processo penal cautelar da pag 01 a 151

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O NOVO

PROCESSO PENAL CAUTELAR luz da lei 12.403/11

Marcos Paulo Dutra Santos

SUMRIOAPRESENTAO ............................................................................................... 11

Captulo I EXISTNCIA OU NO DE UM PROCESSO PENAL CAUTELAR, BEM COMO DE UM PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ CRIMINAL - CAUTELARES INOMINADAS (ATPICAS)............................................................................. ..... 13 1.1 Poder geral de cautela de ofcio: constitucionalidade e subsistncia ou no deste poder quando preparatrio ao penal (arts. 282, 2 e 311 do CPP, na forma da redao dada pela Lei na 12403, de 04 de maio de 2011 e sua repercusso na legislao extravagante)........................................................................................................ 25 1.2 O novo papel da vtima, quer como querelante ou assistente de acusao, no processo penal cautelar ptrio..................................................................................................................... 35 1.2.1 Assistente de acusao .......................................................................... 35 1.2.2 Querelante .............................................................................................. 39 1.3 Medidas cautelares e representao pela autoridade policial........................................................... 40 Captulo II MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS (E APLICAO INTERTEMPORAL DA LEI N12403, DE 04 DE MAIO DE 2011) ................................................................................................................. 43 2.1 Prises provisrias e remdios desconstitutivos ....................................... 45 2.1.1 Da priso administrativa ...................................................................... 63 2.1.2 Da priso especial ................................................................................. 64 2.1.3 Do cadastro nacional de presos ........................................................... 65 2.1.4 Da durao razovel do processo e priso provisria ..................... 66 2.2 Priso temporria ........................................................................................... 67 2.2.1 Breve histrico sobre a constitucionalidade (ou inconstitucionalidade) do instituto, bem como do prazo de durao .................................... 67 2.2.2 Natureza jurdica e reflexos da Lei n 12403/11 ............................... 74 2.2.3 Requisitos e repercusso da Lei n 12403/11 .................................... 75 2.2.4 Legitimidade .......................................................................................... 89 2.2.5 Procedimento ......................................................................................... 93 2.2.6 Priso temporria e custdia domiciliar (Lei n 12403/11) ............. 101 2.3 Priso preventiva ............................................................................................ 102 2.3.1 Natureza jurdica ................................................................................... 102 2.3.2 Legitimidade, especialmente do assistente de acusao .................. 104 2.3.4 Oficiosidade ........................................................................................... 106 2.3.5 Pressupostos de admissibilidade ........................................................ 109 2.3.5.1 Priso preventiva no juizado da violncia domstica e familiar contra a mulher (Lei n 11340/06) ........................................... 120 2.3.6 Requisitos ................................. ............................................................ 129 2.3.6.1 Art. 312, pargrafo nico X art. 313 do CPP - interdependentes ou no por fora da Lei n 12403/11? .... ............................... 142 2.3.6.2 Priso preventiva nos crimes contra o Sistema Financeiro

MARCOS PAULO DUTRA SANTOS

2.3.6.3 2.3.6.4 2.3.6.5

Nacional (Lei n 7492/86) ......................................................... 145 Priso preventiva e comparecimento espontneo x Lei n 12403, de 04 de maio de 2011 ..................................................... 146 Priso domiciliar cautelar .............................................. 148 Relaxamento X revogao da priso preventiva (e, por fora da Lei n 12403/11, substituio da priso preventiva X liberdade provisria) .................................................................. 151

Captulo III PRISO EM FLAGRANTE ................................................................................. 155 3.1 Natureza jurdica (e repercusso trazida pela Lei n 12403, de 04 de maio de 2011).................................................................................................................... 155 3.2 Da lavratura do auto de priso em flagrante (APF) luz da Lei n 12403/11, bem como do auto de resistncia ................................................................... 163 3.3 Lavratura do APF (e auto de resistncia) e foro por prerrogativa da funo 173 3.3.1 Da lavratura do APF ou do termo circunstanciado na Lei n 9099/95, e o "livrar-se solto" .............. ......................................................... 183 3.3.2 Da lavratura do APF na Lei n i 9503/97 (Cdigo de Trnsito Brasileiro - CTB) 188 3.3.3 Da lavratura do APF na Lei n 11343/06 .............................................. 190 3.3.4 Das espcies de flagrante ........................................................................ 196 3.4 Flagrante esperado X flagrante provocado X flagrante forjado ................. 201 3.5 Flagrante retardado X no atuao policial X infiltrao de agente policial 205 3.6 Liberdade provisria - conceito e diferenas para o relaxamento e a revogaao da priso ......................................................................................... 215 Captulo IV FIANA E LEI N 12403, DE 04 DE MAIO DE 2011 ................................................................................... 223 4.1 Natureza jurdica (e via impugnativa adequada no caso de imposio ou de negao) ........................................................................................................... 223 4.2 Quebra da fiana (e via impugnativa adequada)....................................... 226 4.3 Perda da fiana (e via impugnativa adequada) ......................................... 230 4.4 Pressupostos de admissibilidade da fiana e sua cassao (e via impugnativa adequada) ........................................................................................................ 232 4.5 Requisitos da fiana ....................................................................................... 236 4.6 Fiana e sua imposio pela autoridade policial ........................................ 238 4.7 Fiana e sua imposio pelo juiz (e prazo para imposio) ...................... 242 4.8 Fiana - critrios para estipulao do valor e consequncias decorrentes do no pagamento................................................................................................ 244 4.9 Reforo da fiana ............................................................................................ 248 4.10 Hipteses de restituio da fiana .............................................................. 250 Captulo V LIBERDADE PROVISRIA NA LEGISLAO EXTRAVAGANTE E INFLUNCIA DA LEI N 12403, DE 04 DE MAIO DE 2011, NO TRATO DA MATRIA 253 CAPTULO VI PRISO ORIUNDA DA PRONNCIA E DE SENTENA PENAL CONDENATRIA RECORRVEL................................................................... 259 maio de 2011 .................................................................................................... 259

SUMRIO 6.1 Priso decorrente da pronncia e repercusso da Lei n2 12403, de 04 de 6.2

Priso decorrente de sentena penal condenatria recorrvel .................. 265

Captulo VII NOVAS MEDIDAS CAUTELARES AFLITIVAS INSERTAS NO CPP PELA LEI N- 12403, DE 04 DE MAIO DE 2011 .............................................. 7.1. Requisitos e aplicabilidade racional ............................................................ 7.2. Prazo de durao ............................................................................................ 7.3 Vias impugnativas adequadas....................................................................... 7.4. Novas medidas cautelares aflitivas ............................................................. 7.4.1. Comparecimento peridico ao juzo .................................................... 7.4.2. Proibio de acesso ou freqncia a determinados lugares ............. 7.4.3. Proibio de contato ............................................................................... 7.4.4. Proibio de ausentar-se da comarca .................................................. 7.4.5. Recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga....................... 7.4.6. Suspenso do exerccio de funo pblica .......................................... 7.4.7. Internao provisria do acusado ........................................................ 7.4.8. Monitoramento eletrnico..................................................................... 7.4.9. Reteno cautelar do passaporte ..........................................................

267 267 270 274 275 275 276 277 278 281 282 284 290 292

Captulo VIII SUSPENSO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAO OU PROIBIO DE OBT-LA (LEI N 9503/97) E REPERCUSSO DA LEI N 12403/11 ............................................................. 293 Captulo IX AFASTAMENTO DO LAR NA LEI N 9099/95 E REPERCUSSO DA LEI N 12403/11 .......................................................... 297 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................. 303

CAPTULO I

EXISTNCIA OU NO DE UM PROCESSO PENAL CAUTELAR, BEM COMO DE UM PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ CRIMINAL CAUTELARES INOMINADAS (ATPICAS)

SUMRIO 1.1 Poder geral de cautela de ofcio: constitucionalidade e subsistncia ou no deste poder quando preparatrio ao penal (arts. 282, 2 e 311 do CPP, na forma da redao dada pela Lei nB 12403, de 04 de maio de 2011 e sua repercusso na legislao extravagante) - 1.2. O novo papel da vtima, quer como querelante ou assistente de acusao, no processo penal cautelar ptrio: 1.2.1. Assistente de acusao; 1.2.2. Querelante - 1.3 Medidas cautelares e representao pela autoridade policial

Diversamente da legislao processual civil, no h na legislao processual penal ptria um processo penal cautelar autnomo ao processo de conhecimento, ainda que lhe seja incidental ou preparatrio. Tampouco existe uma ao cautelar penal. Absolutamente. O que existem so medidas cautelares preparatrias ou incidentais ao penal condenatria, bem como incidentais ao processo de execuo, conforme teremos a oportunidade de examinar neste livro1. Eventualmente as aes constitucionais impugnativas, como o habeas corpus e o mandado de segurana, so ajuizadas com propsito exclusivamente cautelar, consubstanciando verdadeiras aes cautelares, o que no suficiente, todavia, para permitir a existncia de um processo penal cautelar autnomo no processo penal, segundo bem colocado pelo prof. Gustavo Badar2. Neste diapaso, o estudo do processo penal cautelar extremamente pontual, no se voltando para o exame de uma teoria geral do processo penal cautelar, mas sim para a apreciao de cada uma das medidas cautelares - seus requisitos, legitimidade para postul-las, possibilidade ou no de serem decretadas oficiosamente pelo juiz. A abordagem pontual, nunca genrica, inviabilizando a construo de uma teoria geral do processo penal cautelar. A Lei n 12403 de 04 de maio de 2011 no alterou significativamente este panorama, pois se limitou a introduzir novas medidas cautelares, sem a preocupao de delimitar um processo penal cautelar semelhana do existente na legislao adjetiva civil. Sem embargo, o art. 282, 3 do CPP estabeleceu, genericamente, um contraditrio prvio apreciao do pleito cautelar que, antes da Lei n 12403/11, no existia - a tutela cautelar era deferida liminarmente, oportunizando o contraditrio de maneira diferida. Com efeito, dispe o dispositivo que "ressalvados os casos de urgncia ou de perigo de ineficcia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinar a intimao da parte contrria, acompanhada de cpia do requerimento e das peas necessrias, permanecendo os autos em

juzo".Embora o dispositivo vertente represente notvel novidade, afinando- -se aos postulados do contraditrio e da ampla defesa (art. 5, LV da CR- FB/88), ter aplicabilidade bastante diminuta, de maneira que o contraditrio ulterior ao deferimento da tutela cautelar continuar a ser a regra1. Inaplicvel se mostra o 3do art. 282 do CPP s medidas cautelares preparatrias ao penal, haja vista que exigir a oitiva preliminar do indiciado importaria tornar o contraditrio e a ampla defesa elementos essenciais ao inqurito policial, desnaturando-lhe a inquisitoriedade (art. 14 do CPP). Resta patente que o dispositivo no compreende o inqurito, tanto que preceitua que os autos permanecero em juzo. Os olhos do legislador estiveram voltados para as medidas cautelares incidentais ao processo.

1 No mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci, in Priso e Liberdade, As reformas processuais penais introduzidas pela Lei n12403, de 04 de maio de 2011, So Paulo, RT, 2011, p.31.

MARCOS PAULO DUTRA SANTOS

Numa tica defensiva pode-se sustentar que o contraditrio prvio seria exigvel mesmo se a persecuo penal ainda estivesse na fase investigatria, porque a postulao da medida cautelar aflitiva estaria inserta ela prpria num processo cautelar, sendo irrelevante se anterior deflagrao da ao penal condenatria. Far-se-ia, inclusive, um paralelo com a produo antecipada de provas, pois ainda que determinada durante o inqurito policial, conforme autoriza o art. 156, I do CPP, com a redao dada pela Lei n 11690/08, c/c art. 225, igualmente do CPP, a colheita antecipada da prova (v.g., a oitiva da vtima) pelo juiz no dispensa a presena do titular da vindoura ao penal, Ministrio Pblico ou querelante (se o injusto for de ao penal de iniciativa privada), bem como do indiciado e da defesa tcnica 2. Tal analogia, contudo, soa imprecisa. Conforme j asseverado, inexiste um processo penal cautelar autnomo e prprio, diversamente do que se verifica no processo civil. As medidas cautelares aflitivas continuam a ser postuladas e ordenadas difusamente, no se mostrando inseridas num processo cautelar delineado. Simplesmente previu o art. 282, 2 do CPP um contraditrio prvio decretao da tutela, exigncia esta inaplicvel ao inqurito em razo da sua inquisitoriedade. Mesmo a produo antecipada de provas incidental investigao criminal tambm determinada inaudita altera parte, no exigindo os arts. 156,I e 225 do CPP a oitiva prvia do indiciado, ao contrrio, j que pode ser ordenada inclusive ex officio. Exige- -se apenas que o indiciado e a sua defesa tcnica participem da colheita da prova, porque, do contrrio, seriam arrecadados apenas indcios, e no provas, eis que sem o crivo do contraditrio e da ampla defesa (art. 5, LV da CRFB/88), tornando incua a produo antecipada de provas, cuja finalidade exatamente colher previamente uma pea de informao j sob o manto do contraditrio e da ampla defesa se maneira a t-la desde j como prova, e no mero indcio, na dico do art. 155, caput, do CPP, com a redao dada pela Lei n 11690/08. Seguindo esta linha de raciocnio pode-se afirmar que contraditrio prvio inserto no art. 282, 2 do CPP tampouco compreende as medidas cautelares probatrias 3, at porque no abarcadas no Ttulo IX do Livro I, apesar de o seu ttulo ter sido ampliado pela Lei n 12403/11 a fim de englobar nominalmente as medidas cautelares, alm da priso e da liberdade provisria, constantes no ttulo originrio. Malgrado o carter genrico da expresso medidas cautelares, o referido Ttulo tratou da tutela cautelar aflitiva, isto , aquela que recai sobre a pessoa do indiciado ou acusado6. E nem poderia ser diferente, pois se o acusado tivesse que ser previamente notificado para se pronunciar sobre o requerimento dos rgos de represso estatal tais medidas perderiam inteiramente a efetividade. As ponderaes acima, atinentes s medidas cautelares probatrias, estendem-se ipsis litteris s tutelas assecuratrias insertas nos arts. 125 a 144 do CPP - seqestro, arresto e hipoteca legal porquanto tampouco possuem carter pessoal (aflitivo), e sim real, recaindo sobre os bens do indiciado ou acusado4.

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Embora Nucci no tenha empregado argumentao similar, reconhece a necessidade de oitiva prvia do imputado mesmo em sede de inqurito policial, lecionando que "buscou-se privilegiar, sempre que possvel, o contraditrio e a ampla defesa, prevendo-se a possibilidade de ouvir o interessado (indiciado ou acusado), antes da decretao da medida cautelar requerida, como regra, pelo rgo acusatrio" - in Priso, ob. cit., p. 31. A terminologia "medidas cautelares probatrias" mais precisa, ainda que por vezes recaiam sobre bens, como se d na busca e apreenso. Caso se pense na interceptao telefnica, bem como na captao ambiental, por exemplo, tais medidas cautelares no incidem propriamente sobre quaisquer bens de maneira que possam ser chamadas de reais. Tampouco recaem sobre a pessoa fsica do acusado, como se d com as prises provisrias, a ponto de merecerem ser chamadas de pessoais, embora relativizem a vida privada e a intimidade do imputado. Assim, Por uma questo de coerncia cientfica, e, por conseguinte, terminolgica, como classificamos as medidas cautelares segundo a sua finalidade, critrio que nos soa mais preciso, claro, objetivo e, at, didtico, seqestro, arresto e hipoteca legal so medidas cautelares destacadamente assecuratrias, conforme denominou o prprio legislador no captulo VI do ttulo VI do livro I do CPP, cujo escopo exatamente assegurar a efetividade tambm cvel da sentena penal condenatria, garantindo a perda em favor da Unio do produto do crime ou de qualquer outro bem que seja proveito do crime, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-f (art. 91, II, b do Cdigo Penal), bem como a solvabilidade do condenado, evitando que o quantum indenizatrio mnimo fixado na condenao (art. 387, IV do CPP), e a futura ao de execuo, precedida da liquidao por artigos, caiam no vazio, em detrimento do art. 91,I do Cdigo Penal c/c art. 63,

EXISTNCIA OU NO DE UM PROCESSO PENAL CAUTELAR, BEM COMO DE UM PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ CRIMINAL - CAUTELARES INOMINADAS (ATPICAS)

caput e pargrafo nico do CPP. De todo modo, no resistimos em asseverar que, sob a tica da dicotomia clssica "medidas cautelares reais" x "medidas cautelares pessoais", seriam as assecuratrias as genuinamente reais, vez que efetivamente s incidem sobre os bens mveis e imveis do imputado - tal constatao, alis, apenas refora o equvoco e a insuficincia desta terminologia.

EXISTNCIA OU NO DE UM PROCESSO PENAL CAUTELAR, BEM COMO DE UM PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ CRIMINAL - CAUTELARES INOMINADAS (ATPICAS)

Portanto, a aplicabilidade do art. 282, 3 do atual CPP circunscreve- -se s medidas cautelares aflitivas incidentais ao processo, hiptese em que a regra ser oportunizar o contraditrio ao acusado antes do deferimento da medida cautelar. Conforme se infere do prprio 3 do art. 282, o deferimento destas medidas cautelares inaudita altera parte permanece possvel, mas o juiz, na sua deciso, h de demonstrar a urgncia ou perigo de ineficcia da medida caso se oportunize previamente o contraditrio, ouvindo-se a parte contrria - v.g., requerimento de priso preventiva estribado no risco de fuga do imputado. Caso o pleito cautelar deduzido pela acusao seja apreciado e deferido liminarmente pelo juiz, sem indicao da urgncia ou do perigo de ineficcia da medida, caber habeas corpus ao Tribunal competente postulando a nulidade absoluta do respectivo provimento jurisdicional por ofensa ao contraditrio e ampla defesa (art. 5, LV da CRFB/88 c/c art. 282, 3 do CPP) - o assunto ser esmiuado em captulo prprio, reservado s novas medidas cautelares aflitivas e as vias impugnativas adequadas5. Registre-se, por oportuno, que o contraditrio prvio inserto no art. 282, 32 do CPP ter lugar, primordialmente, quando a medida cautelar for postulada pelo assistente de acusao (obviamente incidentalmente ao processo, ex vi do art. 268 do CPP), conforme autoriza o art. 282, 2 do CPP (e o prprio art. 311, no tocante priso preventiva), at porque antes de apreciar o pleito cautelar o juiz deve ouvir o Ministrio Pblico enquanto titular privativo da ao penal pblica (art. 129,I da CRFB/88), no havendo em princpio motivos para no escutar, depois, a defesa, salvo, segundo salientado retro, se houver comprovada urgncia ou risco de ineficcia da medida. Ainda com maior razo o contraditrio prvio h de ser observado quando houver requerimento do Ministrio Pblico, do assistente de acusao ou do querelante de substituio da medida cautelar, ou imposio cumulativamente de outra, ou at de imposio da priso preventiva, no caso de descumprimento (art. 282, 4 do CPP), at porque o imputado pode apresentar justificativa para a aparente inobservncia da tutela que lhe foi imposta, mesmo que ainda se esteja em sede de inqurito policial, seno em apreo ao contraditrio, em homenagem boa-f e lealdade que devem pautar o atuar estatal. A apreciao do pleito inaudita altera parte h de ser ainda mais excepcional, devendo o juiz na sua deciso apontar o porqu da urgncia extremada.6 Ainda nos termos do 3 do art. 282 do CPP, a interpretao literal do dispositivo conduziria concluso de que os requerimentos de tutela cautelar teriam que ser autuados em apartado, vez que os autos originais ficariam em juzo. Ocorre que o legislador no explicitou a exigncia de autuao em separado, que, por sinal, no se mostra minimamente recomendvel, mxime em se tratando das medidas cautelares incidentais ao processo, haja vista a imensa demora que seria gerada no processsamento, afinal de contas teriam que ser extradas cpias de vrias peas dos autos originais para formar o apenso, recrudescendo desnecessariamente o trabalho das serventias judiciais, j naturalmente assoberbadas. Qui pretendeu o legislador, com tal dispositivo, dar s medidas cautelares a feio de um efetivo processo cautelar, mas no nos parece que este comando normativo prosperar, quer pelo formalismo excessivo, quer pela inexistncia de um processo penal cautelar. Continuamos, portanto, a no ter um processo penal cautelar autnomo, diversamente do que ocorre no processo civil, o que, sinceramente, no chega a ser um demrito. E, dentro desta perspectiva, estudaremos especificamente cada medida cautelar pessoal (aflitiva), desde j

5 Na mesma linha, Auiy Lopes Jr., in O Novo Regime Jurdico da Priso Processual, Liberdade Provisria e Medidas Cautelares Diversas, Atualizado - Lei n 12403/11 -, 2 edio, Rio de Janeiro, Lumen Juris Editora, pp.22/23. 6 No mesmo sentido, Aury, in O Novo Regime..., ob. cit., p.22, e Renato Brasileiro de Lima, in Nova Priso Cautelar, Impetus, Niteri/RJ, 2011, p. 51.

EXISTNCIA OU NO DE UM PROCESSO PENAL CAUTELAR, BEM COMO DE UM PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ CRIMINAL - CAUTELARES INOMINADAS (ATPICAS)

destacando que conheceram significativa ampliao pela Lei n 12403/11, ex vi do novel art. 319, que, a par das prises provisrias, introduziu 09 (nove) outras medidas cautelares, acrescidas da reteno do passaporte no art. 320 do CPP. De toda sorte, antes de iniciarmos o estudo pontual de cada uma destas medidas cautelares, cumpre enfrentar a seguinte questo: o juiz criminal disporia de um poder geral de cautela que lhe permitisse decretar medidas cautelares atpicas, que no possuem previso legal expressa? Parte da doutrina acena negativamente, haja vista a garantia constitucional do devido processo legal - art. 5, LIV, da CRFB/88 -, clarssimo ao preconizar que ningum ser despido da sua liberdade nem dos seus bens sem perpassar por um devido processo legal, logo imprescindvel imposio de medidas constritivas de direitos a existncia de previso legal. Ademais, dispe ainda o art. 5, II da Carta de 1988 que ningum ser obrigado afazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei, o que torna ainda mais impensvel a perspectiva de se ter medidas cautelares atpicas no mbito processual penal.7 A 6 Turma do Superior Tribunal de Justia possui precedentes favorveis a esta tese, quando, por exemplo, inadmite a reteno cautelar do passaporte11. luz da legislao anterior Lei n 12403/11 concordvamos parcialmente com esta ponderao. O devido processo legal uma garantia fundamental do cidado contra o Estado, que somente poder impor constrangimentos pessoais ou reais depois de observar o procedimento fixado em lei. Em sendo uma garantia do indiciado/denunciado, obviamente no poder ser invocado em seu desfavor, o que seria ilgico. Neste passo, a imposio de medidas cautelares atpicas apenas seria admissvel quando a tpica se mostrasse mais gravosa ao ru/investigado, embora fossem ambas igualmente eficientes, pois, do contrrio, o devido processo legal, de garantia se converteria num fardo. Exemplificando: sobrevindo risco de fuga do acusado para o estrangeiro, a medida cautelar nominada adequada seria a priso preventiva, o que importaria cerceamento integral da liberdade. Todavia, caso fosse determinada a proibio de o acusado sair do Pas, com a conseqente reteno cautelar do passaporte, a ser entregue Polcia Federal, o aludido risco de evaso estaria igualmente neutralizado, privando a liberdade individual somente no plano internacional. Destarte, seria prefervel ao ru a reteno do passaporte priso preventiva, embora apenas a ltima tivesse previso legal expressa. Outra no era a orientao das 02 (duas) Turmas do Supremo Tribunal Federal e da 5 Turma do Superior Tribunal de Justia 8. Tal soluo no importava negao do devido processo legal, pois repousava na teoria dos poderes implcitos, em regra invocada no adgio quem pode o mais pode o menos. Com efeito, se o juiz estava por lei autorizado a privar integralmente a liberdade individual, quer no plano interno, quer no plano externo, por que no poderia faz-lo apenas internacionalmente? Tampouco sobreviria da nulidade, porque a opo pela medida inominada seria mais benfica ao acusado do que a nominada. E, como cedio, inexiste nulidade sem prejuzo - art. 563 do CPP. Acertada, pois, era a jurisprudncia dos Tribunais Superiores ao admitir medidas cautelares inominadas no processo penal, desde que menos gravosas ao acusado do que as tpicas, embora ambas apresentassem idntica eficincia, v.g. a reteno cautelar do passaporte x7 Nessa linha, Romeu Pires de Campos, in Processo Penal Cautelar, Rio de Janeiro, Forense, 1982, p.58; Antonio Magalhes Gomes Filho, in Presuno de Inocncia e Priso Cautelar, So Paulo, Saraiva, 1991, p.57; Rogrio Lauria Tucci e Roberto Delmanto Jnior et alli, in Sistematizao das Medidas Cautelares Processuais Penais, Revista do Advogado, So Paulo, n 78, p.120, setembro de 2004 (em homenagem ao Prof. Srgio de Moraes Pitombo). v.u.; STF, HC 94147/RJ, 2 Turma, rel. Min. Ellen Gracie, j. 27.05.08, DJ de 13.06.08, v.u.; STJ, RHC 20124/RJ, 5 Turma, rel. Felix Fischer, j. 13.11.2007, DJ de 10.12.2007, p. 398. Na doutrina destacam-se, entre outros, Polastri, in A tutela..., pp. 123-130, mas condicionando a aplicao das medidas cautelares tpicas existncia do processo, eis que o poder geral de cautela do juiz no deixa de ser um consectrio lgico do devido processo legal. Na mesma linha, Rogrio Pacheco Alves, em excelente trabalho intitulado O poder geral de cautela no processo penal, publicado na Revista do Ministrio Pblico do Rio de Janeiro n 15, janeiro a junho de 2002, pp. 229 a 254.

MARCOS PAULO DUTRA SANTOS

priso preventiva; e a exigncia cautelar de comparecimento aos atos do processo, mesmo em casos de relaxamento da custdia e revogao da priso preventiva, que, em tese, no vm acompanhadas deste nus, que at o advento da Lei n 12403/11 era inerente apenas liberdade provisria. 9 Inconcebvel era impor medidas cautelares atpicas ao acusado/indiciado a esmo, sem a menor correspondncia com as nominadas, hiptese em que indiscutivelmente haveria indelvel e intolervel ofensa garantia constitucional do devido processo legal - por isso que a argumentao favorvel aplicao subsidiria do art. 798 do Cdigo de Processo Civil, conforme autoriza o art. 32 do CPP, deve ser recebida cum grano

salis.14A Lei n 12403/11 mudou completamente este cenrio ao inserir novas medidas cautelares a par da priso, positivando, inclusive, algumas medidas cautelares aflitivas inominadas que vinham sendo aplicadas pelos Tribunais Superiores, como o comparecimento peridico em juzo (art. 319,I do CPP) e a reteno cautelar do passaporte (art. 320 do CPP), tornando-as tpicas. O extenso rol evidencia, claramente, que a inteno do legislador foi abastecer o juiz de um arsenal variado de medidas cautelares igualmente pessoais, mas sem a necessidade de privar-lhe a liberdade inteiramente. Diante disso, no possui mais aplicabilidade a teoria dos poderes implcitos, pautado no surrado adgio quem pode o mais pode o menos, haja vista que o legislador especificou qual ser esse "menos" nos artigos 319 e 320 do CPP. Contemplar outras medidas cautelares alm das atuais no mais encerrar uma exegese ontolgica (compreensiva) daquelas j existentes, e sim inovadora (legiferante), em afronta ao princpio da separao e independncia dos Poderes da Repblica (art. 2 da CRFB/88), afastando-se dos limites fixados atuao jurisdicional pelo devido processo legal (art. LIV da CRFB/88)15. O poder geral de cautela inominado do juiz no possui mais vez no processo penal

condenatrio, o que no significa que tenha sido abolido do processo penal ptrio, manifestando-se em outras aes penais, como o habeas corpus e a execuo penal16, com oaval dos Tribunais Superiores, que admitem, respectivamente, a liminar em HC 10 e a regresso cautelar do regime 11 , mas sempre a partir de uma base normativa processual penal, no partindo do nada. Sem embargo da inexistncia de um processo penal cautelar, a jurisdio penal cautelar, semelhana da civil, tambm se notabiliza pela provisoriedade, decorrente do papel instrumental inerentes aos provimentos cautelares. Com efeito, a jurisdio, em regra, reveste-se de definitividade, isto , objetiva compor em definitivo os conflitos de interesses que so levados ao conhecimento do Poder Judicirio, pois somente desta forma se restaura a paz social. A jurisdio cautelar, entretanto, destaca-se pela provisoriedade, porquanto o seu escopo resguardar a efetividade do processo principal, este sim responsvel pelo equacionamento do conflito apresentado ao Poder Judicirio. Por conseguinte, as medidas cautelares so, essencialmente, provisrias, cumprindo uma misso instrumental, e no satisfativa.

STF, RHC 86084/BA, 1a Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 07.11.2006, DJ de 24.11.2006, v.u. No mesmo sentido, o STJ, sendo praxe no s da 5 quanto da 6 Turmas revogar ou relaxar prises preventivas, mas, ainda assim, impor ao ru o nus de comparecer aos atos do processo, haja vista os seguintes precedentes: HC 161072/MT, 6 T., rei. Maria Thereza de Assis Moura, j. 05.04.2010, DJ de 26.04.2010, v.u.; HC 178604/SP, 5 T., rel. Min. Laurita Vaz, j. 05.04.2011, DJ de 25.04.2011. destacadamente do Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, STF, HC n 103446/MT, 2 T, rel. Cezar Peluso, j. 13.04.2010 (Informativo n 582), HC n 99646/RJ, l T, rei. Marco Aurlio, j. 09.02.2010 (Informativo n 574); STJ, HC n 102561/MG, 5a T, rel. Min. Jorge Mussi, j. 16/03/2010, DJ de 31/05/2010, HC n 185474/SP, 5 T. rel. Min. Gilson Dipp, j. 07/04/2011, DJ de 28/04/2011, AgRg no HC n 180751/DF, 6 T, rei. Min. Og Fernandes, j. 16/12/2010, DJ de l2/02/2011. 11 Os Tribunais Superiores entendem que a prvia oitiva do apenado, prevista no art. 118, 2 da Lei n 7210/84 (LEP), imprescindvel regresso definitiva de regime, logo nada impede que o juiz, no exerccio do poder geral de cautela, regrida provisoriamente o regime inaudita altera parte. Neste sentido, STF, RHC n 92282/RJ, 2 T, rei. Min. Celso de Mello, j. 20/11/2007, DJ de 13/06/2008, HC n 76271/SP, l T, rei, Sidney Sanches, j. 24/03/1998, DJ de 18/09/1998 ; STJ, HC 188057/SP, 6a T, rel. Min. Og Fernandes, j. 02/06/11, DJ de 15/06/2011, HC n 185253/MG, 5 T, rel. Min. Napoleo Nunes Maia Filho, j. 08/02/2011, DJ de 28/02/2011.

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EXISTNCIA OU NO DE UM PROCESSO PENAL CAUTELAR, BEM COMO DE UM PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ CRIMINAL - CAUTELARES INOMINADAS (ATPICAS)

A tutela que se busca nas medidas cautelares penais de urgncia, Jamais de evidncia, o que seria incompatvel com a garantia inserta no art. 5, LVII, da Constituio da Repblica, ainda que interpretada restritivamente como presuno de no-culpabilidade. Isso porque caso uma medida constritiva de direitos atuasse como tutela de evidncia, traduziria manifesta antecipao de tutela, ou seja, de pena, e, assim, da prpria culpa do indiciado/acusado, eis que nulla poena sine culpa: pena e culpa so conceitos indissociveis, logo antecipar a primeira significa antecipar tambm a segunda. No por acaso os Tribunais Superiores possuem jurisprudncia firme asseverando, v.g., que o clamor social, a gravidade em tese da imputao delitiva, a credibilidade do Poder Judicirio junto opinio pblica no so argumentos aptos a justificar, por si s, uma custdia cautelar, sob pena de transform-la em verdadeira antecipao de pena. Mister demonstrar a sua real necessidade para o processo, conforme se estudar no captulo dedicado priso preventiva. semelhana do processo civil, trabalha-se no processo penal com fumus boni iuris e periculum in mora, ou seja, o deferimento das medidas cautelares condiciona-se plausibilidade da pretenso autoral e ao risco de comprometimento da efetividade do processo principal. Mesmo nas aes constitucionais impugnativas autnomas exclusivamente pro reo, como o habeas corpus e a reviso criminal, notabilizadas pela urgncia12, os Tribunais Superiores tm resistncia em aceitar a concesso de liminares que antecipam o prprio objeto da demanda, ao argumento de que haveria pr-julgamento13. A outorga de liminares nestas aes como tutelas de evidncia permitida apenas excepcionalmente, quando o provimento guerreado efetivamente contraria jurisprudncia consolidada dos Tribunais Superiores. Exemplo disto a relativizao da Smula 691 do STF14: quando os Tribunais Superiores apreciam HC impetrado contra deciso monocrtica do relator que indeferiu liminar em HC anterior, ao argumento de que o provimento atacado afronta orientao pacificada sua, claramente contemplam a liminar como tutela de evidncia. De toda sorte, por ser uma medida pro reo tomada no bojo de uma ao constitucional impugnativa, inexiste ofensa presuno de no-culpabili- dade. Nem tampouco ao devido processo legal (art. 5, LIV, da CRFB/88), que ser, em verdade, reafirmado na sua concepo substancial, enquanto sinnimo de processo justo, eis que cassado um provimento jurisdicional refratrio jurisprudncia pacificada dos Tribunais Superiores e, no mnimo, ameaador da liberdade individual. Lembre-se, conforme j salientado, que as liminares em HC no possuem previso legal expressa, traduzindo manifestao do poder geral de cautela do juiz no processo penal ptrio, o que no causa espcie, porquanto so tomadas pro reo. De qualquer forma, no deixam de ostentar base normativa, pois se os juizes e os Tribunais tm autorizao legal para conceder de ofcio ordem definitiva de habeas corpus, ex vi do art. 654, 2 do CPP, quanto mais precariamente e mediante provocao. Aplica-se, pura e simplesmente, a teoria dos poderes implcitos. O mesmo raciocnio se estende reviso criminal, afinal de contas se o Tribunal tem poderes para desconstituir em definitivo a coisa julgada (art. 626 do CPP), por que no poderia antecipar,

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O carter emergencial nsito a estas demandas, porquanto no mnimo haver risco ao direito ambulatorial, ainda que distante. A execuo, por exemplo, de uma condenao de sursis da pena ou de reprimenda restritiva de direitos, se descumprida injustificadamente pelo ape- nado, importar converso em priso. A urgncia apenas no se faz presente quando no houver possibilidade de privao da liberdade, v.g., no caso de uso de entorpecentes (art. 28 da Lei n 11343/06) ou condenao impositiva apenas de multa, haja vista a inviabilidade de converso em priso (art. 51 do Cdigo Penal) - nestes casos, invivel se mostra ab ovo a ao de habeas corpus, haja vista a Smula 693 do STF (inclusive se ao crime for cominada em abstrato exclusivamente pena de multa), e tampouco h de se cogitar liminar em sede de reviso criminal. Nesta linha, STJ, HC n 200256, 5a T, rel. Min. Gilson Dipp, deciso monocrtica publicada em 24/03/2011; AgRg no AgRg no HC n 51180/SP, 6a T, rel. Min. Paulo Medina, DJ de 12/03/2007; HC n 188892, 6 a T, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, deciso monocrtica publicada em 29/11/2010; STF, HC n 90861/PR, 1a T, rei. Min. Crmen Lcia, j. 03/04/2007, DJ de 25/05/2007; HC n 108935/SP, 2a T, rel. Min. Ellen Gracie, deciso monocrtica de 28 de junho de 2011. Neste sentido, STF, HC n 103446/MT, 2a T, rel. Cezar Peluso, j. 13.04.2010 (Informativo n 582), HC n 99646/RJ, l T, rel. Marco Aurlio, j. 09.02.2010 (Informativo n 574); STJ, HC n 102561/MG, 5a T, rel. Min. Jorge Mussi, j. 16/03/2010, DJ de 31/05/2010, HC n 185474/ SP, 5 T. rei. Min. Gilson Dipp, j. 07/04/2011, DJ de 28/04/2011, AgRg no HC n 180751/DF, 6 T, rei. Min. Og Fernandes, j. 16/12/2010, DJ de l/02/2011

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provisoriamente, um dos efeitos desta desconstituio, mxime nas hipteses em que a reviso criminal comportaria a impetrao de HC substitutivo, pois se este admite liminar, em igualdade de razes a reviso criminal. A liminar em mandado de segurana a fim de revestir de efeito suspen- sivo recurso despido desta eficcia (art. 5, II, da Lei n 12016/09, a contrario sensu) seria outro exemplo de tutela de evidncia no processo penal, e, como tal, h de ser manipulada com redobrada cautela. Trata-se de antecipao de tutela, pois o escopo do mandado de segurana a concesso de efeito suspensivo ao recurso, exatamente o que se persegue na liminar. Apesar de a liminar no mandado de segurana exigir periculum in mora (art. 7, II, da Lei n 12016/09), o que em regra a aproxima de uma tutela de urgncia, no se pode olvidar que, neste caso, a liminar se justape ao mrito do prprio MS, configurando tutela antecipada. Consigne-se, por oportuno, que enquanto a liminar do mandado de segurana impetrado nos termos ora em comento representa em relao a esta ao uma tutela de evidncia, o mandado de segurana em si atua como uma ao cautelar se confrontado com a ao penal condenatria ou executria em andamento, pois ao objetivar dar eficcia suspensiva ao recurso interposto no processo condenatrio ou executivo simplesmente se busca resguardar-lhe a efetividade. Ilustrando: deferido indevidamente o livramento condional ao apenado, cabe agravo em execuo, que no possui efeito suspensivo (art. 197 da LEP). Diante do risco de o condenado, em vias de ser posto em liberdade, desaparecer e frustrar a execuo penal em curso, o Ministrio Pblico interpe o recurso de agravo e impetra simultaneamente mandado de segurana com pedido liminar para sustar a eficcia da deciso e manter custodiado o condenado. Este mandado de segurana evidentemente desempenha um papel cautelar, objetivando garantir a efetividade da execuo penal em andamento; ao passo que a liminar em relao ao mandamus em si atua como verdadeira tutela antecipada. Adverte-se, contudo, que a impetrao de mandado de segurana pressupe ilegalidade ou arbitrariedade do ato jurisdicional guerreado, logo a concesso da segurana, e ainda mais da liminar, deve ser a exceo, e no a regra, pois, do contrrio, o mandado de segurana substituir o recurso interposto. Como os provimentos jurisdicionais so fundamentados, dificilmente se mostraro ilegais ou abusivos, exceto quando houver vcio processual patente, como ausncia de fundamentao (ou motivao estapafrdia] e incompetncia absoluta do Juzo. As tutelas de evidncia so, portanto, estranhas ao penal condena- tria porquanto incompatveis com a presuno de no-culpabilidade; em contrapartida, so identificveis nas aes constitucionais impugnativas - aes de habeas corpus, mandado de segurana e reviso criminal. 1.1 PODER GERAL DE CAUTELA DE OFCIO: CONSTITUCIONALIDADE E SUBSISTNCIA OU NO DESTE PODER QUANDO PREPARATRIO AO PENAL (ARTS. 282, 2 E 311 DO CPP, NA FORMA DA REDAO DADA PELA LEI N 2 12403, DE 04 DE MAIO DE 2011 E SUA REPERCUSSO NA LEGISLAO EXTRAVAGANTE) Inmeras medidas cautelares so decretveis de ofcio pelo juiz, tais como a interceptao telefnica (art. 3 da Lei n 9296/96), a busca e apreenso (art. 242 do CPP), a produo antecipada de provas (art. 156 do CPP, nos moldes da Lei n 11690/08), etc..., suscitando dvidas se este poder geral de cautela oficioso mostra-se de fato compatvel com o sistema acusatrio, j que o exerccio da ao penal pblica foi confiado privativamente ao Ministrio Pblico, na forma do art. 129,I, da CRFB/88. Trs so as proposies a respeito. Parte da doutrina sustenta, com integral acerto, que este poder geral de cautela oficioso mostra-se incompatvel com o sistema acusatrio, porquanto permite ao juiz imiscuir-se

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diretamente no exerccio da ao penal, inclusive ainda na fase de formao da justa causa deflagrao da demanda, em prejuzo da eqidistncia que deve conservar das partes e, por conseguinte, da prpria imparcialidade.15 Com efeito, causa espcie que o juiz desande a determinar medidas cautelares constritivas de direitos de ofcio, apesar de tanto a autoridade policial (durante o inqurito] quanto o Ministrio Pblico (ou o querelante na ao penal de iniciativa privada) no terem vislumbrado a menor necessidade para tanto. Realmente o magistrado que assim age nada mais do que um delegado ou promotor travestido de juiz, que definitivamente abraou a profisso errada, pouco importando que a tutela cautelar tenha sido determinada ex officio incidentalmente ao processo em andamento. No cabe ao juiz arvorar-se no papel de guardio da sociedade, mesmo porque se norteia pela inrcia, sem a qual no haveria imparcialidade possvel. Sem embargo, no h precedentes nos Tribunais Superiores contestando a constitucionalidade deste poder de cautela oficioso do juiz no processo penal.16 No haveria comprometimento do sistema acusatrio eis que a cognio desempenhada pelo magistrado sumria, conduzindo a uma valorao precria, rebus sic stantibus. No se falaria, portanto, em pr-julgamento a comprometer-lhe a imparcialidade. Recomenda-se apenas que tal prerrogativa no seja vulgarizada, devendo ser exercida apenas excepcionalmente. A condescendncia dos Tribunais Superiores compreensvel, pois o Brasil um pas de dimenses continentais e que ainda ostenta discrepn- cias regionais avassaladoras, logo perfeitamente vivel que haja situaes extremas nas quais a eficincia e/ou a idoneidade da polcia e do Ministrio Pblico esto indelvel e conjuntamente comprometidas, de maneira que o Poder Judicirio surgiria como derradeira via estatal disposio da vtima e da prpria sociedade. Contudo, ainda assim permanece injustificvel outorgar aos juizes este papel repressivo, haja vista a existncia de mecanismos de controle sobre a atuao de delegados e de promotores dentro das respectivas instituies (v.g., as corregedorias, alm das chefias institucionais), e mesmo externamente, haja vista o Conselho Nacional do Ministrio Pblico, criado pela Emenda Constitucional nQ 45/04 com o escopo de controlar a atuao administrativa e financeira do Ministrio Pblico e o cumprimento dos deveres funcionais dos seus membros (art. 130-A, 2 da CRFB/88). Aps o advento do Conselho Nacional do Ministrio Pblico, proporcionando um controle externo sobre o aparato repressivo estatal, cai por terra qualquer justificativa ao poder repressivo oficioso reconhecido aos juizes. Outros autores obtemperam uma terceira via: preliminarmente ao penal os poderes repressivos oficiosos do juiz seriam inconstitucionais, pois importaria dar-lhe um papel ativo ainda no inqurito policial, intrometendo-se nas atribuies do delegado e dos membros do Ministrio Pblico, estes sim responsveis diretamente pela presidncia e controle externo das investigaes, respectivamente. Em contrapartida, incidentalmente ao processo no causaria estranheza o exerccio deste poder pelos juizes, afinal de contas so eles os condutores do processo, os destinatrios da prova e, portanto, os maiores interessados na preservao da eficcia dos seus vindouros provimentos jurisdicionais 17 . Cludio Fonteles, quando estava15 Neste sentido, Nicolitt, in Manual..., ob. cit., p.429 (quando alude possibilidade de a priso preventiva ser decretada ex officio pelo juiz, conforme previa a outrora redao do art. 311 do CPP); Fauzi Hassan Choukr, in Cdigo de Processo Penal, Comentrios consolidados e crtica jurisprudencial, Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 2005, pp. 494/497, quando das notas tambm ao ento art. 311 do CPP, anterior Lei n e 12403/11, mas criticando a atuao cautelar ex officio do juiz no processo penal de maneira geral; Aury Lopes Jr., in Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, vol. II, Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 2009, pp.91/94; Rmulo de Andrade Moreira, in Curso Temtico de Direito Processual Penal, 2 edio, Jus Podium, Salvador, 2009 pp.189/190, no qual encara com muitas reservas o poder de cautela ex officio do juiz no processo penal. 16 Nesta linha tambm Guilherme de Souza Nucci, in Cdigo de Processo Penal Comentado, 8- edio, RT, So Paulo, 2008, pp.617/618, que, comentando o outrora art. 311 do CPP, no pe em cheque a constitucionalidade do dispositivo, e insiste, citando Helio Tornaghi, que o nosso sistema processual penal seria inquisitivo garantista. 17 Seguindo esta linha de raciocnio, Geraldo Prado, in Sistema Acusatrio, A conformidade constitucional das leis processuais penais, 2 edio, Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 2001, pp.126/131 e 205/206, tanto que cita como exemplos de

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Procurador-Geral da Repblica, ajuizou Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n 3450 em face do art. 3, caput, da Lei n 9296/96, que autoriza o juiz a decretar de ofcio a interceptao telefnica, propondo esta interpretao conforme Constituio. E, recentemente, na ADIN n 4112 deflagrada pelo Partido Trabalhista Brasileiro contra a mesma Lei n 9296/96, a Procuradoria Geral da Repblica, atravs do Procurador-Geral Roberto Gurgel, enviou ao STF parecer na mesma linha, elaborado pela Vice-Procuradora Geral Deborah Duprat. A Lei n 12403/11 positivou esta ltima corrente doutrinria ao admitir o poder geral de cautela ex officio pelo juiz, mas incidental ao processo. Com efeito, o art. 282, 2 do atual CPP dispe que "as medidas cautelares sero decretadas pelo juiz, de ofcio ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigao criminal, por representao da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministrio Pblico". Em se tratando da priso preventiva o legislador reiterou tal critrio ao reformular o art. 311 do CPP, que passou a preceituar que "em qualquer fase da investigao policial ou do processo penal,

caber priso preventiva decretada pelo juiz, de ofcio, se no curso da ao penal, ou a requerimento do Ministrio Pblico, do querelante ou do assistente, ou por representao da autoridade policial".Assim, enquanto as medidas cautelares incidentais ao processo, inclusive a priso preventiva, podem ser ultimadas pelo juiz ex officio ou atravs de provocao das partes, as preparatrias ao processo exigem representao da autoridade policial ou requerimento do Ministrio Pblico. A diferena de tratamento dispensado pelo legislador foi evidente, bastando confrontar os dispositivos acima com a redao ento em vigor do art. 311 do CPP, expressa ao permitir a imposio ex officio da priso preventiva, quer de maneira preparatria ou incidental ao processo, a saber: "Em qualquer fase do inqurito policial ou da instruo criminal

caber a priso preventiva, decretada pelo juiz, de ofcio, a requerimento do Ministrio Pblico, ou do querelante, ou mediante representao da autoridade policial" - grifo nosso18.Idntico raciocnio se aplica s medidas cautelares aflitivas decretadas pelo juiz em substituio ou em reforo a outras, somente se admitindo o atuar oficioso do magistrado se incidental ao processo.

comprometimento do sistema acusatrio o art. 5, II do CPP, que prev a instaurao do inqurito policial pelo delegado a partir de requisio do juiz, e o prprio poder de cautela ex officio do juiz antes da deflagrao da ao penal, censurando a outrora redao do art. 311 do CPP, que permitia ao magistrado decretar de ofcio a priso preventiva do indiciado; Eugnio Pacelli de Oliveira, in Curso de Processo Penal, 10 edio, Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 2008, pp. 442/444; Polastri, in A Tutela Cautelar..., ob. cit., pp. 129/130; Paulo Rangel, in Direito Processual Penal, 16a edio, Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 2009, pp.711/712. 18 Chegaram mesma concluso Nucci, in Priso e Liberdade, ob. cit., pp. 29/30, Renato Brasileiro, in Nova Priso Cautelar, ob. cit., pp.44/45, e Edilson Mougenot Bonfim, in Reforma do Cdigo de Processo Penal, Comentrios Lei n- 12403, de 04 de maio de 2011, Saraiva, So Paulo, 2011, p.109. igualmente Aury, in O Novo Regime..., ob.cit., p.24, sublinhando que o autor condena o poder de cautela oficioso do juiz tanto no inqurito policial quanto no processo. 18 in Priso e Liberdade..., ob.cit,, p.32.

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Com efeito, dispe o 4 do art. 282 do CPP que "no caso de descumprimento de qualquer das

obrigaes impostas, o juiz, de ofcio ou mediante requerimento do Ministrio Pblico, de seu assistente ou do querelante, poder substituir a medida, impor outra em cumulao, ou, em ltimo caso, decretar a priso preventiva (art. 312, pargrafo nico)".Apesar de o mencionado 4 no fazer distino entre inqurito policial e processo quando aludiu ao atuar oficioso do juiz, conclui-se pela inadmissibilidade de o magistrado atuar oficiosamente ao longo do inqurito policial, porque no se pode desprezar a ratio essendi da Lei n 12403, de 04 de maio de 2011, e a inteno deliberada do legislador de restringir as medidas cautelares aflitivas ex officio ao processo, coibindo a atuao oficiosa do juiz durante o inqurito, imiscuindo-se indevidamente nas atribuies dos rgos de represso estatal autoridade policial e Ministrio Pblico em detrimento do sistema acusatrio, conforme enfatizam os atuais artigos 282, 2- e 311 do CPP, no sendo lgico conceber que o 4 do art. 282 destoe deste sistema. Nucci, entretanto, acena favoravelmente incidncia do 4 do art. 282 do CPP no inqurito policial, de maneira que o juiz poderia em qualquer fase da persecuo penal, mesmo incidentalmente investigao, no caso de descumprimento, substituir a medida, impor outra em cumulao, ou, em ltimo caso, decretar a priso preventiva. Pautou-se o autor na interpretao histrica da Lei n 12403/11, mais precisamente no seu processo legislativo, porquanto no Senado foi obtemperado que o magistrado s poderia alterar oficiosamente tal tutela no curso da ao penal, mas a Cmara dos Deputados retificou o projeto, permitindo ao juiz modificar a tutela cautelar ex officio em qualquer etapa da persecuo penal.26 No se desconhece a importncia da interpretao histrica, at porque reveladora da mens legislatoris. Porm, a lei no pertence ao legislador, destinando-se sociedade, logo uma vez editada urge ater-se sua mens legis. E o recado contido na Lei n 12403/11 de uma clareza solar: o juiz no pode mais decretar medidas cautelares aflitivas preparatrias ao penal ex officio. E se no pode imp-las sem provocao, muito menos modific-las, o que, alis, perpassaria pela fixao de outras oficiosamente, ignorando-se a ratio legis. Tal aparente opo legislativa despertou estranheza no prprio Nucci27, sem contar que admitir este atuar oficioso seria inconstitucional, em total desconformidade com o sistema acusatrio. Outrossim, o citado 4 do art. 282 do CPP, quando se referiu substituio ou reforo das medidas cautelares, inclusive admitindo o decreto de priso preventiva, se necessrio, listou expressamente o Ministrio Pblico, o querelante e o assistente de acusao como legitimados a requerer tal tutela ao juiz, mas no incluiu a autoridade policial, evidenciando que os olhos estavam voltados para o processo quando da confeco desta regra, e no mais para a investigao criminal, reforando a impossibilidade de o juiz no s impor, mas tambm substituir ou reforar ex officio medidas cautelares aflitivas incidentalmente ao inqurito policial.19 Esta ltima corrente de pensamento, favorvel atuao cautelar repressiva do juiz ex officio somente no processo, induvidosamente sedutora, ainda mais porque positivada pelo legislador, haja vista a Lei n 12403/11, expressando o entendimento do Poder Legislativo ptrio, mas no chega a abalar o acerto da primeira posio, contrria a qualquer tutela cautelar determinada ex officio pelo juiz, quer preparatria ou incidental ao processo. O juiz de fato o presidente do processo, ou seja, aquele que "dita o ritmo" do evolver processual, zelando pela estrita observncia do devido processo legal e das demais garantias constitucionais adjetivas que lhe so correlatas. Mas no ele o titular da acusao. Esta compete ao Ministrio Pblico por mandamento constitucional (art. 129, I, da CRFB/88) ou ao querelante,

19 Na mesma linha, Renato Brasileiro de Lima, in Nova Priso Cautelar, Impetus, Niteri/R], 2011, p.45 e Aury, in O Novo Regime..., ob.cit., p.24, advertindo, mais uma vez, que o autor condena o poder de cautela oficioso do juiz tanto no inqurito policial quanto no processo.

MARCOS PAULO DUTRA SANTOS

se o crime for de ao penal de iniciativa privada, logo deles deve sempre partir a iniciativa pela imposio das medidas cautelares aflitivas, exatamente porque objetivam incrementar a acusao, preservando-Ihe a efetividade. Ao juiz compete "to-somente" verificar a legalidade e a legitimidade destes requerimentos, deferindo-os ou no, pois do contrrio o magistrado encamparia a acusao, afastando-se da sua eqidistncia. Reitere-se: embora haja, sim, uma parcela minoritria de promotores de justia desidiosos, e mesmo mal intencionados, no compete ao juiz, por conta disso, suprir a deficincia ou mesmo a ausncia do rgo acusatrio, e decretar as medidas cautelares que entender necessrias oficiosamente, porquanto no esse o munus que a Constituio da Repblica lhe confiou. A soluo para estas distores deve partir do prprio Ministrio Pblico, seja oficiando a corregedoria e o Procurador-Geral respectivos, seja comunicando o fato ao Conselho Nacional do Ministrio Pblico. Caso prevalecesse esta ltima orientao doutrinria, legitimar-se-ia aos magistrados uma indesejvel atuao subsidiria acusatria ao longo do processo, em detrimento da eqidistncia que devem guardar das partes em apreo imparcialidade. Tal observao engloba tambm as medidas cautelares probatrias, afinal de contas o nus probatrio das partes, e no do juiz. A ele compete valorar as provas, e no dar ensejo a provimentos cautelares que robusteam faticamente a acusao, mesmo porque as provas tm como destino no propriamente o juiz, e sim o processo, afinal de contas desafiam avaliaes de diferentes rgos jurisdicionais, em diferentes graus de jurisdio, e no exclusivamente do juzo de primeira instncia. Diz-se o mesmo acerca das medidas cautelares assecuratrias oficiosas, como o seqestro (art. 127 do CPP). Por tudo isto, filiamo-nos posio doutrinria segundo a qual o juiz no pode decretar de ofcio qualquer medida cautelar. Toda proposio neste sentido e ser inconstitucional. Se o fizer, a referida medida ser nula, relaxando-se a priso preventiva decretada, ou declarando insubsistentes as demais medidas cautelares aflitivas insertas nos arts. 319 e 320 do CPP. Idntica soluo alcana o seqestro oficiosamente decretado nos moldes do art. 127 do CPP, liberando-se os bens at ento bloqueados. Em se tratando das medidas cautelares probatrias decretadas ex officio, as peas de informao da decorrentes sero imprestveis, devendo ser desentranhadas dos autos, ao teor do art. 157, caput e 1 do CPP, nos moldes da Lei n 11690/08. Ademais, como em todos estes casos o juiz aodadamente se pronunciou sobre questes fticas e jurdicas sem qualquer provocao prvia dos rgos de represso estatal, comprometendo indelevelmente a sua imparcialidade, no resta alternativa seno declar-lo impedido de intervir em todos os termos subseqentes do processo, na forma do art. 252, III, do CPP, interpretado ontologicamente - embora o dispositivo preveja o impedimento somente se o magistrado havia atuado em instncia diversa, a ratio do impedimento o pr-julgamento, e tal ocorreu malgrado ainda se esteja no mesmo grau de jurisdio20. A via processual adequada para declarar a nulidade da deciso e buscar o desentranhamento das provas o habeas corpus, mesmo porque a prova estaria pr-constituda e a discusso a ser alinhavada no writ estritamentte jurdica. O mesmo se estende ao afastamento do juiz por impedimento, sublinhando apenas que a parte ainda teria sua disposio a exceo, nos mesmos termos da reservada suspeio, ex vi do art. 112 do CPP. De qualquer maneira, partindo da premissa de constitucionalidade do poder de cautela oficioso do juiz, desde que incidental ao processo, introduzida pela Lei n 12403/11 enquanto regra geral reitora das medidas cautelares, haja vista o art. 282, 2 do CPP, e especificamente da priso preventiva, ex vi do art. 311 do atual CPP, a dvida instalada quanto subsistncia ou no dos dispositivos que permitem o decreto ex officio pelo juiz de medidas cautelares

20 Esta soluo proposta pelo prof. Geraldo Prado, in Sistema Acusatrio, ob. cit., pp. 130/131, embora o autor recrimine com contundncia o poder de cautela do juiz exercido oficiosamente durante a investigao.

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preparatrias ao penal, ainda em fase de inqurito policial, como so os casos da produo antecipada de provas (art. 156,I do CPP, nos termos da redao dada pela Lei n 11690/08), da busca domiciliar (art. 242 do CPP), da interceptao telefnica (art. 3 da Lei n 9296/96), da identificao criminal do indiciado civilmente identificado (art. 3, IV da Lei n 12037/09), do seqestro de bens (art. 127 do CPP), da priso preventiva no mbito da violncia domstica ou familiar contra a mulher (art. 20 da Lei n 11340/06) e da suspenso da permisso ou da habilitao para dirigir veculo automotor, ou a proibio de sua obteno (art. 294, caput, da Lei ns 9503/97 - Cdigo de Trnsito Brasileiro). A respeito do tema, so 03 (trs) as propostas hermenuticas possveis. A primeira alternativa hermenutica, a mais literal de todas e, portanto, a mais pobre ontologicamente, arrima-se no princpio da especialidade, estampado no adgio lex specialis derogat generalis. A partir do momento em que o art. 282, 2 do atual CPP regra geral sobre o poder de cautela ex officio do juiz, cede diante das disposies em sentido contrrio, embora anteriores Lei n 12403/11. Assim, os artigos que permitem o atuar oficioso do juiz j em sede de inqurito policial continuam em vigor, inclusive o art. 20 da Lei n- 11340/06, pertinente possibilidade de o juiz determinar oficiosamente a priso preventiva de maneira preparatria ao penal, eis que tal dispositivo especial em relao ao atual art. 311 do CPP - tanto que o art. 13 da Lei ne 11340/06 prev a aplicao subsidiria das normas do Cdigo de Processo Penal "...que no conflitarem com o estabelecido nesta Lei..." - grifo nosso. A segunda exegese, de ndole claramente defensiva, pauta-se no princpio lex posteriori derogat anteriori para postular a revogao tcita de todas as reminiscncias do poder de cautela ex officio do juiz incidental ao inqurito policial (preparatrio ao penal). A partir do momento em que a Lei n 12403/11 reestruturou as medidas cautelares, estabelecendo como regra geral a possibilidade de o juiz atuar oficiosamente apenas no curso da ao penal, haja vista o atual art. 282, 2 do CPP, e, especificamente, o art. 311 do CPP, pertinente priso preventiva, esta nova orientao normativa h de ser obedecida, mesmo porque apresentada pelo legislador sem ressalvas. No seria o caso de invocar o princpio da especialidade para justificar a subsistncia dos dispositivos listados acima, que prevem o poder de cautela oficioso do juiz preparatrio ao penal, porque estes artigos simplesmente reeditaram o regramento geral ento em vigor, logo no objetivaram discrepar da regra geral. Como no pretenderam fixar disciplina diversa da geral descabe invocar o princpio da especialidade. Embora a segunda proposta hermenutica seja mais crtica e substanciosa do que a primeira, tampouco prevalecer na sua inteireza, permitindo uma terceira proposio, que, por sinal, deve predominar, at porque o Pleno do Supremo Tribunal Federal assim se pronunciou quando analisou a atual localizao topogrfica do interrogatrio. Conforme alertado logo no incio do estudo do processo cautelar, a Lei n 12403, de 04 de maio de 2011, no reestruturou as medidas cautelares como um todo, mas to somente as aflitivas (pessoais), ou seja, aquelas que recaem sobre a pessoa do indiciado ou do acusado. Apesar de o ttulo IX do CPP ter sido alargado para compreender no apenas a priso e a liberdade provisria, mas tambm as medidas cautelares, estas no englobam as medidas cautelares probatrias, nem tampouco as assecuratrias, mas unicamente as aflitivas. Destarte, restam excludas do novel regramento as medidas cautelares probatrias, razo pela qual a produo antecipada de provas (art. 156,I do CPP, nos termos da redao dada pela Lei n 11690/08), a busca domiciliar (art. 242 do CPP), a interceptao telefnica (art. 3 da Lei n 9296/96), e a identificao criminal do indiciado civilmente identificado (art. 3, IV da Lei n 12037/09)21 continuam a ser decretveis ex officio pelo juiz em sede de inqurito policial. Nestes casos aplica-se, acertadamente, o princpio da especialidade. Idntico raciocnio estende-se s

21 A identificao criminal do indiciado civilmente identificado determinada de ofcio pelo juiz no chega a comprometer o sistema acusatrio, pois o magistrado sequer antecipa a sua valorao meritria. O fumus boni iuris consiste exclusivamente na possibilidade de a identificao civil apresentada pelo indiciado no ser fidedigna.

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medidas cautelares assecuratrias, logo o seqestro permanece determinvel ex officio pelo juiz no s incidentalmente ao processo, mas tambm durante o inqurito policial, ex vi do art. 127 do CPP. Em contrapartida, no tocante s medidas cautelares aflitivas, convm reconhecer que houve uma mudana de paradigma com o advento da Lei n 12403/11, pois o atuar oficioso do juiz, antes indiscriminado, eis que exeqvel tanto em sede de inqurito policial quanto no curso da ao penal, ficou circunscrito ltima, ex vi dos arts. 282, 2 e 311 do CPP. Neste diapaso, dispositivos como o art. 20 da Lei n 11340/06 simplesmente reeditaram o referencial ento em vigor, isto , a priso preventiva decretvel pelo juiz de ofcio, quer de maneira preparatria quanto incidental ao penal, haja vista o ento art. 311 do CPP. Em suma: o citado art. 20 simplesmente reproduziu a regra geral vigente poca, logo alterada esta pelos artigos 282, 2 e 311 natural que tais mudanas alcancem os demais dispositivos que a reproduziram em apreo ao princpio lex posteriori derogat anteriori. Por conseguinte, o art. 20 da Lei n 11340/06 foi tacitamente derrogado pelo atual art. 311 do CPP, de sorte que tambm no mbito da violncia domstica e familiar contra a mulher a priso preventiva s decretvel ex officio pelo juiz incidentalmente ao processo. Por se tratar de uma medida cautelar igualmente aflitiva, idntico raciocnio alcana o art. 294 da Lei n 9503/97. Importante lembrar que o Pleno do Supremo Tribunal Federal j decidiu desta forma em relao ao interrogatrio judicial, pois at as Leis n 11719 e 11689 de 2008 o interrogatrio inaugurava a instruo criminal no procedimento comum e no jri, respectivamente, logo vrios dispositivos da legislao extravagante, seguindo o paradigma ento em vigor, o colocavam como primeiro ato instrutrio ao invs do ltimo - o nico procedimento que discrepava neste sentido era o sumarssimo, na esfera do Juizado Especial Criminal, ex vi do art. 81 da Lei n 9099/95. A partir do momento em que houve uma mudana de paradigma, alocando-se o interrogatrio para finalizar a instruo criminal, entendeu o Pleno do Supremo Tribunal Federal que tal alterao alcanaria a legislao extravagante, que apenas tratou de seguir o referencial at ento em vigor, no objetivando criar regra distinta da geral. Ento, modificada esta, que as mudanas atingissem o restante da legislao - e assim decidiu o STF no procedimento pertinente s aes penais de sua competncia originria (art. 7 da Lei n 8038/90) e, obiter dictum, no rito atinente a entorpecentes (art. 57 da Lei n 11343/06)22.

Mutatis mutandis, se o Pleno do STF conservar a sua coerncia cientfica, assim tambm entender nos casos em tela, alusivos priso preventiva no mbito da violncia domstica e familiar contra a mulher - art. 20 da Lei n 11340/06 - e suspenso da permisso ou da habilitao para dirigir veculo automotor, ou a proibio de sua obteno - art. 294, caput, da Lei n 9503/97.1.2. O NOVO PAPEL DA VTIMA, QUER COMO QUERELANTE OU ASSISTENTE DE ACUSAO, NO PROCESSO PENAL CAUTELAR PTRIO 1.2.1. Assistente de acusao A Lei n 12403/11 robusteceu sobremaneira a participao do assistente de acusao no processo penal ptrio, seguindo uma tendncia iniciada com a Reforma de 2008. Com efeito, a Lei n 11689/08 concedeu ao assistente de acusao a faculdade de postular o desaforamento, ex vi do art. 427 do atual CPP, ampliando as faculdades originariamente listadas no art. 271 do CPP. Da outra banda a Lei n 11719/08 passou a exigir a intimao da vtima, ainda que no habilitada como assistente de acusao, da sentena e dos respectivos acrdos que a mantiverem ou a modificarem, ex vi do art. 201, 2 do CPP, a fim de efetivamente

22

Pleno do STF, AP n 528 AgR/DF, rei. Min. Ricardo Lewandowski, v.u., j. 24.03.2011 (Informativo n 620).

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oportunizar ao lesado o recurso supletivo. Tais inovaes possuem inspirao nitidamente garantista, porquanto um dos postulados do garantismo no processo penal dar vtima maior importncia no processo penal ptrio, no lhe relegando o papel de mero meio de prova, e sim de sujeito com participao ativa na relao processual penal 23.

23

FERRAJOLI, Luigi, in Direito e Razo, Teoria do Garantismo Penal, trad. Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flvio Gomes, So Paulo, RT, 2002, pp.590/592.

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Na esteira desta orientao, a Lei n 12403/11 expressamente estendeu s partes legitimidade para postular as medidas cautelares incidentalmente ao processo, ex vi do art. 282, 2 do atual CPP. A meno s partes claramente inclui o assistente de acusao, eis que no mesmo dispositivo o legislador, ao se referir investigao criminal, listou pontualmente como legitimados a autoridade policial, atravs de representao, e o Ministrio Pblico, mediante requerimento, silenciando-se propositalmente em relao ao assistente de acusao porque a sua habilitao s tem lugar durante o curso da ao penal, ex vi do art. 268 do CPP. Tanto isso verdade que, no tocante legitimidade para pugnar pela priso preventiva, o atual art. 311, igualmente alterado pela Lei n 12403/11, incluiu expressamente o assistente de acusao, previso esta que inexistia no art. 311 anterior Lei n 12403/11, bem como no art. 271 do CPP. Portanto, o assistente de acusao possui, hoje, legitimidade para postular a priso preventiva (art. 311 do CPP), bem como qualquer outra medida cautelar aflitiva listada nos artigos 317 e 318 (priso domiciliar), 319 e 320 (reteno cautelar do passaporte), desde que incidentalmente ao penal, haja vista o art. 282, 2, todos do CPP. Embora o dispositivo se refira genericamente s partes, o 4 expressamente lista o assistente como legitimado para requerer ao juiz, no curso do processo, a substituio da medida cautelar por outra, ou a imposio cumulativa de outra(s) tutela(s), no deixando dvidas a respeito da sua legitimidade para postul-la originariamente. Tampouco se pode perder de vista a teoria dos poderes implcitos - se o assistente de acusao possui legitimidade para requerer a medida cautelar aflitiva reconhecidamente mais drstica prevista no ordenamento ptrio, ex vi do art. 282, 6 do CPP, o que dizer das demais... Por outro lado, firmada a legitimidade do assistente de acusao para postular a priso preventiva e as medidas cautelares aflitivas insertas nos arts. 319 e 320 do CPP, a sua legitimidade recursal supletiva h de ser repensada. Como cedio, interpretando-se conjugadamente os arts. 271, 584, l e 598 do CPP conclui-se que o assistente de acusao possui legitimidade para, supletivamente, caso o Ministrio Pblico no o faa, interpor recurso em sentido estrito da sentena extintiva da punibilidade (art. 584, 1 do CPP) e apelar da sentena (art. 598 do CPP) 24, incluindo a impronncia - neste ltimo caso simplesmente se migrou do recurso em sentido estrito (art. 581, IV c/c art. 584, 1, ambos do CPP) para a apelao em razo da reforma promovida pela Lei n Q 11689/08 no art. 416 do CPP. Igualmente possui o assistente de acusao legitimidade para recorrer especialmente ao STJ e/ou extraordinariamente ao STF, caso o Ministrio Pblico se quede inerte, contra os acrdos que tenham apreciado os recursos acima, independentemente de o recorrente ter sido o assistente ou o Parquet, mesmo porque a legitimidade recursal do primeiro apenas supletiva. Isso porque no faria sentido que o assistente pudesse recorrer em sentido estrito contra a sentena extintiva da punibilidade ou apelar da sentena, inclusive da impronncia, ao Tribunal local respectivamente competente, mas, se desprovido ou no conhecido o recurso, no pudesse supletivamente interpor recurso especial ao STJ e/ou extraordinrio ao STF, no sendo outra a inteligncia por detrs da Smula 210 do STF, que permanece aplicvel, embora alusiva ordem constitucional anterior Carta de 1988. Arrematando este raciocnio foi editada a Smula 208 do STF, no reconhecendo legitimidade recursal supletiva ao assistente para recorrer extraordinariamente de acrdo concessivo da ordem de habeas corpus, exatamente porque neste caso o recurso extraordinrio

24 Inclusive se condenatria, a fim de exasperar a reprimenda, pois enquanto vtima o assistente de acusao possui interesse de ver aplicada ao acusado uma pena proporcional ao mal que lhe foi causado, no sendo outra a orientao do Supremo Tribunal Federal (HC n 83582/ RJ, 2a T, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/04/2007, v.u., DJ de 11.05.2007; HC n 75353/RJ, T, rei. Min. Seplveda Pertence, j. 19/08/97, v.u., DJ de 12.09.1997, sendo certo que neste ltimo caso o assistente apelou supletivamente contra a sentena condenatria em razo de ter sido desclassificada a imputao de roubo para leso corporal, o que no impediria o lesado de ter em seu prol um ttulo executivo judicial do mesmo jeito) e do Superior Tribunal de Justia (HC n 137339/RS, 5 T, rel. Min. Jorge Mussi, j. 09/11/2010, DJ de 1/02/2011, v.u,; HC n9 99857/SP, T, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. l/10/2009, DJ de 19/10/2009, v.u.), malgrado a divergncia doutrinria existente sobre o tema.

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no seria desdobramento do julgamento nem do recurso em sentido estrito contra a deciso de impronncia, nem da apelao interposta contra sentena - a nica exceo aberta pelo STF seria no caso de o assistente de acusao ser ex-legitimado ativo ad causam nos termos da Smula 714 do STF. Ocorre que a partir do momento em que o assistente de acusao conquistou legitimidade para postular a priso preventiva, intuitivo que, supletivamente, possa recorrer em sentido estrito da deciso que a indefere, relaxa ou revoga, ex vi do art. 581, V do CPP, dizendo-se o mesmo das demais medidas cautelares, eis que igualmente so privativas da liberdade, embora em menor grau - malgrado o rol do art. 581 do CPP ser taxativo, os seus incisos desafiam interpretao ontolgica e evolutiva, afinal de contas remontam a 1941, sendo imprescindvel ajust-los ao atual panorama normativo ptrio. Mutatis mutandis, caso o Tribunal, em grau de recurso em sentido estrito, confirme a deciso revocatria, de relaxamento ou de indeferimento da tutela cautelar aflitiva, ou seja o prprio a faz-lo, caber recurso especial ao STJ e/ou extraordinrio ao STF, caso o Parquet permanea inerte. Mas se a revogao ou relaxamento da tutela cautelar aflitiva for obtida pelo imputado via habeas corpus no h de se falar em recurso especial e/ou extraordinrio supletivo do assistente de acusao, porquanto tais recursos so incidentais a uma ao constitucional impugnativa autnoma, diversa da ao penal condenatria, no consubstanciando desdobramento do julgamento da apelao nem do recurso em sentido estrito. Permanece hgida, portanto, a Smula 208 do STF neste aspecto, lembrando que, caso se entendesse diversamente, haveria de se reconhecer ao assistente, v.g., legitimidade supletiva para interpor recurso especial e/ou extraordinrio contra acrdo que, em sede de HC, declara extinta a punibilidade ou extingue liminarmente o processo, eis que ontologicamente seria equivalente a uma sentena, que desafia recurso em sentido estrito ou apelao supletiva do assistente, o que o Supremo Tribunal Federal no admite, salvo em se tratando de assistente de acusao ex-legitimado ativo ad causam concorrente nos termos da Smula 71425.26 Segundo assinalado acima, a Lei n 12403/11, embora tivesse a pretenso de ser o diploma legal modificador do processo penal cautelar brasileiro, tanto que alterou o Ttulo IX do Livro I do CPP para "da priso, das medidas cautelares e da liberdade provisria", em verdade recaiu somente sobre as medidas cautelares aflitivas (pessoais), no englobando as medidas cautelares probatrias. Destarte, o rol de legitimados previstos pontualmente para pugnar pelo decreto de medidas caulares de cunho probatrio continua em vigor sem a possibilidade de incluso do assistente de acusao, o que seria analogia in malam partem, porquanto tais medidas tambm so restritivas de direitos, logo desafiam interpretao restritiva. Ilustrando: a intercep- tao telefnica, nos termos do art. 3 da Lei n 9296/96, desafia requerimento pelo Ministrio Pblico e representao da autoridade policial, em sede de inqurito policial. O legislador no listou o assistente de acusao como legitimado a requer-la, logo inaplicvel o art. 282, 2 do atual CPP em apreo ao princpio da especialidade, alm da legalidade penal estrita, at porque tal dispositivo versa sobre as medidas cautelares aflitivas.27 1.2.2. Querelante O querelante possui inegvel legitimidade para postular a priso preventiva, inclusive de maneira preparatria ao penal, haja vista o atual art. 311 do CPP, com a redao dada pela Lei n 12403/11, sublinhando que o texto anterior do art. 311 j lhe conferia tal legitimidade

25 26

STF, RE ns 387974/DF, 2a T, rel. Min. Ellen Gracie, j. 14/10/2003, vencido Min. Celso de Mello (Informativo n 326). Por isso que concordamos com Renato Brasileiro quanto ampliao da legitimao recursal supletiva do assistente de acusao, mas no a ponto de restar superado o enunciado 208 do STF (in Nova Priso Cautelar..., ob. cit., p. 48. Comentadas, 2- edio, RT, So Paulo, 2007, p.654). Olvida o autor, contudo, que a interceptao telefnica muito mais do que um meio de prova. Trata-se de uma tutela cautelar probatria, uma das mais invasivas previstas na legislao processual penal, qui superada em termos de drasticidade apenas pela captao ambiental, logo extremamente razovel e prudente que a legitimidade para postul-la no seja mesmo vulgarizada.

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independentemente de se ter ou no a queixa-crime j deflagrada. No tocante s demais medidas cautelares, entretanto, o legislador cometeu um lapso no 2 do atual art. 282 do CPP, pois aps ter preceituado que sero decretadas pelo juiz, de ofcio ou a requerimento das partes, claramente aludindo ao penal, a Lei n 12403/11, ao se reportar investigao criminal, listou apenas a representao da Autoridade Policial e o requerimento do Ministrio Pblico, olvidando a vtima no tocante aos crimes de ao penal de iniciativa privada. O legislador estava, seguramente, com os olhos voltados para a vtima enquanto assistente de acusao, da o silncio a respeito do lesado quando tratou das medidas cautelares incidentais ao inqurito policial, eis que a assistncia de acusao s pode ser postulada aps a deflagrao da ao penal, ex vi do art. 268 do CPP. Se a inteno da Lei n2 12403/11 foi ampliar a participao da vtima no evolver processual penal nos crimes de ao penal pblica, com maior razo ainda nos crimes de ao penal de iniciativa privada, nos quais atua como dominus litis, logo quando o 2 do art. 282 do CPP arrola o Parquet como legitimado para requerer as medidas cautelares aflitivas incidentalmente ao inqurito policial, tal previso compreende o ofendido nos crimes de ao penal de iniciativa privada, afinal de contas semelhana do Ministrio Pblico tambm titular do direito de ao. Pretender diversamente significaria deixar o autor da vindoura demanda a merc da iniciativa do delegado de polcia, que mera autoridade administrativa, ou do Parquet, que atua somente como fiscal da lei, no tocante obteno de uma medida cautelar aflitiva, subvertendo a teoria dos poderes implcitos - quem pode o mais, promover a ao penal, pode postular o menos, isto , a decretao de uma medida cautelar aflitiva que resguarde a efetividade da futura demanda, sob pena de negao da lgica e do bom senso. Outrossim, se o querelante pode requerer a priso preventiva ainda em sede de inqurito policial, que reconhecidamente a medida cautelar aflitiva mais drstica do ordenamento processual penal ptrio, quanto mais as outras enumeradas nos arts. 319 e 320 do CPP. Por tudo isso, resta claro que as medidas cautelares listadas nos artigos 317 e 318 (priso domiciliar), 319 e 320 (reteno cautelar do passaporte) podem ser postuladas pela vtima de um crime de ao penal de iniciativa privada, potencial querelante, tambm incidentalmente ao inqurito policial. No se trata de interpretao extensiva (in malam partem) do 2 do art. 282 do atual CPP, conforme podem sustentar autores de um vis ultra defensivo, e sim ontolgica (compreensiva) - a meno ao Ministrio Pblico inclui o lesado (potencial querelante)28. 1.3 MEDIDAS CAUTELARES E REPRESENTAO PELA AUTORIDADE POLICIAL

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Comungando do mesmo entendimento, Nucci (in Priso e Liberdade, ob. cit., p.30).

EXISTNCIA OU NO DE UM PROCESSO PENAL CAUTELAR, BEM COMO DE UM PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ CRIMINAL - CAUTELARES INOMINADAS (ATPICAS)

Considerando que os delegados de polcia so autoridades apenas administrativas, desvestidas de legitimidade ad causam, parte da doutrina contesta a atribuio que o legislador lhes deu para provocar diretamente a jurisdio, via representao, a fim de buscar a decretao de medidas cautelares no apenas pessoais (aflitivas), mas tambm probatrias, como a interceptao telefnica (art. 3 da Lei n 9296/96), alm de algumas assecuratrias, como o seqestro (art. 127 do CPP). Advogam estes autores que a representao seria em verdade dirigida ao Ministrio Pblico, este sim titular privativo da ao penal pblica (art. 129, I, da Constituio da Repblica), tornando-se apenas cognoscvel pelo juiz caso o parecer ministerial fosse favorvel, pois para todos os efeitos seria como se o Parquet tivesse encampado a referida postulao29. Em sendo negativo o parecer ministerial, o juiz sequer conheceria do pedido. Do contrrio, agiria de ofcio ainda em sede de inqurito policial, ao arrepio do sistema acusatrio, o que especialmente grave em se tratando de medidas cautelares aflitivas, inclusive a priso preventiva, vez que o atuar oficioso do juiz foi circunscrito ao processo, ex vi dos atuais artigos 282, 2 e 311 do CPP - convm lembrar, mais uma vez, que como a Lei n 12403, de 04 de maio de 2011, debruou-se somente sobre as medidas cautelares aflitivas (pessoais), logo tais alteraes no alcanam as medidas cautelares probatrias e assecuratrias que prevem a atuao oficiosa do juiz j no inqurito policial, como a interceptao telefnica, ex vi do art. 3, caput da Lei n 9296/96, a produo antecipada de provas, ex vi do art. 156, I do CPP, e o seqestro, ex vi do art. 127 do CPP. Embora esta orientao doutrinria seja tecnicamente bastante slida, mostrando-se politicamente simptica ao Ministrio Pblico, porquanto fortalece a sua atuao, intensificando inclusive o controle sobre a atuao policial; e tambm favorvel ao indiciado/acusado, porque restringe a atuao repressiva estatal, no nos convence minimamente. Inexiste inconstitucionalidade no atuar da autoridade policial, mesmo porque o art. 129,I, da Constituio da Repblica tornou privativo do Ministrio Pblico o exerccio da ao penal pblica, e no a postulao de medidas cautelares. Tampouco resta vulnerado o sistema acusatrio, cujo bero constitucional tambm corresponde ao art. 129,I, da Carta de 1988, porquanto a autoridade policial se alinha ao Parquet enquanto rgos de represso estatal, logo a representao pela interceptao telefnica no discrepa do poder de polcia judiciria que lhe foi confiado no art. 144 da CRFB/88. Com efeito, as medidas cautelares so, em regra, postuladas por quem possui legitimidade ad causam. Mas isto no significa que o legislador, do alto da sua soberania, no possa eventualmente conceder tal legitimidade a quem no seja parte no processo. No haver ofensa a qualquer preceito constitucional caso assim o faa, mesmo porque seria uma legitimatio propter officium, isto , uma legitimao decorrente do ofcio desempenhado por tal agente. E assim o no tocante Autoridade Policial e sua legitimidade para representar pela decretao das medidas cautelares nas hipteses previstas em lei. E a constitucionalidade da representao da autoridade policial pela decretao de medidas cautelares ganhou flego novo aps o advento da Lei n 12403/11, que ao reformular as medidas cautelares aflitivas no processo penal reafirmou a legitimidade propter officium do delegado de busc-las via representao, alando-a ao patamar no s de regra geral, ex vi do novel art. 282, 2 do CPP, mas tambm a reafirmando pontualmente, como, v.g., no caso da priso preventiva, ex vi do atual art. 311 do CPP, jamais condicionando o conhecimento da representao policial ao prvio pronunciamento favorvel do Ministrio Pblico. Portanto, a exegese favorvel ao reconhecimento de uma legitimidade propter officium ao delegado de polcia para postular tais medidas cautelares, avalizada pelos Tribunais Superiores, que no apresentam precedentes em sentido contrrio 30, vai ao encontro tambm do desiderato no s29 Neste diapaso, Polastri (in ATutela Cautelar..., ob. cit., p. 276) e Renato Brasileiro (in Nova Priso Cautelar..., ob. cit., pp. 46/47) 30 STJ, HC n 122359/GO, 5 T, rel. Min. Laurita Vaz, j. 12/06/10, DJ de 28/06/2010, v.u.; HC n 84262/SP, 5 T, rel. Min. Jane Silva, j. 04/10/2007, DJ de 22/10/2007, v.u. (sublinhando que neste precedente admitiu-se, inclusive, que a motivao empregada pelo delegado na representao sirva de ratio decidendi do decreto prisional). O STF tambm alude

do Poder Legislativo, mas tambm do Executivo, que no apresentou qualquer veto a estes novos dispositivos. Por sinal, no caso de descumprimento da tutela cautelar pelo imputado ainda em sede de inqurito policial, nada impede ao delegado representar pela substituio da medida cautelar aplicada, ou pela imposio de outras em reforo, nos moldes do art. 282, 4 do CPP - o silncio do legislador quanto autoridade policial foi involuntrio, qui imaginando que tal inobservncia apenas fosse factvel ao longo do processo.

CAPTULO II

MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS (E APLICAO INTERTEMPORAL DA LEI N 12403, DE 04 DE MAIO DE 2011)SUMRIO 2.1. Prises provisrias e remdios desconstitutivos: 2.1.1. Da priso administrativa; 2.1.2. Da priso especial; 2.1.3. Do cadastro nacional de presos; 2.1.4. Da durao razovel do processo e priso provisria - 2.2. Priso temporria: 2.2.1. Breve histrico sobre a constitucionalidade (ou inconstitucionalidade) do instituto, bem como do prazo de durao; 2.2.2. Natureza jurdica e reflexos da Lei ns 12403/11; 2.2.3. Requisitos e repercusso da Lei n 12403/11; 2.2.4. Legitimidade; 2.2.5. Procedimento; 2.2.6. Priso temporria e custdia domiciliar (Lei n 12403/11) - 2.3. Priso preventiva: 2.3.1. Natureza jurdica; 2.3.2. Legitimidade, especialmente do assistente de acusao; 2.3.4. Oficiosidade; 2.3.5. Pressupostos de admissibilidade: 2.3.5.1 Priso preventiva no juizado da violncia domstica e familiar contra a mulher (Lei n 11340/06); 2.3.6. Requisitos: 2.3.6.1 Art. 312, pargrafo nico X art. 313 do CPP - interdependentes ou no por fora da Lei n 12403/11?; 2.3.6.2. Priso preventiva nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei n 7492/86); 2.3.6.3. Priso preventiva e comparecimento espontneo x Lei n 12403, de 04 de maio de 2011; 2.3.6.4 Priso domiciliar cautelar; 2.3.6.5. Relaxamento X revogao da priso preventiva (e, por fora da Lei n 12403/11, substituio da priso preventiva X liberdade provisria)

Medidas cautelares pessoais ou subjetivas so aquelas que recaem diretamente sobre a pessoa do indiciado ou do ru. E o exemplo mais emblemtico corresponde s prises provisrias. Ocorre que no ltimo dia 04 de maio de 2011 adveio a Lei n 12403 reformulando inteiramente as medidas cautelares pessoais ou subjetivas com o firme propsito de restringir a incidncia da priso preventiva e dificultar a manuteno da priso em flagrante, exigindo a sua converso em preventiva, em prol de outras medidas cautelares descar- cerizantes, haja vista os artigos 282, 4 e 6, 310, II, 313,I e 319, 320 e 321, todos do atual CPP, conforme se esmiuar nos captulos seguintes. Resta patente que, no cmputo geral, a Lei n 12403/11 configura no- vatio legis in mellius, logo retroativa, uma vez que normas relativas priso tm natureza processual material: apesar de as prises provisrias serem um instrumento cautelar, repercutem frontalmente no status libertatis do acusado, logo no h como ignorar a sua dimenso material. Neste passo, as restries impostas ao poder de cautela do Estado-juiz privativo da liberdade retroagem, alcanando os crimes anteriores entrada em vigor da citada Lei n 12403/11, bem como as aes penais em andamento.

viabilidade da representao da autoridade policial pela decretao de tutelas cautelares aflitivas sem ressalvas - HC 85156/SP, 2a T, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 29/03/2005, DJ de 21/10/2005, v.u.

MARCOS PAULO DUTRA SANTOS

Neste sentido merecem destaque no apenas o art. 5, XL da CRFB/88, como o art. 2 da Lei de Introduo ao Cdigo de Processo Penal (LICPP), cuja aplicabilidade permanece inconteste 31, preconizando que " priso preventiva e fiana aplicar-se-o os dispositivos que forem mais

favorveis".32Assim, se, v.g., a Lei n 12403/11 entra em vigor, e um ru primrio encontra-se preso preventivamente por um furto simples, cuja pena mxima no supera 04 (quatro) anos, a sua custdia estar em descompasso com o atual art. 313, I do CPP, logo dever ser relaxada. Ocorre que o art. 3 da Lei n 12403/11 fixou um prazo de vacatio legis de 60 (sessenta) dias, contados da data de sua publicao oficial, que se deu em 05 de maio de 2011. Considerando que a LICPP no disps sobre o tema, nem tampouco o fez a Lei de Introduo ao Cdigo Civil (LICC), a contagem deste prazo vem aclarada no art. 8, 1 da Lei Complementar n 95, de 26 de fevereiro de 1998, expresso ao preceituar que "a contagem do prazo para entrada em vigor das leis

que estabeleam perodo de vacncia far-se- com a incluso da data da publicao e do ltimo dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqente sua consumao integral" - grifo nosso.Assim, comeando a contar os 60 (sessenta) dias a partir do dia 05 de maio, o 60 (sexuagsimo) dia correspondeu a 03 de julho, logo a lei comea a vigorar a partir do dia seguinte, 04 de julho de 2011. Antes deste marco temporal j seria possvel aplicar a Lei n 12403/11, visto se tratar de

novatio legis in mellius?

31

32

Neste sentido, Marcellus Polastr Lima, in Manual de Processo Penal, 3- edio, Lumen Jris, Rio de Janeiro, 2009, p.58, Nucci in Cdigo de Processo Penal..., ob. cit., pp. 67/68, Renato Brasileiro in Nova Priso Cautelar, ob.cit., pp. 10/11; Jlio Fabbrini Mirabete, in Processo Penal, 18- edio, Atlas, So Paulo, 2006, p.10, inclusive sublinhando ser esta a posio do STF. Em direo oposta, Fernando da Costa Tourinho Filho, obtemperando que norma que dispuser diferentemente sobre priso preventiva e fiana "ter incidncia imediata, a menor que o legislador, expressamente, determine tenha a lei mais benigna ultra-atividade ou retroatividade" - in Processo Penal, vol. I, 26 edio, Saraiva, So Paulo, 2004, p.113. No sentido do texto, Aury in O Novo Regime Jurdico..., ob. cit., pp.04/09; Gustavo Henrique Badar, in Reforma das Medidas Cautelares Pessoais no CPP e os Problemas de Direito Intertemporal Decorrente da Lei n 12403, de 04 de maio de 2011, in Boletim do IBCCrim n 223, junho