proslógio (portuguese edition) - santo anselmo de cantuária

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Santo Anselmo de Cantuária

 Proslógio Edição bilíngüe

Tradução:

Sérgio de Carvalho Pachá

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 Proslógio, Santo Anselmo de Cantuária© Editora Concreta, 2016

Títulos originais: Proslogion

Quid ad haec respondeat quidam pro insipienteQuid ad haec respondeat editor ipsius libelli

O texto latino utilizado nesta obra é o da S. Anselmi Cantuariensis Archiepiscopi Opera Omnia, edição crítica deFranciscus Salesius Schmitt, O.S.B., 3 vol., Edimburgo, Thomas Nelson & Sons, 1947.

Os direitos desta edição pertencem àEDITORA CONCRETA

Rua Barão do Gravataí, 342, portaria – Bairro Menino Deus – CEP: 90050-330Porto Alegre – RS – Telefone: (51) 9916-1877 – e-mail: [email protected] 

EDITOR :Renan Martins dos Santos

COORDENADOR EDIT ORIAL:

Sidney Silveira

TRADUÇÃO:

Sérgio de Carvalho Pachá

R EVISÃO:

Emílio Costaguá

CAPA & DIAGRAMAÇÃO:

Hugo de Santa Cruz

DESENVOLVIMENTO DE EBOOK:

Loope – design e publicações digitaiswww.loope.com.br 

FICHA CATALOGRÁFICA

Anselmo de Cantuária, Santo, 1033-1109

A618p Proslógio [livro eletrônico] / tradução de Sérgio de Carvalho Pachá, edição de Renan Santos. – PortoAlegre, RS: Concreta, 2016.124p. :p&b ; 16 x 23cm

ISBN 978-85-68962-13-8

1. Teologia. 2. Filosofia. 3. Filosofia medieval. 4. Metafisica. 5. Cristianismo. 6. Catolicismo. 7. Espiritualidade. I.Título.

CDD-230.2

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica

ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer meio.

www.editoraconcreta.com.br 

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FCOLEÇÃO ESCOLÁSTICA

oram características marcantes do período escolástico a elevação da dialética a umcume jamais superado – antes ou depois, na história da filosofia –, o notávelapuro na definição de termos e conceitos, a clareza expositiva na apresentação das

teses, o extremo rigor lógico nas demonstrações, o caráter sistêmico das obras, aclassificação das ciências a partir de um viés metafísico e, por fim, a existência dumaabóboda teológica que demarcava a latitude e a longitude dos problemas esmiuçados pelarazão humana, os quais abarcavam todos os hemisférios da ordem do ser: da materia

rima a Deus.O leitor familiarizado com textos de grandes autores escolásticos, como Santo Tomás

de Aquino, Duns Scot, Santo Alberto Magno e outros, estranha ao deparar com obras de períodos posteriores, pois identifica perdas de cunho metodológico que transformaram afilosofia num enorme mosaico de idéias esparzidas a esmo, nos piores casos, ouconcatenadas a partir de princípios dúbios, nos melhores. A confissão de EdmundHusserl ao discípulo Eugen Fink de que, se pudesse, voltaria no tempo para recomeçar oseu edifício fenomenológico serve como sombrio dístico do período moderno e pós-moderno: o apartamento entre filosofia e sabedoria – entendida como arquitetura emordem ao conhecimento das coisas mais elevadas – acabou por gerar inúmeras obrasmalogradas, mesmo quando nelas havia insights brilhantes.

Constatamos isto em Descartes, Malebranche, Espinoza, Kant, Hegel, Schopenhauer,ietzsche, Husserl, Heiddegger, Ortega y Gasset, Wittgenstein, Sartre, Xavier Zubiri e

vários outros autores importantes cujos princípios filosóficos geraram aporias insanáveis,verdadeiros becos sem saída. Na prática, o filosofar que se foi cristalizando a partir do humanismo renascentista está

 para a Escolástica assim como a música dodecafônica, de caráter atonal, está para as polifonias sacras. Em suma, o nobre intuito de harmonizar diferentes tipos deconhecimento foi, aos poucos, dando lugar à assunção da desarmonia como algo

inescapável. As conseqüências desta atitude intelectual fragmentária e subjetivista, seja para a religião, seja para a moral, seja para a política, seja para as artes, seja para odireito, foram historicamente funestas, mas não é o caso de enumerá-las neste brevetexto. Neste ponto, vale advertir que a Coleção Escolástica, trazida à luz pela editora

Concreta em edições bilíngües acuradas, não pretende exacerbar um anacrônicoconfronto entre o pensar medieval e tudo o que se lhe seguiu. O propósito maior deste

 projeto é o de apresentar ao público brasileiro obras filosóficas e teológicas pouco

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difundidas entre nós, não obstante conheçam edições críticas na grande maioria daslínguas vernáculas. Tal lacuna começa a ser preenchida por iniciativas como esta, cujovetor pode ser traduzido pela máxima escolástica bonum est diffusivum sui  (o bemdifunde-se por si mesmo). Ocorre que esta espécie de bens, para ser difundida, precisaser plantada no solo fértil dos livros bem editados.

 No mundo ocidental contemporâneo, plasmado de maneira decisiva na longínquadúvida cartesiana, assim como nos ceticismos de todos os tipos e matizes que se lheseguiram; mundo no qual as certezas são apresentadas como uma espécie de acinte ouingenuidade epistemológica; mundo que se despoja de suas raízes cristãs para dar umsalto civilizacional no escuro; mundo, por fim, desfigurado pelas abissais angústiasalimentadas por filosofias caducas de nascença; em tal mundo, não nos custa afirmar com ênfase entusiástica o quanto este projeto foi concebido sem nenhum sentimentoambivalente. Ao contrário, moveu-nos a certeza absoluta de que apresentar o Absoluto éum bálsamo para a desventurada terra dos relativismos.

Vários autores do período serão agraciados na Coleção Escolástica com edições

 bilíngües: Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Anselmo de Cantuária, SantoAlberto Magno, Alexandre de Hales, Roberto Grosseteste, Duns Scot, Guilherme deAuvergne e outros da mesma altitude filosófica.

Em síntese, a Escolástica é uma verdadeira coleção de gênios. Procuraremosdemonstrar isto apresentando-os em edições cujo principal cuidado será o de não lhesdesfigurar o pensamento.

Que os leitores brasileiros tirem o melhor proveito possível deste tesouro.

SIDNEY SILVEIRA

Coordenador da Coleção Escolástica

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AGRADECIMENTOS AOS COLABORADORES

Através de campanha no website  da Concreta para financiar a tradução do  Proslógio,432 pessoas fizeram sua parte para que este livro se tornasse realidade, um gesto peloqual lhes seremos eternamente gratos. A seguir, listamos aquelas que colaboraram parater seus nomes divulgados nesta seção:

Adailso Janesko

Adeilton Dutra GomesAlan de OliveiraAlex Quintas de SouzaAlexandre LemeAlexandre Mariano dos Santos RochaAllan Victor de Almeida MarandolaAluísio DantasÁlvaro PestanaAlysson Souza MouraAmanda Jheniffi Cavalcante SoaresAmantino de MouraAna Nely Castello Branco SanchesAnderson Mello de CarvalhoAndré Arthur CostaAndré Augusto CustódioAndré Bender GranemannAndré Caniné de Oliveira MachadoAndré QuintoAndrea Rocha

Antônio AraújoAntonio Carlos Correia de Araújo Jr.Antonio Paulo de Moraes LemeArthur DutraAruan Baccaro de FreitasAssunção MedeirosAugusto Alves de CarvalhoAugusto Carlos Pola Jr.

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Aulenio Júnior Aureliano Caldeira Horta FrançaBenedito Luiz Pinheiro MorettoBernardo Jordão Nogueira de SáBruno José Queiroz Ceretta

Bruno ValliniCarla de CarliCarlos A. CrusiusCarlos Alexander de Souza CastroCarlos Eduardo de Aquino de PáduaCarlos Eduardo de Aquino SilvaCarlos Jesus de Abreu Pereira FilhoCláudia MakiaClaudia Pompein Lizardo GomesCleber Eduardo da Paixão

Cleto Marinho de Carvalho FilhoClovis AmaralCristiano EulinoCristiano MoraCristiano Nunes LaureanoCristiano Roberto AzevedoCristina GarabiniCristoph KlugDaniel OliveiraDavi Albuquerque

David DamascenoDavid de Carvalho Nisner Delania Gomes VieiraDiego Gonçalves de AraújoDiego JácomeDiego LuvizonDorival Vendramini Jr.Edgar de Almeida CabralEdilson LinsEdinho LimaEdson BezerraEduardo Aguiar Eduardo César SilvaEduardo Furtado da SilvaEduardo GomesEdvaldo RamosElaine Cristina Moreira Batista

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Elisabete MirandaElizabeth Ferreira DiasElpídio FonsecaEly PintoEly Silveira

Emanuel do Rosário Santos NonatoEric Cari PrimonÉrico Raoni Santos da SilvaEstêvão Lúcio SobrinhoEttore Nicolau Jose da RochaEvandro José Ferrez VicenteEvandro MaraschinEverton S. da SilvaFabio AguilheiroFabio Dias

Fábio KurokawaFábio Salgado de CarvalhoFabricio Freitas AlvesFelipe Aguiar Felipe Corte LimaFelipe Koller Felipe LeandroFélix FerràFernando Antonio Sabino CordeiroFernando Cenjor Rodrigues

Fernando de OliveiraFernando Henrique Pereira MenezesFernando Longuini AlvesFernando Luiz Ferreira de AlmeidaFernando Schuind da Costa GuedesFlavio Aprigliano FilhoFortunato BaiaFrancisco Heládio Cunha dos SantosFrancisco Igor de Souza e SilvaGabriel Henrique Knüpfer Gabriel MelatiGabriel Pereira BuenoGabriel ZavitoskiGabriela MarottaGenésio SaraivaGilberto LunaGio Fabiano Voltolini Jr.

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Giuliano Araújo Lucas de CarvalhoGiuseppe MallmannGleydson dos Santos Teixeira AvelinoGuilherme Batista Afonso FerreiraGuilherme Bomm

Guilherme MezzarobaGuilherme Pinheiro GuedesGustavo BertocheGustavo de AraújoGustavo Mendonça RezendeGustavo Saraiva FrioGustavo VulpiHaberlandt Pereira DuarteHeitor Dias Antunes PereiraHélio Angotti-Neto

Hellyandro de Sousa FerrazHenrique MiottoHermano ZanottaHugo KalilHumberto CampolinaIgor Silveira SantosIvanor BochiJackes Douglas Pessoa LourençoJanaina Maria FabricioJean Carlos Diniz Lopes

Jefferson Bombachim RibeiroJefferson dos Santos AlvesJefferson NascimentoJessé de Almeida PrimoJoacir Souza VianaJoão Marcelo CrubellateJoão Marques da Silva Jr.João RomeiroJoão Valdoir da Silva SantosJonathan de Alcântara F. NascimentoJonathan PinheiroJosé AlexandreJosé Armando Vinagre DelarovereJose BarbozaJosé Bernardino FigueredoJosé Mauricio de Oliveira Lima NetoJosé Ribeiro Jr.

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Juliana OliveiraJulius LimaJunior Torres BertaoKilmer DamascenoLeandro Passos

Leandro Viotto CasareLeonardo ChoiLeonardo Ferreira BoaskiLeonardo Henrique SilvaLucas Amaral M. Gambetti de CastroLucas Bozzi MartinsLucas Mazzardo VelosoLucas Monachesi RodriguesLucia CagidoLucio Novais

Luís Felipe CruzLuis MoraisLuiz Alcides Nascimento AndréLuiz André Barra CouriLuiz de CarvalhoLuiz MatosLutio HenriqueLysandro SandovalMarcelo Assiz RicciMarcelo da Costa Sperka

Marcelo Lira dos SantosMarciano Tadeu SouzaMarcio LopesMarcius Vinicius JúlioMarcos BiancardiMarcos PreciosoMarcos RangelMaria Aparecida dos Anjos CarvalhoMaria Auxiliadora da Cunha MeirelesMaria Beatrix AzevedoMaria Rita de Aguiar Marinaldo CavalariMário Lucas CarboneraMarlon Rodrigo OliveiraMateus ColomboMateus CruzMateus Rauber Du Bois

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Matheus Ramos de AvilaMauricio CardosoMauro S. RibeiroMaximiliano Losso BunnMylene Carolina Moraes Pessoa

icolas Barbieri Beoniikollas Ramosilton José dos Santos Jr.

Oacy Junior Odilon Silveira Santos RochaOdinei Draeger Orlando TosettoPaulo de Tarso Gonçalves LeopoldoPaulo de Tarso IrizagaPaulo Henrique Brasil Ribeiro

Paulo Lasaro de Carvalho FilhoPedro BenedettiRafael BassoliRafael de Abreu FerreiraRafael ManieriRafael PlácidoRaoni de Andrade Miaja GomesRenan CoutinhoRenato de Carvalho MunhozRenato Elesbão

Renato LembeRicardo Antônio MohallemRicardo da CostaRicardo Luis Kummer Ricardo RangelRinaldo Oliveira Araújo de FariaRodolfo BertoliRodrigo de AbreuRodrigo de MenezesRodrigo FrancaRogerio PenhaRomildo Mousinho FerreiraRonaldo Fernandes da SilvaRonaldo TeixeiraRosemberg EstevamSamuel da Silva MarcondesSérgio Eduardo

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Sérgio Fernando Hennies LeiteSérgio MeneghelliSilvia Emilia de Jesus B. da CunhaSilvio CamargoSilvio José de Oliveira

Tarcisio MouraThiago Amorim CarvalhoThiago Aurélio de Freitas BrandãoThiago BatistaThiago BlakaTiago AurichTiago Borem SfredoTiago Campos RizzottoTiago ToledoTomoyuki Honda

Vicente TolezanoVictor Hugo BarbozaVinicius BetiniVinícius LeonardiVinicius P. BotelhoVitor Fonseca de MeloVitor Hugo Pontes ButragoWellington LimaWellington Vieira RiosWendel Cesar Giglio Ordine

William Saraiva BorgesWillians Alves FreitasWilson Junior Wlamir Amós Saint Martin

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Sumário

CapaFolha de RostoCréditosColeção EscolásticaAgradecimentos aos colaboradoresApresentação

I. Esfor ço para harmonizar razão e féII. Preâmbulos históricos: o Século de FerroIII. Feição teológica: um esboço da Escolástica posterior IV. O ser acima do qual nada pode pensar-se

V. Adversários e seguidoresVI. Uma edição para os dias de hojeParte I - Proslógio

PrólogoCapítulo 1 - Exortação à contemplação de DeusCapítulo 2 - Que Deus existe verdadeiramenteCapítulo 3 - Que não se pode pensar que Deus não existeCapítulo 4 - Como o insensato disse em seu coração o que não se pode pensar Capítulo 5 - Que Deus é tudo aquilo que é melhor que exista do que não exista; eque, sendo o único que existe por si mesmo, fez tudo do nada

Capítulo 6 - Como Deus é sensível, embora não seja corpoCapítulo 7 - Como Deus é onipotente, embora muitas coisas lhe sejam impossíveisCapítulo 8 - Como é misericordioso e impassívelCapítulo 9 - Como, sendo total e soberanamente justo, perdoa os maus e com

 justiça deles se comiseraCapítulo 10 - Como sem ferir a justiça castiga e perdoa os mausCapítulo 11 - Como “todos os caminhos do Senhor são misericórdia e verdade” e,contudo, “justo é o Senhor em todos os seus caminhos”Capítulo 12 - Que Deus é a própria vida pela qual vive e que outro tanto se podedizer de seus demais atributosCapítulo 13 - Como somente Ele é sem limites e eterno, ainda que os outrosespíritos também sejam sem limites e eternosCapítulo 14 - Como e por que Deus é e não é visto por aqueles que o buscamCapítulo 15 - Que é maior do que quanto possa ser pensadoCapítulo 16 - Que esta é “a luz inacessível que habita”Capítulo 17 - Que em Deus se encontra a harmonia, o odor, o sabor, a brandura, a

 beleza, de uma maneira inefável que lhe é própria

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Capítulo 18 - Que não há partes em Deus nem em sua eternidade, que é ele próprioCapítulo 19 - Que Deus não está num lugar nem no tempo, mas tudo está neleCapítulo 20 - Que Deus existe antes e depois de tudo e até mesmo do que é eternoCapítulo 21 - Se isto é “o século do século” ou “os séculos dos séculos”Capítulo 22 - Que somente Deus é o que é e Aquele que é

Capítulo 23 - Que este bem é, ao mesmo tempo, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, eé o único necessário, por ser todo e exclusivamente bemCapítulo 24 - Conjectura sobre a natureza e a grandeza deste bemCapítulo 25 - Quais e quão grandes são os bens reservados aos que gozam a visãode DeusCapítulo 26 - Será esta alegria a “alegria plena” que promete o Senhor?

ProslogionProoemiumI - Excitatio mentis ad contemplandum DeumII - Quod vere sit Deus

III - Quod non possit cogitari non esseIV - Quomodo insipiens dixit in corde, quod cogitari non potestV - Quod Deus sit quidquid melius est esse quam non esse: et solus existens per seomnia alia faciat de nihiloVI - Quomodo sit sensibilis, cum non sit corpusVII - Quomodo sit omnipotens, cum multa non possitVIII - Quomodo sit misericors et impassibilisIX - Quomodo totus iustus es et summe iustus parcat malis, et quod iuste misereatur malisX - Quomodo iuste puniat et iuste parcat malis

XI - Quomodo universae viae Domini misericordia et veritas, et tamen iustusDominus in omnibus viis suisXII - Quod Deus sit ipsa vita qua vivit, et sic de similibusXIII - Quomodo solus sit incircumscriptus et aeternus, cum alii spiritus sintincircumscripti et aeterniXIV - Quomodo et cur videtur et non videtur Deus a quaerentibus eumXV - Quod maior sit quam cogitari possitXVI - Quod haec sit lux inaccessibilis, quam inhabitatXVII - Quod in Deo sit harmonia, odor, sapor, lenitas, pulchritudo suo ineffabilimodoXVIII - Quod in Deo nec in aeternitate eius, quae ipse est, nullae sint partesXIX - Quod non sit in loco aut in tempore, sed omnia sint in illoXX - Quod sit ante et ultra omnia etiam aeternaXXI - An hoc sit saeculum saeculi sive saecula saeculorumXXII - Quod solus sis quod est et qui estXXIII - Quod hoc bonum sit pariter Pater et Filius et Spiritus Sanctus: et hoc situnum necessarium, quod est omne et totum et solum bonum

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XXIV - Coniectatio, quale et quantum sit hoc bonumXXV - Quae et quanta bona sit fruentibus eoXXVI - An hoc sit gaudium plenum quod promittit Dominus

Parte II - Livro escrito a favor de um insensatoQuid ad haec respondeat quidam pro insipiente

Parte III - Apologia de Santo Anselmo contra GauniloQuid ad haec respondeat editor ipsius libelliBibliografia citadaS. Anselmi cantuariensis archiepiscopi Opera Omnia

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Os capítulos da Parte I e os parágrafosnumerados das partes II e III estãolinkados para facilitar a consulta dos textosnos dois idiomas. Basta clicar em"Capítulo" ou na numeração de parágrafo(arábica e romana) para ser direcionadoao conteúdo em latim e vice-versa.

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APRESENTAÇÃO

Santo Anselmo: o inteligível como busca incessante

SIDNEY SILVEIRA

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I. ESFORÇO PARA HARMONIZAR RAZÃO E FÉ

Renascimento Carolíngio foi, sem dúvida, uma das matrizes do que viria a ser o pensamento escolástico; mais especificamente, do procedimento dialético tão caro à

Escolástica, cuja noção de filosofia muito deve a Rábano Mauro (784-856), formado nasArtes Liberais por Alcuíno (730-804), autor este considerado por notáveis historiadores

como a alma do movimento cultural carolíngio.[ i ] Não muito original como filósofo,Mauro foi eminente classificador do pensamento de admiráveis predecessores seus,como o próprio Alcuíno, Cassiodoro (490-581) e Santo Agostinho (354-430). No livro De universo, ele propõe – com o rigor que será tão apreciado pelos medievais – umadivisão para a filosofia e para as ciências com o manifesto propósito de formar monges esacerdotes cujo ofício será, sobretudo, o da pregação missionária. Na filosofia, o esquema desenhado por Rábano Mauro continha dois gêneros e quatro

espécies. No gênero a que deu nome de Actualis estavam a física, a ética e a lógica.A física (causa quaerendi) subdividia-se em:

Aritmética (numerorum scientia);Astronomia (lex astrorum);Astrologia (astrorum ratio et natura et potestas, caelique conversatio);Mecânica ( peritia fabricae artis in metallis, lignis et lapidus);Medicina ( scientia curationum);Geometria (mensura locorum et magnitudinis corporum); eMúsica (divisio sonorum et vocum varietas, et modulatio canendi).

Por sua vez, a ética (ordo vivendi) dividia-se, bem ao modo aristotélico, no estudo dasvirtudes cardeais:

Prudência;Justiça;Fortaleza; eTemperança.

Por fim, a lógica (ratio inteligendi) era composta de duas disciplinas:

Dialética (disputatio acuta, verum distinguens a falso); eRetórica (disciplina ad persuadendum quaeque idonea).[ ii ]

 No gênero ao qual chamou de Inspectiva: contemplativa, aeterna, reinava a teologia.[iii ]Esta alusão a Rábano Mauro é a propósito do método de filosofar imperante no

decurso de todo o período escolástico – no qual, historicamente, se insere Santo Anselmo(1033-1109)[ iv ] –, época em que o esforço classificatório dava por pressuposta umahierarquizada ordenação dos saberes, cujo amplíssimo escopo de investigações ia damatéria primeira a Deus. Em tal horizonte, sempre havia espaço para o mistério, tanto notocante à ordem criada, ou seja, ao conjunto de entes do universo, como no tocante ao

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Criador, ser infinito inabarcável por qualquer inteligência finita. O famoso princípio  fidesquaerens intellectum, motor do múnus teológico de Anselmo, tem como pano de fundouma divisão das ciências e da filosofia de estrutura similar à descrita por Rábano Mauro,a qual não era outra coisa senão um espelho epistemológico da estrutura ontológica darealidade.

Vinha de longe, do tempo de Clemente de Alexandria (150-215) e de Tertuliano (160-220), a desconfiança dos cristãos para com o labor filosófico, sobretudo quando este seapresentava como saber autônomo com relação aos textos da Escritura.[ v ] A Sacra Pagina tornou-se a fons sapientiae quase à parte de todos os outros conhecimentos, e oseu sentido difícil de penetrar era o dístico da insuficiência da razão humana e, também,do caráter inane da soberba, vislumbrada como maligno nascedouro do pecado originalque instaurara uma desordem entre os afetos e a inteligência. Neste contexto, convémsublinhar: ainda na época de Santo Anselmo, considerava-se grande atrevimento indagar acerca das verdades da fé a partir de critérios subministrados pela razão natural.

Em síntese, certo agostinismo deturpado criara um hiato entre as verdades da fé e as

descobertas da razão, o que só viria a ser superado de maneira cabal por Santo Tomás deAquino (1225-1274). Neste ponto, vale advertir que, no século XIII, muito depois dotempo em que viveu Anselmo, ainda havia quem se sentisse incomodado com a filosofiagrega. Um bom exemplo disto é São Boaventura (1221-1274), que mantinha uma

 postura de suspeita com relação a Aristóteles e a outros filósofos de cuja “audáciaímproba”, segundo o seu parecer, advinham diversos erros.[ vi ] Reflexos desta aversãode importantes teólogos ao Estagirita se fariam sentir na condenação de 1277 a váriasteses averroístas e tomistas.[ vii ]

Em três escritos, Anselmo de Cantuária rompe com este preconceito mais ou menosimplícito na obra de diferentes autores cristãos dos séculos XII e XIII:  Monologium,

 Proslogion e Cur Deus homo. Neles, o Doctor Magnificus se vale da mais fina dialética para divisar o “raio de trevas luminosas”, expressão com que o Pseudo-DionísioAreopagita, séculos antes, definira a Deus.[ viii ] Ocorre que, no contexto anselmiano, afé se orienta ao saber numa espécie de complementaridade metafísica: “Não buscoentender para crer, mas creio para entender”.[ ix ] Este princípio – credo ut intelligam – 

 pode ser considerado como o primeiro grande tópico representativo da harmonizaçãoteológica entre fé e razão, depois de muitos séculos. Mas não se tratava, diga-se, desondar a inescrutável realidade de Deus valendo-se do débil intelecto humano, e sim deusar este último como ponto de apoio para crescer numa compreensão do cosmos a umsó tempo racional e mística. Não erraria, pois, quem enxergasse uma conexão entre oPseudo-Dionísio e o Arcebispo de Cantuária, entre o místico que silencia perante omistério e o teólogo que parte do mistério para melhor compreender a realidade.

Cumpre dizer que, no atribulado século de Anselmo, a maior parte dos escritosfilosóficos clássicos à mão dos intelectuais latinos se resumia à velha lógica aristotélicasalpicada por atilados comentários de Porfírio (234-305) e de Boécio (480-525), ao

 passo que a autoridade teológica inquestionável era a de Santo Agostinho, cujo estudoestava eivado de desvios teoréticos perpetrados por seus seguidores – neoplatônicos ou

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não –, como, por exemplo, o que ficou conhecido pela posteridade como agostinismoolítico.[ x ] Num ambiente como este, harmonizar razão e fé parecia um desafio quase

insuperável; diante dele, contudo, o Santo de Aosta, autor do instigante escrito teológico De casu diaboli, não se amedrontou.

A resolução do magno problema das relações entre fé e razão, como não poderia deixar 

de ser, tinha de passar por aquilo que hoje chamaríamos de teoria do conhecimento, no ponto atinente à origem das idéias, o qual ainda hoje suscita acaloradas discussões entrefilósofos de correntes as mais conflitantes entre si: intuicionismo, empirismo,intelectualismo, inatismo, criticismo, abstracionismo e muitas outras, acompanhadas desuas respectivas subespécies. No caso de Anselmo, equivoca-se quem imagina que eletenha descambado nalgum tipo de inatismo de fundo platônico, segundo o qual osconhecimentos já estão em nossa inteligência à espera de que a consciência os reconheçaao lembrar-se deles, ou num transcendentalismo gnosiológico, como o da teoriaagostiniana da iluminação, de acordo com a qual os conceitos afloram na mente dohomem por influxo direto de Deus.

Jamais o Arcebispo de Cantuária chegou a propor semelhantes coisas, pois nuncaduvidou de que a alma humana fosse dotada de luz própria suficiente para alcançar asverdades por meio de raciocínios. Diz ele no  Monologium: “Pensar uma coisa querecordamos é expressá-la mentalmente, e essa expressão da coisa é o próprio

 pensamento, formado na semelhança dela com a ajuda da memória”.[ xi ] Como se vê,embora atue como auxiliar da inteligência, a memória tem aqui papel bem mais modestodo que para os teóricos inatistas. Ora, não tendo lido as finas considerações deAristóteles a respeito da memória e da reminiscência, Anselmo porém aprendera comAgostinho que o amor é o grande motor da memória – acólita da inteligência tanto nacompreensão do mundo exterior, como na contemplação da interioridade da alma

humana.Conforme salienta o padre Julián Alameda (O.S.B.), o Arcebispo de Cantuária foi tido

 por homens do seu tempo como um guia em questões filosóficas; e, para os queimediatamente se lhe seguiram, ele pode considerar-se o orientador no tocante a

 problemas teológicos espinhosos, justamente por conta do rico nexo que estabeleceuentre ciência e fé. Em Anselmo, a fé não é empecilho para o conhecimento científico; aocontrário, ajuda o homem a projetar a inteligência às mais audazes investigaçõescientíficas.[ xii ] Não por outro motivo, diz o filósofo italiano Battista Mondin que, com onosso autor, a fides encontra na ratio especulativa uma serva fiel e permite ser entrevistasob novas luzes, a partir das quais as verdades da fé passam a não mais ser lidas ecomentadas somente nos textos da Sagrada Escritura, mas começam a ser estudadas emsi mesmas.[ xiii ] A teologia dava, pois, um enorme salto com Santo Anselmo,distinguindo-se da filosofia sem, no entanto, deixar de se valer dela.

Como se pode constatar, muito longe de afogar a tendência natural da inteligênciahumana de assimilar imaterialmente as formas dos entes, muito longe de impedir o vôodela na inquirição das verdades, como frisa Zeferino González numa página antológica,

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Anselmo conduz a indagação filosófica às regiões mais elevadas da ciência do seu tempo,entregando-se concomitantemente a sublimes especulações teológicas.[ xiv ]

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II. PREÂMBULOS HISTÓRICOS: O SÉCULO DE FERRO

As seguidas vicissitudes por que o mundo ocidental passou depois do períodocarolíngio ficaram conhecidas como Século de Ferro – longa era de declínio civilizacionalque abrange mais de cento e cinqüenta anos: de 882, quando foi assassinado o Papa JoãoVIII, até 1046, durante o pontificado de Clemente II. Esta etapa, cognominada  saeculum

erreum obscurum, não é outra coisa senão a barbárie disseminada a partir da CidadeEterna: Roma. Tempo de crimes, torpezas, traições, esterilidade cultural, misérias,emasculação moral, horrores de todos os tipos.[ xv ] Lembra-nos a propósito RicardoVilloslada que o cronista Barônio chama-o  saeculum ferreum por sua aspereza espiritual;lumbeum pela deformidade dos seus males; e obscurum pela inépcia dos seus escritores.

[ xvi ]O renascimento filosófico carolíngio havia sido interrompido em todos os âmbitos.

Mesmo nos mosteiros, até então centros difusores da alta cultura, estudavam-segramática, dialética e resquícios do Trivium, ficando o Quadrivium  completamenteesquecido, de acordo com Fraile.[ xvii ] Numerosas abadias foram destruídas com as

invasões de normandos, húngaros e sarracenos, o que fez muitas escolas sapienciaissimplesmente desaparecerem.[ xviii ] Perfazem estes longos anos o cenário terrífico dacristandade que precedeu o surgimento de Santo Anselmo, e não nos parece ocioso dizer que a latitude histórica desta desgraça enaltece ainda mais a figura do Arcebispo deCantuária. Este, sem deixar de ser homem do seu tempo, soube elevar-se às questõesuniversalíssimas sem as quais a história se torna mera cronologia desprovida de bússolahermenêutica.

Vale ressaltar que os períodos decadentes são comumente pródigos em reaçõescivilizacionais, e com o Século de Ferro não seria diferente. É nele que começa a

regeneração espiritual a partir da fundação do mosteiro de Cluny, entre 909 e 910, numaterra cedida pelo duque Guilherme I de Aquitânia, o Piedoso (875-918). Para aquelelugar ermo, o abade Bernon (850-927) levou doze monges com o intuito de observar,com todo o rigor, a Regra de São Bento a partir duma vida de clausura e decontemplação litúrgica das verdades mais elevadas.[ xix ] Com austeridade e cheios detemor reverencial a Deus, aqueles homens reeducaram o Ocidente com a sua  schola,termo que, no Prólogo da Regra de São Bento, tem o sentido de “unidade perfeitadestinada a cumprir certos trabalhos sob as ordens de um superior”.[ xx ]

Cluny foi uma escola de virtudes de caráter eminentemente ascético, em que seensinavam não apenas assuntos intelectuais, mas acima de tudo o Dominicum servitium,

o serviço do Senhor no qual ação e contemplação estavam imbricadas. A longevidade e asantidade dos primeiros abades de Cluny contribuíram para a fundação de uma série demosteiros pela Europa, todos de grande importância para o reflorescimento que acristandade teria, a partir do final do Século de Ferro.[ xxi ] Sem estas admiráveis ilhasde reação civilizacional, figuras como Santo Anselmo dificilmente despontariam nohorizonte da filosofia cristã.

Como era de esperar, o depauperamento político e moral foi acompanhado, durante oSéculo de Ferro, de um declínio intelectual claramente identificável na história da

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filosofia e da teologia. Observa-se então uma entressafra de grandes autores, que duraaté começar a dar frutos a reforma proposta pelos imperadores otomanos, tanto na vidacivil como na religiosa.[ xxii ] Estava-se em pleno século XI, quando a luta entre os

 poderes material e espiritual emerge de maneira encarniçada na disputa acerca dasinvestiduras, em que Anselmo – primaz da Inglaterra entre 1093 até 1109, ano de sua

morte – esteve envolvido. Neste ínterim, outro acontecimento decisivo teve grandeinfluência para o futuro da teologia e, portanto, do próprio Arcebispo de Cantuária: oGrande Cisma do Oriente,[ xxiii ] que gerou a Igreja Ortodoxa e obrigou os ocidentais aaprofundar uma série de questões cristológicas para defender o papado.

Vale registrar que, em 1054, quando o Patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário(1000-1059), foi excomungado, Anselmo ainda não iniciara o seu noviciado na Abadia deBec, onde se submeteu à Regra de São Bento, mas é impossível imaginar que, ao lançar-se à vida religiosa, ele desconhecesse o problema que acarretara o Grande Cisma doOriente. Anos depois, o opúsculo de Santo Anselmo intitulado  De processione Spiri tuSancti – escrito a pedido do Papa Pascoal II – demonstrou com razões suficientes que o

 Filioque  deita raízes na Tradição apostólica; portanto, os ortodoxos estavamcompletamente equivocados em sua querela.Era, pois, errada a decisão de se tornarem espiritualmente bastardos, colocando-se à

margem da autoridade petrina.

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III. FEIÇÃO TEOLÓGICA: UM ESBOÇO DA ESCOLÁSTICA POSTERIOR 

 Não se pode negar que a teologia de Santo Anselmo bebe de fontes agostinianas.Ressonâncias de várias idéias do Bispo de Hipona são bastante claras nos embates que o Doctor Magnificus  travou pelos direitos da Igreja contra o poder civil, na Inglaterra deentão. Em grande parte do epistolário dirigido aos poderosos daquela conturbada época,

o santo teólogo jamais deixa de lembrar-lhes a dignidade do seu cargo como Arcebispode Cantuária. Em suma, eles até podiam ser senhores do tempo, do dinheiro e das terras,mas ele, Anselmo, fazia-lhes ver que nenhuma glória, nenhuma riqueza, nenhuma

 potestade humana superava a de representar a Igreja constituída pelo próprio Deus emPessoa. Como se pode deduzir, os conflitos diplomáticos e políticos de Anselmo com

 príncipes e reis não foram poucos, conforme ele próprio menciona numa epístola célebre:“Todas as forças da Inglaterra (...) trabalham para alijar-me, para distanciar-me daobediência devida à Santa Sé. (...) Sou [porém] cristão, sou monge, sou bispo, e por issome cabe guardar a fé e não lhe acrescentar nem lhe quitar nada”,[ xxiv ] escreve a certaaltura dos acontecimentos.

Muita tinta já foi lançada sobre o papel no tocante à questão das investiduras, e não énosso propósito esmiuçar o tema nesta nota introdutória à presente edição do Proslogion. Antes nos importa apresentar Santo Anselmo como o autor que assimilou atradição teológica católica para – entrevendo nela horizontes ainda não de todoexplorados – ser-lhe absolutamente fiel. A lacuna por ele divisada já estava bemassinalada no  Monologium, escrito quando ainda era abade de Bec. Tratava-se deinvestigar a existência e a essência de Deus valendo-se, para tanto, de métodosfilosóficos apresentados pelo viés duma robusta dialética. A conclusão desta obrafilosófico-teológica é de que existe apenas um Ente supremo, o qual não pode ter 

recebido o ser de nenhum outro; a Ele chamamos “Deus”. Estava, pois, aberto ocaminho para o Proslogion.Com o  Monologium, reentrava magistralmente a filosofia no terreno teológico. Um

trecho desta obra de juventude de Anselmo demonstra-o de maneira cristalina: “Quandose diz de um homem que é corpo, que é racional, que é, em suma, humano, não seconsideram estas diversas atribuições da mesma maneira nem do mesmo ponto de vista,

 pois o que é corporal por uma de suas propriedades é racional por outra, e cada umadelas, em separado, não constitui este conjunto a que chamamos homem”.[ xxv ] A partir da consideração do caráter ontologicamente composto dos entes, nos quais as distintasformalidades não se identificam em sentido absoluto com a essência, o Arcebispo de

Cantuária nos leva à compreensão da necessidade racional de aceitarmos a existência deuma natureza simplicíssima, sem composição de nenhuma espécie, que, diferentementede todas as demais, atua consoante todo o seu ser, e não a partir de qualquer parte sua.

este ponto do  Monologium, abre-se uma vereda metafísica para a posterior distinçãoentre essência e ser nos entes, feita com extraordinário rigor por Santo Tomás de Aquino.

O teólogo Anselmo não se detém diante de problemas em relação aos quais grandesfilósofos evitaram dar pareceres categóricos, como no caso da diferenciação entre tempoe eternidade. A omnipresença divina é apresentada por ele como abarcadora de todos os

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tempos históricos, mas não como realidade imanente ao devir, conforme sucede com oser em Heidegger (1889-1976), e sim como algo que transcende à caducidade inerente àscoisas temporais. Se o ser de Deus não estivesse absolutamente em tudo, haveria umlugar e um tempo em que não haveria nada – e um tempo e um lugar desprovidos de ser não são outra coisa senão absurdidade inconcebível para a filosofia. “Haveria, pois, um

lugar e um tempo onde e durante o qual não haveria nada [ubi et quando nihil ominoest ]; como isto é falso (...), a natureza suprema não pode estar circunscrita a um lugar ea um tempo”.[ xxvi ] Em Anselmo, a eternidade é a realidade sem a qual o tempo é purae simples aporia metafísica; nele, o ser está para além do tempo, que é tão-somente umade suas epifanias. Com séculos de antecedência, o nosso autor antecipava-se ao becosem saída heideggeriano de circunscrever o ser ao tempo, numa indisfarçadalorificação da finitude, como acertadamente escrevera o tomista Octavio Derisi (1907-

2002) a respeito de Heidegger e, também, do seu epígono Sartre (1905-1980).[ xxvii ]Por estes exemplos colhidos de sua primeira grande obra filosófica, antevia-se que o

Arcebispo de Cantuária escreveria uma obra magna, e esta não foi outra senão o

 Proslogion, cuja importância pode ser medida pelos incontáveis filósofos que acomentaram ao longo de séculos sem fim. Graças a ela, o autor do interessante diálogo De Grammatico  é considerado por muitos como o predecessor dos grandes autoresescolásticos que, nos séculos seguintes, nos legaram obras imortais.

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IV. O SER ACIMA DO QUAL NADA PODE PENSAR-SE

São Boaventura, Santo Tomás, Duns Scot (1266-1308), Descartes (1596-1650),Malebranche (1638-1715), Leibniz (1646-1716), Baumgarten (1714-1762), Kant (1724-1804), Hegel (1770-1831), Schelling (1775-1854), Xavier Zubiri (1898-1983) e CornelioFabro (1911-1995) estão entre os nomes importantes da história da filosofia que

depararam com o chamado argumento ontológico  de Santo Anselmo, seja para acolhê-lo, seja para criticá-lo em parte, seja para rejeitá-lo por completo como prova daexistência de Deus. Trata-se, sem a menor sombra de dúvida, de um dos tratadosfilosóficos mais importantes jamais escritos, e ao leitor não familiarizado com oraciocínio que tornou célebre o  Proslogion  pode impressionar o fato de ele ser tãosimples.

Podemos resumi-lo brevemente, com nossas próprias palavras: quando o homem pensaem Deus, pensa-o como o ser acima do qual nada pode ser pensado, ou seja: pensa n’Elecomo o ser  perfeitíssimo. Ora, se este sumo cogitável não existisse na realidade, masapenas em nosso pensamento, faltar-lhe-ia uma nota distintiva, sem a qual ele não seria

aquele acima do qual nada pode ser pensado: a existência. Logo, é necessário que Deusexista como conceito em nossa inteligência e também como ser na realidade.

Esta é uma exposição sumariíssima do argumento, mas extraiamos dela algumasconsiderações preliminares. Em primeiro lugar, salta aos olhos que o ser perfeitíssimonão pode ser pensado como não-existente, porque, neste caso, não seria o ser 

 perfeitíssimo. No dia em que concedermos que algo inexistente possa ser perfeito, ou,mais ainda, que possa ser perfeitíssimo, estaremos ao lado dos irracionalistas de todos ostempos e de todos os matizes. Em resumo, se perfeito é aquilo a que não falta nada paraser o que é, evidentemente a inexistência não pode predicar-se da perfeição. Séculos

depois, dirá Kant, numa das mais ferrenhas críticas ao argumento, que a existência não pode ser predicado de nenhum ente. Mas não nos antecipemos aos fatos.O argumento anselmiano pressupõe que Deus é o ser perfeitíssimo; que a existência é

uma perfeição; e que todos – inclusive o ateu, ou seja, o insipiens – O concebem comoo ser maior que possa pensar-se.  Id quo maius cogitari non potest . Se esmiuçarmos oraciocínio do Arcebispo de Cantuária, observaremos o seguinte: a última premissa aludidaacima induz a conclusão. Sim, porque se Deus é o ser maior que qualquer intelecto podeconceber, se ele é o  Ente perfeitíssimo  que todos, sem exceção, admitem, é preciso

 postular a sua existência real. Se, por outro lado, se concedesse que Deus existe apenasno pensamento, como conceito, porém inexiste na realidade, Ele não seria o maior, pois

isto implicaria contradição com o conceito que, na opinião de Anselmo, todos têm deDeus.Pois muito bem, aceitemos com Cornelio Fabro, à guisa de procedimento dialético,

Deus como o maior que se possa pensar. A partir daí, indaguemos: se é assim, devemosnecessariamente concluir por sua existência real?[ xxviii ] Diz o grande tomista italianoque o argumento anselmiano é sinuoso na distinção entre esse in intellectu e intelligererem esse, ou seja, entre o âmbito nocional e o âmbito real. Ora, que Deus seja o ser por excelência, o próprio Santo Tomás o concede sem problemas, mas o inaceitável para o

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Aquinate é dar um salto do plano do pensamento para o da realidade. Noutras palavras,ele aceita a prótase (Deus é o sumo cogitável) e nega a apódose ([logo] Ele existe no

 pensamento e na realidade).[ xxix ] Demos um passo além para ressaltar o seguinte: é possível conceber Deus como o maior ser pensável, embora não aceitando que todos,sem exceção, O concebam assim, como faz Anselmo, e também aceitar que Deus não

 pode existir apenas em nossa mente – negando, porém, a conexão lógica entre estas duas proposições.Outra pressuposição do argumento ontológico, também argutamente assinalada por 

Fabro, é a de que no conceito de Deus está incluído o de ser; no conceito de criatura,inclui-se apenas o de essência. Em síntese, sem o ser não haveria essências, razão pelaqual estas são partícipes de algo que as transcende na realidade. Santo Anselmodistingue, antecipando-se a muitos dos seus críticos – a começar por Gaunilo, o primeirodeles – a ordem lógica do pensamento da ordem metafísica da realidade, ao afirmar queo quadro concebido por um pintor só pode considerar-se real depois de haver sido feito.Mas esta distinção, de acordo com o Arcebispo de Cantuária, não pode aplicar-se a

Deus, entre outras coisas porque n’Ele ser e pensamento co-incidem, além do fato deque se Deus, o ser perfeitíssimo, existisse só no nosso pensamento, mas não narealidade, não seria Ele o sumo cogitável.

Tenhamos bem claro em nosso horizonte que concomitância cronológica não é paralelismo ontológico. Duas coisas podem ser concomitantes e uma delas ser inferior àoutra. Por exemplo: no homem, o pensamento se vale dos sentidos e, muitas vezes,opera simultaneamente com eles na apreciação da realidade, mas está num planoontológico muito superior, pois abstrai os conceitos da matéria num grau absolutamenteinacessível para qualquer sentido. No caso de Deus – cuja perduração no ser se dá numainstância que transcende e abarca o tempo –, seria impossível a qualquer pensamento

não ser co-incidente com Ele. Deus, ser eterno, está para os entes assim como o ato está para a potência e a substância para os acidentes. Não se pode pensar nenhuma coisa paraalém de Deus, nem o nada absoluto, impossível por definição.[ xxx ]

Acima afirmáramos, com Battista Mondin, que Santo Anselmo abriu novas perspectivas no tocante ao tema das relações entre fé e razão, mas agora ressaltemos queele próprio, embora tenha deixado o problema consignado, não o resolveu. Há laivos deracionalismo em sua teologia, assim como certa confusão conceptual na pressuposição deque, relativamente à fé, as provas aduzidas pela Sagrada Escritura são débeis, sendo,

 pois, necessário lograr demonstrações racionais concludentes.[ xxxi ] Tal intento não selimita, na obra do Arcebispo de Cantuária, ao mistério da Santíssima Trindade, mas seestende a tudo que o fiel crê de Cristo (omnia quae de Christo credimus) sem apelar àautoridade da Sagrada Escritura ( sine Scripturae auctoritate).[ xxxii ] Neste ponto,damos razão a Gallus Maria Manser, um dos expoentes do neotomismo no século XX,

 para quem Anselmo pode perfeitamente enumerar-se entre os autores que deramresolução insatisfatória a esta questão.[ xxxiii ]

Este problema está decerto implicado no argumento ontológico, quando, no capítulo IVdo Proslogion, Anselmo declara que as suas considerações partem da fé e não saem do

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seu domínio.[ xxxiv ] No entanto, é evidente que a maior parte do livro aborda a questãoda existência de Deus a partir de uma visada essencialmente filosófica, e não teológica. O

 pano de fundo – metafísico, sem dúvida – é a distinção entre Criador e criatura, sendoesta última, em virtude de sua indigência ontológica, passível de ser concebida comoinexistente. O fundamento veríssimo da realidade é ser (esse), e nisto radica a

similaridade entre Deus e tudo o que não é Ele, considerando-se porém o seguinte: “Seuma inteligência pudesse conceber algo que fosse melhor do que tu, a criatura se elevariaacima do Criador e viria a ser juiz do Criador, o que é inteiramente absurdo. E, naverdade, o que quer que exista fora de ti, pode ser pensado como não-existente”.[ xxxv ]

A súmula do raciocínio anselmiano está na premissa de que, se Deus está em nossainteligência como o ser perfeitíssimo, deve admitir-se necessariamente como existente narealidade. Caso contrário, ele seria reduzido ao estado “imperfeito” dos entes que sóexistem no plano do pensamento. Como se pode constatar, o autor do  Proslogionidentifica o ser in mente  com o ser in re, e a atratividade do seu argumento residesobretudo no fato de dar vazão à perene aspiração humana pelos valores supremos.

A acolhida de seu argumento, no entanto, não foi unânime.

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V. ADVERSÁRIOS E SEGUIDORES

A primeira grande objeção ao  Proslogion  recebeu-a Santo Anselmo pouco depois dever a sua grande obra publicada. É exatamente a que trazemos nesta edição: o  Livroescrito a favor de um insensato,[ xxxvi ] da lavra do monge beneditino Gaunilo (séculoXI).[ xxxvii ] Nestas páginas de polêmica, faz-se referência a uma mítica Ilha Perdida

onde as delícias e riquezas são incalculáveis. “Se alguém me disser estas coisas [ou seja:se afirmar a existência da Ilha Perdida e dos bens nela existentes], compreendereifacilmente suas palavras, nas quais nada há de difícil compreensão. Mas, se depois,como quem tira uma conseqüência, dissesse: ‘Daqui para a frente não poderás duvidar da existência dessa ilha, visto que tens uma idéia clara da mesma em teu espírito e

 porque existir na realidade é mais do que existir somente na inteligência’ (...); eu suporiaque meu interlocutor estava gracejando”.[ xxxviii ] Na prática, ao tentar reduzir ao absurdo o argumento ontológico, Gaunilo substitui o ser 

 perfeitíssimo de Anselmo pela Ilha Perdida, e conclui – a partir da consignação de quecogitari  não é o mesmo que intelligi – que o Arcebispo de Cantuária dera um salto da

imaginação para a realidade, pois ser pensado não significa a mesma coisa que ser entendido como ente real.[ xxxix ] Com efeito, alguém pode pensar a existência de umacoisa sem, contudo, entender que, pelo simples fato de pensá-la, ela existanecessariamente na realidade. Escreve Gaunilo, com certo sarcasmo: “(...) e não bastadizer que [algo] já existe de antemão em meu espírito no instante mesmo em quecompreendo as palavras pelas quais se expressa, porque, conforme já foi dito, meuespírito poderia conter, igualmente, muitas coisas duvidosas e até mesmo falsas,afirmadas por alguém (...)”.[ xl ]

A resposta de Anselmo, também integrante da presente edição,[ xli ] aponta para uma

falha capital na crítica de Gaunilo: a objeção do monge beneditino se aplica a todo equalquer ente, mas não ao ser perfeitíssimo. Sem dúvida, qualquer coisa contingente pode ser pensada como não-existente, mas não Deus, se for concebido como ens

erfectissimum. Portanto, a objeção de Gaunilo, embora intuísse o famoso salto do plano lógico para o ontológico, não consegue vislumbrar que a falha não está nas premissas, consideradas autonomamente, mas sim no raciocínio que não as consegueconcatenar da maneira devida. Santo Anselmo então fulmina: “(...) ainda que nenhumadas coisas que existem possa ser concebida como não-existente, todas, sem embargo,

 podem ser pensadas como não-existentes, exceto o ser que está acima de tudo”.[ xlii ]Tempos depois de Anselmo, São Boaventura acolhe o argumento anselmiano,

reiterando, com o Arcebispo de Canturária, o fato de a questão se dar inteiramente noâmbito da fé.[ xliii ] Alexandre de Hales (1185-1245), escrevendo um pouco antes deBoaventura, mencionara favoravelmente o argumento de Anselmo em sua glosa àsSentenças de Pedro Lombardo,[ xliv ] de onde extrai as seguintes conclusões:

• o Deus Uno e Trino só pode ser conhecido plenamente por Ele próprio;• o homem, embora conheça a Deus de maneira imperfeita, pensando n’Ele deduz deimediato a Sua existência.[ xlv ]

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É exatamente de Alexandre de Hales que São Boaventura acolhe as premissasanselmianas, e, a partir delas, defende três pontos: 1) a impossibilidade humana deduvidar razoavelmente da existência de Deus; 2) por parte do homem, existe umaconsciência do mistério do Deus que habita uma luz inacessível; 3) o conhecimento doDeus trinitário se dá pela fé.[ xlvi ] E finaliza frisando que a existência de Deus é verdade

 primeira e imediatíssima.[ xlvii ] Posteriormente, no clássico  Itinerarium mentis in Deum, Boaventura volta a acolher o argumento anselmiano.Depois de Boaventura, o mais respeitável autor da escola franciscana que abrigou

favoravelmente as premissas do  Proslogion  foi Duns Scot, identificando-as, antes detudo, com o princípio da não-contradição. Diz ele no Tratado do Primeiro Princípio:“Deus, pensado sem contradição, é aquele em relação ao qual não se pode pensar nadamaior, sem contradição”.[ xlviii ] Na mesma obra, o Doutor Sutil “colore” o argumentoontológico da seguinte maneira: “O que existe é um cogitável maior [do que o que nãoexiste], e, portanto, é mais perfeitamente cogitável, porque visível [ perfectius cogitabile,quia visibile]. O que não existe em si nem aderido a um ser mais nobre, ao que nada

acrescenta, não é visível. Ora, é mais perfeitamente cognoscível o visível que o invisível,o qual só é inteligível abstratamente. Logo, o que é perfeitissimamente cognoscívelexiste”.[ xlix ]

A trajetória do argumento ontológico teria, entre os seus objetores, dois nomes de peso:Santo Tomás de Aquino e Kant. No caso de Tomás, a crítica começa pela constataçãode que, ao pensar em Deus, não necessariamente o homem pensa n’Ele como o ser acima do qual nada pode ser pensado. E dá exemplos: na Antiguidade, houve quemacreditasse ser Deus um corpo: “É provável que quem ouve a palavra ‘Deus’ nãoentenda que, com ela, se expresse o ser maior que se possa pensar, pois de fato algunscreram que Deus era corpo (quidam crediderint Deum esse corpus).[ l ] Na refutação

tomista, está implicado o rechaço de todo idealismo gnosiológico, mas o foco dela é anatureza mesma de Deus, imaterialidade pura, inalcançável para inteligências que

 precisam valer-se dos sentidos para conhecer. Ademais, se, com exceção dos néscios,todos ao pensarem em Deus O concebessem como ser perfeitíssimo, não haveria ateus,os quais são mencionados pelo Doutor Comum exatamente como os que racionalmentenão O aceitam.[ li ]

Santo Tomás apela às propriedades da intelecção humana, a qual vai subindo numaescala que começa nos sensíveis e culmina nos inteligíveis. Em resumo, tendo em vista omodo essencialmente humano de conhecer, o qual não se dá por intuições pré-cognoscitivas das essências das coisas – pois raciocina abstraindo os conceitos das notasindividuantes da matéria, captáveis pelos sentidos –, o Boi Mudo da Sicília preconiza queas únicas demonstrações aceitáveis da existência de Deus serão a posteriori, e a partir deevidências alcançadas pelos sentidos. Noutras palavras, como Deus não é  umcognoscível imediato para a inteligência do homem, este precisa contemplar as criaturas

 para, a partir delas, raciocinando por meio de analogias, chegar à conclusão filosófica deque “Deus é”, ou seja, de que existe.

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Coube a Immanuel Kant trazer à baila uma das tentativas mais sofisticadas de refutar oargumento ontológico de Santo Anselmo. Na Crítica da Razão Pura, mais precisamentena “Dialética Transcendental”, o filósofo de Königsberg rechaça o argumentocosmológico, que se funda no conceito de causalidade, o ontológico, cujo procedimento éapriorístico, e o chamado por ele de físico-teológico, baseado na ordem do mundo[ lii ] – 

o que não seria mesmo de estranhar, em se tratando de um autor cujo criticismo impôs àinteligência humana rígidos limites no tocante ao conhecimento dos entes. Diga-se de passagem que Kant conheceu a prova ontológica de segunda mão, nas formulaçõescartesiana e leibniziana, em meio às quais pontifica: a existência não é  uma realidadecategorial, mas existencial; portanto, não pode ser predicada de nenhum ente. Aqui,

 percebe-se que Kant raciocina tendo no horizonte a sua tese segundo a qual a experiêncianão dá  aos juízos verdadeira universalidade, mas a dá apenas comparativamente, por indução.[ liii ]

Isto quer dizer que a simples análise de uma idéia não permite ao homem chegar àcoisa ideada propriamente dita. Noutras palavras, a existência só pode ser um

limitadíssimo dado de experiência, nunca um conceito abstrato. No caso de Deus, a coisaagrava-se deveras porque d’Ele não podemos ter propriamente experiência.[ liv ] Nestecontexto, acrescenta Kant ser absurdo concluir, de uma existência dada em sentido geral,a necessidade absoluta de Sua existência: “Se num juízo (...) suprimo o predicado emantenho o sujeito, resulta uma contradição, e é por isso que digo que esse predicadoconvém necessariamente ao sujeito. Mas se suprimir o sujeito, juntamente com o

 predicado, não surge nenhuma contradição, porque não há mais nada  com que possahaver contradição. Pôr um triângulo e suprimir os seus três ângulos é contraditório, masanular o triângulo, juntamente com os três ângulos, não é contraditório. O mesmo se

 passa com o conceito de um ser absolutamente necessário. Se suprimis a existência,

suprimis a própria coisa com todos os seus predicados”.[ lv ] E mais: “Se, por conseguinte, penso um ser como realidade suprema (sem defeito), mantém-se sempre o

 problema de saber se existe ou não. Porque, embora nada falte ao meu conceito doconteúdo real possível de uma coisa em geral, falta ainda algo na relação com todo omeu estado de pensamento, a saber, que o conhecimento desse objeto também seja

 possível a posteriori”.[ lvi ]É justamente a existência o que Kant suprime da ordem predicamental, o que se agrava

no caso de Deus, pois d’Ele sequer temos experiência – no sentido próprio do termo. Daía inconsistência do argumento ontológico, segundo o criticismo kantiano.

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VI. UMA EDIÇÃO PARA OS DIAS DE HOJE

Seria copioso trabalho destrinçar os comentários de vários grandes filósofos a respeitodo argumento ontológico, todos eles mais ou menos afastados das premissas de que sevale o Arcebispo de Cantuária no  Proslogion. Na maioria dos casos, o comentador contemplou o escrito de Santo Anselmo a partir de suas próprias doutrinas, casos por 

exemplo de Descartes, Espinosa, Malebranche, Leibniz, Wolf, Baumgarten, Hegel,Schelling e outros.

Revisitar os trechos das obras desses notáveis personagens da história da filosofiaexcederia em muito o propósito desta nota introdutória ao  Proslogion, que a Concretatraz à luz em tradução do filólogo Sérgio de Carvalho Pachá. Mas fique consignado que,ainda hoje, Anselmo encontra acérrimos defensores do seu argumento entre professoresde filosofia e estudiosos de diferentes escolas – cada qual buscando um aspecto em quese apoiar. Isto, por si, justifica uma nova edição do Proslogion em língua portuguesa; nocaso deste volume, acrescida da polêmica que o Arcebispo de Cantuária manteve com omonge beneditino Gaunilo.

Esperamos que o leitor aprecie as páginas a seguir.

[ i ] Cf. GUILLERMO  FRAILE,  Historia de la Filosof ía, Tomo II, Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos(B.A.C.), 1960, p. 291.[ ii ] R ÁBANO MAURO  De Universo, XV, 1 (PL 111, 414B).[ iii ] Não nos custa salientar que esta divisão é caudatária do que, na Escola de Alexandria do tempo de SãoPanteno (?-200), era ensinado com o nome de Disciplinas Encíclicas.[ iv ] Há divergências entre os historiadores quanto à duração do período escolástico. Se tomarmos como critériode definição certo modo harmônico, e complementar, de compreender a filosofia e as ciências – entre as quais seincluía a teologia –, não será arbitrário situar a Escolástica entre os séculos IX e albores do XIV. A partir deentão, com a paulatina separação entre metafísica e teologia nas principais universidades européias, adentramos oterreno que serve de molde à modernidade. Entre o século XV e começos do XVI, o que sobrevive da Escolástica

é um formalismo engessado, fruto seco duma visão de mundo que se deturpara e fora aos poucos sendosubstituída, na mente e no coração dos homens, pela cosmovisão humanista, mais propriamente antropocêntrica,a qual deu lugar a uma atitude contemplativa fragmentária no que tange às ciências.[ v ] Clemente de Alexandria defendia que a fé, por ser superior à filosofia, subministra a plenitude da verdade,visto que procede da Revelação – do  Logos  divino espraiado à inteligência dos homens. Cf. CLEMENTE DE

ALEXANDRIA, Stromata, VII, 10, 480 (PG 9, 478-484). As famosas invectivas clementinas contra os filósofos partiam de certa confusão entre os âmbitos da fé e da razão, além de se pautarem em referências à retóricasofística tomada como conceito unívoco com o de filosofia. Por sua vez, Tertuliano, embora reconhecesse que afilosofia era capaz de alcançar algumas verdades, dizia que isto se devia menos ao labor dos filósofos que ànatureza mesma da verdade, razão pela qual o mérito deles era bastante modesto. Os filósofos, quando acertam,são comparados por Tertuliano a navegantes que, depois duma tempestade, se perdem no mar e ficam à deriva,acabando por chegar à terra por uma espécie de sorte cega (caeca felicitate). Cf. TERTULIANO, De Anima, II, I(PL 2, 648C).[ vi ] SÃO BOAVENTURA, Collationes de Decem Praeceptis, II, nn. 24-25.[ vii ] No dia 7 de março de 1277, Étienne Tempier, então bispo de Paris, promulga a condenação de 219 tesesfilosóficas tidas por heréticas. Na maior parte dos casos, tratava-se de teorias aristotélicas influenciadas peloaverroísmo de professores da Faculdade de Artes da Universidade de Paris. Além destas, dezesseis teses tomistasentraram no bojo da famosa condenação. Cf. PIERRE MANDONNET , Siger de Brabant et l’averroïsme latin ou IIIe. Siècle, Louvain, Institut Supérieur de Philosophie, 1908, pp. 175-191. Aos interessados, informamos que

diferentes edições desta obra de Mandonnet estão digitalizadas e disponíveis na internet, como em<https://archive.org/details/sigerdebrabantet01mand>.[ viii ] “(...) os mistérios do Verbo de Deus são simples, absolutos, imutáveis, nas trevas mais que luminosas dosilêncio que mostra segredos. Em meio às mais negras trevas, fulgurantes de luz os mistérios desbordam”.

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PSEUDO-DIONÍSIO AREOPAGITA, Teologia Mística, I, 1 (PG 3, 998A-B).[ ix ] “ Neque enim quaero intelligere ut credam, sed credo ut intelligam”, p. 44 desta edição.[ x ] A absorção do direito natural pela justiça sobrenatural, assim como das prerrogativas civis pelos direitos daIgreja, foi defendida por teóricos que não foram de todo fiéis ao princípio de subsidiariedade já presente emAgostinho. Para uma primeira aproximação ao tema, indicamos o clássico livro de H.-X. ARQUILLIÈRE, L’augustinisme politique – Essai sur la formation des théories politiques du Moyen Age, 2ª éd., Paris, Vrin, 1955.[ xi ] “ Habet igitur mens rationalis, cum se cogitando intelligit , secum imaginem suam ex se natam, id est 

cogitationem sui ad suam similitudinem quasi sua impressione formatam”, in Monologium, c. 33.[ xii ] Cf. JULIÁN  ALAMEDA, Obras Completas de San Anselmo, Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos(B.A.C.), 1952, Tomo I, Introdución General, p. 94.[ xiii ] “Cosi la teologia, grazie ad Anselmo, trova un posto e un compito distinto da quelli della esegesi biblica edella filosofia. Si può affermare che la dissociazione cosciente tra filosofia e teologia è opera di Anselmod’Aosta”. BATISTA MONDIN, Storia della Metafisica, Bologna, Edizione Studio Domenicano, 2008, Vol. 2, p. 297.[ xiv ] ZEFERINO GONZÁLEZ,  Historia de la Filosof ía, Madrid, Agustín Jubera, 1886, Tomo 2, pp. 148-153.[ xv ] LLORCA, VILLOSLADA, LABOA,  Historia de la Iglesia Católica,  Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos(B.A.C.), 2009, Tomo II, Edad Media – la cristianidad en el mundo europeo y feudal (800-1303), p. 112.[ xvi ] “Saeculum quod sui ac boni sterilitate  ferreum, malique exundantis deformitate plumbeum , atque inopia scriptorum appellari consuevit  obscurum”, in Annales eclesiastici, Roma, 1602, tom. X, a. 900, p. 647.[ xvii ] GUILLERMO FRAILE,  Historia de la Filosof ía,  Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos (B.A.C.), 1960,Tomo II, pp. 344-345.

[ xviii ] Para uma compreensão sinóptica deste período, ver JEAN LEFLON, Humanisme et chrétienté au Xe siècle,Saint-Wandrille, Éditions de Fontenelle, 1946.[ xix ] MAURÍLIO CÉSAR DE LIMA, Introdução à História do Direito Canônico, São Paulo, Edições Loyola, 2004, p. 87.[ xx ] DOM  IDELFONSO HERWEGEN, O.S.B., Sentido e Espírito da Regra de São Bento, Rio de Janeiro, EdiçõesLumen Christi, 1953, p. 43.[ xxi ] JOSÉ LUIS LLANES; JOSÉ IGNASI SARANYANA, Historia de la Teología – Primera Parte, Madrid, Bibliotecade Autores Cristianos (B.A.C.), 1995, pp. 14-5.[ xxii ] Op. cit., p. 15.[ xxiii ] No Grande Cisma do Oriente, também conhecido como Cisma de 1054, o pomo teológico da discórdiafoi o  Filioque, que os orientais não aceitavam. Em suma, o Credo Niceno-Constantinopolitano enfatizara que oEspírito Santo procede do Pai e do Filho, e isto levou os orientais a acusar os ocidentais de mudar o Símbolo daFé, pois, com a fórmula “que procede do Pai e do Filho”, parecia negar-se a fórmula grega “do Pai  pelo Filho”. Acontrovérsia atravessou vários séculos, e um precedente do Cisma teve lugar no ano de 857, quando o imperador  bizantino Miguel III, o Ébrio (840-867), expulsou da sede de Constantinopla Inácio (797-877), seu patriarca, hojeconsiderado santo tanto pela Igreja Católica como pela Ortodoxa. Para detalhes sobre o Filioque, ver A. VACANT,E. MANGENOT  et E. AMANN,  Dictionnaire de Théologie Catholique – L’exposé des doctrines de la théologiecatholique, leurs preuves et leur histoire. Tome Cinquième, Paris, Letouzey et Ané, 1947, pp. 2310-2343.[ xxiv ] SANTO A NSELMO, Epist. 94.[ xxv ] SANTO A NSELMO,  Monologium, cap. XVII.[ xxvi ] Op. cit., cap. XX.[ xxvii ] OCTAVIO DERISI, Tratado de Existencialismo y Tomismo, Buenos Aires, Emecé Editores, 1956, p. 117.[ xxviii ] Ver CORNELIO FABRO,  L’uomo e il rischio di Dio, Roma, Studium, 1967. O trecho desta obra cujaleitura recomendamos enfaticamente é o apêndice IV, intitulado L’argomento ontologico e il pensiero moderno, 1.Origine e forma dell’argomento in S. Anselmo.

[ xxix ] Em sintaxe, numa estrutura composta por dois membros relacionados entre si, prótase é o que, sendosubordinado, cria certa expectativa com relação ao segundo. Por sua vez, a apódose encerra o enunciado demaneira aparentemente satisfatória. Exemplo: “Quem desdenha (prótase), quer comprar (apódose).” Paradialéticos medievais, prótase e apódose relacionavam-se em enunciados condicionais nos quais o últimocomponente era inferido do primeiro: se “A”, então “B”.[ xxx ] Cf. MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS, Filosof ia Concreta, 3ª ed., São Paulo, Logos, 1961, Teses 1 e 2, pp.29-32.[ xxxi ] Monologium, Praef.[ xxxii ] Cur Deus Homo, Praef.[ xxxiii ] G.M. MANSER , O.P., La Esencia del Tomismo, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas,1953, pp. 144-5. Como adeptos da escola tomista, não nos afastamos um centímetro sequer da tese de que não

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se deve tentar demonstrar racionalmente as verdades da fé, pois isto, além de ser um procedimentofilosoficamente inócuo, diminui o caráter sublime dela (“hoc enim sublimitati fidei derogaret ”). Cf. SANTO

TOMÁS DE AQUINO, De rationibus f idei, Cap. II.[ xxxiv ] “Gratias tibi, bone Domine, gratias tibi, quia quod prius credidi te donante, iam sic intelligo teilluminante, ut, si te esse nolim credere, non possim non intelligere”, p. 48.[ xxxv ] Cap. 3, pp. 47-8.[ xxxvi ] “Quid ad haec respondeat quidam insipiente”, também conhecido como “ Liber pro insipiente”, parte II

deste livro, p. 83.[ xxxvii ] Não se conhecem ao certo as datas de nascimento e de morte de Gaunilo.[ xxxviii ] Quid ad haec respondeat quidam insipiente, n. 6, p. 91 desta edição.[ xxxix ] Gaunilo nega que tenhamos na mente um conceito apropriado de Deus, mas apenas o termo “Deus” e aexpressão aliquid omnibus maius (algo maior que tudo), a qual é uma expressão vazia, porque Deus não pode ser conhecido em Si mesmo nem, de modo devido, por meio de alguma coisa semelhante a Ele. Por isso, o nossoconhecimento de Deus não é perfeito, mas secundum vocem, ou seja, de acordo com “uma palavra da qual não se pode, em absoluto, ou somente com grande dificuldade, deduzir a realidade que expressa”. Op. cit., n. 4, p. 89desta edição.[ xl ] Op. cit., n. 2, p 87 desta edição.[ xli ] Quid ad haec respondeat editor ipsius libelli, parte III deste livro, p. 95.[ xlii ] Op. cit., n. 17, p. 105 desta edição.[ xliii ] SÃO BOAVENTURA, Quaestiones de mysterio Trinitatis, I.

[ xliv ] ALEXANDRE DE HALES, Glossa in quattuor libros Sententiarum, III.[ xlv ] FRANCESCO TOMATIS, O argumento ontológico – A existência de Deus de Anselmo a Schelling , São Paulo,Paulus, 2003, p. 24.[ xlvi ] Op. cit., I, 1, contra. 9.[ xlvii ] Op. cit., I, 1, Conclus.[ xlviii ] DUNS SCOT, Primo Principio, C. IV, n. 79. “Deus est quo cogitato sine contradictione maius cogitari non potest sine contradictione”. O grande metafísico da virada dos séculos XIII para o XIV, aludindo à prova deSanto Anselmo, diz tratar-se de uma dedução na qual estão implicados dois raciocínios. Primeiro: o ser é maior que o não-ser; nada é maior que o ser supremo; logo, o ser supremo não é o não-ser. Segundo: o que não é não-ser, é ser; ora, o ser supremo não é não-ser; logo, é ser”. Cf. DUNS SCOT, Ordinatio, nn. 137-140.[ xlix ] DUNS SCOT, Op. cit., C. IV, n. 79. Não estranhe o leitor o aparente salto entre as premissas e a conc lusão,o que não é incomum em Scot, pois muitas vezes a concatenação por ele vislumbrada se dá por meio de premissas ocultas ou mencionadas em distintas passagens do livro no qual aborda um tema. Diga-se, noutraordem de considerações, que a acolhida de Duns Scot ao argumento anselmiano se dá num vetor muito diferentedo considerado pelo Arcebispo de Cantuária, pois a intenção do Doutor Sutil é provar a existência de Deus a partir da única propriedade d’Ele que o homem pode conceber com segurança: a infinitude. Embora aceite oargumento ontológico no plano da não-contradição, Duns Scot afasta-se de Anselmo porque afirma ser maissegura a prova a posteriori – embora não em clave tomista, a saber, a partir dos dados sensíveis.[ l ] SANTO TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, I, q. 2, art. 1, resp. 2.[ li ] “(…) quod non est datum a ponentibus Deum non esse”. Loc. cit .[ lii ] Crítica da Razão Pura, 5ª ed., Lisboa, Calouste Gulbenkian, 2001, Dialética Transcendental, Capítulo III: Oideal da Razão Pura, Terceira Seção: Dos argumentos da razão especulativa em favor da existência de um ser supremo (pp. 507-511); Quarta Seção: Da impossibilidade de uma prova ontológica da existência de Deus (pp.512-518); Quinta Seção: Da impossibilidade de uma prova cosmológica da existência de Deus (pp. 519-529);Sexta Seção: Da impossibilidade de uma prova físico-teológica (pp. 537-543).

[ liii ] Op. cit., Introdução, II. Estamos de posse de determinados conhecimentos a priori, e mesmo o sensocomum nunca deles é destituído, B4.[ liv ] Evidentemente, para não fugirmos às bitolas filosóficas da critica kantiana, não consideramos neste ponto aexperiência mística nem a ação da graça eficaz na alma fiel, temas propriamente teológicos.[ lv ] Op. cit., Dialética Transcendental. Capítulo III: O ideal da Razão Pura. Quarta Seção: Da impossibilidade deuma prova ontológica da existência de Deus, A 595-B 621, p. 512.[ lvi ] Op. cit., Dialética Transcendental. Capítulo III: O ideal da Razão Pura. Quarta Seção: Da impossibilidade deuma prova ontológica da existência de Deus, A 600-B 628, p. 517.

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PARTE I

 Proslógio

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PRÓLOGO

Depois de ceder aos pedidos de alguns irmãos e dar à publicidade um opúsculo queservisse de exemplo de meditação sobre os mistérios da fé a um homem que, refletindoem silêncio consigo mesmo, tenta descobrir o que ignora, percebi que esta obra exigia a

concatenação de muitos argumentos e me pus a pensar se não seria possível encontrar um único argumento que a si mesmo bastasse e demonstrasse que em verdade Deusexiste e é o Sumo Bem, que não precisa de qualquer outro princípio, e do qual todos osdemais seres precisam para existir e para serem bons: que, numa palavra, sustentassecom sólidas razões tudo que cremos da substância divina. Ao revolver, uma e muitasvezes, estes pensamentos, com a devida atenção, parecia-me, por vezes, que eualcançaria o que buscava; outras vezes, contudo, parecia escapar-me para sempre.Desesperando, enfim, decidi abandonar minha busca como algo impossível de alcançar.Temendo que esse pensamento ocupasse inutilmente meu espírito e o afastasse de outrosobjetos de estudo que eu poderia perseguir de maneira proveitosa, quis afastá-lo de mimde todo em todo. Mas quanto mais tentava afastá-la e menos queria dar-lhe abrigo, maise mais me perseguia e importunava. Assim foi que, certo dia em que eu estava cansadode resistir com veemência a essa importunação, no conflito mesmo de meus

 pensamentos se me ofereceu a idéia que eu já desistira de encontrar, e eu a acolhi com omesmo empenho que pusera em rechaçá-la.

Pensando, pois, que aquilo que eu encontrara com tanto prazer poderia, se fosseescrito, causar o mesmo prazer a quem o lesse, escrevi, sobre esse tema e alguns outros,o opúsculo que se segue, no qual dou a palavra a uma pessoa que busca elevar sua almaà contemplação de Deus e se esforça por compreender o que crê. E, como nem o

 primeiro tratado nem este me parecem merecer o nome de “livros”, nem sãosuficientemente grandes para que se lhes anteponha o nome do autor, mas, semembargo, precisam de um título que convide a lê-los quem quer que os tenha em mãos,chamei ao primeiro  Exemplo de meditação sobre os fundamentos racionais da fé  e aosegundo A fé em busca de apoio na ra zão.

Mas como foram, em seguida, transcritos por muitos com esses títulos, persuadiram-me algumas pessoas a apor-lhes meu nome; entre estas figurava o reverendíssimoarcebispo de Lião, Hugo, legado apostólico da Gália, que mo ordenou, com suaautoridade apostólica. Para que isto se fizesse com maior facilidade, a um chamei de

onologium, vale dizer, “solilóquio”, e ao outro de Proslogion, ou seja, “alocução”.

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CAPÍTULO 1

 Exortação à contemplação de Deus

Pobre mortal, subtrai-te por um momento a tuas ocupações habituais, esconde-te deteus tumultuosos pensamentos. Lança para longe de ti tuas pesadas preocupações, afasta

de ti tuas laboriosas inquietudes. Busca a Deus por um momento, por um momento nelerepousa. Entra no santuário[ 1 ] de tua alma, dele exclui tudo que não seja Deus e o que possa ajudar-te a alcançá-lo, e,  fechada a porta,[ 2 ] busca-o. Dize, meu coração, dizeagora a Deus: Busco tua face, é tua face que eu quero, Senhor.[ 3 ]

E agora, Senhor meu Deus, ensina a meu coração onde e como te encontrará, onde ecomo há de buscar-te. Se não estás em mim, Senhor, se estás ausente, onde teencontrarei? Se estás em toda parte, por que não te vejo presente? Mas decerto habitasuma luz inacessível .[ 4 ] E onde está essa luz inacessível? Ou como terei acesso a essaluz inacessível? Quem me guiará e conduzirá a essa morada de luz para que nela te veja?Por meio de que sinais? Nunca te vi, Senhor meu Deus, não conheço tua face. Que fará,

Senhor altíssimo, que fará este exilado tão longe de ti? Que fará este teu servoatormentado pelo amor a ti e arrojado para longe de tua presença?[ 5 ] Anseia por ver-te e demasiado dista a tua face. Deseja ter acesso a ti e tua morada é inacessível. Anseia

 por encontrar-te e ignora onde vives. Gostaria de procurar-te e desconhece os traços deteu rosto. Senhor, és o meu Deus e meu Senhor e jamais te vi. Fizeste-me e refizeste-me, concedeste-me todos os bens que possuo e ainda não te conheci. Enfim, fui feito

 para ver-te e ainda não alcancei a finalidade de meu nascimento.Ó mísera sorte do homem, que perdeu aquilo para que fora criado! Ó duro e diro caso!

O que perdeu ele e o que achou? O que deixou escapar e o que lhe ficou? Perdeu afelicidade para a qual fora criado, achou o infortúnio para o qual não fora criado. Viu

afastarem-se as coisas sem as quais não há felicidade e restou-lhe apenas uma desditainevitável. Ele, que antes comia o pão dos anjos,[ 6 ] agora tem fome e come o pão dador ,[ 7 ] que ele sequer conhecia. Ó luto público dos homens, ó pranto universal dosfilhos de Adão! Nosso primeiro pai comia até fartar-se, nós gememos na penúria; eletinha em abundância e nós mendigamos. Possuía a felicidade e tudo perdeu; como ele,estamos imersos na infelicidade e na dor; nossos desejos trazem a marca de nossosofrimento e não são satisfeitos. Por que não preservou para nós o bem cuja perdahaveria de ser-nos tão dolorosa? Por que nos vedou o acesso à luz e rodeou-nos detrevas? Por que nos tirou a vida e votou-nos à morte? Desgraçados de nós, de ondefomos expulsos? Para onde fomos impelidos? De onde fomos precipitados? Onde fomossepultados? Da pátria passamos ao desterro; da visão de Deus à cegueira em que nosachamos. Da doçura da imortalidade à amargura e ao horror da morte. Ó mudançafunesta! Que mal medonho tomou o lugar de tamanho bem! Grave perda, grave dor,grave congérie de danos!

Desgraçado de mim, um dentre outros desgraçados filhos de Eva apartados de Deus. Oque empreendi? O que efetuei? Para onde me dirigia? Aonde cheguei? A que aspirava?Qual a razão de meus suspiros?  Eu buscava a ventura e encontro a perturbação.[ 8 ]

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Buscava o repouso no segredo de meu coração e lá achei tribulação e dor .[ 9 ] Queriaalegrar-me com toda a alegria de minha alma e vejo-me obrigado a  gemer os gemidos demeu coração.[ 10 ] Eu esperava a felicidade e eis que se me adensam meus suspiros.

E tu, Senhor, até quando? Até quando nos esquecerás? Até quando apartarás de nósa tua face? Quando nos  fitarás e ouvirás? Quando iluminarás os nossos olhos  e nos

mostrarás[ 11 ] a tua face?[ 12 ] Quando atenderás aos nossos desejos? Senhor, volveteus olhos para nós, ouve-nos, ilumina-nos, mostra-te a nós. Sem ti não temos senãodesditas, atende aos nossos desejos para que sejamos novamente felizes. Tem piedade denossos trabalhos e dos esforços que fazemos para chegarmos a ti, pois sem ti nada

 podemos. Tu nos convidas, ajuda-nos.[ 13 ] Suplico-te, Senhor, que eu não desesperesuspirando, mas respire esperando. Suplico-te, Senhor, meu coração está amargurado emseu desconsolo, edulcora-o com tua consolação. Suplico-te, Senhor, pus-me a buscar-teatormentado pela fome; não permitas que me vá sem estar saciado. Aproximei-me de tifamélico, não deixes que eu me afaste sem me ter alimentado. Pobre que sou, acerquei-me do rico; desgraçado que sou, acerquei-me do misericordioso; não permitas que me vá

de mãos vazias e desprezado. E se  suspiro antes de comer ,[ 14 ] dá-me ao menos,depois de meus suspiros, o que eu coma. Encurvado como estou, Senhor, não possoolhar senão para baixo. Ergue-me, para que eu possa fitar o céu.  Minhas iniqüidades jáultrapassam minha cabeça, rodeiam-me inteiramente e me oprimem como uma cargaesada.[ 15 ] Livra-me destes obstáculos, desembaraça-me deste peso, a fim de que eu

não seja por eles tragado, como pela boca de um poço.[ 16 ] Seja-me permitido volver meus olhos para a tua luz, ao menos de longe, ao menos do fundo de meu abismo.Ensina-me a buscar-te, mostra-te a quem te busca, porque não posso buscar-te se nãome ensinas o caminho. Não posso encontrar-te se não te mostras a mim. Que eu te

 busque desejando-te, que eu te deseje buscando-te, que eu te encontre amando-te, que

eu te ame encontrando-te.Reconheço, Senhor, e dou-te graças por teres criado em mim esta tua imagem,[ 17 ]

 para que me lembre de ti, para que pense em ti, para que te ame. Mas tão destruída estáela por obra dos vícios, tão escurecida pelo fumo dos pecados, que não pode alcançar ofim a que fora destinada, a não ser que a reformes e renoves. Não tento, Senhor,

 penetrar tua profundidade, pois a ela de modo algum pode comparar-se minhainteligência; mas desejo, na medida de minhas forças, compreender tua verdade, em quecrê e que ama meu coração. Pois não busco entender para crer, mas creio para entender.Creio, com efeito, pois, se não crer, não entenderei.[ 18 ]

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CAPÍTULO 2

Que Deus existe verdadeiramente

Tu, portanto, Senhor, que dás o entendimento da fé, concede-me, na medida em queeste conhecimento pode ser-me útil, compreender que tu existes, como o cremos, e que

és o que cremos. Cremos, com efeito, que acima de ti nada pode ser concebido pelo pensamento. Trata-se, pois, de saber se tal ser existe, porque o insensato disse em seucoração: Não há Deus.[ 19 ] Mas quando esse mesmo insensato ouve-me dizer que háum ser acima do qual nada maior podemos pensar, ele entende o que ouve; o

 pensamento está em sua inteligência, ainda que não creia que existe o objeto desse pensamento. Porque uma coisa é ter a idéia de um objeto qualquer, e outra é crer em suaexistência. Quando um pintor pensa de antemão naquilo que vai pintar, decerto temaquilo no intelecto, mas sabe que ainda não existe, visto que ainda não o fez. Quando,

 porém, já pintou, não somente o tem no espírito, mas também sabe que o fez. Oinsensato tem de convir que tem no intelecto a idéia de um ser acima do qual não se

 pode pensar nada maior, porque quando ouve enunciar este pensamento entende-o, equalquer coisa que se entenda está no intelecto. E, sem dúvida alguma, esse objeto acimado qual não se pode pensar nada maior, não existe somente na inteligência, porque, seassim fosse, poder-se-ia supor, pelo menos, que existe também na realidade, novacondição que faria um ser maior do que aquele que não tem existência senão no puro esimples pensamento. Portanto, se esse objeto acima do qual não há nada maior estivessesomente na inteligência, seria, sem embargo, tal que haveria algo acima dele, conclusãoesta que não seria legítima. Existe, por conseguinte, sem sombra de dúvida, um ser acimado qual não se pode pensar o que quer que seja, nem no pensamento nem na realidade.

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CAPÍTULO 3

Que não se pode pensar que Deus não existe

Isto, de fato, é tão verdadeiro, que não se pode sequer pensar que não o seja. Porquese pode conceber um ser tal que não possa ser pensado como não existente na realidade

e que, portanto, é maior do que aquele cuja idéia não implica, necessariamente, aexistência. Por isso, se o ser acima do qual não se pode pensar nada maior pode ser considerado não-existente, segue-se que este ser que não tinha igual já não é aqueleacima do qual nada maior se possa conceber, o que é uma conclusão necessariamentecontraditória. Existe, portanto, verdadeiramente, um ser acima do qual não podemoserigir um outro, e de tal sorte que nem sequer pode ser pensado como não-existente.

E este ser és tu, Senhor nosso Deus. E tão verdadeiramente existes, Senhor meu Deus,que não se pode sequer pensar que não existes, e com razão: pois, se uma inteligência

 pudesse conceber algo que fosse melhor do que tu, a criatura se elevaria acima doCriador e viria a ser juiz do Criador, o que é inteiramente absurdo. E, na verdade, o que

quer que exista fora de ti, pode ser pensado como não-existente. Somente a ti pertence aqualidade de existir verdadeiramente e no mais alto grau. Por que, pois, disse o insensatoem seu coração: Não há Deus, quando é tão fácil a uma mente racional compreender que existes em grau maior do que todas as coisas? Por que, senão por ser insensato esem inteligência?

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CAPÍTULO 4

Como o insensato disse em seu coração o que não se pode pensar 

Mas como o insensato disse em seu coração o que não pôde pensar, ou como não pôde pensar o que disse em seu coração, uma vez que dizer em seu coração e pensar são a

mesma coisa? E, se é possível dizer verdadeiramente o que pensou, uma vez que foi ditoem seu coração, e, ao mesmo tempo, não o ter dito em seu coração porque não pôde pensá-lo, cumpre admitir que há mais de uma maneira de dizer em seu coração ou de pensar. Uma coisa é pensar em algo quando se pensa na palavra que o designa; outracoisa é a inteligência entender o que aquilo é. No primeiro sentido, pode-se pensar queDeus não existe; no segundo, não. Ninguém, com efeito, que possa compreender o queDeus é pode pensar que Deus não existe, ainda que profira estas palavras em seucoração, quer sem lhes atribuir sentido algum, quer atribuindo-lhes um outro significado,

 porque Deus é um ser tal que não se pode conceber nada maior do que Ele. Quemcompreende isto bem, compreende ao mesmo tempo que tal ser não pode ser pensado

sem existir de fato.Graças te sejam dadas, Senhor, graças te sejam dadas, porque aquilo que, no princípio,eu cri pelo dom com que me agraciaste, eu compreendo agora graças à luz com que meiluminas, e ainda que eu não quisesse crer que existes, eu não poderia pensá-lo.

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CAPÍTULO 5

Que Deus é tudo aquilo que é melhor que exista do que não exista;e que, sendo o único que existe por si mesmo, fez tudo do nada

Quem és, pois, Senhor meu Deus, acima de quem não se pode pensar nada maior? E

quem podes ser senão aquele que, existindo sozinho acima de todos por si mesmo, tudoo mais fez a partir do nada? Porque tudo que não é esse poder, é inferior ao que pode ser  pensado por nós. Mas isto não pode ser pensado de ti. Que bem, portanto, falta ao SumoBem, do qual emana todo bem? És, portanto, justo, verdadeiro, feliz, e tudo que émelhor ser do que não ser. Pois é melhor ser justo do que não justo, feliz do que nãofeliz.

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CAPÍTULO 6

Como Deus é sensível, embora não seja corpo

Mas, sendo melhor seres sensível, onipotente, misericordioso, impassível, do quecareceres de todos estes atributos, como és sensível se não tens corpo, ou todo poderoso

se não podes tudo, ou cheio de misericórdia, e, ao mesmo tempo, impassível? Visto quesomente os seres corpóreos são sensíveis, porque os sentidos se estendem pelo corpo efazem parte dele, como podes ser sensível, se não és corpo, mas espírito supremo e, por isso mesmo, melhor do que o corpo? Mas, se sentir é conhecer ou algo orientado para oconhecimento, o que sente conhece segundo as propriedades dos sentidos, como as cores

 pela vista, os sabores pelo paladar. E, portanto, não é impróprio dizer que todo ser queconhece, sente. Deste modo, Senhor, embora não sejas corpo, és, sem embargo,soberanamente sensível, visto que conheces todas as coisas em seu próprio ser, e nãocomo um animal, que as conhece apenas por seus sentidos corporais.

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CAPÍTULO 7

Como Deus é onipotente, embora muitas coisas lhe sejam impossíveis

Mas como és onipotente se não podes tudo? Se não podes corromper-te, ou mentir,nem fazer com que o verdadeiro seja falso ou que o feito seja não feito, e outras coisas

semelhantes, como podes tudo? Ou, porventura, poder estas coisas não é potência, massim impotência? Porque o que pode fazer tais coisas pode fazer o que é funesto ou vaicontra seu dever. Ora, quanto mais poderoso é alguém desta maneira, tanto mais poder tem sobre ele a adversidade e o mal e menos poder tem ele contra uma e outro. Logo,semelhante faculdade [de fazer o mal] não é poder, mas impotência. E por isso não sediz que ele próprio possui o poder, mas que a sua impotência faz com que outros tenham

 poder sobre ele. É um modo de falar impróprio, como muitas outras coisas que se dizem.Usamos, por exemplo,  ser   por não ser   e  fazer para exprimir não fazer   ou não fazer nada. Dizemos freqüentemente, a alguém que nega algo, é como dizes, embora fossemais próprio dizer na verdade a coisa não é como dizes que não é. Também dizemos

este se senta como aquele ou este descansa como o faz aqueloutro, embora por  sentar- se  entendamos não fazer algo  e por descansar   entendamos não fazer nada. Assim, portanto, quando se diz de alguém que tem o poder de fazer ou sofrer algo que não lheconvém ou que não deve fazer, entende-se que se trata de impotência, ainda que seempregue a palavra  potência, porque quanto mais poderoso é neste sentido, tanto maisfortes são contra ele o infortúnio e a perversidade, e tanto mais ele é fraco contra elas.Assim, pois, Senhor nosso Deus, tu és verdadeiramente onipotente, porque nada podesno que é fruto da impotência e nada pode contra ti.

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CAPÍTULO 8

Como é misericordioso e impassível 

Mas como és, simultaneamente, misericordioso e impassível? Pois, se és impassível,não compartes nossos padecimentos; e se não os compartes, não tens um coração

misericordioso que se compadeça do miserável, pois é nisto que consiste o ser misericordioso. Mas, se não és misericordioso, de onde provém a consolação que proporcionas aos desgraçados?

Como, pois, és e não és misericordioso, Senhor, senão sendo-o de acordo com o nossomodo de ser, e não com o teu? Tu o és, com efeito, para que te compadeças de nossossofrimentos, mas não para que os experimentes. Na verdade, quando volves teus olhos

 para as nossas misérias, sentimos o efeito da tua misericórdia, mas não sentes osofrimento causado pela vista delas. És, portanto, misericordioso porque salvas osdesgraçados e perdoas os pecadores; e não o és porque não podes ser afetado pelacompaixão de nossas misérias.

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CAPÍTULO 9

Como, sendo total e soberanamente justo, perdoaos maus e com justiça deles se comisera

Mas se és absoluta e soberanamente justo, como perdoas os maus? Sendo absoluta e

soberanamente justo, como fazes algo injusto? Ou que justiça há em dar a vida eterna aquem merece a morte eterna? De onde vem, Deus bom, bom para os bons e para osmaus, de onde vem que salves os maus, se isto não é justo e não podes fazer nadainjusto?

Acaso isto acontece porque, sendo a tua bondade incompreensível, isto fi-ca oculto naluz inacessível em que habitas? Verdadeiramente é no altíssimo e secretíssimo âmago detua bondade que está oculta a fonte de onde flui o rio da tua misericórdia. Pois, aindaque sejas absoluta e soberanamente justo, inclinas-te a fazer bem aos maus, porque ésabsoluta e soberanamente bom. Com efeito, serias menos bom se não fosses bom paraalguém mau. Porque aquele que é bom para os bons e para os maus é melhor do que

aquele que o é somente para os bons, e aquele que é bom castigando e perdoando osmaus é melhor do que aquele que não é bom senão castigando-os. És, pois,misericordioso, porque és absoluta e soberanamente bom; e como, por outro lado, é fácilver por que dás o prêmio aos bons e o castigo aos maus, com boas razões nosadmiramos profundamente ao vermos a ti, absolutamente justo; a ti, que não precisas doauxílio de ninguém, dar teus bens aos maus e aos culpados. Ó profundeza da bondadetua, meu Deus! Vemos de onde promana tua misericórdia, mas nosso olhar não vai maisalém. Vemos de onde promana o rio, mas não distinguimos a fonte de onde nasce. Tiraso teu amor para com o pecador da plenitude de tua bondade, mas a razão deste amor está na profundeza da tua bondade. Porque, embora recompenses os bons e castigues os

maus movido por tua bondade, esta distribuição é também conseqüência da tua justiça.Mas quando concedes um bem aos maus, sabemos que tua bondade o quis, mas aindaassim nos espantamos de que tua soberana justiça tenha podido querê-lo.

Ó misericórdia, com que abundante doçura e com que doce abundância fluis até nós! Óimensidão da bondade divina, com que grande amor deves ser amada pelos pecadores!Salvas os justos em nome da justiça, livras os pecadores ainda quando a justiça oscondena. Uns devem a salvação a seus méritos;[ 20 ] outros a alcançam apesar de seusdeméritos. Uns por conheceres os bens que lhes deste; outros por neles perdoares o malque odeias. Ó bondade imensa, que ultrapassa todo pensamento! Caia sobre mim aquelamisericórdia que promana de tua opulência! Que aquilo que de ti promana chegue atémim. Perdoa-me por tua clemência, não te vingues por tua justiça. Porque, embora sejadifícil compreender como a tua misericórdia não se aparta da tua justiça, é necessáriocrer, contudo, que aquilo que extravasa da superabundância de tua bondade de modoalgum contraria a justiça, porque essa bondade não pode existir sem a justiça, mas, pelocontrário, a ela está estreitamente unida. Assim, se é certo que és misericordioso por seres sumamente bom, e não és sumamente bom senão porque és sumamente justo, daíse segue que tua suma misericórdia é conseqüência de tua suma justiça. Ajuda-me, Deus

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usto e misericordioso, cuja luz eu busco, ajuda-me para que eu compreenda o que digo.És, portanto, verdadeiramente misericordioso porque verdadeiramente justo.

Então a tua misericórdia nasce da tua justiça? Então a tua justiça perdoa os pecadores?Se assim é, Senhor, se assim é, ensina-me como é. É por seres justo que és bom a pontode não poderes ser pensado melhor e obras com tal poder que não podes ser pensado

mais poderoso? Que haverá, com efeito, mais justo do que Deus? Não seria assim, comefeito, se fosses bom somente retribuindo, mas não perdoando, e se fizesses bonssomente os que não o são, mas não [fizesses também bons] os maus.[ 21 ] Enfim, aquiloque não é feito com justiça não deve ser feito; e o que não deve ser feito é feitoinjustamente. Se, portanto, compadeces-te dos maus injustamente, não devescompadecer-te; e, se não deves compadecer-te, compadeces-te injustamente. Mas, sedizê-lo é algo nefando, temos de crer que com toda a justiça te compadeces dos maus.

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CAPÍTULO 10

Como sem ferir a justiça castiga e perdoa os maus

Mas também é justo que castigues os maus. Que haverá, com efeito, mais justo quereceberem os justos um prêmio e os maus um castigo? Como, pois, será justo que aos

maus castigues e perdoes? Haverá, acaso, uma justiça que os castiga e outra que os perdoa? Quando castigas os maus é justo que o faças, porque mereceram a punição; e,quando os perdoas, também és justo, porque tua vontade se conforma com tua bondade,e não com os merecimentos deles. Ao perdoares os maus és justo segundo a tua justiça,e não de acordo com as nossas obras, assim como és misericordioso segundo aquilo quesomos, e não segundo aquilo que és. Pois quando nos salvas a nós, a quem com justiçadeverias condenar, és misericordioso não porque sintas um afeto alheio a tua natureza,mas porque nós sentimos o efeito de tua bondade. Do mesmo modo és justo, não porquenos dês algo a nós devido, mas porque fazes o que compete a ti, sumamente bom.Assim, portanto, sem que nisto vá qualquer contradição, justamente castigas e

recompensas.

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CAPÍTULO 11

Como “todos os caminhos do Senhor são misericórdia e verdade” e,contudo, “justo é o Senhor em todos os seus caminhos”

Mas, Senhor, porventura não seria justo, também, e em conformidade com as tuas

 perfeições, que castigasses também os maus? Justo é, com efeito, o seres justo a tal ponto que nada mais justo do que tu possa ser pensado. E tal não serias se apenasrecompensasses os bons e não punisses os maus. Pois mais justo é aquele que retribuisegundo seus méritos os bons e os maus do que aquele que recompensa apenas os bons.É portanto justo e conforme à tua natureza, Deus justo e benigno, que castigues e

 perdoes. É portanto verdade que todos os caminhos do Senhor são misericórdia everdade[ 22 ] e, sem embargo, verdade é também que o Senhor é justo em todos os seuscaminhos,[ 23 ] e estas duas verdades não estão em contradição, porque não é justo quese salvem aqueles a quem queres castigar e que sejam condenados aqueles a quemqueres salvar. Porque somente é justo o que queres e injusto o que não queres. Assim,

 pois, tua misericórdia nasce de tua justiça, porque é justo que sejas bom até o ponto de perdoares. E talvez por isso o que é soberanamente bom pode querer o bem dos que sãomaus. Mas, se é possível compreender por que possas querer salvar os maus, nem por isso parece impossível compreender por que, entre seres igualmente maus, salves a uns,mais que a outros, por obra de tua suprema bondade, e condenes a uns, mais do que aoutros, por obra de tua suprema justiça. Assim, pois, és verdadeiramente sensível,onipotente, misericordioso e impassível, do mesmo modo que és vivente, sábio, bom,feliz, eterno e tudo que é melhor que exista do que não exista.

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CAPÍTULO 12

Que Deus é a própria vida pela qual vive e que outrotanto se pode dizer de seus demais atributos

Tudo que és não o és por outro, senão por ti mesmo. És, pois, a própria vida pela qual

vives, a sabedoria pela qual és sábio, a bondade pela qual és bom para com os bons e osmaus, e assim por diante com os demais atributos.

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CAPÍTULO 13

Como somente Ele é sem limites e eterno, ainda que osoutros espíritos também sejam sem limites e eternos

Tudo o que, de uma ou de outra maneira, está circunscrito pelo tempo e pelo lugar é

menor do que aquilo que não está submetido nem à lei do tempo nem à do espaço. Por via de conseqüência, desde que nada existe maior do que tu, nenhum lugar te encerra enenhum tempo, mas sempre estás em toda a parte. E como isto só pode ser afirmadoacerca de ti, somente tu és sem limites e eterno. Como, pois, se diz que os outrosespíritos também são ilimitados e eternos?

Somente tu, na verdade, és eterno, pois entre todos és o único que, assim como nãoterás fim, assim também não tiveste começo. Mas como se explica que somente tu nãotens limites? Será porque, comparado a ti, o espírito criado é circunscrito e, comparadoao corpo, não o é? Com efeito, está circunscrito o que está inteiramente num lugar e não

 pode estar ao mesmo tempo em outro, uma condição que só se observa nos corpos. Mas

o estar ao mesmo tempo inteiro em toda a parte é próprio apenas de ti. Já os seres que,estando inteiramente numa parte, também estão inteiramente em outra, mas não em todaa parte, como os espíritos criados, são, ao mesmo tempo, circunscritos e sem limites,

 porque se a alma não estivesse inteira em cada membro do corpo, não sentiria inteira asimpressões que recebe em cada um deles. És portanto, Senhor, o único sem limites e oúnico eterno, ainda que os demais espíritos também sejam eternos e sem limites.

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CAPÍTULO 14

Como e por que Deus é e não é visto por aqueles que o buscam[ 24 ]

Ó minh’alma! Encontraste o que buscavas? Buscavas a Deus e chegaste a conhecer oque está acima de todas as coisas, maior do que aquilo que nosso pensamento pode

conceber; que é a vida, a luz, a sabedoria, a bondade, a bem-aventurança eterna e aeternidade bem-aventurada; que está em toda a parte e sempre. Porque, se nãoencontraste o teu Deus, como é o ser que encontraste e como compreendeste comverdade tão firme e tão verdadeira firmeza que o objeto que acabaras de alcançar eraDeus? Se, pelo contrário, o encontraste, como é possível que não sintas o queencontraste? Por que, Senhor meu Deus, minh’alma não te sente, se te encontrou?

Porventura não te terá encontrado quando supunha compreender que és luz e verdade?Terá ela podido compreender isto a não ser vendo a luz e a verdade? Terá podidocompreender algo de tua essência, a não ser por tua luz e tua verdade?[ 25 ] Se,

 portanto, ela viu a luz e a verdade, ela te viu; e, se ela não te viu, não viu a luz e a

verdade. Como crer, com efeito, que viu a luz e a verdade e, apesar disso, não te viu, amenos que te tenha visto de certo modo, mas não tal qual és?[ 26 ]Senhor meu Deus, formador e reformador de meu ser, dize a minh’alma cheia de

desejos, dize-lhe que és diferente daquele que ela viu, para que, enfim, veja sem véu oque aspira a ver. Intensamente esforça-se por ver mais e nada vê além do que já viu,somente trevas. Ou, melhor dizendo, não vê trevas, porque em ti não as há;[ 27 ] masvê que não pode ver mais, por causa de suas próprias trevas. Por quê, Senhor, por quê?Seu olho está entenebrecido por sua debilidade ou deslumbrado por teu esplendor? Sim,seu olho está obscurecido por suas trevas e deslumbrado pela tua luz. Sua pequenez acega e se perde em tua imensidão. Quão vasta é aquela verdade, na qual tudo está que é

verdadeiro e fora da qual só há o nada e a mentira! Quão imensa é, ela que num únicoolhar vê tudo que existe, a partir de que, por que poder e de que maneira foi feito donada! Que pureza, que simplicidade, que certeza, que esplendor ali se encontra! Muitomais, decerto, do que a criatura pode compreender.

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CAPÍTULO 15

Que é maior do que quanto possa ser pensado

Assim, pois, Senhor, és maior do que tudo que se possa pensar. Não só: ésdemasiadamente grande para que o nosso pensamento possa sequer conceber-te. Porque,

ainda que seja possível pensar que existe tal ser, se esse ser não for tu mesmo, seria possível pensar em algo maior do que tu, algo que é inteiramente impossível.

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CAPÍTULO 16

Que esta é “a luz inacessível que habita”[ 28 ]

Verdadeiramente, Senhor, esta é a luz inacessível que habitas,[ 29 ] porque ninguém,além de ti, penetra bastante sua profundidade para nela claramente contemplar-te. Já não

a vejo, porque seu fulgor é demasiado para meus olhos; e, no entanto, tudo que vejo euvejo graças a ela, assim como nossos olhos débeis vêem o que vêem graças à luz do sol,que não podem contemplar diretamente. Meu entendimento não pode alcançar essa luz;ela difunde um esplendor demasiado vivo que não se pode suportar; os olhos deminh’alma não podem fitá-la por muito tempo nem suportar sua luz. Seu brilho osdeslumbra, sua grandeza os supera, sua imensidão os oprime, sua extensão os confunde.Ó luz suprema e inacessível, ó verdade profunda e feliz, quão longe estás de mim, quetão próximo estou de ti! Quão distante estás de minha presença, enquanto eu estoucontinuamente na tua! Em toda parte estás presente e inteiro, e eu não te vejo. Movo-meem ti, estou em ti e não posso chegar a ti. Tu estás em mim, ao redor de mim, e eu não

te sinto.

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CAPÍTULO 17

Que em Deus se encontra a harmonia, o odor, o sabor, a brandura,a beleza, de uma maneira inefável que lhe é própria

Ainda estás oculto a minh’alma, Senhor, oculto em tua luz e bem-aventurança; e por 

isso ainda está ela em sua treva e sua miséria. Ela olha ao redor de si e não vê tua beleza.Aplica o ouvido e não ouve tua harmonia. Aspira e não sente teu odor. Prova e não senteo teu sabor. Apalpa e não sente a tua suavidade. Tens decerto, Senhor meu Deus, damaneira inefável que te é própria, qualidades que, de maneira sensível, deste a tuascriaturas. Mas os sentidos de minh’alma se deixaram endurecer, adormentar e obstruir 

 pela inveterada languidez do pecado.

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CAPÍTULO 18

Que não há partes em Deus nem em sua eternidade, que é ele próprio

Mas eis uma nova preocupação,[ 30 ] outra pena, outra aflição para quem busca ocontentamento e a alegria.[ 31 ] Já esperava minh’alma ser saciada e eis que de novo a

oprime a pobreza! Já me dispunha a comer e eis que me ponho a sentir mais fome.Esforçava-me por chegar à luz divina e voltei a cair em minhas trevas. E não somenterecaí nelas, mas sinto que me envolvem por todos os lados. Nelas caí antes que  minhamãe me concebesse. É certo que nelas  fui concebido[ 32 ] e foi rodeado por elas quenasci. É certo que outrora caímos todos na pessoa daquele em quem todos pecamos.[ 33] Aquele que tão facilmente possuía esse bem ideal, perdeu-o para si e para nós, e,quando queremos buscá-lo, não sabemos por onde. Quando buscamos não oencontramos, e quando achamos não é o que buscávamos. Ajuda-me, pois, Senhor, por tua bondade.[ 34 ] Busquei o teu rosto, Senhor, teu rosto buscarei; não apartes de mima tua face.[ 35 ] Levanta-me de mim mesmo, ergue-me em direção a ti. Limpa, cura,

aguça[ 36 ] o olho de minh’alma,  para que possa enfim contemplar-te.[ 37 ] Que elarecolha todas as suas forças e com toda sua inteligência vá novamente para ti, Senhor!Quem és, Senhor, quem és? Como te compreenderá meu coração? Certamente és a

vida, és a sabedoria, és a verdade, és a bondade, a bem-aventurança, a eternidade; éstudo o que constitui o verdadeiro bem. Estas perfeições são numerosas; minhainteligência, estreita e cativa, não pode vê-las todas num relance e gozá-las todas de umasó vez. Como, então, Senhor, és tudo isso? São diversas partes de ti ou cada uma delas étudo que és? Pois tudo que se compõe de partes não é, propriamente, um, mas, de certomodo, é múltiplo e diverso de si mesmo e, por ato ou pensamento, pode ser separado,coisas estas que são estranhas à tua natureza, acima da qual nada pode pensar-se. Não

há, portanto, partes em ti, Senhor. Não és múltiplo, mas, pelo contrário, de tal modo ésuno e idêntico a ti mesmo que em nada te diferencias de ti mesmo. Pelo contrário: és aunidade mesma, que nenhum intelecto pode dividir. Portanto, a vida e a sabedoria, etudo mais que enumeramos não são parte de teu ser, mas, todas juntas, constituem umaúnica coisa, e cada uma dessas coisas é aquilo que és e o que são todas as demais. E,assim como não tens partes, assim também tua eternidade, que és tu mesmo, não énunca nem em lugar algum uma parte de ti ou de tua eternidade, mas estás inteiro ondequer que estejas e a tua eternidade está sempre inteira.

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CAPÍTULO 19

Que Deus não está num lugar nem no tempo, mas tudo está nele

Mas se, por tua eternidade, foste, és e serás, e se ter sido não é haver de ser, como éque a tua eternidade está sempre inteira? Será que da tua eternidade nada passa, de sorte

que já não seja, nem nela há nada que haja de vir a ser, como se ainda não existisse?Portanto, não exististe ontem nem existirás amanhã, mas ontem, hoje e amanhã existes.Mais do que isso: não existes ontem, hoje e amanhã, mas existes, simplesmente, fora dequalquer tempo. Ontem, hoje e amanhã não existem senão no tempo; tu, pelo contrário,ainda que nada exista sem ti, não estás nem em algum lugar nem no tempo, mas tudoestá em ti. Nada te contém e tu conténs a totalidade do que existe.

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CAPÍTULO 20

Que Deus existe antes e depois de tudo e até mesmo do que é eterno

Daí se segue que enches e abarcas todas as coisas, existes antes e depois de tudo.Existes antes de tudo,  porque existes desde antes que fossem criadas.[ 38 ] Mas como

existes depois? Como, efetivamente, és posterior aos seres que não terão fim?Porventura porque sem ti não podem existir de modo algum, ao passo que não seriasmenos do que és, ainda quando tudo voltasse ao nada? Assim, de certa maneira, és

 posterior a tudo. Será também porque se pode imaginar que essas coisas haverão de ter fim, ao passo que é impossível imaginar o mesmo em relação a ti? Pois essas coisas, naverdade, de algum modo haverão de ter fim; tu, porém, de modo algum. E certamenteaquilo que não tem fim de forma alguma, vive e se estende além daquilo que de algummodo tem fim. Será que te estendes até mesmo para além das coisas eternas, porque atua eternidade e a delas para ti estão sempre e inteiramente presentes, ao passo que elas,em sua eternidade, não possuem nem o que passou nem o que está por vir? Assim, pois,

sempre te estendes para além delas, uma vez que sempre estás presente onde elas aindanão chegaram, ou, melhor dizendo, porque isso te está sempre presente.

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CAPÍTULO 21

Se isto é “o século do século” ou “os séculos dos séculos”

Esse modo de existir é o que se chama de o século do século  ou os séculos dos séculos? Assim como o século dos tempos contém todas as coisas temporais, assim

também a tua eternidade contém os próprios séculos do tempo. É chamada de século por causa de sua indivisível unidade, e de séculos por causa de sua interminável imensidão. Eainda que tu, Senhor, sejas tão grande que tudo está cheio de ti, estás, sem embargo, detal modo fora do espaço que em ti não há meio nem metade nem parte alguma.

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CAPÍTULO 22

Que somente Deus é o que é e Aquele que é

Por conseguinte, Senhor, somente tu és o que és e Aquele que é, porque o ser que nãoé o mesmo no todo e em suas partes, o ser sujeito a mudança em algum ponto, não pode

ser de modo algum o que é. O que começou a partir do nada pode ser concebido comonão-existente, e, se não subsiste pelo poder de outro, volta ao nada. Aquele cujo passadonão existe, cujo futuro ainda não é, não existe, própria e absolutamente falando. Tu,

 porém, és o que és, porque tudo que és alguma vez e de algum modo, o és inteiro esempre.

E tu existes verdadeira e simplesmente, porque não tens passado nem futuro, masapenas um presente, e não se pode supor por um momento que não existas. E és a vida ea luz, a sabedoria e a bem-aventurança, e a eternidade e todos os demais bens queexistam; e, no entanto, não és senão o bem único e supremo, que a ti mesmo te bastas ede nada careces, do qual todos os demais seres precisam para existir e bem existir.

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CAPÍTULO 23

Que este bem é, ao mesmo tempo, o Pai, o Filho e o Espírito Santo,e é o único necessário, por ser todo e exclusivamente bem[ 39 ]

Tu és este bem, Deus Pai! Teu Verbo, vale dizer, teu Filho, também é este bem,

 porque no Verbo, pelo qual tu te dizes a ti mesmo, não pode haver nada maior ou menor do que tu, pois o teu Verbo é verdadeiro como tu também o és. Ele é, pois, como tu, averdade, mas não outra verdade diferente de ti; e, sendo tu simples, de ti não podenascer nada diferente do que és. Este bem é o amor uno e mútuo entre ti e teu Filho,vale dizer, o Espírito Santo, que procede de um e do outro. Este amor não é inferior a tinem a teu Filho, porque amas a ele e a ti mesmo tanto quanto ele te ama e ama a simesmo; tudo que difere de ti ou dele, difere igualmente dele e de ti. Da simplicidadesuprema não pode sair nada diferente do princípio de que procede. Assim, o que é cadauma dessas Pessoas também o é, simultaneamente, a Trindade inteira, Pai, Filho eEspírito Santo, pois cada Pessoa não é senão a unidade soberanamente simples e a

simplicidade soberanamente una, que não pode multiplicar-se nem ser uma coisa ououtra. Pois bem: não há mais que um único ser necessário,[ 40 ] e esta única coisanecessária é aquela na qual está todo o bem, ou, melhor dizendo, a que é todo bem, oúnico, total e indivisível bem.

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CAPÍTULO 24

Conjectura sobre a natureza e a grandeza deste bem

Eleva e excita agora, minh’alma, tua inteligência; imagina, se podes, qual seja e quãogrande seja este bem. Se todos os bens são deleitáveis, pensa atentamente em que alto

grau este há de ser, uma vez que nele se contém tudo que é deleitoso nos outros bens, enão na proporção que conhecemos nas coisas criadas, mas tanto quanto difere o Criador da criatura. Se a vida criada é boa, quanto mais não será a vida criadora? Se a

 preservação da vida é deleitável, quanto mais não o será a vida que preserva as outras?Se é amável a sabedoria no conhecimento das coisas criadas, quanto mais amável nãoserá a sabedoria que tudo criou a partir do nada? Enfim, se grandes e numerosos são osdeleites inerentes às coisas deleitáveis, qual e quão grande não há de ser a deleitaçãon’Aquele que fez todas as coisas deleitosas?

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CAPÍTULO 25

Quais e quão grandes são os bens reservados aos que gozam a visão de Deus

Ó quem gozará este bem! O que possuirá e o que não possuirá! Certamente tudo o quequiser será e tudo que não quiser não será. Ali se oferecerão os bens do corpo e da alma,

tais como o olho não viu, o ouvido não ouviu nem o coração do homem sentiu. [ 41 ]Por que, pois, infeliz, tantas voltas dás, no meio de tantas coisas diferentes, buscando o bem de tua alma e de teu corpo? Ama o único bem, aquele em que estão todos osdemais bens, e isto basta. Ama o bem simples por excelência, que sozinho vale por todosos bens e sozinho nos satisfaz. Pois desejas o quê, meu corpo, desejas o quê,minh’alma? Somente ali se encontra o que amais e tudo que desejais.

Se é a beleza que vos encanta, os justos brilharão como o sol.[ 42 ] Se voscomprazeis na velocidade, no vigor ou numa liberdade do corpo a que obstáculo algum

 poderá se opor,  serão semelhantes aos anjos de Deus,[ 43 ] porque o corpo animal é semeado e germina um corpo espiri tual ,[ 44 ] pelo poder divino, e não pela natureza.

Se quereis uma vida longa e saudável, ali a eternidade será sã e a sanidade será eterna, pois os justos viverão eternamente,[ 45 ] e também porque a saúde vem do Senhor.[ 46] Se quereis ser saciados,  serão saciados quando aparecer a glória do Senhor.[ 47 ] Sequereis inebriar-vos, inebriar-se-ão com a abundância da casa do Senhor.[ 48 ] Se amúsica vos atrai, ali os coros dos anjos cantam sem fim diante de Deus. Se buscais um

 prazer qualquer que não seja imundo, mas puro: Senhor, tu os saciarás com a torrentede teu prazer.[ 49 ]

Se a sabedoria vos atrai, a sabedoria mesma de Deus se oferecerá a vossos desejos. Seé a amizade, os justos amarão a Deus mais do que a si mesmos; Deus os amará mais doque eles se amam; porque o amarão, se amarão a si mesmos e aos outros por Ele, e Ele

os amará e se amará por si mesmo. Se é a concórdia o que buscais, não terão todossenão uma vontade, que será a vontade de Deus. Se é o poder, sua vontade seráonipotente como a de Deus. Porque, assim como Deus podia o que quer por si mesmo,

 por Ele poderão o que quiserem.[ 50 ] Da mesma maneira, Ele não quererá senão o queeles queiram, e o que Ele quiser não poderá não ser. Se as honras e riquezas despertamvossos desejos, Deus estabelecerá sobre numerosos tesouros seus servos bons e fiéis.[51 ] Mais até:  serão chamados  e serão  filhos de Deus e deuses;[ 52 ] estarão ondeestiver seu Filho, e serão, também eles, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo.[ 53] Se desejais segurança, ali decerto os justos terão a certeza de que estes bens, ou melhor dizendo, de que este bem supremo nunca e em lugar algum lhes faltará, assim comoestarão certos de que não o perderão por vontade própria, nem Deus, que os ama, tiraráaos que o amam este bem, contra a vontade deles; e saberão, enfim, que nada mais

 poderoso que Deus poderia, contra a vontade deles, separá-los de Deus.Ó quão grande não há de ser a alegria lá onde se está tão grande bem! Coração

humano, coração indigente, coração não só ferido senão também sobrecarregado detantas tribulações, como não haverias de alegrar-te se possuísses em abundância todosestes bens? Interroga o âmago de tua alma: caberia nela uma felicidade tão grande? Se

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amasses a outro como a ti próprio e esta pessoa gozasse da mesma felicidade que tu, tuafelicidade seria dobrada, porque a felicidade dela duplicaria a tua. Mas se dois, três oumuitos mais compartilhassem a mesma felicidade e amasses a cada um deles como a timesmo, alegrar-te-ias por cada um tanto quanto por ti. Assim, nessa caridade perfeita, noseio da ventura de inúmeros anjos e homens, entre os quais nenhum ama o outro menos

do que a si mesmo, cada um será feliz com a felicidade dos outros tanto quanto com asua própria felicidade. Daí se seque que, se o coração humano mal pode conter suaventura particular, como será capaz de conter tantas e tão grandes alegrias? E, sabendonós que, quanto mais amamos alguém, mais nos comprazemos em sua felicidade,sabemos também que nesta felicidade completa cada qual amará a Deus semcomparação mais do que a si mesmo e aos outros sem medida, e do mesmo modo sealegrará sem medida da felicidade de Deus, mais do que da sua e da de todos os demaisuntos. Mas se amam a Deus com todo seu coração, com todo seu espírito, com toda

 sua alma,[ 54 ] de modo, não obstante, que todo seu coração, todo seu espírito, toda suaalma não podem bastar à grandeza deste amor, não padece dúvida que todo seu coração,

todo seu espírito, toda sua alma se encherão de uma alegria tal que não serão bastantes para conter a plenitude de tanta felicidade.

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CAPÍTULO 26

Será esta alegria a “alegria plena” que promete o Senhor?

Meu Senhor e meu Deus, esperança e alegria de meu coração, dize a minh’alma se éessa a alegria de que nos falas pelas palavras de teu Filho:  Pedi e recebereis, a fim de

que vossa alegria seja plena,[ 55 ] porque encontrei uma alegria plena e mais que plena.Cheio dela o coração, cheia a mente, cheia a alma, cheio todo o homem dessa alegria, elaainda sobrará além de toda a medida. Esta alegria não entrará inteiramente naqueles quea desfrutam, mas estes é que entrarão na alegria. Dize, Senhor, dize a teu servo no fundode sua alma, se é esta a felicidade do Senhor ,[ 56 ] na qual entrarão aqueles de teusservos que são chamados. Esta alegria de que certamente gozarão teus eleitos, não a viuo olho nem o ouvido a ouviu, nem jamais entrou no coração do homem.[ 57 ] Aindanão disse, portanto, Senhor, nem pensei em quanto se alegrarão estes bem-aventurados.Sua alegria, decerto, será igual ao seu amor; e seu amor ao seu conhecimento. Em quemedida te conhecerão então, Senhor, e quanto te amarão? É certo que o olho não viu

nesta vida, nem o ouvido ouviu, nem o coração do homem compreendeu em que medidate conhecerão e amarão na outra vida.Eu te suplico, Senhor: faz com que eu te conheça, com que eu te ame, a fim de que eu

encontre em ti toda a minha alegria. E se neste mundo não posso alcançar a plenitudedessas coisas, que ao menos elas cresçam em mim a cada dia até alcançarem a plenitude.Que neste mundo cada instante me eleve mais ao conhecimento de ti, até chegar omomento de sua plenitude. Que meu amor por ti aumente nesta vida e na outra atinja a

 plenitude, a fim de que aqui a minha alegria na esperança seja sempre maior, e aí seja plena junto a ti. Senhor, por intermédio de teu Filho nos ordenas, ou, antes, nosaconselhas a que peçamos e prometes que receberemos, a fim de que nosso gozo seja

erfeito.[ 58 ] Peço-te. Senhor, como no-lo aconselhas  pela boca do Mestre admirável [59 ] que nos deste: que eu receba, como prometes por tua verdade,  para que a minhaalegria seja plena. Peço-te, Deus veraz: faz com que eu receba,  para que a minhaalegria seja plena. Que seja este o objeto das meditações de minha alma e das palavrasde minha língua. Que seja este o objeto do amor de meu coração e das palavras deminha boca. Que minha alma disso tenha fome, que minha carne disso tenha sede, queminha substância inteira o deseje, até que entre no gozo de seu Senhor, Deus uno e trino,bendito por todos os séculos. Amém.[ 60 ]

[ 1 ] Mateus 6:6.

[ 2 ] Ibidem.[ 3 ] Salmo 26:8.[ 4 ] I Timóteo 6:16.[ 5 ] Sl 50:13.[ 6 ] Sl 77:25.[ 7 ] Sl 126:2.[ 8 ] Sl 121:9; Jer 14:19.[ 9 ] Sl 114:3.[ 10 ] Sl 37:9.[ 11 ] Sl 6:4 e 12:1-4.

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[ 12 ] Sl 79:4 e 8.[ 13 ] Sl 78:9.[ 14 ] Jó 3:24.[ 15 ] Sl 37:5.[ 16 ] Sl 68:16.[ 17 ] Gn 1:27.[ 18 ] Is 7:9.

[ 19 ] Sl 13: 1 e 52:1.[ 20 ] Aqui se vê como faz falta a Santo Anselmo a noção analógica de mérito, a qual foi desenvolvida temposdepois por Santo Tomás de Aquino e acolhida pelo Magistério da Igreja. Em resumo: ninguém se salva por méritos próprios, e sim pelo mérito do sangue de Cristo vertido na cruz. Mesmo o justo não é capaz de, por esforços próprios, merecer o céu. Coloquemos em termos tomistas: Deus não salva uma pessoa em previsão dosméritos que ela presumivelmente terá neste mundo, mas por uma dileção eterna, absolutamente misteriosa. Otema da predestinação, a propósito, suscitou grandes discussões não apenas na Escolástica, mas também nos períodos que se lhe seguiram. [N.C.][ 21 ] Santo Anselmo aqui faz uma distinção entre os que não são bons nem maus e os que são maus. [N. C.][ 22 ] Sl 24:10.[ 23 ] Sl 144:1.[ 24 ] Cf. JULIÁN  ALAMEDA, O.S.B., op. cit.: “Os ontologistas apóiam-se integralmente neste capítulo paraatribuir a Santo Anselmo sua doutrina, segundo a qual podemos ver a Deus diretamente. ‘Como pôde minha alma

compreender isto, a não ser vendo a luz e a verdade? Pôde compreender verdadeiramente algo de ti, a não ser por efeito de tua luz e tua verdade? E, se ela viu a luz e a verdade, foi a ti que ela viu; e, se não te viu a ti, não viu nema luz nem a verdade.’ (...) Vejamos o valor deste argumento. Santo Anselmo começa por dizer que a almaencontrou a Deus pela reflexão e, apesar de tê-lo encontrado, não o vê. ‘Por que não te vê minha alma, Senhor Deus, se minha alma te encontrou?’ Por aqui se vê que Santo Anselmo estabelece uma grande diferença entreconhecer uma coisa e vê-la intelectualmente, que equivale a compreendê-la tal qual é em si mesma, vê-la semsombra, face a face. Raciocina o Santo da seguinte maneira: a inteligência fez-me encontrar a luz e a verdadeencontrando a Deus, porque eu não podia ver o que vi, senão vendo a luz e a verdade, pelas quais se percebetodo o inteligível.”[ 25 ] Sl 42:3.[ 26 ] I Jo 3:2.[ 27 ] I Jo 1:5.[ 28 ] JULIÁN  ALAMEDA, O.S.B., op. cit.: “A alma chegou a ver a Deus, mas Deus é luz e verdade; por conseguinte, a alma chegou a ver a luz e a verdade: Si ergo vidit lucem et veritatem vidit te. Mas como chegou aalma a ver a Deus? Pela luz e pela verdade abstrata, como o Santo as definiu no capítulo 2. Por conseguinte, é pela luz c riada que a alma se eleva até ver a luz primeira e a verdade incriada. Não obstante, não vê essa verdadesenão através das trevas, em seu reflexo nas criaturas: Quia vidit te aliquatenus, sed non vidit te sicuti es.  Nocapítulo 16 completa nosso Santo seu pensamento de uma maneira muito clara: ‘É verdadeiramente inacessível,Senhor, a luz em que habitas, porque verdadeiramente ninguém nela pode penetrar para ver-te com claridade. E seeu não a vejo, é porque é excessiva para mim, e, sem embargo, por ela vejo tudo o que vejo. O mesmo ocorrecom o olho enfermo, que vê pela luz do sol o que vê, mas não pode vê-la diretamente em sua fonte’. Por conseguinte, a alma vê pela luz de Deus, mas não vê a luz em Deus, como dizem os ontologistas.”[ 29 ] I Tm 6:16.[ 30 ] Jer 14:19.[ 31 ] Sl 50:10.

[ 32 ] Sl 50:7.[ 33 ] Romanos 5:12.[ 34 ] Sl 24:7.[ 35 ] Sl 26:8.[ 36 ] Sl 12:4.[ 37 ] SANTO AGOSTINHO,  In Epistolam Ioannis ad Parthos (PL 35, 2049).[ 38 ] Sl 89:2.[ 39 ] JULIÁN ALAMEDA, op. cit.: “Depois de ter provado, nos capítulos anteriores, tudo que se refere à unidadede Deus, passa neste a demonstrar a Santíssima Trindade. E, em primeiro lugar, que o Pai e o Filho são a mesmae única substância ou natureza. Porque, diz ele, o Verbo de Deus é aquele pelo qual Deus pai se expressa a simesmo perfeitamente; logo, é um mesmo Deus com Ele, porque o Verbo pelo qual o Pai se expressa a si mesmo

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 permanece em Deus Pai, como todo verbo da mente; ora bem: nada há em Deus senão Deus. Logo, seu Verbo éDeus, nem maior, porque não se pode conceber nada superior a Deus, nem menor, porque então haveria algosuperior ao Verbo e, por isso mesmo, o Verbo não seria Deus. Além disso, se Deus Pai se expressasse a simesmo por uma palavra que não fosse Ele mesmo, mas outra coisa, maior ou menor, ficaria manifesto que estácarente de algo, o que repugna à razão. O mesmo argumento tira Santo Anselmo da consideração da veracidadede Deus e de sua simplicidade. Deus é a suma unidade e simplicidade, e, por isso mesmo, não pode multiplicar-senem propagar-se com a multiplicação de sua natureza. Portanto, a natureza do Pai não pode ser diferente da do

Filho. Logo, ambos são um só Deus. Acerca do Espírito Santo, discorre Santo Anselmo de modo parecido. OEspírito Santo é aquele amor com que se amam mutuamente o Pai e o Filho. Ora, este Amor se identificaessencialmente com o Pai e o Filho, porque é igual a eles, já que se estende tanto quanto são Eles; logo, o EspíritoSanto é Deus. Com este capítulo termina o que se refere à teologia especulativa. Os que se seguem sãoconsagrados à teologia prática, isto é, à felicidade do homem na posse de Deus.”[ 40 ] Lucas 10:42.[ 41 ] I Cor 2:9.[ 42 ] Mt 13:43.[ 43 ] Mt 22:30.[ 44 ] I Cor 15:44.[ 45 ] Sab 5:15.[ 46 ] Sl 36:39.[ 47 ] Sl 16:17.

[ 48 ] Sl 35:9.[ 49 ] Ibidem.[ 50 ] Evidentemente, somente por uma analogia se pode dizer que uma vontade que não a divina seja onipotente.[N. C.][ 51 ] Mt 25:21-23.[ 52 ] Mt 5:9 e Rom 8:16.[ 53 ] Sl 81:6 e Rom 8:17.[ 54 ] Mt 22:37.[ 55 ] Jo 16:24.[ 56 ] Mt 25:21.[ 57 ] I Cor 2:9 e Is 64:4.[ 58 ] Jo 16:24.[ 59 ] Is 9:6.[ 60 ] Rom 1:25.

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PROOEMIUM

Postquam opusculum quoddam velut exemplum meditandi de ratione fidei cogentibusme precibus quorundam fratrum, in persona alicuius tacite secum ratiocinando quaenesciat investigantis edidi: considerans illud esse multorum concatenatione contextum

argumentorum, coepi mecum quaerere, si forte posset inveniri unum argumentum, quodnullo alio ad se probandum quam se solo indigeret, et solum ad astruendum quia Deusvere est, et quia est summum bonum nullo alio indigens, et quo omnia indigent ut sint etut bene sint, et quaecumque de divina credimus substantia, sufficeret. Ad quod cumsaepe studioseque cogitationem converterem, atque aliquando mihi videretur iam possecapi quod quaerebam, aliquando mentis aciem omnino fugeret: tandem desperans voluicessare velut ab inquisitione rei, quam inveniri esset impossibile. Sed cum illamcogitationem, ne mentem meam frustra occupando ab aliis, in quibus proficere possem,impediret, penitus a me vellem excludere: tunc magis ac magis nolenti et defendenti secoepit cum importunitate quadem ingerere. Cum igitur quadam die vehementer eiusimportunitati resistendo fatigarer, in ipso cogitationum conflictu sic se obtulit quoddesperaveram, ut studiose cogitationem amplecterer, quam sollicitus repellebam.

Aestimans igitur quod me gaudebam invenisse, si scriptum esset, alicui legenti placiturum, de hoc ipso et de quibusdam aliis sub persona conantis erigere mentem suamad contemplandum Deum et quaerentis intelligere quod credit, subditum scripsiopusculum. Et quoniam nec istud nec illud, cuius supra memini, dignum libri nomine autcui auctoris praeponeretur nomen iudicabam, nec tamen eadem sine aliquo titulo, quoaliquem, in cuius manus veniret, quodam modo ad se legendum invitarent, dimittenda

 putabam: unicuique suum dedi titulum, ut prius Exemplum meditandi de ratione fidei, et

sequens Fides quaerens intellectum diceretur .Sed cum iam a pluribus cum his titulis utrumque transcriptum esset, coegerunt me plures, et maxime reverendus archiepiscopus Lugdunensis, Hugo nomine, fungens inGallia legatione Apostolica qui mihi hoc ex Apostolica praecepit auctoritate, ut nomenmeum illis praescriberem. Quod ut  aptius f ieret, illud quidem  Monologion, id estsoliloquium, istud vero  Proslogion, id est alloquium, nominavi.

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I

EXCITATIO MENTIS AD CONTEMPLANDUM DEUM

Eia, nunc homuncio, fuge paululum occupationes tuas, absconde te modicum atumultuosis cogitationibus tuis Abice nunc onerosas curas, et postpone laboriosas

distentiones tuas. Vaca aliquantulum Deo, et requiesce aliquantulum in eo. “Intra incubiculum” [Mt 6,6] mentis tuae, exclude omnia praeter Deum et quae te iuvent adquaerendum eum, et “clauso ostio” [Mt 6,6] quaere eum. Dic nunc, totum “cor meum”,dic nunc Deo: “Quaero vultum tuum, vultum tuum, Domine, requiro” [Ps 26,8].

Eia nunc ergo tu, Domine Deus meus, doce cor meum ubi et quomodo quaerat ubi etquomodo te inveniat. Domine, si hoc non es, ubi te quaeram absentem? Si autem ubiquees, Cur non video praesentem? Sed certe habitas “lucem inaccessibilem” [1 Tim 6,16].Et ubi est lux inaccessibilis? Aut quomodo accedam ad lucem inaccessibilem? Aut quisducet et inducet in illam, ut videam te in illa? Deinde quibus signis, qua facie te quaeram?

umquam te vidi, Domine Deus meus, non novi faciem tuam. Quid faciet, altissime

Domine, quid faciet iste tuus longinquus exsul? Quid faciet servus tuus, anxius amore tuiet longe “proiectus a facie tua” [Ps 50,13]? Anhelat videre te et nimis abest illi facies tua.Accedere ad te desiderat et inaccessibilis est habitatio tua. Invenire te cupit et nescitlocum tuum. Quaerere te affectat et ignorat vultum tuum. Domine, Deus meus es etDominus meus es et numquam te vidi. Tu me fecisti et refecisti et omnia bona tu mihicontulisti et nondum novi te. Denique ad te videndum factus sum et nondum feci,

 propter quod factus sum.O misera sors hominis, cum hoc perdidit, ad quod factus est! O durus et dirus casus

ille! Heu, quid perdidit et quid invenit, quid abscessit et quid remansit! Perdidit beatitudinem, ad quam factus est, et invenit miseriam, propter quod factus non est.

Abscessit, sine quo nihil felix est, et remansit, quod per se non nisi miserum est.“Manducabat tunc homo panem angelorum”[Ps 77,25], quem nunc esurit manducatnunc “panem dolorum” [Ps 126,2], quem tunc nesciebat. Heu publicus luctus hominum,universalis planctus filiorum Adae! Ille ructabat saturitate nos suspiramus esurie. Illeabundabat nos mendicamus. Ille feliciter tenebat et misere deseruit nos infeliciter egemuset miserabiliter desideramus. et heu, vacui remanemus! Cur non nobis custodivit, cumfacile posset, quo tam graviter careremus? Quare sic nobis obseravit lucem et obduxit nostenebris? Ut quid nobis abstulit vitam et inflixit mortem? Aerumnosi, unde sumus expulsi,quo sumus impulsi! Unde praecipitati, quo obruti! A patria in exsilium, a visione Dei incaecitatem nostram. A iucunditate immortalitatis in amaritudinem et horrorem mortis.Misera mutatio! De quanto bono in quantum malum! Grave damnum, gravis dolor, gravetotum!

Sed heu me miserum, unum de aliis miseris filiis Evae elongatis a Deo! quid incepi,quid effeci? Quo tendebam, quo deveni? Ad quid aspirabam, in quibus suspiro?“Quaesivi bona et ecce turbatio” [Ps 121,9; Jer 14,19]! Tendebam in Deum et offendi inme ipsum. Requiem quaerebam in secreto meo et “tribulationem et dolorem inveni” [Ps

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114,3] in intimis meis. Volebam ridere a gaudio mentis meae et cogor “rugire a gemitucordis mei” [Ps 37,9]. Sperabatur laetitia et ecce, unde densentur suspiria!

Et o “tu, Domine, usquequo? Usquequo, Domine, oblivisceris nos, usquequo avertisfaciem tuam a nobis”? Quando “respicies et exaudies” nos? Quando “illuminabis oculos”nostros et “ostendes” [Ps 6,4; Ps 12,1-4] nobis “faciem tuam” [Ps 79,4.8]? Quando

restitues te nobis? Respice, Domine, exaudi, illumina nos, ostende nobis teipsum.Restitue te nobis, ut bene sit nobis, sine quo tam male est nobis. Miserare labores etconatus nostros ad te, qui nihil valemus sine te. Invita nos, “adiuva” nos [Ps 78,9].Obsecro, Domine, ne desperem suspirando, sed respirem sperando. Obsecro, Domine,amaricatum est cor meum sua desolatione, indulca illud tua consolatione. Obsecro,Domine, esuriens incepi quaerere te, ne desinam ieiunus de te. Famelicus accessi, nerecedam impastus. Pauper veni ad divitem, miser ad misericordem, ne redeam vacuus etcontemptus. Et si “antequam comedam, suspiro” [Iob 3,24], da vel post suspiria quodcomedam. Domine, incurvatus non possum nisi deorsum aspicere; erige me, ut possimsursum intendere. “Iniquitates meae supergressae caput meum” obvolvunt me, “et sicut

onus grave” [Ps 37,5] gravant me. Evolve me, exonera me, ne “urgeat puteus” earum“os suum super me” [Ps 68,16]. Liceat mihi suspicere lucem tuam, vel de longe, vel de profundo. Doce me quaerere te et ostende te quaerenti; quia nec quaerere te possum, nisitu doceas, nec invenire, nisi te ostendas. Quaeram te desiderando, desiderem quaerendo.Inveniam amando, amem inveniendo.

Fateor, Domine, et gratias ago, quia creasti in me hanc “imaginem tuam” [Gen 1,27], uttui memor te cogitem, te amem. Sed sic est abolita attritione vitiorum, sic offuscata fumo

 peccatorum, ut non possit facere, ad quod facta est, nisi tu renoves et reformes eam.on tento, Domine, penetrare altitudinem tuam, quia nullatenus comparo illi intellectum

meum; sed desidero aliquatenus intelligere veritatem tuam, quam credit et amat cor 

meum. Neque enim quaero intelligere ut credam, sed credo ut intelligam. Nam et hoccredo: quia “nisi credidero, non intelligam” [Is 7,9].

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II

QUOD VERE SIT DEUS

Ergo Domine, qui das fidei intellectum, da mihi, ut, quantum scis expedire, intelligam,quia es sicut credimus, et hoc es quod credimus. Et quidem credimus te esse aliquid quo

nihil maius cogitari possit. An ergo non est aliqua talis natura, quia «dixit insipiens incorde suo: non est Deus» [Ps 13,1; 52,1]? Sed certe ipse idem insipiens, cum audit hocipsum quod dico: ‘aliquid quo maius nihil cogitari potest’, intelligit quod audit; et quodintelligit, in intellectu eius est, etiam si non intelligat illud esse. Aliud enim est rem esse inintellectu, alium intelligere rem esse. Nam cum pictor praecogitat quae facturus est, habetquidem in intellectu, sed nondum intelligit esse quod nondum fecit. Cum vero iam pinxit,et habet in intellectu et intelligit esse quod iam fecit. Convincitur ergo etiam insipiens essevel in intellectu aliquid quo nihil maius cogitari potest, quia hoc, cum audit, intelligit, etquidquid intelligitur, in intellectu est. Et certe id quo maius cogitari nequit, non potest essein solo intellectu. Si enim vel in solo intellectu est, potest cogitari esse et in re; quod

maius est. Si ergo id quo maius cogitari non potest, est in solo intellectu: id ipsum quomaius cogitari non potest, est quo maius cogitari potest. Sed certe hoc esse non potest.Existit ergo procul dubio aliquid quo maius cogitari non valet, et in intellectu et in re.

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III

QUOD NON POSSIT COGITARI NON ESSE

Quod utique sic vere est, ut nec cogitari possit non esse. Nam potest cogitari essealiquid, quod non possit cogitari non esse; quod maius est quam quod non esse cogitari

 potest. Quare si id quo maius nequit cogitari, potest cogitari non esse: id ipsum quo maiuscogitari nequit, non est id quo maius cogitari nequit; quod convenire non potest. Sic ergovere est aliquid quo maius cogitari non potest, ut nec cogitari possit non esse.

Et hoc es tu, Domine Deus noster. Sic ergo vere es, Domine, Deus meus, ut neccogitari possis non esse. Et merito. Si enim aliqua mens posset cogitare aliquid melius te,ascenderet creatura super creatorem et iudicaret de creatore; quod valde est absurdum.Et quidem quidquid est aliud praeter te solum, potest cogitari non esse. Solus igitur verissime omnium et ideo maxime omnium habes esse, quia quidquid aliud est, non sicvere, et idcirco minus habet esse. Cur itaque “dixit insipiens in corde suo: non est Deus”[Ps 13,1; 52,1], cum tam in promptu sit rationali menti te maxime omnium esse? Cur,

nisi quia stultus et insipiens?

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IV

QUOMODO INSIPIENS DIXIT IN CORDE, QUOD COGITARI NON POTEST

Verum quomodo dixit in corde quod cogitare non potuit; aut quomodo cogitare non potuit quod dixit in corde, cum idem sit dicere in corde et cogitare? Quod si vere, immo

quia vere et cogitavit, quia dixit in corde, et non dixit in corde, quia cogitare non potuit:non uno tantum modo dicitur aliquid in corde et cogitatur. Aliter enim cogitatur re, cumvox eam significans cogitatur, aliter cum id ipsum quod res est intelligitur. Illo itaquemodo potest cogitari Deus non esse, isto vero minime. Nullus quippe intelligens id quodDeus est, potest cogitare quia Deus non est, licet haec verba dicat in corde, aut sine ullaaut cum aliqua extranea significatione. Deus enim est id quo maius cogitari non potest.Quod qui bene intelligit, utique intelligit id ipsum sic esse, ut nec cogitatione queat nonesse. Qui ergo intelligit sic esse Deum, nequit eum non esse cogitare.

Gratias tibi, bone Domine, gratias tibi, quia quod prius credidi te donante, iam sicintelligo te illuminante, ut, si te esse nolim credere, non possim non intelligere.

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V

QUOD DEUS SIT QUIDQUID MELIUS EST ESSE QUAM NON ESSE:ET SOLUS EXISTENS PER SE OMNIA ALIA FACIAT DE NIHILO

Quid igitur es. Domine Deus, quo nil maius valet cogitari? Sed quid es, nisi id quodsummum omnium solum existens per seipsum, omnia alia fecit de nihilo? Quidquid enimhoc non est, minus est quam cogitari possit. Sed hoc de te cogitari non potest. Quod ergo

 bonum deest summo bono, per quod est omne bonum? Tu es itaque iustus, verax, beatus, et quidquid melius est esse quam non esse. Melius namque est esse iustum quamnon iustum, beatum quam non beatum.

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VI

QUOMODO SIT SENSIBILIS, CUM NON SIT CORPUS

Verum cum melius sit esse sensibilem, omnipotentem, misericordem, impassibilemquam non esse: quomodo es sensibilis, si non es corpus; aut omnipotens, si omnia non

 potes; aut misericors simul et impassibilis? Nam si sola corporea sunt sensibilia, quoniamsensus circa corpus et in corpore sunt: quomodo es sensibilis, cum non sis corpus, sedsummus spiritus, qui corpore melior est? Sed si sentire non nisi cognoscere aut non nisiad cognoscendum est qui enim sentit cognoscit secundum sensuum proprietatem, ut per visum colores, per gustum sapores : non inconvenienter dicitur aliquo modo, sentirequidquid aliquo modo cognoscit. Ergo, Domine, quamvis non sis corpus, vere tamen eomodo summe sensibilis es, quo summe omnia cognoscis, non quo animal corporeo sensucognoscit.

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VII

QUOMODO SIT OMNIPOTENS, CUM MULTA NON POSSIT

Sed et omnipotens quomodo es, si omnia non potes? Aut si non potes corrumpi necmentiri nec facere verum esse falsum, ut quod factum est non esse factum, et plura

similiter: quomodo potes omnia? An haec posse non est potentia, sed impotentia? Namqui haec potest quod sibi non expedit et quod non debet potest. Quae quanto magis potest, tanto magis adversitas et perversitas possunt in illum et ipse minus contra illas.Qui ergo sic potest, non potentia potest, sed impotentia. Non enim ideo dicitur posse,quia ipse possit, sed quia sua impotentia facit aliud in se posse; sive aliquo alio genereloquendi, sicut multa improprie dicuntur. Ut cum ponimus ‘esse’ pro ‘non esse’, et‘facere’ pro eo quod est ‘non facere’, aut pro ‘nihil facere’. Nam saepe dicimus ei, quirem aliquam esse negat: sic est, quemadmodum dicis esse; cum magis proprie videatur dici: sic non est quemadmodum dicis non esse. Item dicimus: iste sedet, sicut ille facit,aut: iste quiescit, sicut ille facit; cum ‘sedere’ sit quiddam non facere et ‘quiescere’ sit

nihil facere. Sic itaque, cum dicitur habere potentiam faciendi aut patiendi quod sibi nonexpedit aut quod non debet, impotentia intelligitur per potentiam; quia quo plus habethanc potentiam, eo adversitas et perversitas in illum sunt potentiores, et ille contra easimpotentior. Ergo, Domine Deus, inde verius et omnipotens, quia nihil potes per impotentiam, et nihil potest contra te.

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VIII

QUOMODO SIT MISERICORS ET IMPASSIBILIS

Sed et misericors simul et impassibilis quomodo es? Nam si es impassibilis, noncompateris; si non compateris, non est tibi miserum cor ex compassione miseri, quod est

esse misericordem. At si non es misericors, unde miseris est tanta consolatio?Quomodo ergo es et non es misericors, Domine, nisi quia es misericors secundum nos,et non es secundum te? Es quippe secundum nostrum sensum, et non es secundumtuum. Etenim cum tu respicis nos miseros, nos sentimus misericordis effectum, tu nonsentis affectum. Et misericors es igitur, quia misericors salvas et peccatoribus tuis parcis;et misericors non es, quia nulla miseriae compassione afficeris.

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IX

QUOMODO TOTUS IUSTUS ES ET SUMME IUSTUS PARCATMALIS, ET QUOD IUSTE MISEREATUR MALIS

Verum malis quomodo parcis, si es totus iustus et summe iustus? Quomodo enim totuset summe iustus facit aliquid non iustum? Aut quae iustitia est merenti mortem aeternamdare vitam sempiternam? Unde ergo, bone Deus, bone bonis et malis, unde tibi salvaremalos, si hoc non est iustum, et tu facis aliquid non iustum?

An quia bonitas tua est incomprehensibilis, latet hoc in «luce inaccessibili quamhabitas» [1 Tim 6,16]? Vere in altissimo et secretissimo bonitatis tuae latet fons, undemanat fluvius misericordiae tuae. Nam cum totus et summe iustus sis, tamen idcircoetiam malis benignus es, quia totus summe bonus es. Minus namque bonus esses, si nullimalo esses benignus. Melior est enim qui et bonis et malis bonus est, quam qui bonistantum est bonus. Et melior est, qui malis et puniendo et parcendo est bonus, quam qui

 puniendo tantum. Ideo ergo misericors es, quia totus et summe bonus es. Et cum forsitan

videatur, cur bonis bona et malis mala retribuas, illud certe penitus est mirandum, cur tutotus iustus et nullo egens malis et reis tuis bona tribuas. O altitudo bonitatis tuae, Deus!et videtur, unde sis misericors, et non pervidetur. Cernitur, unde flumen manat, et non

 perspicitur fons, unde nascatur. Nam et de plenitudine bonitatis est, quia peccatoribus tuis pius es; et in altitudine bonitatis latet, qua ratione hoc es. Etenim licet bonis bona et malismala ex bonitate retribuas, ratio tamen iustitiae hoc postulare videtur. Cum vero malis

 bona tribuis: et scitur, quia summe bonus hoc facere voluit, et mirum est, cur summeiustus hoc velle potuit.

O misericordia, de quam opulenta dulcedine et dulci opulentia nobis profluis! Oimmensitas bonitatis Dei, quo affectu amanda es peccatoribus! Iustos enim salvas iustitia

comitante; istos vero liberas iustitia damnante. Illos meritis adiuvantibus istos meritisrepugnantibus. Illos bona, quae dedisti, cognoscendo, istos mala, quae odisti, ignoscendo.O immensa bonitas, quae sic omnem intellectum excedis, veniat super me misericordiailla, quae de tanta opulentia tui procedit! Influat in me, quae profluit de te. Parce per clementiam, ne ulciscaris per iustitiam. Nam etsi difficile sit intelligere, quomodomisericordia tua non absit a tua iustitia, necessarium tamen est credere, quianequamquam adversatur quod exundat ex bonitate, quae nulla est sine iustitia, immo vereconcordat iustitiae. Nempe si misericors es, quia es summe bonus, et summe bonus nones, nisi quia es summe iustus: vere idcirco es misericors, quia summe iustus es. Adiuvame, iuste et misericors Deus, cuius lucem quaero, adiuva me, ut intelligam quod dico.

Vere ergo ideo misericors es, quia iustus.Ergone misericordia tua nascitur ex iustitia tua? Ergone parcis malis ex iustitia? Si sic

est, Domine, si sic est, doce me quomodo est. An quia iustum est te sic esse bonum, utnequeas intelligi melior, et sic potenter operari, ut non possis cogitari potentius? Quidenim hoc iustius? Hoc utique non fieret, si esses bonus tantum retribuendo et non

 parcendo, et si faceres de non bonis tantum bonos et non etiam de malis. Hoc itaquemodo iustum est ut parcas malis, et ut facias bonos de malis. Denique quod non iuste fit,

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non debet fieri; et quod non debet fieri, iniuste fit. Si ergo non iuste malis misereris, nondebes misereri; et si non debes misereri, iniuste misereris. Quod si nefas est dicere, fasest credere te iuste misereri malis.

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X

QUOMODO IUSTE PUNIAT ET IUSTE PARCAT MALIS

Sed iustum est, ut malos punias. Quid namque iustius, quam ut boni bona et mali malarecipiant? Quomodo ergo et iustum est ut malos punias, et iustum est ut malis parcas? An

alio modo iuste punis malos, et alio modo iuste parcis malis? Cum enim punis malos,iustum est, quia illorum meritis convenit; cum vero parcis malis, iustum est, non quiaillorum meritis, sed quia bonitati tuae condecens est. Nam parcendo malis ita iustus essecundum te et non secundum nos, sicut misericors es secundum nos et non secundumte. Quoniam salvando nos, quos iuste perderes, sicut misericors es, non quia tu sentiasaffectum, sed quia nos sentimus effectum: ita iustus es, non quia nobis reddas debitum,sed quia facis quod decet te summe bonum. Sic itaque sine repugnantia iuste punis etiuste parcis.

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XI

QUOMODO UNIVERSAE VIAE DOMINI MISERICORDIA ET VERITAS,

ET TAMEN IUSTUS DOMINUS IN OMNIBUS VIIS SUIS

Sed numquid etiam non est iustum secundum te, Domine, ut malos punias? Iustum

quippe est te sic esse iustum, ut iustior nequeas cogitari. Quod nequaquam esses, sitantum bonis bona et non malis mala redderes. Iustior enim est qui et bonis et malis,quam qui bonis tantum merita retribuit. Iustum igitur est secundum te, iuste et benigneDeus, et cum punis et cum parcis. Vere igitur «universae viae Domini misericordia etveritas» et tamen «iustus Dominus in omnibus viis suis» [Ps 22,10; 144,17]. Et utiquesine repugnantia; quia quos vis punire, non est iustum salvari, et quibus vis parcere, nonest iustum damnari. Nam id solum iustum est quod vis et non iustum quod non vis. Sicergo nascitur de iustitia tua misericordia tua, quia iustum est te sic esse bonum, ut et

 parcendo sis bonus. Et hoc est forsitan, cur summe iustus potest velle bona malis. Sed siutcumque capi potest, cur malos potes velle salvare: illud certe nulla ratione comprehendi

 potest, cur de similibus malis hos magis salves quam illos per summam bonitatem, et illosmagis damnes quam istos per summam iustitiam. Sic ergo vere es sensibilis, omnipotens,misericors et impassibilis, quemadmodum vivens, sapiens, bonus, beatus, aeternus, etquidem melius esse quam non esse.

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XII

QUOD DEUS SIT IPSA VITA QUA VIVIT, ET SIC DE SIMILIBUS

Sed certe quidquid es, non per aliud es quam per teipsum. Tu es igitur ipsa vita quavivis, et sapientia qua sapis, et bonitas ipsa qua bonis et malis bonus es; et ita de

similibus.

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XIII

QUOMODO SOLUS SIT INCIRCUMSCRIPTUS ET AETERNUS,CUM ALII SPIRITUS SINT INCIRCUMSCRIPTI ET AETERNI

Sed omne quod clauditur aliquatenus loco et tempore, minus est quam nulla lex loci auttemporis coercet. Quoniam ergo maius te nihil est, nullus locus aut tempus te cohibet, sedubique et semper es. Quod quia de te solo dici potest, tu solus incircumscriptus es etaeternus. Quomodo igitur dicuntur et alii spiritus incircumscripti et aeterni?

Et quidem solus es aeternus, quia solus omnium, sicut non desinis, sic non incipis esse.Sed solus quomodo es incircumscriptus? An creatus spiritus ad te collatus estcircumscriptus, ad corpus vero incircumscriptus? Nempe omnino circumscriptum est,quod cum alicubi totum est, non potest simul esse alibi; quod de solis corporeis cernitur.Incircumscriptum vero, quod simul est ubique totum; quod de te solo intelligitur.Circumscriptum autem simul et incircumscriptum est, quod, cum alicubi sit totum, potestsimul esse totum alibi, non tamen ubique; quod de creatis spiritibus cognoscitur. Si enim

non esset anima tota in singulis membris sui corporis, non sentiret tota in singulis. Tuergo, domine, singulariter es incircumscriptus et aeternus, et tamen et alii spiritus suntincircumscripti et aeterni.

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XIV

QUOMODO ET CUR VIDETUR ET NON VIDETUR 

DEUS A QUAERENTIBUS EUM

An invenisti, anima mea, quod quaerebas? Quaerebas Deum et invenisti eum esse

quiddam summum omnium, quo nihil melius cogitari potest; et hoc esse ipsam vitam,lucem, sapientiam, bonitatem, aeternam beatitudinem et beatam aeternitatem; et hoc esseubique et semper. Nam si non invenisti Deum tuum: quomodo est ille hoc quod invenisti,et quod illum tam certa veritate et vera certitudine intellexisti? Si vero invenisti: quid est,quod non sentis quod invenisti? Cur non te sentit, Domine Deus, anima mea, si invenitte?

An non invenit, quem invenit esse lucem et veritatem? Quomodo namque intellexit hoc,nisi videndo lucem et veritatem? Aut potuit omnino aliquid intelligere de te, nisi per «lucem tuam et veritatem tuam» [Ps 42,3]? Si ergo vidit lucem et veritatem, vidit te. Sinon vidit te, non vidit lucem nec veritatem. An et veritas et lux est quod vidit, et tamen

nondum te vidit, quia vidit te aliquatenus, sed non vidit te «sicuti es» [1 Joh 3,2]?Domine Deus meus, formator et reformator meus, dic desideranti animae meae, quidaliud es, quam quod vidit, ut pure videat quod desiderat. Intendit se ut plus videat, etnihil videt ultra hoc quod vidit, nisi tenebras; immo non videt «tenebras, quae nullae suntin te» [1 Joh 1,5], sed videt se non plus posse videre propter tenebras suas. Cur hoc,Domine cur hoc? Tenebratur oculus eius infirmitate sua, aut reverberatur fulgore tuo?Sed certe et tenebratur in se, et reverberatur a te. Utique et obscuratur sua brevitate, etobruitur tua immensitate. Vere et contrahitur angustia sua, et vincitur amplitudine tua.Quanta namque est lux illa, de qua micat omne verum. quod rationali menti lucet! Quamampla est illa veritas, in qua est omne quod verum est et extra quam non nisi nihil et

falsum est! Quam immensa est, quae uno intuitu videt, quaecumque facta sunt, et a quoet per quem et quomodo de nihilo facta sunt! Quid puritatis, quid simplicitatis, quidcertitudinis et splendoris ibi est! Certe plus quam a creatura valeat intelligi.

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XV

QUOD MAIOR SIT QUAM COGITARI POSSIT

Ergo, Domine, non solum es quo maius cogitari nequit, sed es quiddam maius quamcogitari possit. Quoniam namque valet cogitari esse aliquid huiusmodi: si tu non es hoc

ipsum, potest cogitari aliquid maius te; quod fieri nequit.

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XVI

QUOD HAEC SIT LUX INACCESSIBILIS, QUAM INHABITAT

Vere, Domine, haec est «lux inaccessibilis, in qua habitas» [1 Tim 6,16]. Vere enim nonest aliud quod hanc penetret, ut ibi te pervideat. Vere ideo hanc non video, quia nimia

mihi est; et tamen quidquid video, per illam video, sicut infirmus oculus quod videt, per lucem solis videt, quam in ipso sole nequit aspicere. Non potest intellectus meus ad illam.imis fulget, non capit illam, nec suffert oculus animae meae diu intendere in illam.

Reverberatur fulgore, vincitur amplitudine, obruitur immensitate, confunditur capacitate.O summa et inaccessibilis lux, o tota et beata veritas, quam longe es a me, qui tam propetibi sum! Quam remota es a conspectu meo, qui sic praesens sum conspectui tuo! Ubiquees tota praesens et non te video. «In te moveor et in te sum» [Apg 17,28] et ad te non

 possum accedere. Intra me et circa me es et non te sentio.

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XVII

QUOD IN DEO SIT HARMONIA, ODOR, SAPOR, LENITAS,PULCHRITUDO SUO INEFFABILI MODO

Adhuc lates, Domine, animam meam in luce et beatitudine tua, et idcirco versatur illaadhuc in tenebris et miseria sua. Circumspicit enim et non videt pulchritudinem tuam.Auscultat et non audit harmoniam tuam. Olfacit et non percipit odorem tuum. Gustat etnon cognoscit saporem tuum. Palpat et non sentit lenitatem tuam. Habes enim haec,Domine Deus, in te tuo ineffabili modo, qui ea dedisti rebus a te creatis suo sensibilimodo; sed obriguerunt, sed obstupuerunt, sed obstructi sunt sensus animae meae vetustolanguore peccati.

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XVIII

QUOD IN DEO NEC IN AETERNITATE EIUS,QUAE IPSE EST, NULLAE SINT PARTES

Et iterum «ecce turbatio» [Jer 14,19] ecce iterum obviat maeror et luctus quaerenti«gaudium et laetitiam» [Ps 50,10]! Sperabat iam anima mea satietatem et ecce iterumobruitur egestate! Affectebam iam comedere et ecce magis esurire! Conabar assurgere adlucem Dei et recidi in tenebras meas. Immo non modo cecidi in eas, sed sentio meinvolutum in eis. Ante cecidi, quam «conciperet me mater mea». Certe in illis «conceptussum» [Ps 50,7], et cum earum obvolutione natus sum. Olim certe in illo omnescecidimus, «in quo omnes peccavimus» [Röm 5,12]. In illo omnes perdidimus, qui faciletenebat et male sibi et nobis perdidit, quod cum volumus, quaerere nescimus; cumquaerimus, non invenimus; cum invenimus, non est quod quaerimus. Adiuva me tu«propter bonitatem tuam, Domine» [Ps 24,7]. «Quaesivi vultum tuum, vultum tuum,Domine, requiram; ne avertas faciem tuam a me» [Ps 26,8f]. Releva me de me ad te.

Munda, sana, acue, «illumina»[Ps 12,4] oculum mentis meae, «ut intueatur te» [Hld6,12]. Recolligat vires suas anima mea, et toto intellectu iterum intendat in te, Domine.Quid es, Domine, quid es, quid te intelliget cor meum? Certe vita es, sapientia es,

veritas es, bonitas es, beatitudo es, aeternitas es, et omne verum bonum es. Multa sunthaec, non potest angustus intellectus meus tot uno simul intuitu videre, ut omnibus simuldelectetur. Quomodo ergo, Domine, es omnia haec? An sunt partes tui, aut potiusunumquodque horum est totum quod es? Nam quidquid partibus est iunctum, non estomnino unum, sed quodam modo plura et diversum a seipso, et vel actu vel intellectudissolvi potest; quae aliena sunt a te, quo nihil melius cogitari potest. Nullae igitur partessunt in te, Domine, nec es plura, sed sic es unum quiddam et idem tibi ipsi, ut in nullo tibi

ipsi sis dissimilis; immo tu es ipsa unitas, nullo intellectu divisibilis. Ergo vita et sapientiaet reliqua non sunt partes tui, sed omnia sunt unum, et unumquodque horum est totumquod es, et quod sunt reliqua omnia. Quoniam ergo nec tu habes partes nec tuaaeternitas, quae tu es: nusquam et numquam est pars tua aut aeternitatis tuae, sed ubiquetotus es, et aeternitas tua tota est semper.

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XIX

QUOD NON SIT IN LOCO AUT IN TEMPORE, SED OMNIA SINT IN ILLO

Sed si per aeternitatem tuam fuisti et es et eris, et fuisse non es futurum esse et essenon est fuisse vel futurum esse: quomodo aeternitas tua tota est semper? An de

aeternitate tua nihil praeterit, ut iam non sit, nec aliquid futurum est, quasi nondum sit?on ergo fuisti heri aut eris cras, sed heri et hodie et cras es. Immo nec heri nec hodienec cras es, sed simpliciter es extra omne tempus. Nam nihil aliud est heri et hodie et crasquam in tempore; tu autem, licet nihil sit sine te, non es tamen in loco aut tempore, sedomnia sunt in te. Nihil enim te continet, sed tu contines omnia.

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XX

QUOD SIT ANTE ET ULTRA OMNIA ETIAM AETERNA

Tu ergo imples et complecteris omnia; tu es ante et ultra omnia. Et quidem ante omniaes, quia «antequam fierent, tu es» [Ps 89,2] Ultra omnia vero quomodo es? Qualiter 

enim es ultra ea quae finem non habebunt? An quia illa sine te nullatenus esse possunt, tuautem nullo modo minus es, etiam si illa redeunt in nihilum? Sic enim quodam modo esultra illa. An etiam, quia illa cogitari possunt habere finem, tu vero nequaquam? Nam sicilla quidem finem quodam modo, tu vero nullo modo. Et certe quod nullo modo habetfinem, ultra est quod aliquo modo finitur. An hoc quoque modo transis omnia etiamaeterna, quia tua et illorum aeternitas tota tibi praesens est, cum illa nondum habeant desua aeternitate quod venturum est, sicut iam non habent quod praeteritum est? Sic quippesemper es ultra illa, cum semper tibi sis praesens, seu cum illud semper tibi praesens, adquod illa nondum pervenerunt.

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XXI

A N HOC SIT SAECULUM SAECULI SIVE SAECULA SAECULORUM

An ergo hoc est saeculum saeculi sive saecula saeculorum? Sicut enim saeculumtemporum continet omnia temporalia, sic tua aeternitas continet etiam ipsa saecula

temporum. Quae saeculum quidem est propter indivisibilem unitatem, saecula vero propter interminabilem immensitatem. Et quamvis ita sis magnus, Domine, ut omnia sintte plena et sint in te: sic tamen es sine omni spatio, ut nec medium nec dimidium nec ulla

 pars sit in te.

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XXII

QUOD SOLUS SIS QUOD EST ET QUI EST

Tu solus ergo, Domine, es quod es, et tu es qui es. Nam quod aliud est in toto et aliudin partibus, et in quo aliquid est mutabile, non omnino est quod est. Et quod incepit a non

esse et potest cogitari non esse et, nisi per aliud subsistat, redit in non esse; et quod habetfuisse quod iam non est, et futurum esse quod nondum est: id non est proprie et absolute.Tu vero es quod es; quia quidquid aliquando aut aliquo modo es, hoc totus et semper es.

Et tu es qui proprie et simpliciter es; quia nec habes fuisse aut futurum esse, sed tantum praesens esse, nec potes cogitari aliquando non esse. Et vita es et lux et sapientia et beatitudo et aeternitas et multa huiusmodi bona, et tamen non es nisi unum et summum bonum; tu, tibi omnino sufficiens, nullo indigens, quo omnia indigent ut sint, et ut benesint.

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XXIII

QUOD HOC BONUM SIT PARITER  PATER ET FILIUS

ET SPIRITUS SANCTUS: ET HOC SIT UNUM NECESSARIUM,QUOD EST OMNE ET TOTUM ET SOLUM BONUM

Hoc bonum es tu, Deus Pater; hoc est Verbum tuum, id est Filius tuus. Etenim non potest aliud quam quod es, aut aliquid maius vel minus te esse in Verbo, quo te ipsumdicis; quoniam Verbum tuum sic est verum, quomodo tu verax, et idcirco est ipsa Veritassicut tu, non alia quam tu; et sic es tu simplex, ut de te non possit nasci aliud quam quodtu es. Hoc ipsum est Amor unus et communis tibi et Filio tuo, id est Sanctus Spiritus abutroque procedens. Nam idem Amor non est impar tibi aut Filio tuo; quia tantum amas teet illum, et ille te et seipsum, quantus es tu et ille; nec est aliud a te et ab illo, quod dispar non est tibi illi; nec de summa simplicitate potest procedere aliud, quam quod est de quo

 procedit. Quod autem est singulus quisque, hoc est tota Trinitas simul, Pater et Filius etSpiritus Sanctus; quoniam singulus quisque non est aliud quam summe simplex unitas et

summe una simplicitas, quae nec multiplicari nec aliud et aliud esse potest. «Porro unumest necessarium» [Lc 10,42]. Porro hoc est illud unum necessarium, in quo est omne bonum, immo quod est omne et unum et totum et solum bonum.

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XXIV

CONIECTATIO, QUALE ET QUANTUM SIT HOC BONUM

Excita nunc, anima mea, et erige totum intellectum tuum, et cogita, quantum potes,quale et quantum sit illud bonum. Si enim singula bona delectabilia sunt, cogita intente

quam delectabile sit illud bonum, quod continet iucunditatem omnium bonorum; et nonqualem in rebus creatis sumus experti, sed tanto differentem, quanto differt creator acreatura. Si enim bona est vita creata: quam bona est vita creatrix? Sic iucunda est salusfacta: quam iucunda est salus, quae facit omnem salutem? Si amabilis est sapientia incognitione rerum conditarum: quam amabilis est sapientia, quae omnia condidit ex nihilo?Denique si multae et magnae delectatione sunt in rebus delectabilibus: qualis et quantadelectatio est in illo, qui fecit ipsa delectabilia?

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XXV

QUAE ET QUANTA BONA SIT FRUENTIBUS EO

O, qui hoc bono fruetur: quid illi erit et quid illi non erit! Certe quidquid volet, erit, etquod nolet non erit. Ibi quippe erunt bona corporis et animae, qualia «nec oculus vidit

nec auris audivit nec cor hominis» [1 Kor 2,9] cogitavit. Cur ergo per multa vagaris,homuncio, quaerendo bona animae tuae et corporis tui? Ama unum bonum, in quo suntomnia bona et sufficit. Desidera simplex bonum, quod est omne bonum et satis est. Quidenim amas, caro mea, quid desideras, anima mea? Ibi est, ibi est quidquid amatis,quidquid desideratis.

Si delectat pulchritudo: «fulgebunt iusti sicut sol» [Mt 13,43] Si velocitas aut fortitudoaut libertas corporis, cui nihil obsistere possit: «erunt similes angelis dei» [Mt 22,30]; quia«seminatur corpus animale, et surget corpus spirituale» [1 Kor 15,44], potestate utique,non natura. Si longa et salubris vita: ibi est sana aeternitas et aeterna sanitas; quia «iusti in

 perpetuum vivent et salus iustorum a Domino» [Ps 36,39] Si satietas: satiabuntur, «cum

apparuerit gloria Dei» [Ps 16,15] Si ebrietas: «inebriabuntur ab ubertate domus Dei». Simelodia: ibi angelorum chori concinunt sine fine Deo. Si quaelibet non immunda, sedmunda voluptas: «torrente voluptatis suae potabit eos» [Ps 35,9] Deus.

Si sapientia: ipsa Dei sapientia ostendet eius seipsam. Si amicitia: diligent Deum plusquam seipsos, et invicem tamquam seipsos, et Deus illos plus quam illi seipsos; quia illiillum et se et incivem per illum, et ille se et illos per seipsum. Si concordia: omnibus illiserit una voluntas, quia nulla illis erit nisi sola Dei voluntas. Si potestas: omnipotenteserunt suae voluntatis, ut Deus suae. Nam sicut poterit Deus quod volet, per seipsum, ita

 poterunt illi quod volent, per illum; quia sicut illi non aliud volent quam quod ille, ita illevolet quidquid illi volent; et quod ille volet, non poterit non esse. Si honor et divitiae:

Deus suos «servos bonos et fideles supra multa constituet» [Mt 25,21.23]; immo «filiiDei» et dii «vocabuntur» [Mt 5,9] et erunt; et ubi erit Filius eius, ibi erunt et illi,«haeredes quidem Dei, cohaeredes autem Christi» [Ps 81,6; Röm 8,17]. Si verasecuritas: certe ita certi erunt numquam et nullatenus ista vel potius bonum sibidefuturum, sicut certi erunt se non sua sponte illud amissuros, nec dilectorem Deum illuddilectoribus suis invitis ablaturum, nec aliquid Deo potentius invitos Deum et illosseparaturum.

Gaudium vero quale aut quantum est, ubi tale ac tantum bonum est? Cor humanum,cor indigens, cor expertum aerumnas, immo obrutum aerumnis: quantum gauderes, si hisomnibus abundares? Interroga intima tua, si capere possint gaudium suum de tanta

 beatitudine sua. Sed certe, si quis alius, quem omnino sicut teipsum diligeres, eandem beatitudinem haberet, duplicaretur gaudium tuum, quia non minus gauderes pro eo quam pro teipso. Si vero duo vel tres vel multo plures idipsum haberent, tantundem pro singulisquantum pro teipso gauderes, si singulos sicut teipsum amares. Ergo in illa perfectacaritate innumerabilium beatorum angelorum et hominum, ubi nullus minus diliget aliumquam seipsum, non aliter gaudebit quisque pro singulis aliis quam pro seipso. Si ergo cor hominis de tanto suo bono vix capiet gaudium suum: quomodo capax erit tot et tantorum

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gaudiorum? Et utique, quoniam quantum quidque diligit aliquem, tantum de bono eiusgaudet: sicut in illa perfecta felicitate unusquisque plus amabit sine comparatione Deumquam se et omnes alios secum, ita plus gaudebit absque existimatione de felicitate Deiquam de sua et omnium aliorum secum. Sed si Deum sic diligent «toto corde, totamente, tota anima» [Mt 22,37], ut tamen totum cor, tota mens, tota anima non sufficiat

dignitate dilectionis: profecto sic gaudebunt «toto corde, tota mente, tota anima», uttotum cor, tota mens, tota anima non sufficiat plenitudini gaudii.

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XXVI

A N HOC SIT GAUDIUM PLENUM QUOD PROMITTIT DOMINUS

Deus meus et Dominus meus, spes mea et gaudium cordis mei, dic animae meae, sihoc est gaudium, de quo nobis dicis per Filium tuum: «Petite et accipietis, ut gaudium

vestrum sit plenum» [Joh 16,24] Inveni namque gaudium quoddam plenum, et plusquam plenum. Pleno quippe corde, plena mente, plena anima, pleno toto homine gaudioillo: adhuc supra modum superit gaudium. Non ergo totum illud gaudium intrabit ingaudentes, sed toti gaudentes intrabunt in gaudium. Dic, Domine, dic servo tuo intus incorde suo, si hoc est gaudium in quod intrabunt servi tui, qui intrabunt «in gaudiumDomini sui» [Mt 25,21]. Sed gaudium illud certe, quo gaudebunt electi tui, «nec oculusvidit, nec auris audivit, nec in cor hominis ascendit» [1 Kor 2,9] Nondum ergo dixi etcogitavi, Domine, quantum gaudebunt illi beati tui. Utique tantum gaudebunt, quantumamabunt; tantum amabunt, quantum cognoscent. Quantum te cognoscent, Domine, tunc,et quantum amabunt? Certe «nec oculus vidit, nec auris audivit, nec in cor hominis

ascendit» [1 Kor 2,9] in hac vita, quantum te cognoscent et amabunt in illa vita.Oro, Deus, cognoscam te, amem te, ut gaudeam de te. Et si non possum in hac vita ad plenum, vel proficiam in dies, usque dum veniat illud ad plenum. Proficiat hic in menotitia tui et ibi fiat plena; crescat amor tuus et ibi sit plenus, ut hic gaudium meum sit inspe magnum, et ibi sit in re plenum. Domine, per Filium tuum iubes, immo consulis

 petere et promittis accipere, «ut gaudium nostrum plenum sit» [Joh 16,24]. Peto,Domine, quod consulis «per admirabilem consiliarium» [Jes 9,6] nostrum; accipiam,quod promittis per veritatem tuam, «ut gaudium meum plenum sit» [Joh 16,24]. Deusverax, peto accipiam, «ut gaudium meum plenum sit» [Joh 16,24]. Meditetur interiminde mens mea, loquatur inde lingua mea. Amet illud cor meum, sermonicetur os meum.

Esuriat illud omnia mea, sitiat caro mea, desideret tota substantia mea, donec «intrem ingaudium Domini mei» [Mt 25,21], qui est trinus et unus Deus «benedictus in saecula.Amen» [Röm 1,25].

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PARTE II

 Livro escrito a favor de um insensato

contra o argumento contido no P  ROSLÓGIO de Santo Anselmo, por Gaunilo, monge de Marmoutier 

(Quid ad haec respondeat quidam pro insipiente)

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1. Para quem duvide ou negue que há uma natureza maior do que tudo que se possaensar , o autor do  Proslógio chega à conclusão de que ela existe porque, segundo ele, o

simples fato de negá-la ou pôr em dúvida sua existência já implica que ela está presentena inteligência de quem a nega, visto que com ouvir estas palavras pronunciadas jácompreende o seu sentido. Pois bem: se compreende seu sentido, seu objeto tem de estar 

necessariamente não só na inteligência, mas também na realidade. A prova que dá é esta:existir na inteligência e na realidade é mais do que existir somente na inteligência;

 portanto, se o objeto que buscamos está somente na inteligência, será menor do queaquele que existe ao mesmo tempo na inteligência e na realidade. Pela mesma razão, oser que, hipoteticamente, é maior que qualquer outro, de fato seria menor que outro ser existente, e por isso não seria o maior de todos, o que contradiz o conceito que deletemos. Daqui se segue, como algo necessário, que o que é maior que tudo mais e cujaidéia está na inteligência (como já foi provado) não se detém nela, mas passe a ser umarealidade, visto que, de outra maneira, não seria o maior de todos.

2. A isto se pode responder que, se um objeto está em meu espírito apenas pelo fato deeu compreender as palavras que o expressam, o mesmo cumpriria dizer de muitas coisasfalsas e inexistentes, visto que também as compreendo ao ouvi-las descrever ou nomear.Esta razão  me parece sólida, a menos que o objeto de que se trata não esteja nasmesmas condições das coisas falsas, no sentido de que não apenas compreendo as

 palavras que as expressam, mas também que seu sentido, seu objeto, está em minhainteligência, caso este em que eu não poderia pensá-lo senão compreendendo que existe.[61 ] Se assim fosse, não haveria na inteligência dois momentos, um em que secompreendesse a idéia do objeto e outro [no qual se desse] a existência desse mesmoobjeto. Aconteceria o contrário do que sucede num quadro, cujo conteúdo está primeirona mente do pintor e, em seguida, passa à realidade. Além disso, dificilmente se fará crer que, quando se ouve enunciar a idéia desse ser, não seja tão possível pensar que nãoexiste como o é pensar que Deus não existe.[ 62 ] Porque, se não se pode desconhecer aexistência deste ser, a que vem toda esta discussão ou argumentação contra aqueles quenegam, ou, simplesmente, duvidam que haja uma natureza superior? Enfim, é necessáriodemonstrar, mediante uma prova incontestável, que esse objeto é tal que a inteligêncianão pode estar menos do que certa de sua existência indubitável, desde o momentomesmo em que é pensado; e não basta dizer que já existe de antemão em meu espíritono instante mesmo em que compreendo as palavras pelas quais se expressa, porque,

conforme já foi dito, meu espírito poderia conter, igualmente, muitas coisas duvidosas eaté mesmo falsas, afirmadas por alguém, desde o momento mesmo em quecompreendesse suas palavras [correspondentes], e ainda mais se, enganado, como ocorrecom freqüência, chegasse a crer nessas coisas, eu que nelas não creio.[ 63 ]

3. Daí se segue que o exemplo do pintor que tem em seu espírito o quadro que há de pintar nem sempre se casa com este argumento. Porque esse quadro, antes de ser executado, está na própria arte do pintor e, por isso mesmo, faz parte de sua inteligência.

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Com razão diz Santo Agostinho que, “quando um artífice se propõe a fazer uma arca,esta existe primeiro em seu espírito. A vida não está na arca realizada, mas está na idéiada arca antes de realizar-se, porque, então, vive na alma do artífice, na qual residemtodas as suas criações, antes de se manifestarem à luz”.[ 64 ] Pois bem: de onde vem avida a essas idéias senão do fato de serem a inteligência e a ciência da alma dele? Não

obstante, com exceção daquilo que nasce da própria mente, como as criações do artífice, pode a alma adquirir verdades, seja a partir de si mesma, por via de reflexão, seja a partir de outros, através do ouvido. Em ambos os casos, uma coisa é a verdade conhecida, eoutra é o intelecto que a conhece. Por isso mesmo, ainda quando haja algo acima do qualnada maior possa ser concebido, tal objeto falado e compreendido não se assemelha aum quadro não executado e que ainda se encontra na inteligência do pintor.

4. A isto cabe acrescentar o que foi dito anteriormente, ou seja, que este ser, o maior dequantos se possam pensar, que não é outro senão o próprio Deus, não pode, ao

 pronunciar-se seu nome, ser compreendido por minha inteligência como algo que se possa referir a uma espécie ou a um gênero conhecidos, assim como não posso,tampouco, compreender a Deus e, pela mesma razão, posso duvidar de sua existência.Porque, como não conheço Deus, não posso tampouco concluir por sua existência,

 baseando-me na analogia de algo que lhe seja semelhante, já que afirmas que ele é talque nada pode a ele assemelhar-se. Se ouço falar de um homem que me é desconhecidoe cuja existência desconheço, posso, não obstante, imaginá-lo como um ser real, deacordo com a idéia que temos do que seja um homem. Poderia, contudo, suceder que,

 por obra de uma mentira daquele a quem ouço falar, esse homem não existisse, aindaque eu já o tivesse imaginado sob os traços de algo verdadeiro, que, se não era aquelehomem em particular, era, de toda maneira, um verdadeiro homem em geral. Por 

conseguinte, quando ouço alguém referir-se a Deus ou ao ser maior que todos os seres,não consigo tê-lo na inteligência ou no pensamento de uma maneira fácil, comorepresento o homem de que falei há pouco e que, no entanto, não existe. Naquele casoeu podia pensar num homem como um ser concreto e verdadeiro porque a idéia dehomem me é familiar; mas aqui não posso pensar em Deus senão por meio de uma

 palavra da qual não se pode, em absoluto, ou somente com grande dificuldade, deduzir arealidade que expressa. Se é certo, não obstante – e isto não padece dúvida – que,quando se pensa desta forma e sob esta condição, o objeto do pensamento é osignificado da palavra, mais do que a própria palavra, cumpre notar, sem embargo, queneste caso seu significado é compreendido não como o seria por alguém que conhece o

que essa palavra expressa, e que representa o ser mesmo e o pensamento verdadeiro,mas sim como o seria por alguém que não conhece o objeto e cujo pensamento sedetermina unicamente pela palavra que ouviu e cujo sentido se esforça por descobrir,sendo muito duvidoso que venha a descobri-lo por completo. Conste, pois, que somentedesta maneira este ser se acha em minha inteligência, quando ouço e compreendo alguémque diz que existe um ser maior do que todas as coisas que se podem pensar. Isto é oque cabe responder, quando se diz que esta suma natureza já está em minha inteligência.

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5. Quanto à afirmação de que este ser não só está em meu pensamento, mas também narealidade, porque, se assim não fosse, tudo quanto existe seria maior do que ele, e, por isso mesmo, ele já não seria o maior de todos, respondo: se se quer considerar comoexistente no intelecto algo que o pensamento não logra representar sob a forma de um ser real qualquer, não o nego. Mas como desta maneira de existência ideal não se segue,

necessariamente, que exista na realidade, não concedo essa existência, a menos que sejademonstrada por uma prova irrefutável; porque o que conclui a favor da existência desseser, partindo do princípio de que, se não existisse, não seria o maior de todos, não se dá

 bastante conta do espírito de seu interlocutor. Com efeito, não somente eu não afirmosua existência, senão também a nego ou duvido, pelo menos, que seja efetivamentemaior que qualquer outro objeto real, e não lhe concedo mais existência, se é lícitochamá-la assim, que a que lhe dá o esforço de meu espírito para representar uma coisaque não conhece senão pela palavra que ouviu. Como, pois, se me demonstrará queexiste este ser maior do que todos os demais, de fato, apenas por ser tal, quando eu onego ou, pelo menos, o ponho em dúvida? E quando este ser maior do que qualquer 

outro não está em minha inteligência ou em meu pensamento, como muitas outras coisasduvidosas ou incertas? É, portanto, necessário, antes de mais nada, que eu tenha acerteza de que este ser supremo existe, e então restará para mim, fora de qualquer dúvida, [admitir] que subsiste por si mesmo.

6. Por exemplo: afirma-se que em algum lugar do oceano há uma ilha chamada Perdida, por causa da dificuldade, ou melhor, da impossibilidade de encontrá-la, já que não existe.Atribuem-se-lhe riquezas e delícias incalculáveis, ainda em maior abundância que às ilhasAfortunadas, e acrescenta-se que, livre de donos ou habitantes, excede em produtostodas as terras habitadas por homens. Se alguém me disser estas coisas, compreenderei

facilmente suas palavras, nas quais nada há de difícil compreensão. Mas se depois, comoquem tira uma conseqüência, ele dissesse: “Daqui para a frente não poderás duvidar daexistência dessa ilha, visto que tens uma idéia clara da mesma em teu espírito e porqueexistir na realidade é mais do que existir somente na inteligência, pois, do contrário,qualquer outra terra existente será, por esse simples fato, mais importante que ela”; secom semelhantes argumentos ele quisesse fazer-me admitir a existência dessa ilha, eusuporia que meu interlocutor estava gracejando, ou não saberia dizer qual de nós dois erao mais insensato: eu, por admitir semelhantes provas, ou ele, se cresse ter assentado aexistência dessa ilha em bases inabaláveis, antes de ter provado sua superioridade comoalgo existente, ao invés de apresentá-la como um conceito falso ou, quando menos,

duvidoso para o meu espírito.

7. Isto é o que responde o insensato às objeções do autor. Quando ele afirma que esseser supremo não pode existir apenas no pensamento, sem apresentar outras provas, salvoa de que já não seria supremo se existisse apenas no pensamento, eu posso opor amesma resposta e dizer: quando foi que admiti que exista, realmente, esse ser supremo,

 para que, apoiando-se nessa confissão, se tente demonstrar-me a realidade de suaexistência, até o ponto em que não se possa, sequer, pensar que não existe? Eis por que,

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antes de mais nada, é preciso provar, mediante um argumento sólido, que existe umanatureza superior, para que dessa maneira possamos demonstrar a existência das outrascoisas que se devem atribuir a esse ser. Mas, se alguém diz que não se pode sequer supor sua existência, com maior razão ainda se diria que não se pode compreender que nãoexista o que pode não existir, porque, de acordo com o sentido exato do verbo

compreender , as coisas falsas não podem ser compreendidas, ainda que possam ser ensadas, do mesmo modo que o insensato pôde pensar que Deus não existe. Tenho acerteza de que existo, embora saiba que poderia não existir. E quanto a esse ser supremoque é Deus, compreendo sem hesitar que existe e que não pode não existir. Quanto a

 pensar que eu não existo, quando sei, positivamente, o contrário, ignoro se me é, ou não, possível; mas, se o posso, por que não ocorreria o mesmo em relação a tudo mais que euconheço com a mesma certeza? E se, pelo contrário, não o posso, essa necessidade decrer não se aplica somente à existência de Deus.

As coisas expostas no restante do livro com tanta veracidade, tanta clareza emagnificência, tão úteis e cheias de um perfume íntimo de afeto piedoso e santo, devem

ser tomadas em conta, embora as verdades que se encontram no princípio, pensadascom exatidão, se achem demonstradas com menos firmeza; cumpre, pois, robustecer essa argumentação para tudo aceitar com grande veneração e o devido louvor.

[ 61 ] É evidente que aqui Gaunilo distingue entre o simples entendimento das palavras e o entendimento doobjeto mesmo, que, a seu ver, implicaria sua existência. [N. C.][ 62 ] Para bem compreender esta distinção cumpre notar que no  Proslógio Santo Anselmo não nomeia Deus,mas o designa como aquele que está acima de todos os seres. [N. C.][ 63 ] Gaunilo refere-se aqui ao fato de que não crê na veracidade do argumento anselmiano. [N. C.][ 64 ] SANTO AGOSTINHO,  In Ioannis evangelium tract., I, 17 (PL 35, 1387).

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1. Dubitanti, utrum sit, vel neganti, quod sit aliqua talis natura, «qua nihil maius cogitari possit», cum esse illam hinc dicitur primo probari, quod ipse negans vel ambigens de illaiam habeat eam in intellectu, cum audiens illam dici id, quod dicitur, intelligit, deindequia, quod intelligit, necesse est, ut non in solo intellectu, sed etiam in re sit – et hoc ita

 probatur, quia maius est esse et in re quam in solo intellectu, et si illud in solo est

intellectu, maius illo erit, quidquid etiam in re fuerit, ac sic «maius omnibus» minus eritaliquo et non erit «maius omnibus», quod utique repugnat, et ideo necesse est, ut «maiusomnibus», quod esse iam probatum est in intellectu, non in solo intellectu, sed et in re sit,quoniam aliter «maius omnibus» esse non poterit –, respondere forsan potest:

2. Quod hoc iam esse dicitur in intellectu meo non ob aliud, nisi quia id, quod dicitur,intelligo: Nonne et quaecumque falsa ac nullo prorsus modo in se ipsis existentia inintellectu habere similiter dici possem, cum ea dicente aliquo, quaecumque ille diceret,ego intelligerem? Nisi forte tale illud constat esse, ut non eo modo, quo etiam falsaquaeque vel dubia, haberi possit in cogitatione, et ideo non dicor illud auditum cogitare

vel in cogitatione habere, sed intelligere et in intellectu habere, quia scilicet non possimhoc aliter cogitare nisi intelligendo, id est scientia comprehendendo, re ipsa illud existere.Sed si hoc est, primo quidem non hic erit iam aliud idemque tempore praecedens habererem in intellectu et aliud idque tempore sequens intelligere rem esse, ut fit de pictura,quae prius est in animo pictoris, deinde in opere. Deinde vix umquam poterit essecredibile, cum dictum et auditum fuerit istud, non eo modo posse cogitari non esse, quoetiam potest non esse deus. Nam si non potest – cur contra negantem aut dubitantem,quod sit aliqua talis natura, tota ista disputatio est assumpta? Postremo, quod tale sit illud,ut non possit nisi mox cogitatum indubitabilis existentiae suae certo percipi intellectu,indubio aliquo probandum mihi est argumento, non autem isto, quod iam sit hoc inintellectu meo, curn auditum intelligo; in quo similiter esse posse quaecumque alia incertavel etiam falsa ab aliquo, cuius verba intelligerem, dicta adhuc puto, et insuper magis, siilla deceptus, ut saepe fit, crederem, qui istud nondum credo.

3. Unde nec illud exemplum de pictore picturam, quam facturus est, iam in intellectuhabente satis potest huic argumento congruere. Illa enim pictura, antequam fiat, in ipsa

 pictoris arte habetur, et tale quippiam in arte artificis alicuius nihil est aliud quam parsquaedam intelligentiae ipsius, quia et, sicut sanctus Augustinus ait, «cum faber arcamfacturus in opere prius habet illam in arte; arca, quae fit in opere, non est vita; arca, quaeest in arte, vita est, quia vivit anima artificis, in qua sunt ista omnia, antequam

 proferantur». Ut quid enim in vivente artificis anima vita sunt ista, nisi quia nil sunt aliudquam scientia vel intelligentia animae ipsius? At vero quidquid extra illa, quae ad ipsammentis noscuntur pertinere naturam, aut auditum aut excogitatum intellectu percipitur verum, aliud sine dubio est verum illud, aliud intellectus ipse, quo capitur. Quocircaetiamsi verum sit esse aliquid, «quo maius quicquam nequeat cogitari», non tamen hocauditum et intellectum tale est, qualis nondum facta pictura in intellectu pictoris.

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4. Huc accedit illud, quod praetaxatum est superius, quia scilicet illud «omnibus, quaecogitari possint, maius», quod nihil aliud posse esse dicitur quam ipse deus, tam egosecundum rem vel ex specie mihi vel ex genere notam cogitare auditum vel in intellectuhabere non possum quam nec ipsum deum, quem utique ob hoc ipsum etiam non essecogitare possum. Neque enim aut rem ipsam novi aut ex alia possum conicere simili,

quandoquidem et tu talem asseris illam, ut esse non possit simile quicquam. Nam si dehomine aliquo mihi prorsus ignoto, quem etiam esse nescirem, dici tamen aliquidaudirem, per illam specialem generalemve notitiam, qua, quid sit homo vel homines,novi, de illo quoque secundum rem ipsam, quae est homo, cogitare possem. Et tamenfieri posset, ut mentiente illo, qui diceret, ipse, quem cogitarem, homo non esset; cumtamen ego de illo secundum veram nihilominus rem, non quae esset ille homo, sed quaeest homo quilibet, cogitarem; nec sic igitur, ut haberem falsum istud in cogitatione vel inintellectu, habere possum illud, cum audio dici «deus» aut «aliquid omnibus maius»,cum, quando illud secundum rem veram mihique notam cogitare possem, istud omninonequeam nisi tantum secundum vocem, secundum quam solam aut vix aut numquam

 potest ullum cogitari verum. Siquidem cum ita cogitatur, non tam vox ipsa, quae res estutique vera, hoc est litterarum sonus vel syllabarum, quam vocis auditae significatiocogitetur, sed non ita, ut ab illo, qui novit, quid ea soleat voce significari, a quo scilicetcogitatur secundum rem vel in sola cogitatione veram, verum ut ab eo, qui illud non novitet solummodo cogitat secundum animi motum illius auditu vocis effectumsignificationemque perceptae vocis conantem effingere sibi. Quod mirum est, si umquamrei veritate potuerit. Ita ergo nec prorsus aliter adhuc in intellectu meo constat illudhaberi, cum audio intelligoque dicentem esse aliquid «maius omnibus, quae valeantcogitari». Haec de eo, quod summa illa natura iam esse dicitur in intellectu meo!

5. Quod autem et in re necessario esse inde mihi probatur, quia, nisi fuerit, quidquid estin re, maius illa erit ac per hoc non erit illud «maius omnibus», quod utique iam esse probatum est in intellectu, ad hoc respondeo: Si esse dicendum est in intellectu, quodsecundum veritatem cuiusquam rei nequit saltem cogitari, et hoc in meo sic esse nondenego. Sed quia per hoc esse quoque in re non potest ullatenus obtinere, illud ei esseadhuc penitus non concedo, quousque mihi argumento probetur indubio. Quod qui essedicit hoc, quod «maius omnibus» aliter non erit «omnibus maius», non satis attendit, cuiloquatur. Ego enim nondum dico, immo etiam nego vel dubito ulla re vera esse «maius»illud, nec aliud ei esse concedo quam illud – si dicendum est «esse» –, cum secundumvocem tantum auditam rem prorsus ignotam sibi conatur animus effingere. Quomodo

igitur inde mihi probatur «maius» illud rei veritate subsistere, quia constet illud maiusomnibus esse, cum id ego eo usque negem adhuc dubitemve constare, ut ne in intellectuquidem vel cogitatione mea eo saltem modo maius ipsum esse dicam, quo dubia etiammulta sunt et incerta? Prius enim certum mihi necesse est fiat re vera esse alicubi«maius» ipsum, et tum demum ex eo, quod maius est omnibus, in se ipso quoquesubsistere non erit ambiguum.

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6. Exempli gratia: Aiunt quidam alicubi oceani esse insulam, quam ex difficultate vel potius impossibilitate inveniendi, quod non est, cognominant aliqui «perditam» quamquefabulantur multo amplius, quam de fortunatis insulis fertur, divitiarum deliciarumqueomnium inaestimabili ubertate pollere nulloque possessore aut habitatore universis aliis,quas incolunt homines, terris possidendorum redundantia usquequaque praestare. Hoc ita

esse dicat mihi quispiam, et ego facile dictum, in quo nihil est difficultatis, intelligam. Atsi tunc velut consequenter adiungat ac dicat: Non potes ultra dubitare insulam illam terrisomnibus praestantiorem vere esse alicubi in re, quam et in intellectu tuo non ambigisesse; et quia praestantius est non in intellectu solo, sed etiam esse in re, ideo sic eamnecesse est esse, quia, nisi fuerit, quaecumque alia in re est terra, praestantior illa erit, acsic ipsa iam a te praestantior intellecta praestantior non erit – si, inquam, per haec illemihi velit astruere de insula illa, quod vere sit, ambigendum ultra non esse, aut iocariillum credam, aut nescio, quem stultiorem debeam reputare, utrum me, si ei concedam,an illum, si se putet aliqua certitudine insulae illius essentiam astruxisse, nisi prius ipsam

 praestantiam eius solummodo sicut rem vere atque indubie existentem nec ullatenus sicut

falsum aut incertum aliquid in intellectu meo esse docuerit.7. Haec interim ad obiecta insipiens ille responderit. Cui cum deinceps asseritur tale esse«maius» illud, ut nec sola cogitatione valeat non esse, et hoc rursus non aliunde probatur quam eo ipso, quod aliter non erit «omnibus maius», idem ipsum possit referreresponsurn et dicere: Quando enim ego rei veritate esse tale aliquid, hoc est «maiusomnibus», dixi, ut ex hoc mihi debeat probari in tantum etiam re ipsa id esse, ut nec

 possit cogitari non esse? Quapropter certissimo primitus aliquo probandum est argumentoaliquam superiorem, hoc est maiorem ac meliorem omnium, quae sunt, esse naturam, utex hoc alia iam possimus omnia comprobare, quibus necesse est illud, quod maius ac

rnelius est omnibus, non carere. Cum autem dicitur, quod summa res ista non essenequeat cogitari, rnelius fortasse diceretur, quod non esse aut etiam posse non esse non possit intelligi. Nam secundum proprietatem verbi istius falsa nequeunt intelligi; quae possunt utique eo modo cogitari, quo deum non esse insipiens cogitavit. Et me quoqueesse certissime scio, sed et posse non esse nihilominus scio. Summum vero illud, quodest, scilicet deus, et esse et non esse non posse indubitanter intelligo. Cogitare autem menon esse, quamdiu esse certissime scio, nescio, utrum possim. Sed si possum, cur non etquidquid aliud eadem certitudine scio? Si autem non possum, non erit iam istud propriumdeo.

Cetera libelli illius tam veraciter et tam praeclare sunt magnificeque disserta, tanta

denique referta utilitate et pii ac sancti affectus intimo quodam odore fragrantia, ut nullomodo propter illa, quae in initiis recte quidem sensa, sed minus firmiter argumentata sunt,ista sint contemnenda; sed illa potius argumentanda robustius, ac sic omnia cum ingentiveneratione et laude suscipienda.

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PARTE III

 Apologia deSanto Anselmocontra Gaunilo

(Quid ad haec respondeat editor ipsius libelli)

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Como[ 65 ] minhas palavras não foram repreendidas pelo insensato  de que falei no Proslógio,  mas, pelo contrário, como meu adversário é um escritor não insensato ecatólico, cuja pena se faz intérprete desse insensato, bastar-me-á responder ao católico.

I. Quem[ 66 ] quer que sejas tu que emprestas essa linguagem a um insensato, afirmasque, se há na inteligência um ser tal que não se possa conceber outro maior, ele não está

nela de tal maneira que, por isso, se tenha de admitir sua realidade, e que, quando eudigo que é necessário que uma coisa exista verdadeiramente quando é ideada pelo

 pensamento como superior a tudo, esta demonstração não é legítima, como tampouco oseria concluir que a Ilha Perdida existe só pelo fato de que, quando se faz sua descrição,o que a ouve não duvida de que tem sua idéia no espírito.[ 67 ] A isto repondo que, se oser acima do qual nada se pode pensar não é compreendido pela inteligência, nem sequer concebido pelo pensamento, isto é, nem sequer imaginado, certamente será preciso dizer ou que Deus não é o ser acima do qual não se pode supor nada, ou não é nemcompreendido pela inteligência nem concebido pelo pensamento. Ora bem: que isto sejafalso demonstram-no com inteira certeza tua fé e tua consciência.[ 68 ] Portanto,compreendemos e concebemos, temos na inteligência e no pensamento algo queestimamos mais que qualquer outra coisa. Por isso mesmo, ou os argumentos em queapóias teus ataques não são verdadeiros, ou as conclusões que deles tiras não sãolegítimas.

Quanto ao que opinas que do fato de pensar uma coisa acima da qual não se possaconceber nada maior não se segue que esse algo esteja na inteligência, e que do fato deque esteja na inteligência não se segue necessariamente que exista na realidade, afirmocom inteira certeza que esse algo, desde o momento  que pode ser pensado, existenecessariamente. Porque o ser acima do qual não se pode pensar nenhum outro

necessariamente tem de ser representado como carecendo de princípio [no tempo]. Pois bem: todo aquele cuja existência pode considerar-se como possível e que, nada obstante,não existe, pode, começando a existir, vir a ser. Pela mesma razão, aquele que é tal quenão se pode imaginar nada superior, não pode ser considerado possível sem que o sejarealmente. Logo, se o pensamento pode admitir sua existência, ele existenecessariamente.

Acrescento que, ainda quando ele seja concebido apenas pelo pensamento, nem por isso sua existência é menos certa. Porque o que nega e o que duvida haver algo acima doqual não se possa conceber nada, não nega nem duvida que, se tal objeto existisse,

 poderia existir ao mesmo tempo na realidade e no pensamento. De outra maneira não

seria um ser acima do qual não se pode imaginar nada maior, e tudo que pode ser  pensado e não existe poderia, ainda que existisse, não existir na realidade nem  nainteligência. Por esta razão, o que é tal, que não se pode imaginar coisa mais perfeita,existe necessariamente pelo simples fato de poder ser pensado. Suponhamos, com efeito,que esse ser não exista, ainda que possa ser pensado; tudo que pode ser pensado e nãoexiste realmente, se viesse a existir não seria, decerto, esse objeto acima do qual não hánada. Portanto, se este objeto fosse o ser acima do qual nada se pode pensar, não seria oser sobre o qual nada se pode conceber, uma contradição de todo absurda. É, portanto,

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falso que não haja algo real acima do qual não se pode conceber nada, ainda quando oobjeto fosse percebido apenas pelo pensamento, e, portanto, com maior razão, se

 pudesse ser compreendido e estivesse na inteligência.Acrescentarei algo mais. Sem dúvida alguma, o que não existe em determinado tempo e

lugar, ainda que exista em outro tempo e lugar, pode, sem embargo, ser concebido como

não existente em parte alguma, do mesmo modo que não existe em certo lugar e tempo.O que não existia ontem e existe hoje poderia não ter existido nunca, como de fato nãoexistia ontem. E o que não existe aqui mas existe em outro lugar pode ser concebidocomo não existente em parte alguma, visto que não existe aqui. O mesmo ocorre com umobjeto cujas partes não ocupam todas o mesmo lugar ou não existem no mesmo tempo.Pode ser considerado como não existente em parte alguma e em tempo algum, comrelação a todas as suas partes e, por conseguinte, ao seu todo. Porque, ainda que se digaque o tempo existe sempre e o universo existe em toda a parte, ainda assim o tempo nãoexiste inteiro sempre, nem o universo existe inteiro onde quer que seja. Como algumasdas partes do tempo não existem ainda quando outras já existem, pode-se pensar que

nenhuma delas existe, e como as diversas partes do universo não ocupam o mesmo lugar que outras, podem ser pensadas como não existentes em parte alguma. Numa palavra,todo objeto composto de partes pode ser decomposto e concebido como inexistente pelo

 pensamento. Por isso, o que não existe inteiro em toda a parte e sempre pode, em todosos casos, supor-se inexistente. Mas o ser acima do qual nada se pode pensar, se existe,não pode ser concebido como não-existente; de outro modo, não seria o ser acima doqual nada se pode conceber, o que não convém. Não está, portanto, inteiro em partealguma nem em algum tempo, mas inteiro em todas as partes e sempre.

Pensas que o ser a que atribuímos essas propriedades possa ser pensado ecompreendido existir no pensamento e na inteligência? Se não pode ser concebido,

tampouco podem atribuir-se-lhe essas propriedades. E se dizes que não se pode ter nainteligência o que não pode ser inteiramente concebido ou compreendido, seria o mesmoque dissesses que aquele que não pode suportar o brilho da luz do sol não vê a claridadedo dia, que mais não é que a luz desse astro. Quem pode duvidar que até o presente nãocompreendemos nem temos na inteligência a idéia de um ser acima do qual não se podeimaginar nenhum outro, um ser tal que possamos atribuir-lhe, com todo o conhecimento,as qualidades já muitas vezes mencionadas?

II. Na argumentação que atacaste eu disse que até um insensato, quando ouve nomear um ser tão grande que não se pode pensar outro maior, compreende o que ouve. Se esta

 proposição é formulada numa língua conhecida do ouvinte e este não a compreende, oucarece totalmente de inteligência ou seu espírito é demasiado obtuso.

Acrescentei que, se esse pensamento é compreendido, ele existe na inteligência. Pode-se, com efeito, pretender que uma coisa cuja verdade é demonstrada de modo necessárionão existe em nenhuma inteligência? Dirá, talvez, o adversário, que está na inteligência,mas não em conseqüência de ser compreendida. Quanto a nós, pelo contrário, notamosque está na inteligência precisamente porque é compreendida. Porque como o que é

 pensado é pensado pelo pensamento, e este existe no pensamento da mesma maneira

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como é pensado, igualmente o que é compreendido é compreendido pela inteligência, eisto se acha na inteligência da mesma maneira como é compreendido por ela. Que podehaver de mais simples?

Digo, ainda, que se este ser se acha somente na inteligência, pode-se concebê-lo comoser existente [também] na realidade, o que é ainda mais. Portanto, se o ser acima do qual

nada maior pode ser concebido estivesse apenas na inteligência, seria um ser acima doqual se poderia pensar algo maior. Pergunto eu: não é rigorosa a conseqüência? Porquese está somente na inteligência, não pode também ser pensado como existente narealidade? E, se pode sê-lo, não é certo que o que pensa assim pensa em algo maior doque ele, se ele não existisse senão na inteligência? Que coisa haverá mais lógica que, seaquele acima do qual não se pode pensar nada maior não estivesse senão na inteligência,existiria, pela mesma razão, algo acima do qual se poderia pensar algo maior? Mas nãohá dúvida que este ser acima do qual é possível pensar algo maior não está em nenhumainteligência como algo acima do qual não é possível pensar algo maior. Daí não se segue,necessariamente, que este ser, o maior que se possa conceber, se existe na inteligência,

não pode estar somente na inteligência? Porque, se não está senão na inteligência, pode-se imaginar um maior do que ele, o que não convém.

III. O mesmo[ 69 ] ocorreria, dizes tu, se alguém, supondo uma ilha que sobrepuje todasas terras por sua fecundidade, uma ilha chamada Perdida por causa da dificuldade, ou,melhor dizendo, da impossibilidade de encontrá-la, acrescentasse que não se podeduvidar de sua existência, pois facilmente se compreende sua descrição. Digoconfiadamente: se alguém encontra uma coisa, ou existente de fato, ou não existentesenão no pensamento – exceto esse ser, o maior que se pode conceber –, à qual se possaaplicar legitimamente a conseqüência do raciocínio que expus, comprometo-me a

encontrar essa ilha perdida e a dar-lha, de sorte que jamais a perca. Mas é evidente que oque é tal que não se pode pensar coisa maior não pode ser suposto como inexistente, porque existe em virtude de uma razão segura e verdadeira; de outro modo não existiria.Finalmente, se alguém me diz que pensa que este ser não existe, respondo que, quandoesse pensamento o ocupa, ou se representa algo acima do qual nada existe, ou não orepresenta. Se não pensa neste objeto tão grande, não pode conceber que não existe; se,

 pelo contrário, o tem no pensamento, concebe, então, um ser cuja não-existência não se pode supor. Porque, se pudesse ser pensado, poderia ser pensado como algo que tem um princípio e um fim; mas isto é impossível. Por conseguinte, o que pensa este ser pensaalgo que é impossível pensar como não-existente; pois bem, o que pensa este ser não

 pensa, certamente, que este mesmo ser não existe; do contrário, pensaria algo que não se pode pensar. Portanto, o ser acima do qual não se pode conceber nada maior não podeser representado como não-existente.

IV. Quanto[ 70 ] ao que diz o adversário, a saber, que, quando se afirma que este ser supremo não pode ser pensado como não-existente, seria melhor dizer que não pode ser crido ou julgado sem existência, ou, ainda que possa não existir, persisto em crer que émais exato dizer: não pode ser pensado. Porque, se eu tivesse dito que este ser não pode

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ser julgado como não-existente, talvez tu, que afirmas que, segundo o sentido própriodesta palavra, as coisas falsas não podem ser compreendidas, objetarias que nada do queexiste pode ser entendido como não-existente, porque é falso que o que existe não exista.Daqui se segue que não seria exclusivamente próprio de Deus não poder ser concebidosem existência. E se alguma das coisas que existem com certeza pode ser concebida

como não-existente, do mesmo modo muitas outras coisas não menos certas podem ser concebidas como podendo não existir. Mas esta observação não pode ser feitarelativamente à expressão pensar , se se considera atentamente seu sentido. Porque, aindaque nenhuma das coisas que existem possa ser concebida  como não-existente, todas,sem embargo, podem ser  pensadas como não-existentes, exceto o ser que está acima detudo. Porque as coisas, todas ou cada uma em particular, que têm um princípio e umfim, que são formadas de partes, numa palavra, como já foi dito, tudo que não estáinteiro num ponto determinado do tempo e do espaço pode ser pensado como não-existente. Mas apenas não pode ser pensado como não-existente aquele que não tem

 princípio nem fim, que não é composto de partes reunidas e que sempre e em toda parte

é encontrado inteiro pelo pensamento. Nota, pois, embora me espante a tua dúvida a respeito disto, que podes pensar que nãoexistes, ainda que saibas com toda a certeza que existes, porque destruímos com o

 pensamento muitas coisas que sabemos existir, e, pelo contrário, supomos a existência demuitas outras que sabemos não existir; não porque creiamos que as coisas sejam assim,mas porque gostamos de imaginá-las tais como as pensamos. Podemos pensar que umacoisa não existe, ainda quando sabemos que existe, porque podemos ter este pensamentoao mesmo tempo que conhecemos a existência do objeto; e, por outro lado, não

 podemos pensar que uma coisa não existe ao mesmo tempo que sabemos que existe, porque não podemos pensar que existe e não existe ao mesmo tempo. Se alguém, pois,

distingue desta maneira as duas proposições que compõem o que acabo de dizer,compreenderá que nada, durante o tempo de sua existência, pode ser pensado como não-existente, e que, não obstante, excetuado o ser acima do qual nada se pode pensar, tudomais, ainda quando se sabe que existe, pode ser pensado como inexistente. É, portanto,

 próprio de Deus que não se possa julgar que não existe, e, sem embargo, muitas coisasnão podem ser pensadas como não-existentes enquanto existem. Contudo, quanto àmaneira como se pode dizer que é possível pensar que Deus não existe, creio havê-loexposto em meu livro.[ 71 ]

V. Quanto[ 72 ] às objeções que me fazes, em nome de um insensato, é fácil apreciar seu

 pouco valor, mesmo para um homem de ciência medíocre. Por isso eu decidira deixar oexame delas para outra ocasião. Mas, como eu soube que impressionaram a mais de umleitor, direi uma palavra sobre ela.

Em primeiro lugar, freqüentemente repetes o que eu disse: o que é maior que tudo omais está na inteligência; se está na inteligência, está também na realidade, porque, deoutro modo, este ser maior que todos não o seria. Pois bem: em parte alguma, emnenhuma de minhas palavras se encontra semelhante raciocínio. Porque para provar queum ser existe na realidade, não é pois concludente dizer que é maior que todos, ou que é

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tal que o pensamento não pode formar um mais perfeito. Realmente, se alguém afirmaque o ser acima do qual o pensamento não pode conceber nada maior não é um ser real,ou pode não existir, ou pode ser pensado como não-existente, é fácil refutá-lo. O que nãoexiste pode, efetivamente, não existir, e o que pode não existir pode ser pensado comonão-existente. Ora bem, tudo que pode ser pensado como não-existente, se existe, não é

aquele acima do qual não se pode pensar em nada maior. E se não existe, não é menoscerto que, se existisse, não seria este ser acima do qual é impossível pensar em algomaior. Mas não se pode dizer do ser acima do qual é impossível pensar em algo maior que, se existe, não é aquele acima do qual é impossível pensar em algo maior, ou que, seexistisse, não seria aquele acima do qual é impossível pensar em algo maior. É, portanto,falso que não existe, que pode não existir ou que pode ser pensado como não-existente,

 porque, do contrário, se existe, não é o que se diz que é, e, se existisse, não seria o quese diz que é.

Mas parece-me que não é tão fácil provar isso do ser maior do que todas as coisas.Porque não é tão evidente que aquilo que pode ser pensado como não-existente não é

maior do que todas as coisas que existem, como é evidente que não é aquele acima doqual não se pode pensar em coisa maior; nem é tão indubitável [o fato de] que, se háalgo maior que todas as coisas, não há outra igual, como é indubitável a respeito daquiloacima do qual não é possível pensar nada maior; nem é tão certo igualmente que, sehouvesse um ser maior que todos, não haveria outro semelhante, como é certo istomesmo a respeito daquele de que é impossível pensar em algo maior. Porque se alguémafirma que há algo maior do que tudo que existe, e que, tudo isso, sem embargo, podeser pensado como não-existente, e que, ainda que não haja nada maior do que ele, pode-se, não obstante, pensar em algo maior, poder-se-ia concluir com boas razões que esseser não é maior do que todas as coisas que existem, como se acrescentaria com a maior 

evidência que não é, tampouco, esse ser acima do qual não se pode supor outro. Porque, para poder concluir legitimamente, partindo do que é maior do que tudo, faria falta outroargumento, que não é necessário, se se toma por ponto de partida aquele acima do qual não se pode pensar nada. Portanto, se partindo do que é maior que tudo, não se podedemonstrar bem o que demonstra de si mesmo e por si mesmo o ser acima do qual nãose pode pensar nada maior, injustamente me corriges por eu ter dito o que não disse, jáque minhas palavras são muito diferentes das que me atribuis.

E se a existência do que é maior do que todas as coisas pode demonstrar-se medianteoutra prova, não devias ter-me repreendido por eu ter dito o que pode ser provado. Pois

 bem, o que sabe que isto pode ser demonstrado pelo argumento acerca daquele acima doqual não se pode pensar em nada maior vê facilmente se é possível prová-lo; porque nãose pode, de modo algum, conceber que aquilo acima do qual não se possa pensar emnada seja diverso deste que é o único maior do que todas as coisas. Portanto, assimcomo aquilo acima do qual nada se pode conceber é compreendido por nós e está emnossa inteligência, e, por causa disso, sua existência é afirmada com verdade, assimtambém o que é maior do que tudo é compreendido por nossa inteligência e nela

 permanece e, necessariamente pelo mesmo motivo, existe na realidade. Vês, portanto,

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com que razão me comparaste a esse insensato que pretendia afirmar a existência da IlhaPerdida, simplesmente por compreender sua descrição.

VI. Quanto[ 73 ] ao que me objetas, a saber, que todas as coisas falsas ou duvidosas podem ser compreendidas e permanecer na inteligência da mesma maneira que o ser quedefini, causa-me estranheza o sentimento que te moveu contra mim, que não queria

senão provar uma coisa ainda problemática e que me contentava com demonstrar  primeiro que este algo superior a tudo estava na inteligência, concebido por ela de algumamaneira, a fim de examinar depois se está somente na inteligência – como podem estar ascoisas falsas –, ou se, além disso, está também na realidade – como estão as coisasverdadeiras. Porque se as coisas falsas ou duvidosas são compreendidas pela inteligênciae nela permanecem, no sentido de que, quando são enunciadas, o que as ouvecompreende o que fala, nada impede que o que eu disse seja compreendido pelainteligência e nela permaneça. Mas como pôr de acordo as diversas opiniões queestabeleces quando dizes que concebes as coisas, ainda que falsas, que alguém expressadiante de ti, e que, nada obstante, pretendes que o que existe não é compreendido por teu pensamento e não está na inteligência da mesma maneira que o que não existe,

 porque, segundo dizes, compreender estas coisas é ter a idéia e saber, ademais, queexistem? Como pôr de acordo estas duas assertivas? A primeira diz que as coisas falsassão concebidas; e a segunda, que concebê-las mais não é que perceber pelo intelecto queexistem. Não sou eu que tenho de te responder; cabe-te a ti resolver estas dificuldades. Ese mesmo as coisas falsas são, de certo modo, concebidas, e se uma coisa pode estar nainteligência de diversas maneiras, não mereço ser repreendido por dizer que o ser acimado qual nada se pode pensar pode ser concebido e existe na inteligência antes mesmo queseja certo que existe na realidade.

VII. Dizes[ 74 ] também que não se pode crer que alguém tenha podido dizer e entender que o ser que definimos não possa ser pensado como não-existente, da mesma maneiraque se pode pensar que Deus não existe. Respondam por mim os que possuem mesmo amínima ciência da controvérsia e da argumentação. Será, com efeito, razoável quealguém negue o que concebe porque se afirma a existência do que nega porque não oconcebe? Ou se se nega, alguma vez, o que é concebido até certo ponto como o que nãoé concebido de modo algum, não é mais fácil provar o que é duvidoso em relação a umobjeto que existe em alguma inteligência, do que o que se refere a um objeto que nãoexiste em nenhuma? Por isso não é sequer passível de ser acreditado que alguém negue o

ser acima do qual não se possa pensar em nenhum outro, e cujo enunciado compreendeaté certo ponto, porque nega a Deus, cujo pensamento não lhe apresenta nenhumaimagem sensível. Ou se o nega porque não o compreende inteiramente, não é mais certoque se provará inteiramente o que é compreendido até certo ponto do que aquilo que nãoé compreendido de modo algum? Com razão, portanto, querendo provar a existência deDeus a um insensato, apresentei-o na definição do ser acima do qual não se podeconceber nenhum outro, porque compreendia esta definição de alguma maneira, ao passoque não compreendia Deus de maneira alguma.

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VIII. Sem[ 75 ] razão alguma te esforças por demonstrar que o ser acima do qual não seconcebe nada maior não é como uma pintura na inteligência do artista. Não me servi doexemplo de um quadro para demonstrar que tal era o ser buscado. Não tive outroobjetivo senão mostrar que podia haver na inteligência algo que facilmente fosseconcebível como não existente.

E quanto a dizeres que não podes pensar nem conceber, quando o ouves nomear, nemimaginar, partindo de uma coisa conhecida no gênero ou espécie, este ser acima do qualnão há nada maior, porque não o conheces nem tampouco podes conhecê-lo por algumaoutra coisa semelhante, segundo a qual podes julgar, as coisas são totalmente outras.Porque, visto que tudo que é menos bom se parece ao que é melhor pelo bem que têmem comum, é evidente a qualquer inteligência razoável que, subindo dos bens inferioresaos bens superiores, podemos, concebendo essas coisas acima das quais é possível

 pensar algo maior, conjecturar muito daquele acima do qual não se pode pensar nadamaior. Com efeito: quem, por exemplo, não pode pensar ao menos isto – mesmo quandonão creia que o que pensa existe realmente –, a saber, que se há algo bom que tem

 princípio e fim, é melhor um bem que tenha princípio mas não tenha fim, e, como este émelhor que o primeiro, do mesmo modo é melhor que este um bem que não tem princípio nem fim, ainda quando mudasse, passando sempre do passado pelo presente aofuturo; ou então – exista ou não algo semelhante – aquilo que não tem necessidade nemse vê obrigado, de modo algum, a mudar ou mover-se é muito melhor que este último?Será que isto não pode ser pensado? [Indaguemos:] Ou se pode pensar em algo maior doque isso? Ou não é este um dos seres acima dos quais se pode pensar em algo maior edos quais se pode conjecturar o que é aquilo acima do qual não se pode pensar nadamaior? Existe algo, portanto, do qual se pode deduzir de maneira provável o que é aquiloacima do qual não se pode pensar em nada maior. É assim que se pode refutar facilmente

o insensato que não admite a autoridade sagrada, se ele negar que aquilo acima do qual éimpossível pensar algo maior possa ser conhecido a partir de outros seres. Mas se umcatólico o negasse, deveria lembrar-se de que desde a criação do mundo as perfeiçõesinvisíveis de Deus e ainda seu poder eterno e sua divindade se fizeram visíveis peloconhecimento que essas criaturas nos dão.[ 76 ]

IX. Mas[ 77 ] ainda quando fosse certo que não se pode pensar e conceber um ser acimado qual não se possa imaginar outro , seria verdadeiro, sem embargo, que se pode pensar e conceber uma coisa que esteja acima de todas as demais. Diz-se de uma coisa que éinefável  embora não se possa falar, com rigor, do que se designa como inefável; e pode

 pensar-se numa coisa enunciada como inconcebível , ainda que esta qualificação não possa realmente convir senão a uma coisa que não pode ser pensada. Da mesmamaneira, quando se diz o ser acima do qual não se pode conceber nada, sem dúvida oque desta maneira se expressa pode ser pensado e compreendido, ainda que o ser acimado qual não se pode pensar outro não possa ser pensado e concebido. Porque, ainda quese possam encontrar homens suficientemente néscios para negar a existência de um ser acima do qual não se pode conceber outro, sem embargo sua impudência não chegaria ao

 ponto de sustentar que não compreende o sentido das expressões pelas quais se designa

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este ser; e se algum deles fosse capaz de afirmá-lo, cumpriria repudiar com desprezosuas palavras e até mesmo sua pessoa. Portanto, todo homem que nega que existe umser acima do qual nada se pode pensar compreende, pelo menos, o sentido da negaçãoque expressa; negação esta que não pode ser compreendida sem que suas diversas parteso sejam igualmente. Pois bem: uma dessas partes é o  ser tal que nada maior do que ele

ode ser concebido. Assim, o que expressa essa negação, seja ele quem for, compreendee pensa no sentido dessas palavras: nada maior pode conceber-se. Mas é claro que se pode igualmente pensar e conceber que este ser não pode não existir; pois bem, quemtem este último pensamento concebe um ser maior que aquele e supõe que o objeto deseu pensamento poderia muito bem não existir na realidade. Por conseguinte, quando se

 pensa numa coisa acima da qual não se pode conceber outra maior, se se crê que possanão existir, não é já uma coisa tal que não se possa conceber outra maior. Mas o mesmoobjeto não pode ser, ao mesmo tempo, pensado e não pensado. Por isso, aquele que

 pensa num ser acima do qual não há nada maior, não pensa no que pode existir, mas simno que não pode não existir. Aquilo em que pensa existe, pois, necessariamente, porque

tudo que pode não existir já não é aquilo em que ele pensa: um ser tal que maior não pode ser concebido.

X. Penso que demonstrei, e creio que não mediante provas débeis, mas sim por meio deum argumento necessário, que existe, realmente, um ser acima do qual não se podeconceber nada maior. Não há nada que possa diminuir a força das razões que apresentei,

 porque o sentido desta prova contém em si uma força tão grande que a existência doobjeto de que se trata, pelo simples fato de ser ele compreendido ou pensado, se achanecessariamente demonstrada. Segue-se também que é tudo que devemos crer dasubstância divina; cremos, com efeito, quanto a esta substância, tudo aquilo cuja

existência é melhor que sua inexistência. Vale mais, por exemplo, ser eterno que não oser, ser bom que não o ser, ser a bondade mesma que não o ser. Pois bem: o ser acimado qual não se pode pensar nada maior é, necessariamente, todas essas coisas. Portanto,é, necessariamente, tudo que se deve crer da substância divina.

Agradeço-te a benignidade, tanto no louvor quanto na repreensão com que recebestemeu livro. Os elogios tão grandes que fizeste àquele que te pareceu digno deconsideração são a garantia de que a malevolência não teve parte em tuas reflexões e quecriticaste com bondade o que te pareceu digno de correção.

[ 65 ] JULIÁN ALAMEDA, O.S.B., op. cit.: “O título da edição crítica é o seguinte: Que responde a isto o autor do

livro. Não obstante, atamos, por mais expressivo, o que se lê acima. Tampouco figura na edição crítica a divisãoem capítulos; adotamo-la, contudo, a bem da clareza.”[ 66 ] JULIÁN ALAMEDA, O.S.B., op. cit.: “Neste capítulo, refuta-se o argumento de Gaunilo e tenta-se provar que o ser que é tal que não se pode conceber, na inteligência, outro maior existe também na realidade.”[ 67 ] V. o opúsculo de Gaunilo.[ 68 ] Como é claro nesta passagem, o pressuposto fundamental do argumento de Santo Anselmo é a fé, procedimento que dois séculos depois será apontado por Santo Tomás de Aquino como indevido. [N. C.][ 69 ] JULIÁN  ALAMEDA, O.S.B., op. cit.: “Responde Santo Anselmo à objeção do adversário de que a ilhasuposta existe necessariamente, visto que é conhecida no pensamento.”

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[ 70 ] JULIÁN  ALAMEDA, O.S.B., op. cit.: “Neste capítulo estabelece o autor a diferença entre as expressõesoder ser pensado  e  poder ser concebido como não existente. Diz que uma coisa é imaginar ou pensar algo que

não exista, e outra é julgar, crer, convencer-se de que não existe.”[ 71 ] Proslógio, capítulo 3, pp 47-9 desta edição.[ 72 ] Examinam-se em particular diversas palavras do adversário, que reproduziu de maneira infiel o raciocínioque combate. [N. C.][ 73 ] Anselmo discute neste capítulo o que o adversário afirma no segundo parágrafo: que, segundo os

 princípios do Proslógio, todas as coisas falsas que podem ser imaginadas existem realmente. [N. C.][ 74 ] Refuta-se uma palavra do adversário no mesmo parágrafo em que afirma que o ser soberanamente grande pode ser concebido como não existente, como o insensato que concebe que Deus não existe. [N. C.][ 75 ] Examina o autor a comparação tomada à pintura, no parágrafo terceiro, e de que princípios se podeconcluir sobre a existência do ser soberanamente grande, em resposta às questões do adversário, no parágrafoquarto. [N. C.][ 76 ] Rom 1: 20.[ 77 ] Sustenta o autor que se pode pensar e conceber um bem supremo. Confirma-se o argumento contra oinsensato. [N. C.]

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Quoniam non me reprehendit in his dictis ille ‘insipiens’, contra quem sum locutus inmeo opusculo sed quidam non insipiens et catholicus pro insipiente: sufficere mihi potestrespondere catholico.

[1] Dicis quidem quicumque es qui dicis haec posse dicere insipientem: quia non est inintellectu aliquid quo maius cogitari non possit, aliter quam quod secundum ueritatem

cuiusquam rei nequit saltem cogitari, et quia non magis consequitur hoc quod dico ‘quomaius cogitari non possit’ ex eo quia est in intellectu esse et in re, quam perditam insulamcertissime existere ex eo quia cum describitur uerbis, audiens eam non ambigit inintellectu suo esse. Ego uero dico: Si ‘quo maius cogitari non potest’ non intelligitur uelcogitatur nec est in intellectu uel cogitatione: profecto deus aut non est quo maius cogitarinon possit, aut non intelligitur uel cogitatur et non est in intellectu uel cogitatione. Quodquam falsum sit, fide et conscientia tua pro firmissimo utor argumento. Ergo ‘quo maiuscogitari non potest’ uere intelligitur et cogitatur et est in intellectu et cogitatione. Quareaut uera non sunt quibus contra conaris probare, aut ex eis non consequitur quod teconsequenter opinaris concludere.

Quod autem putas ex eo quia intelligitur aliquid quo maius cogitari nequit, non consequiillud esse in intellectu, nec si est in intellectu ideo esse in re: certe ego dico: si uel cogitari

 potest esse, necesse est illud esse. Nam ‘quo maius cogitari nequit’ non potest cogitariesse nisi sine initio. Quidquid autem potest cogitari esse et non est, per initium potestcogitari esse. Non ergo ‘quo maius cogitari nequit’ cogitari potest esse et non est. Si ergocogitari potest esse, ex necessitate est.

Amplius. Si utique uel cogitari potest, necesse est illud esse. Nullus enim negans autdubitans esse aliquid quo maius cogitari non possit, negat uel dubitat quia si esset, necactu nec intellectu posset non esse. Aliter namque non esset quo maius cogitari non

 posset. Sed quidquid cogitari potest et non est: si esset, posset uel actu UEL intellectunon esse. Quare si uel cogitari potest, non potest non esse ‘quo maius cogitari nequit’.Sed ponamus non esse, si uel cogitari ualet. At quidquid cogitari potest et non est: siesset, non esset ‘quo maius cogitari non possit’. Si ergo esset ‘quo maius cogitari non

 possit’, non esset quo maius cogitari non possit; quod nimis est absurdum. Falsum estigitur non esse aliquid quo maius cogitari non possit, si uel cogitari potest. Multo itaquemagis, si intelligi et in intellectu esse potest.

Plus aliquid dicam. Procul dubio quidquid alicubi aut aliquando non est: etiam si estalicubi aut aliquando, potest tamen cogitari numquam et nusquam esse, sicut non estalicubi aut aliquando. Nam quod heri non fuit et hodie est: sicut heri non fuisse

intelligitur, ita numquam esse subintelligi potest. Et quod hic non est et alibi est: sicut nonest hic, ita potest cogitari nusquam esse. Similiter cuius partes singulae non sunt, ubi autquando sunt aliae partes, eIus omnes partes et ideo ipsum totum possunt cogitarinumquam aut nusquam esse. Nam et si dicatur tempus semper esse et mundus ubique,non tamen illud totum semper aut iste totus est ubique. Et sicut singulae partes temporisnon sunt quando aliae sunt, ita possunt numquam esse cogitari. Et singulae mundi partes,sicut non sunt, ubi aliae sunt, ita subintelligi possunt nusquam esse. Sed et quod partibusconinactum est, cogitatione dissolui et non esse potest. Quare quidquid alicubi aut

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aliquando totum non est: etiam si est, potest cogitari non esse. At ‘quo maius nequitcogitari’: si est, non potest cogitari non esse. Alioquin si est, non est quo maius cogitarinon possit; quod non conuenit. Nullatenus ergo alicubi aut aliquando totum non est sedsemper et ubique totum est.

Putasne aliquatenus posse cogitari uel intelligi aut esse in cogitatione uel intellectu, de

quo haec intelliguntur? Si enim non potest, non de eo possunt haec intelligi. Quod si dicisnon intelligi et non esse in intellectu quod non penitus intelligitur: dic quia qui non potestintueri purissimam lucem solis, non uidet lucem dici, quae non est nisi lux solis. Certe uelhactenus intelligitur et est in intellectu ‘quo maius cogitari nequit’, ut haec de eointelligantur.

[2] Dixi itaque in argumentatione quam reprehendis quia cum insipiens audit proferri ‘quomaius cogitari non potest’, intelligit, quod audit. Utique qui non intelligit si nota linguadicitur, aut nullum aut nimis obrutum habet intellectum.

Deinde dixi quia si intelligitur, est in intellectu. An est in nullo intellectu, quodnecessario in rei ueritate esse monstratum est? Sed dices quia etsi est in intellectu, nontamen consequitur quia intelligitur. Vide quia consequitur esse in intellectu, ex eo quiaintelligitur. Sicut enim quod cogitatur, cogitatione cogitatur, et quod cogitatione cogitatur,sicut cogitatur sic est in cogitatione: ita quod intelligitur intellectu intelligitur, et quodintellectu intelligitur, sicut intelligitur ita est in intellectu. Quid hoc planius?

Postea dixi quia si est uel in solo intellectu, potest cogitari-esse et in re, quod maius est.Si ergo in solo est intellectu: idipsum, scilicet ‘quo maius non potest cogitari’, est quomaius cogitari potest. Rogo quid consequentius? An enim si est uel in solo intellectu, non

 potest cogitari esse et in re? Aut si potest, none qui hoc cogitat, aliquid cogitat maius eo,si est in solo intellectu? Quid igitur consequentius, quam si ‘quo maius cogitari nequit’ est

in solo intellectu, idem esse quo maius cogitari possit? Sed utique ‘quo maius cogitari potest’, in nullo intellectu est ‘quo maius cogitari non possit’. An ergo non consequitur ‘quo maius cogitari nequit’, si est in ullo intellectu, non esse in solo intellectu? Si enim estin solo intellectu, est quo maius cogitari potest; quod non conuenit.

[3] Sed tale est, inquis, ac si aliquis insulam oceani omnes terras sua fertilitate uincentem,quae difficultate immo impossibilitate inueniendi quod non est, ‘perdita’ nominatur, dicatidcirco non posse dubitari uere esse in re, quia uerois descriptam facile quis intelligit.Fidens loquor, quia si quis inuenerit mihi aut re ipsa aut sola cogitatione existens praeter ‘quo maius cogitari non possit’, cui aptare ualeat conexionem huius meae

argumentationis: inueniam et dabo illi perditam insulam amplius non perdendam. Palamautem iam uidetur ‘quo non ualet cogitari maius’ non posse cogitari non esse, quod tamcerta ratione ueritatis existit. Aliter enim nullatenus existeret. Denique si quis dicit secogitare illud non esse, dico quia cum hoc cogitat, aut cogitat aliquid quo maius cogitarinon possit, aut non cogitat. Si non cogitat, non cogitat non esse quod non cogitat. Si uerocogitat, utique cogitat aliquid quod nec cogitari possit non esse. Si enim posset cogitarinon esse, cogitari posset habere principium et finem. Sed hoc non potest. Qui ergo illudcogitat, aliquid cogitat quod nec cogitari non esse possit. Hoc uero qui cogitat, non cogitat

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idipsum non esse. Alioquin cogitat quod cogitari non potest. Non igitur potest cogitari nonesse ‘quo maius nequit cogitari’.

[4] Quod autem dicis, quia cum dicitur, quod summa res ista non esse nequeat cogitari,melius fortasse diceretur quod non esse aut etiam posse non esse non possit intelligi:

 potius dicendum fuit non posse cogitari. Si enim dixissem rem ipsam non posse intelligi

non esse, fortasse tu ipse, qui dicis, quia secundum proprietatem uerbi istius falsanequeunt intelligi, obiceres nihil quod est posse intelligi non esse. Falsum est enim nonesse quod est. Quare non esse proprium deo non posse intelligi non esse. Quod si aliquideorum quae certissime sunt potest intelligi non esse, similiter et alia certa non esse posseintelligi. Sed hoc utique non potest obici de cogitatione, si bene consideretur. Nam et sinulla quae sunt possint intelligi non esse, omnia tamen possum cogitari non esse, praeter id quod summe est. Illa quippe omnia et sola possum cogitari non esse, quae initium autfinem aut partium habent coniunctionem, et sicut iam dixi, quidquid alicubi aut aliquandototum non est. Illud uero solum non potest cogitari non esse, in quo nec initium necfinem nec partium coniunctionem, et quod non nisi semper et ubique totum ulla inuenitcogitatio.

Scito igitur quia poses cogitare te non esse, quamdiu esse certissime scis; quod te miror dixisse nescire. Multa namque cogitamus non esse quae scimus esse, et multa esse quaenon esse scimus; non existimando sed fingendo ita esse ut cogitamus. Et quidem

 possumus cogitare aliquid non esse, quamdiu scimus esse, quia simul et illud possumus etistud scimus. Et non possumus cogitare non esse, quamdiu scimus esse, quia non

 possumus cogitare esse simul et non esse. Si quis igitur sic distinguat huius prolationis hasduas sententias, intelliget nihil, quamdiu esse scitur, posse cogitari non esse, et quidquidest praeter id quo maius cogitari nequit, etiam cum scitur esse, posse non esse cogitari.

Sic igitur et proprium est deo non posse cogitari non esse, et tamen multa non possumcogitari, quamdiu sunt, non esse. Quomodo tamen dicatur cogitari deus non esse, in ipsolibello puto sufficienter esse dictum.

[5] Qualia uero sint et alia quae mihi obicis pro insipiente, facile est deprehendere uel parum sapienti, et ideo id ostendere supersedendum existimaueram. Sed quondam audioquibusdam ea legentibus aliquid contra me ualere uideri, paucis de illis commemorabo.

Primum, quod saepe repetis me dicere, quia quod est maius omnibus est in intellectu, siest in intellectu est et in re -- aliter enim omnibus maius non esset omnibus maius --nusquam in omnibus dictis meis inuenitur talis probatio. Non enim idem ualet quod

dicitur ‘maius omnibus’ et ‘quo maIus cogitari nequit’, ad probandum quia est in re quoddicitur. Si quis enim dicat ‘quo maius cogitari non possit’ non esse aliquid in re aut possenon esse aut uel non esse posse cogitari, facile refelli potest. Nam quod non est, potestnon esse; et quod non esse potest, cogitari potest non esse. Quidquid autem cogitari

 potest non esse: si est, non est quo maius cogitari non possit. Quod si non est: utique siesset, non esset quo maius non possit cogitari. Sed dici non potest, quia ‘quo maius non

 possit cogitari’ si est, non est quo maius cogitari non possib aut si esset, non esset quo

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non possit cogitari maius. Patet ergo quia nec non est nec potest non esse aut cogitari nonesse. Aliter enim si est, non est quod dicitur; et si esset, non esset.

Hoc autem non tam facile probari posse uidetur de eo quod maius dicitur omnibus.on enim ita pates quia quod non esse cogitari potest, non est maius omnibus quae sunt,

sicut quia non est quo maius cogitari non possit; nec sic est indubitabile quia, si est aliquid

‘maius omnibus’, non est aliud quam ‘quo maius non possit cogitari’, aut si esset, nonesset similiter aliud, quomodo certum est de eo quod dicitur ‘quo maius cogitari nequit’.Quid enim si quis dicat esse aliquid maius omnibus quae sunt, et idipsum tamen possecogitari non esse, et aliquid maius eo etiam si non sit, posse tamen cogitari? Na hic sicaperte inferri potest: non est ergo maius omnibus quae sunt, sicut ibi apertissimediceretur: ergo non est quo maius cogitari nequit? Illud namque alio indiget argumentoquam hoc quod dicitur ‘omnibus maius’; in isto uero non est opus alio quam hoc ipsoquod sonat ‘quo maius cogitari non possit’. Ergo si non similiter potest probari de eoquod ‘maius omnibus’ dicitur, quod de se per seipsum probat ‘quo maius nequit cogitari’:iniuste me reprehendisti dixisse quod non dixi, cum tantum differat ab eo quod dixi.

Si uero uel post aliud argumentum potest, nec sic me debuisti reprehendere dixissequod probari potest. Utrum autem possit, facile perpendit, qui hoc posse ‘quo maiuscogitari nequit’ cognoscit. Nullatenus enim potest intelligi ‘quo maius cogitari non possit’nisi id quod solum omnibus est maius. Sicut ergo ‘quo maius cogitari nequit’ intelligitur etest in intellectu, et ideo esse in rei ueritate asseritur: sic quod maius dicitur omnibus,intelligi et esse in intellectu, et idcirco re ipsa esse ex necessitate concluditur. Vides ergo,quam recte me comparasti stulto illi, qui hoc solo quod descripta intelligeretur, perditaminsulam esse uellet asserere?

[6] Quod autem obicis quaelibet falsa uel dubia similiter posse intelligi et esse in

intellectu, quemadmodum illud quod dicebam: miror quid hic sensisti contra me dubium probare uolentem, cui primum hoc sat erat, ut quolibet modo illud intelligi et esse inintellectu ostenderem, quatenus consequenter consideraretur, utrum esset in solointellectu, uelut falsa, an et in re, ut uera. Nam si falsa et dubia hoc modo intelliguntur etsunt in intellectu, quia cum dicuntur, audiens intelligit quid dicens significet, nihil prohibetquod dixi intelligi et esse in intellectu. Quomodo autem sibi conueniant, quod dicis quiafalsa dicente aliquo quaecumque ille diceret intelligeres, et quia illud quod non eo modoquo etiam falsa habetur in cogitatione, non diceris auditum cogitare aut in cogitationehabere sed intelligere et in intellectu habere, quia scilicet non possis hoc aliter cogitare nisiintelligendo, id est scientia comprehendendo re ipsa illud existere; quomodo inquam

conueniant et falsa intelligi et intelligere esse scientia comprehendere existere aliquid: nilad me, tu uideris. Quodsi et falsa aliquo modo intelliguntur, et non omnis sed cuiusdamintellectus est haec definitio: non debui reprehendi, quia dixi ‘quo maius cogitari non

 possit’ intelligi et in intellectu esse, etiam antequam certum esset re ipsa illud existere.

[7] Deinde quod dicis uix umquam posse esse credibile, cum dictum et auditum fueritistud, non eo modo posse cogitari non esse quo etiam potest cogitari non esse deus:respondeant pro me, qui uel paruam scientiam disputandi argumentandique attigerunt. An

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enim rationabile est, ut idcirco neget aliquis quod intelligit, quia esse dicitur id, quod ideonegat quia non intelligit? Aut si aliquando negatur, quod aliquatenus intelligitur, et idemest illi quod nullatenus intelligitur: nonne facilius probatur quod dubium est de illo quod inaliquo, quam de eo quod in nullo est intellectu? Quare nec credibile potest esse idcircoquemlibet negare ‘quo maius cogitari nequit’, quod auditum aliquatenus intelligit: quia

negat deum, cuius sensum nullo modo cogitat. Aut si et illud, quia non omnino intelligitur negatur: nonne tamen facilius id quod aliquo modo, quam id quod nullo modo intelligitur  probatur? Non ergo irrationabiliter contra insipientem ad probandum deum esse attuli‘quo maius cogitari non possit’, cum illud nullo modo, istud aliquo modo intelligeret.

[8] Quod uero tam studiose probas ‘quo maius cogitari nequit’ non tale esse qualisnondum facta pictura in intellectu pictoris: sine causa fit. Non enim ad hoc protuli

 picturam praecogitatam, ut tale illud de quo agebatur uellem asserere sed tantum utaliquid esse in intellectu, quod esse non intelligeretur, possem ostendere.

Item quod dicis ‘quo maius cogitari nequit’ secundum rem uel ex genere tibi uel exspecie notam te cogitare auditum uel in intellectu habere non posse, quoniam nec ipsamrem nosti, nec eam ex alia simili potes conicere: palam est rem aliter sese habere.Quoniam namque omne minus bonum in tantum est simile maiori bono inquantum est

 bonum: patet cuilibet rationabili menti, quia de bonis minoribus ad maiora conscendendoex iis quibus aliquid maius cogitari potest, multum possumus conicere illud quo nihil

 potest maius cogitari. Quis enim uerbi gratia uel hoc cogitare non potest, etiam si noncredat in re esse quod cogitat, scilicet si bonum est aliquid quod initium et finem habet,multo melius esse bonum, quod licet incipiat non tamen desinit; et sicut istud illo meliusest, ita isto esse melius illud quod nec finem habet nec initium, etiam si semper de

 praeterito per praesens transeat ad futurum; et siue sit in re aliquid huiusmodi siue non

sit, ualde tamen eo melius esse id quod nullo modo indiget uel cogitur mutari uel moueri?An hoc cogitari non potest, aut aliquid hoc maius cogitari potest? Aut non est hoc ex iisquibus maius cogitari ualet, conicere id quo maius cogitari nequit? Est igitur unde possitconici ‘quo maius cogitari nequeat’. Sic itaque facile refelli potest insipiens qui sacramauctoritatem non recipit, si negat ‘quo maius cogitari non ualet’ ex aliis rebus conici

 posse. At si quis catholicus hoc neget, meminerit quia “inuisibilia” dei “a creatura mundi per ea, quae facta sunt, intellecta conspicinntur, sempiterna quoque eius uirtus etdiuinitas”.

[9] Sed et si uerum esset non posse cogitari uel intelligi illud quo maius nequit cogitari,

non tamen falsum esset ‘quo maius cogitari nequit’ cogitari posse et intelligi. Sicut enimnil prohibet dici ‘ineffabile’, licet illud dici non possit quod ‘ineffabile’ dicitur; etquemadmodum cogitari potest ‘non cogitabile’, quamuis illud cogitari non possit cuiconuenit ‘non cogitabile’ dici: ita cum dicitur ‘quo nil maius ualet cogitari’, procul dubioquod auditur cogitari et intelligi potest, etiam si res illa cogitari non ualeat aut intelligi, quamaius cogitari nequit. Nam etsi quisquam est tam insipiens, ut dicat non esse aliquid quomaius non possit cogitari: non tamen ita erit impudens, ut dicat se non posse intelligereaut cogitare quid dicat. Aut si quis talis inuenitur, non modo sermo eius est respuendus

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sed et ipse conspuendus. Quisquis igitur negat aliquid esse quo maius nequeat cogitari:utique intelligit et cogitat negationem quam facit. Quam negationem intelligere autcogitare non potest sine partibus eius. Pars autem eius est ‘quo maius cogitari non

 potest’. Quicumque igitur hoc negat, intelligit et cogitat ‘quo maius cogitari nequit’.Palam autem est quia similiter potest cogitari et intelligi, quod non potest non esse. Maius

uero cogitat qui hoc cogitat, quam qui cogitat quod possit non; esse. Dum ergo cogitator quo maius non possit cogitari: si cogitatur quod possit non esse, non cogitatur quo non possit cogitari maius. Sed nequit idem simul cogitari et non cogitari. Quare qui cogitat quomaius non posit cogitari: non cogitat quod possit sed quod non possit non esse.Quapropter necesse est esse quod cogitat, quia quidquid non esse potest, non est quodcogitat.

[10] Puto quia monstraui me non infirma sed satis necessaria argumentatione probasse in praefato libello re ipsa existere aliquid, quo maius cogitari non possit; nec eam alicuiusobiectionis infirmari firmitate. Tantam enim uim huius prolationis in se continetsignificatio, ut hoc ipsum quod dicitur, ex necessitate eo ipso quod intelligitur uelcogitatur, et reuera probetur existere, et id ipsum esse quidquid de diuina substantiaoportet credere. Credimus namque de diuina substantia quidquid absolute cogitari potestmelius esse quam non esse. Verbi gratia: melius est esse aeternum quam non aeternum,

 bonum quam non bonum, immo bonitatem ipsam quam non ipsam bonitatem. Nihilautem huiusmodi non esse potest, quo maius aliquid cogitari non potest. Necesse igitur est ‘quo maius cogitari non potest’ esse, quidquid de diuina essentia credi oportet.

Gratias ago benignitati tuae et in reprehensione et in laude mei opusculi. Cum enim eaquae tibi digna susceptione uidentur, tanta laude extulisti: satis apparet quia quae tibiinfirma uisa sunt, beneuolentia non maleuolentia reprehendisti.

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 In Epistolam Ioannis ad Parthos tractatus X  (PL 35, 1977-2063).

 In Ioannis evangelium tract. (PL 35, 1379-1977).

SANTO TOMÁS DE AQUINO

 De rationibus f ideiSumma Theologiae

SÃO BOAVENTURA

Collationes de Decem Praeceptis

Quaestiones de mysterio Trinitatis

TERTULIANO, De Anima (PL 2, 641-752).

ZEFERINO GONZÁLEZ, Historia de la Filosof ía, Madrid, Agustín Jubera, 1886.

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S. A NSELMI CANTUARIENSISARCHIEPISCOPI OPERA OMNIA

I) OBRAS DOGMÁTICAS

onologium ProslogionQuid ad haec respondeat editor ipsius libelli

 De f ide Trinitatis et de incarnatione Verbi De processione Spiritus sancti contra Graecos Dialogus de casu diaboliCur Deus homo Liber de conceptu virginali et originali peccato Dialogus de veritate Liber de voluntate Dialogus de libero arbitrio De concordia praescientiae et praedestinationis De azymo et f ermentato De sacramentorum diversitate Responsio ad Waleranni querelasOffendiculum sacerdotum

 De nuptiis consanguineorum Dialogus de grammatico Liber de voluntate Dei

I) OBRAS ASCÉTICAS E PARENÉTICAS

 Homiliae et ExhortationesSermo de passione Domini Exhortatio ad contemptum desiderium aeternorum Admonitio morientiCarmen de contemptu mundi Liber Meditationum et Orationum

editatio super Miserere De pace et concordia

Tractatus asceticus, ex Acherii SpicilegioOratio dicenda ante perceptionem corporis et sanguinis DominiSalutio ad Jesum Christum ex Anecdotis sacris De Levis Hymni et psalterium de S. MariaVersus de Lanfranco De verbis Anselmi, ex Marten. Ampliss. collect.Quaedam dicta utilia ex dictis S. Anselmi

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Index

Folha de Rosto 2Créditos 3

Coleção Escolástica 5Agradecimentos aos colaboradores 7Sumário 14Apresentação 18

I. Esforço para harmonizar razão e fé 19

II. Preâmbulos históricos: o Século de Ferro 23

III. Feição teológica: um esboço da Escolástica posterior 25

IV. O ser acima do qual nada pode pensar-se 27V. Adversários e seguidores 30

VI. Uma edição para os dias de hoje 33

Parte I - Proslógio 37Prólogo 38

Capítulo 1 - Exortação à contemplação de Deus 39

Capítulo 2 - Que Deus existe verdadeiramente 41

Capítulo 3 - Que não se pode pensar que Deus não existe 42

Capítulo 4 - Como o insensato disse em seu coração o que não se pode pensar 43Capítulo 5 - Que Deus é tudo aquilo que é melhor que exista do que não exista;e que, sendo o único que existe por si mesmo, fez tudo do nada

44

Capítulo 6 - Como Deus é sensível, embora não seja corpo 45

Capítulo 7 - Como Deus é onipotente, embora muitas coisas lhe sejamimpossíveis

46

Capítulo 8 - Como é misericordioso e impassível 47

Capítulo 9 - Como, sendo total e soberanamente justo, perdoa os maus e com justiça deles se comisera

48

Capítulo 10 - Como sem ferir a justiça castiga e perdoa os maus 50Capítulo 11 - Como “todos os caminhos do Senhor são misericórdia e verdade”e, contudo, “justo é o Senhor em todos os seus caminhos”

51

Capítulo 12 - Que Deus é a própria vida pela qual vive e que outro tanto se podedizer de seus demais atributos

52

Capítulo 13 - Como somente Ele é sem limites e eterno, ainda que os outrosespíritos também sejam sem limites e eternos

53

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Capítulo 14 - Como e por que Deus é e não é visto por aqueles que o buscam 54

Capítulo 15 - Que é maior do que quanto possa ser pensado 55

Capítulo 16 - Que esta é “a luz inacessível que habita” 56

Capítulo 17 - Que em Deus se encontra a harmonia, o odor, o sabor, a brandura,a beleza, de uma maneira inefável que lhe é própria

57

Capítulo 18 - Que não há partes em Deus nem em sua eternidade, que é ele próprio

58

Capítulo 19 - Que Deus não está num lugar nem no tempo, mas tudo está nele 59

Capítulo 20 - Que Deus existe antes e depois de tudo e até mesmo do que éeterno

60

Capítulo 21 - Se isto é “o século do século” ou “os séculos dos séculos” 61

Capítulo 22 - Que somente Deus é o que é e Aquele que é 62

Capítulo 23 - Que este bem é, ao mesmo tempo, o Pai, o Filho e o Espírito

Santo, e é o único necessário, por ser todo e exclusivamente bem

63

Capítulo 24 - Conjectura sobre a natureza e a grandeza deste bem 64

Capítulo 25 - Quais e quão grandes são os bens reservados aos que gozam avisão de Deus

65

Capítulo 26 - Será esta alegria a “alegria plena” que promete o Senhor? 67

Proslogion 70Prooemium 70

I - Excitatio mentis ad contemplandum Deum 71

II - Quod vere sit Deus 73

III - Quod non possit cogitari non esse 74

IV - Quomodo insipiens dixit in corde, quod cogitari non potest 75

V - Quod Deus sit quidquid melius est esse quam non esse: et solus existens per se omnia alia faciat de nihilo

76

VI - Quomodo sit sensibilis, cum non sit corpus 77

VII - Quomodo sit omnipotens, cum multa non possit 78

VIII - Quomodo sit misericors et impassibilis 79

IX - Quomodo totus iustus es et summe iustus parcat malis, et quod iuste

misereatur malis 80X - Quomodo iuste puniat et iuste parcat malis 82

XI - Quomodo universae viae Domini misericordia et veritas, et tamen iustusDominus in omnibus viis suis

83

XII - Quod Deus sit ipsa vita qua vivit, et sic de similibus 84

XIII - Quomodo solus sit incircumscriptus et aeternus, cum alii spiritus sintincircumscripti et aeterni

85

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XIV - Quomodo et cur videtur et non videtur Deus a quaerentibus eum 86

XV - Quod maior sit quam cogitari possit 87

XVI - Quod haec sit lux inaccessibilis, quam inhabitat 88

XVII - Quod in Deo sit harmonia, odor, sapor, lenitas, pulchritudo suo ineffabilimodo

89

XVIII - Quod in Deo nec in aeternitate eius, quae ipse est, nullae sint partes 90XIX - Quod non sit in loco aut in tempore, sed omnia sint in illo 91

XX - Quod sit ante et ultra omnia etiam aeterna 92

XXI - An hoc sit saeculum saeculi sive saecula saeculorum 93

XXII - Quod solus sis quod est et qui est 94

XXIII - Quod hoc bonum sit pariter Pater et Filius et Spiritus Sanctus: et hoc situnum necessarium, quod est omne et totum et solum bonum

95

XXIV - Coniectatio, quale et quantum sit hoc bonum 96

XXV - Quae et quanta bona sit fruentibus eo 97XXVI - An hoc sit gaudium plenum quod promittit Dominus 99

Parte II - Livro escrito a favor de um insensato 100Quid ad haec respondeat quidam pro insipiente 105Parte III - Apologia de Santo Anselmo contra Gaunilo 108Quid ad haec respondeat editor ipsius libelli 118Bibliografia citada 124

S. Anselmi cantuariensis archiepiscopi Opera Omnia 126