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PROJETO DE PESQUISA (IC) REVISTA CINE-OLHO: História e Crítica no Brasil (1976 – 1979) RELATÓRIO nº. 2 ________________________________ ________________________________ Bolsista Bárbara Vieira Neto Orientador Eduardo Victorio Morettin

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PROJETO DE PESQUISA (IC)

REVISTA CINE-OLHO: História e Crítica no Brasil (1976 – 1979)

RELATÓRIO nº. 2

________________________________ ________________________________

Bolsista Bárbara Vieira Neto Orientador Eduardo Victorio Morettin

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SUMÁRIO

1. RESUMO DO PROJETO 04

2. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 04

2.1. DESCRIÇÃO DO PROCESSO DE FEITURA DAS ENTREVISTAS: DIFICULDADES ENCONTRADAS E SOLUÇÕES PROPOSTAS 07 2.2. AS PESSOAS POR TRÁS DA CINE-OLHO: ENTREVISTADOS 08

3. REVISTA CINE-OLHO: HISTÓRIA E CRÍTICA NO BR ASIL (1976- 1979) 11 3.1. CINE-OLHO, IMPRENSA ALTERNATIVA: CENSURA E

CIRCULAÇÃO 11

3.1.1. A CRÍTICA OFICIAL 13 3.2. CINE-OLHO: ORGANIZAÇÃO E TÉRMINO 14

• A PRIMEIRA FASE: CARIOCA (1976-1977) 15 • A SEGUNDA FASE: PAULISTA (1979) 16

• ORGANIZAÇÃO ANÁRQUICA 18 • FIM DA REVISTA 19

3.3. CRÍTICA E HISTÓRIA NA CINE-OLHO 20

• A CINE-OLHO ENTRA EM CENA 21

• HISTÓRIA DO CINEMA BRASILEIRO DO PERÍODO 24 • ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ATUAÇÃO DE PAULO

EMÍLIO NA ECA 25

3.4. O CINECLUBISMO NA CINE-OLHO 27

• O REFLEXO DA ATIVIDADE CINECLUBISTA NA CINE-OLHO 28

3.4.1. O CINECLUBISMO NA CINE-OLHO: UMA NOVA LEITURA 29

REFERÊNCIAS 32

ANEXOS

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ANEXO I - ÍNDEX DAS CRÍTICAS E ARTIGOS PUBLICADOS: CINE-OLHO (1976-1979) 34

ANEXO II – CD COM ÁUDIO DAS ENTREVISTAS 79

ANEXO III – RESPOSTAS POR ESCRITO DE FERNANDO MEIRELLES 80

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Bárbara Vieira Neto

Projeto de Pesquisa: Revista Cine-Olho: História e Crítica no Brasil (1976 – 1979)

Relatório de atividades referente ao período de Agosto de 2011 - Agosto de 2012.

1. Resumo do Projeto

O objetivo geral do projeto é investigar a crítica de cinema no Brasil a partir da revista Cine-Olho, que circulou entre 1976 e 1979. Editada primeiro pelo Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ, e depois pela USP, a publicação participou dos debates de sua época. Predominou em sua ‘fase’ carioca a discussão sobre os rumos do cinema brasileiro (relação com o mercado e o Estado, por exemplo), com destaque para as análises feitas por Jean-Claude Bernardet. Já em seu momento ‘uspiano’, o enfoque mudou: traduções de textos teóricos até então inéditos, como os de Anette Michelson, artigos sobre Eisenstein, de autoria de Arlindo Machado, e uma série de artigos de então jovens estudantes que depois terão lugar de destaque no mercado cinematográfico, como foi o caso de Fernando Meirelles e Roberto Moreira, ou na universidade, como o próprio Moreira, Arlindo e Rubens Machado. Ismail Xavier, que então acabara de publicar seu primeiro livro, participa também dessa produção. Tendo como base de estudo as críticas e artigos publicados na Cine-Olho, centramos a pesquisa em dois aspectos fundantes da revista: o da crítica e o do cineclubismo. Dessa forma, procuramos demonstrar a relevância da Cine-Olho enquanto publicação essencialmente independente e estudantil, analisando de que maneira a revista contribuiu com a formação dos sujeitos envolvidos na sua realização.

2. Descrição das atividades desenvolvidas

O objetivo geral do projeto é investigar, essencialmente, a crítica de cinema no Brasil nos anos 1970. Faremos isso através da análise da revista Cine-Olho, uma publicação essencialmente estudantil e independente criada em 1976 no Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ. Entre novembro de 1976 e dezembro de 1977, foram publicados três números, todos eles confeccionados no Rio de Janeiro. Em 1978, a revista não foi produzida. O 4º número, de 1979, já apresenta significativas alterações em relação aos números anteriores, especialmente porque nesse momento a revista já não é mais sediada no Rio de Janeiro, mas sim, em São Paulo. Em 1979, a publicação passa a ser feita por estudantes da Universidade de São Paulo (USP), especialmente por alunos da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Na USP, são produzidos os números 4, 5/6 e 8/9. Por meio da análise desta fonte histórica, abordaremos alguns aspectos relativos à história do cinema no Brasil: o cineclubismo e a crítica cinematográfica.

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Tendo como base de estudo as matérias e artigos publicados na Cine-Olho, acreditamos poder esclarecer importantes questões relativas não só a cinematografia nacional, mas também relativas ao contexto sócio-político da época: produção, debates, público, estética, etc. Para chegar a esse elemento mais geral, pretendemos centrar a pesquisa em dois aspectos que se destacam na Cine-Olho: o da crítica e o do cineclubismo.

A revista, criada inicialmente como um jornal do Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ, foi estruturada a partir de um grupo formado pelos frequentadores do cineclube dessa instituição. Desde de sua origem, na década de 1920 no Brasil, o cineclube era um espaço que procurava estimular os seus participantes a verem, discutirem e refletirem sobre o cinema enfatizando sua dimensão artística1. Ainda que estejam muitas vezes ligados à elite cultural, os cineclubes operam dentro de determinadas comunidades através de processos culturais que pretendem ampliar o acesso do público a uma obra cinematográfica. O que muda nos anos 60, em uma tradição que se instaura também em outros contextos, é o ‘salto’ rumo à realização, ponte entre crítica/cinefilia/cineclubismo que será percorrida pela geração dos cinemas novos, como foi o caso do Brasil. A defesa de um cinema moderno se alia, tendo em vista o regime de exceção que se instaura em 1964, ao trabalho pelo fim da censura e por maior democracia. Nos anos 1970, os cineclubes eram espaços de circulação efetivamente alternativos, constituindo-se em lugar de discussão e proposição de ideias que reverberavam no campo da realização e da política cinematográfica. Não raro, esses cineclubes produziam seus próprios jornais, publicações que traziam ou entrevistas ou artigos importantes para pensarmos o cinema de sua época, como foi, por exemplo, o Cineclube Macunaíma e os testemunhos de Glauber editados em seu jornal. O aspecto democratizador, inerente à prática cineclubista, permitiu, portanto, que tais lugares ganhassem importância enquanto espaços de resistência político-cultural durante o período da ditadura militar no Brasil, principalmente entre os anos 1970 e começo da década de 19802.

Nesse contexto é que surge no Rio de Janeiro, a publicação de cinema Cine-Olho. Com uma postura de enfrentamento da política oficial de cinema brasileiro, o objetivo da Cine-Olho era o fortalecimento dos cineclubes enquanto incentivadores da produção de curta-metragens no Brasil. “O quadro atual”, afirmam no editorial do segundo número, “aponta para a necessidade de lutar por liberdade de expressão como única forma de evoluir numa produção verdadeiramente nacional. A experiência do CINE-OLHO vem definindo a nossa perspectiva de um trabalho cineclubista atuante no processo cinematográfico”3.

Em tempos de repressão política, a importância do cineclube ganha outra dimensão na medida em que se transforma num espaço exibidor de filmes censurados e/ou fora do

1 O principal cineclube brasileiro desse período foi o Chaplin Club. Sobre suas ideias ver Ismail Xavier, Sétima arte: um culto moderno. São Paulo, Perspectiva / Secretaria de Estado da Cultura, 1978. 2 MACEDO, Felipe. O cineclubismo no Brasil. In: Cinema, n. 3, p. 52-5, jan. 1974 3 Sem autor. “Apresentação”. Cine-olho, no. 2, Junho 1977, p. 2

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circuito “normal”. Mais do que isso, na medida em que viabiliza e propõe o debate. Aqui, cabe destacar a escolha do nome da revista. Cine-Olho é um conceito elaborado pelo cineasta russo Dziga Vertov, no qual homem e máquina (câmera) se fundem na procura por um olhar concreto e autêntico. Considerando o contexto e o momento histórico no qual Vertov desenvolveu sua obra, Cine-Olho carrega também outros elementos que não se restringem só ao conceito explicitado acima. O título da revista remete também ao documentário, à URSS, ao socialismo e à experimentação.

Tendo em vista essas considerações, procuraremos demonstrar a importância da Cine-Olho durante a ditadura enquanto um espaço de resistência, mas também de formação dos envolvidos na publicação. Complementando o índex produzido no primeiro relatório com todas as críticas e artigos publicados na revista (anexo I do relatório), anexamos à pesquisa entrevistas padronizadas com os responsáveis pelo períodico.

A primeira etapa de pesquisa – Ago/2011 a Jan/2012 – consistiu em um fichamento de todas as publicações da Cine-Olho, que datam de 1976-1979, num total de 9 volumes. Além de sua leitura, recorremos também à bibliografia sobre o período.

Parte das revistas está disponível na biblioteca da Escola de Comunicação e Artes, da USP; parte no Centro de Pesquisa e Documentação da Cinemateca de São Paulo. Como o material não pôde ser retirado nem xerocado, apenas fotografado, o que fizemos foi captar em boa resolução todos os números. Dessa forma, tendo os exemplares “digitalizados”, pudemos fazer o fichamento a partir de um computador pessoal. A leitura cuidadosa das revistas e a bibliografia consultada permitiram as considerações feitas no relatório parcial anteriormente apresentado.

O primeiro relatório procurou apresentar a Cine-Olho informando objetivamente dados como: local de origem, circunstâncias de surgimento, período de existência e transformações mais significativas ocorridas nesse ínterim. Num segundo momento, partindo de uma contextualização inicial, listamos as principais características da crítica de cinema na publicação. Por fim, situamos a Cine-Olho dentro do movimento cineclubista, mostrando como e porque a revista é fruto desse meio.

Como dissemos, a publicação surgiu no Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ, em 1976. Porém, em 1979 ela passa a ser produzida em São Paulo, na USP. Essa mudança implica em uma série de alterações no perfil da revista, que vão desde o projeto gráfico até os assuntos escolhidos. Portanto, para análise, dividimos a Cine-Olho em duas fases: a carioca (1976 – 1977) e a paulista (1979). Essa divisão também já se encontra no primeiro relatório.

Já na segunda etapa, foram realizadas um total de dez entrevistas com antigos membros da Cine-Olho. Conversamos com: Carlos Nascimbeni, Joel Yamagi, José Roberto Sadek, Luiz Renato Martins, Roberto Moreira, Rubens Machado, Vinícius Dantas, Fernando Meirelles, Henrique Faulhaber e Ismail Xavier. Além das entrevistas,

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fontes bibliográficas foram consultadas especialmente para o aprofundamento de questões relativas à crítica e à história do cinema brasileiro da época.

Foram realizadas reuniões com o professor orientador Eduardo Victorio Morettin. Em fevereiro, definimos o plano de trabalho do segundo semestre de atividades, estabelecendo cronogramas e definindo qual seria a estratégia para a feitura das entrevistas. Nas demais reuniões, o professor acompanhou o trabalho em andamento e, a partir de alguma dúvida e/ou necessidade de aprofundamento, sugeriu textos e livros.

O presente relatório procura contemplar os principais temas relacionadas à Cine-Olho, tendo como base as entrevistas feitas ao longo do semestre. Começamos apresentando os entrevistados e relatando o processo de feitura das entrevistas. Em um segundo momento, falaremos de como se dava a divulgação e circulação da revista no contexto da imprensa alternativa da época. Depois, aprofundaremos as questões relativas à crítica de cinema e à história do cinema brasileiro do período, tentando mostrar de que forma a Cine-Olho se insere e modifica esse contexto. Na sequência, pretendemos abordar a participação cineclubista na publicação, mostrando de que maneira as entrevistas lançaram luz sobre o assunto, reafirmando alguns aspectos e desmentindo outros. Por fim, analisaremos os aspectos particulares da revista: como ela se organizava, quais eram as pessoas que a articulavam, como era a seleção dos assuntos e matérias a serem publicadas e quais foram as razões do seu término.

2.1. Descrição do processo de feitura das entrevistas: dificuldades encontradas e soluções propostas

A primeira lista de entrevistados era composta por: Jean-Claude Bernardet, Rubens Machado, Arlindo Machado, Roberto Moreira, Vinícius Dantas, Joel Yamaji, José Roberto Sadek, Fernando Meirelles, Fernando Mesquita, Ismail Xavier e Luiz Renato Martins. No processo de contatar e agendar as conversas, Jean-Claude Bernardet declinou do convite; Arlindo Machado aceitou o convite num primeiro momento, mas depois não respondeu mais aos contatos feitos; e Fernando Mesquita não foi encontrado. Durante as primeiras entrevistas, alguns nomes que não estavam lista foram sugeridos pelos próprios entrevistados, que, inclusive, ajudaram fornecendo e-mails e telefones de colegas. Dessa forma, adicionamos Carlos Nascimbeni, Henrique Faulhaber e Luiz Rosemberg Filho.

A escolha dos entrevistados foi pensada levando especialmente em consideração a equipe editorial e quem havia feito parte dela durante a existência da Cine-Olho. Num segundo momento, analisamos a viabilidade das entrevistas. Por exemplo, seria muito complicado conversar com os ex-integrantes que moram no Rio de Janeiro já que o projeto não prevê gastos com viagens e afins. Nomes como Jean-Claude Bernardet e Ismail Xavier foram escolhidos devido a sua relevância como estudiosos de cinema já na época em que a revista era produzida. Jean-Claude Bernardet, que participou dos jornais Opinião e Movimento – ambas publicações importantes da imprensa alternativa

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da década de 1970, bem como Ismail Xavier, contribuíram mais indiretamente, no sentido da influência que exerciam sobre os membros mais ativos da Cine-Olho. Embora ambos tenham tido textos de sua autoria publicados na revista, Ismail Xavier participou esporadicamente da publicação enquanto Bernardet teve um envolvimento mais orgânico.

Luiz Renato Martins, embora não tenha feito parte da equipe editorial da Cine-Olho, teve papel importante como correspondente internacional, contribuindo com livros e revistas que enviava da Europa para os colegas em São Paulo. Pensamos que poderia ser enriquecedor para a pesquisa contar com o depoimento de um membro da revista cuja visão fosse próxima e distanciada ao mesmo tempo. Além disso, Luiz Renato Martins é docente na ECA, o que facilitou o contato e agendamento da entrevista.

Por fim, conseguimos realizar as dez entrevistas já mencionadas, que foram feitas em um período de três meses, com uma média de uma entrevista por semana. Os entrevistados que hoje lecionam na ECA foram mais acessíveis pela proximidade. Outros, como Vinícius Dantas, José Roberto Sadek e Carlos Nascimbeni, foram contatados através destes primeiros entrevistados. Tive dificuldades para conciliar agendas e, especialmente, para falar com membros da revista que participaram durante a fase carioca. Tentei contato com Luiz Rosemberg Filho e Henrique Faulhaber. O primeiro, pelo que soube, estava muito doente e não respondeu aos e-mails e ligações feitas. Já o segundo, foi receptivo e concedeu uma entrevista via skype – forma que encontramos para resolver o problema da distância RJ/SP. Todas as entrevistas foram registradas em áudio (anexo II do relatório), com exceção do Fernando Meirelles, que encaminhou suas respostas escritas, via e-mail (anexo III do relatório).

2.2. As pessoas por trás da Cine-Olho: entrevistados

As entrevistas padronizadas com os realizadores da publicação foram muito importantes e lançaram luz sobre uma série de aspectos referentes à revista e ao período estudado. Dentre as pessoas que fizeram parte da Cine-Olho, entrevistamos:

Carlos Nascimbeni: atualmente, sócio-diretivo da produtora Cinevideo e possui grande carreira em teleducação. Seu primeiro contato com a revista se deu dentro do movimento cineclubista, durante a XI Jornada Nacional de Cineclubes, realizada em Campina Grande, Paraíba, em 1977. Apelidado de “Carlão”, seu nome aparece já nos créditos do segundo número da publicação, quando ela ainda era feita no Rio de Janeiro. Na época, ele era estudante da ECA-USP. Com a vinda da revista para São Paulo, Carlos Nascimbeni se tornou um dos principais articuladores da Cine-Olho. Durante a fase carioca, assina o texto publicado no segundo número da revista e é creditado no terceiro como sendo da equipe editorial de São Paulo. Na fase paulista, essa participação como editor se estende a todos os números publicados na USP.

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Rubens Machado: crítico de cinema e professor do curso de Audiovisual da Universidade de São Paulo desde 1999. Ele é formado em arquitetura e urbanismo pela FAU-USP, pós-graduado em cinema pela ECA-USP e pós-doutorado no IA-Unicamp. Muitos dos entrevistados apontaram Rubens Machado como sendo uma figura chave, especialmente no que diz respeito à passagem RJ-SP. No período de existência da Cine-Olho, era estudante da FAU. Rubens disse que conheceu a revista através do movimento cineclubista, durante a XI Jornada Nacional de Cineclubes, em fevereiro de 1977. A propósito do evento, Rubens foi convidado para dar uma entrevista na Cine-Olho. O depoimento publicado no segundo número da revista, em junho de 19774. Em seguida, veio o convite para integrar a equipe editorial. Rubens Machado, que aparece já no terceiro número da revista, começou a participar da publicação quando ela ainda era feito no Rio de Janeiro. Ele, portanto, assim como Nascimbeni, é um dos poucos que está presente nas fases paulista e carioca. Durante a fase carioca, participa do segundo número concedendo um depoimento sobre a Jornada de Cineclubes e, no terceiro, aparece como membro da equipe editorial de São Paulo. Na fase paulista, essa participação como editor se estende a todos os números publicados na USP.

Fernando Meirelles: cineasta, produtor e roteirista. Participou da revista quando ainda era aluno de graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. É de uma geração de cinco a dez anos mais jovem que a de Rubens Machado. Segundo Nascimbeni, Meirelles era uma das figuras que contribuía, mas não de forma constante. Sua participação na Cine-Olho se deu, principalmente, através do Atelier Mãe’s Janaína5, grupo composto por alguns alunos da FAU. Meirelles disse ter conhecido a revista porque um colega do cineclube da FAU, que conhecia a turma da ECA, o convidou. Durante a fase paulista, é creditado em todos os números como sendo membro da equipe editorial.

Henrique Faulhaber: matemático formado pela PUC-RJ em 1978, com mestrado em engenharia de sistemas pelo IME-RJ. Cursou parcialmente a faculdade de comunicação ECO-RJ, na década de 70. Faulhaber é um dos fundadores da Cine-Olho no Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ. Segundo ele, a criação da revista foi uma iniciativa sua. Durante a fase carioca, assina uma das traduções publicadas no primeiro número6, que, inclusive, não apresenta equipe editorial creditada. Nos números seguintes (dois e três), aparece como editor. Nos números 4 e 5/6 da fase paulista, aparece como colaborador do Rio de Janeiro.

4 CINE-OLHO n.2, XI Jornada de Cineclubes, junho de 1977, p. 3-5. Crédito: José Manuel de Seixas, Henrique Faulhaber e Alberto da Costa Tornaghi. 5 Fernando Meirelles descreve o Atelier Mãe’s Janaína da seguinte forma: “Ali desenhávamos, escrevíamos, conversávamos e fumávamos maconha. Era um ponto de encontro onde sempre havia alguma coisa acontecendo”. (CAETANO, 2007) 6 CINE-OLHO n.1, Dziga Vertov, novembro de 1976, p. 3-6. Organização e Tradução: Henrique

Faulhaber Barbosa.

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Ismail Xavier: se formou na ECA em 1970. No período da Cine-Olho, ele já tinha significativa relevância como estudioso e crítico de cinema. Ismail se tornou professor da ECA em 1971 e em 1978 já havia publicado o famoso O Discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência, além de Sétima Arte: um culto moderno. Ainda que textos de sua autoria tenham sido publicados na revista, sua participação se deu mais indiretamente, na figura de alguém que já era tida como referência pelos membros mais ativos da Cine-Olho. Ismail conheceu a revista quando ela ainda era produzida na PUC-RJ por ocasião de uma palestra sobre Glauber Rocha, que ministrou no Rio de Janeiro. Seu encontro com os membros cariocas foi muito rápido, não chegando a resultar em nenhuma participação efetiva. Depois de uma temporada nos Estados Unidos a propósito do seu doutorado na New York University (iniciado em 1976 e concluído em 1982), Ismail teve maior contato com a Cine-Olho a partir de Carlos Nascimbeni, que, na época, era estudante da ECA-USP. Ismail contou que Nascimbeni, junto com um grupo de estudantes, começou a incorporar professores na atividade de feitura da revista. Durante todos os números da fase paulista (4, 5/6 e 8/9), Ismail é creditado como colaborador de São Paulo.

Joel Yamaji: cineasta, produtor, roteirista e funcionário do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA/USP. Foi estudante da ECA entre 1974 e 1978, ou seja, sua participação na revista coincide com a graduação em cinema. Yamagi frequentava as reuniões e debates envolvendo a Cine-Olho, no entanto, assim como Fernando Meirelles, não foi citado por Nascimbeni como sendo membro do núcleo principal da revista. Ele não soube dizer exatamente qual foi seu primeiro contato com a Cine-Olho, mas citou Rubens Machado e o cineclube Luz Vermelha, do qual era frequentador e colaborador. Durante a fase paulista, é creditado em todos os números como sendo membro da equipe editorial.

José Roberto Sadek: atualmente, Secretário Adjunto de Cultura do Município de São Paulo e professor na FAAP. Ele era aluno da FAU, mas migrou para ECA, onde concluiu o curso de cinema em 1980. Os créditos sugerem que ele tenha tido papel importante dentro do projeto gráfico da revista, colaborando principalmente com fotos. Em depoimento, Sadek disse que foi chamado para participar da publicação pois tinha conhecimento e habilidade com fotografia, adquiridos previamente no curso de arquitetura da FAU. Durante todos os números da fase paulista, Sadek é creditado como editor.

Luiz Renato Martins: graduado em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (1978), mestrado em Filosofia, área de Estética, pela Universidade de São Paulo (1992) e doutorado em Filosofia, área de Estética, pela Universidade de São Paulo (2000). Atualmente é professor do Departamento de Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes, USP. Durante a existência da Cine-Olho em São Paulo, Luiz Renato Martins estava estudando fora do Brasil. Na fase paulista, é creditado em todos os números como colaborador internacional em Roma.

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Roberto Moreira: cineasta, produtor e roteirista formado em cinema pela ECA-USP, em 1985. Leciona no curso de Audiovisual da Universidade de São Paulo desde 1999. Ele participou da Cine-Olho durante a fase paulista, quando ainda era aluno secundarista. Segundo os depoimentos, sua participação foi mais efetiva no período final da publicação. Seu primeiro contato com a Cine-Olho foi em ocasião de um seminário que Jean-Claude Bernardet fez no MIS, sobre Cinema e História, em 1978. Por ter intervido e se destacado no seminário, Roberto foi convidado a participar de um grupo de estudo organizado por Bernardet, sobre o livro “Cinema e História”. Nesse grupo, Roberto conheceu Rubens Machado e a partir deste, a revista. Durante todos os números da fase paulista, Roberto Moreira é creditado como editor.

Vinícius Dantas: crítico literário, nascido em Aracaju (SE). Ele integrava a equipe editorial na fase paulista e, segundo Nascimbeni, era uma das pessoas que fazia parte do núcleo principal da revista. Quando questionado sobre seu primeiro contato com a Cine-Olho, ele respondeu dizendo que, pelo que se lembra, foi através de Rubens Machado, que o convidou para uma reunião na casa de José Inácio de Melo Souza7, entre 1976 e 1977. O encontro pretendia discutir a iniciativa de começar uma revista de cinema na USP, Vinícius Dantas só não se lembra ao certo se a ideia original era partir de uma revista totalmente nova ou se já existia o interesse de recuperar a Cine-Olho, que, segundo ele, estava “largada” no Rio de Janeiro. Durante todos os números da fase paulista, Vinícius Dantas é creditado como editor.

3. REVISTA CINE-OLHO: História e Crítica no Brasil (1976 – 1979)

3.1. Cine-Olho, imprensa alternativa: censura e circulação

Durante os anos do governo militar, a imprensa brasileira passou por uma espécie de “surto alternativo” no qual um grande número de publicações independentes e contrárias ao regime vigente surgiram. Bernardo Kucinski, importante estudioso do tema, afirma que “entre 1964 e 1980, nasceram e morreram cerca de 150 periódicos que tinham como traço comum a oposição intransigente ao regime militar. Ficaram conhecidos como imprensa alternativa ou imprensa nanica” (KUCINSKI, 1991, p. 13). Esse tipo de imprensa, como aponta o autor, possuía algumas características fundamentais: a não ligação com políticas dominantes, intuito de oferecer uma saída à complacência com que grande parte da mídia tratava o governo ditatorial e, ainda, exprimir o desejo de transformação social que as gerações de 1960 e 1970 erguiam como bandeira em um contexto marcado pelo regime militar. São desse período as publicações O Pasquim, Bondinho, Versus, Coojornal, Repórter, Opinião, Movimento e Em Tempo.

7 José Inácio de Melo Souza é um importante crítico e estudioso de cinema. Autor dos livros “Imagens do Passado” e “Paulo Emílio no Paraíso”. Ele participou da Cine-Olho como colaborador na fase paulista quando ainda era graduando em História, na USP (concluiu o curso em 1979). Ele não foi entrevistado, pois priorizamos as pessoas que integravam a equipe editorial.

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Esses periódicos criticavam a situação de vigilância e repressão na qual o país se encontrava e, frequentemente, eram alvo de censura oficial, especialmente no período que se seguiu após o decreto do AI-5, em 1968.

A Cine-Olho, inserida nesse contexto de publicações alternativas, não chegou a sofrer censura direta. Henrique Faulhaber contou sobre uma apreensão de filmes que houve durante exibição no Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ, em 1977. A revista denunciou o fato8. Com base nos depoimentos, esse foi o episódio mais significativo nesse sentido. Diante da pergunta “Vocês se viam como um espaço de resistência durante a ditadura militar?”, os ex-integrantes da Cine-Olho, de forma geral, disseram que não tinham exatamente essa visão na época. A revista se opunha claramente ao governo militar, porém, principalmente na fase paulista (1978-1979), o país já se encontrava em um processo de consolidação da abertura política. Em 1978, a Anistia – assinada em agosto de 1979 – já estava em pauta. Sobre o assunto, Ismail Xavier comentou: “Já havia um clima de abertura para essas atividades todas. Havia jornais de oposição absolutamente, escancaradamente de oposição, como o Opinião e outras experiências de revista também. Havia já uma movimentação, de crítica de cinema em particular, que criava um clima um pouco mais arejado. É claro que a gente aqui no contexto da Cine-Olho via a oportunidade de uma intervenção nesse contexto” (NETO, 2011).

Além do fato de que a existência da Cine-Olho coincide com o processo de abertura política, podemos também entender a resposta dos entrevistados sob outro prisma. Kucinski afirma que a ditadura não pode sozinha explicar o fenômeno alternativo e a forma como ele se confrontou com “o sistema dominante muito mais no campo permanente da tentativa de construção de uma contra-hegemonia ideológica do que no campo conjuntural da resistência à ditadura” (KUCINSKI, 1991, p. 23). A Cine-Olho não se via necessariamente como um espaço de resistência durante a ditadura não porque não o era, mas sim, porque a resistência e oposição extrapolava a esfera conjuntural, o que, como afirma o autor, é um aspecto que se estende à toda a imprensa alternativa de 1964 a 1980.

Ainda que o caráter combativo à ditadura fosse característica comum a toda a imprensa alternativa da época, existiam dois tipos principais de jornais. Um, era mais ligado à política de esquerda e apresentava uma linguagem dogmática, muito próxima dos partidos de esquerda em clandestinidade na época, como o PC do B (Partido Comunista do Brasil). O outro, inspirava-se sobretudo nos movimentos de contracultura norte-americanos e, diferente do primeiro tipo, rejeitava o discurso ideológico. Isso, no entanto, de forma alguma diminui a sua força crítica ou indica falta de politização.

8 A matéria “Censura ao curta-metragem”, sem créditos, foi publicada no terceiro número da Cine-Olho. Ela denuncia a ação de censura ocorrida no próprio CAC da PUC, dia 2/set de 1977. Os filmes vetados foram Destruição Cerebral (1977), uma criação coletiva de Carlos Fernando Borges, Joatan Vilela Berbel, José Carlos Avellar, Nick Zarvos e Paulo Chaves Fernandes, O Frango (1977) de Carlos Vereza, Libertários (1976) de Lauro Escorel e Lamas (1977) de Ney Costa Santos. (Irís, p.3)

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A Cine-Olho era próxima do movimento estudantil, em particular, do grupo de tendência trotskista denominado Libelu (Liberdade e Luta)9. Membros cariocas também eram simpáticos à Libelu, mas foi na USP que a relação entre a revista e o grupo se estreitou. Segundo Nascimbeni, o movimento estudantil chegou, inclusive, a colaborar com a Cine-Olho através de apoios e recursos financeiros. Não que a revista fosse uma espécie de panfleto da Libelu. Boa parte dos membros da Cine-Olho pertencia à Liberdade e Luta, mas esse não era o foco da publicação.

Como apontado, uma das principais características da imprensa alternativa é a não vinculação a políticas dominantes. Isso implica em um tipo de produção independente, que dificilmente encontrará respaldo em anunciantes e instituição financiadoras, a menos que estes estejam de acordo com as diretrizes da publicação e/ou não interfiram no conteúdo da mesma. Dessa forma, a feitura e circulação dos periódicos passam por um processo artesanal, muito baseado no “boca-a-boca”. Com a Cine-Olho não é diferente. A revista era vendida pelos próprios realizadores em cineclubes, dentro da universidade, no movimento estudantil e, já na fase paulista, no MIS. Sobre o assunto, Fernando Meirelles disse: “Para financiar a publicação da Cine-Olho, tivemos que lançar mão de métodos criativos, mas é melhor deixar essas histórias para o grupo, caso seus integrantes resolvam falar conjuntamente daquele período” (CAETANO, 2007). Os entrevistados foram questionados sobre quais seriam esses “métodos criativos”. Com um sorriso no rosto, todos gentilmente se recusaram a responder.

3.1.1. A crítica oficial

A “crítica oficial” é produto da imprensa convencional de grande porte (grande imprensa). Maria Aparecida de Aquino, em Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-78), diz que tanto a grande imprensa como a alternativa viveram a prática cotidiana da censura prévia durante os anos do regime militar. A diferença está na forma como cada periódico transmitia e acatava as proibições do Estado. Como apontado, a marca da imprensa alternativa é a oposição ao governo ditatorial. Já a grande imprensa, de modo geral, ofereceu resistência menor, optando pela aceitação das ordens transmitidas e praticando autocensura. Entre as publicações que se enquadram nesse perfil podemos citar O Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde. Maria Aparecida de Aquino, no entanto, atenta para o fato de que a análise da imprensa pós-64 não deve ser maniqueísta, colocando censores de um lado e vítimas de outro. Muitos periódicos da grande imprensa denunciavam a presença do censor “por intermédio da substituição dos cortes por elementos que causassem estranhamento pelo insólito de sua presença” (AQUINO, 1999, p. 23).

Avançando um pouco no tempo, Jean-Claude Bernardet comenta sobre a crítica de cinema em particular. Em Trajetória Crítica, de 1978, o autor fala de uma “atitude 9 Nos números 8/9 da Cine-Olho há uma matéria sobre a Libelu, intitulada “Eis o fascínio radical, ou O discreto charme da burguesia”, de Charles Nebeau. O texto comenta a forma deturpada com que a revista Isto É divulgou as últimas ações do grupo (p. 44-45).

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ambígua” que ele identifica na coluna crítica do jornal Última Hora. Para Bernardet, os colunistas se ocupavam de um suposto “problema de qualidade” que não deveria ser discutido no âmbito do filme em si, mas na relação entre a obra e o público. Havia uma hesitação entre uma atitude político-cultural e uma atitude industrial-comercial na qual a opção final foi manter uma “posição que reunia as duas orientações sem muitas perguntas quanto às suas afinidades: defender o filme brasileiro por ser brasileiro – (...) – mascarava a ambigüidade e a ausência de reflexão teórica” (BERNARDET, 1978, p. 143). Dos críticos de cinema, não se exigiam análises mais claras e rigorosas, o que resultou em um tipo de crítica ao sistema que se confundia com o sistema. Não se restringindo ao Última Hora, essa ambigüidade refletiu, de forma geral, em uma crítica que analisa os filmes essencialmente sob aspectos técnicos e formais, situando a obra mais dentro de um contexto mercadológico do que reflexivo e político.

Ainda sobre a crítica dos anos 60 e 70, Bernardet, em Cinema Brasileiro: propostas para uma história, diz que após o Golpe Militar em 1964, “a crítica sofreu uma violenta regressão (...). Um novo tipo de crítica e análise começa a se desenvolver após 1967-8, com a criação de cursos de cinema de nível universitário. De modo geral e com exceção notável da atuação de Paulo Emilio em diversas faculdades, a tendência dos professores é se voltar para a semiologia (...). A adesão acrítica a uma metodologia pretensamente científica como que paralisa a reflexão sobre o processo de produção cultural cinematográfica no Brasil” (BERNARDET, 2009, p. 36). O autor, ao se referir à semiologia, situa historicamente a forte presença deste viés de análise nos estudos de cinema.

3.2. Cine-Olho: organização e término

Cine-Olho surge em novembro de 1976 (data da primeira publicação), no Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ. Entre novembro deste ano e dezembro de 1977, foram publicados os três primeiros números da revista. Depois disso, entre os números três e quatro há um intervalo de cerca de um ano. Essa irregularidade, porém, é típica de uma publicação com o perfil da Cine-Olho: estudantil e independente. O 4º número, de 1979, já apresenta significativas alterações em relação aos números anteriores, especialmente porque nesse momento a revista já não é mais produzida no Rio de Janeiro, mas sim, em São Paulo. Levando em conta essas mudanças, que vão desde o projeto gráfico até os assuntos tratados pela revista, para análise, dividimos a Cine-Olho em duas fases: a carioca e a paulista. A fase carioca compreende o período que vai de 1976 a 1977: números 1, 2 e 3. Já a fase paulista, se dá em 1979: números 4, 5/6 e 8/9. O 7º número não foi encontrado. Os entrevistados confirmaram que havia um projeto, mas que ele não chegou a ser concluído nem publicado. Carlos Nascimbeni, no entanto, disse que este número corresponde a um caderno de textos.

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• A primeira fase: carioca (1976-1977) Quando estava sendo produzida no Rio de Janeiro, no CAC da PUC-RJ, a Cine-Olho se auto-intitulava jornal: Jornal do Centro de Artes Cinematográficas. Suas principais temáticas eram: reflexão sobre o papel do realizador, filmes recentes do que eles chamavam de “novo” Cinema Novo, pensamentos que vinculam a atividade cinematográfica à sociedade capitalista, ao cineclubismo e à produção independente. O 1º número apresenta uma certa precariedade, própria de um projeto em início, ainda sem muita formatação. Os erros de datilografia são recorrentes, embora se perceba uma preocupação na disposição dos elementos da capa10: Cine-Olho está no alto, em negrito e letras maiúsculas. Abaixo, duas ilustrações lado a lado (a identificação é complicada, mas parece ser um olho ou algo parecido). Em seguida, bem no meio, uma espécie de índice, no qual temos listados, em ordem, os artigos que estão contidos na publicação. Na página seguinte há um texto de apresentação assinado pelo Centro de Artes Cinematográficas. Não há menção a nenhuma equipe editorial. Os artigos (que são assinados) aparecem em sequência. Os temas principais são: Vertov, reflexão sobre o papel do realizador, Chanchada, filmes recentes do que eles chamam de “novo” Cinema Novo e pensamentos que vinculam a atividade cinematográfica à sociedade capitalista. É significativo o dado de que três dos sete textos publicados são traduções: anotações do próprio Vertov, escritos do cineasta Michelangelo Antonioni e uma matéria inteira publicada na Cahiers du Cinéma. O 2º número sai em junho de 1977 e já mostra uma significativa mudança em relação ao 1º volume. Vemos uma certa “profissionalização”. O projeto gráfico é mais elaborado e as indicações são mais detalhadas: agora sabe-se a regularidade da publicação (“Jornal Bimensal do Centro de Artes Cinematográficas “), a equipe editorial, os colaboradores, quem fez a capa, as fotografias, a diagramação e a datilografia. O cineclubismo (mais especificamente a XI Jornada de Cineclubes em Campina Grande) e duas entrevistas (uma com Cacá Diegues e outra com Alberto Cavalcanti)11 são os assuntos principais da revista. A Iris aparece nas últimas páginas e traz comentários curtos, porém contundentes, sobre filmes e acontecimentos da época. É importante dizer também que a revista agora é comercializada; ela tem um preço: Cr$10,00.

O 3º número é publicado em dezembro de 1977. Como podemos ver, a regularidade não é mantida (intervalo entre este e o número anterior é de 5 meses). O preço é o mesmo e o projeto gráfico semelhante, embora agora ele pareça ser mais “solto” e

10 Anexo I – Índex das críticas e artigos publicados, p. 1 11 É importante ressaltar que ainda que a opção por esses entrevistados sugira certa pluralidade, a Cine-Olho tem uma posição definida por um tipo de cinema brasileiro. A revista se mostra contrária a uma produção industrial e alienante. Há um ranço com relação aos cinemanovistas, que, na sua visão, se alinharam a Embrafilme num projeto excessivamente paternalista, que não dá espaço para novos realizadores. Em contrapartida, incentiva uma produção paralela, divulgando filmes independentes e suportes como o 16 mm e o Super-8.

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irregular (o 2º volume continha formas geométricas; era mais “quadradinho”). A principal diferença, no entanto, é o tom da crítica. Ela é mais voraz e se manifesta logo na capa (imagem de um ser assustador, uma espécie de caveira que simboliza a censura). Outro dado que reitera essa constatação é o fato de que a Iris foi deslocada para o começo, evidenciando o quanto a opinião da revista é mais pungente e emergencial. Os temas centrais são a produção independente, o filme Ladrões de Cinema (1977) de Fernando Campos, a ação da censura no Festival de Brasília deste ano, a oposição cineclubista (em reação às medidas tomadas pela Federação), o Super-8 (como um suporte mais barato e portátil, portanto, mais adequado ao circuito paralelo) e, por fim, uma entrevista com o cineasta Ruy Guerra. Outro dado novo é a concessão de espaço para publicidade: em uma das páginas da revista, há a divulgação de filmes que vão estrear e/ou estão em produção.

• A segunda fase: paulista (1979)

Já na fase paulista, o centro da produção é em São Paulo, mais especificamente, na Universidade de São Paulo. A principal característica que a distingue da fase anterior é a interdisciplinaridade. Aos alunos de cinema12, unem-se outros cursos universitários, com especial destaque para a FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo). Isso promove uma expansão de interesses. O cinema ainda é assunto principal, mas não o único. Outras manifestações culturais ganham espaço: das artes plásticas ao grafite.

O 4º número é de 1979 (o mês não consta na publicação). O preço é mais alto (Cr$ 20,00), porém, o número de páginas aumentou (das 24 do número anterior para as quase 40 deste). O projeto gráfico parece ser mais simples, mas também, mais moderno. No endereço para correspondência, que é em São Paulo, aparece o nome de uma livraria e editora: a Kairós. Os nomes da equipe editorial mudaram. Alguns dos “antigos” agora entram como colaboradores, indicando uma mudança de perfil na revista. A participação de pensadores importantes (Arlindo Machado, Jean Claude Bernardet, Ismail Xavier, Zé Celso), bem como a existência de colaboradores em outros países (Roma, Londres e Nova York), é reflexo dessa mudança. Além do que, indica que a publicação conquistou maior poder de alcance e reconhecimento como um espaço importante de discussão. Outro dado significativo é o fato de que não há mais um texto de apresentação dizendo “o que é a revista” e o que ela pretende. Os assuntos centrais são o Cinema Conceitual e o 7º Festival de Gramado do Cinema Brasileiro. Há também artigos que expressam um forte desejo de resposta por parte dos jovens acusados de um certo “marasmo criativo” (jovens estes que fazem a revista). Por fim, temos a tradução

12 Na fase paulista, diferente da carioca, a revista não está vinculada a um centro acadêmico ou a um cineclube; ao menos esta informação não está explicitada nos números publicados. Os entrevistados de São Paulo, de forma geral, também não estabeleceram o vínculo direto com o cineclubismo. No entanto, alguns citaram com destaque o cineclube Luz Vermelha.

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do Manifesto Futurista escrito pelo italiano Marinetti, em 1916. No interior da publicação, podemos ver mais ilustrações e fotografias.

O 5º e 6º números foram publicados em conjunto (a revista tem cerca de 76 páginas). A data informada na capa é junho/julho/agosto de 1979 e o preço, Cr$ 50,00 (o valor mudou, considerando que cada número corresponderia a Cr$ 25,00)13. Pela primeira vez, Cine-Olho se auto-intitula “revista de cinema”. A equipe editorial é praticamente a mesma em relação ao número anterior; os colaboradores também se repetem. O grupo responsável pelo projeto gráfico da revista é mais numeroso, ou seja, a importância dada a esse aspecto é proporcionalmente maior. O endereço para correspondência é diferente do número anterior; a editora Kairós não aparece mais na revista. Os desenhos e figuras revelam influências que vão desde as histórias em quadrinhos até a pintura impressionista. Os principais assuntos são Cinema Conceitual, os filmes de Júlio Bressane e grafite. A primeira matéria, intitulada A poesia esmagada, descreve e mostra passo a passo o roubo de uma escultura de Flávio de Carvalho. A revista diz que a obra estava destinada ao ostracismo e esquecimento, porém, com o roubo, ela seria restaurada e devolvida à sociedade, como deveria ser. Por fim, descobrimos que o roubo fora praticado por alguns alunos da FAU, membros da própria Cine-Olho. Além de ser mais um indício da interdisciplinaridade já citada, A poesia esmagada tem um humor e uma audácia que marcarão fortemente este e os próximos números da revista. Também é interessante a forma como foram elaborados o texto e as imagens. A matéria foi feita de forma a contar uma história. Ela instiga, mas não revela

muito; vai desvendando, causando surpresa e quebras de expectativas até dizer: “sim, roubamos”. As fotos aparecem como fotogramas, compondo uma espécie de “filminho”.

O 7º número da Cine-Olho não foi encontrado nos dois acervos listados acima. Os entrevistados confirmaram que havia um projeto, mas que ele não chegou a ser concluído nem publicado. Carlos Nascimbeni, no entanto, afirmou que este número corresponde a um caderno de textos. Em seu depoimento, ele disse que mais ou menos a partir da mostra 100 anos de Cinema, organizada por Paulo Emílio Salles Gomes na ECA, o cineclube Luz Vermelha, do qual ele fazia parte, começou a fazer cadernos de textos e também textos de cultura.

Os dois últimos números, oito e nove, também foram publicados em conjunto. A data é outubro/novembro/dezembro de 1979 e o preço, Cr$ 50,00. A equipe editorial é praticamente a mesma em relação aos números 5/6. O endereço de correspondência também se mantém (de fato a editora Kairós não é mais citada). O projeto gráfico é o mais rebuscado se comparado a todos os outros números: ilustrações, fotos e colagens ocupam toda capa bem como boa parte da revista. As influências ainda são muitas: do cinema hollywoodiano ao dadaísmo. O espaço para a publicidade é maior.

13 O “aumentar” deve levar em consideração as taxas de inflação da época.

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Curiosamente, em uma das páginas, há uma propaganda divulgando o programa Globo Repórter, exibido pela TV Globo (curioso porque um dos principais alvos de crítica da Cine-Olho é a própria TV Globo). Os assuntos em pauta são o cinema militante, Vertov (tradução de um texto de Anette Michelson), a natureza das imagens, um tributo ao ator James Dean, Cinema Conceitual e grafite. Como podemos ver, há uma variedade grande de temas. Aqui, é interessante observar de que forma a revista incentiva a troca de idéias. O debate é promovido entre membros da própria Cine-Olho. As matérias dialogam entre si e, para não deixar dúvidas, um autor se dirige ao outro, diretamente. Um excerto do artigo Como se duas imagens pudessem ser de naturezas diferentes, de Luiz Renato Martins, é exemplar: “Carta ao membro da revista que sugeriu, no número 4, a destruição da imagem da burguesia (...)” (CINE-OLHO n.8/9, 1979, p. 42).

• Organização anárquica

Os depoimentos indicaram, sem grandes surpresas, o modo informal e livre com que a Cine-Olho era produzida. Por se tratar de uma publicação independente e estudantil, é natural que a revista não tivesse uma organização rigidamente segmentada e hierarquizada, ainda mais levando em consideração que os membros da Cine-Olho eram jovens identificados com a contracultura e contrários ao regime militar. Em São Paulo, particularmente, o fato de não estar vinculada nem a centro acadêmico nem a cineclube também reforça seu caráter independente.

A seleção dos assuntos e matérias era bastante livre, tanto na fase carioca quanto na fase paulista. Sobre o período carioca, Henrique Faulhaber disse que o núcleo principal da revista era composto por ele, Luís Paulo Seroa e José Manuel Seixas. Os outros participantes, em sua maioria, colaboravam com a revista a partir de convites para um ou outro número específico. Faulhaber afirmou que não havia uma linha editorial definida. Ele inclusive usa o termo “revista de artigos assinados”. Conduzida por esse grupo principal, as reuniões de pauta definiam o que seria publicado a partir do interesse de cada um e levando em consideração a seguinte questão, “quem que a gente conhece e pode chamar para escrever?” Disso decorre o grande número de colaboradores que a revista apresentou desde o seu início.

Em São Paulo, também havia um núcleo principal. Muitas pessoas colaboravam e participavam da Cine-Olho. No entanto, segundo Carlos Nascimbeni, a revista era mobilizada de fato por ele, Rubens Machado, Vinícius Dantas, Genulino José Santos (conhecido como “Pinho”) e João Abdalla14. Diferente do que acontecia no Rio de Janeiro, a equipe paulista da Cine-Olho é maior e mais ou menos constante. Ainda que existam colaboradores, os créditos dos números 4, 5/6 e 8/9 informa quem são as pessoas que compõem a equipe editorial, a editoria de arte, a equipe responsável pelas

14 Ambos não foram entrevistados, pois não constavam nos créditos da revista como editores. Sendo este o nosso parâmetro inicial, eles não foram incluídos na primeira lista de entrevistados. Como Carlos Nascimbeni, que citou seus nomes, foi uma das últimas pessoas com quem conversamos, não houve tempo hábil para contatá-los.

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fotografias, quem são os revisores. Esse volume maior de pessoas, bem como a divisão em equipes especializadas, se relaciona com dois dados fundamentais da fase paulista: o fato da revista estar localizada na ECA e dela buscar a interdisciplinaridade, já mencionada.

Além da participação de estudantes de outros cursos – arquitetura especialmente –, a configuração da ECA no período foi muito importante. Na época, a Escola de Comunicações e Artes15 formava comunicadores sociais. Todos os alunos cursavam dois anos básicos e nos dois anos restantes faziam sua habilitação em áreas específicas: jornalismo,

cinema, etc. Ou seja, existia na ECA uma grande integração entre estudantes de diferentes áreas, e, ao mesmo tempo, uma expansão de interesses que não se limitava apenas à habilitação escolhida. Carlos Nascimbeni comenta que a revista passou por um “upgrade” quando veio para São Paulo, porque na ECA havia uma infraestrutura que permitiu isso: “por estarmos na USP, termos infra-estrutura, ou seja, tinha o pessoal do jornalismo (...). Então, tinha, por exemplo, a Eliana Paiva, que fazia artes plásticas, mas que fez toda a parte de diagramação, deu muita coisa. Tinha o próprio pessoal do jornalismo que faziam também seus jornais independentes (...). Então todo esse pessoal era tudo junto, tinha um caldo de cultura na época, de pessoas muito especiais que depois despontaram nas suas áreas, se tornaram importantes, fizeram coisas importantes, mas que, na época, tava ali fazendo...então, a gente trouxe a Cine-Olho para São Paulo e deu um upgrade” (NETO, 2011).

A escolha do material a ser publicado também era livre, assim como no Rio de Janeiro. Nascimbeni disse que tudo era absolutamente aberto: cada um apresentava uma proposta de acordo com o que lhe interessava no momento. Os temas eram escolhidos por meio de votação. Não havia uma linha editorial. Existiam, porém, algumas ideias principais que eram, em geral, um senso comum entre os membros da Cine-Olho. Era o caso da preferência ao cinema marginal, a Eisenstein e Godard.

José Roberto Sadek usa o termo “anarquia” para se referir à organização da Cine-Olho. Ele inclusive sugere que esse foi o motivo pelo qual a revista terminou. Nascimbeni também usa o termo, mas atenta: “Era um pouco anárquico no sentido verdadeiro do termo anarquista, porque a palavra anarquista é confundida com bagunça, confusão. Não, anarquista de verdade”. (NETO, 2011)

• Fim da revista

Os motivos de término da Cine-Olho não são claros. Alguns entrevistados não souberam responder, outros disseram que o que ocorreu foi um movimento de dispersão natural em ocasião da formatura na faculdade. José Roberto Sadek, de forma bem humorada, disse que estava presente na última reunião da revista e se lembrava

15 A Escola de Comunicações Culturais (ECC) foi fundada em 1966 por decreto do então Governador do Estado Laudo Natel e do reitor Gama e Silva. Em 1970, com a introdução dos cursos de Música e Artes Plásticas, o nome da instituição foi mudado para Escola de Comunicações e Artes (ECA).

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exatamente do que aconteceu: “O pessoal foi dispersando, mas eu lembro que eu participei desse último capítulo. Porque chegou uma hora que a gente falou assim: ‘então tá, então vamos rodar o próximo’. Aí virou um e falou assim: ‘cadê a grana?’. Aí outro falou: ‘tava com você’. E o primeiro respondeu: ‘não, comigo não tá’. De repente, o dinheiro não tava com ninguém. Vai que sumiram com o dinheiro, mas não. Era tanta bagunça que alguém achava que o dinheiro tava com outro alguém e não tava. E quando viu, não tinha grana para rodar o próximo número. Aí a gente: ‘então chega, pronto’. Ficou todo mundo bravo e foi embora. (...) Foi mais um funcionamento anarquizado nosso; não tinha um editor chefe, não tinha o empresário, não tinha o coordenador. Era tudo meio coletivo e aí não deu muito certo né” (NETO, 2011).

3.3. Crítica e História na Cine-Olho

No relatório anteriormente apresentado, procuramos identificar de que forma a crítica de cinema na Cine-Olho se diferenciava da chamada “crítica oficial”, recuperando, para isso, o histórico de formação do crítico brasileiro. Na análise, utilizamos muito o livro de Jean-Claude Bernardet, Cinema Brasileiro: propostas para uma história. Essa escolha se justifica pela significativa participação do autor na crítica de cinema da época, não só na própria Cine-Olho – da qual foi membro –, mas também em importantes jornais como o Opinião (semanário publicado entre 1972 e 1977) e o Movimento (semanário publicado entre 1975 e 1981). Além disso, o fato de sua análise ter sido escrita durante a década de 1970 ajuda numa aproximação com o objeto e a época estudados (o ensaio de Bernardet foi originalmente publicado em 1979).

Em Cinema Brasileiro: propostas para uma história, Bernardet traça um breve panorama da formação do crítico brasileiro. O ponto de partida do seu texto é a influência colonizadora no país. A partir desse dado fundamental, ele enumera as principais consequências da presença estrangeira na cinematografia brasileira e na formação do crítico de cinema.

Bernardet descreve um tipo metodologia crítica oriunda dessa presença. O autor diz que falar essencialmente de filmes estrangeiros coloca o crítico numa certa zona de conforto, isso porque “o filme comentado reveste-se de um caráter, digamos, abstrato, pelo simples fato de que o crítico fica alheio ao contexto social, cultural e cinematográfico que gerou o filme”, além do que “o texto que o crítico elabora não vai repercutir sobre o contexto que gerou o filme” (BERNARDET, 2009, p. 33-34). Escrever prioritariamente sobre o cinema que vem de fora cria essa zona de conforto e gera também certos vícios: tirando o filme do seu contexto histórico cultural, o que resta é uma metodologia crítica que “acaba sendo a afirmação de um gosto (que não é questionado), a afirmação de uma estética normativa (...). E isso é geralmente feito através de uma mecânica que reproduza, sem que o crítico o perceba, a divisão de trabalho numa grande empresa capitalista cinematográfica. Divide-se o filme em níveis e avalia-se separadamente cada nível: a fotografia, a interpretação, o argumento etc. O filme será melhor ou pior conforme a média que obtiver da cotação atribuída a cada

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nível” (BERNARDET, 2009, p. 34). Chamamos de vício, porque esse tipo de comportamento, despendido a um tipo de produção, torna-se regra, estendendo-se à produção nacional. O crítico age como se não pertencesse ao contexto que gerou o filme que ele comenta. E é aí que o cinema brasileiro coloca ao crítico uma provocação, um desafio, afinal, “queiram ou não os críticos, a realidade cinematográfica e cultural os pressiona” (BERNARDET, 2009, p. 35). Jean-Claude ainda comenta que a Vera Cruz conseguiu, em dado momento, fazer com que a crítica assumisse um papel mais ativo. Mas para ele, foi só com o Cinema Novo que a crítica ficou de fato abalada.

Ainda que o nosso material de pesquisa seja totalmente dedicado ao cinema, ocupando dentro da imprensa um papel bem específico, o texto de Bernardet, tratando da crítica de forma geral (aquela vinculada na grande mídia), ajuda a entender a formação do crítico de cinema no período, o que o antecedeu, quem ele é e de quais ferramentas dispõe para fazer sua análise. Ainda sobre esse histórico de formação e os desdobramentos da colonização no Brasil, Bernardet atenta para o fato de que, historicamente, as camadas de maior poder aquisitivo, cuja capacidade de assimilação das informações culturais era maior, ficaram frequentemente a mercê da pressão que a produção externa exercia. Existia na elite dominante um forte e arraigado “complexo de inferioridade”, que julgou o cinema brasileiro como mal sucedido, de má qualidade.

A partir daí, ele fala do papel da crítica nesse contexto: “Certamente que a crítica poderia ter tido a função de sacudir essa elite insegura. Mas, ao contrário, a tendência é ela reforçar o mecanismo”. É preciso entender que no início do cinema no país não existiam cursos na área, nem sequer um significativo número de filmes brasileiros em exibição (em comparação com a penetração da cinematografia estrangeira). Diante disso, Bernardet afirma que, nos jornais, especificamente na grande imprensa, “o crítico ocupa posição mais do que secundária, o cinema não é assunto essencial para o jornal” (BERNARDET, 2009, p. 33). Apesar do autor não entrar em detalhes, é importante observar que mesmo na chamada imprensa alternativa isso acontecia. Portanto, relegada a essa posição desimportante, as críticas eram escritas por jornalistas que acumulavam outras atividades. Na falta de profissionalização, o amador de cinema (no sentido daquele que aprecia cinema) se transformava em crítico; um crítico limitado em função da impossibilidade de exclusiva dedicação. Mas se a crítica recebia tão pouca atenção, então porque se dar o trabalho de produzi-la e publicá-la? As redações, guiadas pelos interesses dos exibidores e distribuidores, atribuíam à critica a seguinte função: “orientar o espectador médio para o consumo” (BERNARDET, 2009, p. 33). E a metodologia usada, como já comentamos, segue essa lógica, não aprofundando a análise a um nível teórico-reflexivo.

• A Cine- Olho entra em cena

Como já foi dito, a revista nasceu na PUC do Rio de Janeiro, em 1976, numa época em que os cursos universitários de cinema começavam a se consolidar (o curso superior de cinema da UnB, o primeiro do Brasil, foi fundado em 1965 por Paulo Emílio Salles

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Gomes). É nesse contexto que temos a Cine-Olho, uma publicação essencialmente estudantil e independente. Sem se isentar, o jornal/revista (começa como jornal, mas partir do 5º/6º volumes se auto-intitula “revista de cinema”) vai na contramão, aproximando crítico/realizador. É expresso um desejo de falar sobre cinema, mas também de produzir filmes (aqui é clara a influência da prestigiada publicação francesa Cahiers du Cinéma). Não à toa, assim como na nouvelle vague, os cinemanovistas começaram como críticos para depois se tornarem cineastas. Essa é uma prática que também observamos na Cine-Olho – alguns membros da revista, como Fernando Meirelles e Roberto Moreira, seguiram esse percurso.

A Cine-Olho, por se tratar de uma imprensa alternativa, ligada ao cineclubismo, já apresenta por si só algumas diferenças básicas em relação à “crítica oficial” descrita por Bernardet. Na Cine-Olho, por exemplo, identificamos um comprometimento com os novos rumos do cinema nacional, que não é evitado, mas sim, requisitado. No primeiro número da publicação, na matéria intitulada Veias da Consciência, Luiz Rosemberg Filho16 reflete sobre sua condição de pensador e realizador. Diz que o cineasta – bem como a crítica e os pensadores de cinema – “não pode ser passivo diante de tanta mentira”, diante da alienação imposta pela classe dominante. Ele assume a responsabilidade que lhe cabe, terminando o texto da seguinte forma: “posso vir a fazer filmes ruins, mas jamais traidores de uma causa que já está nas próprias veias da consciência” (CINE-OLHO n.1, 1976, p. 8).

No segundo número há uma discussão bem intensa em relação ao apoio irrestrito ao cinema nacional, especialmente em relação à programação dos cineclubes. Há discordâncias, mas a opinião que parece prevalecer é a expressa pelo próprio Jean-Claude Bernardet em uma entrevista concedida a Cine-Olho, intitulada Papo com Jean-Claude Barnardet. Para ele, a exibição de filmes brasileiros não deve fazer parte de uma “posição decididamente nacionalista”, mas sim, “no sentido de que estes filmes estão sendo produzidos na sociedade na qual vivemos; então, eles possibilitam ao espectador um relacionamento que outros filmes não possibilitam”. Assistir a um filme nacional, pertencente ao corpo social do qual o espectador faz parte, é uma experiência que acaba acarretando uma certa responsabilidade para quem assiste (CINE-OLHO n.2, 1977, p. 6). Reiterando, temos a posição de outro texto, publicado no mesmo número (Nacional e Popular, de Carlão – ECA): para ele, proteger o cinema nacional não significa barrar todo e qualquer filme estrangeiro: “não há que ter medo do que vem de fora, há que ter força e preparo para não ser engolido pela máquina que propositadamente mistura o joio do trigo” (CINE-OLHO n.2, 1977, p. 7).

Pontuamos que a Cine-Olho atuava de forma a propor um tipo de análise na qual o crítico se envolvia com o filme analisado de maneira profunda, chegando a, inclusive, resultar em uma subjetivação do texto. Nos números 5/6 da revista, há um bom exemplo

16 Luiz Rosemberg Filho é cineasta, escritor e artista plástico na cidade do Rio de Janeiro. Atualmente escreve para o site http://www.viapolitica.com.br/ e esta finalizando seu novo filme: Por que não misturar Oswald de Andrade com Lewis Carrol? Glauber Rocha com Walter Benjamin? Brecht com Godard?

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disso. Em um conjunto de textos sobre filmes de Júlio Bressane17, João Silvério Trevisan18 diz: “Sinto minha literatura como coisa muito certinha. Até mesmo bem-comportada. O filme me reavivou essa sensação iconoclasta de oito anos atrás”; “O Anjo Nasceu é um filme maldito, niilista, suicida e estraçalhador. Me deu dor de estômago”; “Revi Matou a Família e Foi ao Cinema – após quase dez anos. Vi nele elementos biográficos de minha própria geração e, senão ‘autobiográficos’ meus, pelo menos traços que me são muito familiares” (CINE-OLHO n.5/6, Naturezas mortas de um diário: Júlio Bressane is alive, 1979, p. 61-59) .

Confrontando a Cine-Olho e a “crítica oficial”, identificamos muitas características opostas que nos levam a crer que a revista, de forma geral, enxergava com ressalva a crítica publicada na grande imprensa. Um forte indício que comprova essa afirmação está no 4º número da Cine-Olho. No texto Coador Invsível, Fernando Mesquita19 mostra claramente de quais dispositivos a grande mídia, orientada pelo poder dominante, se utiliza para cercear aquilo que não se encaixa no “aceitável”. O autor desmonta, minuciosamente, toda a manipulação feita pelo “copidesque” da Isto É sobre uma crítica escrita por ele a respeito do filme Delírios De Um Anormal (1978), de José Mojica Marins20. A matéria traz a crítica na íntegra e a editada, publicada na Isto É. Fernando Mesquita compara os dois textos, denunciando e, ao mesmo tempo, reiterando o seu direito de expressão. Por fim, declara: “Cine-Olho não copidesca” (CINE-OLHO n.4, 1979, p. 9).

Esse exemplo reafirma o caráter alternativo da publicação, mostrando claramente a sua oposição à grande imprensa. Enquanto a Isto É leva a cabo às orientações do poder dominante, cortando e editando o texto de Fernando Mesquita, a Cine-Olho publica o texto original e denuncia o ato de autocensura.

Quando questionados sobre o que achavam da crítica de cinema da época e de que forma a revista se colocava diante disso, os entrevistados deram respostas diferentes. Vinícius Dantas disse que a Cine-Olho era uma revista de pessoas que não tinham onde 17 Júlio Bressane é cineasta no Rio de Janeiro. Ele é ícone do Cinema Marginal brasileiro que existiu entre as décadas de 1960 e 1970. Em 1970, fundou a Belair Filmes em sociedade com o também cineasta Rogério Sganzerla. Já dirigiu 26 longas-metragens. A metalinguagem, um cinema que fala de cinema, é recorrente em seu trabalho. Seu penúltimo filme, Cleópatra (2007), foi premiado como melhor filme do 40º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. 18 João Silvério Trevisan é um romancista, contista, ensaísta, roteirista, cineasta e tradutor brasileiro. Participa ativamente em defesa da causa gay. Em 1971, escreveu e dirigiu o longa-metragem Orgia ou O homem que deu cria. Em 1978, fundou o jornal temático Lampião da Esquina, para integrar pontos de vista não somente de homossexuais, mas também de outros grupos excluídos. Entre 1998 e 2005 realizou uma série de oficinas literárias para o Serviço Social do Comércio de São Paulo – Sesc/SP. 19 Fernando Meirelles descreve Fernando Mesquita da seguinte forma: “Havia, no grupo de colaboradores da Cine-Olho, um articulista muito especial. Era o Fernando Mesquita, espécie de guru, ex-guerrilheiro ou algo assim, fumador de maconha inveterado, leitor apaixonado de Jean Baudrillard” (CAETANO, 2007, p. 60) 20 José Mojica Marins é um cineasta, ator, roteirista de cinema e televisão brasileiro. Mojica também é chamado de Zé do Caixão, seu personagem mais famoso. Embora Mojica seja conhecido principalmente como diretor de cinema de terror, teve trabalhos anteriores cujos gêneros variavam entre faroestes, dramas, filmes de aventura, dentre outros, incluindo a pornochanchada. Mojica desenvolveu um estilo próprio de filmar que, inicialmente desprezado pela crítica nacional, passou a ser reverenciado após seus filmes começarem a ser considerados cult no circuito internacional.

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escrever e, de certa forma, não estavam ainda enquadradas em nenhum tipo de prática de escrita vigente. Ele completa: “nós não fazíamos teses, nós não estávamos na imprensa, não escrevíamos e tínhamos dificuldades de seguir o padrão geral” (NETO, 2011). Rubens Machado, por sua vez, fala de uma despreocupação em relação ao assunto. Os membros da revista não tinham a idéia de revolucionar a crítica no país. Havia um interesse por cinema, mas também uma grande despretensão Ele diz que o que existia “era uma noção difusa que todo mundo mais ou menos encampava de que a mídia na época da ditadura era indústria cultural no pior sentido. (...) Nesse sentido, a gente não tinha tanto interesse como passou a ter mais tarde, mas muito mais tarde, depois da revista. Tanto que o Jairo Ferreira21, por exemplo, eu cheguei a convidar para vir em algumas reuniões da revista e muita gente era contra porque ele era da Folha de São Paulo” (NETO, 2011). Corroborando com o que apontamos sobre o envolvimento direto entre crítico/objeto e a subjetivação do texto na Cine-Olho, Fernando Meirelles diz que a revista defendia uma “cinema mais poético” em oposição à crítica ideologizada dos anos 70. Já Carlos Nascimbeni contradiz um pouco os colegas. Para ele, os membros da Cine-Olho tinham a pretensão sim de se tornarem críticos, alguns mais seriamente, mas tinham.

De forma geral, as entrevistas nos levaram a conclusão de que a crítica de cinema ocupava sim um espaço importante dentro da revista, mas não de forma sistemática e necessariamente planejada.

• História do cinema brasileiro do período

Para entender o que se criticava na revista e as posições adotadas sobre determinados filmes, entre outros aspectos, tentaremos traçar um breve panorama da história do cinema brasileiro do período.

O golpe militar atinge o cinema no momento de sua plena ascensão e explosão criativa com o Cinema Novo. A partir de 1964, o novo cenário político atravessa o caminho dos cinemanovistas, impondo-lhes redefinições. Alguns cineastas se ocupam em abordar a atualidade política. Filmes como O Desafio (Paulo César Saraceni, 1965), A Derrota (Mário Fiorani, 1967), Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967), Fome de Amor (Nelson Pereira dos Santos, 1968) e O Bravo Guerreiro (Gustavo Dahl, 1968) são exemplos cuja temática é, ainda que velada em alguns casos, o golpe militar e a derrota das esquerdas. Outros, procuram retratar a alienação do povo oprimido sob o prisma da passividade política. Filmes com tom mais agressivo persistem, no entanto, muitos abrandam o discurso político tentando conciliá-lo com os mesmos temas da militância pré-1964 (sertão, favela, pobreza, migração, marginalismo, etc). Exemplo dessa tentativa é o filme A Grande Cidade (Cacá Diegues, 1965).

21 Jairo Ferreira foi crítico, cineasta, ator, fotógrafo de cena e jornalista. Como crítico, foi muito ligado ao Cinema Marginal e à estética do lixo. Em 1986 publicou o livro Cinema de Invenção (primeira edição da Max Limonad, em 1986, reeditado pela Limiar, em 2000).

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Filmes como São Paulo/SA (Luis Sérgio Person, 1965) e Opinião Pública (Jabor, 1967) dão destaque ao urbano e às classes médias em oposição ao ambiente rural e sertanista até então retratado pelo Cinema Novo: “Se o povo não é o povo revolucionário que se deseja, a classe média é observada de modo implacável, deve ser castigada pelo apoio que deu ao golpe. O cineasta quer a conquista do público, mas exorciza na tela um ressentimento em que se coloca diante do mesmo público numa linha de agressão” (XAVIER, 2006, p. 63). Em meio a esses sentimentos contraditórios e a uma nítida oscilação na postura do Cinema Novo, nasce a “terapia do choque” e toda uma “estética do lixo” cujo lema é: “Se o sentimento do artista é a impotência, a resposta é a ironia absoluta” (XAVIER, 2006, p. 66). O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, inspira uma torrente de filmes cuja violência, agressividade e humor dão o tom do que foi a Boca do Lixo (ou Cinema Marginal) – 1969/73.

Esse é o contexto de surgimento da Cine-Olho, que tem sua primeira edição em 1976, no Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ. Não à toa, em consonância com essas inquietações, na revista é forte um certo ranço em relação ao cinemanovistas bem como uma exaltação do Cinema Marginal. Participantes da Cine-Olho como João Silvério Trevisan e Luiz Rozemberg Filho são citados com destaque quando o assunto é Boca do Lixo. Trevisan fez Orgia ou o Homem que Deu Cria (1971) e Rozemberg, Jardim de Espumas (1970), ambos filmes importantes. Ronald F. Monteiro fala dos filmes “udigrudi” de forma geral, mas o comentário é especialmente certeiro no caso desses dois filmes: “exorcização de alguns fantasmas e a tentativa de substituição do poder. Em seus filmes às vezes herméticos, as idéias, bem ou mal resolvidas, referiam-se a desejos íntimos, quem sabe até, às vezes, inconscientes, sem exclusão das relações sociais e das tensões a partir daí provocadas”. (MONTEIRO, 1979-1980, p.123)

Na segunda metade da década de 70, mais ou menos com fim do Governo Médici, o cinema marginal já perdera fôlego enquanto movimento: seus membros se dispersaram em busca de interesses individuais. O Cinema Novo deixou de ser prioritariamente uma estética e passou a formar um grupo hegemônico junto a Embrafilme, configurando o chamado cinemão – projeto de mercado aliado às orientações do poder político dominante. Em contrapartida, havia uma produção alternativa que sobrevivia à margem dos incentivos públicos. Nesse período, filmes muito diferentes entre si são produzidos: de Xica da Silva (Diegues, 1976) a Agonia (Júlio Bressane, 1978) e Ladrões de Cinema (Fernando Cony Campos, 1978).

• Algumas considerações sobre a atuação de Paulo Emílio na ECA

A semiologia, como foi dito, era a metodologia de análise que se destacava na época. No entanto, como Jean-Claude Bernardet apontou, Paulo Emilio22 foi uma

22 Paulo Emílio Salles Gomes foi um historiador, crítico de cinema e militante político brasileiro. Ainda muito jovem começou a participar ativamente da vida política e cultural da cidade de São Paulo e, com

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exceção à regra. Como professor da ECA, ele foi fundamental no surgimento e consolidação de um tipo de pensamento crítico que é reconhecidamente pertinente: o cinema para ele era uma arma de resistência e revanche cultural na luta contra a ocupação colonial e estrangeira das telas e das consciências.

Ismail Xavier cita um episódio que exemplifica bem a atuação de Paulo Emílio comentada por Bernardet. Ismail nos contou que quando estava no segundo ano do curso de cinema (1968), Paulo Emílio, que na época era professor da ECA, fora convidado para escrever críticas no Diário da Noite23. Ele recusou o convite, mas em conversa com seus colegas docentes Jean-Claude Bernardet e Rudá de Andrade24, viu na proposta um bom exercício para oferecer aos seus alunos do curso de cinema. Joaquim Pinto Nazário, que era chefe de redação do Diário e muito amigo de Paulo Emílio, aceitou a troca. Dessa forma, Ismail e seus colegas de turma passaram a produzir críticas de cinema para o Diário da Noite.

Isso já mostra uma mudança de perfil do crítico, que deixa de ser um jornalista que acumula funções para ser alguém com formação universitária em cinema, com bagagem teórica específica. Ismail Xavier também citou outros críticos com os quais teve contato na época. Entre eles, Rogério Sganzerla (também cineasta), Paulo Ramos (que escrevia na Folha de São Paulo e era muito próximo à Sganzerla) e Antônio Lima (natural de Minas Gerais e crítico do Jornal da Tarde). Ismail atentou para o fato de que a geração dele, bem como a da revista, era muito próxima da crítica.

O depoimento de Ismail Xavier reflete um tipo de iniciativa que é coerente com o papel crítico/teórico da Cine-Olho. A revista foi um canal importante para que um grupo de estudantes, de forma descompromissada e despretensiosa, pudesse expressar qual era a sua visão de cinema.

sua atuação e seus escritos, abriu novas perspectivas para a crítica cinematográfica no Brasil. Em 1965 criou o primeiro curso superior de cinema, na Universidade de Brasília, iniciativa infelizmente encerrada por causa da cassação de vários professores. Três anos depois, tornou-se professor de História do Cinema Brasileiro no curso de cinema da Escola de Comunicações e Artes da USP. Foi casado com a escritora Lygia Fagundes Telles. Ele também é um dos fundadores da Cinemateca Brasileira, surgida em 1940 a partir da criação do Clube de Cinema de São Paulo. 23 Jornal do grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Na época, era muito popular em São Paulo. 24 Rudá de Andrade foi um cineasta e escritor, filho de Oswald de Andrade e Patrícia Galvão. Rudá formou-se em cinema na Itália, onde trabalhou com Vittorio de Sica. Foi também um dos criadores do Museu da Imagem e do Som (MIS), que dirigiu entre 1970 e 1981. Na década de 1960, participou da fundação do curso de cinema da Universidade de São Paulo, onde lecionaria durante dez anos. Foi conservador da Cinemateca Brasileira, da qual era também conselheiro.

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3.4. O cineclubismo na Cine-Olho

“Os cineclubes têm uma história própria, que liga a evolução do seu trabalho às diferentes situações nacionais, culturais e políticas em que se desenvolvem. (...) Os cineclubes surgiram nitidamente em resposta a necessidades que o cinema comercial não atendia, num momento histórico preciso; assumiram diferentes práticas conforme o desenvolvimento das sociedades em que se instalaram; mas assumiram uma forma de organização institucional única que os distingue de qualquer outra.”

Felipe Macedo, 2004

Felipe Macedo é um importante cineclubista do período estudado. À época (1977), ele era presidente interino do Conselho Nacional de Cineclubes e responsável pela Dinafilmes (distribuidora de filmes do movimento cineclubista, criada como um órgão no CNC). Sua significativa participação como membro atuante e estudioso da atividade, que se estende até os dias de hoje, é um dos motivos pelos quais seu nome está presente na discussão. Além disso, ele é citado com destaque na Cine-Olho.

Como o texto de Felipe Macedo antecipa, o cineclube é um tipo de organização bastante específica, que se caracteriza por três importantes itens: é uma atividade sem fins lucrativos, comprometida com valores culturais e/ou éticos (não é regra; varia de cineclube para cineclube) e de estrutura necessariamente democrática. Cada um desses itens reflete de uma forma ou de outra na atuação cineclubista, portanto, é importante entendê-los.

A falta de compromisso com o lucro libera o cineclube das pressões exercidas pelo mercado cinematográfico. Dessa forma, a repetição de fórmulas e experiências (ato típico da ação comercial) não se aplica a ele. Liberado do status quo, o cineclube, ainda que produza algum tipo de lucro, reverte esse capital para a própria atividade. Assim, Felipe Macedo afirma: “o cineclube não é uma instituição capitalista”.

A estrutura democrática do cineclube implica em regulares trocas de dirigentes. Isso confere a instituição uma versatilidade que Felipe Macedo descreve da seguinte forma: “Creio que é isso que lhes dá uma grande mobilidade e adaptabilidade, historicamente e nos mais diversos ambientes sociais. Os cineclubes têm uma característica orgânica que lhes permite superar a estagnação”.

Por fim, temos a associação do cineclube a um desejo de mobilização política, cultural, estética, etc. Enfim, seu papel como agente social. Ainda que assumir esse papel não seja uma obrigatoriedade, tal característica está nas raízes da sua origem como instituição: “os cineclubes comparecem como organizações atuantes, que foram fundamentais para a formação de núcleos de discussão intelectual sobre cinema em diversos lugares do mundo” (GUSMÃO, 2007, p. 168).

No Brasil, não foi diferente: “os cineclubes também se estruturaram como espaços de aprendizados e de formação cultural desde o seu início” (SILVA, 2009, p. 142). Oficialmente, o primeiro cineclube brasileiro data de 1928. O Chaplin Club foi

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fundando no Rio de Janeiro por Plínio Sussekind, Otávio de Faria, Almir Castro e Cláudio Melo. Dentre seus ilustres membros estão Vinícius de Moraes e Mário Peixoto. Além do cineclube, a atividade de discussão e exibição proposta pelo grupo se estendeu a uma revista, O Fan. Como podemos ver, a Cine-Olho tem precursores.

Além disso, para situar, é importante entender a dimensão política da época estudada. Nos anos 70, o regime militar instaurou a censura nos meios de comunicação. Optar pelo cineclubismo era também uma forma de criar um espaço cultural não controlado pelo Estado.

• O reflexo da atividade cineclubista na Cine-Olho

Como concluído no relatório parcial anteriormente apresentado, a Cine-Olho se identifica muito com a atividade cineclubista, especialmente no que diz respeito à sua origem: seus membros fundadores faziam parte do cineclube do Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ. Matérias como Sugestão Infeliz, que critica a Federação de Cineclubes, e Censura ao curta-metragem, que denuncia a ação de censura ocorrida no próprio CAC da PUC em setembro de 1977, mostram a grande preocupação da Cine-Olho com a atividade (CINE-OLHO n.3, 1977, p. 3). De forma geral, a leitura das revistas, particularmente dos números produzidos na fase carioca, nos levaram a crer que o cineclubismo não se restringia em ser simplesmente objeto de análise em matérias, ele era também elemento fundante, base do código genético da Cine-Olho.

Felipe Macedo aponta, a propósito dos cineclubes: “Não raro, são as sementes que chegam à floração de cineastas e outros artistas; crescem como instituições, transformando-se em museus, cinematecas, centros de produção; criam o caldo de cultura para mudanças culturais, comportamentais, para a geração de movimentos sociais. Os cineclubes produzem e modificam a cultura” (MACEDO, 2004). É exatamente desse “caldo de cultura” que surge a Cine-Olho. O texto de apresentação do primeiro número da revista25 confirma a afirmação anterior: “Cine-Olho surge com a necessidade de complementar as atividades do CAC (...). A possibilidade de estabelecer uma discussão ampla sobre Cinema (e não somente FILMES) nos parece gratificante” (CINE-OLHO n.1, 1976, p. 2).

Retomando a crítica de cinema na revista, é bastante coerente que o cineclube, sendo um espaço que fomenta o debate e a reflexão, desempenhe papel determinante também nesse aspecto: “As análises sobre o surgimento dos cineclubes revelam o fato de que, desde o início, esses espaços proporcionaram muito mais do que exibições e comentários de obras cinematográficas. Foi nessa ambiência que, muitas vezes, se desenvolveu uma sólida prática de crítica cinematográfica” (SILVA, 2009, p. 142).

25 O texto de apresentação é assinado pelo Centro de Artes Cinematográficas. Não há informações quanto à equipe editorial.

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Além disso, o fator cineclubista é um dos responsáveis pela profissionalização do crítico de cinema. Mais uma vez, em oposição ao jornalista da crítica “oficial”, que acumula funções, a Cine-Olho tem o benefício de contar com escritores que ao mesmo tempo são cineclubistas. Essas pessoas “ao fazer da prática de ver filme um habitus, uma profissão, uma atividade que ocupa parte importante da existência, vivida e compartilhada em grupo”, se tornam os agentes sociais quem mobilizam “saberes e gostos que, conjuntamente, dão significado a um processo social” (SILVA, 2009, p. 142).

Os números 2 e 3 da Cine-Olho dedicam especial atenção ao cineclubismo. Há significativas críticas a Federação de Cineclubes, além de uma auto-reflexão que questiona se a atuação cineclubista tem sido suficientemente produtiva. Uma crítica em especial é bastante curiosa, pois se dirige ao próprio Felipe Macedo, já citado anteriormente. À época, ele era presidente interino do Conselho Nacional de Cineclubes e responsável pela Dinafilmes (distribuidora de filmes do movimento cineclubista, criada como um órgão no CNC). Em matéria ao jornal Folha de São Paulo – Estão roubando a bilheteria do Cinema Nacional (11/7/1977), Felipe Macedo disse: “A Embrafilme poderia utilizar os quadros dos Cineclubes do Interior (...) para participar da fiscalização”. A matéria da Cine-Olho, intitulada Sugestão Infeliz, acha a idéia muito ruim e critica à cúpula dirigente do movimento, acreditando que, erroneamente, ela está defendendo o cinema industrial brasileiro. Para o jornal/revista, os cineclubes “rebaixados a função de exibidores agora são oferecidos para fiscalizar”, transformando-se em “mão de obra barata (senão de graça) dos interesses industriais” (CINE-OLHO n.3, 1977, p.3).

2.4.1. O cineclubismo na Cine-Olho: uma nova leitura

Durante as entrevistas, fizemos algumas descobertas. Já na leitura dos números publicados, foi possível perceber que com a vinda para São Paulo o assunto deixou de ter tanto destaque. Com os depoimentos então, essa constatação não só se reafirmou como outras dúvidas foram esclarecidas. Pessoas como Roberto Moreira, que na época era aluno secundarista e que só entrou na revista mais tardiamente, quando ela já se encontrava em São Paulo, disse: “Eu sei da origem cineclubista no Rio, mas quando eu entrei o cineclube já era o de menos. (...) Na época da revista, eu não freqüentava o cineclube. Eles também já não faziam mais cineclube. Mesmo o cineclube aqui da ECA não tinha mais” (NETO, 2011). Os membros paulistas, cuja participação coincide com a de Roberto Moreira, deram respostas diversas. Alguns freqüentavam o cineclube e tinham interesse pela atividade, outros não. O cineclube Luz Vermelha da ECA-USP, e os cineclubes da FAU e Poli foram citados com certa freqüência. Porém, de forma geral, o tema parece não receber destaque nesse período da revista (fase paulista), tanto nas publicações em si quanto no cotidiano de boa parte de seus realizadores.

Os depoimentos de Henrique Faulhaber e Carlos Nascimbeni apontam em outra direção, ressaltando a importância do cineclubismo para a Cine-Olho. No entanto, como

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veremos, essa participação se localiza em um período muito específico na história da revista.

Henrique Faulhaber, que estava presente na criação da Cine-Olho e era estudante da PUC-RJ, deu seu depoimento sobre o surgimento da publicação e também sobre a mudança do Rio de Janeiro para São Paulo. Em ambos os momentos, a atividade cineclubista se mostra como um grande espaço de encontro. Diante da pergunta Você acha que a criação da Cine-Olho foi um desdobramento natural do cineclube do CAC (Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ)?, Faulhaber respondeu: “Não. Foi uma iniciativa minha, junto com colegas que faziam parte do cineclube. Porque não era comum um cineclube ter um jornal né. Tanto que causou uma certa atratividade ao pessoal de São Paulo o fato de ter uma revista no Rio de Janeiro vinda do cineclube e tratando de temas cineclubistas. Eu não sei de outro cineclube que tivesse uma revista ou jornal” (NETO, 2011). Já aqui podemos obter uma outra leitura sobre o mesmo fato. Faulhaber afirma que a revista surgiu dentro do cineclube do Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ, mas não considera a Cine-Olho um desdobramento da atividade cineclubista.

Com relação à vinda para São Paulo, Faulhaber disse que essa questão coincide em parte com o movimento cineclubista. O depoimento de Carlos Nascimbeni, que estava presente nessa transição, corrobora o do colega carioca. Os grupos paulista e carioca se conheceram durante a XI Jornada Nacional de Cineclubes realizada em 1977, em Campina Grande, na Paraíba – o encontro, inclusive, é abordado com destaque pelo 2º número da Cine-Olho. Sobre isso, Carlos Nascimbeni pontuou: “Através do movimento cineclubista, nós conhecemos um pessoal do Rio de Janeiro cuja figura principal era o João Lanari, que hoje é diplomata em Brasília. (...) O movimento cineclubista se articulava nacionalmente e nós fomos para Paraíba como oposição. (...) Então a gente foi para a Jornada na Paraíba e o movimento de oposição foi forte, porque nunca tinha existido isso. E aí a gente foi estreitando laços com o pessoal do Rio porque as nossas idéias eram muito próximas. (...) Como eles não estavam conseguindo manter a revista no Rio, manter e fazer e tal, nós trouxemos para São Paulo e por estarmos na USP, termos infra-estrutura, ou seja, tinha o pessoal do jornalismo. (...) A gente trouxe a Cine-Olho para São Paulo e deu um upgrade” (NETO, 2011). Através dessa resposta, podemos concluir que a atividade cineclubista também foi crucial para a mudança do Rio de Janeiro para São Paulo, mais especificamente, da PUC-RJ para a USP. Faulhaber diz que a questão coincide em parte com o movimento cineclubista, isso porque, como argumentou Carlos Nascimbeni, estava difícil de manter a revista na PUC-RJ. O cineclubismo pode não ter sido a causa dessa mudança, mas foi, certamente, a ponte fundamental que impediu, por exemplo, que a revista parasse de ser produzida ainda no Rio de Janeiro, com apenas três números publicados.

Junto do cineclubismo, Rubens Machado aparece como elemento essencial dessa transição. Durante as entrevistas, ele foi muito citado. Em conversa com o próprio, foi possível perceber que dentre os membros da Cine-Olho – ao menos da equipe paulista –, ele foi aquele que mais esteve envolvido na prática cineclubista. Tanto é que a

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maioria dos textos de sua autoria publicados na Cine-Olho dizem respeito ao assunto. Dentre eles está Consciência Cineclubista, que questiona a atual posição dos cineclubes criticando o que ele chama de “verticalização burocrática”, e Chapa Deflagração: Carta Programa, que expressa insatisfação em relação à Federação de Cineclubes e propõe mudanças dando ênfase ao papel cineclubista de debate e “difusão da ação interpretativa” (CINE-OLHO n.3, 1977, p. 3). Este último artigo não está creditado, porém, em entrevista, Rubens Machado disse ser de sua autoria. Ele, que também esteve na XI Jornada Nacional de Cineclubes, foi quem apresentou cariocas da PUC-RJ e paulistas da USP.

Como vimos, de fato o surgimento da Cine-Olho está intimamente ligado ao movimento cineclubista, no entanto, as entrevistas nos deram uma outra dimensão dessa influência na publicação. Mais do que uma bandeira a ser erguida, a atividade foi citada pelos entrevistados essencialmente como um aglutinador de pessoas.

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Anexos

Em anexo, segue o índex das críticas e artigos publicados nos nove números da Cine-Olho (1976-1979) – Anexo I –, cd com o áudio das entrevistas – Anexo II – e as repostas por escrito de Fernando Meirelles – Anexo III.

Fonte de Pesquisa

CINE OLHO. São Paulo, Brasil : Centro de Artes Cinematográficas da PUC-RJ/Kayrós, 1976 - n. 1; 1977 - n. 2-3; 1979 - n. 4-9. Entrevistas com Carlos Nascimbeni, Joel Yamagi, José Roberto Sadek, Luiz Renato Martins, Roberto Moreira, Rubens Machado, Vinícius Dantas, Fernando Meirelles, Henrique Faulhaber e Ismail Xavier, feitas entre março e maio de 2012.

Bibliografia

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Sociais). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador. KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários – nos tempos da imprensa alternativa, São Paulo, Edusp, 2003, 2ª Ed. MACEDO, Felipe, O que é cineclube, lançado durante a Pré Jornada Nacional de Cineclubes, Rio Claro, São Paulo, 2004. Site: http://www.culturadigital.br/cineclubes/rtigos/o-que-e-cineclube, acessado em 28/01/2011. SILVA, Veruska Anacirema Santos da Silva, Cinema e cineclubismo como processos de significação social. 2009. Domínios da Imagem, Londrina, Ano II, n. 4, p. 137-148.

XAVIER, Ismail, Cinema brasileiro moderno, São Paulo, Paz e Terra, 3ª edição, 2006.

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Índex das críticas e artigos publicados: Cine-Olho (1976-1979)

Número 1

- Título: Cine-Olho

- Data: novembro/1976

- Origem da publicação: Centro de Arte Cinematográfica PUC-RJ

- Páginas: 18

- Capa (p. 1):

- Artigos:

1. Texto de apresentação, p. 2

2. Dziga Vertov, organizado e traduzido por Henrique Faulhaber Barbosa, p. 3-6

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O artigo é dividido em dois momentos. A primeira parte apresenta o cineasta Dziga Vertov: quem é, quais são seus filmes mais importantes, características principais de sua obra e artistas influenciados por ele. A segunda, reúne anotações do próprio cineasta datadas de 1922, 1923, 1924 e 1929. O destaque é para o filme O Homem da Câmera (1929).

3. Veias da Consciência, de Luiz Rosemberg Filho, p. 7-8

Luiz Rosemberg Filho reflete sobre sua condição de pensador e realizador de cinema. Comenta a experiência de feitura dos filmes “O Jardim das Espumas”, “Imagens” e “A$suntina das Amérikas”. Diz que quer desconstruir o espetáculo nos moldes do Teatro Épico de Berltot Brecht. Critica a superficialidade da mostra de Cinema Brasileiro: Perspectiva 76. Diz que o realizador – bem como a crítica e os pensadores de cinema – “não pode ser passivo diante de tanta mentira”, diante da alienação imposta pela classe dominante.

4. Chanchada Carioca e Populismo, de Ney Costa Santos Filho, p. 8-10

Começa apresentando a chanchada, fala das suas características popularescas, quando começou, ápice e contexto político (Populismo). Depois, traça uma breve e elogiosa biografia de Oscarito. Encerrando o comentário sobre esse famoso ator, o texto parte da chanchada para descrever um panorama da história do cinema brasileiro moderno, passando pelo Cinema Novo e o Cinema Marginal. Diz que a chanchada vem sendo retomada em filmes recentes como Macunaíma (1969), Vai Trabalhar, Vagabundo (1973), Aventuras Amorosas de um Padeiro (1975) e Guerra Conjugal (1975). Termina dizendo: “ela (chanchada) é talvez o único estilo cinematográfico antropofagicamente brasileiro, permanente, dos pioneiros até as atuais pornochanchadas”.

5. Fazer um filme para mim é viver, de Michelangelo Antonioni traduzido por Luiz Rosemberg Filho, p. 11-13

Reflexões do cineasta Michelangelo Antonioni: fala do surgimento do neo-realismo italiano e de seu estilo pessoal, ao que chamaram de neo-realismo interior. Diz que considera os filmes artísticos “como os vícios de uma produção inteiramente virtuosista, isto é, comercial”. E vai ainda mais longe, dizendo que “a função do vício é manter a virtude dentro dos seus limites”. Reflete sobre a função do diretor, comentando as dificuldades internas de se expressar e as externas, que diz respeito às condições de produção (custos, produtor, distribuição, etc). Conclui: “a função do diretor é aprender a vencer os obstáculos que encontra procurando realizar bem sua profissão”. Termina admitindo ter muito medo do público e dos críticos: gostaria de lhes explicar algumas coisas antes da exibição do filme.

6. Sem título, de Fernando Antonio Di Lorenzo, p. 13-14

Comenta a relação espectador/cineasta após o ato de assistir ao filme. Diz que essa relação, normalmente curta e restrita a uma primeira impressão, deveria ser mais

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aprofundada no sentido de “suprimir agonias internas, a fim de que incitados pela arte lancemo-nos a modificar as demolidoras e cerceantes coisas que nos cercam”.

7. O novo Cinema Novo, de João Batista Lanari, p. 14-15

Começa falando da dificuldade em se escrever sobre cinema; diz que para se elaborar uma boa crítica é preciso levar em conta muitos fatores, daí a dificuldade. Esses fatores são: o contexto histórico dos filmes, qual a formação dos seus realizadores, como eles (realizadores e filmes) se situam dentro da história do cinema nacional, quais foram as condições de produção, como o filme analisado se posiciona frente à situação política da época, etc. Para exemplificar, ele escreve sobre dois filmes, do que ele chama, “novo Cinema Novo”. São eles: Amuleto de Ogum (1974) e Xica da Silva (1976). Recuperando o Cinema Novo e seu contexto de surgimento, além de lembrar a participação da Embrafilme na produção dos filmes analisados, a conclusão é que ambos são “filmes oportunistas”, que não propõem uma reflexão ideológica em seu público.

8. O Cinema na Sociedade Capitalista, texto traduzido do Cahiers du Cinéma por José Almir Carvalho Teixeira, p. 15-18

O artigo começa dizendo que o texto, originalmente, foi encomendado por um organismo cultural a um diretor de cinema para ”fins pedagógicos”. O resultado, no entanto, não agradou e a encomenda foi cancelada. Indo direto para o texto em questão, ele fala da dominação da classe dominante (burguesia), explicando que ela se dá em dois níveis: econômico e ideológico. Primeiro, pontua o filme como uma mercadoria de alto custo, descrevendo o processo industrial de produção. É no controle dos recursos e da distribuição que se dá a dominação econômica. Depois, descreve a dominação ideológica, dizendo que ela se dá quando a classe burguesa trata a “ordem social atual como uma ordem natural, eterna, onde a posição da burguesia nesta ordem é uma posição a desejar e não a impor”. Nos créditos, não há referência sobre a data de publicação do texto na Cahiers du Cinéma.

Número 2

- Título: Cine-Olho, Jornal Bimensal do Centro de Artes Cinematográficas

- Data: Junho/1977

- Origem da Publicação: Centro de Arte Cinematográfica PUC-RJ

- Páginas: 16

- Equipe Editorial: Henrique Faulhaber Barbosa, José Manuel de Seixas, Ney Costa Santos, João Batista Lanari Bó, Luiz Rozemberg Filho, Alberto J. da Costa Tornaghi

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- Colaboradores: Eduardo Martin Widmar, Sérgio D’Ávila Almada, Henrique Antoun, José Almir, Kátia (Cinearte), Tânia Mendes, Sérgio Pantoja, Maria H. de Berenguer Cesar, Isis da Costa Ferreira

- Capa: Tânia Kacelnik

- Diagramação: Henrique Antoun

- Fotografias: Luís Antônio Silveira

- Datilografias: Heloísa Parga

- Preço: Cr$ 10,00

- Capa (p. 1):

- Artigos:

1. Texto de apresentação, Índice e descrição da equipe envolvida na produção da revista, p. 2

2. XI Jornada de Cineclubes em Campina Grande, reportagem de José Manuel Seixas, Henrique Fauehaber e Alberto da Costa Tornaghi, p. 3-5

Artigo fala da XI Jornada de Cineclubes em questão, cujos temas principais foram: a avaliação da atividade cineclubista e a discussão de novas propostas e formas de atuação. O ponto mais polêmico do evento: apoio irrestrito ou não ao cinema brasileiro na programação do cineclube. A Cine-Olho se posiciona dizendo que deve haver maior participação dos cineclubes no processo de discussão e de produção de cinema no

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Brasil, de forma a “interferir de forma criativa na cena cultural”. Os problemas da Jornada, segundo o texto, foram fundamentalmente a falta de organização e a “predominância de um discurso sobre todos os outros”.

3. Política Cultural do Governo - 3ª Comissão técnica da XI Jornada de Cineclubes, Sem créditos, p. 5

O texto fala das relações entre o cineclubismo e os Poderes Públicos e Privados. Diz que a formulação do Estado em relação à produção cinematográfica nacional é oficialmente indefinida, mas na prática, é claramente “dirigista e opressora”. De forma contraditória, tal formulação tem a “intenção de defender a cultura nacional e sua prática de permitir o sufocamento pela produção estrangeira”. Para concluir, diz que o movimento cineclubista “deve levar em consideração essas indefinições e contradições, e, formulando seu projeto cultural, atuar nessa realidade. É importante ter sempre em vista que determinadas formas de brechas forjadas por estas contradições podem constituir-se em manobras oportunistas com o objetivo de neutralizar a ação do movimento.”

4. Papo com Jean Claude Bernardet, Sem créditos, p. 6

Entrevista com Jean Claude Bernardet sobre o movimento cineclubista e suas relações com o cinema brasileiro. O escritor e pensador de cinema considera o problema da infra-estrutura da produção vinculada aos cineclubes universitários; para ele, sem infra-estrutura “não haverá um mercado paralelo e muito menos um mercado paralelo que possa influir sobre a produção, o que me parece uma coisa fundamental, se ele for muito fragmentado”. Quanto à programação dos cineclubes, diz que é “favorável à que tudo seja exibido no cineclube, inclusive pornochanchada”: tanto é necessário levar filmes que trazem informações novas e críticas quanto “filmes ligados ao sistema”, “filmes que sejam do uso comum da sociedade”. Para ele, a exibição de filmes brasileiros não deve fazer parte de uma “posição decididamente nacionalista”, mas sim, “no sentido de que estes filmes estão sendo produzidos na sociedade na qual vivemos; então, eles possibilitam ao espectador um relacionamento que outros filmes não possibilitam”. Assistir a um filme nacional, pertencente ao corpo social do qual o espectador faz parte, é uma experiência que acaba acarretando uma certa responsabilidade para quem assiste. Jean Claude acredita também que o debate é fundamental: “sem isso, o cineclube tende a virar uma sala de projeção. Eu acho que o debate é tão ou mais importante que o filme”.

5. Nacional e Popular, de Carlão - ECA, p. 7

O autor atenta para vários tópicos, entre eles: as contradições da postura de apoio irrestrito ao cinema nacional, o fato de que as questões não são isoladas, mas sim, articuladas entre si. Resolver uma coisa não resolve o problema todo. “não basta abolir a censura e criar o mercado paralelo para que se passe a produzir filmes de qualidade”. Para ele, proteger o cinema nacional não significa barrar todo e qualquer filme estrangeiro: “não há que ter medo do que vem de fora, há que ter força e preparo para

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não ser engolido pela máquina que propositadamente mistura o joio do trigo”. Ele diz que o movimento cineclubista tem a obrigação de colocar essas questões todas e outras mais: “hoje há o risco dos cineclubes caírem numa postura política de meros exibidores (quase), quando a primordial questão que se coloca é a da organização das pessoas interessadas em cinema, formando grupos de estudos, publicando textos, jornais, passando filmes e discutindo, dando continuidade e efervescência ao processo de formação e fortalecimento dos cineclubes que são a razão e a essência do movimento”.

6. Nova Regulamentação do Curta-metragem, de Ney Costa Santos, p. 7

Fala do Decreto-Lei No 6281 de 09/12/75, que “estipula que cada filme estrangeiro deva ser acompanhado de um curta metragem nacional de natureza cultural, técnica, científica e informativa”. Critica alguns pontos do projeto da CONCINE, pois acha que os critérios são subjetivos burocráticos, não contemplando o autor independente. Conclui: “agora é preciso que hajam filmes para ocupar este mercado que vai abrir, a fim de que o curta-metragem saia do gueto de linguagem e exibição e ganhe as salas de todo o Brasil”.

7. Entrevista com Alberto Cavalcanti, de Ney Costa Santos, p. 8-9

Texto inicial apresentando dados sobre a carreira do cineasta. Sua vinda ao Brasil no ano anterior (1976) é em função do filme Um Homem e o Cinema, dirigido por Cavalcanti e financiado pela Embrafilme. A produção “reúne em vários capítulos trechos de sua longa obra no cinema”. Em seguida, temos a entrevista, que aborda alguns pontos como: de que forma o cineasta vê o atual cinema brasileiro, a criação da Embrafilme (“a Embra é um filho meu que não é exatamente como eu tinha sonhado”) e o papel do diretor (“quando eles fizerem um filme, é preciso ajudar, interessar, ensinar o público e se eles não fazem isso, eles não serão realmente diretores”).

8. O prazer como História, como Luta, como Vida, de Luiz Rosemberg Filho, Araras, 1977; p. 10-11

Diz que “o sistema adota, através do cinema, o que precisa para reproduzir-se, como Poder, como Moral, como Ideologia, como Sociedade”. Diante desse cenário, o texto questiona o papel do intelectual e do artista. Falando especificamente do crítico, diz que “se não havia personalidade nos críticos do passado, hoje a coisa se torna pior”. Critica a Embrafilme, dizendo que ela, querendo ou não, é parte de um aparelho de Estado repressivo e autoritário. Para ele, o cinema de sua época não lhe reflete, não revela mais de si pois é composto por saídas fáceis. Dessa forma, é preciso mudar: “um novo cinema, exige hoje, aqui e agora, uma nova postura crítica”. O autor do texto vê a televisão como alienante, chamando-a de “instrumento ideológico do sistema”. Cita a novela Gabriela (1975), da TV Globo. Contrapondo a essa produção, fala de forma elogiosa do filme Os Inconfidentes (1972).

9. Possibilidades de Cinema Independente, de João Lanari, p. 12

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Fala da capacidade do “aparelho ideológico” dominante de se remodelar. Ao discutir as opções estéticas inovadoras, o aparelho o faz internamente: pega os novos elementos e os assimila, para, assim, se revitalizar. Fala da política dos autores e da responsabilidade do cineasta/ autor como agente político. Cita Amuleto de Ogum (1974) como um filme que se rende ao “aparelho” (critica a Embrafilme). Diz que “o projeto de grande público” é mais um obstáculo do “aparelho” ao cinema independente. Por fim, diz que o cinema novo não é mais cinema independente na medida em que “tornou-se mais um veículo do ‘aparelho’”. Para ele, o cinema independente precisa “reconsiderar o ‘aparelho ideológico’ tal como ele se apresenta hoje em dia, e retomar o seu processo criativo, o que, entretanto, será bem mais fácil para quem não era do cinema novo”.

10. Entrevista com Cacá Diegues, realizada por Henrique Faulhaber Barbosa, p. 13-15

As principais questões abordadas são: a participação da Embrafilme na produção cinematográfica nacional, a possível modificação na linha dos filmes realizados pelo grupo do cinema novo, o circuito paralelo e o cinema marginal. Para Cacá Diegues, “os problemas realmente fundamentais do cinema brasileiro são dois; (...) Um é a colonização da economia cinematográfica brasileira (...) E a outra, é a ausência de uma geração emergente no cinema brasileiro”.

11. Iris, p. 16

A) Iracema: Tupy or not tupy, de Sérgio D’Ávila Almada

Denuncia a proibição de exibição do filme Iracema (1976) na Perspectiva do Cinema Brasileiro 77 do MAM.

B) Oportunismo “Subdesenvolvido”, de Sérgio D’Ávila Almada

Fala da ocorrência com o filme Dona Flor e seus dois maridos (1976): em São Paulo foi denunciada a retirada compulsória de Dona Flor do Cine Ipiranga. O público se mobilizou contra a mudança do espetáculo. Diz que, infelizmente, só os jornais “O Estado de São Paulo” e “Jornal da Tarde” divulgaram o fato.

C) Safra-77, de João Lanari

Fala de dois filmes que ele julga ser boas surpresas do ano: Ladrões de Cinema (1977) Gordos e Magros (1977).

D) Inversão de papéis, Sem créditos

Cita um diálogo ocorrido no programa Cinemateca, produzido pela Embrafilme para a TV-E do Rio de Janeiro, num debate sobre a recusa dos filmes brasileiros para o Festival de Cannes. O diálogo foi entre Gustavo Martins (editor chefe da Manchete) e Davi Neves (cineasta). O cineasta, em referência ao cinema novo, diz: “aqueles filmes eram bons, mas não davam dinheiro...”.

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Número 3

- Título: Cine-Olho, Jornal do Centro de Artes Cinematográficas

- Data: Dezembro/1977

- Origem da Publicação: Centro de Arte Cinematográfica PUC-RJ

- Páginas: 24

- Equipe Editorial: Henrique Faulhaber Barbosa, José Manuel Seixas, Ivalda Freitas, Luís Paulo Seroa, Beto Tornaghy, Ney Costa Santos, João Lanari. SÃO PAULO: Rubens Machado Jr., José Teixeira Neto, Carlão, Gordom

- Colaboradores: Joatam Vilela, Sergio Santeiro, Paulo Chaves Fernandes, Luís Rosemberg, Oscar Guilherme, Sergio Peo, Sampaio, Penido, Luís Inacio

- Editoria de Arte: Henrique Antoun, Yvone Dain, Tania Kacelnik

- Fotografo: Antonio Silveira

- Preço: Cr$ 10,00

- Capa (p. 1):

- Artigos:

1. Texto de apresentação, Índice e descrição da equipe envolvida na produção da revista, p. 2

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2. Iris, p. 3

A) Não tem título, de Joathan Vilela Berbel

Retoma a resolução da CONCINE: exibição compulsória de curta-metragens nacionais. Cada filme estrangeiro deve ser acompanhado de um curta brasileiro. Jornal questiona a ausência de regulamentação que indique a quantidade de dias ou ingressos para que o curta-metragem cumpra o seu período de existência dentro do circuito nacional (dando lugar a outro filme). Receio de que alguns produtores, que também são exibidores (principalmente o “jornal de tela”), consigam se enquadrar na lei, dessa forma, concentrando renda. Para ele, falta fiscalização e há brechas na lei. Diz que “a luta continua”.

B) Sugestão Infeliz, Sem créditos

Sugestão de Felipe Macedo (presidente interino do Conselho Nacional de Cineclubes e responsável pela Dinafilmes) em matéria ao jornal Folha de São Paulo – Estão roubando a bilheteria do Cinema Nacional (11/7/1977). Felipe Macedo disse: “A Embrafilme poderia utilizar os quadros dos Cineclubes do Interior (...) para participar da fiscalização”. Matéria diz que é uma infeliz sugestão: crítica à cúpula dirigente do movimento cineclubista. Acredita que, erroneamente, ela está defendendo o cinema industrial brasileiro. Cineclubes “rebaixados a função de exibidores agora são oferecidos para fiscalizar”, transformando-se em “mão de obra barata (senão de graça) dos interesses industriais”. C) Censura ao curta-metragem, Sem créditos Denuncia a ação de censura ocorrida no próprio CAC da PUC, dia 2/set de1977. Os filmes vetados foram Destruição Cerebral (1977), O Frango, Libertários (1976) e Lamas. Atenta para o fato de que a autonomia universitária está seriamente comprometida.

3. Debate – Ladrões de Cinema, editado por Luiz Paulo Serôa, p. 4-5

Registro do debate acerca do filme Ladrões de cinema (1977), ocorrido em agosto de 77, no CAC-RJ. Contou com a participação de Fernando Campos, diretor do filme.

4. Consciência Cineclubista, de Rubens Machado Jr., p. 6

Artigo questiona a atual posição dos cineclubes. Critica uma “verticalização burocrática”, na qual as decisões são tomadas de cima p/ baixo. Expressa um desejo de auto-reflexão. Diz que o cineclube deve fazer um “esforço constante de objetivação e posicionamento”. Cineclubes só se realizarão assim: “conscientes de si mesmos”.

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5. Da arte de se construir um cinema popular com projetor tela e muito papo, de José Manuel Seixas, p. 6-7

Discussão a respeito do projeto cineclubista em torno dos termos nacional e popular – projeto esse dito no artigo como “atrasado” e “estático”. Artigo também diz que o projeto é pautado “pela divulgação como meio máximo da atividade dos cineclubes”, “é a própria louvação do cineclube exibidor”, “a edificação do movimento cineclubista, o louvor a sua condição de gueto cultural”. Defende um cinema independente, utilizando meios mais acessíveis economicamente, como o Super-8. Cita os Grupos de Estudos do Cinema Brasileiro – GECAC, que “tem por objetivo aprofundar questões relativas ao cinema brasileiro”, além de “fomentar a participação crítica do cineclubista”. Reafirma o caráter independente e catalisador de idéias que tem a Cine-Olho.

6. Chapa Deflagração: Carta Programa, Sem créditos, p. 8

Expressa insatisfação com relação à Federação de Cineclubes e à forma como ela tem agido. Acredita que deve haver um esforço no sentido de responder e agir unitariamente via Federação, mas os cineclubes não podem abdicar de sua independência individual. Ênfase no papel cineclubista de debate e “difusão da ação interpretativa”, não se restringindo só à exibição.

7. Propaganda da produtora Alter Filmes: divulgação de filmes em cartaz e/ou em processo de filmagem, realizados entre 76/77; p. 9

Filmes divulgados: Marília e Marina (1976) de Luiz Fernando Goulart, Chuvas de Verão (1977) de Carlos Diegues, Cordão de Ouro (1977) de Antonio Carlos Fontoura, J.K. (1980) de Silvio Tendler e A Rainha do Rádio (1979) de Luiz Fernando Goulart.

8. Censura retém filmes em Brasília, de Henrique Antoun, p. 10

Denuncia caso de censura no Festival de Brasília de 1977. Os filmes impedidos de serem exibidos foram: Frango Assado de Carlos Vereza, Rocinha de Sergio Peo e Assuntina das Américas (1976) de Luiz Rosemberg. O artigo também comenta e critica a política da Embrafilme. Ainda no Festival, houve um caso de censura “estética”, no qual o filme Primeiros Cantos, de Sérgio Santeiro, foi recusado por “falta de qualidade técnica”. O artigo caracteriza o fato como sendo um ato de “autocensura” do próprio Festival. Por fim, diz que a reação dos cineastas frente às proibições foi de “cautela e omissão”.

9. Pagando para ver, de Henrique Antoun, p. 11

Resenha do filme A$$untina das Amérikas, de Luiz Rosemberg. O artigo tem um tom irônico e uma subjetividade bem expressa. Ele diz: “Rosemberg Celso Martinez Correia, usa sua câmera como múltiplo bastão com o objetivo de destruir o espetáculo. A câmara é uma lâmina que expõe simultaneamente as entranhas do cinema e da sociedade. A pá de cal no fantástico show da vida”. Aqui, há uma clara referência ao

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programa Fantástico, exibido pela Rede Globo. Ao longo de todo o texto, o autor destrincha o filme de Rosemberg, analisando e tentando desvendar as metáforas presentes na película. Ele aproxima essas metáforas da história recente do cinema nacional (Chanchadas – Atlântida – Cinema Novo – Cinema Marginal – grito de um cinema “morto vivo”) e também das relações produtor/ator/cineasta. Por fim, diz que “Rosemberg paga para ver (...) o retorno do oprimido, do morto cinema vivo, cinema ovo: promessa de vida”. As ilustrações, que acompanham o artigo, dialogam com a imagem/idéia do “cinema ovo”.

10. Entrevista: Ruy Guerra, realizada por Ivalda Freitas, Henrique Faulhaber e Caio Rubens. Editada por Ivalda Freitas, p. 12-19

No texto que antecipa a entrevista, o autor diz que Ruy Guerra é um cineasta polêmico ainda que se mostre alinhado às idéias do Cinema Novo quanto ao projeto de desenvolvimento do cinema brasileiro. Essa afirmação é indício de um certo ranço em relação aos cinemanovistas (isso também é evidente na entrevista anterior com Cacá Diegues). Quando questionado sobre cinema popular, Ruy Guerra aponta duas condições básicas para a existência desse tipo de cinema: uma estrutura econômica favorável e a existência de um projeto político inserido nos filmes. Além disso, diz que ainda que o filme seja produzido nesse contexto, ainda há o problema da distribuição, ou seja, o filme é popular no nível da feitura mas não no nível da aproximação com o público. Partindo daí, ele condena a Censura Oficial mas diz que “ela não é tão violenta nesse sentido como o quadro econômico”. Quando a questão da autocensura foi colocada, Ruy Guerra mais uma vez tocou no assunto. Para ele, romper com uma autocensura não significa “simplesmente uma liberação psicanalítica”. O cineasta pode ter muitas coisas a dizer, mas o grande problema ainda está na estrutura econômica da qual ele depende. Quanto à Embrafilme, Ruy Guerra diz que ela não exerce censura, mas que, como está inserida num sistema que exerce, é reflexo disso. Para ele, um dos grandes males da Embra é não desenvolver o projeto de 16 mm, que possibilitaria filmes realizados por cineastas mais jovens, filmes que de repente teriam uma crítica mais aguda e mais próxima à realidade do país. Isso seria muito bom, pois ele considera a produção atual, em sua maioria, paternalista e reacionária. Ele inclusive cita um filme da época: Xica da Silva (1976), de Cacá Diegues. Para ele, conteúdo novo exige forma nova. Assim, ainda que “Xica da Silva” tente encontrar um conteúdo novo em uma forma antiga, o resultado é um filme “velho e reacionário”. 11. O que vem a ser um Crítico culinário?, de Luiz Rosemberg Filho, p. 20

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Questiona o papel do crítico de cinema: diz que a “crítica” está sempre diretamente ligada ao poder. Bastante carregado de subjetividade, o texto defende uma relação pura e até “poética” entre filme/espectador; uma relação de liberdade, sem amarras, sem intermédio de uma crítica que engessa, que diz o que é bom e o que não é: “Tal ‘erudição’ de gabinete força ao leitor/público, a não viver o seu próprio processo de especulação. Ele já entra no mundo das imagens e sons, com um tipo de esclarecimento ideológico, que ao invés de ser estimulado, desce à própria masturbação como discurso de sua classe”.

12. Superoito, de José Manuel Seixas e Sérgio Péo, p. 21

O primeiro texto é de José Manuel Seixas. Ele diz que o S-8 começou como suporte de uma produção caseira, mas, que hoje, seu uso e importância extrapolam o amadorismo. Devido ao baixo custo, a produção em S-8 “corre por fora” da estrutura cinematográfica comercial, buscando os meios de veicular seu discurso. O autor defende o suporte como forma legítima de expressão de um cinema independente que busca a experimentação e a atuação crítica. O segundo texto é de Sérgio Péo. Ele reforça a defesa e a importância do superoito para esse cinema “paralelo” mais crítico, agudo e livre. Por fim, cita um poema de João Sampaio: “Outros continentes? Ninguém viu, mas/ Todos nós veremos. Não duvide./ O Cinema é o Ato de Cinemar/ Cinememos pois/ O que importa são as idéias-as novas/ idéias-para/pelo novo Homem-Cinema”. 13. Produção Emergente, p. 22-24

Espécie de continuação da Iris, porém, ao invés de uma crítica propriamente dita, aqui há mais uma apresentação, um tipo de sinopse “problematizada” dos filmes. Além disso, ao que parece, os filmes comentados são de autoria de alguns membros da própria revista. Em alguns casos, inclusive, o diretor do filme e o escritor da resenha são a mesma pessoa. A) Sem título, de Paulo Chaves Fernandes e Oscar Guilherme O primeiro filme comentado é Destruição Cerebral (1977), uma produção coletiva de José Carlos Avellar, Nick Zarvos e Joatan Vilela. Aqui é onde a crítica está mais presente em relação aos textos que se seguem. Paulo Chaves Fernandes e Oscar Guilherme falam do filme de forma positiva e elogiosa. Oscar Guilherme: “Destruição Cerebral é uma tragédia. Tragédia de alienação existencial e política de um operário esmagado pelo Poder, pela ideologia reacionária. Tragédia sem herói”. B) Rocinha 77 – 16 mm, de Sérgio Péo O autor fala de uma experiência pessoal, de um filme que ele e um grupo de colegas estão fazendo na favela da Rocinha, Rio de Janeiro. Ele fala da favela como um foco de resistência: defender uma favela de desapropriações “implica em resistência cultural, implica em defesa de uma memória de lutas e tradições”. C) Primeiros Cantos, de Sérgio Santeiro, agosto de 1977

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Comentários do montador/ diretor a cerca do processo de feitura do filme Primeiros Cantos (1977).

D) Café Lamas, Sem Créditos

Comentário a cerca do filme Café Lamas de Ney Costa Santos e Marcos Moreira (provavelmente feito pelos próprios realizadores). Diz que “Café Lamas é um filme sobre o fim de certo espírito carioca de ser e viver e a violenta transformação que a paisagem urbana da cidade vem sofrendo nos últimos anos”; “o filme tenta fixar uma memória poética carioca”.

E) Nota sobre Mandrake-drake, de João Lanari

João Lanari comenta seu próprio filme Mandrake (1977): “Mandrake é um filme de 17 min, preto e branco, sonoro, 16 mm”.

F) São Conrado, de Henrique Faulhaber Barbosa

O autor comenta seu próprio filme, cujo suporte é o Super-8. São Conrado, feito dentro do Centro de Produção do CAC-PUC, teve realização de Henrique Faulhaber Barbosa e assistência de Beto Tornaghy. Ele diz: “este filme é a princípio um ‘solo’ para o equipamento super-8 com som-direto. Em São Conrado me interessou muito a rapidez da elaboração e finalização do projeto que acredito só seria possível nesta bitola”. E acrescenta: “acredito que esta demora entre a concepção e a concretização do filme é desgastante demais para o processo de desenvolvimento de linguagem do realizador”.

Número 4

- Título: Cine-Olho

- Data: não tem o mês/1979

- Origem da Publicação: Não tem essa informação, mas na última página aparece Distribuição ECA-USP

- Páginas: 36

- Equipe Editorial: Fernando Meirelles, Arlindo Machado, Vinícius Dantas, Mário Dalcêndio Jr., Rubens Machado Jr., Roberto Moreira, Joel Yamagi, José Roberto Sadek, Francisco Magaldi e Carlos Alberto Nascimbeni.

- Colaboradores: SÃO PAULO: Hugo Sergio Franco Mader, José Teixeira Neto, Fernando Mesquita, Fernanda Andrade Pompeu, Fritz, Zé Celso, Roberto Cunha Azzi, Jean Claude Bernadet, Odon Pereira de Lima, José Inácio Souza e Melo, Ismail Xavier, Sérgio D’Ávila Almada, Maria Goretti Vidal, Zulmira Ribeiro Tavares, Luiz Nazário, Ercílio Tanizaka, Jairo Ferreira, Carlos Alberto Gordon e Cristina Mutarelli. RIO DE

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JANEIRO: Luiz Paulo Seroa, José Manoel Seixas, Henrique Faulhaber Barbosa, Caio Rubens, João Lanari, Henrique, Antonio Silveira, Luiz Rosemberg Filho, Moacy Cirne. ROMA: Luiz Renato Martins. LONDRES: Kit Forsberg. NOVA IORQUE: Zezé.

- Editoria de Arte: Claudio Morelli, Eliana Paiva, Maria do Carmo Fernandes, Lica Ceccato, Sueli Nascimento, Ana M. Machado e Pinho.

- Foto da capa: Hilde Körnig

- Editora: Kairós - Livraria e Editora LTDA.

- Preço: Cr$ 20,00

- Capa (p. 1):

- Artigos:

1. Índice e descrição da equipe envolvida na produção da revista, p. 2

2. Sem título, Sem créditos, p. 3

Discutem a idéia de uma suposta “ausência de ‘novos cineastas’”. O texto é uma espécie de direito de resposta dos jovens acusados de participarem desse “marasmo criativo”. Explica que o Cinema Novo, por exemplo, existiu também porque havia na época condições políticas e econômicas favoráveis. E que o Cinema Novo pode não ter resolvido todos os problemas do cinema brasileiro, mas que seu grande mérito está em ter gerado debates culturais ricos e relevantes. No entanto, dizem que não querem ser “filhos” de pais orgulhosos, pais que são “patrões”. O Cinema Novo foi uma coisa; eles

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são outra: “a produção brasileira de curta-metragem de S-8, 16 e 35 mm que está pintando e ativando discussões é pequena, precária, irregular, sem grana, sem ditribuição, ideologicamente confusa. Sinais dos tempos. Mas ler nos sinais um aborto e um vazio geracional, não é mais do que alimentar a crença da volta cíclica de um evento do passado, idealisticamente. Pede-se que se encampe uma luta que não é nossa. Já formulada, já viciada”. Parece um tipo de “texto de apresentação”, mas que não se refere a revista propriamente, mas às questões ligadas a aqueles que fazem a revista. Mais uma vez, é expressa uma preocupação com a produção de filmes. Por fim, no final do texto, há uma informação meio desconexa, mas que carrega grande crítica em si. Trata-se de uma notinha, quase de rodapé, no final da página: “Governo Figueiredo. Eduardo Portela no ministério. Alianças à vista em boas prestações”.

3. O coador invisível, de Fernando Mesquita, p. 4-9

O título do artigo já é bastante elucidativo: “coador invisível”. O autor denuncia a manipulação feita pelo copidesque da Isto É, que, em dezembro de 1978, publicou uma resenha totalmente editada do filme Delírios de um Anormal (1978). O texto escrito pelo próprio Fernando Mesquita foi distorcido e refeito, num ato de censura e desrespeito ao seu autor. Para mostrar isso, Mesquita compara o texto original e o publicado, desmontando minuciosamente a edição. Por fim, diz: “Cine-Olho não copidesca”. O filme Delírios de um Anormal é do cineasta José Mojica Marins. 4. O cinema conceitual, de Arlindo Machado, p. 10-16

O artigo descreve e discute o que é o cinema conceitual: “um cinema que se pretenda uma tática de intervenção (...), deixar de mostrar e passar a demonstrar”. A posição é de clara defesa. Para o autor, o “exame da realidade deve ser um esforço da inteligência”. Cita Eisenstein como exemplo. O artigo não trata das questões políticas da época (censura, ditadura, repressão), mas tem uma forte ligação com esse contexto na medida em que reflete um cinema essencialmente intervencionista, crítico e “agitador”. Trata-se de um texto voltado para o cinema em si e sua linguagem. De certa forma, fundamenta, teoricamente, o desejo dos realizadores da revista (que também são cineastas independentes ou desejam sê-lo) de uma produção paralela. Fala da importância dessa produção, fala como ela deve se guiar (“demonstrar” e não “mostrar”). Por fim, há a indicação de que o artigo continua no próximo número.

5. “Falsa” propaganda divulgando a Filmoteca/ Fototeca Shell, p. 17

Parece uma propaganda, mas não é. Na verdade, critica a ausência de obras importantes no acervo da Filmoteca/ Fototeca. Tem relação com o artigo anterior de Arlindo Machado: pega uma sintaxe explorada pelo meio publicitário e articula de forma a “demonstrar” e não “mostrar”.

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6. O espírito da colméia, de Carlos Alberto Nascimbeni. Ilustração: Lica Ceccato. Execução Gráfica: Jorge Patrício, p. 18-19

A matéria é composta ora por trechos ficcionais, ora por reflexões. O projeto gráfico interage com o texto. Há um tom poético e uma subjetividade que fogem bastante do que se supõe um texto puramente jornalístico.

7. Uma sequência de imagens com comentário e uma Propaganda divulgando a Editora Kairós, p. 20

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A) Primeira metade da página (as fotos são do ditador fascista Benito Mussolini. O comentário é: “A burguesia fabrica o mundo a sua imagem. Comecemos por destruir essa imagem”):

B) Segunda metade da página (Divulgação da Editora Kairós. Os livros indicados mostram um posicionamento):

8. A luta de classes por procuração, de Caio Amado de Mattos, p. 21-24

Fala do filme A Queda (1978), de Ruy Guerra. Com base no livro Brasil em Tempo de Cinema, de Jean Claude Bernadet, Caio Amado analisa os elementos mais recorrentes no Cinema Novo: “ausência da classe operária” e “temática centrada na pequena burguesia”, que se reflete em personagens “pendulares”, que “ora estão a serviço do poder ora estão contra ele”. Inserindo A Queda nesse contexto, ele diz que o protagonista interpretado por Nelson Xavier, por mais que pertença à classe operária, ainda não foge ao típico personagem cinemanovista: “motorista de caminhão, soldado de polícia, malandro, Antonio das Mortes, marinheiro, qualquer que seja o disfarce que o cubra, o personagem de todos os filmes é um só: o intelectual em crise”. Por isso, conclui: A Queda “ainda não é o filme que dá voz aos operários”.

9. As formas de impasse, de Vinícius Dantas, p. 25-29

Ainda fala do filme A Queda, dando continuidade ao artigo de Caio Amado. As considerações são muito próximas em relação ao texto anterior. Vinícius Dantas

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compara os procedimentos usados em Os Fuzis (1964) e em A Queda, ambos de Ruy Guerra. Há semelhanças, mas, para ele, o primeiro filme é mais bem sucedido do que o segundo. Por fim, conclui: A Queda tem alguma vitalidade, mas “a realidade exige mais do cinema”.

Há muitas ilustrações e fotos ao longo de todo o artigo.

Créditos: Eliana Paiva e Claudio Morelli

10. Gramado segundo seus personagens, p. 30-32

A) O Bode que pastou no gramado, de Jairo Ferreira

Artigo sobre o 7º Festival de Gramado do Cinema Brasileiro. Fala de uma carta oficial do Festival, dirigida ao governo: pela liberdade de expressão, manutenção do critério de que somente pessoas credenciadas na atividade cinematográfica possam assumir cargos

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de direção na Concine e Embrafilme e compromisso da Embrafilme e da Concine de corresponder aos interesses democráticos através de um programa discutido por representantes de toda a classe cinematográfica. Mas a questão central mesmo é o documento intitulado Carta de Abertura. O autor diz que o “documento elaborado por uma violenta patrulha ideológica” gerou tumulto e confusão. Segundo ele, Zé Celso, um dos responsáveis, agiu de forma intransigente chamando a todos de “fascistas”. O bode do título é justamente Zé Celso.

B) O Bode de gramado quer comer a carta de abertura, de José Celso Martinêz Correa, São Paulo, 27 de janeiro de 1979

O artigo é uma resposta ao texto de Jairo Ferreira, publicado na Folha de São Paulo em 27 de janeiro. Repete-se aqui o recurso de Fernando Mesquita: desarticulação de um discurso a partir do contraponto de matérias publicadas em diferentes meios impressos; um que representa a grande mídia e é tolido, e outro que é livre (a Cine-Olho). Inclusive, para frisar o contraste, o artigo publica a Carta de Abertura na íntegra. O estilo de escrita de Zé Celso é despojado e descontraído. Ele conclui: “Esta matéria, volto a dizer é uma bandeira, entregação, dedodurismo, bodificação”. No fim das três páginas da matéria, há o seguinte texto (em letras maiúsculas e grandes):

11. Manifesto Futurista, traduzido por Carlos Alberto Nascimbeni, p. 33-34

Tradução do Manifesto Futurista, escrito por F. T. Marinetti, Bruno Corra, E.Settimelli, Arnaldo Ginna, G. Balla e Remo Chiti. O texto foi originalmente publicado no N. 9 do jornal L’ITALIA FUTURISTA de 11/9/1916.

12. Tributo ao falecimento de Jean Renoir, p. 35

Crédito foto: Cláudio Morelli

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13. Ilustrações acompanhadas de texto e dados de distribuição da revista, p. 36

Distribuição informal (telefone): índice de uma produção independente.

Números 5 e 6

- Título: Cine-Olho, Revista de Cinema

- Data: junho julho agosto/1979

- Origem da Publicação: Não tem essa informação, mas a primeira matéria é assinada por alunos da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP

- Páginas: 76

- Equipe Editorial: Fernando Meirelles, Arlindo Machado, Vinícius Dantas, Mário Dalcêndio Jr., Rubens Machado Jr., Roberto Moreira, Joel Yamagi, José Roberto Sadek, Francisco Magaldi e Carlos Alberto Nascimbeni.

- Colaboradores: SÃO PAULO: Hugo Sérgio Franco Mader, José Teixeira Neto, Fernando Mesquita, Fernanda Andrade Pompeu, Fritz, Zé Celso, Roberto Cunha Azzi,

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Jean Claude Bernadet, Odon Pereira de Lima, José Inácio Souza e Melo, Ismail Xavier, Sérgio D’Ávila Almada, Maria Goretti Vidal, Zulmira Ribeiro Tavares, Luiz Nazário, Ercílio Tanizaka, Jairo Ferreira, Carlos Alberto Gordon e Cristina Mutarelli e Tadeu da Fonseca Junges. RIO DE JANEIRO: Luiz Paulo Seroa, José Manoel Seixas, Henrique Faulhaber Barbosa, Caio Rubens, João Lanari, Henrique, Antonio Silveira, Luiz Rosemberg Filho, Moacy Cirne. ROMA: Luiz Renato Martins. LONDRES: Kit Forsberg. NOVA IORQUE: Zezé.

- Artimanhas: João Abdalla

- Editoria de Arte: Betty Leirner, Genuíno dos Santos, Eliana Paiva, Maria do Carmo Fernandes, Lica Ceccato, Sueli Nascimento, Ana M. Machado e Pinho.

- Créditos deste número: Carlos A. Nascimbeni, foto pág. 3 e Capa. Tadeu da F. Junges, ilustração pág. 2. Cláudio Morelli, fotos e Lay-Out, págs. 4/5, foto pág. 9. Fernando Meirelles, fotos págs. 8, 10, 11. José R. Sadek, fotos págs. 28 a 31 e 34/35. Maria do Carmo Fernandes, Ilustrações págs. 50/51. Rubens Machado, ilustração pág. 53. Ivan Cardoso, fotos dos filmes de Júlio Bressane. Jairo Ferreira, fotos de O Gigante da América.

- Fotografia: Cláudio Morelli

- Revisão: Erotildes Medeiros e Valdir Mengardo

- Editora: Não tem essa informação

- Preço: Cr$ 50,00

- Capa (p. 1):

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- Artigos:

1. Ilustração e descrição da equipe envolvida na produção da revista, p. 2

2. Fotografia, p. 3

Identificação de quem é na foto: não tem.

3. A poesia esmagada, pelo Atelier Mãe’s Janaína composto por alguns alunos da FAU, p. 4-11

O artigo registra o roubo de uma escultura de Flávio de Carvalho. Primeiro, o roubo é descrito num texto jornalístico que apresenta os fatos a partir de uma visão externa aos acontecimentos. Depois, há uma breve biografia do artista plástico. O texto, publicado originalmente na revista Argumento n. 1 (não há referência sobre a data de publicação), fala com admiração de Flávio Carvalho. Por fim, a confissão: “Por isto roubamos o monumento. Os milhões de papéis que a burocracia solicitaria para restaurar a criatividade castrariam-na antes de existir”. O roubo foi um ato de protesto de alguns

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alunos da FAU em resposta à burocracia oficial que estava retendo a obra em más condições, separando-a da sociedade – a quem de fato ela pertence. Há fotos ao longo de todo o artigo, registrando o roubo e apresentando a escultura de Flávio Carvalho:

Alunos da FAU responsáveis pelo roubo

Fotos mostrando a restauração da obra de Flávio de Carvalho:

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4. Fotos, p. 12-13

Brincadeira de um olhando o outro, cada um em uma página.

5. O cinema conceitual - Contribuições de Eisenstein , de Arlindo Machado, p. 14-21

Continuação da matéria publicada no número anterior. Arlindo Machado reflete sobre o cinema conceitual, mas dessa vez, focando em Eisenstein. Ele diz que o cineasta russo acreditava na possibilidade de se colocar na tela “conceitos intelectuais” de forma a sintetizar arte e ciência. E, para atingir esse fim, ele buscava eliminar aos poucos os

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“vínculos imediatos”, utilizando-se de um tipo de representação simbólica dos conceitos que superaria aquilo que a aparência esconde. O autor diz que Eisenstein não negava as outras artes, só queria explorar as potencialidades do cinema, que para ele, eram muitas. É citado especialmente o filme Outubro (1928). Por fim, Arlindo Machado defende o cinema conceitual das acusações de inviabilidade: “e só por ignorância se pode ainda insistir na incompatibilidade do cinema com o raciocínio”. Ao longo de toda a matéria, há fotos de filmes de Eisenstein, principalmente de Outubro (1928) e Potemkin (1925):

6. Espécie de propaganda divulgando a própria Cine-Olho (na segunda metade da página), p. 21

7. O vôo do pássaro sem penas, de Carlos Alberto Nascimbeni, p. 22-26

Crítica do filme Coronel Delmiro Gouveia (1979), de Geraldo Sarno. Diz que a realização do filme confirma “uma embalagem agradável para um produto dissimulado”. O enredo é uma espécie de biografia do Coronel Delmiro, uma figura histórica que de fato existiu. O grande problema apontado pelo autor é uma

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“adequação” que camufla a contradição patrão/coronel e subalternos, de forma a “recusar o confronto da imagem da burguesia com a imagem dos operários, para manter duas imagens fantasmagoricamente lapidadas, para uma possível união de ambas”. Carlos Alberto Nascimbeni conclui dizendo que este não é um problema exclusivo do filme de Sarno. Para ele, boa parcela do cinema brasileiro vem enfrentando a questão “ao tentar unir o experimentalismo social do cinema novo, com a palavra de ordem mercado é cultura”. Alternado ao texto, há trechos de uma reportagem publicada no jornal O Dia, em 14/04/1979, intitulada Pagador de Promessas fez Via Crucis até Porto das Caixas. Aqui mais uma vez o recurso se repete: incorporação de textos publicados em outros meios impressos. Possivelmente, a publicação da reportagem tem a ver com o seu título: nele estão contidos o nome de dois filmes importantes, Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte, e Porto das Caixas (1962) de Paulo Cesar Saraceni. 8. Propaganda divulgando a empresa Metal Leve (na segunda metade da página), p. 26

9. Nota sobre Tudo Bem, de Jean Claude Bernardet, p. 27

Comentário a cerca do filme Tudo Bem (1978), de Arnaldo Jabor. Bernardet diz: “Tudo Bem propõe uma metáfora que sintetiza todo um momento social brasileiro”. Partindo do filme, ele discute uma atitude, observada especialmente no Cinema Novo, de “exemplaridade global”, na qual são utilizadas metáforas e alegorias num esforço de se criar “sistemas abrangentes”. Ainda que o título indique que o foco é o filme de Jabor, o grande questionamento do texto diz respeito a essa atitude: “em que medida este sistema dramático está relacionado com um projeto de poder? Essa forma com ponto de vista único, que enfeixa o conjunto social abordado numa significação única pode ser interpretada como uma forma de dominação justamente porque ela deixa passar uma só voz e leva a uma significação única”. O tom do artigo é questionador, ele propõe reflexões e perguntas mas não responde a tudo.

10. Viajou sem passaporte pelo cinema, de José Roberto Sadek. Outubro de 1978, São Paulo, p. 28-32

O artigo é o registro de uma experiência questionadora e bem-humorada. Começa assim: “quando a editoria dessa revista me encarregou de viajar sem passaporte pelo cinema, fiquei um tanto apreensivo. Devo adiantar que essa impressão se desfez com o correr da viagem. Convidamos os leitores, as leitoras, e especialmente os leitorinhos

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para conosco empreender mais uma aventura fascinante pelo mundo da arte”. As fotos mostram o grupo de “viajantes” nas mais inusitadas situações:

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Mais para o fim, o texto ganha tom de manifesto: “não vamos enganá-los, agredi-los, resolver seus problemas, retratá-los, nos matar: nada faremos por ou para vocês”, “é preciso separar, criar uma fronteira nítida entre os trabalhadores-de-arte e os enlatadores de lixo (atenção: nacionais ou importados; entre o trabalho-de-arte e o exercício de oportunismo financeiro (atenção: nacional ou importado): entre a transformação e a mumificação reacionária (atenção: nacional e importada). CHEGA DE MENTIRA E OPORTUNISMO! Queremos apenas quebrar as paredes que envolvem janelas!”.

11. Kool Killer ou a Insurreição pelos signos, de Jean Baudrillard traduzido por Fernando Mesquita, p. 33-45

Trata-se de um ensaio traduzido do livro L’échange symbolique et la mort, de Jean Baudrillard, p. 118-128 (Éditions Gallimard, coleção Bibliothèque des Sciences Humaines, 1976). O texto diz que a cidade é um espaço “indiferenciado” e segregado ao mesmo tempo, no qual o grafite age subvertendo o código pré-existente – aquele que, como expressão do poder, costura o “tecido social”. O grafite transforma “a indeterminação em exterminação”, provocando uma territorialização do espaço urbano decodificado de forma a exportar “o gueto para todas as artérias da cidade”. A ausência de mensagem e conteúdo é explicada da seguinte forma: “é neste vazio que está a sua força”; trata-se de uma “ofensiva total sobre a forma” acompanhada por uma “recessão dos conteúdos”. Ao fim, há um adendo com comentários do tradutor do artigo de Baudrillard, Fernando Mesquita. Ele começa: “não é possível – e, de resto, seria lindamente inútil e isto é uma revista de cinema e adjacências – tentar reconstituir o prazer com que li pela primeira vez e depois traduzi (como forma de citá-lo por inteiro) este ensaio de Jean Baudrillard”. Diz que o motivo pela qual resolveu publicar o texto de Baudrillard é o fato de que gosta e admira o artigo pela sua capacidade reflexiva e instigante (além de outras coisas). Ele conclui com um chamado, convidando os estudiosos para uma análise do grafite paulistano e suas especificidades. E ainda, “de minha parte, tenciono escrever um artigo a respeito. Nome ele já tem: A MOÇADA ALEGRE DO ALTO DE PINHEIROS (um percurso pelos grafítis paulistas)”. Fotos dos grafites novaiorquinos ilustram todo o artigo:

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12. Fotos e ilustrações remetendo ao filme O Anjo Nasceu, p. 46-50

13. Júlio Bressane (introdução na p. 51):

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A apresentação diz que os textos que se seguem fazem parte de um conjunto de notas sobre os filmes de Júlio Bressane – os filmes foram exibidos em uma mostra apresentada pelo Cine Clube CAAE da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

A) Observação sobre O Anjo Nasceu, de Rubens Machado, p. 52-53

Rubens Machado faz uma análise observacional e formal do filme O Anjo Nasceu (1969). Como apoio, ele apresenta um “roteirinho” de desenhos acompanhando e ilustrando um roteiro escrito. Seu estudo reflete de que forma a composição do quadro, meticulosamente estudada, vem a favor da narrativa e do conteúdo fílmico.

B) O mal estar na incivilização, de Ismail Xavier, p. 54 (embaixo e em cima) e 55-62 (em cima)

Ismaiel Xavier começa falando sobre o filme Crazy Love (1971): “um filme de cinema sobre cinema”. Diz que essa metalinguagem é uma constante em Bressane. Depois, comenta sobre A Família do Barulho (1970): o filme “revê o ciclo independente de Recife como O Gigante da América revê Griffith (Intolerância)”. Fala também de A Viola Chinesa: Meu Encontro com o Cinema Brasileiro (1977) e de Agonia (1977), aproximando o último de Limite (1931). Sobre o tipo de cinema que Bressane faz, Ismail pontua: “Sem as âncoras do espetáculo convencional, ficamos órfãos na busca de uma ordem de razões capaz de dar conta da disposição de imagem e som que nos lança no desconforto”. Cita o filme O Abismu (1977), de Rogério Sganzerla. Depois de um texto introdutório, Ismail faz um estudo mais aprofundado, refletindo sobre a inconclusão, as formas de inconclusão e o meio (caminho, futuro e nostalgia) na obra de Bressane – as palavras em negrito correspondem aos subtítulos que compõem o artigo. Para isso, ele retoma os seguintes filmes do cineasta: O Anjo Nasceu (1969), Agonia (1978), Cuidado Madame (1970), Família do Barulho (1970), Memórias de um Estrangulador de Loiras (1971), Matou a Família e foi ao Cinema (1969) e O Rei do Baralho (1974). C) A transgressão do limite, de Jairo Ferreira, p. 55 (embaixo)

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Jairo Ferreira diz que os filmes de Bressane faz o que toda forma de arte deveria fazer: “arrancar leite de pedra”, “fazer o que não foi feito, extrair o possível do impossível”. E mais, diz que em Bressane a ênfase é maior no significante e não no significado: “o importante é o ‘como’, não ‘o que’” – Ismail Xavier também diz isso em seu texto anterior (p. 54). Ele comenta três filmes do cineasta: O Rei do Baralho (1974), Memórias de um Estrangulador de Loiras (1971) e Cuidado Madame (1970). Com relação ao filme de 1971, diz: “todos os clichês do gênero numa mostra única”. D) Nota sobre Bressane, de Jean Claude Bernardet, p. 58-57-56 (embaixo)

Há a indicação de que o artigo já foi publicado no jornal Última Hora, de 12/04/1979. Bernardet fala que Bressane é fruto e admirador de um “cinema imposto”, de um “cinema de dominação cultural”. Mas que o cineasta, ao invés de negar isso, “supera essa dependência criando, através de desmontagem, um estilo próprio”. E) Naturezas mortas de um diário: Júlio Bressane is alive. De João Silvério Trevisan, p. 61-60-59 (embaixo)

O artigo é composto por quatro textos. O primeiro, escrito no Rio de Janeiro, em 4 de abril de 1978, fala de Agonia (1977). Diz que o filme tem um “humor autodestrutivo”. A obra causou tamanha impressão que João Silvério questiona seu próprio trabalho: “sinto minha literatura como coisa muito certinha. Até mesmo bem-comportada. O filme me reavivou essa sensação iconoclasta de oito anos atrás”. O segundo, escrito em São Paulo, em 5 de maio de 1976, fala de O Anjo Nasceu (1969). Os comentários são: “O Anjo Nasceu é um filme maldito, niilista, suicida e estraçalhador. Me deu dor de estômago”, “nunca amei um filme com tanto desprezo”. O terceiro, também redigido em São Paulo, é de 1º de abril de 1979. O foco aqui é o filme Memórias de um Estrangulador de Loiras (1971). João Silvério diz: “marchinhas de carnaval antigo fazem contraponto à crueldade escrachada e irônica”. O quarto e último texto é de 6 de abril de 1979 (São Paulo). Nele, o autor revisita Matou a Família e foi ao Cinema (1969). Ele diz: “vi nele elementos biográficos de minha própria geração e, senão ‘autobiográficos’ meus, pelo menos traços que me são muito familiares”. E acrescenta: “o filme é ingênuo, diante do que Bressane fez depois”, “fantasticamente contido e medroso”. A disposição fora de ordem dos textos parece ser uma forma de destacar as diferentes reações diante de cada filme. F) A solidão lunar – notas sobre O Anjo Nasceu. De Fernando Mesquita, p. 70-74 (em cima) e 62-74 (embaixo).

O texto inicia com a seguinte observação: “este ensaio integra, com outro, A Deconstrução Paratática, uma reflexão de conjunto sobre a obra de Bressane”. Fernando Mesquita faz a sua análise a partir de O Anjo Nasceu (1969). Ele começa caracterizando os personagens de Bressane como “lunares”: é como se eles fossem “a Lua na Terra”, “o lado escondido da Terra, não celebrável pelos outros, o crime e a festa como ritos rigorosamente solitários, o feito transmutado em se perder, a total rarefação social: essa, a solidão lunar”. Aliado a isso, temos a criminalidade: seus personagens são um estrangulador de loiras, domésticas que assassinam patroas, bandidos, pessoas cujo crime não é simples crime, mas sim, “criminalidade radical”. Retomando o texto de

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Baudrillard sobre grafite (p. 36), diz: “o crime radical é o crime na sua forma pura de significante vazio”. É como se “todo criminoso, antes de tudo, deseja ser criminoso (a maioria continua apenas desejando)”. O “crime radical” é o próprio desejo cristalizado em ação. Dentro desse contexto, Fernando Mesquita diz de que forma a câmera se posiciona: a “câmera se comporta como elemento solidário com os bandidos”. A narrativa é desconstruída de forma que a câmera funcione como um “duplo dos personagens”. Ele cita os filmes Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977) de Hector Babenco, Rainha Diaba (1974) de Antônio Carlos Fontoura e Love Story (1970) de Artur Hiller, além de trechos da música Ode Marítima.

G) O cinema ateu de Júlio Bressane, de Luiz Nazário, p. 63- 67 (em cima)

O autor define um tipo de “discurso ateu”, opondo-o a um “discurso religioso”: “discurso religioso (lógico, retórico, pedagógico, ideológico)” versus “discurso ateu (dialético, ético, poético, estético)”. Ele então caracteriza o cinema de Bressane como um “cinema ateu” na medida em que o cineasta se mostra engajado numa ruptura que bombardeia “sua própria trincheira, destruindo, a machado, a maçarico, a martelo o aparato simbólico que envolve seu meio de expressão”. A partir daí, Luiz Nazário fala dos filmes O Rei do Baralho (1974), Família do Barulho (1970), Matou a Família e foi ao Cinema (1969) e Viola Chinesa (1977). Quanto ao filme de 1974, diz: “o Rei do Baralho satiriza os estereótipos das chanchadas da Atlântida e tem alguns momentos antológicos”. Em relação à Família do Barulho: “aborda mais diretamente (e mais cinicamente) as relações de poder através do modelo de uma família que passa por sucessivas crises de reorganização”. Contudo, o autor ressalta que Matou a Família e foi ao Cinema é a obra que cumpriu “totalmente (ou pelo menos mais evidentemente) os princípios estéticos e políticos anunciados pelo autor em Viola Chinesa: ‘por um cinema erótico, preocupado não com o sucesso mas com a sucessão, realizado em permanente deslocamento da linguagem”. Fala também de Agonia (1978): “Agonia continua a travessia do absurdo através do absurdo: seus heróis esqueléticos, cadavéricos e moribundos recitam versos de Fernando Pessoa e de Augusto dos Anjos, poetas da náusea de viver”. H) O cinema é teu Júlio Bressane, de Mário Dalcêndio, p. 67-69 (em cima)

Mário Dalcêndio faz uma análise geral da obra de Bressane, retomando em muitos aspectos coisas que já foram ditas no outros textos do mesmo conjunto. Ele diz: “Bressane exacerba o lúdico mais ainda no seu modo de desenvolver as idéias, não as coloca numa temporalidade causal. Somente as expõe, como cartas de um baralho. O filme é a possibilidade de uma disposição dos planos”. Essa idéia de “embaralhamento” justifica a forma como os textos estão dispostos na revista: em cima, embaixo, de trás para frente. O autor conclui: “E o negócio foi pôr tudo isso numa maneira que as pessoas pudessem entender. Mas quem, baby, quem quer entender?”.

14. Propaganda divulgando o programa Globo Repóter da Rede Globo, p. 75

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16. Índice, p. 76

Números 8 e 9

- Título: Cine-Olho, Revista de Cinema

- Data: outubro novembro dezembro/1979

- Origem da Publicação: Não tem essa informação, mas uma exposição organizada pela Cine-Olho (divulgada na p. 11) indica que o local para o qual os trabalhos devem ser enviados é o Departamento de Artes Plásticas da ECA (Escola de Comunicação e Artes), USP.

- Páginas: 76

- Equipe Editorial: Fernando Meirelles, Arlindo Machado, Vinícius Dantas, Mário Dalcêndio Jr., Rubens Machado Jr., Roberto Moreira, Joel Yamagi, José Roberto Sadek, Francisco Magaldi, Carlos Alberto Nascimbeni e Fernando Mesquita.

- Colaboradores: SÃO PAULO: Charles Nebeau, Hugo Sérgio Franco Mader, Jean Claude Bernadet, Ismail Xavier, Luiz Nazário, Maria Goretti Vidal, M. Pizza, Eduardo Piochi, Jairo Ferreira, Sueli Nascimento, Zezé e Marcelo Machado. RIO DE JANEIRO: J. Manoel Seixas, Caio Rubens Amado, de Mattos, Luiz Rosemberg Filho, Priscila Faulhaber Barbosa, Arthur Omar, Mario, Carlos Alberto Arieira e Luiz Paulo Serôa. GOIÁS: Ricardo Musse. CUTIRIBA: Rui Antonio Gonçalves. BAHIA: Pola.

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ARACAJU: Antonio do Amaral. ROMA: Luiz Renato Martins. PARIS: José Henrique Caldas.

- Editoria de Arte: Fernando Meirelles, Roberto Moreira e Maria Goretti Vidal, O Homem da câmera.

- Fotografia: Maria Claudia P. de Souza, Cláudio Morelli e Fernando Meirelles.

- Capa: Eduardo Piochi

- Revisão: Arlindo Machado e Vinícius Dantas

- Editora: Não tem essa informação

- Preço: Cr$ 50,00

- Capa (p. 1):

- Artigos:

1. Fotografia (primeiro terço da página) e descrição da equipe envolvida na produção da revista, p. 2

Foto do líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva. No balão está escrito (tradução): “Não existe o cinema verdade”

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2. Sei que dadá será como antes, de M. Piza, p. 3

O texto é um pouco confuso. Trata-se de uma “colagem de palavras” que remete ao movimento dadaísta surgido em 1915 durante a Primeira Guerra Mundial. Aparentemente, há alguma conexão entre o absurdo da guerra (expresso no dadaísmo) e o absurdo de um regime ditatorial (situação política do Brasil na época). Ele diz coisas como: “mil desaparecidos, inclusive dois jornalistas”, “precauções no que diz respeito a Fernando Ortiz Letellier”, “estes versos são uma comemoração ouvindo a ventania mastigar o telhado”, “ditaram que fosse mesmo esse gesto louco”, “escondem por azar ou se por sorte maus espíritos”. Exemplifica o ato de repressão do governo por meio de um acontecimento: pelo o que é possível entender, algo interrompeu o show Farol da Barra no qual se apresentariam os novos Baianos. M. Piza diz que, durante o evento, um comunicado oficial forçou Jonatas Hassam a dizer aos espectadores ali presentes: “lamento comunicar mudanças nas regras do jogo”. E comentando o fato, o autor do artigo continua: “pensou em indeterminado por mares nunca dantes afundarme para dentro dela”. O jogo de palavras do título parece atentar para esses sinais de censura e repressão: nada será como antes.

3. A ideologia do cinema militante, de Arlindo Machado, p. 4-7

Primeiro o autor define o que é cinema militante: “o chamado cinema militante é um cinema que se afirma consciente de sua posição de classe e que procura praticar essa consciência na intervenção política direta, através de circuitos paralelos improvisados e rapidamente restabelecidos”. Depois, coloca o questionamento que guia toda a reflexão do artigo: “mas a consciência que ele reivindica é uma consciência que se concretiza nos meios materiais que manipula e mobiliza? E se é, a posição de classe que está inscrita na sua produção é a posição de qual classe?”. Em resposta, ele diz que a maior parte da produção militante da época “não só se mostra incapaz de romper com a ideologia populista, como também lhe absorve os métodos e recupera a sua autoridade”. E o público, dentro desse contexto, se limita a “uma atitude passiva de figurante ou espectador”. A título de exemplo, ele cita os filmes Trabalhadores presente! (1979) e Greve (1979), ambos de João Batista, Braços Cruzados, máquinas paradas (1978) do Grupo Tarumã, Parada Geral (1979) de Renato Tapajós e Os Queixadas (1978) de Rogério Correa. Por fim, conclui que: “a questão é saber, de um lado, se o cinema militante procura deixar explícito nos próprios meios de que utiliza o caráter de classe de sua ‘leitura’ dos acontecimentos, de tal forma que a marca da produção ideológica não seja ocultada, mas revelada como a substância mesma de sua prática cinematográfica, ou se, por outro lado, ele disfarça seu acento ideológico sob o véu diáfano da ‘objetividade’ jornalística”. Arlindo Machado diz que uma alternativa nesse sentido seria explicitar o aparato fílmico: pode ser uma primeira forma de “liberar o cinema militante das rédeas da representação burguesa”. Fotos ao longo do artigo. Crédito de Zé Sadek:

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4. Hora H da história e das estorinhas, de Vinícius Dantas, p. 8-10

O artigo de Vinícius Dantas dá continuidade à discussão proposta por Arlindo Machado. O texto problematiza o cinema militante perguntando: “quais os princípios que asseguram à militância sua legitimidade? Como dizer a diferença entre aquelas que filmam e trabalham e aqueles que entram em greve?”. O autor parte de uma sequência do filme Braços Cruzados, máquinas paradas (1978), do Grupo Tarumã, para chegar a essa conclusão: “a exterioridade da militância cinematográfica é um dado incontornável de sua prática política”. Para ele, é preciso agir sem culpa ou oportunismo, entendendo que “os oprimidos continuam sem a palavra e estas greves e o processo político brasileiro estão aquém deste momento em que os operários tenham seus cinemas e suas imagens”. É só “a partir do momento em que esta diferença se torna visível que o militante pode politizar sua relação” com a classe operária, a qual pretende dar voz. Vinícius Dantas cita A Queda (1978), de Ruy Guerra, dizendo que ele é um filme que “força a barra” na medida em que compõe um “discurso de imagens que beira algo do tipo ‘segurança no trabalho’ à Jean Manzon”. Ilustração no final do artigo: operário entre anjos que, por sua vez, apontam suas flechas para ele. Aparentemente, a idéia é estabelecer a analogia: operário de um lado, cineastas (anjos) de outro, reiterando a distância entre eles que o artigo expõe.

5. Divulgação de exposição organizada pela Cine-Olho, p. 11

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6. Ilustrações, Créditos de Zé Roberto Sadek, p. 12-13

7. O homem da câmera - De mágico a epistemólogo. De Annette Michelson, traduzido por Vinícius Dantas, p. 14-34

Annette Michelson analisa o cinema de Vertov focando especialmente no filme O Homem da Câmera (1929). Ela começa apresentando e situando Vertov dentro da história do cinema russo e mundial, dizendo: “Vertov começa sua carreira em 1919 com um veredicto de morte pronunciado contra todos os filmes feitos até então. Não abria exceção para nenhum e redefinia o cinema como captação da ‘sensação do mundo’ através da substituição do olho humano (‘o olho inaperfeiçoável’) pela câmera, ‘o olho aperfeiçoável’. Para Vertov pois, a distinção ou o conflito entre aquilo que era conhecido como ‘filme de arte’ e qualquer outro tipo de cinema então feito, era completamente sem sentido”. Depois, Michelson lista algumas das estratégias de montagem utilizadas pelo cineasta: contínua referência à presença da tela enquanto superfície, inserção de técnicas de animação na ação, alternância no interior de uma longa sequência de velocidades lenta e “normal”, subversão e restauração da ilusão fílmica ao efetuar a ampliação e a contração da imagem fílmica, subversão da ilusão cinematográfica através de procedimentos de distorção e/ou abstração, solicitação constante do processo de intelecção pela estrutura complexa (a textura inteira deste filme é declaradamente montada) e a inversão da ordem e da ação. Esse último aspecto, segundo ela, é a “estratégia vertoviana de base”. Ela também atenta para o específico do cinema, dizendo que Vertov entendia isso como sendo um caráter privilegiado no qual o cinema é visto “como portador da promessa de uma incomparável e inesperada apreensão da natureza da causalidade”. Ilustrando o artigo, há fotos do cineasta e imagens de O Homem da Câmera (1929):

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Essa última sequência de fotos exemplifica a técnica vertoviana da subversão e restauração da ilusão fílmica ao

efetuar a ampliação e a contração da imagem fílmica. 8. Propaganda divulgando a marca Sadia, p. 35

9. Tributo ao ator James Dean, p. 36-41

Há fotos do ator e a transcrição de uma citação dele: “(...). Ser um bom ator não é fácil. Ser um homem é ainda mais duro. Eu quero ser os dois antes de chegar ao fim”.

10. Como se duas imagens pudessem ser de naturezas diferentes, de Luiz Renato Martins, p. 42-43

Duas imagens abrem o artigo:

Essa sequência de fotos já fora publicada em outro número, inclusive com a mesma legenda (N. 4, p. 20)

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Imagem de uma capa de revista: jovens de biquíni, close do rosto de uma modelo, praia, coqueiros.

Luiz Renato Martins começa dizendo que seu texto é uma carta “ao membro da revista que sugeriu, no número 4, a destruição da imagem da burguesia” e extensiva “aos realizadores do filme 25, que gravita segundo a mesma lei, ou não?”. 25(1977) é um filme de José Celso Martinez Corrêa. O autor pondera dizendo que a questão não é a imagem, mas sim, a sintaxe, a relação entre as imagens. 11. Eis o fascínio radical, ou O discreto charme da burguesia. De Charles Nebeau, p. 44-45

Charles Nebeau dá continuidade ao texto de Luiz Renato Martins. Ele questiona o poder das imagens e a forma como elas são articuladas de modo a produzir um sentido. Para ele, a ordem econômica e política da época cria imagens que induz a um tipo de comportamento alienado. Como resultado, o combate pelo progresso social se dilui numa verdadeira “guerra de imagens”. Para ilustrar essa situação, o autor cita a reportagem publicada na revista Isto É, de 25/07/1979, sobre organização estudantil Liberdade e Luta (o título da reportagem não é informado). O texto da Isto É apresenta os militantes como “terríveis adolescentes”, perturbadores da ordem e da paz. As fotos “foram cuidadosamente selecionadas para transformar atos corriqueiros em imagens espantosas e debochadas”. O nome João Bittar aparece em minúsculas no comecinho do artigo. Talvez ele seja o autor da matéria da Isto É (não é um dado confirmado, apenas uma suspeita). O termo LIBELU, presente no artigo, corresponde à junção das palavras liberdade e luta. Libelus é o nome dado aos militantes do movimento. Charles Nebeau fala também da abertura política que estava acontecendo na época e a forma como os meios de comunicação vinham se comportando diante disso. Aparentemente, caminhava-se para a democracia, mas ainda sim, a “guerra de imagens” continuava. Fotos e ilustrações ao longo do artigo:

Legenda: Liberdade e Luta em campanha pelo DCE-USP: contagiando escolas e sindicatos com sua doença infantil Pelo teor da foto e da legenda, provavelmente a foto foi vinculada junto com a matéria da Isto É (não é um dado confirmado, apenas uma suspeita).

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Ilustração no final da matéria

12. Propaganda divulgando o programa Globo Repóter da Rede Globo, p. 46

13. O conceituado contra o conceitua, de Jean Claude Bernardet, p. 47-48

O texto de Jean Claude Bernardet é uma resposta direta ao artigo Cinema Conceitual, de Arlindo Machado (N. 4, p. 10-16 e N. 5/6, p. 14-21). Ele diz que entre o cinema conceitual e o não-conceitual há semelhanças que merecem ser observadas: “se as diferenças são importantes, as semelhanças também, a ponto que se pode dizer que, estruturalmente, ambos pertencem a uma mesma família de pensamento”. Bernardet explica tais afinidades e conclui dizendo que é preciso tomar cuidado para não fetichizar esse tipo de cinema. Ao defender o cinema conceitual sem se aprofundar na questão, corre-se o risco de “uma mera substituição de formas”, na qual “determinado grupo propõe uma forma cinematográfica que julga mais adequada às ‘massas trabalhadoras’, mas que, para estas, continua sendo o cinema dos outros”. 14. Propaganda divulgando a marca Nardini, p. 49

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15. Confusões sobre (a Lira d) o delírio, de José Roberto Sadek, p. 50-54

Colagem de fotos e ilustrações que introduz o artigo:

Após observação cuidadosa, é possível observar que dentro da imagem há partes, separadas, do seguinte cartaz de filme:

Cartaz do filme A Lira do Delírio (1978), de Walter Lima Jr.. Tal informação explica o título do texto.

O artigo é composto por uma espécie de “colagem” de frases, semelhante ao texto de M. Piza, Sei que dadá será como antes, (N. 8/9, p. 3). José Roberto Sadek retoma a idéia do absurdo (também presente no texto de Piza), dizendo: “o delírio é o estado de absurdo cotidiano”. Além disso, há uma brincadeira de formatos. Uma das partes do texto é escrita na forma de questão múltipla escolha:

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Brincando com os formatos textuais e citando pensamentos e idéias soltas, Sadek tenta propor uma análise do filme de Walter Lima Jr.. O comentário de A Lira do Delírio (1978) se confunde com um questionamento existencial: “As atuações são boas. Parece que todo mundo vive bem seu papel./ Perfeito ninguém é”.

16. Propaganda divulgando o que parece ser um livro chamado Garatuja, da Editora Tranquilidade Brasileira (na segunda metade da página), p. 54

17. Propaganda divulgando a empresa Sondotecnica S.A., p. 55

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18. Nigthcomers, de Fernando Mesquita, p. 56-73

Foto introduz o artigo:

Não há informações de quem é na foto. Crédito: Nilson Villasboas.

O artigo se divide em três partes. A primeira fala do “triunfo do espetáculo”. Ele diz critica a sociedade em que vive dizendo que nela “tudo o que era diretamente vivido, afastou-se numa representação”. Como exemplo, cita o show de Gilberto Gil num especial da Rede Globo: “Gil de gravata no especial da Globo, necrosado pelo vídeo e uma orquestra em roupa de gala e gestos de manequim”. Citando Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo, Fernando Mesquita diz que o espetáculo é um “instrumento de unificação” e a “unificação que realiza não é outra coisa senão uma linguagem oficial da separação generalizada”. A segunda parte interrompe a primeira. O autor passa então a comentar seu próprio texto, que, originalmente, pretendia falar sobre grafite. Ele mostra-se bastante angustiado. Ele expõe o “rito de passagem” que divide suas intenções iniciais do resultado final. Para acentuar a mudança, Fernando Mesquita contrapõe seu texto “quadradinho” e demasiadamente racional aos textos de Sofia Carvalhosa e José Maurício de Oliveira, que são muito mais “livres” e “despudorados”. E conclui: “após a citação de Debord o texto parou, e, no dia 8 de agosto, finalmente, todos os exus estavam soltos”. Na terceira e última parte, o texto se modifica por completo. Da estrutura tradicional em parágrafos ele passa a se constituir de uma colagem de frases e pensamentos. Há grande liberdade na forma e conteúdo. Algumas frases significativas extraídas do texto: “o terreno para o qual o texto não queria saltar é o da Magia”, “falar em ‘movimento’ grafitista é como falar em movimento dos que trepam em qualquer lugar”, “fim do território (ou curral) onde estava confinada a política. A política está em tudo”, “ninguém, na Cine-Olho, entende porque a revista está dando certo. Apenas há suspeitas”, “Década de 70, ponto de inflexão: Delfim fez o Milagre, agora o Milagre vai fazer Delfim./ Não há Delfim: todos seremos herdeiros do caos”.

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Ao longo da matéria há um jogo de tarô:

Crédito: Eduardo Piocchi

Fotos:

Crédito: Maria Claudia P. Souza

Crédito: Nilson Villasboas

Crédito: Rosely Nakagawa

Sem créditos

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19. Ilustrações, p. 74-75

A segunda ilustração (a do índio) já apareceu antes: na matéria de Jean Claude Bernadet, O conceituado contra o conceitual (N. 8/9, p. 48):

20. Índice, p. 76

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Anexo III

Entrevista Fernando Meirelles

(Respostas enviadas via e-mail em 21 de maio de2012)

Como foi seu primeiro contato com a revista?

Um colega do Cine Clube da FAU que conhecia a turma da ECA me contou que estavam pensando em criar a revista e me convidou. Nunca soube porque fui convidado, mas topei.

Pelos créditos, dá para ver que a equipe editorial era extensa e tinha um número

significativo de pessoas na composição das ilustrações, fotografias, diagramação, revisão,

colaboradores internacionais. Como era a organização dessas funções? Qual era o papel e a

contribuição de cada um?

Tudo acontecia de maneira muito informal. Como eu não tinha nenhum conhecimento teórico sobre cinema, imediatamente percebi que minha contribuição seria mais na área da produção e distribuição da revista do que escrevendo artigos. Na verdade havia muitos artigos que eu sequer entendia do que tratavam.

Como o projeto gráfico da revista era pensado?

O Carlão Nascimbeni era o responsável. Aprendi com ele a contar caracteres para diagramar, como montar as páginas, como aplicar as fotos. Trabalhar como seu assistente foi um grande aprendizado. A diagramação, assim como a decupagem num filme, tinham importância para o projeto e foi melhorando aos poucos. Eu tinha uma Kombi então quando saia a revista eu ia de banca em banca deixando alguns exemplares em consignação e depois voltava em cada uma delas semanas depois para constatar que não haviam vendido quase nada. Quais filmes você via na época?

Os malditos me encantavam: Sganzerla, Bressane, Candeias. A GV sempre conseguia filmes que chegavam em suas mãos sabe-se lá como e essas sessões na 9 de Julho me interessavam muito. O Leon Kakoff, nesta época, começou também a exibir filmes de arte no MASP, sessões que depois viraram a Mostra de SP. O jovem cinema alemão era um hit nos anos 70/80

E de forma geral, o que te interessava no que diz respeito a livros, debates, música, artes

plásticas?

Nos 70 eu li alguns clássicos da literatura, li os latinoamericanos que estavam em voga como Cortaza, Neruda, Gabriel Garcia Marques. Fora rock progressivo como Pink Floyd ou Genesis, gostava de Zappa, Mautner, dos baianos. Milton era o ídolo da USP nos 70 mas nunca tive um disco dele. Por estar na FAU estava próximo de uma geração de artistas paulistas como Tozzi, Antonio Henrique Amaral, Aguilar, Sergio Ferro, Renina Katz, Maria Bonomi e por aí vai. Ia a exposições, acompanhava alguns deles. A Cine-Olho dava espaço para esses gostos pessoais?

Sim. Até onde eu saiba não havia nenhuma regra ou linha editorial mas a revista prezava o cinema poético, de invenção, mais do que o cinema narrativo.

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Por exemplo, em um depoimento do Fernando Meirelles, ele diz que o Fernando Mesquita –

um dos membros da revista – era apaixonado por Jean Baudrillard. Em um dos números da

Cine-Olho, há um texto extenso de autoria desse pensador. E o interessante é que nem é

sobre cinema, mas sim, sobre grafite. O que você acha disso?

O Fernandinho tinha esta incrível capacidade de pensar a vida num pacote só, não departamentalizada em cinema, política, artes etc. É um dos pensadores mais impressionantes com quem já convivi pois seu pensamento se refletia em sua maneira de viver, não ficava só no papel. Um verdadeiro libertário.

Quando li o material, identifiquei uma certa interdisciplinaridade na revista. Isso existia de

fato? De que forma as artes plásticas, a arquitetura e o grafite integravam a discussão sobre

cinema?

Estávamos num momento de abertura no país. As possibilidades que se abriam não cabiam só no cinema. As intervenções urbanas e grafites faziam parte desta mistura, um pouco dentro da linha "do papel para as ruas", se não, não faz sentido.

Como você vê a participação da atividade cineclubista na Cine-Olho? Você frequentava

algum cineclube na época? Qual?

Na Cine-Olho só haviam cinéfilos mas até onde eu saiba ninguém era ligado a cineclubes. Eu participava do cineclube da FAU mas minha atuação era apenas conseguir filmes para serem mostrados no auditório da escola. Um lado prático novamente. Nunca fiz parte de movimento cineclubista. De qualquer maneira estes cineclubes eram importantes num período onde não haviam filmes em VHS ainda e poucos filmes de arte chegavam as telas do Brasil.

A época, como você via a crítica de cinema no Brasil? Você acha que de alguma forma ela

negligenciava e/ou não abordava de forma precisa alguns filmes importantes do período,

principalmente no que diz respeito à produção nacional? De que forma você acha que a

Cine-Olho se colocava diante disso?

Sempre achei nossa crítica muito ideologizada, especialmente nos anos 70 e não é difícil entender a razão. A Cine-Olho, como eu disse, defendia também um cinema mais poético. Acho que os editores da revista que escreviam os artigos poderiam te falar melhor a respeito. Com quem você já falou?

No 4º número da Cine-Olho, aparece o nome da Editora Kairós. Por que a editora passa a

produzir a publicação e depois o deixa de fazer nos números seguintes? Pelo menos o nome

dela não aparece mais a partir do 5º número.

A Kairos era uma livraria das boas em São Paulo, creio que na quarta edição entraram com um dinheiro para que a revista pudesse sair mas a coisa não se repetiu depois. Achar quem pagasse pela revista era nosso grande esforço todo mês pois as vendas não cobriam os custos. - ( Se você prometer que usa a informação dizendo que "ha uma lenda" ou que" corria um boato" eu posso te contar exatamente como foi financiado o último número da revista. Sim a contravenção fez parte do projeto.)

Eu identifiquei alguns anunciantes na revista, como a Sadia, a Metal Leve e a própria Globo.

Como era esse contato com as marcas? Como ele era feito? Eu achei curioso o fato de haver

muitas críticas direcionadas à TV Globo e, ao mesmo tempo, existir esse anúncio divulgando

o Globo Repórter. Sem nenhum tipo de julgamento, como foi esse episódio? Gerou alguma

“saia justa”?

Esses anúncios eram conseguidos sempre através de relações pessoais. Estou certo que quem anunciou na revista jamais leu o que vinha escrito ali. Até onde eu saiba nunca houve nenhuma pressão. Era uma revista pequena, não ameaçava ninguém.

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No último número da Cine-Olho, Fernando Mesquita disse: “Ninguém, na Cine-Olho,

entende porque a revista está dando certo. Apenas há suspeitas”. Se a revista estava dando

certo, por que ela acabou?

Não tenho certeza porque o Fernandinho escreveu esta frase mas acho que pode estar ligada a maneira como financiamos este último número. O tal boato ou lenda. (que só conto se você não escrever como uma certeza mas como uma suposição)

De que forma a participação na Cine-Olho influenciou sua formação como realizador e/ou

crítico/ estudioso?

Foi meu primeiro contacto com a teoria e o pensamento sobre cinema. Participar da revista me obrigou a correr atrás e ler alguns livros chaves para entender a história, os movimentos e o alcance do cinema: Li Ismail Xavier, Bazin ou Bernadet neste período para compensar meu atraso e tentar entender o que publicávamos.