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Quem so os presos polticos?28 de setembro de 2014Categoria:Ideias & DebatesComentar|ImprimirSer que s os militantes polticos so presos sem saber o porqu? Ser que so s eles a sofrer a arbitrariedade do processo? Ser ainda que s as prises de manifestantes servem como ferramenta para atemorizar a populao em geral?Por Passa PalavraPerante a onda de manifestaes de rua que eclodiu no Brasil em junho de 2013, a repressonormaldeixou de ser suficiente, o que obrigou o Estado a intensificar dois processos conjuntos e articulados: por um lado, aumentou o nvel e o mbito da represso; por outro, cooptou mais ativamente movimentos sociais e grupos empresariais ligados aos movimentos sociais. A tese de que se teria passado a viver emestado de exceo, ou outras do mesmo gnero, resulta da incompreenso de que numa democracia capitalista em pleno funcionamento, como sucede no Brasil, o aumento da represso sempre acompanhado pelo recrudescimento da cooptao. Como denunciamos e analisamos este processo de cooptao em vrios artigos, agora o processo de represso que nos interessa abordar.O problema das prisesA escalada repressiva recolocou para os movimentos sociais o problema das prises. As detenes arbitrrias em massa nos protestos em vrias cidades do pas, que se desdobraram na instaurao de inquritos policiais e processos judiciais contra militantes, culminando nas ordens de priso preventiva e condenaes, impuseram ao conjunto da esquerda a discusso sobre os sistemas penal e carcerrio.Ainda que recorrentemente marginalizada pela esquerda em geral (como apontvamos emoutro texto), a preocupao com as prises j estava colocada antes, tendo em vista que a criminalizao um problema permanente.De um lado, esse tema inevitavelmente surgia na pauta dos movimentos pormemria, verdade e justiadas vtimas da ditadura militar que recobraram foras em 2012 com a criao da Comisso Nacional da Verdade e umaretomada das mobilizaes de denncia. Estas lutas, porm, se detinham prioritariamente no passado. Um passado, alis, no qual o regime estabelecia, tal qual em outras pocas e lugares ao longo da histria, uma diviso institucional entre as prises comuns e as prises polticas. Foi pela cela de uma dessas ltimas que passou a ex-guerrilheira, hoje presidente, Dilma Rousseff.De outro lado, organizaes de esquerda se voltam agora para as novas condies prisionais. A transformao da situao das cadeias com a transio para a democracia gerou um cenrio novo: o encarceramento em massa, resultado de uma poltica de criminalizao da pobreza. Entre 1995 e 2005 a populao carcerria do pas cresceu em 150%, e hoje ultrapassa a cifra de 700 mil pessoas presas, colocando o Brasil no terceiro lugar dorankingmundial, atrs somente da China e dos Estados Unidos. Segundo dados da Justia Global, 40% destes presos sequer tiveram direito a um julgamento, sendo considerados presos provisrios, que em alguns estados do pas ultrapassam em nmero os presos j julgados. A superlotao e as condies sub-humanas do sistema penitencirio, que em 1992 resultaram noMassacre do Carandiru, seguem produzindo barbries tais como a ocorrida recentemente na Penitenciria de Pedrinhas, no Maranho. A tortura uma prtica de uso corrente tanto pelas polcias, para obteno de informaes e crua satisfao sdica, quanto por agentes penitencirios, como recurso para a manuteno da ordem no interior dos presdios. Neste ltimo caso, possvel destacar as constantes denncias de tortura ocorridas nos sistemas de reformatrios, em especial os juvenis, como a Fundao Casa (antiga FEBEM).No entanto, a violncia do sistema carcerrio no se limita aos presos, sendo estendida tambm aos seus familiares, tanto pela estigmatizao social, pelo alto custo que representa ter que prover itens necessrios aos presos e pelos constantes deslocamentos para fazer visitas, quanto pelasfamigeradas revistas vexatrias, em que especialmente as esposas dos presos so obrigadas a se despir na frente de agentes carcerrios, muitas vezes na presena de seus filhos, decorrendo da um quadro que contraria qualquer noo de preservao da dignidade humana.A situao de barbrie nas cadeias resulta no de mero descaso mas de uma poltica sistemtica. O encarceramento em massa no se relaciona com o aumento da represso aos crimes em geral, como diro os polticos que ano a ano se reelegem prometendo responder ao anseio popular pelo fim da impunidade. Pelo contrrio, o perfil da populao que hoje lota os presdios escancara os critrios a partir dos quais o sistema penal seleciona suas vtimas. No so os capitalistas denunciados por participarem de cartis, fraudes ou desvios de verba, tampouco os policiais que cometem assassinatos e torturas diariamente. A maioria dos presos composta por jovens pobres, em geral negros e moradores das periferias os mesmos alvos das chacinas policiais, acusados de furto, porte de drogas ilcitas, pequenos trabalhadores do trfico ou annimos que por vezes nem sequer cometeram crimes.Diante de dados to alarmantes, no seria demais considerar o sistema penal desde a abordagem policial at o encarceramento um recurso de dominao permanente, essencial para manter e aperfeioar os expedientes de controle e represso sobre grandes parcelas da classe trabalhadora. A especificidade com que aplicado hoje no Brasil, porm, nos leva a crer que no se trata apenas de uma poltica cerceadora de liberdades ou de neutralizao do indivduo que diretamente afetado por ele. Atravs da manuteno planejada de uma enorme massa de encarcerveis, o sistema penal acabou por produzir estruturas ativas, complementares ao aparato policial, cujo raio de ao se espraia para as ruas e bairros mais pobres das grandes cidades, ditando regras e normas de conduta: o crime organizado ou o que se convencionou chamar tambm de poder paralelo. Apesar de na aparncia ser antagnica aos poderes de Estado tradicionais, a dimenso tica e empresarial que assume atualmente o crime organizado no teria sido possvel sem que os poderes oficiais das classes dominantes criassem conscientemente as condies para isso, implementando polticas sistemticas de encarceramento em massa.Por tudo isso, a luta contra os sistemas policial, carcerrio, judicirio e penal vigentes parece-nos indispensvel.Todo preso um preso poltico?No ltimo ano, a criminalizao das mobilizaes de rua levou vrios manifestantes a conhecerem por dentro essas mesmas cadeias. Imediatamente a solidariedade se mobilizou e organizou sua defesa, exigindoliberdade aos presos polticos!No entanto, a comparao dosrelatos de militantes presoscom os deoutros presos em geralparece apontar para uma situao comum. Ser que s os militantes polticos so presos sem saber o porqu? Ser que so s eles a sofrer a arbitrariedade do processo? Ser ainda que s as prises de manifestantes servem como ferramenta para atemorizar a populao em geral?Essa aproximao fica mais clara ao se verificar que, das manifestaes de junho de 2013, as nicas duas pessoas que permaneceram presas nos meses seguintes no eram manifestantes, mas moradores de rua detidos arbitrariamente pela Polcia Militar no contexto dos atos: Josenilda, em So Paulo, e Rafael Braga, no Rio de Janeiro. Ambos j tinham passagem anterior pela polcia. a que ganhou espao a palavra de ordem todo preso um preso poltico. Contudo, esta consigna de agitao pode pressupor vrias teses e decorrer de vrios campos ideolgicos, que podem ser at contraditrios entre si. Vamos analisar aqui essa palavra de ordem pelas suas implicaes ideolgicas e pelos seus efeitos prticos. Que concepes repousam sob seu guarda-chuva? Quais so suas potencialidades, limites e perigos?A constatao de que no s a criminalizao das lutas sociais mas tambm a criminalizao da pobreza servem a um mesmo objetivo poltico se desenvolve na crtica ao prprio sistema penal. O sistema penal no uma instituioa-histrica, mas uma estrutura de classe hoje voltada represso permanente dos trabalhadores, buscando frear preventivamente quaisquer possibilidades e tentativas de organizao.Por outro lado, a indiferenciao entrepresos polticosepresos comunsno menosprezar a prpria distino a que o Estado procede para enfrentar cada um destes problemas? de conhecimento de todos que nas grandes cidades do pas a Polcia Militar se organizou em batalhes especiais para reprimir as manifestaes e coagir os militantes. O governo federal props novas leis exclusivas para incriminar as manifestaes polticas e o exrcito vem se preparando cada vez mais para reprimir os atos de mesma natureza. Contudo, tal como est construda, a frase todo preso um preso poltico parece se direcionar aos sujeitos, no s instituies. Assim, outra pergunta: no existe a um risco de se concluir que todo preso possuiria uma inteno poltica ao empreender a ao pela qual foi criminalizado? Que o sistema penal poltico, no h dvidas. Mas ser a simples criminalizao suficiente para classificar a atitude poltica do criminalizado? O sistema penal, enquanto estrutura a servio do capitalismo, protege a propriedade privada. Mas qualquer crime contra o patrimnio manifesta necessariamente uma crtica poltica propriedade privada? Por exemplo, os trabalhadores que ocupam uma empresa passando a controlar seus meios de produo e matrias-primas e a venderem o produto do seu trabalho esto, sem dvida, a cometer um crime contra o patrimnio. Da mesma forma, o sujeito que rouba carteiras no ponto de nibus est tambm a cometer um crime contra o patrimnio. Com a diferena de que os trabalhadores que ocupam a empresa o fazem com o intuito edificar as bases do socialismo, enquanto o ladro de carteiras preserva o quadro da propriedade privada, limitando-se a transferir o dinheiro do bolso do outro para o dele.No ser que assumir que o processo de criminalizao poltico pode nos levar a concluir que todos os presos sejam eles militantes, ladres de carteiras, assassinos, estupradores de mulheres, agressores de homossexuais, patres do trfico, polticos que se deixaram apanhar em escndalos de corrupo partilhem de um mesmo objetivo poltico? No seria mais preciso chamar de priso poltica aquela que movida, tanto de cima quanto de baixo, por motivaes polticas? Afinal, se isso no for levado em conta, ento no se est a levar em conta a totalidade das foras sociais em confronto. No seria mais exato se, em vez de afirmarmos quetodo preso um preso poltico, afirmssemos quetoda condenao priso uma condenao poltica?Caso contrrio, ser que os movimentos no correm o risco de pressupor uma orientao anticapitalista em qualquer preso e de apostar, assim, num papel estratgico do conjunto dos criminalizados para a construo das lutas? No se trata de uma consequncia inevitvel, mas de um risco presente naquela palavra de ordem. E quais as implicaes desse risco?Um duplo riscoSe a histria serve para alguma coisa para nos precaver. Por isso recuperamos aqui trs casos de mobilizao dos criminosos comuns contra os militantes polticos ao longo do sculo XX.Um primeiro caso se deu na constituio das milcias fascistas. Note-se que no se tratava a de cooptar para o fascismo o crime organizado, porque as hierarquias fascistas no queriam nada que pusesse em causa a sua autoridade exclusiva. Foram os pequenos delinquentes que as milcias fascistas recrutaram em massa, e usaram-nos contra os militantes e as organizaes polticas e sindicais de esquerda.Um segundo caso ocorreu no interior dos campos de concentrao na Alemanha nazi. Para resumir em poucas linhas uma histria muito complexa, os presos polticos tiveram de proceder a uma luta mortal no sentido exato da palavra para conseguirem obter cargos na administrao, nas enfermarias e em algumas oficinas, que lhes permitissem preservar fisicamente os seus camaradas e estabelecer a rede de resistncia no interior do campo. Os presos comuns eram os principais agentes dos SS entre a populao carcerria, e onde os presos comuns dominaram, os polticos foram liquidados.Finalmente, um terceiro caso ocorreu nos Estados Unidos nos anos seguintes segunda guerra mundial, quando o FBI (equivalente do que no Brasil a Polcia Federal) usou com muito xito tanto o crime organizado como os pequenos delinquentes para combater os militantes comunistas e se apoderar por dentro dos sindicatos. O sindicalismo norte-americano, tal como se evidenciou durante a Guerra Fria, resultou dessa ao conjunta do FBI e do crime organizado. O FBI repetiu a manobra contra o movimento dos direitos cvicos nas dcadas de 1960 e 1970.Como j aludimos acima, o crime organizado igualmente uma organizao capitalista, com a especificidade de que os artigos ou servios que produz e comercializa so proibidos por lei. O crime organizado ilegal por esse motivo, mas a sua estrutura econmica em nada difere do modelo do capitalismo. Alm disso, no seriam os pequenos ladres economicamente equivalentes aos pequenos comerciantes ambulantes ou a prestadores de servios pessoais, possuindo tendncias ao individualismo e a disposio a trair o prximo que so hoje tpicas entre trabalhadores precrios e desorganizados? Assim, a relao com estes no representa um perigo s lutas contra o sistema prisional, tanto as realizadas dentro das cadeias como mesmo a partir do exterior?Assim, quando a esquerda resolve pautar o encarceramento em massa e a criminalizao da pobreza ir se deparar com um duplo perigo, o das organizaes criminosas organizadas e o do extremo individualismo dos pequenos delinquentes. Como lidar com esse universo?No faro as organizaes criminais parte daquela estrutura que, de modo amplo, podemos considerar como sendo o Estado uma vez que exercem, com anuncia do poder pblico, a funo de controle territorial, prestao de servios, justia, proteo etc., disciplinando os trabalhadores e assegurando aos capitalistas a reproduo da explorao? Poderiam, ento, ser consideradas como potenciais aliadas nas lutas dos trabalhadores? Seus objetivos no convergem com os das demais empresas capitalistas? No ser que os movimentos organizados a partir da periferia encontram neles entraves para a luta poltica? No faltam experincias de ocupaes de sem-teto que terminam tomadas pelo trfico de drogas, ou ento de movimentos de luta por transporte pblico que se deparam com pequenas empresas de nibus controladas pelo crime organizado. A ameaa constante desses grupos aos militantes no funciona como um entrave ao trabalho de base?H entre a esquerda atual, como houve noutras pocas e noutros continentes, uma romantizao da atividade criminosa que se v, por exemplo, no entusiasmo de certos jovens militantes com o depoimento em que Marcola, o lder do PCC (Primeiro Comando da Capital), afirma que leu Lnin e Mao Ts-Tung e usou suas teorias organizacionais para estruturar a faco criminosa. Ora, essa declarao no deveria evidenciar como o crime organizado, ao invs de ter um carter revolucionrio, funciona hoje no Brasil como um prolongamento do Estado?Parece-nos que a resposta a estas questes afirmativa e que precisamente por isso as populaes pobres das periferias, aquelas que mais submetidas esto ao predatria tanto do crime organizado quanto dos pequenos delinquentes, decidem muitas vezes fazer justia com as prprias mos. Ora, isto traz aos militantes de esquerda mais um problema.Entre o punitivismo popular e o estatalDa sensao de que os crimes cometidos por setores mais beneficiados com o atual sistema social no so punidos, aliada aos delitos cometidos por pequenos e mdios criminosos que na maior parte dos casos incidem sobre os setores populares, decorre o desenvolvimento de uma ideologia nesses setores populares sobre a necessidade de justia. E como ela no fornecida pelo Estado, muito menos pelos criminosos, passam a pulular por toda parte movimentos de punitivismo popular, os linchamentos, eventualmente mortais, e espancamentos, que simbolizam a barbrie da falta de normatizao a respeito das formas de punio s transgresses, demandas que quando no atendidas passam a explodir nas mais diversas e primitivas formas de vingana.A prpria esquerda, e a se incluem grupos desde a extrema-esquerda at outros mais prximos ao centro, comemora como vitria uma srie de leis e programas governamentais que visam criminalizar determinadas aes. A Lei Maria da Penha, por exemplo, se destina a colocar atrs das grades homens agressores de mulheres. Cresce o movimento que objetiva dar penas mais duras aos crimes de racismo e criminalizar a homofobia. Ora, mas se o sistema penal seleciona seus alvos, essa esquerda, ao reforar o coro punitivista, no termina por ampliar os recursos do sistema de encarceramento em massa?Por outro lado, se, ao invs disso, o abolicionismo penal fosse adotado como projeto generalizado da esquerda, qual seria a resposta para estas situaes?Em um texto dos mais importantes para os movimentos libertrios,A Tirania das Organizaes Sem Estrutura, escrito na dcada de 1970 por Jo Freeman a partir de sua experincia no que era ento o movimento social de carter mais radical (o feminista), a autora aponta para a falta de regras institudas como forma de instaurar organizaes autoritrias para dentro, apesar de libertrias para fora. Ora, o fato de estes coletivos e movimentos, desde a dcada de 1970 e talvez desde muito antes, serem horizontais e terem suas relaes internas baseadas primordialmente na confiana poltica, dificultou que muitos deles institussem regras claras de convivncia, mas no impediu que criassem hierarquias informais, criadoras de regras informais e intransparentes de funcionamento. Estas regras eram quebradas sem se saber exatamente quais eram, pois s esta hierarquia informal estava em posio de diz-lo, de modo arbitrrio e em funo de suas estratgias de manuteno no poder. Da que as punies arbitradas ou mediadas por estas hierarquias ocultas como, quatro dcadas depois da publicao do texto, o linchamento moral, o banimento arbitrrio, o escracho e outras persistam ou se ampliem nas organizaes de esquerda, constituindo um sistema penal to ruim ou ainda pior que o do capitalismo, pois no prev sequer o direito formal de defesa aos acusados.Reclamamos a abolio das prises. Mas que alternativa propomos a isso que no o linchamento e o justiamento? Em que termos possvel pr em ao uma justia reparativa, restaurativa? Como lidar com assassinos, estupradores etc.? Ou mesmo como encarar a demanda pela punio dos torturadores da ditadura militar ou dos policiais executores?Assim como indispensvel abandonar qualquer romantismo com que se vejam os criminosos, igualmente necessrio abandonar qualquer romantismo com que se vejam as vtimas dos criminosos. A luta contra o punitivismo popular indispensvel, o que levanta para os movimentos a questo: como lidar com a justia?Presos polticos, presos comuns: estratgias de ao em questoDe volta palavra de ordem que aqui nos ocupa: todo preso um preso poltico? A discusso aqui de que estratgias deve-se adotar frente represso do Estado, seja em seu aspecto mais abrangente, seja especificamente em relao aos movimentos sociais. Pretendemos apresentar algumas reflexes sobre as possibilidades de atuao prtica acerca do tema.Por um lado, pode dizer-se que abandonar a noo de presos polticos terminaria por beneficiar principalmente os governos. Os governos tm legitimidade para reprimir tudo aquilo que as leis permitem e alm disso tentam mudar as leis para ampliar a represso. No que a represso fora dos marcos legais nunca acontea. Acontece cotidianamente nas periferias e, amplificada pelo racismo, tem alvos certos. Mas a ampliao deste limite esbarra na ideia de democracia mesmo que limitada e a ao de exceo do Estado cumprindo seu papel regular no s a base das denncias contra a represso poltica, mas tambm o dos movimentos que lutam contra o racismo. A represso de carter poltico revela a contradio da prpria democracia, assim como seus limites, e abre a possibilidade de propormos uma democracia sem Estado ou com outro tipo de Estado, que no se defina pelo monoplio da violncia. Mas se todos os presos, se toda a represso e se todos os crimes passarem a sercomuns, ou se todos passarem a serpolticos, o que d no mesmo, a contradio entre democracia e represso desaparece, porque dentro dos marcos legais se torna legtima qualquer forma de represso, tirando dos movimentos sociais um instrumento importante de autodefesa, assim como dos que sofrem com o genocdio cotidiano.Por outro lado, ao se efetuar uma distino entre presos polticos e presos comuns, no ser que incorremos no risco de transferir para o outro o papel de inimigo e garantir, com isso, a perpetuao do aparato repressivo? Estaramos reforando a montagem de um aparelho de contra-insurgncia que pode a qualquer momento ser ampliado e redirecionado? No Brasil, no foi a partir do aparelho de represso e tortura montado pela Polcia Civil que se organizou a Operao Bandeirantes durante a ditadura? No ocorreu tambm o processo inverso com a implementao da Doutrina de Segurana Nacional nas foras policiais que desencadearam uma lgica de extermnio nas periferias? No ser que esse processo retroalimentado teve a colaborao da esquerda em luta pela anistia, quando essa procurou legitimar sua ao diferenciando-se de grupos por ela qualificados como terroristas?Em contrapartida, ser que a indiferenciao entre os presos pode ter como consequncia uma justificativa confortvel para a desmobilizao da luta pela defesa dos militantes presos? A pergunta no gratuita, porque isto sucedeu vrias vezes. Para ter uma maior eficcia nas duas frentes de combate no ser necessrio, na prtica, assumir estratgias diferentes de defesa? De um ponto de vista ttico, no ser que afirmar nossos presos comopolticos importante para angariar apoio de diferentes setores da sociedade na luta pela liberdade de militantes presos? E, por outro lado, afirmar quetodo preso um preso polticono poder levar ao isolamento e rejeio, sobretudo por parte dos setores populares que clamam por mais punio e por punies mais severas? No ser que a diluio dessas diferenas pode, ao contrrio do pretendido, justificar a intensificao da represso estatal sobre os militantes alegando que estes se colocam ao lado dos criminosos? Ao abrir mo da noo de presos polticos no fragilizaremos justamente aqueles militantes que tambm so sujeitos criminalizao cotidiana? Um militante dos meios populares, pertencente aos trabalhadores menos qualificados, j sofre a represso cotidiana do Estado; ao ingressar em organizaes polticas sai da situao de resistncia individual para a de resistncia coletiva e ativa. Esta opo intensifica o processo de represso sobre este sujeito que no tem como fugir da carga mais intensa de represso imposta em determinados territrios ou por causa da cor da pele que fica submetido represso voltada para os militantes. Entretanto, a opo pelo ativismo tambm o coloca em uma rede de solidariedade mais ampla e poderosa do que as relaes comunitrias, somando-se as duas. Adotando a palavra de ordemtodo preso um preso polticono estaramos retirando do militante uma das possibilidades de defesa contra a criminalizao da sua ao poltica?Ser que se assumirmos a distino entrepresos polticosepresos comunsestaremos necessariamente negando a solidariedade grande massa de pessoas encarceradas pelas polticas de Estado? Estaremos desconsiderando as razes histricas e sociais que levam priso de uma parcela significativa da populao pela cor da pele e pelo estado da roupa?No entanto, a cabe perguntar se esperamos que a esquerda assuma efetivamente a defesa prtica poltica e jurdica de todos os presos? Qual a capacidade organizativa que teramos para isso? Quais os possveis avanos obteramos com essa estratgia?Uma estratgia possvel que se pode desenvolver a partir da afirmao de que todo preso um preso poltico a de politizar cada caso.Isto , a de se reconhecer e criticar as arbitrariedades recorrentes do sistema judicirio e policial para, a partir da, se enfrentar perseguies especficas. Isso d aos movimentos a possibilidade de adotar uma postura ativa, e no s submissa, em relao ao judicirio. Um exemplo a recusa dos militantes do Movimento Passe Livre de So Paulo (aqui,aquieaqui) de ir ao DEIC (Departamento Estadual de Investigaes Criminais) depor, negando-se a contribuir com a elaborao do Inqurito 1 de 2013 por questionar sua legitimidade e constatar a perseguio poltica presente nele. A recusa procurou demonstrar o carter da represso operada pelos poderes Executivo estadual e federal em conjunto com o Judicirio, o Ministrio Pblico e a Polcia Militar. Essas contradies no estavam apenas no plano poltico, mas na prpria esfera legal, na medida em que inquritos deveriam investigar crimes e no pessoas, e o referido inqurito no possua qualquer pessoa indiciada pela prtica de um crime. Assumindo o inqurito como uma questopoltica, o MPL-SP empreendeu uma srie de aes diretas para question-lo, da mesma forma como enfrenta suas demais lutas, por exemplo a reivindicao da criao de uma linha de nibus. Assim, organizando acorrentamentos em prdios pblicos e convocando debates abertos, o MPL-SP trouxe para a discusso pblica os objetivos principais da investigao como forma de mapear e intimidar todas aquelas pessoas que lutam. O MPL-SP, ao evocar as ilegalidades cometidas contra os manifestantes presos, procurou coloc-las como recorrentes na criminalizao da pobreza, com constrangimentos feitos pelos policiais nas casas dos potenciais suspeitos, nos locais de trabalho, alm da expanso para os seus familiares.Um potencial de se afirmar as prises como polticas , ento, a politizao da vida cotidiana, e a reside um campo aberto para a organizao de novos movimentos de base nas periferias. A lgica de encarceramento massivo traz consigo uma situao perversa de atomizao da situao vivida: a pessoa presa considerada aquela que vacilou, andou com ms influncias, desandou, ou que estava no lugar errado na hora errada. Embora a situao seja semelhante em grande parte das famlias, ou que muitos tenham conhecidos e amigos presos, o sofrimento costuma ser individualizado. Por vezes pode presenciar-se uma ruptura do martrio privado, em especial quando a Polcia Militar comete execues ou quando se constri um territrio oficial de exceo com a implementao de uma UPP [Unidade de Polcia Pacificadora]. Em momentos de agudizao de uma situao recorrente, a populao se revolta e monta barricadas com os materiais que esto mo, e esses momentos de conscincia coletiva ainda que efmeros apontam uma perspectiva. Ao se trabalhar com a situao de penria e sofrimento dos familiares faz-se possvel estabelecer laos concretos de solidariedade para o enfrentamento da humilhao cotidiana nas filas de visita, ou na revista vexatria. A construo dessa rede de apoio mtuo possibilita uma melhor defesa daqueles que esto presos arbitrariamente, pois, ao inserir-se em uma comunidade poltica, as pessoas percebem as recorrncias entre os casos, as ilegalidades recorrentes do aparelho estatal, e vislumbram a estrutura na qual os casos se inserem. Trata-se ento de um trabalho de transformar as percepes difusas de arbitrariedade em uma ao concreta em oposio ao sistema policial, penal e carcerrio vigente.

As imagens que ilustram o artigo fazem parte do trabalhoLiberdade, de Carlos Vergara.Etiquetas:Outras_lutas,Represso_e_liberdadesComentrios4 Comentrios on "Quem so os presos polticos?"Maxi y Daro em 28 de setembro de 2014 22:33

y cuando la polica/crimen organizado/patota fascista deja de simplemente reprimir y pasa a asesinar a los militantes? vamos a decir que son tambin presos polticos?Una cosa son asesinos en piyamas con sus 80 aos. Otra cosa son los asesinos que andan por tu barrio, a servicio de la polica.sobre una otra historia de impunidad:http://www.elsarbresdefahrenheit.net/documentos/obras/1342/ficheros/Dario_y_Maxi.pdfFugir dos Problemas em 2 de outubro de 2014 15:33

Eu no vou ler esse texto para no ficar deprimido.Rodrigo Arajo em 2 de outubro de 2014 15:47

Embora seja inegvel a boa intenso por trs da palavra de ordem todo preso um preso poltico, difcil negar o monte de contradies que ela encerra.Porm o que interessa e o que mais importante, a meu ver, a compreenso, que parece comum entre quem anda debatendo pelo Passa Palavra, de que urgente criar mtodos e estratgias de luta contra a atual poltica de encarceramento massivo, lutar contra a flagrante ausncia de direitos civis bsicos para uma parte expressiva populao no Brasil e lutar contra as tticas de represso do Estado contra os movimentos sociais.Uns tentam criar um jogo isolacionista (e outros caem nele), de que a luta legtima s a dos setores mais precarizados da populao e que a classe mdia teria seus direitos assegurados pela atual forma de organizao da represso. Quem cria/cai neste jogo s esquece a histria, pois o jogo sempre duplo.A mesma institucionalidade que viola sistematicamente suas prprias normas objetivando enquadrar os setores mais precrios, tambm abre o caminho na sua prpria lgica de funcionamento para reprimir dissidentes polticos. O inverso tambm historicamente verificvel, pois o regime que passa a perseguir dissidentes polticos no tarda a reprimir toda a populao pelos mesmos critrios.H sim, verdade, uma articulao que deve existir entre as lutas contras as prises polticas e a poltica de encarceramento em massa dos mais pobres, mas essa articulao ocorre em um nvel diferente do que supe a palavra de ordem, no horizonte estratgico e no nas formas de atuao. Tratar coisas diferentes por iguais a pior cegueira que pode acontecer a um movimento e os perigos so apontados por todo o texto (embora o prprio texto se esforce por no ser conclusivo a respeito).Bruno em 2 de outubro de 2014 16:37

A questo levantada no texto sobre momentos histricos em que setores marginalizados serem cooptados pelo fascismo ou pela reao no geral, apesar de relevante erra ao tentar generalizar essas experiencias em detrimento de outras, mesmo porque outros setores (como o operrio) tambm o foram por diversas vezes e isso no anula seus potenciais de atuao de uma perspectiva revolucionria.Duas experincias de organizao de presos que acredito serem relevantes se debruar, uma durante o perodo de transio franquista e outra durante a dcada de 1990, sendo respectivamente a COPEL (Coordinadora de Presos en Lucha) e a APRE (Associasion de Presos en Regime Especial), a COPEL principalmente fazia uma diferenciao de presos, entre presos polticos e presos sociais, ou seja presos que tiveram motivaes polticas para cometer suas infraes e aqueles que foram presos por suas condies de classe , a COPEL conseguiu (por um perodo curto de tempo verdade) acabar com a violncia entre presos nas prises espanholas, ambas os movimentos foram claro que hoje no brasil o tamanho e fora do crime organizado deixa ainda mais difcil a atuao nesse setor, porm sua complexidade no minimiza sua importncia.