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Visão geral Talvez a principal razão para que a neurociência permaneça como um campo excitante seja a riqueza de perguntas não-respondidas sobre a estrutura funda- mental e as funções do encéfalo humano. Para compreender este importante ór- gão (e o restante do sistema nervoso), a miríade de tipos celulares que consti- tuem o sistema nervoso deve ser identificada, suas interconexões traçadas e o papel fisiológico dos circuitos resultantes definido. A esses diferentes desafios temos que adicionar o vocabulário anatômico especializado que surgiu para descrever a estrutura do sistema nervoso, assim como um conjunto de termos fisiológicos especializados para descrever suas funções. À luz dessas dificulda- des conceituais e semânticas, o conhecimento do encéfalo e do resto do sistema nervoso é enormemente facilitado se dominarmos um quadro geral da organi- zação do sistema nervoso e revisarmos os termos básicos e convenções anatômi- cas usadas na discussão de sua estrutura e de sua função. Os componentes celulares do sistema nervoso O fato de as células serem os elementos básicos dos organismos vivos foi reco- nhecido no início do século XIX. No entanto, foi apenas mais recentemente – durante o século XX – que os neurocientistas chegaram a um acordo sobre se o tecido nervoso, como os demais órgãos, era também constituído por essas uni- dades elementares. No início do século passado, a primeira geração de neuro- biólogos “modernos” teve dificuldades para conhecer a natureza unitária das células nervosas com os microscópios e as técnicas de tinção disponíveis. As for- mas individuais extraordinárias das células nervosas e a grande extensão de al- guns de seus processos eram evidentes, porém sua complexidade tendia a ofus- car as semelhanças com as células geometricamente mais simples de outros te- cidos (Figura 1.1). Assim, alguns biólogos pensavam que cada célula nervosa estava conectada a suas vizinhas por uniões protoplasmáticas, formando uma malha contínua de neurônios, o “retículo”. Esta “teoria reticular” da comunica- ção neural, defendida pelo neuropatologista italiano Camillo Golgi (o aparelho de Golgi leva seu nome), acabou caindo em desgraça basicamente em função dos resultados obtidos por um neuroanatomista espanhol, Santiago Ramón y Cajal. As opiniões contrárias de Golgi e Cajal alimentaram um dos primeiros debates acalorados das modernas neurociências. Baseado em exames do siste- ma nervoso ao microscópio óptico impregnado com sais de prata, de acordo com o método pioneiro de Golgi, Cajal argumentava persuasivamente que os neurônios eram entidades discretas e que eles se comunicavam uns com os ou- tros através de contatos especializados que finalmente viriam a ser designados de “sinapses”. O trabalho que marcou este debate foi reconhecido pela entrega do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1906 a ambos os pesquisadores, Golgi e Cajal. O prêmio conjunto traduzia o impasse da época sobre quem, afi- nal, estava certo, apesar da evidência esmagadora a favor da concepção de Ca- A organização do sistema nervoso Capítulo 1

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Page 1: Purves,D. Neurociencias Cap 01

Visão geralTalvez a principal razão para que a neurociência permaneça como um campoexcitante seja a riqueza de perguntas não-respondidas sobre a estrutura funda-mental e as funções do encéfalo humano. Para compreender este importante ór-gão (e o restante do sistema nervoso), a miríade de tipos celulares que consti-tuem o sistema nervoso deve ser identificada, suas interconexões traçadas e opapel fisiológico dos circuitos resultantes definido. A esses diferentes desafiostemos que adicionar o vocabulário anatômico especializado que surgiu paradescrever a estrutura do sistema nervoso, assim como um conjunto de termosfisiológicos especializados para descrever suas funções. À luz dessas dificulda-des conceituais e semânticas, o conhecimento do encéfalo e do resto do sistemanervoso é enormemente facilitado se dominarmos um quadro geral da organi-zação do sistema nervoso e revisarmos os termos básicos e convenções anatômi-cas usadas na discussão de sua estrutura e de sua função.

Os componentes celulares do sistema nervosoO fato de as células serem os elementos básicos dos organismos vivos foi reco-nhecido no início do século XIX. No entanto, foi apenas mais recentemente –durante o século XX – que os neurocientistas chegaram a um acordo sobre se otecido nervoso, como os demais órgãos, era também constituído por essas uni-dades elementares. No início do século passado, a primeira geração de neuro-biólogos “modernos” teve dificuldades para conhecer a natureza unitária dascélulas nervosas com os microscópios e as técnicas de tinção disponíveis. As for-mas individuais extraordinárias das células nervosas e a grande extensão de al-guns de seus processos eram evidentes, porém sua complexidade tendia a ofus-car as semelhanças com as células geometricamente mais simples de outros te-cidos (Figura 1.1). Assim, alguns biólogos pensavam que cada célula nervosaestava conectada a suas vizinhas por uniões protoplasmáticas, formando umamalha contínua de neurônios, o “retículo”. Esta “teoria reticular” da comunica-ção neural, defendida pelo neuropatologista italiano Camillo Golgi (o aparelhode Golgi leva seu nome), acabou caindo em desgraça basicamente em funçãodos resultados obtidos por um neuroanatomista espanhol, Santiago Ramón yCajal. As opiniões contrárias de Golgi e Cajal alimentaram um dos primeirosdebates acalorados das modernas neurociências. Baseado em exames do siste-ma nervoso ao microscópio óptico impregnado com sais de prata, de acordocom o método pioneiro de Golgi, Cajal argumentava persuasivamente que osneurônios eram entidades discretas e que eles se comunicavam uns com os ou-tros através de contatos especializados que finalmente viriam a ser designadosde “sinapses”. O trabalho que marcou este debate foi reconhecido pela entregado Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1906 a ambos os pesquisadores,Golgi e Cajal. O prêmio conjunto traduzia o impasse da época sobre quem, afi-nal, estava certo, apesar da evidência esmagadora a favor da concepção de Ca-

A organização dosistema nervoso

Capítulo 1

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jal. Qualquer dúvida remanescente acabou resolvida, enfim, com o advento damicroscopia eletrônica, que estabeleceu sem margem de dúvidas que as célulasnervosas eram verdadeiras unidades funcionais independentes.

No século XIX, os estudos histológicos de Cajal, de Golgi e de toda umamultidão de sucessores levaram ao consenso de que as células do sistema ner-voso podem ser divididas em duas amplas categorias: células nervosas (ouneurônios) e uma variedade de células de apoio, ou de sustentação. As célulasnervosas são especializadas na sinalização elétrica sobre longas distâncias, ecompreender este processo representa uma das histórias de sucesso mais dra-máticas na moderna biologia (tema da Unidade I). As células de apoio, pelocontrário, não são capazes de sinalização elétrica, apesar de possuírem outrasimportantes propriedades elétricas. No sistema nervoso central (o encéfalo e amedula espinhal), estas células de apoio são formadas pelas células neuro-gliais. Ainda que as células do sistema nervoso humano sejam de muitos mo-dos similares às dos outros órgãos, elas são incomuns devido ao fato de seremmuito numerosas (estima-se que o encéfalo humano contenha 100 bilhões deneurônios e um número bem maior de células de apoio). O mais importanteacerca do sistema nervoso é que, comparado com qualquer outro sistema do or-ganismo, ele possui uma ampla variedade de diferentes tipos celulares – que se

Axônio

Corpocelular

Dendritos

Dendritos

(C) Célula ganglionar retinal

(F) Célula cerebelar de Purkinje

Axônio

Corpocelular

(A) Neurônios no núcleo mesencefálico do V nervo craniano

Axônios

*

*

Corposcelulares

(B) Célula retinal bipolar

DendritosDendritos

Corpocelular

Axônio

Corpocelular

AxônioAxônio

Corpocelular

Dendritos

(D) Célula amácrina retinal

(E) Célula piramidal cortical

* *

Figura 1.1 Exemplos (A-F) da ricavariedade morfológica das célulasnervosas encontradas no sistemanervoso humano. Os desenhos sãodas células nervosas atuais tingidaspela impregnação de sais de prata(a bem-conhecida técnica de Golgi,método usado nos clássicos estudosde Golgi e Cajal). Asteriscos indi-cam que o axônio viaja muito alémdo que o mostrado. (Note que algu-mas células, como a célula bipolarretinal, têm um axônio muito curto,e que outras, como a célula amácri-na, não têm axônio inteiro.) Os de-senhos não estão todos na mesmaescala.

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Neurociências 3

diferenciam pela morfologia, pela identidade molecular e pela diversidade fun-cional. Esta riqueza estrutural e diversidade funcional, além da interconexãodos neurônios mediante sinapses constituindo intrincados conjuntos ou circui-tos, é o alicerce sobre o qual estão construídos os processos sensoriais, a percep-ção e o comportamento.

Por muito tempo, durante o século XX, os neurocientistas basearam-se emum grupo de procedimentos desenvolvidos por Cajal e Golgi para descrever eclassificar a diversidade de tipos celulares do sistema nervoso. A partir do finaldos anos 1970, no entanto, novas e importantes tecnologias tornaram-se possí-veis em função dos avanços na biologia celular e da revolução na biologia mo-lecular, que proveram os pesquisadores com muitas ferramentas adicionais ca-pazes de discernir as complexas propriedades dos neurônios (Figura 1.2). Mé-todos comuns de tinção celular geralmente mostravam diferenças no tamanhoe na distribuição das células. Usando-se anticorpos ou sondas de mRNA foipossível apreciar aspectos distintivos de neurônios e de glia em várias regiõesdo sistema nervoso, bem como a diversidade de tipos celulares dentro dessasregiões. Novas técnicas de traçadores também permitiram o estudo das interco-nexões neuronais de forma muito mais completa. As substâncias traçadoras po-dem ser introduzidas tanto em tecidos vivos quanto em fixados e são transpor-tadas (in vivo) ao longo dos processos nervosos, mostrando-nos sua origem e amorfologia das células nervosas. Por fim, temos hoje meios para demonstrar aidentidade molecular e a morfologia das células nervosas de forma combinadacom registros de atividade fisiológica, permitindo-nos, assim, estudar as rela-ções estrutura-função.

Células nervosasApesar dos aspectos moleculares, morfológicos e funcionais específicos de qual-quer tipo de célula nervosa particular, a estrutura básica dos neurônios asseme-lha-se à de qualquer outro tipo celular. Assim, cada célula nervosa possui umcorpo celular que contém núcleo, retículo endoplasmático, ribossomas, aparelhode Golgi, mitocôndrias e outras organelas essenciais para o funcionamento celu-lar (Figura 1.3). Estes aspectos são mais bem identificados com a utilização dagrande magnificação e da resolução proporcionadas pelo microscópio eletrôni-co. A característica mais distintiva dos neurônios é sua especialização para a co-municação intercelular. Essa característica é evidente em sua morfologia, na es-pecialização de suas membranas para a sinalização elétrica e pelos intrincadosdetalhes estruturais e funcionais dos contatos sinápticos estabelecidos entre eles.

Uma característica morfológica particularmente notável da maioria dos neu-rônios é a elaborada arborização dos dendritos (também chamada de ramos oude processos dendríticos) que emergem do soma neuronal. O espectro das geo-metrias neuronais varia desde uma pequena minoria de células que não pos-suem dendritos até neurônios com arborizações dendríticas que rivalizam emcomplexidade com uma árvore madura de verdade (Figura 1.1). O número deaferências que um neurônio em particular recebe depende da complexidade desua árvore dendrítica: células nervosas que não possuem dendritos são inerva-das por uma ou poucas células nervosas, enquanto aquelas que possuem den-dritos mais elaborados são inervadas por um grande número de neurônios.

Os dendritos (junto com o soma neuronal) constituem o principal sítio paraos terminais sinápticos estabelecidos pelas terminações axonais de outras cé-lulas nervosas. O próprio contato sináptico é uma elaboração especial do apa-relho secretor encontrado na maioria das células epiteliais polarizadas. Fre-qüentemente, o terminal pré-sináptico fica imediatamente adjacente a uma es-pecialização pós-sináptica das células contatadas. Para a maioria das sinapsesnão há continuidade física entre os elementos pré e pós-sináptico. Os compo-nentes pré e pós-sináptico comunicam-se mediante a secreção de moléculas apartir do terminal pré-sináptico e acabam ligando-se aos receptores localizados

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na especialização pós-sináptica. Essas moléculas devem atravessar o espaçoextracelular compreendido entre os elementos pré e pós-sináptico; esse espaçoé chamado de fenda sináptica. O número de aferências sinápticas recebidaspor cada célula nervosa no sistema nervoso humano varia de 1 até 100 mil. Es-ta variabilidade de aferências traduz a proposta fundamental das células ner-vosas de integrar a informação a partir de outros neurônios. O número de afe-rências sobre qualquer célula é, portanto, um determinante especialmente im-portante da função neuronal.

(A) (B) (C) (D)

(E) (F) (G) (H)

(I) (J) (K) (L)

(M) (N) (O) (P)

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Neurociências 5

A informação das aferências que chegam nos dendritos neuronais é integra-da e “lida” na origem do axônio, a porção da célula nervosa especializada nacondução do sinal até o próximo sítio de interação sináptica (ver Figuras 1.1 e1.3). O axônio é o único processo do corpo neuronal que pode estender-se a al-gumas centenas de micrômetros ou até mesmo mais longe, dependendo do ti-po de neurônio e do tamanho do animal. Muitas células nervosas do encéfalohumano possuem axônios com não mais do que uns poucos milímetros decomprimento, e algumas nem mesmo possuem axônios (ver, por exemplo, acélula amácrina na Figura 1.1; de fato, amácrina significa “ausência de processoestendido”). Esses axônios curtos são um aspecto definidor em neurônios decircuitos locais, ou interneurônios, em todo o encéfalo. Muitos axônios, no en-tanto, estendem-se até alvos muito mais distantes. Por exemplo, os axônios quevão da medula espinhal humana ao pé possuem cerca de 1 metro de compri-mento. O mecanismo axonal que transporta sinais ao longo destas distâncias échamado de potencial de ação, uma onda de atividade elétrica auto-regenera-tiva que se propaga de um ponto de iniciação no soma neuronal (chamado decone de implantação) até o terminal axonal. No terminal axonal, outro conjun-to de contatos sinápticos é estabelecido com as células-alvo seguintes. As célu-las-alvo dos neurônios incluem outras células nervosas no encéfalo, na medu-la espinhal, nos gânglios vegetativos e nas células musculares e glandulares detodo o corpo.

O processo pelo qual a informação codificada pelos potenciais de ação étransportada dos contatos sinápticos à próxima célula na via é chamado detransmissão sináptica. Terminais pré-sinápticos (também chamados de termi-nações sinápticas, terminais axonais, telodendros ou botões terminais) e suas es-pecializações pós-sinápticas são geralmente sinapses químicas, o mais abun-dante tipo de sinapse no sistema nervoso (o outro tipo, chamado de sinapse elé-

Figura 1.2 Diversidade estrutural no sistema nervoso demonstrada com marcadorescelulares e moleculares. Primeira fila: Organização celular de diferentes regiões encefá-licas demonstrada com tingimento de Nissl, que marca corpos celulares nervosos e gli-ais. (A) O córtex cerebral no limite entre as áreas visuais primária e secundária. (B) Osbulbos olfatórios. (C) Diferenças na densidade celular em camadas corticais cerebrais.(D) Neurônios e glias individuais tingidos por Nissl em maior magnificação. Segundafila: Técnicas clássicas e modernas para visualizar neurônios individuais e seus proces-sos. (E) Células piramidais corticais marcadas por Golgi. (F) Células cerebelares dePurkinje marcadas por Golgi. (G) Interneurônio cortical marcado por injeção intracelu-lar de um corante fluorescente. (H) Neurônios retinais marcados por injeção intracelu-lar de um corante fluorescente. Terceira fila: Técnicas celulares e moleculares para vi-sualizar conexões e sistemas neurais. (I) No topo, um anticorpo que detecta proteínassinápticas no bulbo olfatório; embaixo, um marcador fluorescente mostra a localizaçãodos corpos celulares. (J) Zonas sinápticas e a localização dos corpos das células de Pur-kinje no córtex cerebelar marcado com anticorpos específicos para determinadas si-napses (verde) e um marcador de corpo celular (azul). (K) A projeção de um olho aonúcleo geniculado lateral no tálamo, traçada com aminoácidos radioativos (a marca-ção luminosa mostra os terminais axonais do olho em camadas distintas do núcleo).(L) O mapa da superfície do corpo de um rato no córtex somatossensorial, mostradocom um marcador que distingue zonas de maior densidade sináptica e atividade me-tabólica. Quarta fila: Neurônios periféricos e suas projeções. (M) Um neurônio vegetati-vo marcado por injeção intracelular de um marcador enzimático. (N) Axônios motores(verde) e sinapses neuromusculares (laranja) em camundongos transgênicos genetica-mente modificados para expressar proteínas fluorescentes. (O) As projeções dos gân-glios da raiz dorsal à medula espinhal, demonstradas por um traçador enzimático. (P)Axônios dos neurônios receptores olfatórios do nariz marcados no bulbo olfatório comum corante fluorescente vital. (G é cortesia de L. C. Katz; H é cortesia de C. J. Shatz; Ne O são cortesias de W. Snider e J. Lichtman; todos os demais são cortesias de A. -S. La-Mantia e D. Purves.)

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trica, é descrito no Capítulo 5). As organelas secretórias no terminal pré-sináp-tico das sinapses químicas são chamadas de vesículas sinápticas e estão preen-chidas com moléculas de neurotransmissores. A liberação de neurotransmisso-res das vesículas sinápticas modifica as propriedades elétricas da célula-alvomediante a ligação das moléculas aos receptores dos neurotransmissores, loca-lizados basicamente na especialização pós-sináptica. Os neurotransmissores, osreceptores e as moléculas de transdução envolvidas são a maquinaria que per-mite que as células nervosas se comuniquem umas com as outras e tambémcom células efetoras nos músculos e nas glândulas.

Células neurogliaisAs células neurogliais – usualmente referidas simplesmente como células gli-ais ou glia – são muito diferentes das células neuronais. A principal diferença éque a glia não participa diretamente nas interações sinápticas e da sinalização

MitocôndriaRetículoendoplas-mático

Axônios

Ribossomas

Complexode Golgi

Núcleo

DendritoSoma

(A) (B) Axônio (C) Terminais sinápticos (botões terminais)

(D) Axônios mielinizados

(G) Axônio mielinizado e Nodo de Ranvier(F) Corpo celular neuronal (soma)(E) Dendritos

F

E

B

DG

C

Figura 1.3 (A) Diagrama de célulasnervosas e seus compartimentos. (B) Seg-mento inicial do axônio (azul) entrandona bainha de mielina (dourado). (C) Bo-tões terminais (azul) carregados com ve-sículas sinápticas (cabeças de setas) for-mando sinapses (setas) com um dendrito(púrpura). (D) Secção transversal de axô-nios (azul) embainhados pelos processosdos oligodendrócitos (dourado). (E) Den-dritos apicais (púrpura) de células pira-midais corticais. (F) Corpos de célulasnervosas (púrpura) ocupados por gran-des núcleos redondos. (G) Porção de umaxônio mielinizado (azul) ilustrando osintervalos entre segmentos adjacentes demielina (dourado) referidos como nodosde Ranvier (setas). (Micrografias de Pe-ters et al., 1991.)

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Neurociências 7

elétrica, embora suas funções de apoio ajudem a definir os contatos sinápticos ea manutenção da capacidade de sinalização dos neurônios. As células gliais sãomais numerosas do que as nervosas no encéfalo, talvez em uma proporção decerca de 3:1. Embora as células gliais também possuam processos complexosque se estendem a partir de seus corpos celulares, elas geralmente são menoresdo que os neurônios e não possuem axônios e dendritos (Figura 1.4). O termoglia (palavra grega que significa “cola”) reflete a suposição dominante do sécu-lo XIX de que tais células mantinham, de alguma forma, o sistema nervoso uni-do como um todo. A palavra tem sobrevivido, apesar da falta de qualquer evi-dência de que manter os neurônios unidos esteja entre as muitas funções das cé-lulas gliais. Os papéis da glia que são bem-estabelecidos incluem manter o meioiônico das células nervosas, modular a taxa de propagação dos sinais nervosos,modular a ação sináptica controlando a captação de neurotransmissores, proverum arcabouço de apoio a certos aspectos do desenvolvimento neural e ajudar(ou prevenir, em algumas instâncias) na recuperação das lesões nervosas.

Há três tipos de células gliais no sistema nervoso central maduro: astrócitos,oligodendrócitos e células microgliais (Figura 1.4, A-C). Os astrócitos, que serestringem ao encéfalo e à medula espinhal, possuem elaborados processos lo-cais que lhes conferem um aspecto de estrelas (por isso, o prefixo “astro”). Aprincipal função dos astrócitos é manter, de diferentes formas, um meio quími-co apropriado para a sinalização neuronal. Os oligodendrócitos, que se encon-tram somente no sistema nervoso central, originam uma estrutura laminada, ri-ca em lipídios, chamada de mielina, que envolve boa parte dos axônios, aindaque não todos. A mielina tem importantes efeitos sobre a velocidade de condu-ção do potencial de ação (ver Capítulo 3). No sistema nervoso periférico, as cé-lulas formadoras de mielina são chamadas de células de Schwann. Já as célu-las microgliais, como diz o nome, são células pequenas derivadas de células-tronco hematopoiéticas (ainda que algumas possam derivar-se diretamente decélulas-tronco neurais). Elas compartilham muitas propriedades com macrófa-

(B) Oligodendrócito(A) Astrócito

Corpocelular Processos

gliais

(D) (E) (F) (G)

(C) Célula microglial

Figura 1.4 Células neurogliais. Esque-mas de um astrócito (A), de um oligoden-drócito (B) e de uma célula microglial (C)visualizados por impregnação com saisde prata. As imagens estão aproximada-mente na mesma escala. (D) Astrócitos noencéfalo marcados com um anticorpocontra uma proteína específica de astróci-to (proteína glial fibrilar ácida). (E) Micro-grafia eletrônica de uma célula oligoden-droglial individual observada em umacultura de tecido. (F) Um axônio periféri-co embainhado pelos processos das célu-las de Schwann (em verde), exceto poruma região distinta chamada de nodo deRanvier (marcada em vermelho). (G)Uma célula microglial da medula espi-nhal, marcada com um anticorpo especí-fico para o tipo celular. (De A a C confor-me Jones e Cowan, 1983; D é cortesia deA. -S. LaMantia; E e F são cortesias de B.Popko; G é cortesia de A. Light.)

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gos tissulares e são basicamente células “recicladoras” (scavengers), que remo-vem os restos celulares de locais lesionados ou do metabolismo celular normal(turnover). Alguns neurobiólogos, inclusive, preferem classificar a microglia co-mo um tipo de macrófago. Após uma lesão encefálica, aumenta dramaticamen-te o número de microglias no local. Algumas dessas células proliferam a partirda microglia residente no encéfalo, enquanto outras provêm de macrófagos quemigraram da área lesionada a partir da circulação.

Circuitos neuraisOs neurônios nunca funcionam isoladamente. Eles se organizam em conjuntos,ou circuitos, que processam classes específicas de informação. Embora o arranjodos circuitos neurais possa variar bastante de acordo com a função a desempe-nhar, alguns aspectos são características comuns de todas as combinações. As co-nexões sinápticas que definem um circuito são feitas tipicamente na forma de umdenso emaranhado de dendritos, de terminais axonais e de processos gliais que,em conjunto, constituem o neurópilo (o sufixo pilo vem da palavra grega pilos esignifica “feltro”; ver a Figura 1.3). Assim, o neurópilo, entre os somas neuronais,é a região na qual ocorre o maior número de sinapses. A direção do fluxo de infor-mação em qualquer circuito particular é essencial para que sua função se estenda.As células nervosas que transportam informação até o sistema nervoso central(ou, mais centralmente, dentro da medula espinhal e do encéfalo) são chamadasde neurônios aferentes; as células nervosas que levam informação para fora, des-de o encéfalo ou medula espinhal (ou para fora desde os circuitos em questão),são chamadas de neurônios eferentes. As células nervosas que somente atuamem regiões locais de um circuito são chamadas de interneurônios ou neurônios

Axôniosensorial(aferente)

InterneurônioAxôniomotor (eferente)

Receptormuscularsensorial

Músculoflexor

Músculoextensor

2C

2B

2A1

3A

3B

4

A batida do marteloestira o tendão, que,por sua vez, estirareceptores sensoriaisno músculo extensorda perna

A pernase estende

(C) A sinapse no interneurônio inibe o neurônio motor para músculos flexores

(B) O neurônio sensorial também excita o interneurônio espinhal

(A) O neurônio sensorial estabelece sinapse com e excita o neurônio motor na medula espinhal

(B) O músculo flexor relaxa porque a atividade de seu neurônio motor foi inibida

(A) O neurônio motor conduz potencial de ação para sinapse sobre as fibras do músculo extensor promovendo a contração

1 2 3 4

Figura 1.5 Um circuito reflexo simples,o reflexo patelar (mais formalmente, o re-flexo miotático), ilustra muitos pontos so-bre a organização funcional dos circuitosneurais. A estimulação dos sensores peri-féricos (um receptor de estiramento mus-cular nesse caso) inicia potenciais do re-ceptor que dispara potenciais de ação querumam centralmente ao longo dos axô-nios aferentes dos neurônios sensoriais. Es-sa informação estimula neurônios moto-res espinhais por meio de contatos sináp-ticos. Os potenciais de ação disparadospelo potencial sináptico em neurôniosmotores rumam perifericamente em axô-nios eferentes, originando contração mus-cular e resposta comportamental. Umadas propostas desse reflexo particular é ode ajudar a manter uma postura verticalem face de alterações inesperadas.

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Neurociências 9

de circuitos locais. Estas três classes – neurônios aferentes, neurônios eferentes einterneurônios – são os constituintes básicos de todos os circuitos neurais.

Os circuitos neurais são entidades tanto anatômicas quanto funcionais. Umexemplo simples é o do circuito que promove o reflexo miotático espinhal (oureflexo patelar) (Figura 1.5). A aferência do membro do reflexo é um neurôniosensorial do gânglio da raiz dorsal na periferia. Esses aferentes terminam namedula espinhal. A eferência do membro envolve neurônios motores no cornoventral da medula espinhal que terminam em diferentes alvos periféricos: umgrupo eferente projeta-se aos músculos flexores do membro, e o outro, aos mús-culos extensores. O terceiro elemento desse circuito são os interneurônios nocorno ventral da medula espinhal. Os interneurônios recebem contatos sinápti-cos de neurônios sensoriais aferentes e estabelecem sinapses nos neurônios mo-tores eferentes que se projetam aos músculos flexores. As conexões sinápticasentre aferentes sensoriais e eferentes extensores são excitatórias, causando acontração dos músculos extensores; os interneurônios ativados pelas aferências,por outro lado, são inibitórios e sua ativação pelas aferências diminui a ativaçãoelétrica em neurônios motores causando uma menor atividade dos músculosflexores (Figura 1.6). O resultado é uma ativação e uma inativação complemen-tares dos músculos sinérgicos e antagonistas que controlam a posição da perna.

Uma ilustração mais detalhada dos eventos que transcorrem durante o refle-xo miotático ou em qualquer outro circuito pode ser obtida por registros eletrofi-siológicos (Figuras 1.6 e 1.7). Há duas formas de se mensurar a atividade elétrica:o registro extracelular, onde o eletrodo é colocado perto da célula nervosa de inte-resse para detectar sua atividade, e o registro intracelular, onde o eletrodo é colo-cado dentro da célula. Tais registros detectam dois tipos básicos de sinais. O regis-tro extracelular detecta basicamente potenciais de ação, as alterações tudo-ou-na-da no potencial das membranas de células nervosas que conduzem informaçãode um ponto a outro no sistema nervoso. Os registros intracelulares podem detec-tar as pequenas alterações de potenciais que servem para desencadear potenciaisde ação. Estes potenciais graduais de disparo podem originar-se tanto de recepto-res sensoriais quanto de sinapses, sendo chamados, respectivamente, de poten-ciais de receptor ou de potenciais sinápticos. Para o circuito miotático, a ativida-de do potencial de ação pode ser mensurada de cada elemento (aferências, eferên-cias e interneurônios) antes, durante e após um estímulo (ver Figura 1.6). A com-paração entre o início, a duração e a freqüência da atividade dos potenciais deação em cada célula permite-nos compreender a organização funcional do circui-to. Como resultado do estímulo, o neurônio sensorial é levado a disparar em fre-qüências mais altas (ou seja, mais potenciais de ação por unidade de tempo). Es-

Axôniosensorial(aferente)

InterneurônioAxôniosmotores(eferentes)

Neurônio motor(extensor)

Interneurônio

Neurônio sensorial

Batida domartelo

Perna seestende

Neurônio motor(flexor)

Figura 1.6 Freqüência relativa dos po-tenciais de ação em diferentes componen-tes do reflexo miotático quando a via re-flexa é ativada.

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te aumento dispara, por sua vez, uma maior freqüência de potenciais de ação tan-to nos neurônios motores extensores quanto nos interneurônios. Coincidente-mente, as sinapses inibitórias estabelecidas pelos interneurônios sobre neurôniosmotores flexores promovem um declínio na freqüência dos potenciais de açãonestas células. Empregando-se registros intracelulares (ver Capítulo 2), é possívelobservar diretamente as mudanças de potencial subjacentes às conexões sinápti-cas do circuito do reflexo miotático, como ilustrado na Figura 1.7.

Sistemas neuraisOs circuitos que servem a funções familiares são agrupados em sistemas neurais,responsáveis por funções comportamentais mais gerais. A mais ampla definiçãofuncional classifica os sistemas neurais em sistemas sensoriais, como a visão e aaudição, que adquirem e processam informações do ambiente, e em sistemas mo-tores, que levam o organismo a responder a tal informação produzindo movi-mentos. Há, entretanto, um grande número de células e de circuitos que ficam en-tre esses relativamente bem-definidos sistemas de aferências e eferências. Estessão conhecidos coletivamente como sistemas associativos e são responsáveis pe-las mais complexas e menos bem caracterizadas funções encefálicas.

Além dessas distinções funcionais gerais, os neurocientistas e neurologistasdividem convencionalmente a anatomia do sistema nervoso dos vertebradosem componentes centrais e periféricos (Figura 1.8). O sistema nervoso centralcompreende o encéfalo (cérebro, cerebelo e tronco encefálico) e a medula espi-

(C) Interneurônio

Interneurônio

Neurôniosensorial

(A) Neurônio sensorial

Neurônio motor(flexor)

(D) Neurônio motor (flexor)

Neurôniomotor(extensor)

(B) Neurônio motor (extensor)

Microeletrodo paramedir o potencialde membranaRegistro

Registro

Registro

Registro

Pote

ncia

l de

mem

bran

a (m

V)

Pote

ncia

l de

mem

bran

a (m

V)

Pote

ncia

l de

mem

bran

a (m

V)

Pote

ncia

l de

mem

bran

a (m

V)

Tempo (ms)

Sinapse excitatóriaativada

Sinapse excitatóriaativada

Sinapse excitatória ativada

Potencialde ação

Potencialde ação

Potencialsináptico

Potencialde ação

Potencialsináptico

Figura 1.7 Respostas registradas intra-celularmente subjacentes ao reflexo mio-tático. (A) Potencial de ação medido emum neurônio sensorial. (B) Disparo dopotencial pós-sináptico registrado emum neurônio motor extensor. (C) Disparodo potencial pós-sináptico registrado emum interneurônio. (D) Potencial pós-si-náptico inibitório em um neurônio motorflexor. Certos registros intracelulares sãoa base para se entender os mecanismoscelulares da geração do potencial de açãoe dos potenciais do receptor sensorial epotenciais sinápticos que disparam essessinais a conduzir.

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Neurociências 11

nhal. O sistema nervoso periférico inclui neurônios sensoriais, que conectamos receptores sensoriais da superfície corporal – bem como estruturas recepto-ras especializadas, como o ouvido – com circuitos de processamento no sistemanervoso central. A porção motora do sistema nervoso periférico consiste de doiscomponentes: os axônios motores, que conectam o encéfalo e a medula espinhalaos músculos esqueléticos formando a divisão motora somática do sistema ner-voso periférico, e a divisão motora visceral ou vegetativa (ou ainda neurovege-tativa), que consiste de células e de axônios que inervam os músculos lisos, omúsculo cardíaco e as glândulas.

No sistema nervoso periférico, as células nervosas estão localizadas emgânglios, que são simplesmente acúmulos locais de corpos de células nervo-sas (e células de apoio). Os axônios periféricos estão agrupados em nervos,que são feixes de axônios, muitos dos quais estão envolvidos pelas células gli-ais do sistema nervoso periférico, as células de Schwann. No sistema nervosocentral, as células nervosas estão arranjadas de duas formas diferentes. Os nú-cleos são acumulações compactas de neurônios que apresentam conexões efunções mais ou menos semelhantes; essas coleções concentradas de célulasnervosas são encontradas por todo o encéfalo e medula espinhal. Ao contrá-rio, o córtex (córtices, no plural) apresenta uma distribuição em forma de lâ-minas ou camadas de células nervosas. Os córtices dos hemisférios cerebraise do cerebelo são os exemplos mais evidentes deste tipo de organização. Osaxônios do sistema nervoso central estão agrupados em tractos. Dentro de umtracto, as células gliais do sistema nervoso central – astrócitos e oligodendró-citos – envolvem os axônios centrais. Finalmente, dois termos histológicosamplamente aplicados ao sistema nervoso central distinguem regiões ricas em

COMPONENTESSENSORIAIS

Cérebro, cerebelo, tronco encefálico eMedula espinhal (análise e integração da

informação sensorial e motora)

(B)

COMPONENTESMOTORES

AMBIENTEINTERNO

E EXTERNO

Gânglios sensoriaise nervos (divisões simpática,

parassimpática eentérica)

SISTEMAMOTOR

VISCERAL

SISTEMAMOTOR

SOMÁTICO

Receptoressensoriais

(na superfície edentro do corpo)

Gângliosvegetativos

e nervos

Nervos motores

Músculos lisos,músculos cardíacos

e glândulas

Músculosesqueléticos(estriados)

EFETORES

Sistema nervoso

centralSistem

a nervosoperiférico

Cerebelo

Cérebro

Medulaespinhal

Troncoencefálico

(A)

Figura 1.8 Os principais componentesdo sistema nervoso e suas relações fun-cionais. (A) Reconstrução 3-D digital docorpo humano ilustrando a posição doencéfalo, do tronco encefálico e da medu-la espinhal em um homem intacto. (B)Diagrama dos componentes principaisdos sistemas nervosos central e periféricoe suas relações funcionais. Os estímulosdo ambiente convergem informação paracircuitos de processamento no encéfalo ena medula espinhal, que, por sua vez, in-terpretam seu significado e enviam sinaispara efetores periféricos que movimen-tam o corpo e ajustam o trabalho de seusórgãos internos. (A, modificada a partirde NPAC Visible Human Viewer, Nor-theast Parallel Architectures Center, Syra-cuse University.)

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12 D. Purves, G. J. Augustine . . .

corpos celulares neuronais de regiões ricas em axônios: a substância cinzentarefere-se a qualquer acumulação de corpos celulares e neurópilo no encéfaloou na medula espinhal (por exemplo, núcleos ou córtices), e a substânciabranca refere-se aos tractos axonais.

Na porção sensorial do sistema nervoso periférico, os gânglios sensoriais es-tão localizados adjacentes tanto à medula espinhal (onde são chamados de gân-glios da raiz dorsal; ver Figura 1.10) quanto ao tronco encefálico (onde são cha-mados de gânglios dos nervos cranianos; ver Quadro A). As células nervosasnos gânglios sensoriais enviam seus axônios à periferia terminando sobre recep-tores especializados que transduzem informação sobre uma ampla variedade deestímulos. Os processos centrais dessas células ganglionares sensoriais entramna medula espinhal ou no tronco encefálico. Na porção motora somática do sis-tema nervoso periférico, os axônios dos neurônios motores da medula espinhaloriginam os axônios motores periféricos que inervam os músculos estriados pa-ra controlar os movimentos esqueléticos e, conseqüentemente, todos os compor-tamentos voluntários. A organização da divisão vegetativa do sistema nervosoperiférico é um pouco mais complicada. Os neurônios motores viscerais pré-ganglionares do tronco encefálico e da medula espinhal estabelecem sinapsescom neurônios motores periféricos localizados nos gânglios vegetativos, e osneurônios motores destes inervam os músculos lisos, as glândulas e o músculocardíaco, controlando, portanto, todo o comportamento involuntário (visceral).Na divisão simpática do sistema motor vegetativo, os gânglios estão ao longoda porção anterior da coluna vertebral e enviam seus axônios a variados alvosperiféricos. Na divisão parassimpática, os gânglios se encontram dentro dos ór-gãos que inervam. Outro componente do sistema motor visceral, chamado desistema entérico, é formado por pequenos gânglios distribuídos ao longo da pa-rede do tubo digestivo.

Alguma terminologia anatômicaPara compreendermos a organização espacial desses sistemas, definiremos al-gum vocabulário adicional útil para descrevê-los. Os termos utilizados para alocalização específica no sistema nervoso central são os mesmos que aquelesempregados na descrição da anatomia macroscópica do resto do organismo (Fi-gura 1.9). Desse modo, anterior e posterior indicam adiante e atrás; rostral ecaudal referem-se a posições relativas à face e às costas; dorsal e ventral, acimae abaixo; e medial e lateral, posições relativas à linha média (plano mediano).No entanto, a comparação entre estas coordenadas no corpo e no encéfalo podeser confusa, pois enquanto para o corpo esses termos anatômicos se referem aoeixo maior, que é “reto”, no sistema nervoso central o eixo está ”dobrado”. Emseres humanos e em outros bípedes, é necessária uma inclinação compensatóriado eixo rostral/caudal para que os eixos do encéfalo possam ser comparadosapropriadamente com os eixos do corpo. Após tais ajustes, os outros eixos doencéfalo podem ser facilmente definidos.

O posicionamento apropriado desses eixos anatômicos determina os planos-padrão para os cortes ou secções histológicas ou tomográficas utilizadas para es-tudar a anatomia interna do encéfalo (Figura 1.9C). Os cortes horizontais são rea-lizados paralelamente ao eixo rostral/caudal do encéfalo. Os cortes efetuados noplano que divide os dois hemisférios são ditos medianos, se passam exatamentepela linha média (plano mediano), ou sagitais (ou, ainda, paramedianos), se fo-rem laterais e paralelos àquele. Os cortes no plano da face são chamados de fron-tais ou coronais. Termos diferentes são usualmente utilizados para se referir a cor-tes da medula espinhal. O plano de corte ortogonal ao eixo da medula é chamadode transversal, enquanto cortes paralelos ao eixo maior da medula são denomina-dos longitudinais. Em um corte transversal da medula espinhal humana, os eixosdorsal e ventral indicam exatamente as mesmas direções que os eixos anterior e

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Neurociências 13

posterior, respectivamente. Embora essa terminologia possa parecer tediosa, é es-sencial para o entendimento das subdivisões básicas do sistema nervoso

As subdivisões do sistema nervoso centralO sistema nervoso central (definido como o encéfalo e a medula espinhal), usual-mente, apresenta sete regiões básicas: a medula espinhal, o bulbo, a ponte, o ce-rebelo, o mesencéfalo, o diencéfalo e os hemisférios cerebrais (Figura 1.10; verFigura 1.8). O bulbo, a ponte e o mesencéfalo são chamados coletivamente detronco encefálico ou cérebro posterior (Quadro A); o diencéfalo e os hemisférioscerebrais são coletivamente chamados de prosencéfalo ou cérebro anterior. Notronco encefálico encontram-se os núcleos dos pares cranianos que recebem afe-rências dos gânglios sensoriais cranianos via seus respectivos nervos sensoriaiscranianos ou originam axônios que formam os nervos motores cranianos (Tabe-la 1.1). Ademais, o tronco encefálico é a passagem de vários tractos principais nosistema nervoso central. Esses tractos são tanto de retransmissão de informaçãosensorial da medula espinhal e do tronco encefálico ao mesencéfalo e ao prosen-céfalo quanto de retransmissão de comandos motores dessas estruturas aos mo-toneurônios do tronco encefálico e da medula espinhal.

(C)

Superior (acima)

Posterior(atrás, emdireção àscostas)

Inferior (abaixo)Caudal

Anterior(à frente,em direçãoà fronte)

Eixolongitudinaldo prosencéfalo

Eixo longitudinaldo tronco encefálicoe da medula espinhal

(A) (B)

Rostral

Caudal

Horizontal

Coronal Sagital

DorsalVentral

Dorsal

Ventral

DorsalVentral

Dorsal

Ventral

Figura 1.9 Uma flexão no eixo longitu-dinal do sistema nervoso, originadaquando os seres humanos adquiriram apostura ereta, levou a um ângulo deaproximadamente 120º entre o eixo maislongo do tronco encefálico e aquele doprosencéfalo (A). As conseqüências dessaflexão para a terminologia anatômica es-tão indicadas em (B). Os termos anterior,posterior, superior e inferior referem-se aoeixo longitudinal do corpo, que é ereto.Portanto, esses termos indicam a mesmadireção para ambos, o prosencéfalo e otronco encefálico. Em contraste, os ter-mos dorsal, ventral, rostral e caudal refe-rem-se ao eixo longitudinal do sistemanervoso central. A direção dorsal é rumoà parte posterior do tronco encefálico eda medula espinhal, mas rumo ao topoda cabeça para o prosencéfalo. A direçãooposta é ventral. A direção rostral é rumoao topo da cabeça para o tronco encefáli-co e para a medula espinhal, mas rumo àface para o prosencéfalo. A direção opos-ta é caudal. (C) Os principais planos desecção usados em cortes ou imagens doencéfalo.

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14 D. Purves, G. J. Augustine . . .

Substânciacinzenta

Substânciabranca

Raizventral

Gânglioda raizdorsal

Raizdorsal

Camadas dadura-máter

Cadeiasimpática

Gânglioda cadeiasimpática

Nervoespinhal

Vértebra

Medula espinhal

Expansãocervical

Expansãolombar

Caudaeqüina

C 1

2345678

T 1T 1

Nervoscervicais

Nervostorácicos

Nervoslombares

(A) (C)

Nervossacrais

Nervoscoccígeos

T 12

3

45

6

7

8

9

10

11

12

L 1

2

3

4

5 S 1

3 4 5

Coc 1

2

Bulbo

Ponte

Mesencéfalo

Diencéfalo

Cérebro

(B)

Cerebelo

Figura 1.10 As subdivisões e os com-ponentes do sistema nervoso central. (A)Uma vista lateral indicando os sete prin-cipais componentes do sistema nervosocentral. (Note que a posição dos agrupa-mentos ao lado esquerdo da figura refere-se às vértebras, e não aos segmentos espi-nhais.) (B) O sistema nervoso central navista ventral indicando a emergência dosnervos segmentares e as expansões cervi-cal e lombar. (C) Diagrama dos diversossegmentos da medula espinhal mostran-do a sua relação com o canal ósseo emque ela está.

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Neurociências 15

QUADRO AO tronco encefálico e sua importância na neuroanatomia clínica

Mesencéfalo

Ponte

Bulbo

Medulaespinhal

Pedúnculocerebral

Pedúnculocerebelar medial

Oliva inferior

Pirâmide bulbar

Medula espinhalNervohipoglosso (XII)

Nervovestibulococlear (VIII)

Nervofacial (VII)

Nervoabducente (VI)

Nervotrigêmeo (V)

Nervotroclear (IV)

Nervooculomotor (III)

Nervoóptico (II)

Corpo mamilar

Tracto óptico

Quiasma óptico

Nervoacessório (XI)

Nervovago (X)

Nervoglossofaríngeo (IX)

Ponte

Nervos cranianos

(A) À esquerda, uma vista ventral dotronco encefálico mostrando as loca-lizações dos nervos cranianos e comoeles entram ou saem do mesencéfalo,da ponte e do bulbo. Nervos exclusi-vamente sensoriais estão indicadosem amarelo, nervos motores em azule nervos mistos (sensoriais/motores)em verde. À direita, os territórios in-cluídos em cada uma das subdivi-sões do tronco encefálico (mesencéfa-lo, violeta; ponte, verde; e bulbo, ro-sa) estão indicados.

Entender a anatomia interna do tronco en-cefálico é geralmente considerado como es-sencial para a prática clínica da medicina.O tronco encefálico é o destino ou origemde todos os nervos cranianos que lidamcom as funções motoras e sensoriais da ca-beça e do pescoço (Figura A). Os núcleosdos nervos cranianos no tronco encefálicosão os alvos dos nervos sensoriais crania-nos ou a fonte dos nervos motores crania-nos (Figura B). Além disso, o tronco ence-fálico serve de passagem para todos ostractos sensoriais ascendentes da medulaespinhal: os tractos sensoriais para a cabe-ça e pescoço (o sistema trigeminal), os trac-tos motores descendentes do prosencéfaloe as vias locais que conectam os centros demovimento dos olhos. Todas essas estrutu-ras estão comprimidas em um volume rela-tivamente pequeno que possui um supri-mento vascular regionalmente restrito (ver

Figura 1.21). Portanto, acidentes vascularesno tronco encefálico – que são comuns – re-sultam em distintas, e muitas vezes devas-tadoras, combinações de déficits funcionais(ver Quadro D). Esses déficits podem serusados tanto para fins diagnósticos quantopara conhecer melhor a intricada anatomiado bulbo, da ponte e do mesencéfalo.

Os núcleos dos nervos cranianos querecebem aferências sensoriais (análogosaos cornos dorsais da medula espinhal) lo-calizam-se separadamente daqueles quedão origem às eferências motoras (que sãoanálogas aos cornos ventrais, ver Figura Be Figura 1.11). Os neurônios sensoriais pri-mários que inervam esses núcleos são en-contrados em gânglios associados aos ner-vos cranianos – relação análoga a dos gân-glios da raiz dorsal com a medula espinhal.Em geral, os núcleos sensoriais são encon-trados lateralmente no tronco encefálico,

enquanto os núcleos motores estão locali-zados mais medialmente (Figura C). Hátrês tipos de núcleos motores no tronco en-cefálico: os núcleos motores somáticos, quese projetam aos músculos estriados; os nú-cleos motores braquiais, que se projetamaos músculos derivados das estruturas em-brionárias denominados arcos braquiais(esses arcos dão origem aos músculos – eossos – da mandíbula e de outras estrutu-ras craniofaciais); e os núcleos motores vis-cerais, que se projetam aos gânglios perifé-ricos que inervam o músculo liso ou alvosglandulares, similares aos neurônios moto-res pré-ganglionares da medula espinhalque inervam os gânglios vegetativos. Fi-nalmente, os principais tractos ascendentese descendentes – conduzindo informaçãosensorial ou motora ao ou do encéfalo –são encontrados nas regiões lateral e basaldo tronco encefálico (ver Figura C).

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16 D. Purves, G. J. Augustine . . .

Colículosuperior

Colículoinferior

Pedúnculocerebelarsuperior

Pedúnculocerebelar medial

Pedúnculocerebelar inferiorQuarto ventrículo

(espaço acima da superfície)

Núcleo deEdinger-Westphal

Núcleooculomotor

Núcleo troclear

Núcleo abducente

Núcleo motorfacial

Núcleoprincipaldo trigêmeo

Núcleo espinhaldo trigêmio

Núcleo motordo trigêmeo

Núcleosvestibulares

Núcleos cocleares

Núcleos salivaresNúcleo dotracto solitário

Núcleohipoglosso

Núcleo motordorsal do vago

Núcleo acessório

Núcleo ambíguo

Mesencéfalo

Ponte

Bulbo

Medulaespinhal

Tálamo

Motor somático

Motor braquial

Motor visceral

Sensorial geral

Sensorial visceral

Sensorial especial

Chave de cores do esquema à esquerda:

A organização rostral/caudal dos nú-cleos dos nervos cranianos (todos eles bila-teralmente simétricos) reflete a distribuiçãorostro-caudal das estruturas da cabeça e dopescoço (ver Figuras A e B e Tabela 1.1).Quanto mais caudal o núcleo, mais caudal-mente estarão localizadas as estruturas-al-vo na periferia. Esse arranjo é demonstradodramaticamente pelos núcleos da colunadorsal no bulbo caudal (ver Figura C), quesão o destino das aferências somatossenso-riais da medula espinhal ascendente. Simi-larmente, os núcleos acessórios espinhaisno bulbo medial provêem inervação moto-ra para o pescoço e músculos dos ombros, eo núcleo motor do nervo vago provê iner-vação pré-ganglionar para muitos alvos en-téricos e viscerais. Na ponte, os núcleossensoriais e motores lidam basicamente

com a sensação somática da face (núcleostrigêmeos principais), com o movimento damandíbula e dos músculos da expressão fa-cial (núcleos motores facial e trigêmeo) ecom o movimento abducente ocular (nú-cleos abducentes). Mais rostralmente, naporção mesencefálica do tronco encefálico,estão núcleos relacionados basicamentecom os movimentos dos olhos (os núcleosoculomotores) e com a inervação parassim-pática pré-ganglionar da íris (núcleos deEdinger-Westphal). Embora essa lista nãoesteja completa, ela indica o ordenamentobásico da organização rostral/caudal dotronco encefálico.

Neurologistas procuram acessar com-binações de déficits dos nervos cranianospara inferir a localização de lesões do tron-co encefálico ou para identificar a origem

da disfunção encefálica na medula espi-nhal ou no encéfalo. As lesões mais co-muns do tronco encefálico refletem os ter-ritórios vasculares que suprem subgruposdos núcleos dos nervos cranianos, bem co-mo tractos ascendentes e descendentes (verFigura C). Por exemplo, uma obstrução daartéria cerebral inferior posterior, um ramoda artéria vertebral que supre a região late-ral dos bulbos medial e rostral, resulta emlesão de três núcleos dos nervos cranianose de muitos tractos (ver Figura C). Por essarazão, ocorrem déficits funcionais que re-fletem a perda do núcleo espinhal do trigê-meo, do núcleo vestibular e do núcleo am-bíguo (que contém neurônios motores quese projetam à laringe e à faringe) no mes-mo lado da lesão. Além disso, vias ascen-dentes da medula espinhal que retransmi-tem informação de dor e temperatura apartir da superfície corporal contralateralsão interrompidas, levando a uma perdacontralateral da função. Finalmente, o pe-

(B) À esquerda, uma vista “fantasma” da superfície dorsal do tronco encefálico mostrando a lo-calização dos núcleos dos nervos cranianos do tronco encefálico que são o alvo ou a origem dosnervos cranianos (ver Tabela 1.1 para a relação entre cada nervo craniano e os núcleos dos nervoscranianos). Com exceção dos núcleos dos nervos cranianos associados com o nervo trigêmeo, hácorrespondência proporcionalmente próxima entre a localização dos núcleos dos nervos crania-nos no mesencéfalo, na ponte e no bulbo e a localização dos nervos cranianos associados. À direi-ta, estão indicados os territórios das principais subdivisões do tronco encefálico, vistas da super-fície dorsal.

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Neurociências 17

Ponteinferior

Mesencéfalo

Pontemedial

Bulbomedial

Bulbocaudal

Bulbosuperior

Colículosuperior

Pedúnculo cerebelarsuperior

Pedúnculo cerebelarmedial

Pedúnculo cerebelarmedial

Pedúnculo cerebelarinferior

Quartoventrículo

Núcleo deEdinger-Westphal

Núcleo oculomotor

Núcleo abducente

Núcleo facialmotor

Núcleo principaldo trigêmeo

Núcleoespinhal dotrigêmeo

Núcleo espinhaldo trigêmeo

Núcleo espinhaldo trigêmeo

Núcleo espinhaldo trigêmeo

Núcleomotor dotrigêmeo

Núcleosvestibulares

Núcleosvestibulares

Núcleosvestibulares

Núcleos cocleares

Núcleos dotracto solidário

Núcleo dotracto solitário

Núcleo do tractosolitário

Núcleohipoglosso

Núcleohipoglosso

Núcleo motordorsal do vago

Núcleo motordorsal do vago

Núcleo ambíguo

Substâncianigra

Tractopiramidal

Lemniscomedial

Núcleo olivarinferior

Pirâmide bulbar

Núcleo grácil

Núcleocuneado

Lemnisco medial

(C) Secções transversais através do tronco en-cefálico e da medula espinhal mostrando a or-ganização interna ao longo do eixo ros-tral/caudal. A localização dos núcleos dosnervos cranianos, dos tractos ascendentes edescendentes é indicada em cada secção re-presentativa. A identidade dos núcleos (sen-soriais ou motores somáticos, sensoriais oumotores viscerais, sensoriais ou motores bra-quiais) é indicada usando a mesma chave decores da Figura B. Na secção através do bul-bo, a área sombreada indica o território vas-cular da artéria cerebral inferior posterior. Aobstrução vascular dessa artéria resulta nosdéficits funcionais correspondendo à combi-nação dos núcleos e dos tractos encontradosnessa região, descrita no texto deste Quadro.

dúnculo cerebelar inferior, que contémprojeções que retransmitem informação so-bre a posição corporal ao cerebelo para ocontrole da postura, é lesionado. Isso resul-ta em ataxia no lado da lesão. Estes défi-cits, mais do que qualquer similaridadefuncional óbvia, estão unificados por rela-ções anatômicas e por uma vascularizaçãocompartilhada e permitem a localizaçãoanatômica da lesão do tronco encefálico.

Tanto para clínicos como neurobiólo-gos, pensar sobre o tronco encefálico re-quer a integração deste tipo de informaçãoanatômica com o conhecimento sobre a or-ganização funcional e a patologia.

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18 D. Purves, G. J. Augustine . . .

Anatomia externa da medula espinhalA medula espinhal estende-se caudalmente desde o tronco encefálico, percor-rendo desde a junção bulbo-espinhal, ao nível da primeira vértebra cervical,até aproximadamente o nível da décima segunda vértebra torácica (ver Figu-ra 1.10). A coluna vertebral (e a medula espinhal dentro dela) é dividida nasregiões cervical, torácica, lombar, sacral e coccígea. Os nervos periféricos(chamados de nervos segmentares ou espinhais), que inervam a maioria docorpo, originam-se de 31 pares segmentares da medula espinhal. A região cer-vical da medula origina os 8 nervos cervicais (C1-C8); a torácica, os 12 nervostorácicos (T1-T12); a lombar, os 5 nervos lombares (L1-L5); a sacral, os 5 ner-vos sacros (S1-S5); e a coccígea, 1 nervo coccígeo. Os nervos espinhais seg-mentares deixam a coluna vertebral através dos forames intervertebrais quese localizam adjacentes a seus corpos vertebrais correspondentes. A informa-ção sensorial é transportada pelos axônios aferentes dos nervos espinhais queentram na medula via raízes dorsais, e os comandos motores levados atravésde seus axônios eferentes deixam a medula via raízes ventrais (ver Figura1.10C). Já que as raízes dorsais e ventrais se unem, os axônios sensoriais e mo-tores (com algumas exceções) cursam juntos ao longo dos nervos espinhaissegmentares.

Duas regiões da medula espinhal estão ampliadas para acomodar o grandenúmero de células nervosas e conexões necessárias para processar informaçãorelacionada aos membros superiores e inferiores (ver Figura 1.10B). A expansão

TABELA 1.1 Os nervos cranianos e suas funções primárias

Nervo craniano Nome Sensorial e/ou motor Principal função

I Nervo olfatório Sensorial Sentido do olfatoII Nervo óptico Sensorial VisãoIII Nervo oculomotor Motor Movimentos dos olhos; constrição pupilar e

acomodação; músculos das pálpebras

IV Nervo troclear Motor Movimentos dos olhosV Nervo trigêmeo Sensorial e motor Sensação somática da face, da boca, da córnea;

músculos de mastigaçãoVI Nervo abducente Motor Movimentos dos olhosVII Nervo facial Sensorial e motor Controla os músculos da expressão facial;

paladar da língua anterior; glândulas lacrimais e salivares

VIII Nervo auditivo/ Sensorial Audição; equilíbriovestibular

IX Nervo glossofaríngeo Sensorial e motor Sensação da faringe; gustação da língua posterior; barorreceptores carotídeos

X Nervo vago Sensorial e motor Funções vegetativas do intestino; sensação dafaringe; músculos das cordas vocais; engolir

XI Nervo acessório Motor Músculos dos ombros e pescoço

XII Nervo hipoglosso Motor Movimentos da língua

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Neurociências 19

da medula espinhal que corresponde aos braços é chamada de expansão cervi-cal e inclui os segmentos espinhais C5-T1; a expansão que corresponde às per-nas é chamada de expansão lombar e inclui os segmentos espinhais L2-S3. Umavez que a medula espinhal é consideravelmente mais curta do que a coluna ver-tebral (ver Figura 1.10A), os nervos lombares e sacrais transcorrem por algumadistância no canal vertebral antes de emergirem, formando, assim, uma coleçãode raízes nervosas conhecidas como cauda eqüina. Esta região é alvo de um im-portante procedimento cirúrgico, a “punção lombar”, que permite coletar líqui-do cefalorraquidiano colocando-se uma agulha no espaço que envolve essesnervos para retirar fluido para análise. Além disso, anestésicos locais podem serali aplicados com segurança, pois, nesse nível, o risco de lesão medular é míni-mo se uma agulha for malcolocada.

Anatomia interna da medula espinhalA distribuição das substâncias cinzenta e branca é relativamente simples: o in-terior da medula é formado por substância cinzenta, que é envolvida pela subs-tância branca (Figura 1.11A). Em cortes transversais, a substância cinzenta é di-vidida convencionalmente em “cornos” dorsal (ou posterior), lateral e ventral(ou anterior). Os neurônios dos cornos dorsais recebem informação sensorialque entra na medula espinhal via raízes dorsais dos nervos espinhais. Os cornoslaterais são encontrados basicamente na região torácica e contêm os neurôniosmotores viscerais pré-ganglionares que se projetam aos gânglios simpáticos

Localização das células cujos axônios formam o nervo Teste clínico da função

Epitélio nasal Teste de sentido do olfato com um odor-padrãoRetina Medida da acuidade e integridade do campo visualNúcleo oculomotor no mesencéfalo; núcleo de Teste de movimentos dos olhos (o paciente não pode olhar

Edinger-Westphal no mesencéfalo para cima, para baixo e medialmente se o nervo está envolvido); procurar por ptose, dilatação pupilar

Núcleo troclear no mesencéfalo Não pode olhar para baixo quando o olho está abduzindoNúcleo motor do trigêmeo na ponte; gânglio Teste de sensação na face; apalpar músculos masseter

sensorial do trigêmeo (gânglio gasseriano) e temporal Núcleo abducente no mesencéfalo Não pode olhar lateralmenteNúcleo motor facial; núcleos salivares superiores na Teste de expressão facial mais a gustação na língua anterior

ponte; gânglio trigêmeo (Gasser)

Gânglio espinhal; gânglio vestibular (de Scarpa) Teste de audição com diapasão; de função vestibular com teste de calor

Núcleo ambíguo; salivar inferior Teste de engolir; reflexo de vomitar da faringe

Núcleo motor dorsal do vago; gânglio nervoso vagal Teste citado acima mais o de rouquidão

Núcleo acessório espinhal; núcleo ambíguo; coluna Teste dos músculos esternocleidomastóide e trapéziointermediolateral da medula espinhal

Núcleo hipoglosso do bulbo Teste de desvio da língua durante protusão (aponta o lado da lesão)

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(ver Figura 1.10C). Os cornos ventrais contêm os corpos celulares dos neurô-nios motores que enviam axônios através das raízes ventrais dos nervos espi-nhais que terminam nos músculos estriados esqueléticos. A substância brancada medula espinhal é subdividida em colunas dorsal (ou posterior), lateral eventral (ou anterior), cada uma contendo tractos axonais envolvidos em fun-ções específicas. As colunas dorsais levam informação sensorial ascendente ori-ginada nos mecanorreceptores somáticos (Figura 1.11B). As colunas lateraispossuem axônios que vêm do córtex cerebral para contatar neurônios motoresespinhais. Essas vias também são chamadas de tractos corticoespinais. As co-lunas ventrais (e ventrolateral, ou ântero-laterais) transportam informação as-cendente acerca de dor e temperatura e informação motora descendente. Algu-mas regras da organização da medula espinhal são: (1) que os neurônios e osaxônios que processam e retransmitem informação sensorial localizam-se dor-salmente; (2) que os neurônios motores viscerais pré-ganglionares encontram-se na região intermediária/lateral; e (3) que os neurônios e axônios motores so-máticos localizam-se na porção ventral da medula.

A anatomia externa do encéfalo: alguns pontos geraisTrês estruturas principais são visíveis na maioria das vistas do encéfalo huma-no: os hemisférios cerebrais, o cerebelo e a porção caudal ou bulbar do troncoencefálico (ver Figura 1.12). Adicionalmente ao grande tamanho dos hemisfé-rios cerebrais (cerca de 85% do peso do encéfalo), sua superfície é altamentepregueada. As elevações dessas pregas são conhecidas como giros ou circun-voluções, e as depressões entre elas são chamadas de sulcos ou, se mais pro-fundas, fissuras. A superfície pregueada dos hemisférios cerebrais compreen-de uma folha de camadas contínuas ou lamelares de neurônios e de células deapoio com cerca de 2mm de espessura chamada de córtex cerebral. Neuroa-natomistas e biólogos evolucionistas têm discutido muito sobre o significadodas circunvoluções cerebrais ao longo do último século, ainda, porém, sem

(A) (B)

Cervical

Substânciacinzenta

Substânciabranca

Torácica

Lombar

Sacral

Raizdorsal

Colunalateral

Nervosegmentar

Cornodorsal

Raizventral

Cornoventral

Colunadorsal

Axônios ascendentesao bulbo nascolunas dorsais

Inter-neurônio

Do receptorsensorial

Neurônio sensorialno gânglio da raizdorsal

Para osmúsculos

Colunaventral

Neurônio motorno corno ventral

Coluna ventrolateral(ou ântero-lateral)

Figura 1.11 Estrutura interna da me-dula espinhal. (A) Secções transversais damedula em três níveis diferentes, mos-trando o arranjo característico das subs-tâncias cinzenta e branca nas regiões cer-vical, torácica e lombar da medula. (B)Diagrama da estrutura interna da medulaespinhal.

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Neurociências 21

uma clara resolução. Todos concordam, no entanto, que as circunvoluções doshemisférios cerebrais permitiram que a área da superfície cortical aumentasseenormemente (cerca de 1,6m2, em média), mantida, porém, dentro dos confinsda mesma caixa craniana. Características específicas do encéfalo são mais bemapreciadas em uma das muitas vistas diferentes, como passamos a descrevera seguir.

A superfície lateral do encéfaloUma vista lateral do encéfalo humano é a melhor perspectiva para apreciarmosos lobos dos hemisférios cerebrais (Figura 1.12A). Cada hemisfério é divididoconvencionalmente em quatro lobos, denominados de acordo com o osso docrânio que os reveste: os lobos frontal, parietal, temporal e occipital. O lobofrontal é o mais anterior e é separado do lobo parietal pelo sulco central (Figu-ra 1.12B). Um aspecto particularmente importante do lobo frontal é o giro pré-central. (O prefixo pré, quando utilizado anatomicamente, refere-se a uma es-

Giropré-central

(A) (B)

Giropós-central

Sulco central

Lobofrontal

Loboparietal

Lobooccipital

Lobo temporal

(C)

Sulcoparieto-occipital

Incisurapré-occipital

Fissura lateral(de Sylvius)

Hemisfériocerebral

Cerebelo

Troncoencefálico

Medulaespinhal

Ínsula

Figura 1.12 Vista lateral do encéfalo humano. (A) Os quatro lobos do en-céfalo. (B) Alguns dos principais sulcos e giros evidentes dessa perspectiva.(C) As margens da fissura lateral, ou de Sylvius, foram afastadas para expora ínsula.

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trutura que está na frente de, ou anterior a, outra.) O córtex do giro pré-centralé referido como o córtex motor e contém neurônios cujos axônios projetam-seaos neurônios motores do tronco encefálico e da medula espinhal que inervamos músculos esqueléticos (estriados). O lobo temporal estende-se até a porçãomais anterior do lobo frontal, porém, é menor do que ele, sendo os dois lobosseparados pela fissura lateral (ou de Sylvius). A porção superior do lobo tem-poral contém o córtex envolvido com a audição, e a inferior relaciona-se com oprocessamento superior da informação visual. Oculta, sob os lobos frontal etemporal, a ínsula pode ser observada somente se esses dois lobos estiverem se-parados ou se forem removidos (Figura 1.12C). O córtex da ínsula está ampla-mente envolvido com a função visceral e vegetativa, incluindo o paladar. O lo-bo parietal localiza-se na parte posterior do sulco central e na parte superior dafissura lateral. O giro pós-central, anterior ao lobo parietal, abriga o córtex queestá envolvido com a sensação somática (corporal); esta área é, portanto, referi-da como córtex sensorial somático ou somatossensorial. A junção entre o loboparietal e o lobo occipital, a porção mais posterior dos lobos do hemisfério, já éum pouco mais arbitrária (uma linha que vai do sulco parieto-occipital até a in-cisura pré-occipital). O lobo occipital, pouco aparente visto da superfície lateraldo encéfalo, está envolvido basicamente com a visão. Adicionalmente ao seupapel no processamento sensorial primário, cada lobo cortical possui funçõescognitivas características. Assim, o lobo frontal é decisivo no planejamento derespostas aos estímulos, o lobo parietal na atenção aos estímulos, o lobo tempo-ral no reconhecimento dos estímulos e o lobo occipital na visão.

As superfícies dorsal e ventral do encéfaloAinda que as subdivisões primárias dos hemisférios cerebrais possam ser ob-servadas de uma vista lateral, outros pontos-chave são mais bem vistos dassuperfícies dorsal e ventral. Quando observado da superfície dorsal (Figura1.13A), a simetria aproximadamente bilateral do hemisfério cerebral fica evi-dente. Embora haja alguma variação, marcas maiores, como os sulcos centraise os sulcos parieto-occipitais, são geralmente muito similares em sua disposi-ção nos dois lados. Se os hemisférios corticais forem levemente afastados, ou-tra estrutura principal, o corpo caloso, pode ser visto formando uma ponteentre ambos os hemisférios. Este tracto contém axônios que se originam deneurônios de ambos os hemisférios cerebrais que contatam células nervosasno hemisfério oposto.

As características externas do encéfalo mais bem vistas em sua face ventralsão mostradas na Figura 1.13B. Estendendo-se ao longo da superfície inferiordo lobo frontal, perto da linha média, estão os tractos olfativos, os quais seoriginam das expansões em seus terminais anteriores chamadas de bulbos ol-fatórios. Os bulbos olfatórios recebem aferências de neurônios localizados noepitélio que atapeta a cavidade nasal, cujos axônios formam o primeiro parcraniano (o primeiro nervo craniano é, portanto, chamado de nervo olfativo;ver Tabela 1.1). Na superfície ventromedial do lobo temporal, o giro para-hi-pocampal esconde o hipocampo, uma estrutura cortical altamente pregueadaque tem grande importância em processos como a memória. Um pouco maismedialmente ao giro para-hipocampal está o úncus, uma protrusão levemen-te cônica que inclui o córtex piriforme. O córtex piriforme é o alvo do tractoolfatório lateral e processa a informação olfativa. Na região mais central dasuperfície ventral do cérebro anterior (ou prosencéfalo) está o quiasma ópti-co, e imediatamente posterior, a superfície ventral do hipotálamo, incluindoa haste infundibular (a base da glândula hipofisária) e os corpos mamilares.Posteriores ao hipotálamo existem dois grandes tractos, orientados grosseira-mente de forma rostrocaudal, chamados de pedúnculos cerebrais. Esses trac-

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Neurociências 23

tos contêm axônios que se originaram nos hemisférios cerebrais e que se pro-jetam aos neurônios motores do tronco encefálico e das colunas lateral e ven-tral da medula espinhal. Finalmente, as superfícies ventrais da ponte, do bul-bo e dos hemisférios cerebelares podem ser observadas na superfície ventraldo encéfalo (ver também o Quadro A).

Superfície mediana (linha média) do encéfaloQuando o encéfalo é seccionado no plano mediano (linha média), todas as suasprincipais subdivisões, além de numerosas estruturas adicionais, são visíveis nasuperfície de corte (Figura 1.14). Nesta visão, os hemisférios cerebrais, pelo seugrande tamanho, ainda são as estruturas mais evidentes. O lobo frontal de cada

Quiasma óptico

Lobofrontal

Lobooccipital

Lobooccipital

Lobofrontal

Corpomamilar

Pirâmidesbulbares

Úncus

Olivarinferior

Cerebelo

Cerebelo

Bulbo olfatório

Tracto olfatório

Lobotemporal

Giropara-hipocampal

Ponte

Fissura longitudinal

Sulco central

Giro pré-central

Giropós-central

Hemisfériocerebralesquerdo

Hemisfério cerebraldireito

Pedúnculoscerebrais

Hasteinfundibular

(A) Vista dorsal (C)

(B) Vista ventral

Loboparietal

Corpocaloso

Figura 1.13 Vista dorsal (A) e vistaventral (B) do encéfalo humano, indican-do algumas das principais característicasvisíveis dessas perspectivas. (C) O córtexcerebral foi removido nessa vista dorsalpara revelar o corpo caloso subjacente.

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hemisfério estende-se para a frente do sulco central, sua extremidade medialsendo visível no alto da Figura 1.14 (A, B). O sulco parieto-occipital, que correda região superior à região inferior do hemisfério, separa o lobo parietal do oc-cipital. O sulco calcarino divide a superfície mediana do lobo occipital, percor-re o sulco parieto-occipital, fazendo quase um ângulo reto, marcando a localiza-ção do córtex visual primário. Um longo sulco grosseiramente horizontal, o sul-co cingulado, estende-se através da superfície mediana dos lobos frontal e pa-rietal. Abaixo dele, o giro proeminente chamado de giro do cíngulo, conjunta-mente com o córtex a ele adjacente, é, algumas vezes, chamado de “lobo límbi-co” (o uso do termo lobo nesse caso é empregado imprecisamente, pois essa re-gião não é considerada o quinto lobo do cérebro). O “lobo límbico” (límbico sig-

(A) (B)

(C)

Prosencéfalo

Cerebelo

Giro docíngulo

Sulcoparieto-occipital

Medula espinhal

Sulco do cíngulo

Diencéfalo

Corpo caloso

Comissuraanterior

Tronco encefálico

Mesencéfalo

Ponte

Bulbo

Sulcocalcarino

Comissura anterior

Hipotálamo

Quiasma óptico

Corpo mamilar

Glândula pineal

Fórnix

Cerebelo

Lobo temporal

Lobo frontalLobo parietal

Lobooccipital

Aqueduto cerebral

Tálamo dorsal Colículo superior

Quarto ventrículo

Sulco central

Colículo inferior

Figura 1.14 Vista mediana (da linhamédia) do encéfalo humano. (A) Princi-pais características aparentes após repar-tir o encéfalo nesse plano. (B) Os lobos doencéfalo vistos de sua superfície medial.(C) Uma visão aumentada do diencéfalo edo tronco encefálico nessa visão.

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Neurociências 25

nifica borda ou limite), que se envolve ao redor do corpo caloso, e as áreas sub-corticais conectadas a ele são referidos como sistema límbico. Essas estruturaslímbicas são importantes na regulação da atividade motora visceral e da expres-são emocional, entre outras funções. Finalmente, ventral ao giro do cíngulo, te-mos a superfície mediana do corpo caloso.

Embora partes do diencéfalo, do tronco encefálico e do cerebelo sejam visí-veis na superfície ventral do encéfalo, sua estrutura completa só fica clara vistada superfície mediana (ver Figura 1.14A). Dessa perspectiva, o diencéfalo podeser visto como tendo duas partes: o tálamo dorsal, o maior componente dodiencéfalo, que apresenta várias subdivisões, todas levando informações ao cór-tex cerebral de outras partes do encéfalo; e ohipotálamo, uma parte pequena,porém especialmente importante do diencéfalo, que está envolvida no controleda homeostasia e das funções reprodutivas. O hipotálamo está intimamente re-lacionado, estrutural e funcionalmente, com a hipófise, um órgão endócrinocrucial cuja parte posterior está presa ao hipotálamo por meio da haste hipofi-sária (ou infundíbulo; Figura 1.14C).

O mesencéfalo, somente visualizado nesta visão, localiza-se caudal ao tála-mo, com os colículos superior e inferior definindo sua superfície dorsal ou tec-to (significando “teto”); vários núcleos mesencefálicos, incluindo a substâncianigra, localizam-se na porção ventral ou tegmento (significando “revestimen-to”) do mesencéfalo. A outra característica anatômica proeminente do mesencé-falo – os pedúnculos cerebrais (também visíveis da superfície ventral) – nãoaparecem na vista mediana. A ponte aparece caudal ao mesencéfalo ao longo dasuperfície mediana, e o cerebelo está localizado sobre a ponte, sob o lobo occi-pital dos hemisférios cerebrais. As principais funções do cerebelo são a coorde-nação da atividade motora, a postura e o equilíbrio. Da superfície mediana, acaracterística mais visível do cerebelo é o córtex cerebelar, uma lâmina celularcom camadas contínuas e com pregas chamadas de folia. A estrutura mais cau-dal observada da superfície mediana do encéfalo é o bulbo, que se funde à me-dula espinhal.

Anatomia interna do encéfaloUma visão neuroanatômica mais detalhada é evidenciada em cortes ou fa-tias macroscópicas ou histológicas através do encéfalo. Nesses cortes, estru-turas profundas, que não são visíveis da superfície do encéfalo, podem seridentificadas. Ademais, podemos apreciar totalmente as relações entre as es-truturas encefálicas vistas desde a superfície. O principal desafio para enten-dermos a anatomia interna do encéfalo é integrar os limites rostral/caudal,dorsal/ventral e médio-lateral vistos na superfície encefálica com a posiçãode estruturas observadas em cortes encefálicos realizados nos planos hori-zontal, frontal (coronal) ou sagital. O desafio, além de ser importante paraentendermos a função encefálica, também é essencial para interpretarmosimagens não-invasivas do encéfalo (Quadros B e C), a maioria das quais sãovisualizadas como cortes.

A anatomia interna dos hemisférios cerebrais e do diencéfaloEm qualquer plano de corte através do prosencéfalo, o córtex cerebral é evi-denciado como uma fina camada de tecido nervoso que cobre totalmente o cé-rebro. A maior parte do córtex cerebral possui seis camadas e é chamada deneocórtex. Filogeneticamente, o córtex mais velho (chamado de paleocórtex),com poucas camadas de células, encontra-se nas regiões medial e inferior dolobo temporal, dentro do giro para-hipocampal. O córtex com um número

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Até o começo da década de 1970, a única téc-nica disponível de imageamento da estrutu-ra de um encéfalo vivo era o raio X. Os raiosX convencionais, entretanto, têm um con-traste pobre em tecidos moles, envolvem ex-posições relativamente altas à radiação eproduzem somente uma imagem bidimen-sional da estrutura ou da vascularização en-cefálica, tornando incerta a localização de le-sões. Como resultado desses inúmeros pro-blemas, houve forte motivação nos anos1960 e 70 para se procurar melhores formasde produzir imagens do encéfalo.

O principal avanço foi o desenvolvi-mento da tomografia computadorizada(TC). A TC usa um tubo de raio X móvelque é rotado ao redor da cabeça do pacien-te. Do lado oposto ao tubo (isto é, do outrolado da cabeça do paciente), estão detecto-res de raios X muito mais sensíveis do queum filme convencional, permitindo, dessemodo, tempos de exposição muito maiscurtos (e menos risco de danos por radia-ção). Mais do que adquirir uma única ima-gem, como no raio X convencional, umequipamento de TC coleta informação so-bre a intensidade do feixe cruzando muitasdireções através da cabeça de um paciente.Esses dados são introduzidos em uma ma-triz e calcula-se a radiodensidade de cadaponto no espaço tridimensional da cabeça.

Com um feixe de raios X suficientementeestreito, detectores sensíveis e técnicas deprocessamento de sinais digitais, pequenasdiferenças na radiodensidade podem serconvertidas em uma imagem. Uma vezque a informação estiver agrupada para ovolume total da cabeça, a matriz computa-da conterá informações sobre todo o encé-falo. Será, portanto, possível gerar “fatias”ou tomogramas (tomo significa “corte” ou“fatia”) de vários planos de todo o encéfa-lo, permitindo a visualização de estruturasinternas em qualquer nível desejado. A TCdistingue facilmente a substância cinzentada substância branca, diferencia muitobem os ventrículos e mostra muitas outrasestruturas encefálicas com resolução espa-cial de alguns milímetros.

Embora a tomografia computadoriza-da tenha iniciado uma nova era no imagea-mento encefálico, ela tem sido largamentesubstituída por outra técnica chamada deimageamento por ressonância magnética(IRM). A produção de uma imagem porressonância magnética nuclear é mais difí-cil de explicar do que a imagem gerada porraios X. A ressonância magnética (RM) de-riva da interação de um magneto e umcampo magnético. Considere, por exem-plo, o campo magnético da Terra e umabússola (magneto). Em repouso, a agulha

da bússola aponta o norte. Se a agulha forperturbada, porém, ela oscilará para trás epara frente a uma freqüência que é direta-mente proporcional à intensidade do cam-po magnético. A agulha continuará a osci-lar até que a fricção com o ar dissipe aenergia dada pela perturbação e a agulhapasse novamente a apontar apenas para onorte. Já que a freqüência de oscilação éproporcional à intensidade do campo mag-nético, a informação sobre a variação espa-cial do campo e a freqüência de oscilaçãoda agulha poderiam, em princípio, ser uti-lizadas para detectar a (e criar a imagemda) localização da agulha na superfície daTerra (se bem que grosseiramente). NoIRM, núcleos atômicos – principalmente odo hidrogênio – atuam como a agulha dabússola e um forte magneto faz o papel docampo magnético da Terra. Variações espa-ciais graduadas no campo magnético são,de fato, geradas por três grupos de gra-dientes magnéticos orientados ao longo deeixos ortogonais. Se todos os núcleos atô-micos estão alinhados pelo campo magné-tico e são “perturbados” com um brevepulso de radiofreqüência, eles emitirãoenergia em um padrão oscilatório (isto é,uma onda eletromagnética na freqüênciado rádio) quando retornarem ao alinha-mento original imposto pelo campo. Utili-

QUADRO BTécnicas de imageamento anatômico do encéfalo

(A)

Detectoresde raios X

Rotator dafonte de raios X

(B)

(A) Na tomografia computadorizada, a fonte e os detectores de raios X são movidos ao redor dacabeça do paciente. Essa técnica gera uma matriz de pontos de intersecção obtidos de muitas di-reções. O sinal em cada ponto pode, então, ser computado, permitindo a reconstrução de uma“fatia” através do encéfalo que preserva as relações tridimensionais. (B) Esse esquadrinhamentopor TC mostra uma secção horizontal de um encéfalo adulto normal.

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Neurociências 27

(C)

Bobinas magnéticasque produzem umcampo magnéticoestável no eixolongitudinal dopaciente

Uma bobina de radiofre-qüência especificamenteadaptada para a cabeçaou outra parte do corpo(não mostrada) perturbaos campos estáticos paragerar um IRM

Bobinas magnéticasque produzem umcampo estávelperpendicular aoeixo longitudinal

(D)

(C) Diagrama da máquina utilizada para obter imagens de usoclínico por RM. Bobinas magnéticas adicionais (não mostra-das) produzem gradientes de campo magnético que variam li-nearmente orientados ao longo dos três eixos ortogonais. (D)Uma imagem de RM obtida no plano mediano. Note a clarezaextraordinária com que todos os principais componentes doencéfalo podem ser vistos (compare com a Figura 1.10).

zando detectores especialmente sensíveisàs radiofreqüências emitidas pelos núcleosem oscilação, juntamente com técnicascomputadorizadas que convertem a inten-sidade do sinal e os parâmetros do gra-diente magnético em localizações espa-ciais, é possível construir imagens extraor-dinariamente detalhadas do encéfalo. A re-solução do IRM depende basicamente daintensidade do campo magnético; atual-mente, a maioria dos aparelhos clínicospossui intensidades de campo de 1,5 Teslaque permitem resolução inferior a 1mm.Magnetos de intensidade de campo maior(3-4 Tesla) estão agora também sendo usa-dos em humanos para aumentar a sensibi-lidade e permitir resolução de imagemcom frações de milímetro.

O IRM possui vários aspectos que fa-zem dele uma ferramenta de imageamentovaliosa tanto para o diagnóstico quanto pa-ra a pesquisa. Primeiro, é inteiramentenão-invasivo; os pacientes são apenas ex-postos a um forte campo magnético que éinofensivo (embora acidentes possamacontecer se objetos ferromagnéticos inse-guros forem deixados nas proximidades).Segundo, ao contrário das imagens por TC,as observações podem ser obtidas a partirde qualquer ângulo. Já que muitas estrutu-ras encefálicas são mais bem visualizadas

em planos particulares, a capacidade deproduzir “fatias” a partir de qualquer pon-to de vista é uma grande vantagem. Tercei-ro, variando o gradiente e os parâmetrosdo pulso de radiofreqüência, imagens porRM podem ser usadas para gerar imagensbaseadas em uma grande variedade de di-ferentes mecanismos de contraste. Porexemplo, imagens convencionais por RMpodem ser reconstruídas utilizando certaspropriedades dos núcleos de hidrogênioque variam conforme o tipo de tecido paradistinguir substância cinzenta, substânciabranca e fluido cefalorraquidiano. Por ajus-tar os parâmetros do pulso, entretanto, amesma RM pode gerar imagens em que assubstâncias cinzenta e branca são invisí-veis, mas a vascularização encefálica sedistingue em detalhes. Variantes dessa téc-nica podem também dar informações acer-ca do estado metabólico ou bioquímico deregiões encefálicas selecionadas. Além dis-so, a identificação das propriedades para-magnéticas da hemoglobina tem feito doIRM uma importante técnica no revolucio-nário campo do imageamento funcional ra-pidamente (ver Quadro C).

Segurança e versatilidade têm feito doIRM a técnica escolhida para se obter ima-gens da estrutura encefálica na maioria dasaplicações. Entretanto, ela não substituiu

completamente as imagens obtidas por TC,porque esta última é melhor para visuali-zação de estruturas ósseas ou calcificadasna cabeça e também é a única alternativapara pacientes que podem ter problemascom campos magnéticos intensos (quandopossuem placas de metal ou grampos fer-romagnéticos, por exemplo) ou claustrofo-bia em função do reduzido espaço no equi-pamento de IRM. Juntas, a TC e o IRM tor-naram possível ver a estrutura detalhadado encéfalo vivo e tornaram-se ferramen-tas inestimáveis, tanto para o diagnósticocomo para a pesquisa.

ReferênciasCORMACK, A. M. (1980) Early two-dimensionalreconstruction and recent topics stemmingfrom it. Science 209: 1482–1486.HOUNSFIELD, G. N. (1980) Computed medicalimaging. Science 210: 22–28.OLDENDORF, W. AND W. OLDENDORF JR. (1988)Basics of Magnetic Resonance Imaging. Boston:Kluwer Academic Publishers.SCHILD, H. (1990) MRI Made Easy (…Well, Al-most). Berlin: H. Heineman.STARK, D. D. AND W. G. BRADLEY (1988) MagneticResonance Imaging. St. Louis, MO: Mosby Year-book.

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A maioria das técnicas atuais de imagea-mento para monitorar a função encefálicabaseia-se na detecção de pequenas altera-ções no fluxo sangüíneo para visualizaráreas ativas. O encéfalo utiliza uma fraçãoextraordinariamente grande dos recursosenergéticos do corpo (aproximadamente20% da glicose circulante é consumida peloencéfalo). Não surpreendentemente, em al-gum momento as mais ativas células ner-vosas usam mais glicose e oxigênio do queneurônios relativamente quiescentes. Paraencontrar as demandas metabólicas deneurônios particularmente ativos, o fluxolocal de sangue para a área encefálica rele-vante aumenta. Detectar e mapear essas al-terações locais no fluxo sangüíneo cerebralformam a base para três técnicas de ima-geamento funcional encefálico: tomografiapor emissão de pósitrons (TEP), tomogra-fia computadorizada por emissão de umfóton único (TCEFU) e imageamento porressonância magnética funcional (IRMf).Uma vez que essas técnicas revelam pa-drões de atividade no encéfalo intacto, elastêm contribuído muito para aumentar nos-sos conhecimentos sobre a função encefáli-ca normal e sobre os estados encefálicosanormais associados com uma variedadede patologias.

Em um esquadrinhamento por TEP,isótopos instáveis capazes de emitir pósi-trons são sintetizados em um cíclotronbombardeando-se prótons sobre átomos denitrogênio, carbono, oxigênio ou flúor.Exemplos dos isótopos utilizados incluem15O (meia-vida, 2min), 18F (110min) e 11C(20min). Estes isótopos podem ser incorpo-rados como sondas em diferentes reagen-tes (incluindo água, glicose ou moléculasprecursoras de neurotransmissores especí-ficos) e utilizados para analisar aspectosespecíficos da função encefálica. Quandoos compostos radiomarcados são injetadosna corrente sangüínea, eles se distribuemde acordo com o estado fisiológico do en-céfalo. Portanto, oxigênio e glicose marca-dos acumulam-se em áreas metabolica-

mente mais ativas e os transmissores mar-cados são seletivamente absorvidos pelasregiões apropriadas. Como o isótopo instá-vel decai, o próton extra se desintegra emum nêutron e um pósitron. Os pósitronsemitidos viajam diversos milímetros, emmédia, até colidirem com um elétron, o quecausa a aniquilação, isto é, a destruição deambas as partículas com a conseqüenteemissão, a partir do ponto da colisão, dedois raios gama que saem em direções exa-tamente opostas (180o). Detectores de raiosgama colocados ao redor da cabeça estão,portanto, posicionados para registrar so-

mente emissões que atinjam simultanea-mente os dois detectores, arranjados a 180o

um do outro. Reconstruindo-se os sítiosdas colisões pósitron-elétron, a localizaçãodas regiões ativas permite a formação deuma imagem. O livre caminho médio dospósitrons no tecido encefálico limita a reso-lução do esquadrinhamento por TEP aaproximadamente 4mm. Entretanto, ima-gens por TEP podem ser superpostas aimagens de RM do mesmo sujeito (verQuadro B), provendo informação detalha-da sobre áreas encefálicas específicas en-volvidas em uma enorme gama de fun-

QUADRO CImageamento funcional do encéfalo: TEP*, TCEFU** e IRMf

Exemplo de formação de imagem por ressonância magnética funcional. Alterações re-gionais no fluxo sangüíneo cerebral foram medidas durante a estimulação visual; a áreado córtex visual ativada (colorida) foi então mapeada no encéfalo, sendo uma secçãodesta mostrada no nível apropriado da cabeça. (De Belliveau et al., 1991.)

* N. de R. T. Sigla em português; é o mesmo que PET (Positron Emission Tomography).

** N. de R. T. Sigla em português; é o mesmo que SPECT (Single Photon Emission Computerized Tomography).

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Neurociências 29

ainda menor de camadas (três), chamado de arquicórtex, localiza-se no hipo-campo e no córtex piriforme dentro do úncus. O córtex hipocampal é pre-gueado na região medial do lobo temporal, e, portanto, visível somente emencéfalos dissecados ou em cortes (Figuras 1.15 e 1.16). As maiores estruturasembebidas dentro dos hemisférios cerebrais são os núcleos caudado e putâ-men (que, juntos, são chamados de estriados), assim como o globo pálido (Fi-gura 1.16). Coletivamente estas várias estruturas são chamadas de gângliosda base ou núcleos da base (o termo gânglio não é utilizado para núcleos in-tra-encéfalo, constituindo, neste caso, uma exceção de uso freqüente). Os nú-

ções. A elegância e o poder dessa técnica fi-cam evidentes nas Figuras 24.6 e 25.6 naUnidade V deste livro.

O imageamento por TCEFU (ouSPECT) é um produto das técnicas maisantigas de medição do fluxo sangüíneo ce-rebral regional. Um composto radiomarca-do com uma meia-vida relativamente curtaé inalado (por exemplo, 133Xe) ou injetadona circulação (neste caso, iodoanfetaminamarcada com 123I); estas sondas se ligamàs hemáceas sendo transportadas por todoo corpo. Quando o composto marcado so-fre decaimento radioativo, emite fótons dealta energia. A taxa de liberação das sondasera inicialmente detectada usando-se umarede de detectores de iodeto de sódio posi-cionados ao redor da cabeça. Técnicas maisrecentes utilizam uma câmara gama quepode ser rapidamente movida ao redor dacabeça para coletar fótons de muitos ângu-los diferentes, permitindo, portanto, umaimagem tridimensional mais acurada. A in-formação obtida com a utilização da TCE-FU também pode ser combinada com in-formação estrutural de outras técnicas deimageamento, como esquadrinhamentospor TC e por RM, para garantir uma me-lhor localização das áreas ativas. Uma limi-tação da formação de imagens por TCEFUé sua resolução relativamente baixa (apro-ximadamente 8mm). Embora esse nívelnão seja suficiente para resolver os aspec-tos mais finos do encéfalo, ele revela asprincipais áreas envolvidas no processa-mento normal ou doente. A formação deimagens por TCEFU não é tão flexível nemtão acurada quanto a TEP, mas é muito

mais simples, basicamente porque os isóto-pos e as sondas radiomarcadas são dispo-níveis comercialmente e não requerem umcíclotron (necessário para a síntese das son-das da TEP).

Uma variação do IRM, chamada deIRM funcional (IRMf), oferece, hoje, a me-lhor técnica para se analisar o encéfalo ematividade (ver figura). O IRMf baseia-se nofato de que a oxiemoglobina (a forma oxi-genada da hemoglobina) tem um sinal deressonância magnética diferente da deso-xiemoglobina (a forma da hemoglobinaque doou seu oxigênio) ou do tecido ence-fálico ao redor. Áreas encefálicas ativadasem uma tarefa específica (por exemplo, ocórtex occipital durante o comportamentovisual; ver figura) utilizam mais oxigênio.Inicialmente, essa atividade diminui os ní-veis de oxiemoglobina e aumenta os níveisde desoxiemoglobina. Dentro de segundos,a microvasculatura encefálica responde aessa diminuição de oxigênio local por au-mentar o fluxo de sangue rico em oxigêniopara a área ativa. Essas mudanças na con-centração de oxiemoglobina levam a alte-rações localizadas dependentes dos níveisde oxigenação sangüínea no sinal da resso-nância magnética, que é a base para o sinaldo IRMf. Portanto, ao contrário da TEP ouda TCEFU, o IRMf utiliza sinais intrínsecosao encéfalo mais do que sinais originadosde sondas radioativas exógenas; conse-qüentemente, observações podem ser fei-tas no mesmo indivíduo de forma repetida,o que é um avanço sobre os demais méto-dos de formação de imagens. O IRMf tam-bém oferece localização espacial superior

(de uns poucos milímetros) e também me-lhor resolução temporal (da ordem de se-gundos ou menos em circunstâncias óti-mas; compare com a demora de minutos,tempo necessário às outras técnicas de for-mação de imagens funcionais). Como re-sultado desses avanços, o IRMf emergiucomo a tecnologia de escolha para o estudoda arquitetura funcional, tanto normal co-mo anormal, do encéfalo humano.

ReferênciasBELLIVEAU, J. W. AND 7 OTHERS (1991) Functionalmapping of the human visual cortex by mag-netic resonance imaging. Science 254: 716–719.COHEN, M. S. AND S. Y. BOOKHEIMER (1994) Lo-calization of brain function using magnetic re-sonance imaging. Trends Neurosci. 17:268–277.KWONG, K. K. AND 9 OTHERS (1992) Dynamicmagnetic resonance imaging of human brainactivity during primary sensory stimulation.Proc. Natl. Acad. Sci. USA 89: 5675–5679.OGAWA, S. AND 6 OTHERS (1992) Intrinsic signalchanges accompanying sensory stimulation:Functional brain mapping with magnetic reso-nance imaging. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 89:5951–5955.PETERSEN, S. E., P. T. FOX, A. Z. SNYDER AND

M. E. RAICHLE (1990) Activation of extrastriateand frontal cortical areas by visual words andword-like stimuli. Science 249: 1041–1044.RAICHLE, M. E. (1994) Images of the mind: Stu-dies with modern imaging techniques. Ann.Rev. Psychol. 45: 333– 356.RAICHLE, M. E. AND M. I. POSNER (1994) Imagesof Mind. New York: Scientific American Li-brary.

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30 D. Purves, G. J. Augustine . . .

cleos da base são visíveis em secções horizontais através das porções médio-dorsal a médio-ventral do prosencéfalo, em secções frontais do rostral ao ún-cus ao nível do diencéfalo e em secções sagitais, isto é, paralelas ao plano me-diano. Os neurônios desses grandes núcleos recebem aferências do córtex ce-rebral e participam da organização e da orientação das funções motoras com-plexas. Na base do prosencéfalo, ventralmente aos núcleos da base, estão mui-tos grupos menores de células nervosas conhecidas como os núcleos septaisou núcleos do prosencefálico basal, que são de particular interesse por esta-rem envolvidos na doença de Alzheimer. A outra estrutura claramente discer-nível em secções através dos hemisférios cerebrais ao nível do úncus é a amíg-dala, uma coleção de importantes núcleos de processamento emocional quefica defronte ao hipocampo no pólo anterior do lobo temporal.

Adicionalmente a essas estruturas corticais e nucleares, a anatomia internado encéfalo é caracterizada por um número de importantes tractos axonais. Co-mo já mencionado, os dois hemisférios cerebrais e muitas de suas partes com-ponentes estão interconectados mediante o corpo caloso, e em algumas secçõesanteriores também podemos ver a pequena comissura anterior (ver Figura1.14). Axônios descendentes do (e ascendentes ao) córtex cerebral reúnem-seem outro grande tracto de feixes de fibras chamado de cápsula interna (ver Fi-gura 1.16). A cápsula interna fica lateral ao diencéfalo (formando uma “cápsu-la” que o rodeia) e muitos de seus axônios originam-se do, ou terminam no, tá-lamo dorsal. É vista mais claramente em secções frontais através do terço médioda extensão rostro-caudal do prosencéfalo ou em secções horizontais através donível do tálamo. Outros axônios descendentes do córtex atravessam a cápsulainterna e vão além do diencéfalo, entrando nos pedúnculos cerebrais do mesen-céfalo. Axônios nesses tractos projetam-se a um número de alvos no tronco en-cefálico e na medula espinhal. Portanto, a cápsula interna é a principal via de li-gação do córtex cerebral ao resto do encéfalo e da medula espinhal. Derramescerebrais ou outras lesões nessa estrutura interrompem o fluxo do tráfego ner-voso ascendente e descendente, muitas vezes com conseqüências devastadoras(Quadro D). Finalmente, um feixe de fibras menor em cada hemisfério, o fórnix,interconecta o hipocampo e o hipotálamo.

Lobofrontal

Fórnix

Hipocampo

Ventrículo lateral

Lobo temporalCórtex cerebral(substância cinzenta)

Substânciabranca

Lobooccipital

Giro docínguloCorpo caloso

(superfície cortada)

Figura 1.15 Principais estruturas inter-nas do encéfalo, mostradas após a metadesuperior do hemisfério esquerdo ser cor-tada.

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Neurociências 31

O sistema ventricularOs ventrículos cerebrais são uma série de espaços interconectados e cheios defluido que se localizam no centro do prosencéfalo e do tronco encefálico (Figu-ra 1.17). A presença de espaços ventriculares nas várias subdivisões do encéfaloreflete o fato de que os ventrículos são as derivações adultas do espaço aberto,ou lúmen, correpondendo ao tubo neural embrionário (ver Capítulo 22). Embo-ra não tenham uma função única, os espaços ventriculares presentes em secçõesatravés do encéfalo fornecem referenciais úteis para localização de estruturas.Os maiores desses espaços são os ventrículos laterais (um em cada hemisfériocerebral). Esses ventrículos, em particular, são mais bem observados em secçãofrontal, onde sua superfície ventral é usualmente definida pelos núcleos da ba-se, sua superfície dorsal pelo corpo caloso e sua superfície medial pelo septo pe-lúcido, uma lâmina de tecido membranoso que forma parte da superfície me-diana dos hemisférios cerebrais. O terceiro ventrículo forma um espaço medial

Corpo caloso(A) (C)

(B)

Corpo caloso

Ventrículo lateral

Fórnix

Terceiroventrículo

HipocampoCorpomamilar

Ventrículolateral(cornotemporal)

TálamoCaudado

Caudado

Putâmen

Putâmen

Globopálido

Cauda donúcleocaudado

Cápsulainterna Nível da secção

mostrada em (A)Nível da secçãomostrada em (B)

Substânciabranca

Quiasma ópticoNúcleos da baseprosencefálicos

Comissuraanterior

Lobotemporal

Córtex cerebral(substância cinzenta)

Núcleos da base

Amígdala

Cápsulainterna Figura 1.16 Estruturas internas do en-

céfalo vistas em secção coronal. (A) Esseplano de secção corre através dos núcleosda base. (B) Um plano de secção um pou-co mais posterior que inclui o tálamo. (C)Uma vista transparente dos núcleos dabase mostrando as localizações aproxima-das das secções em (A) e (B). Observeque, porque o núcleo caudado tem umacauda que se curva no lobo temporal, eleaparece duas vezes na mesma secção. Omesmo é verdadeiro para muitas outrasestruturas encefálicas, incluindo os ven-trículos laterais.

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estreito entre os tálamos direito e esquerdo e comunica-se com os ventrículos la-terais por meio do forame interventricular, uma pequena abertura na extremi-dade anterior do terceiro ventrículo. O terceiro ventrículo continua caudalmen-te no aqueduto cerebral, que percorre o mesencéfalo. Na sua extremidade cau-dal, o aqueduto se abre no quarto ventrículo, um espaço maior localizado dor-salmente ao bulbo e à ponte e que se estreita caudalmente formando o canalcentral da medula espinhal. Os ventrículos estão preenchidos com o fluido ce-falorraquidiano, e os ventrículos laterais, terceiro e quarto são o sítio do plexocoróide, que produz esse fluido. O fluido cefalorraquidiano percola o sistemaventricular e flui para o espaço subaracnóide através de perfurações na fina co-

Ventrículolateral direito

Partecentral doventrículolateral esquerdo

(A)

(B)

Corno occipitaldo ventrículolateral

Corno temporaldo ventrículo lateral

Quartoventrículo

Plexocoróide

Aquedutocerebral

Terceiroventrículo

Plexocoróide

Ventrículo lateralesquerdo

Forameinterventricular

Cornofrontal doventrículolateral

Telencéfalo(prosencéfalo)

ENCÉFALOEMBRIONÁRIO

Diencéfalo

MetencéfaloCerebelo

Córtex cerebral

Núcleos da baseHipocampo

Bulbo olfatórioProsencéfalo basal

Tálamo dorsal

Hipotálamo

Ponte

Mielencéfalo

Medula espinhal

Bulbo

Mesencéfalo (colículossuperior e inferior)

Ventrículoslaterais

Terceiroventrículo

Canal central

Aqueduto cerebral

DERIVADOS ENCE-FÁLICOS ADULTOS

ESPAÇOS VENTRICU-LARES ASSOCIADOS

Rom

benc

éfal

oPr

osen

céfa

lo

Medula espinhal

Mesencéfalo

Canalcentral

Quartoventrículo

Quartoventrículo

Figura 1.17 O sistema ventricular doencéfalo humano. (A) Localização dosventrículos como observados em uma vis-ta transparente lateral esquerda. (B) Tabe-la mostrando os espaços ventriculares as-sociados com cada uma das principaissubdivisões do encéfalo. (ver Capítulo 22para uma avaliação do desenvolvimentoencefálico que explica mais completamen-te a origem dos espaços ventriculares.)

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Neurociências 33

bertura do quarto ventrículo; é eventualmente absorvido por estruturas espe-cializadas chamadas de vilosidades ou granulações aracnóides (ver Figura 1.18)e, por fim, retorna à circulação venosa.

As meningesA cavidade craniana é convencionalmente dividida em três regiões chamadasde fossas cranianas anterior, medial e posterior. Cercando e sustentando o encé-falo nessa cavidade estão três camadas protetoras de tecido, que também se es-tendem ao tronco encefálico e à medula espinhal. Juntas, essas camadas são cha-madas de meninges (Figura 1.18). A camada mais externa das meninges é cha-mada de dura-máter porque é espessa e consistente. A camada medial é chama-da de aracnóide por causa dos processos semelhantes aos de uma teia de ara-nha, as trabéculas aracnóides, que se estendem em direção à terceira camada, apia-máter, uma camada fina e delicada de células que reveste a superfície do

O derrame cerebral é a causa neurológicamais comum para admissão em um hospi-tal e é a terceira principal causa de mortenos Estados Unidos (após doença do cora-ção e o câncer). O derrame cerebral mani-festa-se como o aparecimento súbito de umdéficit neurológico limitado, bem como de-bilidade ou paralisia de um membro ou asúbita incapacidade de falar. O início dodéficit em segundos, minutos ou horas as-sinala um problema vascular único. A fun-ção encefálica é delicadamente dependentede um suprimento contínuo de oxigênio,como evidenciado pelo começo de incons-ciência em aproximadamente 10 segundosdo bloqueio de seu suprimento sangüíneo(por parada cardíaca, por exemplo). O da-no aos neurônios é inicialmente reversível,mas tende a se tornar permanente se o su-primento sangüíneo não for prontamenterestaurado.

Os derrames podem ser divididos emtrês tipos principais: trombótico, embólicoe hemorrágico. A variedade trombótica écausada por uma redução local do fluxosangüíneo originada por uma formaçãoaterosclerótica em um dos vasos sangüí-neos encefálicos que eventualmente sofreobstrução. Alternativamente, uma reduçãodo fluxo sangüíneo pode originar-se quan-do um êmbolo (um objeto livre no fluxo

sangüíneo) desaloja-se do coração (ou deuma placa aterosclerótica na carótida ounas artérias vertebrais) e ruma para a arté-ria encefálica (ou arteríola) onde produzum entupimento. Um derrame hemorrági-co ocorre quando um vaso sangüíneo ence-fálico se rompe, como pode ocorrer emfunção de hipertensão, de aneurisma con-gênito (inchamento de um vaso) ou de má-formação arteriovenosa congênita. A fre-qüência relativa de derrames trombóticos,embólicos e hemorrágicos é em torno de50, 30 e 20%, respectivamente.

O diagnóstico de derrame baseia-seprincipalmente em um histórico acurado eem um exame neurológico competente. Naverdade, o neurologista C. Miller Fischer,um mestre do diagnóstico, observou queresidentes e estudantes de medicina po-diam aprender neurologia “derrame porderrame”. Compreender a porção do encé-falo suprida por cada uma das principaisartérias (veja o texto) possibilita que umclínico astuto identifique o vaso sangüíneoobstruído.

Mais recentemente, técnicas de imagea-mento, como a TC e o IRM (ver Quadros Be C), têm ajudado muito os médicos a iden-tificar e a localizar pequenas hemorragias eregiões de tecido permanentemente lesio-nado. Além disso, ultrassonografia Dop-

pler, angiografia, ressonância magnética eimageamento dos vasos sangüíneos por in-fusão direta de corantes radiopacos po-dem, agora, localizar com precisão placasateroscleróticas, aneurismas e outras anor-malidades vasculares.

Muitas técnicas terapêuticas são possí-veis para tratar derrames. Dissolver umtrombo empregando um ativador plasmi-nogênio de tecido ou outros compostos é,agora, prática clínica padrão para determi-nadas vítimas de derrame. Além disso, oconhecimento recente de alguns dos meca-nismos pelos quais a isquemia prejudica otecido encefálico tem feito das estratégiasfarmacológicas que minimizam a lesãoneuronal pós-derrame uma possibilidadepotencialmente efetiva (ver Quadro B doCapítulo 6). Derrames hemorrágicos são, éclaro, tratados mediante neurocirurgia,pois é necessário encontrar e deter a he-morragia do vaso defeituoso sempre queisto for tecnicamente possível.

ReferênciaADAMS, R. D., M. VICTOR AND A. H. ROPPER

(1997) Principles of Neurology, 6th Ed. NewYork: McGraw-Hill, Ch. 34, p. 777–873.

QUADRO DDerrame cerebral

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encéfalo. Uma vez que a pia-máter se adere intimamente à superfície do encé-falo acompanhando sua superfície convoluída, enquanto a aracnóide não, defi-nem-se espaços intermediários chamados de cisternas, em que o espaço suba-racnóide é especialmente maior. As principais artérias que suprem o encéfalocursam ao longo do espaço subaracnóide onde originam ramos que penetram amassa dos hemisférios. O espaço subaracnóide é, portanto, um sítio freqüentede hemorragia pós-trauma. Uma coleção de sangue entre as camadas menín-geas é chamada de hemorragia subdural ou subaracnóide, para distingui-la dehemorragias dentro do próprio encéfalo.

Dura-máter

Aracnóide

Seio sagitalsuperior

Seio sagitalsuperior

Granulaçãoaracnóide

Pia-máter Dura-máterAracnóide

Espaço subaracnóidepreenchido comfluido espinhal

Fossa cranianaposterior

Artéria

Plexo coróidedo quarto ventrículo

Plexo coróidedo ventrículo lateral

Fossacraniana anterior

Dura-máter

Aracnóide

Espaçosubaracnóide

Trabéculas daaracnóide

Pia-máter

Artéria

Espaço perivascular

Córtex cerebral

Substância branca

Vilos ou granulaçõesaracnóides

Fossa cranianamedial

Figura 1.18 As meninges. O painel superior esquerdo éuma vista mediana mostrando as três camadas das meningesem relação ao crânio e ao encéfalo. Os painéis à direita sãoampliações para mostrar os detalhes.

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Neurociências 35

O suprimento sangüíneo do encéfalo e da medula espinhalO suprimento sangüíneo total do encéfalo e da medula espinhal depende dedois grupos de ramos da aorta dorsal. As artérias vertebrais se originam das ar-térias subclávias e as artérias carótidas internas são ramos das artérias caróti-das comuns. As artérias vertebrais e as 10 artérias medulares, que se originamdos ramos segmentares da aorta, provêem a vascularização primária da medu-la espinhal. Essas artérias medulares se unem para formar as artérias espinhaisanterior e posterior (Figura 1.19). Se alguma das artérias medulares é obstruídaou danificada (durante uma cirurgia abdominal, por exemplo), o suprimentosangüíneo para partes específicas da medula espinhal pode ficar comprometi-do. O padrão de danos neurológicos resultantes difere conforme seja interrom-pido o suprimento à artéria posterior ou anterior. Como esperado em função doarranjo de vias neurais ascendentes ou descendentes na medula espinhal, a per-da do suprimento posterior geralmente leva à perda das funções sensoriais, en-quanto a perda do suprimento anterior muitas vezes causa déficits motores.

O encéfalo recebe sangue de duas fontes: das artérias carótidas internas, quese originam do ponto no pescoço onde as artérias carótidas comuns se bifurcam,e das artérias vertebrais (Figura 1.20). As artérias carótidas internas se ramificampara formar duas principais artérias cerebrais, as artérias cerebrais anterior emédia. As artérias vertebrais direita e esquerda unem-se no nível da ponte, nasuperfície ventral do tronco encefálico, para formar a artéria basilar. A artériabasilar une o suprimento sangüíneo das carótidas internas em um anel arterialna base do encéfalo (na vizinhança do hipotálamo e dos pedúnculos cerebrais)chamado de polígono de Willis. As artérias cerebrais posteriores originam-senessa confluência, e, da mesma forma, duas pequenas artérias de ligação, as ar-térias comunicantes anterior e posterior. A reunião das duas principais fontesde suprimento vascular cerebral através do polígono de Willis presumivelmen-te melhora as chances de alguma região do encéfalo continuar a receber sanguese alguma das artérias principais sofrer obstrução (ver Quadro D).

Os principais ramos que se originam da artéria carótida interna – as artériascerebrais anterior e média – constituem a circulação anterior que supre o pro-

(A) (B) (C)Artéria basilar

Artérias cerebelaresínfero-posteriores

Artéria espinhalposterior

Artéria vertebral

Artéria espinhalanterior

Artéria espinhalposterior

Artérias medulares

Vasocorona

Artériasulcal

Artéria espinhalanterior

Ventral Dorsal

Figura 1.19 Suprimento sangüíneo damedula espinhal. (A) Vista da superfícieventral (anterior) da medula espinhal. Aonível do bulbo, as artérias vertebrais ori-ginam ramos que emergem para formar aartéria espinhal anterior. Aproximada-mente 10 a 12 artérias segmentares (que seoriginam de vários ramos da aorta) jun-tam-se à artéria espinhal anterior ao longode seu curso. Essas artérias segmentaressão conhecidas como artérias medulares.(B) As artérias vertebrais (ou a artéria ce-rebelar ínfero-posterior) originam as arté-rias espinhais posteriores pares que cor-rem ao longo da superfície dorsal (poste-rior) da medula espinhal. (C) Secção cru-zada através da medula espinhal, ilus-trando a distribuição das artérias espi-nhais anterior e posterior. As artérias espi-nhais anteriores originam numerosos ra-mos sulcais que suprem os dois terços an-teriores da medula espinhal. As artériasespinhais posteriores suprem a maior par-te do corno dorsal e das colunas dorsais.Uma rede de vasos conhecida como vaso-corona conecta essas duas fontes de supri-mento e envia ramos à substância brancarodeando a margem da medula espinhal.

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Artéria cerebralanterior

Artériacerebral média

Artériacerebral posterior

(B)

Artériacerebralanterior

(A)

Artériacerebralmédia

Porção dolobo temporalremovido

Artéria cerebelarínfero-posterior

Artériavertebral

Artéria comunicanteposterior

Artériacomunicanteanterior

Artériacerebelarínfero-anterior

Artériabasilar

Artériacarótida interna

Artéria cerebralposterior (para omesencéfalo)

Artéria basilar(para a ponte)

ArtériacerebralanteriorArtéria

cerebralposterior

(C)

Artériacerebralanterior

Artériacerebralmédia

Artériacarótida interna

Artériacomunicanteanterior

Artériaslenticuloestriadas

(D)

Figura 1.20 As principais artérias doencéfalo. (A) Vista ventral (compare coma Figura 1.13B). A expansão da área noquadrado mostra o polígono de Willis.Vistas lateral (B) e mediana (C) mostran-do as artérias cerebrais anterior, média eposterior. (D) Secção frontal idealizadamostrando o curso da artéria cerebralmédia.

Page 37: Purves,D. Neurociencias Cap 01

Neurociências 37

sencéfalo (Figura 1.20B). Essas artérias também se originam do polígono de Wil-lis. Cada uma delas dá origem a ramos que suprem o córtex e ramos que pene-tram na superfície basal do encéfalo, suprindo estruturas profundas, como osnúcleos da base, o tálamo e a cápsula interna. Particularmente proeminentes sãoas artérias lenticuloestriadas que se ramificam a partir da artéria cerebral média.Essas artérias suprem os núcleos da base e o tálamo. A circulação posterior doencéfalo supre o córtex posterior, o mesencéfalo e o tronco encefálico; ela com-preende ramos arteriais originados das artérias cerebral posterior, basilar evertebral. O padrão da distribuição arterial é similar para todas as subdivisõesdo tronco encefálico: artérias da linha média suprem estruturas mediais, arté-rias laterais suprem o tronco encefálico lateral e artérias dorso-laterais supremestruturas do tronco encefálico dorso-lateral e o cerebelo (Figuras 1.20 e 1.21).Entre as mais importantes artérias dorso-laterais (também chamadas de artériascircunferenciais longas) estão a artéria cerebelar ínfero-posterior e a artéria

Bulbosuperior

Mesencéfalo

Ponte medial

Bulbo caudal

Artéria cerebelarínfero-posterior

Artéria cerebelarínfero-anterior

Artéria basilar

Artéria basilar

Artéria cerebralposterior

Artéria cerebelarínfero-posterior

Artéria vertebral

Artéria vertebral

Artéria espinhalanterior

Artéria espinhalanterior

Artéria espinhalposterior

Artériacerebelarínfero-posterior

Artériacerebelarínfero-anterior

Artéria cerebralposterior(para omesencéfalo)

Artériacomunicanteposterior

Artériabasilar(para a ponte)

Artéria vertebral(para o bulbo)

(B)(A)

Figura 1.21 Suprimento sangüíneodas três subdivisões do tronco encefálico.(A) Diagrama do suprimento principal.(B) Secções através dos diferentes níveisdo tronco encefálico indicando o territó-rio abastecido por cada uma das princi-pais artérias do tronco encefálico.

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38 D. Purves, G. J. Augustine . . .

A interface entre as paredes dos capilares eo tecido ao seu redor é importante em to-do o corpo, preservando as concentraçõesvasculares e extravasculares de íons e mo-léculas em níveis apropriados a esses doiscompartimentos. No encéfalo, essa interfa-ce é especialmente significativa e tem rece-bido nomes tão descritivos quanto “barrei-ra hematoencefálica”. As propriedades es-peciais da barreira hematoencefálica fo-ram primeiro observadas pelo bacteriolo-gista Paul Ehrlich no século XIX, que no-tou que corantes injetados intravenosa-mente escoavam fora dos capilares emmuitas regiões do corpo tingindo os teci-dos ao redor; o encéfalo, entretanto, nãoera tingido. Ehrlich erroneamente concluiuque o encéfalo tinha uma baixa afinidadepelos corantes; seu aluno, Edwin Gold-mann, demonstrou que certos corantesnão atravessam as paredes especializadasdos capilares encefálicos.

A restrição de grandes moléculas co-mo os corantes de Ehrlich (e muitas molé-culas menores) ao espaço vascular é o re-sultado de junções oclusivas (tight junc-tions) entre as células endoteliais vizinhasdos capilares no encéfalo. Certas junçõesnão são encontradas nos capilares em ou-tras partes do corpo, onde os espaços entreas células endoteliais adjacentes permitemum tráfego iônico e molecular muito maislivre. A estrutura das junções oclusivas foi

primeiro demonstrada por volta de 1960por Tom Reese, Morris Karnovsky e MiltonBrightman. Empregando microscopia ele-trônica após a injeção de agentes intravas-culares elétron-densos (assim como os saisde lantânio), eles demonstraram que a apo-sição muito próxima das membranas celu-lares endoteliais era capaz de prevenir apassagem de certos íons. Substâncias queatravessam as paredes dos capilares ence-fálicos devem mover-se através das mem-branas das células endoteliais. Consistente-mente com isso, a entrada molecular no en-céfalo poderia ser determinada pelo graude solubilidade do agente em lipídeos, osprincipais constituintes das membranas ce-lulares. Contudo, muitos íons e moléculasnão facilmente solúveis em lipídeos mo-vem-se mais facilmente do espaço vascularno tecido encefálico. Uma molécula como aglicose, a fonte primária de energia meta-bólica para neurônios e células gliais, é umexemplo óbvio. Esse paradoxo é explicadopela presença de transportadores específi-cos para glicose e outras moléculas e íonscríticos.

Adicionalmente às junções oclusivas,“pés terminais” astrocitários (as regiõesterminais dos processos astrocitários) en-volvem o lado externo das células endote-liais dos capilares. A razão para essa fideli-dade endotelial-glial não está clara, maspode refletir uma influência dos astrócitos

na formação e na manutenção da barreirahematoencefálica.

O encéfalo, mais do que qualquer outroórgão, deve ser cuidadosamente protegidode variações anormais em seu meio iônico,bem como de moléculas potencialmente tó-xicas que penetram no espaço vascular poringestão, infecção ou outros meios. A bar-reira hematoencefálica é, portanto, impor-tante para a proteção e para a homeostase.Também apresenta um problema significa-tivo para a transferência de drogas ao encé-falo. Moléculas grandes (ou lipoinsolúveis)podem ser introduzidas no encéfalo, massomente por rompimento transitório dabarreira hematoencefálica com agentes hi-perosmóticos como o manitol.

ReferênciasBRIGHTMAN, M. W. AND T. S. REESE (1969) Junc-tions between intimately opposed cell mem-branes in the vertebrate brain. J. Cell Biol. 40:648–677.SCHMIDLEY, J. W. AND E. F. MAAS (1990) Cere-brospinal fluid, blood-brain barrier and brainedema. In Neurobiology of Disease, A. L. Pearl-man and R.C. Collins (eds.). New York: OxfordUniversity Press, Chapter 19, pp. 380–398.REESE, T. S. AND M. J. KARNOVSKY (1967) Finestructural localization of a blood–brain barrierto exogenous peroxidase. J. Cell Biol. 34:207–217.

QUADRO EA barreira hematoencefálica

Pé terminalastrocitário

NúcleoCapilar

Célula endotelial do capilar encefálico

Junçãooclusiva

Base celular da barreira hematoencefálica. (A) Diagrama de um ca-pilar encefálico em secção transversal e vistas reconstruídas, mos-trando junções oclusivas endoteliais e o cerco do capilar por pés ter-minais astrocitários. (B) Micrografia eletrônica da área no quadro em(A), mostrando a aparência das junções oclusivas entre células endo-teliais vizinhas (setas). (A conforme Goldstein, Goldstein e Betz,1986; B de Peters et al., 1991.)

(A) (B)

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cerebelar ínfero-anterior, que suprem distintas regiões do bulbo e da ponte. Es-sas artérias, bem como ramos da artéria basilar que penetram no tronco encefá-lico de suas superfícies ventral e lateral (chamadas de artérias circunferenciaiscurtas e artéria paramediana), são locais especialmente comuns de oclusão e re-sultam em déficits funcionais específicos da função dos nervos cranianos, soma-tossensorial e motora (ver Quadros A e D).

As necessidades fisiológicas atendidas pelo suprimento sangüíneo do encé-falo são particularmente significativas, porque os neurônios são mais sensíveisà privação do oxigênio que outros tipos de células com taxas inferiores de me-tabolismo. Além disso, o encéfalo está exposto ao perigo de toxinas circulantese, a esse respeito, é protegido especificamente pela barreira hematoencefálica(Quadro E). Como resultado da alta taxa metabólica dos neurônios, este tecido,se privado de oxigênio e de glicose em função do comprometimento do supri-mento sangüíneo, muito provavelmente sofrerá lesão transitória ou permanen-te. A breve interrupção do suprimento sangüíneo (o que chamamos de isque-mia) pode causar alterações celulares que, se não rapidamente revertidas, po-dem levar à morte celular. A interrupção sustentada do suprimento sangüíneoleva muito mais diretamente à morte celular e à degeneração das células atingi-das. Um derrame cerebral – a morte ou disfunção do tecido encefálico devido aalguma doença vascular – muitas vezes sucede uma obstrução (ou hemorragia)de artérias do encéfalo (ver Quadro D). Historicamente, estudos das conseqüên-cias funcionais dos derrames cerebrais e sua relação com territórios vascularesno encéfalo e na medula espinhal permitiram obter informação sobre a localiza-ção de várias funções encefálicas. A localização da principal função da lingua-gem no hemisfério esquerdo, por exemplo, foi descoberta desse modo no finaldo século XIX (ver Capítulo 27). Hoje, técnicas de imageamento funcional não-invasivo baseadas no fluxo sangüíneo (ver Quadro C) suplantaram amplamen-te a correlação de sinais e sintomas clínicos com a localização do tecido lesiona-do observado em autópsias.

ResumoEmbora o encéfalo humano seja muitas vezes discutido como se fosse um órgãoúnico, ele inclui um grande número de tipos celulares e de circuitos combinadosem uma variedade de sistemas e de subsistemas. Vários tipos de neurônios estãoagrupados em circuitos ricamente interconectados que retransmitem e proces-sam sinais elétricos, os quais são a moeda corrente de todas as funções neurais.Grupos de circuitos que processam informações relacionadas entre si constituemsistemas e subsistemas distintos no encéfalo e no resto do sistema nervoso. O co-nhecimento sobre a organização e a localização desses sistemas é um primeiropasso essencial para entendermos a função encefálica. O sistema nervoso huma-no, como o de todos vertebrados, compreende um sistema nervoso central, queconsiste do encéfalo e da medula espinhal, e um sistema nervoso periférico, queinclui os nervos periféricos (e seus gânglios) estendendo-se a um vasto conjuntode alvos (basicamente músculos, glândulas e receptores sensoriais especializa-dos). Componentes sensoriais do sistema nervoso fornecem informação ao siste-ma nervoso central sobre os ambientes interno e externo. Os efeitos integradosdo processamento central são eventualmente traduzidos em ação pelos compo-nentes motores dos sistemas nervosos central e periférico. Diferentes sistemasencefálicos medeiam uma enorme gama de funções, incluindo percepção, cogni-ção, linguagem, sono, emoção, sexualidade e memória, para citar apenas algu-mas. O esboço da estrutura e função encefálica descrito neste capítulo introdutó-rio proporciona um referencial básico para compreendermos este fenômeno, de-vendo ser consultado muitas vezes à medida que os vários aspectos da funçãoencefálica forem sendo explorados nos capítulos subseqüentes.

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LEITURA COMPLEMENTARBRODAL, P. (1992) The Central Nervous System:Structure and Function. New York: Oxford Uni-versity Press.CARPENTER, M. B. AND J. SUTIN (1983) HumanNeuroanatomy, 8th Ed. Baltimore, MD: Williamsand Wilkins.ENGLAND, M. A. AND J. WAKELY (1991) ColorAtlas of the Brain and Spinal Cord: An Introduc-tion to Normal Neuroanatomy. St. Louis: MosbyYearbook.HAINES, D. E. (1995) Neuroanatomy: An Atlas of

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