professor francisco de paula xavier de toledo e o

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PROFESSOR FRANCISCO DE PAULA XAVIER DE TOLEDO E O COLLEGIO DO LAGEADO DO CAMPO LARGO DE SOROCABA 1 Dagoberto Mebius/UNISO I – O “Lageado”, a tapera e a Vila de Sorocaba. Distante da vila de Sorocaba cerca de 2,5 léguas 2 erguia-se à direita da antiga estrada do Jundiaquara - um dos mais conhecidos caminhos das tropas, uma enorme tapera. Ao lado um ribeirão, inquieto serpenteava entre os tufos de mata e atravessava a antiga estrada, poeirenta nas épocas de seca e de difícil caminhar nas épocas de chuva. Conhecido por todos os viajantes e tropeiros como o ribeirão do “Lageado” onde se fazia uma breve e talvez última parada antes de chegar aos campos do Itinga, já em Sorocaba. Sobre esse córrego muitos anos antes já haviam passado tropas paulistas com destino ao Iguatemi em São Pedro do Rio Grande 3 e mais antiga ainda serviu de passagem aos primeiros grupos humanos iriam povoar o sul do continente. O sítio e a tapera há muito estavam abandonados. 4 No entre meio das décadas de 40 até 90 do século XIX, tem na Vila de Sorocaba um cenário propício ao desenvolvimento não só comercial com o intenso comércio de muares e seus anexos, como de expansão cultural e político que vai diversificar em muito as suas características. É nesse período que Sorocaba se vê como centro da Revolução Liberal de 1842, um episódio da constante disputa entre Liberais e Conservadores, que tanto atraso provocou ao país no Império. Terminada a disputa, retoma a vila a sua lida – a pequena agricultura familiar e as “feiras de animais”. Acomodada a política da província de São Paulo, a vila de Sorocaba passa se modificar e tomar as configurações sócio-urbana e arquitetônica que 1 Algumas vezes a grafia de alguns nomes de pessoas ou lugares irá ser encontrada destoante da grafia atual. Isso será normal no texto. Procurou-se manter algumas delas no seu original. 2 “... léguas”.- A légua é uma antiga medida de extensão que foi muito utilizada tanto em Portugal onde equivalia a 5.572 metros e no Brasil até fins do século XVIII equivalia a 6.600 metros. 3 É muito intensa a movimentação de tropas paulistas que constantemente ocorriam ao sul do país a chamado da coroa portuguesa. É também a partir dessa ligação que vamos ter uma grande identidade entre famílias paulistas e famílias gaúchas, principalmente de Sorocaba, onde o maior número de “voluntários” eram arregimentados. 4 O sítio e a tapera faziam parte de uma das sesmarias da família Mascarenhas Camello desde 1767 aproximadamente, quando aqui chegaram. Começava no antigo Engenho (bairro do Barreiro) e ia além do Jundiaquara e chegava ao atual município de Iperó. No centro dessa sesmaria surgiu a Vila de Campo Largo de Sorocaba, hoje Araçoiaba da Serra (1826). Presume-se também que a propriedade tenha sido amealhada durante o exercício do cargo de Administrador do Registro de Animais de Sorocaba. Mas sobre essa questão há uma controvérsia, uma vez que O tenente coronel Antônio Mascarenhas Camelo, membro do vitorioso partido Conservador, só irá ser investido no referido cargo ao fim da revolução Liberal de 1842.

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Page 1: PROFESSOR FRANCISCO DE PAULA XAVIER DE TOLEDO E O

PROFESSOR FRANCISCO DE PAULA XAVIER DE TOLEDO E O COLLEGIO DO LAGEADO DO CAMPO LARGO DE SOROCABA1

Dagoberto Mebius/UNISO

I – O “Lageado”, a tapera e a Vila de Sorocaba.

Distante da vila de Sorocaba cerca de 2,5 léguas2 erguia-se à direita da antiga

estrada do Jundiaquara - um dos mais conhecidos caminhos das tropas, uma enorme tapera.

Ao lado um ribeirão, inquieto serpenteava entre os tufos de mata e atravessava a antiga

estrada, poeirenta nas épocas de seca e de difícil caminhar nas épocas de chuva. Conhecido

por todos os viajantes e tropeiros como o ribeirão do “Lageado” onde se fazia uma breve e

talvez última parada antes de chegar aos campos do Itinga, já em Sorocaba. Sobre esse

córrego muitos anos antes já haviam passado tropas paulistas com destino ao Iguatemi em

São Pedro do Rio Grande3 e mais antiga ainda serviu de passagem aos primeiros grupos

humanos iriam povoar o sul do continente.

O sítio e a tapera há muito estavam abandonados.4

No entre meio das décadas de 40 até 90 do século XIX, tem na Vila de Sorocaba

um cenário propício ao desenvolvimento não só comercial com o intenso comércio de

muares e seus anexos, como de expansão cultural e político que vai diversificar em muito

as suas características.

É nesse período que Sorocaba se vê como centro da Revolução Liberal de 1842, um

episódio da constante disputa entre Liberais e Conservadores, que tanto atraso provocou ao

país no Império. Terminada a disputa, retoma a vila a sua lida – a pequena agricultura

familiar e as “feiras de animais”. Acomodada a política da província de São Paulo, a vila

de Sorocaba passa se modificar e tomar as configurações sócio-urbana e arquitetônica que 1 Algumas vezes a grafia de alguns nomes de pessoas ou lugares irá ser encontrada destoante da grafia atual. Isso será normal no texto. Procurou-se manter algumas delas no seu original. 2 “... léguas”.- A légua é uma antiga medida de extensão que foi muito utilizada tanto em Portugal onde equivalia a 5.572 metros e no Brasil até fins do século XVIII equivalia a 6.600 metros. 3 É muito intensa a movimentação de tropas paulistas que constantemente ocorriam ao sul do país a chamado da coroa portuguesa. É também a partir dessa ligação que vamos ter uma grande identidade entre famílias paulistas e famílias gaúchas, principalmente de Sorocaba, onde o maior número de “voluntários” eram arregimentados. 4 O sítio e a tapera faziam parte de uma das sesmarias da família Mascarenhas Camello desde 1767 aproximadamente, quando aqui chegaram. Começava no antigo Engenho (bairro do Barreiro) e ia além do Jundiaquara e chegava ao atual município de Iperó. No centro dessa sesmaria surgiu a Vila de Campo Largo de Sorocaba, hoje Araçoiaba da Serra (1826). Presume-se também que a propriedade tenha sido amealhada durante o exercício do cargo de Administrador do Registro de Animais de Sorocaba. Mas sobre essa questão há uma controvérsia, uma vez que O tenente coronel Antônio Mascarenhas Camelo, membro do vitorioso partido Conservador, só irá ser investido no referido cargo ao fim da revolução Liberal de 1842.

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atravessará todo o final do século XIX. Construções de enormes casas e sobradões de

comércio começam a transformar o visual das principais ruas. São lojas, armazéns, oficinas

de artesãos de couro e metais, rendeiras e pequenas tecelagens, botequins e outras coisas

mais. Inúmeras trupes com seus “circos de cavalinhos” traziam diversão e cultura a

população flutuante que se estabelecia nos meses da “feira”. Os inúmeros contingentes de

peões com suas maneiras diferentes de falar vão mesclar e dar uma característica quase que

final ao linguajar popular.

Sorocaba tornava-se ponto de concentração dos negociantes de animais, os

vendedores procedentes das províncias do sul e compradores, vindos das províncias do

centro e do norte do país5. Certamente esse encontro não ficaria tão somente nas coisas

ligadas ao comércio dos animais. Com a conseqüente acumulação dos resultados

financeiros do rico mister, muitas famílias sorocabanas começam a vislumbrar expectativas

diferentes para seus filhos. Esse pensar diferente canalizado muitas vezes por uniões de

famílias locais ou com famílias de fora pelas alianças matrimoniais como comerciais ou

ainda “estudar fora”. Antes já existiam algumas células de poder no estrato social

sorocabano6. Este poder passa a ser sentido também nas grandes mudanças culturais.

As insipientes escolas régias que funcionaram em Sorocaba não eram suficientes

agora para dar conta do afluxo de alunos e formação das novas elites. Dessa forma a

Câmara de Sorocaba, em fevereiro de 1842 oficiava ao governo da província solicitando

uma cadeira de Latim e Francês para a vila. Tal solicitação só irá ser atendida cinco anos

depois, quando no dia 18 de janeiro de 1847, é examinado, aprovado e nomeado para o

cargo de professor de Latinidade e Língua Francesa o professor Francisco de Paula Xavier

de Toledo, recebendo para tanto o ordenado de 400$000 pelas aulas de latim e mais

300$000 pelas aulas de francês7.

5 Os animais aqui comercializados eram utilizados nos serviços de transportes principalmente e tinham um alto custo final. As terras de Sorocaba por suas características de cerrado e campos, com excelente quantidade de córregos e riachos facilitavam a parada e a engorda dos animais. 6 Sorocaba até o final do século XVIII era apenas mais das inúmeras típica vila colonial, praticamente desabitada na maior parte do tempo. Viajantes, entre eles Saint-Hilaire, que assim registrou a vila de Sorocaba em sua viagem à província de São Paulo: “... as pessoas se aborrecem sozinhas e se aborrecem juntas. Não há festas públicas, não há passeios pelo campo – nada que desperte alegria e animação. As pessoas ficam estiradas preguiçosamente, conversam interminavelmente sobre assuntos banais, cochilam...”. É, portanto com a atuação de algumas famílias ligadas ao comércio dos animais que irão surgir as primeiras fortunas e a conseqüente dicotomia social dos pobres e ricos. Enquanto o grosso da população permaneceria na lida da terra como forma de subsistência. 7 Se dividirmos pelos 12 meses do ano, poderemos verificar que o salário oferecido na época era de 58$333, uma quantia irrisória e não muito atraente também, com esse dinheiro era praticamente impossível levar-se uma vida tranqüila. Isso levava a maioria dos mestres-escolas e professores a boemia ou uma vida um tanto irregular. Quanto às mulheres esse salário não oferecia tantos problemas, pois a maioria delas viviam as expensas da família, esse motivo levava a um contingente maior de mulheres no magistério.

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A tramitação do exame até a nomeação foi feita pelo presidente da província de São Paulo,

Conselheiro Manoel da Fonseca Lima e Silva. Porém é quase certo que o jovem professor

Toledo com apenas 22 anos de idade tivesse tido alguma dúvida, pois nomeado em janeiro,

só comparece a Câmara Municipal de Sorocaba para apresentar sua carta de nomeação de

professor público de gramática latina e francesa e tomar posse do seu cargo em 22 de

março de 1847, quando presta juramento e é registrado. Isso contrariava os regulamentos

do ensino de então, mas esse detalhe não era importante para os nobres cidadãos que

comandavam a Câmara.

Para entender um pouco a situação do ensino na então província de São Paulo por essa

época, nada melhor do que o Relatório do 1° Inspetor Geral, Dr. Diogo de Mendonça Pinto

em 1851. Nesses documentos relacionam-se mais de 220 escolas primárias de ambos os

sexos, 24 cadeiras de Latim e Francês, das quais apenas 14 estavam providas, 2 Liceus –

um em Taubaté e outro em Curitiba, além da Escola Normal.

As escolas primárias, chamadas ainda de escolas régias, conservavam ainda o ranço

e a rotina dos tempos coloniais, vegetavam numa rotina emperrada, em ambiente hostil e

repleto de veleidades. Eram “instituições” escolares que estavam distantes de se constituir

um conjunto hierarquizado, formando sucessivos degraus para as escolas superiores.

Faltava-lhes tudo.

As cadeiras de Latim e Francês eram uma regalia concedida só as cidades e vilas

que possuíssem certa distinção. Sorocaba possuía todos os requisitos para isso. Suas “feiras

de animais” eram conhecidas em todo o Brasil e daqui saiam grande parte dos impostos

recolhidos pelo Tesouro Provincial e Imperial.

Empossado para o seu cargo, o professor Toledo instala sua “sala de aula”, na rua

das Flores entre o antigo largo do Rosário e a rua Direita – hoje rua Monsenhor João

Soares. Seus primeiros alunos não são crianças, presume-se já estarem na faixa dos atuais

adolescentes, pois as aulas de Latim e Francês são destinadas na época para esses jovens,

inclusive alguns já taludos. Isso não o desanima, nem tão pouco o intimida. O traço mais

marcante do professor Toledo é o caráter firme que o reveste até o final da vida.

Os seus primeiros alunos, segundo as atas da Câmara – que se encontra perdida, são

em número de 37. São filhos das mais importantes famílias da vila. Nota-se com

freqüência o sobrenome Mascarenhas em virtude da ascendência e predomínio social desse

tronco familiar na época.

Eis a lista dos alunos:

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1. Américo Brasiliense de Almeida Mello8

2. Antônio Augusto Lessa

3. Antônio de Mascarenhas Camello Neto

4. Antônio Mascarenhas

5. Antônio Moreira da Silva

6. Bento de Mascarenhas Jequitinhonha

7. Bento de Mascarenhas Martins

8. Bernardo de Mascarenhas Martins

9. Cypriano de Mascarenhas Oliveira

10. Eduardo de Mascarenhas Oliveira

11. Francisco Ignácio de Arruda

12. Francisco de Assis Penteado

13. Frederico de Mascarenhas Oliveira

14. Gustavo de Mascarenhas Oliveira

15. João Bicudo de Almeida

16. João Martins de Araújo

17. Joaquim Bicudo de Almeida

18. Joaquim Mariano Corrêa de Moraes

19. Joaquim Martins de Araújo

20. José Dias de Arruda

21. José Mariano Corrêa de Moraes

22. José Martins de Araújo

23. José Rubino de Oliveira9

24. Lúcio de Mascarenhas Mastins

25. Otto Langard

26. Ubaldino do Amaral Fontoura10

Em 1849, dois anos o número de matrículas das aulas do professor Toledo

passavam para 48 alunos, o que lhe valeu uma referência e elogio do Conselheiro Pires da

Motta na Assembléia Provincial em 1850. Nos anos seguintes outras referências aparecem

8 Américo Brasiliense de Almeida Mello, irá se destacar na vida pública da província de São Paulo. 9 José Rubino de Oliveira, filho de um seleiro, fabricante de guaiacas, era mulato e boêmio, tinha tudo para dar errado, no entanto tornou-se um dos mais respeitados jurisconsultos paulistano. 10 Ubaldino do Amaral Fontoura, um rapazola vindo do sul com a família, foi advogado, juiz, deputado, senador e ministro do Império.

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nos relatórios da Inspetoria Geral da Instrução Pública. Em 1853 a citação da queda para

22 alunos matriculados nas aulas de Latim e 4 para as de Francês, em 1857 apenas 33

alunos matriculados, onde somente 28 compareciam e a pior em 1858, com 35 onde

compareciam somente 24.

E não era para menos, pois ainda em 1857, o Governo Provincial estabelecendo a

freqüência média de 15 alunos por escolas de Latim e Francês, fecharia mais da metade das

então 51 escolas, depois reduz para 7 e finalmente fica apenas com 4 escolas dessa matéria.

A de Sorocaba, do professor Toledo era a melhor e com mais freqüência. Ela foi referência

por três vezes consecutivas nos Relatórios da Instrução Pública.

Após 10 anos de exercício, em 1857, aos 32 anos e com excelente fé de ofício, o

professor Toledo requer sua jubilação. Seus vencimentos que eram de 800$000 fica

reduzido a título declaratório para 20$000 mensais.

Essa atitude do professor Toledo tinha uma razão muito importante. Por essa época

já estava casado com Delfina Mascarenhas Toledo, filha rico e conceituado tenente-coronel

Antônio Mascarenhas Camelo, o Administrador dos Registros de Sorocaba11. Esse

matrimônio, visto com bons olhos pela família Mascarenhas Camello, ocorreu em 9 de

janeiro de 1848, Delfina tinha então 15 anos de idade.12

Com o casamento o professor Toledo passa a residir na casa do sogro13, pois o

minguado salário de professor público não lhe oferecia muita condições de assumir a

responsabilidade de chefe de família, agora bastante aumentada.14

É bem certo que o professor Toledo mantivesse alguns alunos externos, com aulas

particulares e sua esposa Delfina ainda o ajudasse com uma espécie de pensionato para

suas sobrinhas Custodia, Januária, Athanásia e Robertina Mascarenhas Camello, todas da

11 Administrar o Registro de Animais era uma função cedida pelo governo imperial a um cidadão de expoência e principalmente de posses, pois este deveria recolher os impostos sobre os animais que passassem pelas barreiras, essa cessão era paga por estimativa antecipadamente, ficando o administrador com um percentual de cobrança, nada modesto para época. Essa função foi motivo do enriquecimento de muitas famílias sorocabanas. A própria família dos Tobias de Aguiar entre outras foram administradoras de registro de animais. Haviam barreiras de cobrança de impostos sobre animais em muitas cidades na rota dos tropeiros. Por essa razão um animal de bom porte era vendido pela incrível quantia de 350$000 a 400$000, muito mais que o salário de um professor. 12 Casamentos com mulheres novas eram muito comuns por essa época. Vários motivos levavam as famílias aceitarem essas uniões. Haja visto que o professor Toledo era um jovem sem muitos recursos financeiros, mas em contra partida era um jovem bastante culto e dotado de muita energia. 13 O professor Toledo quando chegou a Sorocaba, foi morar na casa de sua irmã Benedita Carolina de Toledo, então casada com Francisco de Assis Penteado, que moravam na rua da Ponte – atual rua 15 de Novembro. 14 Primeiros cinco filhos foram: Joaquim Caiuby – 03/11/1848; Bento – 07/04/1850; Antonio Carlos – 11/02/1851; Frederico Guanabara – 21/11/1852; Luiza Engracia – 01/11/1854; e Firmino Tamandaré – 02/03/1856.

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cidade de Castro no Paraná. O movimento de aulas extras e o pensionato será a célula

geradora do futuro Collégio do Lageado.

O livre trânsito do professor Toledo pela sociedade sorocabana da época, embalou

ainda mais o sonho da sua própria escola, e mais ainda, em regime de internato e instalado

em um edifício adequado para tal. Cujas instalações pudesse receber, alunos e alunas de

outras localidades. Tal projeto baseava-se no grande movimento de famílias que vinham

para Sorocaba durante as “feiras de animais” e aqui chegando alugavam casas, chácaras ou

então adquiriam seus próprios imóveis para estadia e acabavam ficando.

Era uma utopia realizar tal projeto no perímetro de Sorocaba. Pois todos os campos

e cantos eram ocupados pelo movimento do comércio de animais.15

Não havia mais como retroceder. Seu sogro a par do projeto propôs ceder-lhe por

doação, a propriedade do “sítio da Tapera”, na vila de Campo Largo de Sorocaba.

Com a decisão de aceitar a oferta, irrecusável por sinal, o professor Toledo toma a

primeira medida para iniciar o projeto. Desliga-se da cadeira e dos últimos proventos de

professor jubilado de Latim e Francês, a qual dirigira com extremo brilho, pois a sua fora a

melhor em toda a província de São Paulo. Comunica a sociedade de então a instalação do

“Collégio” e muda-se com toda a família para o sítio da Tapera.

II – A Primeira Fase do Collégio do Lageado

Ainda no começo de 1859 tem início as modificações na arquitetura da velha casa,

acrescentando-se duas novas alas, financiadas por empréstimos conseguidos junto a

algumas entidades16 e famílias que adiantaram o dinheiro necessário para o

empreendimento.

Uma das alas serviria de residência para a família e o pensionato de Delfina. No centro

ficava: biblioteca, salão de música e na parte posterior além de um grande dormitório

masculino a pequena capela de São João,17 embora o professor Toledo não tivesse com a

15 Só para se ter uma idéia da quantidade de animais que passavam por Sorocaba: 1847 foram 29.333, nos anos seguintes chegou a duplicar; Em 1857 foram 51.485, chegando ao maior número em 1869 com 67.811 animais passando por Sorocaba. Esses números eram apenas do animais registrados, considere-se ainda uma fuga de registro e impostos que era superior a 12% em alguns anos e teremos o número final. O maior valor de imposto recolhidos foi de 1857 com 19:649$380 – dados do Livro de Barreira – Sorocaba - DAESP 16 Esses empréstimos, conseguidos junto à sociedade sorocabana vem principalmente de um loja maçônica e de uma comunidade religiosa católica – fatos e detalhes ainda não muito bem esclarecidos, irá criar uma dualidade de interesses para a qual o professor Toledo não estaria preparado anos mais tarde. 17 Por tantos e bons relacionamentos com pessoas ilustres da sociedade sorocabana, o professor Toledo certamente tenha sido filiado à maçonaria local. Pois era raro que cidadãos influentes e de certa cultura não fossem maçons, muito embora a religião oficial fosse o catolicismo.

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religião senão um breve deismo. Na ala direita situava-se a primeira sala de aula para os

meninos.

Os agregados e serviçais, arranchava-se em pequenas construções nos fundos.

O Collegio começou a funcionar já no segundo semestre de 1859. Essa questão é

comprovada pelo conhecimento que tivemos18 de três trabalhos de caligrafia com data de 7

de outubro de 1859, esses folhas soltas tinham as iniciais dos seguintes alunos: Antônio

Carlos Alberto de Mascarenhas Camelo, Benedito Estevam Cordeiro e Francelino Dias

Batista. Foi um primeiro momento muito difícil para que se adequasse todo o projeto do

professor Toledo. Dois longos anos seriam precisos ainda para que o Collegio do Lageado

tomasse a forma que conservou até o fim.

Talvez a fama de “escola rural”, tenha nascido da simplicidade e rusticidade do

empreendimento. Mas foi essa característica que fugia totalmente aos padrões das escolas

particulares existente de então, que alçou sua fama além dos limites da vila e da província.

O currículo baseava-se principalmente no ensino de línguas, sobretudo o Latim. O

português apenas girava em torno da gramática latina. Francês e Inglês eram os maiores

pesos nas matérias19, não havia ainda um “museum” de história natural, nem “gabinete de

physica e chimica” – tais matérias figuravam nos programas de ensino como “lições de

cousas”.

Nesse começo, o professor Toledo era o único docente em razão do exíguo número

de alunos. O pensionato tivera nesse final de 1859 o acréscimo de mais três meninas:

Olympia, Maria Joaquina e Anna Angelina, filhas do Dr. Olivério Pilar, importante

advogado de Sorocaba.

No início do ano de 1860, 62 alunos já estão matriculados no Collegio, sendo 12

alunas do pensionato e 50 meninos do Collegio. Com esse número de alunos e alunas, o

18 Esses documentos foram os mesmos que o professor João Lourenço Rodrigues deve ter visto, pois a pessoa que os detinha conheceu tanto o professor Toledo como o professor João Lourenço Rodrigues. Era José Bueno, morava na estrada Raposo Tavares, na altura da estrada de Araçoiabinha. Um dos mais antigos moradores da região. Em 1983, foi através desse senhor que tive o meu primeiro contato com a história do Collegio e de seu idealizador. Infelizmente desapareceram esses últimos documentos referentes ao Collegio e uma das maiores provas de sua história. Com o falecimento de José Bueno, pessoa de poucos estudos, a vida inteira fora lavrador, os documentos desapareceram. Familiares de José Bueno estão dispersos pela região, mas pouco ou nada sabem. 19 Em virtude das “feiras de animais” e da reativação da Fábrica de Ferro de Ipanema em 1860, era muito grande a presença de estrangeiros nesta região, na vila de Campo Largo de Sorocaba, havia até um bilhar para esses estrangeiros. E tais presenças não eram novidade, havia grande número de alemães, franceses, suíços, ingleses e suecos, que na maioria vieram em busca de trabalho nas fundições reais da Fábrica de Ferro de Ipanema. Muitos estavam aqui desde o início da Fábrica em 1810 e já haviam constituído famílias, cujos filhos estudavam em duas escolas públicas – a de Campo Largo, que quase não funcionava pela constante ausência do mestre-escola e a de São João do Ipanema, cuja oficialização só vai ocorrer em 1884, até então era mantida pela Fábrica de Ferro, cujo mestre-escola era alemão.

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Collegio contrata o professor Luiz Gonçalves da Rocha para lecionar no curso de primeiras

letras. Para as aulas de do curso secundário que compreendia Latim, Francês, Inglês,

Aritmética, Geometria, Desenho e Música fora contratado o professor Adolpho Augusto

Bassano20.

O Collegio do Lageado recebe entre seus alunos nesse período os dois filhos do Dr.

Júlio Galvão de Moura Lacerda, diretor do Atheneu na capital da província de São Paulo, o

que demonstra claramente a qualidade do ensino e da austeridade do Collegio do Lageado.

No ano de 1863 o corpo docente do Collegio do Lageado era o seguinte:

Pe. Francisco de Assumpção Albuquerque – era professor e capelão

Marcolino Ribas

Joaquim Belchior Martins – professor de primeiras letras

Joaquim Caiuby de Toledo21

Ignácio Firmino de Albuquerque

Adolpho Augusto Bassano – Francês, Inglês, Gramática e Caligrafia

Salustiano Zeferino de Sant’Anna – Música

Os proventos dos professores eram de 50$000 por mês. Considerando-se que

tinham cama e comida, não era de todo ruim. Considerando-se que os professores públicos

ganhavam pouco mais que isso, e a seco...

A parte física do Collegio foi bastante aumentada para poder abrigar, o corpo

docente, os agregados, serviçais e a númerosa família do Diretor e mais de 120 alunos e

alunas. O levantamento da área construída final dá mostra de aproximadamente 2.500m²,

20 Adolpho Augusto Bassano, é talvez uma das figuras mais controvertidas e estranhas da história do Collegio do Lageado. Depois do Diretor, era a principal figura do Collegio do Lageado, seu contrato data de 12 de julho de 1860 e seus primeiros ordenados eram de 50$000 mensais. Ninguém sabia sua origem, envolta em mistério e segredos, apesar do sobrenome italiano – por sinal muito comum na época, era um poliglota com extremada habilidade. Era hábil no ensino das línguas estrangeiras e possuía um raro conhecimento de “calligraphia e gymnastica”. Era admirado pela suas maneiras finas e pelo rara distinção pessoal. Mas havia um defeito nessa figura: era alcoólatra. Quando ficava alcoolizado, retirava-se para um canto ou desaparecia por dias. O que certamente escandalizava a todos. Uma das hipóteses para Adolpho Augusto Bassano, é a de ter vindo fazer a vida como “jogador de carteado”, por estas paragens no auge do tropeirismo ou ainda ter sido um dos muitos aventureiros estrangeiros que aqui chegaram para fazer fortuna às atividades paralelas das “feiras de animais” ou até mesmo da Fábrica de Ferro de Ipanema, que tantos europeus trouxera para esta região. Com tudo isso Adolpho Augusto Bassano casa-se em 1862 com uma das internas do Collegio, Maria Angélica Baillot, filha do franco-holandes, Charles Leon Baillot, comerciante da vila de Campo Largo de Sorocaba, assassinado por questões de terra. Adolpho Augusto Bassano, retira-se para Tatuí em 1864 junto com a mulher. Um ano depois em 1865 desaparece e é dado como morto ao desaparecer nas águas do rio Tietê. 21 Joaquim Caiuby de Toledo, filho mais velho do professor Toledo, que aos 17 anos incompletos já dava sua parte de colaboração no corpo docente como substituto. Em 1865, casa-se com sua prima Custódia, uma das primeiras alunas do internato de D. Delfina.

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incluindo salas de estudos, biblioteca, salas de estar, sala do diretor, dormitórios, cozinhas

e outras tantas dependências.22

Abaixo a relação dos alunos e alunas desse período por seção e origem – 1859 a

1864.

Seção Masculina

1. Antônio Mascarenhas Camello Netto Sorocaba Sobrinho

2. Bento Mascarenhas Jequitinhonha “

3. Belarmino Mascarenhas “ Idem

4. Antonio Carlos Alberto de Toledo “ Filho

5. Frederico Guanabara de Toledo “ Idem

6. Firmino Tamandaré de Toledo “ Idem

7. Joaquim Firmino de Toledo “ Idem

8. Francisco de Mattos “

9. Antonio de Mattos “

10. Elias da Costa Passos “

11. Elias Lopes Monteiro “

12. Antonio Lopes Monteiro “

13. Antonio Lopes Guimarães “

14. Francisco Xavier de Oliveira “

15. Francisco Lopes “

16. Francisco Lopes de Oliveira “

17. Elias Lopes de Oliveira “

18. Joaquim Lopes de Oliveira “

19. Leonel José Abreu Sandoval “

20. Odorico Americano Gauycuru “

21. Brasílico Paes de Barros “

22. Carlos Paes de Barros “

23. Fernando Paes de Barros “

24. Francisco Paes de Barros “

25. Benedicto Estevão Cordeiro “

22 Os trabalhos de levantamento arqueológico realizado no local mostra com exatidão as proporções desse imenso prédio, que infelizmente foi totalmente destruído pelo tempo e pelo homem. Uma apresentação em multimídia realizada com técnicas de AutoCad com o levantamento arqueológico e arquitetônico do conjunto tem sido apresentado a comunidade universitária e interessados para divulgação de tão importante personagem e sua obra.

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26. José Pereira Chagas “

27. José Rogich “

28. Bento Bicudo “

29. Pedro Bicudo “

30. João Bicudo “

31. José Bicudo “

32. Jeronymo Rodrigues de Moraes “

33. José Dias de Arruda “

34. Francelino Dias Baptista “

35. Bernardo de Assis Mascarenhas Campo Largo

36. Francisco de Mascarenhas Martins “

37. Verissímo de Mascarenhas Martins “

38. Antonio Martins de Araújo “

39. Francisco Carlos Baillot “

40. Francisco de Assis Mascarenhas “

41. João Lycio Gomes da Silva “

42. José Joaquim de Camargo “

43. Francisco José Ribeiro “

44. Ismael de Toledo23 “

45. Casemiro de Toledo “

46. Francisco Ignácio de Toledo Barbosa São Paulo

47. Firmino Ignácio de Toledo Barbosa “

48. José Augusto de Toledo Barbosa “

49. Joaquim Floriano de Toledo Barbosa “

50. João Floriano de Toledo Barbosa “

51. João Baptista Dias de Toledo “

52. Benedito Dias de Toledo “

53. Julio M. Galvão Moura Lacerda “

54. Manoel Augusto Galvão Tatuí

55. Joinvile José Seabra “

56. Joaquim José Seabra “

23 Tanto Ismael como Casemiro eram filhos de escravos mas estavam regularmente matriculados no Collegio do Lageado, pois o professor Toledo acreditava que um dia chegaria quando todos os homens seriam livres e deveriam estar preparados para isso.

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57. Antonio Vieira Branco Ibiúna

58. Joaquim Belchior Martins Sta. Bárbara

59. Martim Francisco Graça Martins “

60. José Ribeiro Graça Martins “

61. Fernando Prestes de Albuquerque Itapetininga

62. Ignácio Prestes de Albuquerque “

63. Firmino Pinto de Camargo “

64. Cesário Motta Junior Capivari

65. Fernando Nogueira da Motta “

66. Francisco de Assis Oliveira Bueno Campinas

67. Joaquim de Toledo “

68. Manoel de Moraes “

69. José Teodoro de Andrade “

70. Alfredo Bueno de Andrade “

71. Antonio de Barros Dias “

72. João de Barros Dias “

73. José de Barros Dias “

74. Joaquim de Toledo Malta Jacareí

75. Laudelino José Fiusa Itapeva

76. Manoel Caetano Martins “

77. Theophilo Carneiro Paraná

78. Teotônio Marcondes Marques “

79. Theophilo Mascarenhas Garcez Castro

80. Silvério de Mascarenhas Oliveira “

81. Roberto de Mascarenhas Oliveira “

82. José Gomes Pinheiro Machado R.G. do Sul

83. Antonio Gomes Pinheiro Machado “

84. Caetano Padilha “

85. Nuno Lago “

86. Elyseu Ayres do Amaral “

Seção Feminina – Internato de moças de D. Delfina

1. Olympia Pilar Sorocaba

2. Maria Joaquina Pilar ”

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3. Anna Angelina Pilar “

4. Honorina Martins Campo Largo de Sorocaba

5. Vitalina “

6. Maria Angélica Baillot24 “

7. Ana Angelina ”

8. Evangelina de Mascarenhas Martins ”

9. Elvira de Mascarenhas Martins ”

10. Luiza Engracia de Toledo ”

11. Januária Mascarenhas Camello Castro - Paraná

12. Custodia Mascarenhas Camello25 ”

13. Robertina Mascarenhas Camello ”

Nesse período de 1859 até 1864, o Collegio do Lageado adquiriu fama graças a

excelente qualidade do seu currículo e do seu Diretor, o Professor Toledo, por outro lado

com o início da malfadada guerra do Paraguai, em 1864, o Collegio do Lageado perde

alguns dos seus professores, incluindo Adolpho Augusto Bassano, que mesmo com a

elevação de seu cargo para a vice-diretoria do empreendimento, deixa o Lageado.

Tem início então uma série de problemas, de um lado as despesas de manutenção

crescem dia-após-dia.26 Por que além dos gastos normais de pessoal e material, havia a

necessidade cada vez mais imperiosa de amortizar as dividas contraídas por ocasião de

criação do Collegio. Pois aquelas entidades e instituições e outros credores exigiam o

pagamento imediato de juros e retorno de capitais. Muitas dessas pessoas, cujos filhos já

haviam passado pelo Lageado e agora cursavam as Escolas Superiores de Direito em São

Paulo, Engenharia e Medicina no Rio de Janeiro, consideravam já terem esperado demais e

as “entidades e instituições” ignoravam um dos maiores segredos do Collegio do Lageado

– a instrução gratuita.

Com os tempos cada vez mais complicados, a guerra no sul, muitos comerciantes

escondiam as “burras” e deixavam de pagar as anuidades.

24 Maria Angélica Baillot – aluna do pensionato de Delfina Mascarenhas Toledo, de aluna passa a professora de primeiras letras, prepara-se com o professor Toledo e presta exames na Escola Normal de São Paulo, formada recebe a primeira cadeira na cidade de Tatuí. Casada com o Augusto Bassano, e mãe de Augusto Baillot, foi uma mulher extraordinária para o seu tempo. A minha admiração por essa personagem, que em sua época foi uma das grandes mulheres desta província pela sua disposição em aprender e ensinar. Lamentavelmente, são também exíguos os registros sobre ela. Mas continuamos a procurar incessantemente. 25 Custódia Mascarenhas Camello, casa-se com Joaquim Caiuby em 1865. 26 Mesmo com uma anuidade por volta dos 400$000 por aluno, estava difícil manter o Lageado.

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Muitos pais também foram retirando seus filhos com receio do “voluntariado do

governo”27 que laçava indistintamente nas zonas rurais as “buchas” que precisava para

manter a guerra contra Rosas no Paraguai. Com esses alunos também deixava de entrar o

numerário suficiente para manter funcionado o enorme Collegio do Lageado.

O Professor Toledo na eminência de fecha o Collegio, mesmo contra sua vontade,

se vê obrigado a enviar para suas casas os alunos gratuitos , cujos pais , não tratavam de

retirá-los...

Começara pobre, e ficara mais pobre ainda, pois endividado, não lhe restou outra

saída senão a de oferecer aos seus credores o pouco que guardara.

Fechando as portas em fins de 1866, o professor Toledo não poderia ficar de braços

cruzados, pois havia uma família numerosa olhando para a mesa.

As dificuldades pelas quais o país passava diante da guerra, a ausência de alunos,

faziam do Lageado um local triste, pois era comum ver grupos de soldados passarem pelo

Lageado em direção ao sul. Passavam cantando. Não raro carretas que retornavam com

notícias ruins da frente de batalha tão distante e tão perto dos corações de muitas famílias

sorocabanas.

Encerra-se assim o que se denomina Primeira Fase do Collegio do Lageado de

Campo Largo de Sorocaba.28

O período que vai de 1866 até 1874, o professor Toledo, se associa a dois cidadãos

franceses, ambos comerciantes na capital da província de São Paulo – eram André Luis

Garraux e Pierre Martin29 para se ocuparem do beneficiamento do algodão.

III – Segunda Fase do Collégio do Lageado

27 O entusiasmo provocado pela propaganda a favor da guerra do Paraguai, também chegara ao Lageado, era geral em todo o país, dessa forma se alistam como voluntários: os professores Padre Francisco Albuquerque e Marcolino Ribas. Alguns alunos também se alistam e dentre eles José Pinheiro Machado e Bento Bicudo. Como era comum o envio de escravos para a guerra, com a promessa de alforria, seguiu Joaquim Corésca de Fraga Neves, carioca, há muitos anos servia ao professor Toledo. Um outro de nome Francisco, cuja história é risível, trocara um paletó velho com um proprietário de terras em Campo Largo, com a condição de substituir o filho deste. Foi e voltou. Consta que anos depois tornara-se vendeiro de frutas no Itinga. 28 A Fase Industrial do Lageado é um capítulo que não será acrescentado a este trabalho, para não alongarmos no interesse primeiro – o Lageado como escola e Francisco de Paula Xavier de Toledo como um dos grandes educadores paulistano. Homem de coragem que ousou ir além de Edmundo Demolins que funda a escola Dês Roches meio século depois. Toledo foi pioneiro da educação nova, nos moldes das escolas inglesas de Bendales, que funcionavam em pleno camppo. 29 André Luis Garraux possuía uma livraria que mais tarde se tornaria famosa como editora na capital de São Paulo e Pierre Martin era seu guarda-livros. Como ambos não poderiam deixar a capital para virem tocar o negócio do algodão, mandam vir da França, Jules Martin, irmão de Pierre. Jules Martin habilidoso com desenho, máquinas à vapor e outros mecanismos e juntamente com o belga Henrique Bouvier, montam uma máquina de descaroçar algodão no Lageado.

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A segunda fase do Collegio do Lageado30 tem início no segundo semestre de 1875,

quando uma comissão de homens ilustres e poderosos31 procuram o professor Toledo e lhe

oferecem recursos para tal abertura, uma vez que o pensionato de Delfina, sua mulher já há

algum tempo estava funcionando – desde fins de 1873,32 algumas moças e em 1874 outras

mais.

São trinta e sete meninas e moças oriundas de várias regiões, algumas não se tem o

sobrenome ou a origem.

Eis a listas:

Jorgina Jorgette de Toledo Campo Largo

Abigail Noemi de Toledo “

Alice Rosa da Silva Barros “

Maria Elisa de Arruda “

Lydia Lopes Martins “

Elisa Pires do Amaral “

Benedicta de Mascarenhas “

Francisca Jorgina Martins “

Mariquinha Pires do Amaral “

Escolástica de Mascarenhas Martins Sorocaba

Zelma de Mascarenhas “

Idalina do Amaral “

Maria do Amaral “

Maria das Dores Bastos “

Abigail de Mattos “

Olívia Belchior Martins “

Cyrilla Nogueira “

Carolina Augusta Alves de Lima Tietê

Abigail Assumpção Itapetininga

Maria Illustrina de Carvalho Porto Feliz 30 Quando da abertura da Primeira Fase do Collegio Lageado, havia na província de São Paulo seis Collegios dos quais 4 na capital, 1 em Campinas (Sete de Setembro) e 1 em Pindamonhangaba. Agora na abertura da Segunda Fase do Lageado, contabilizamos mais um na capital (Seminário Episcopal), em Itu (São Luiz) e em Campinas (Culto à Sciência). Um total de nove grandes concorrentes no ensino particular. 31 A comissão compunha-se de José Dias de Arruda, Francisco Ignácio de Arruda, Rafael Aguiar de Barros e Anacleto Dias Batista, todos eles homens ricos e em condições de assumirem o compromisso. 32 É apenas uma suposição pois a aventura do algodão havia acabado 1871 ou 1872. Com a retirada de Jules Martin para São Paulo, onde iria montar a primeira oficina de litografia, chamada de Imperial pelo fato de ter recibdo a visita de D. Pedro II durante a sua inauguração. Jules Martin ainda será o construtor do primeiro viaduto do Chá. Seu nome está muito ligado a história paulistana no último quartel do século XIX.

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Carolina de Carvalho “

Gertrudes Teixeira de Carvalho “

Josephina Teixeira de Carvalho “

Terezinha Teixeira de Carvalho “

Jorgina de Toledo Barbosa São Paulo

Maroca de Toledo Barbosa “

Izaura Nóbrega “

Eugenia Martins “

Julia de Mascarenhas Paraná

Francisca da Graça Martins Origens diversas33

Alexandrina da Graça Martins “

Esther Mascarenhas “

Adelina Martins “

Arminda Martins “

Dyonisia34 “

Betica35 “

Constância36 “

Aquiescendo a solicitação de tão ilustres pessoas, o Collegio do Lageado retoma

suas atividades. O valor da pensão anual era de 400$000, um preço módico por assim

dizer, “para recomeçar a escola” e essa foi uma das razões que leva o professor Toledo a

manter alguns de seus filhos como professores:

Joaquim Belchior Martins - Primeiras Letras

Bento de Mascarenhas Jequitinhonha37 – Primeiras Letras

Joaquim Caiuby – Português, Francês e Latim38

Frederico Guanabara – Português e Francês

Henry Brochard39 - Francês e “gymnastica”

33 As irmãs Graça Martins e Martins, muito provavelmente são oriundas de Castro no Paraná, mas há algumas dúvidas ainda, razão pela qual preferimos deixar como origem diversa. 34 Filha de escravos do Lageado. O Lageado chegou a ter a seu serviço cerca de 8 escravos entre homens e mulheres, desse total apenas 1 estava agregado a família – o Corésca, os outros eram “alugados”. 35 idem 36 idem 37 Bento Mascarenhas Jequitinhonha foi voluntário listado e fez a guerra do Paraguai, possuía a patente de capitão. Era autoritário pó ter sido militar era muito era exigente, mas excelente mestre de “analise lógica” da gramática portuguesa. 38 Joaquim Caiuby, o mais velho dos filhos do professor Toledo e D. Delfina tinha pouco mais de 27 anos de idade e ainda respondia como Vice-Diretor do Lageado. 39 Henry Brochard, veio ao Brasil com uma comissão técnica para a Fábrica de Ferro quando de sua restauração para fabricar material bélico para a guerra do Paraguai, terminado seu trabalho, acabou ficando

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João Pinto Borba40 – Matemática e Filosofia

Vicente Zeferino Sant’Anna – Música e Piano

O programa curricular desse período é composto de primeiras letras e humanidades

para a seção masculina, nada de “Physica, Chimica e História Natural” , isto porque eram

os paradigmas das escolas particulares que seguiam o currículo do Curso Anexo ao da

Faculdade de Direito. Quanto ao pensionato das moças, a elas era ensinado primeiras

letras, noções de literatura, um pouco de francês, música, piano e prendas domésticas.

Dizia-se das educandas do Lageado: “são moças de salão e ao mesmo tempo moças de

préstimos, capazes de enfrentar os encargos de futuras donas de casa e tudo graças ao

excelente modelo de mãe e mestra” – Delfina Mascarenhas de Toledo.

De 1875 a 1885 foi este o quadro de alunos matriculados no Collegio do Lageado:

Amparo

1. Francisco Franco da Rocha

2. Joaquim de Paula Cruz

Araraquara

3. Antonio Augusto Alves Coelho

4. Juvenal Alves de Carvalho

5. Octaviano Alves de Carvalho

6. Tito Alves de Carvalho

Avaré

7. Antonio Pires Carneiro

8. Roberto Quirino

Botucatu

9. João Florêncio

10. João Gagliano

Campinas

11. Candido Egydio de Souza Aranha

12. Carlos Egydio de Souza Aranha

13. Joaquim Egydio de Souza Aranha na Vila de Campo Largo de Sorocaba por mais alguns anos e depois desaparece por completo, sem que saiba seu paradeiro. 40 João Pinto Borba, era chamado de “doutor João”, era cego. Dele contou-se que era muito querido, por ser muito alegre e que fora voluntário na guerra do Paraguai e que durante uma batalha perdera a visão, feito prisioneiro, conseguira escapar e depois de uma incrível jornada chegara Campo Largo de Sorocaba. Um personagem que não se tem um único registro e nem se sabe se esse era o seu verdadeiro nome. Recitava longos versos em rima e além de citar preceitos filosóficos sobre o homem e sua natureza. Segundo ainda um relato de Carlos George Oeterer em 1986, João Pinto Borba, o “doutor das almas” divertia tropeiros no Araçoiabinha. Não há nenhum vestígio mais dele. Desapareceu!

Page 17: PROFESSOR FRANCISCO DE PAULA XAVIER DE TOLEDO E O

14. Joaquim Egydio de Souza Aranha

15. Francisco Nogueira Aranha

16. Joaquim Nogueira Aranha

17. Pedro Nogueira Aranha

18. Joaquim Teixeira

19. Luciano Teixeira

20. Camilo Xavier Bueno Andrade

21. Carlos Xavier Bueno Andrade

22. Armando Pontes

23. João de Andrade Pontes

24. Álvaro Duarte

25. Raphael Duarte

26. Antônio C. de Moraes Bueno

27. Carlos de Moraes Bueno

28. Urbano de Moraes Bueno

29. Alonzo Leite de Barros

30. Arthur Leite de Barros

31. Turíbio Leite de Barros

32. Oscar Leite de Barros

33. Alberto Ferreira Penteado Camargo

34. Arthur Ferreira Penteado Camargo

35. Joaquim F. Penteado Camargo

36. Ignácio Leite

37. Joaquim Teixeira Nogueira

38. Alfredo Penteado Camargo

39. João Bicudo de Almeida

40. João Teixeira Bicudo

41. Ignácio Teixeira

42. Silvano Pacheco e Silva

43. João Coutinho de Lima

44. Alfredo Novaes de Camargo Andrade

45. Antônio da Silva Leite

46. Clodomiro Franco de Andrade

47. Octaviano Franco de Andrade

48. Fernão Pompeu do Amaral

49. Francisco de Paula Teixeira

50. Amador Bicudo Teixeira

Page 18: PROFESSOR FRANCISCO DE PAULA XAVIER DE TOLEDO E O

51. Antônio Ferraz de Souza Barros

52. Lupercio Leite de Arruda

Campo Largo de Sorocaba

53. Antonio de Mascarenhas

54. Antonino de Mascarenhas

55. Francisco de Mascarenhas

56. Veríssimo de Mascarenhas

57. José Ribeiro

58. Alfredo Madureira

59. João Bernardino Vieira Barbosa

60. Francisco Euclydes da Silva

61. Francisco Pedroso de Campos

62. João Pedroso de Campos

63. Roberto Dias Baptista

64. Sylvio Pellico de Mascarenhas

65. Alfredo de Arruda Loureiro

66. Antonio Silva Pires do Amaral

67. Antonio Pires do Amaral

68. Benedicto Pires do Amaral

69. Zacharias Voltaire de Toledo

70. Plínio Piqueroby de Toledo

71. Péricles de Toledo

72. Coruja (apelido)

73. João Lourenço Rodrigues41

Capão Bonito

74. Epaminondas de Oliveira Martins

Capital

75. Deraldo Pacheco

76. João Oliva

Capivari

77. Carlos Augusto de Souza

41 João Lourenço Rodrigues, um dos últimos a passar pelo Lageado, foi aluno de Maria Angélica Baillot, uma das primeiras alunas formadas pela Escola Normal de São Paulo. Graças a João Lourenço Rodrigues e sua extensa correspondência com Fernando Prestes de Albuquerque que o professor Toledo e o Lageado não se perdeu nas brumas e na memória dos homens – principalmente dos historiadores. João Lourenço Rodrigues entrou para o Collegio do Lageado em fins de 1885 com pouco mais de 8 anos de idade. Chegou a Secretário da Educação de São Paulo em 1935-1936. Católico extremado, escreveu dois livros sobre Catecismo e Primeira Comunhão, que vigoraram até os anos 60 do século XX. Nunca reclamou nenhum direito sobre seus trabalhos, dedicando-os sempre em prol da sua fé.

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78. Manoel Anselmo de Souza

79. Lothário Eulálio de Carvalho

80. Firmo Eulálio de Carvalho

81. Theophilo Ottoni Dias Toledo

82. José Lúcio da Silva

Itapeva (Faxina)

83. Antonio Lino

84. Candido Gomide

85. Arthur Vieira de Moraes

Itapetininga

86. Elizeu Ayres do Amaral

87. Benedito Vieira

88. Francisco Bicudo

89. Manoel Prestes de Albuquerque

90. José Leonel Ferreira

91. Thierry Assumpção Albuquerque

92. Egydio Pereira de Moraes

93. Odorico Rodrigues de Arruda

94. Francisco Prestes

95. João Gualberto

96. Procópio do Amaral Mattos

97. Fernando Prestes de Albuquerque42

Itatiba

98. Benedito Passos

99. Bernardo da Silva Damasio

Itu

100. Luiz Prado

101. Josué Prado

102. Miguel Prado

Jundiaí

103. Luiz Martins Cruz

Paraibuna

42 Fernando Preste de Albuquerque foi governador de São Paulo. Exilado logo após o fim da Revolução de 1932, anistiado, volta ao Brasil e retira-se da política. Da sua correspondência com João Lourenço Rodrigues é que irá surgir a maior parte das memórias sobre o Collegio do Lageado. Em 1938 em compilados pelo professor João Lourenço Rodrigues foi editado em forma de um livro, cuja venda serviu para ajudar na construção do Seminário Diocesano São Carlos Borromeu de Sorocaba, feito esse, lamentavelmente pouco reconhecido.

Page 20: PROFESSOR FRANCISCO DE PAULA XAVIER DE TOLEDO E O

104. Brasilino Garcia

105. Francisco Ferraz

Piracicaba

106. João Ferraz

Piraju

107. Joaquim Rodrigues Tocunduva

Porto Feliz

108. José Mariano

109. Joaquim Gabriel de Carvalho

110. José Hypólito de Carvalho

111. Antônio Eulálio de Carvalho

112. Luiz Teixeira da Fonseca

113. José Teixeira da Fonseca

114. Mario Teixeira da Fonseca

115. João de Campos

116. Manoel Ribeiro

Santos

117. Laércio Trindade

118. Angelo...

Sarapuí

119. Amador Bueno César

120. João César

Sorocaba

121. Augusto Luiz Pinto Martins

122. Francisco de Barros Vaz

123. Ismael de Barros Vaz

124. Augusto Hack

125. Paulo de Barros

126. Izaltino Dias

127. Luzerne Dias

128. Tiburtino de Barros

129. Antonio Lino Soares

130. Faustino Gutierrez

131. Edmundo Gutierrez

132. Edgard Gutierrez

133. Joaquim Gonçalves Bastos

134. José Gonçalves Bastos

Page 21: PROFESSOR FRANCISCO DE PAULA XAVIER DE TOLEDO E O

135. Ismael Vaz de Almeida

136. Pedro Vaz de Almeida

137. Antonio Augusto de Andrade

138. Manoel Nóbrega Padilha Sobrinho

139. João Padilha

140. João Eloy Padilha

141. José Rodrigues Costa

142. Achilles Chagas de Toledo

143. Gennaro Dias

144. Rogério Dias

145. Arlindo Dias

146. Adolpho Knippel

147. Pedro Knippel

148. Pedro Knippel

149. Adolpho Exel

150. Heitor Adams43

151. Olivério Pilar Filho

152. Lino Pilar de Mattos

153. Herculano de Almeida

154. Francisco de Barros

155. Francisco de Barros Fleury

156. Francisco de Moura

157. Joaquim Izidoro Marins

158. Joaquim Pantaleão Marins

159. Ovídio Laurentino do Amaral

160. Pedro Ivo de Souza Freire

161. Ramiro de Barros

162. Paulo de Barros

163. Luiz Braga de Mascarenhas

Sta. Bárbara

164. Cavour Belchior Martins

165. Virgilio Belchior Martins

Tatuí

166. Alípio de Mascarenhas

167. Augusto Bassano Baillot

Tietê 43 Heitor Adams, neto de Matheus Maylasky ,fundador da Estrada de Ferro Sorocabana

Page 22: PROFESSOR FRANCISCO DE PAULA XAVIER DE TOLEDO E O

168. Aldano Pires Corrêa

169. Antônio Pires Corrêa

170. Augusto Pires Corrêa

171. Augusto de Moraes

172. Julio César de Moraes

173. Mariano Alves de Moraes

174. Antônio Alves Correa de Toledo

175. Luiz Alves Correa de Toledo

176. José Luciano

177. José Maria Corrêa de Toledo

178. Jonas de Moraes Aguiar

179. Saul de Moraes Aguiar

180. Jorge Corrêa de Moraes Silveira

181. Herculano Manoel Alves

182. José Pires Fleury

183. José Elias Vaz de Almeida

184. Arlindo de Campos Pacheco

185. João Augusto da Silveira

186. Alberto Carlos de Assumpção

187. Jorge Dias de Aguiar

188. José Dias de Aguiar

189. Antônio Augusto Corrêa

190. Francisco Augusto Corrêa

191. Urbano Augusto Corrêa

Bahia

192. Antonio Pereira Cotrim

193. Aprígio Pereira Cotrim

194. José Pereira Cotrim

195. Manoel Pereira Cotrim

Curitiba

196. João Candido Ferreira

197. Sebastião José Vaz de Carvalho

198. Sizenando Martins de Jesus

199. José Mascarenhas Martins

200. Josino de Mascarenhas Martins

201. João Gualberto

Ponta Grossa

Page 23: PROFESSOR FRANCISCO DE PAULA XAVIER DE TOLEDO E O

202. Benedito Ribas

203. Nestor Guimarães

204. Horácio Gonçalves Guimarães

205. Inocência Gonçalves Guimarães

206. Bonifácio Gonçalves Guimarães

207. Ovídio Gonçalves Guimarães

Castro

208. Brasilio Pinho Ribas

209. Eugenio Gonçalves Martins

210. Laurindo Gonçalves Martins

211. Izaltino Mascarenhas

212. João Badico Martins

M. Gerais – Poços de Caldas

213. Jonas Candido Teixeira Diniz

S. Catarina

214. Aureliano Ferreira de Almeida

Não tem origem

215. Joaquim Pacheco de Mendonça

O Collegio do Lageado na sua segunda fase terá mais de 252 alunos e alunas

ocupando um mesmo espaço em pleno século XIX num sistema pedagógico pouquíssimo

conhecido mas com grandes resultados.

O Collegio do Lageado, em pleno descampado, casa rústica, terreiro a frente e

pomar no fundo com cercas de pau a pique. Ali o olhar se perdia no horizonte entre as

campinas e lagoas formadas ao longo do ribeirão. Acima um céu azul. Era o ambiente da

roça e os alunos com roupas de brim, camisas sem goma, sem gravatas ou chapéus,

alpargatas de couro sem meias.

Alimentação com pratos simples, mas suculentos e substanciosos.

No pátio do recreio e no pomar, laranjeiras e pessegueiros. Na hora do brincar, as

brincadeiras de roda, o “betty”, a malha, a petéca e outras de procedência francesa como –

soute-mouton, cheval fondu, etc,44

É impossível descrever o cotidiano do Lageado com detalhes e pormenores. Os

relatos que dispomos são insuficientes e não se encontram qualquer outras informações nos

órgãos competentes45

44 “betty” um jogo de tacos cuja bola era feita de trapos e uma espécie de cauchú tirado de um cactos. Havia também uma espécie de jogo de bola sem traves.

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O Collegio do Lageado, possuiu sempre dois cursos – o primário (ou primeiras

letras, na qual estavam presentes somente noções de alfabetos e calligraphia na “pedra”46,

números com duas operações – a adição e subtração47. E o secundário, importante curso de

humanidades para que almejasse uma vaga nas Escolas Superiores do Império. Tinha

muito peso o latim e pouca atenção atenção a matemática, na qual aprendia-se aritmética e

geometria plana. No entanto não se deve criticar ou julgar o currículo do Lageado por isso,

uma vez que no chamado “Curral” que era o curso anexo da Faculdade de Direito de São

Paulo, o ensino da “Arithmética” não chegava a logarítimos e a geometria ficava somente

no quadrado da hipotenusa. Saber o teorema de Pitágoras seria o “píncaro” da glória!

Os cursos eram oferecidos sempre para meninos e meninas. Para as educandas do

Lageado havia também uma preocupação em prepará-las para a dupla função de esposas e

mães48.

O Collegio do Lageado, estava sendo um pioneiro na formação de rapazes e moças

meio século antes do que qualquer outra escola no mundo. Pois os alunos procedentes do

Lageado conseguiam sair-se galhardamente nos exames do Curso Anexo, a porcentagem

das aprovações eram maiores que de outros Collegios contemporâneos.

Quando tudo estava em seu lugar, ocorre uma tragédia no Lageado com a notícia de

que um aluno era “morféthico”49. Num momento o Lageado um grande e magnífico

Collegio e no outro um enorme vazio, com suas janelas e portas rangindo ao sabor dos

ventos. Não há mais risos de crianças, nem tão pouco as tertúlias dos alunos mais velhos e 45 No mês de julho de 2004, fizemos uma consulta via correio eletrônico a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, sobre a professora Maria Angélica Baillot, cujo nome foi dado a uma escola em Araçoiaba da Serra. Obtivemos a resposta de que iriam pesquisar na Assembléia do Estado, pois foi dali que partiu a indicação para dar o nome a escola. Ou seja, se exisitir um pequeno histórico que seja, deve estar “guardado” em algum lugarque só Deus sabe... 46 A “pedra” era um acessório muito comum nas escola. Resumia-se em um retângulo de fina ardósia numa moldura de madeira, na qual se escrevia com um “caco de cal” – giz obtido de bloco de cal cozido. Ferramentas de ensino como lápis, cadernos e livros, eram raros e não estavam disponíveis para crianças que se alfabetizavam precariamente. Sobre esse assunto da educação brasileira estamos preparando uma monografia. 47 Carlos George Oeterer, falecido com 93 anos e há mais de 10 anos descendente de ilustre família sorocabana, foi uma grande testemunha da história do Lageado. Apesar de ter estudado em colégios de São Paulo e do Rio de Janeiro, contava que as suas lições na escola primária resumia-se a aprender o “abcedário”, escrevê-lo na “pedra” com um “caco de cal” e cantar a “taboada”. Somente no segundo ano é que vai aprender a adição e subtração. A divisão vai aprender somente no final do período considerado de pleno domínio dos números. 48 As primeiras letras quase sempre era aprendida no seio das famílias, razão pela qual as moças deveriam aprender bem essa tarefa tão enraizada na sociedade antiga. 49 A “morphea” era considerada pelas pessoas comuns como um dos piores castigos e flagelos da humanidade. Não havia tratamento e a pessoa que contraísse a doença apodrecia vivo! Hoje sabemos que a hanseníase, ou lepra não se propaga da forma apregoada e é curável quando diagnostica a tempo. Mas realmente ocorreu um caso de “morphea”, mas não foi no Collégio do Lageado, mas sim num sítio próximo, onde algumas pessoas com a doença se escondiam. Na época isso foi um terror para aos pais dos alunos e alunas do Lageado.

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os saraus das moças no grande salão, em menos de um mês o Lageado se vê desabitado,

como numa grande debanda. Ficando somente nele o professor Toledo, D. Delfina, alguns

de seus filhos e serviçais. Não há o que fazer. Acabara o Collegio. Como se uma

tempestade mágica e cruel tivesse desabado e dali varrido tudo...até a memória.

Em 1886, fecha o Lageado definitivamente suas portas, o Professor Francisco de

Paula Xavier de Toledo e sua esposa D. Delfina de Mascarenhas Camelo, não suportariam

novamente tamanho golpe do destino. Lutaram por mais de quarenta anos na lida da

formação de meninos e meninas em sua época, agora, cansados e desanimados rendem-se

ao que a eles estava destinado.

Continuam morando no Lageado, vazio e triste. Ocupavam-se com coisas um tanto

sem importância. O professor Toledo, homem de fibra e muito caráter é indicado, quando

da Proclamação da República a ser o primeiro intendente de Campo Largo de Sorocaba,

apesar de ter sido sempre um conservador, não se deixa envolver pela situação política

local, desempenha seu trabalho para corresponder a indicação. Assim que termina sua

obrigação volta ao Lageado. Por ser muito conhecido no entorno da vila de Campo Largo e

pela sua grande sabedoria, é comum que famílias pobres o procurem para resolver

problemas até de saúde de filhos doentes. O professor Toledo atende a todos os que lhes

procuram e nunca ninguém saiu do Lageado sem um alento que fosse.

Em 1887, o professor Toledo atende a escola da Fábrica de Ferro de Ipanema para

realizar as provas da escola ali existente, tem ainda alguns poucos alunos para aulas

particulares, mas dinheiro e poucos recursos, vive agora uma situação constrangedora, mas

não perde nem um pouco a sua altivez.

Delfina Mascarenhas de Camelo, falece em fins de 1902. Alguns meses depois

desse duro golpe Francisco de Paula Xavier de Toledo, se entrega e morre no dia 17 de

agosto de 1903.

Estava terminada a vida de um dos mais batalhadores e íntegros educadores

brasileiros. Um homem que soube lutar com dignidade, coragem e muita persistência.

Quanto ao Lageado, o enorme prédio que abrigara durante tantos anos centenas de

alunos e alunas, professores, serviçais e escravos, desaba por volta de 1930 e em 2004 é

apenas um enorme pasto sem que se perceba ali que um dia pulsou o saber e a inteligência

de um homem pertinaz em busca de fazer da educação seu mote de vida.

Até o ribeirão do Lageado desapareceu, hoje deram-lhe o nome de Barreiro, nada

significa, corre por dentro de um tubo sob uma estrada vicinal, cujo asfalto induz a

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velocidade dos que passam sem parar, desobrigando-se até de uma breve reflexão que seja,

pelo monumento a educação que ali um dia existiu.

.........................

“E se nada disso significar, para quem, sentido tem, resta o sibilar suave da brisa

que nos leva a sonhar com o que ali aconteceu. Então nesse momento, construiremos nós o

monumento a essas memórias...em nossa própria memória”.

Dagoberto Mebius

Sorocaba, 05 de setembro de 2004

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FONTES

Documentos, depoimentos e memórias orais, cartas, desenhos e fotografias antigas

Anais da Câmara Municipal de Sorocaba, livros ainda existentes –

5/14/21/28/53/114

Outros documentos interessantes em mãos de particulares

OUTRAS FONTES E REFERÊNCIAS

Almanak de Sorocaba 1904

Almanak da Província de São Paulo para 1873

Almanak Laemmert - 1864/1870

Lello Universal – 1930

Secretaria de Obras do Est. de S. Paulo - 3°Congresso Brasileiro de Estradas de

Rodagens – 1923

Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura de S. Paulo – Relatório de

1896

Relatórios da Instrução Pública da Província de São Paulo –

1850/1851/1852/1853

www.crl.edu/almanak

PERIÓDICOS

O Defensor – 1852/1852

Page 27: PROFESSOR FRANCISCO DE PAULA XAVIER DE TOLEDO E O

O Araçoiaba – 1866

Ypanema – 1872

Diário de Sorocaba – 1880/1889

Tribuna Popular - 1937

BIBLIOGRAFIA

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POLÍTICO. Fund. Ubaldino do Amaral, Sorocaba, Sp, 1992

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Rio de Janeiro, 1944

________________. BIOGRAFIAS SOROCABANAS. Rev. do Arq. Mun. de S.

Paulo – 1952

________________. ESTRADAS E IMPOSTOS DO SUL DO BRASIL – Rev.

do Arq. Mun. de S. Paulo – 1952

Baddini, Cássia Maria. SOROCABA NO IMPÉRIO – COMÉRCIO DE

ANIMAIS E DESENVOLVIMENTO URBANO. Ed. Anna Blume – Sp, 2002

Bacellar, Carlos de Almeida Prado. VIVER E SOBREVIVER EM UMA VILA

COLONIAL - SOROCABA, SÉCULOS XVIII E XIX . Ed. Anna Blume – SP, 2001

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ESTATÍSITICO, HISTÓRICO E NOTICIOSO. Typ. do Diário do Povo, Rio de

Janeiro, 1875

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SP, 1938

Mebius, Dagoberto. A HISTÓRIA DE SOROCABA PARA CRIANÇAS. Ed.

Aguiar, Sorocaba, SP, 2000

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PROVÍNCIA DE S. PAULO – Gov. do Est. De S.Paulo – SP – 1978

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Comp. S.Paulo, 1913

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Livro, Brasília/DF, 1976

Vergueiro, Nicolau Pereira de Campos. HISTÓRIA DA FÁBRICA DE FERRO

DE IPANEMA. Ed. Senado Federal/Univ. de Brasilia/DF, 1978