P. Slater, Origem e significado daEscola de Frankfurt, Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p.177 (orig. 1976).

11Cf. W. Benjamin, “The work of art in the age ofmechanical reproduction”, in J. Curran et al. (org.),Mass communication and society, London, EdwardArnold, 1982, pp. 384-408 (orig. 1955); B. Brecht,“Radio as a means of communication”, Screen, vol.20-3/4, 1979-80, pp. pp. 24-28

12“Cada um é um modelo da gigantesca maquina-

www.bocc.ubi.pt

Questões políticas acerca da Teoria Crítica 5

A teoria da indústria da cultura constituium caso exemplar da Dialéctca Negativa -espécie de filosofia negativa da história, coma qual Adorno e Horkheimer sustentam umatese que lhes é particularmente cara: o mito éjá esclarecimento e a razão acaba sempre porregredir à mitologia.13 Esta tese é explanadade modo exaustivo num outro texto célebre,“Ulisses ou mito e esclarecimento”, e servedepois como uma espécie de guia espiritualde todo o trabalho desenvolvido pela TeoriaCrítica a partir do fim dos anos 40. A análiseda “Odisseia” de Homero é apresentada porestes autores como uma configuração exem-plar da modernidade, onde se encontram pro-fundamente entretecidos o mito e a razão, re-velando também todo o barbarismo que seesconde na própria modernidade: o barba-rismo patente nos desenvolvimentos históri-cos que prosseguiu a nossa modernidade, apartir da ideia de progresso ilimitado da ra-zão que acaba por reconduzir ao mito14.

ria económica que, desde o início, não dá folga a nin-guém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tantose assemelha ao trabalho (...) inevitavelmente, cadamanifestação da indústria cultural reproduz as pes-soas tais como as modelou a indústria no seu todo”- T. Adorno e M. Horkheimer, Dialéctica..., op. cit.,pp. 119.

13“Do mesmo modo que os mitos já levam a caboo esclarecimento, assim também o esclarecimento ficacada vez mais enredado, a cada passo que dá, na mito-logia”; e é com base nesta tese fundamental que a Te-oria Crítica estabelece o seu diagnóstico apocalípticoda situação presente: “o mundo totalmente esclare-cido que resplandece sob o signo de uma calamidadetriunfal” - Ibid., pp. 19 e 26.

14O triunfo do espírito humano que a Odisseia dá aver na vida de Ulisses - na competência do marinheiroastuto e destemido, que se sobrepõe à legitimidade doherói enquanto rei e que possibilita a sua salvação -consagra a razão como meio de formação do ego e doprocesso de individuação, mas de um modo profun-damente ambivalente: à razão encontram-se também

Esta suposta repressão mitologizante darazão no plano cultural é, na perspectiva daTeoria Crítica, testemunhada pelas referidasindústrias da cultura, que conduzem à siste-mática degradação e desvalorização da lin-guagem e do pensamento individual. Seriaassim o próprio percurso da razão a conduzira uma regressão ideológico-mítica do escla-recimento; facto que, do ponto de vista deAdorno e Horkheimer assume, por sua vez,uma forte conotação política: a regressãomítica da razão no plano cultural equivale,em última instância, a uma denegação daforma de vida democrática - com um públicoconstituído por receptores passivos e apáti-cos, com produtos culturais sem qualquer au-tonomia própria (apenas se destinam a res-ponder às expectativas das audiências) e semcapacidade de pôr em causa as normas depensamento ou os padrões de inteligibilidadeconstituídos.15 Como Adorno veio a expli-

associadas as práticas de auto-negação, de repressãode si e de sublimação dos instintos, que não são mais,afinal, senão uma regressão arcaizante à prática irra-cional do sacrifício. Na epopia do herói está repre-sentada uma espécie de "proto-história da subjectivi-dade": a hostilidade do eu ao sacrifício comporta jáum sacrifício do próprio eu e nesse instante em que"o homem elide a consciência de si mesmo como na-tureza, todos os fins para os quais ele se mantém vivo- o progresso social, o aumento das suas forças mate-riais e espirituais, até mesmo a própria consciência -tornam-se nulos, e a entronização do meio como fimassume no capitalismo tardio o carácter de um mani-festo desvario- Ibid., pp. 60-1.

15O conteúdo político subjacente à crítica das in-dústrias da cultura pode ser assim sintetizado: “a in-dústria da cultura oblitera as distinções e não permiteproduzir ou sancionar seja o que for que de algummodo difira das suas próprias regras, das suas própriasideias sobre os consumidores ou sobre a própria cul-tura. Torna qualquer um o mesmo, colapsando a plu-ralidade e a individualidade as quais transforma emunidade, uniformidade e anonimato, através da des-

www.bocc.ubi.pt

6 João Pissarra Esteves

citar de uma forma clara, a refutação críticada indústria da cultura representa, também,uma recusa do modelo democrático que lheestá subjacente - a democracia de massa dassociedades ocidentais, de que somos directosherdeiros; sem que esta posição possa, no en-tanto, ser considerada como uma recusa limi-nar da própria democracia, pois como o pró-prio afirma, a indústria da cultura “impede odesenvolvimento de indivíduos autónomos eindependentes que ajuizam e decidem cons-cientemente por si próprios, no entanto, estadeveria ser a pré-condição de uma sociedadedemocrática que precisa de adultos que atin-jam o estado de maioridade para se autosa-tisfazerem e se desenvolverem”16.

III

Por mais que estas teses da dialéctica ne-gativa se afigurem hoje estranhas e todo ocatastrofismo que lhes está subjacente nospossa parecer despropositado, haverá que terem conta a influência profunda e duradourada Teoria Crítica no pensamento social du-rante todo o nosso século. Apenas no quediz respeito à questão da cultura e da comu-nicação, podemos descortinar esta poderosainfluência muito para além do núcleo consti-tuinte da Teoria Crítica e por um período detempo que transcende largamente o períodode vida activa desta escola de pensamento.

truição em vez da promoção das distinções e das dife-renças que a democracia necessariamente pressupõe”- C. Rocco, “The politics of critical theory: argument,structure, critique in Dialectic of Enlightnment ”, Phi-losophy and Social Criticism, vol. 21-2, 1995, p. 118.

16T. Adorno, “The culture industry reconsidered”,in J. C. Alexander e S. Seidman (org.), Culture and so-ciety - contemporary debates, Cambridge, CambridgeUniversity Press, 1990 p. 281 (orig. 1975).

No círculo da própria Escola de Frankfurt,autores tão diferentes como Fromm, Mar-cuse e, mais recentemente, Habermas recor-reram em momentos precisos e com um re-levo significativo no âmbito global do seutrabalho a esta teoria da cultura. O primeironuma crítica da publicidade, da cultura demassa no seu conjunto e da manipulação po-lítica em particular, considerando estarmosperante o declínio do indivíduo e a falên-cia inevitável do pensamento crítico na vidasocial; mais tarde e a partir destes mesmospressupostos, Fromm desenvolve uma con-tundente crítica à actividade do lazer, subli-nhando o seu carácter passivo e enquanto ob-jecto de manipulação17. Marcuse, por seulado, dá conta da emergência dos mass me-dia como agentes de socialização predomi-nantes (a que corresponde um declínio dafamília) e considera a comunicação e a cul-tura de massa “novas formas de controlo so-cial”, geradoras de “falsas necessidades” ede um pensamento unidimensinal, factoresessenciais à reprodução do capitalismo de-senvolvido.18 O próprio Habermas, que aca-baria por consolidar a sua posição intelec-tual na segunda metade do nosso século atra-vés de uma reconsideração profunda da ori-ginal Teoria Crítica, no seu primeiro traba-lho de grande dimensão manifesta ainda umaextrema fidelidade às teses adornianas sobrea cultura, ao associar estreitamente o declí-nio do espaço público à emergência dos massmedia e das indústrias da cultura.19

17E. Fromm, Escape from freedom, N. York, 1941,pp. 128 e sgs.; The sane society, N. York, 1955.

18Cf. H. Marcuse, Eros et civilisation, Paris, Mi-nuit, 1963, p. 89 (orig.1955); L’homme unidimensi-onnel, Paris, Minuit, 1968, pp. 36-7 (orig. 1964).

19J. Habermas, L’espace publique, Paris, Payot,1978, pp. 167-75 (orig. 1962).

www.bocc.ubi.pt

Questões políticas acerca da Teoria Crítica 7

Mas a influência desta crítica fez-se sen-tir muito para além do próprio círculo maisalargado da Teoria Crítica. Em particularnos EUA isso é evidente - resultado do exíliode Adorno e Horkheimer neste país, refugi-ados à ofensiva nazi na Europa. Lazarsfeld,que viria a revelar-se um dos mais destaca-dos opositores de Adorno20, foi o primeiro aidentificar claramente a “pesquisa crítica dacomunicação” e a defender a sua pertinên-cia num programa geral de investigação21.Com um percurso inverso, Mills, depois denum primeiro momento (até aos anaos 50)ter revelado mais simpatia pela “pesquisa ad-ministrativa”, veio a assumir depois posiçõescada vez mais radicais: denuncia o efeito demanipulação dos mass media no condicio-

20Sobre o desenvolvimento da Communication Re-search e a oposição entre Lazarsfeld e Adorno, ver:T. Gitlin, “Media sociology: the dominant paradigm”,Theory and Society, vol.6-2, 1978, pp. 205-53.

21Define a pesquisa crítica como aquela que re-quer, "prioritariamente e a par de qualquer outropropósito particular servido, o estudo do papel ge-ral dos media de comunicação no actual sistema so-cial", considerando-a ao mesmo tempo indispensávele complementar da "pesquisa administrativa- Cf. P.Lazarsfeld, “Remarks on administrative and criticalresearch”, Studies in Philosophy and Social Science,vol. 9-1, 1941, p. 9. Pontualmante e sobretudo noinício da sua carreira, as pesquisas do próprio Lazars-feld revelavam um marcado cunho crítico. Por exem-plo, num determinado trabalho sobre a rádio refere adeterminado passo que "na América, presentemente,a rádio é feita para vender mercadorias", obedece aum efeito comercial, em virtude do qual não existem,na rádio, "tendências funestas"ou nada "que seja tãopolémico que provoque críticas sociais"̧ em nome dosupremo objectivo mercantil de atingir "uma audiên-cia o mais vasta possível",a rádio alimenta "os pre-conceitos do público (. . . ) evita a especialização (. . . )os temas controversos [e revela] uma forte tendênciaconservadora em relação às questões sociais- P. La-zarsfeld, Radio and the printed page, N. York, Duell,Sloane and Pearce, 1940, p. 332.

namento dos comportamentos individuais ena instauração de um clima geral de confor-mismo (definido pelos valores da classe me-dia), bem como na formação de uma pseudo-opinião pública e na consolidação do poderdas elites dominantes22.

Ainda nos EUA há a referir os casos pa-radigmáticos da influência da Teoria Críticanos estudos sobre a cultura desenvolvidospor Gouldner - autor que assumiu convicta-mente a sua estreita colaboração com a pri-meira geração da Teoria Crítica e enalteceua influência que dela recolheu23- e por Ries-man, este através de uma colaboração maisestreita com Erich Fromm.24

O rasto desta influência percorre essenci-almente o plano teórico, mas também ao ní-vel das pesquisas empíricas a Teoria Crítica

22C. W. Mills, A nova classe média, Rio de Janeiro,Zahar, 1979, pp. 350 e sgs. (orig. 1951); A elita dopoder, Rio de Janeiro, Zahar, 1981, pp. 363 e sgs.(orig. 1956). A influência crescente da Teoria Críticano pensamento de Mills levaria o próprio autor a tecerum rasgado elogio às figuras de Adorno e Horkheimer(e à publicação editada pelo Institut of Social Rese-arch, Studies in Philosophy and Social Sciences), con-siderando que a sua partida dos Estado Unidos deixouaí um lugar vazio no pensamento social e abriu cami-nho à hegemonia nefasta dos "alto estatísticos"e dos"grã teóricos- C. W. Mills, “IBM + realidade + huma-nismo = sociologia”, in Poder, política, pueblo, Mé-xico, Fondo de Cultura Económica, 1981, pp. 440 esgs. (orig. 1963).

23A. W. Gouldner, La dialéctica de la ideología y latecnología, Madrid, Alianza, 1978, p.46 (orig. 1976).

24Neste caso, porém, uma influência que não éisenta de mal entendidos: ao convite de Riesman paracolaborar no célebre trabalho colectivo The lonelycrowd, Adorno dá a sua recusa, que mais tarde jus-tificaria por considerar Riesman um vulgar populari-zador das suas ideias e das de Horkheimer - cf. M.Jay, “The Frankfurt School in exile”, in Perspectivesin American Story, vol. VI, Cambridge, 1972, p. 368(a partir de uma carta de Adorno a Lowenthal, de 22de Setembro de 1955).

www.bocc.ubi.pt

8 João Pissarra Esteves

deixou por todo o nosso século a sua marcaindelével - neste caso, resultado sobretudodo labor de Adorno e Lowenthal, os quais (eao contrário de Horkheimer e Marcuse, porexemplo) a par da teoria das indústrias dacultura desenvolveram um trabalho de pes-quisa de campo mais ou menos sistemáticosobre os próprios produtos culturais. Destavertente da Teoria Crítica, os testemunhosmais significativos serão, porventura, “Howto look at television”, de Adorno, e “His-torical perspectives of popular culture”, deLowenthal; trabalhos através dos quais a in-fluência da Teoria Crítica acabou por chegara muitos investigadores, como Gerbner (au-xiliar de Adorno na referida pesquisa sobre atelevisão e a quem este prestou homenageme agradecimento por altura da primeira pu-blicação do trabalho), Dallas Smythe, Her-bert Schiller, Erik Barnouw, Rosenberg (co-responsável pela primeira grande antologiasobre a cultura de massa)25, Macdonald eEnzensberger, entre outros.

25Considero, portanto, que não só a Teoria Críticano seu conjunto (e a crítica das indústrias da culturaem particular) tem subjacente um pensamento polí-tico, mas também que é ao nível deste pensamentopolítico que se situam algumas das mais significati-vas limitações desta proposta teórica. Como refereRocco, o quadro político imanente da Teoria Crítica éfixado tanto no plano do argumento explícito da pró-pria teoria (dos textos produzidos) como no plano,mais imperceptível, da estrutura formal dos própriostextos. Parece-me também ser verdade que a rela-ção entre estes dois planos está longe de ser linear,havendo mesmo fortes indícios de uma tensão e deambivalências profundas entre os dois. O que nãoparece já aceitável é a tentativa deste autor de pro-ceder à reabilitação política da Teoria Crítica exclu-sivamente a partir dos elementos formais da teoria (com base no texto de referência, Dialektik der Auf-klärung), ignorando simultaneamente os argumentossubstantivos (ou, ainda menos aceitável, procedendoà revisão dos argumentos políticos apresentados a par-

IV

O relevo da Teoria Crítica no pensamento so-cial do nosso século fica a dever-se, sem dú-vida, a esta extraordinária capacidade de in-fluência sobre muitos autores e Escolas, porum período de tempo prolongado e em to-dos os mais importantes centros de trabalhointelectual. Mas não menos importante, so-bretudo a partir dos anos 60, é também o seupapel como foco de polémica, ponto de refe-rência obrigatório de praticamente todos osgrandes debates da teoria social, nomeada-mente, a propósito da comunicação e da cul-tura nos nossos dias.

A discussão da posição assumida pelosteóricos de Frankfurt sobre a questão cul-tural desenvolve-se hoje em múltiplas ver-tentes, todas elas, porém, convergindo deum modo geral no reconhecimento de algu-mas limitações mais ou menos fundamen-tais. Nesta linha e na lógica prosseguida aolongo desta reflexão, procurarei de seguidaidentificar algumas dessas limitações, nome-adamente aquelas que decorrem do quadropolítico subjacente à Teoria Crítica.

A primeira (e talvez mais fundamental) re-sulta do que poderemos chamar um equívocohistórico. A teoria das indústrias da culturaé elaborada numa época muito particular, osanos 40, quando estas mesmas indústrias seapresentam numa praticamente total depen-dência quer do poder político (consequênciada II Grande Guerra), quer do sistema co-mercial capitalista - realidades que Adornoe Horkheimer bem conheceram, entre a suafuga da Alemanha e o exílio nos EUA, e queterão pesado de forma esmagadora na suaconsciência. O erro político deste equívoco

tir do "estilo"da sua apresentação). Sobre o assunto,ver: C. Rocco, op.cit., pp.107 e sgs.

www.bocc.ubi.pt

Questões políticas acerca da Teoria Crítica 9

histórico está no facto de a teoria elaboradasuspender, por assim dizer, essa marca epo-cal e apresentar-se de uma forma transhistó-rica ou ahistórica - correspondendo aliás auma secreta hostilidade de Adorno para coma história, hoje em dia perfeitamente reco-nhecida por muitos analistas.

Esta limitação apresenta-se hoje em dia deforma tanto mais flagrante quanto as profun-das mudanças que nos últimos anos se regis-taram no quadro das chamadas indústrias dacultura, em particular a partir dos anos 60,com a explosão de uma enorme diferencia-ção, de múltiplas ambivalências e contradi-ções nas formas e nos conteúdos dos bensculturais gerados ou postos a circular pelosmedia.26

A segunda limitação política da teoria dasindústrias da cultura refere-se à economiapolítica dos media - questão tratada comgrande superficialidade pela Teoria Crítica.A dependência dos media tecnológicos, das

26A homogeneização e o amorfismo da massa, queAdorno e Horkheimer dão como factos indiscutíveise inevitáveis da indústria da cultura, surgem-nos nopresente quadro histórico e social de uma forma muitomais problemática: os mais recentes desenvolvimen-tos exigem-nos "uma teoria crítica mais subtil, queanalise, avalie e diferencie os produtos e as funçõessociais dos novos media (tais como a televisão porcabo, os videogravadores domésticos) e o conteúdoem transformação dos media dominantes. Hoje emdia não há verdadeiramente um centro natural da so-ciedade dos media, assim como também não existenenhuma ideologia ou forma de vida unitária e homo-génea vinculada pelos media. Pelo contrário, existemdiversas alternativas radicais presentes no espectáculoda indústria da cultura, novidades e contradições sufi-cientemente capazes de pulverizar a hegemonia ideo-lógica que é agora um resultado muito mais frágil daindústria da cultura, e a teoria crítica da cultural actualdeve estar atenta a este fenómeno- D. Kellner, “Criti-cal Theory and the culture industries: a reassesment”,Telos, no 42, 1985, p. 203.

indústrias da cultura, da comunicação e dacultura de massa em geral dos dois grandesmedia funcionais de troca das sociedades de-senvolvidas - o dinheiro e o poder - não es-gota todas as potencialidades contidas nestetipo de bens simbólicos. A par de uma maisou menos profunda marca homogeneizante,o universo simbólico das nossas sociedadescontém também os vestígios contraditóriosde uma cultura autónoma - uma cultura mo-derna, em larga medida irredutível aos im-perativos sociais gerados pelas outras esferasde validade da vida social (a economia, a po-lítica, etc.): com os seus momentos de desejoambivalentes, articulações complexas de es-perança e de ansiedade, formas utópicas derebeldia e de resistência. Em suma, uma cul-tura irredutível à estrita lógica da economiapolítica, que deve afinal a sua existência, emprimeiro lugar e acima de tudo, à sua pro-funda vinculação ao universo simbólico daexperiência de um Mundo da Vida racionali-zado também no plano cultural.

O equívoco político dos autores de Frank-furt a este nível parece ficar tanto a dever-se a um certo desconhecimento dos desen-volvimentos registados no mundo das in-dústrias da cultura (alguns, mais recentes,que eles próprios nem chegaram a conhecer,outros que eles simplesmente ignoraram),como a uma atitude apriorística (e pouco re-fectida) de rejeição de todas estas novas for-mas de cultura. Assim, em última instân-cia, eles vêem-se inibidos de levar a caboum conhecimento mais específico e porme-norizado dos bens culturais, das suas carac-terísiticas intrínsecas e das condições soci-ais concretas da sua existência. As paixõesestéticas de Adorno, que ele erege em “arteautêntica” - nomeadamente em termos mu-sicais (Schonberg), literários e dramatúrgi-

www.bocc.ubi.pt

10 João Pissarra Esteves

cos (Kafka e Beckett) - e a nostalgia de umacarreira musical precocemente abandonadaem Viena nos anos 20 marcaram talvez maisque tudo o resto a Teoria Crítica da cultura.Como o próprio Adorno chegou a confessar,“cada vez que vou ao cinema, saio de lá piore mais estúpido do que entrei, apesar de todaa minha vigilância27”; e perante este estadode espírito, esta relação tão temperamentale emotiva com os novos produtos culturais,não é possível encontrar as condições apro-priadas para uma reflexão serena e um traba-lho de análise conduzido de forma rigorosaem termos científicos.

Por último, a forma como a realidade damassa é conceptualizada conduz a um equí-voco político fundamental no que diz res-peito à prática de recepção dos bens cultu-rais. A este nível e de forma algo injustaface às muitas virtualidades contidas no tra-balho desenvolvido pela Teoria Crítica, ha-verá que reconhecer que as teses defendidaspor este tipo de crítica das indústrias da cul-tura se situam num nível muito primário deanálise dos efeitos dos mass media, ao con-siderarem a acto de recepção puramente in-dividual e sem qualquer grau de autonomiapor parte dos receptores - afinal, uma ver-são típica da teoria hipodérmica dos efeitosda comunicação. Mais que nunca, hoje emdia esta tese apresenta-se inaceitável tendoem conta a experiência cultural de um de-bate vivo e das discussões intensas em tornodos media, que dão a ver um espaço de co-municação profundamente agonístico, ondese confrontam não apenas experiências sim-bólicas divergentes ao nível da recepção dosbens culturais, como também ao nível dos

27T. Adorno, Minima moralia, Paris, Payot, 1991,p. 22.

usos e utilizações dos media (mobilizado-ras de formas originais de sociabilidade e deagregação dos indivíduos). Estas novas ex-periências de produção e recepção dos bensculturais estão associadas não apenas aos no-vos media emergentes - as redes informáticasàs mais variadas escalas, as novas tecnolo-gias da televisão (satélite, cabo, programa-ção individual), a radiodifusão directa, etc.- como também aos media electrónicos con-vencionais, que são objecto das mais varia-das reapropriações simbólicas originais e im-previsíveis por parte dos indivíduos (na im-prensa, na fotografia, no cinema, etc.).

www.bocc.ubi.pt