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MENINGITES As meninges compreendem a dura-máter, a pia-máter e a aracnoide. As meningites são processos inflamatórios que acometem esses envoltórios e o espaço subaracnóideo, que contém o LCR. O processo é cranioespinhal e compromete o sistema ventricular, o canal vertebral, as cisternas da base do crânio e os nervos cranianos. Etiologia e fisiopatologia Os vírus mais frequentemente implicados nas meningites virais são: enterovírus (vírus echo, coxsackie), vírus da caxumba, vírus da coriomeningite linfocitária, vírus herpes simples, varicelazóster e Epstein- Barr (Tabela 49.I). As principais etiologias das meningites bacterianas agudas (MBA) são pneumococo, meningococo, hemófilos e estreptococos do grupo B. Em situações especiais (epidemias, intervenções neurocirúrgicas, traumas cranioencefálicos, situações de imunodepressão), outros agentes etiológicos podem estar envolvidos, com características clínicas e laboratoriais peculiares. As infecções meníngeas podem se iniciar por via hematogênica ou por contiguidade de processos infecciosos das estruturas cranianas (ouvidos, garganta, seios da face, ossos cranianos) (Tabela 49.II). O processo inflamatório no caso das infecções bacterianas é supurativo e leva a espessamento das meninges. Essa invasão pode atrair polimorfonucleares ao longo de paredes vasculares e bainha de nervos cranianos; em alguns casos, na evolução ocorre obstrução dos espaços subaracnoidianos por processos fibrinoconjuntivos que podem levar a obstrução da circulação liquórica. O processo infeccioso pode ainda levar a edema cerebral e os pacientes apresentam misto de síndrome infecciosa sistêmica e síndrome meníngea.

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MENINGITES

As meninges compreendem a dura-máter, a pia-máter e a aracnoide. As meningites são processos inflamatórios que acometem esses envoltórios e o espaço subaracnóideo, que contém o LCR. O processo é cranioespinhal e compromete o sistema ventricular, o canal vertebral, as cisternas da base do crânio e os nervos cranianos.

Etiologia e fisiopatologiaOs vírus mais frequentemente implicados nas meningites virais são: enterovírus (vírus echo, coxsackie), vírus da caxumba, vírus da coriomeningite linfocitária, vírus herpes simples, varicelazóster e Epstein-Barr (Tabela 49.I).

As principais etiologias das meningites bacterianas agudas (MBA) são pneumococo, meningococo, hemófilos e estreptococos do grupo B. Em situações especiais (epidemias, intervenções neurocirúrgicas, traumas cranioencefálicos, situações de imunodepressão), outros agentes etiológicos podem estar envolvidos, com características clínicas e laboratoriais peculiares.

As infecções meníngeas podem se iniciar por via hematogênica ou por contiguidade de processos infecciosos das estruturas cranianas (ouvidos, garganta, seios da face, ossos cranianos) (Tabela 49.II). O processo inflamatório no caso das infecções bacterianas é supurativo e leva a espessamento das meninges . Essa invasão pode atrair polimorfonucleares ao longo de paredes vasculares e bainha de nervos cranianos; em alguns casos, na evolução ocorre obstrução dos espaços subaracnoidianos por processos fibrinoconjuntivos que podem levar a obstrução da circulação liquórica. O processo infeccioso pode ainda levar a edema cerebral e os pacientes apresentam misto de síndrome infecciosa sistêmica e síndrome meníngea.

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Quadro clínicoMeningites bacterianas agudasA apresentação pode ser na forma de três síndromes, das quais o paciente de modo geral apresenta pelo menos duas:• Síndrome toxêmica: caracteriza-se por queda importante do estado geral, febre alta, delirium e, muitas vezes, quadro confusional. Ocasionalmente é observada dissociação entre o pulso (que se mantém próximo aos níveis basais) e a temperatura, a qual costuma apresentar valores elevados.

• Síndrome de hipertensão intracraniana (HIC): caracterizada clinicamente por cefaleia, náuseas e vômitos. A clássica referência a vômitos em jato é pouco frequente; em contrapartida, a queixa de náuseas é habitual, por vezes sem vômitos associados. A síndrome de HIC que acontece nas meningites bacterianas agudas se deve à dificuldade de drenagem do líquido cefalorraquidiano (LCR) do espaço subaracnóideo para o compartimento venoso sanguíneo, através das granulações de Paccioni. Por esse motivo, a hipertensão é do tipo comunicante, isto é, não existem cones de pressão nos diversos compartimentos intracranianos. Esse fato é de fundamental importância, uma vez que, nesse tipo de hipertensão, pode ser feita a coleta de amostra de LCR para exame com poucos riscos para o paciente.

• Síndrome de irritação meníngea: manifestada clinicamente por rigidez nucal, sinal de Kernig, sinal de Brudzinski e desconforto lombar.

O sinal de Brudzinski se caracteriza pela flexão de ambos os joelhos ao se levantar a região nucal.

O sinal de Kernig é pesquisado com o paciente em decúbito dorsal horizontal; o examinador flete uma das pernas do paciente, colocando-a na seguinte posição: coxa fletida aproximadamente a 90º em relação ao abdome; perna fletida formando também ângulo de cerca de 90º em relação à coxa. Uma vez obtida essa posição, o examinador apoia uma das mãos atrás do calcanhar do paciente, elevando lentamente seu pé; ao mesmo tempo, apoia a outra mão sobre o joelho do paciente, abaixando-o, também lentamente. Desse modo, a perna do paciente é estirada. O sinal de Kernig é positivo quando, ao ocorrer o

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estiramento, o paciente flete ligeiramente o joelho contralateral. É classicamente aceito como o sinal de irritação meníngea mais precoce.

Ainda em decúbito dorsal horizontal, o examinador flete uma das pernas do paciente elevando o joelho e mantendo o calcanhar apoiado na maca. O examinador apoia a mão na região plantar do paciente, pedindo-lhe para esticar a perna, opondo resistência. O sinal é positivo quando o paciente se queixa de desconforto na região lombar, correspondendo ao momento de maior estiramento, e tem sido observado mais precocemente que o sinal de Kernig.

A presença de febre ocorre em 95% das meningites bacterianas em pacientes imunocompetentes, a rigidez nucal ocorre em 88% destes, e alteração de estado mental acontece em algumas séries em mais de 75% dos pacientes, mas apenas 65% dos pacientes apresentam a tríade de febre, rigidez de nuca e alteração de estado mental, que é a manifestação clássica da meningite bacteriana. Outros achados são convulsões em 23% dos pacientes, sinais neurológicos focais em 25%-30% dos casos, e rash em aproximadamente 10% dos pacientes.Deve-se pensar em etiologia meningocócica quando ocorrem epidemias, a evolução é rápida e grave, aparecem petéquias, rash cutâneo, equimoses ou colapso circulatório. Pensa-se em etiologia pneumocócica quando a meningite acompanha ou é precedida por infecção pulmonar, otite ou sinusite. As infecções por H. influenzae são acompanhadas por infecções de vias aéreas superiores ou otites. Os estreptococos do grupo B devem ser suspeitados quando a infecção ocorre em crianças com menos de um mês de vida. Nos pacientes com sistemas de derivação liquóricos ou que tenham sido submetidos a procedimentos neurocirúrgicos, deve-se suspeitar de estafilococos ou bacilos Gram-negativos. Nos pacientes imunossuprimidos, deve-se considerar a possibilidade de Listeria monocytogenes. Nos portadores de abscessos cerebrais, doenças proliferativas,colagenoses, metástases cerebrais, processos infecciosos ou tumorais dos ossos do crânio podem ocorrer infecções por Listeria monocytogenes, Acinetobacter e Pseudomonas.

Meningites viraisO quadro clínico das meningites virais assemelha-se ao das meningites bacterianas, porém a intensidade dos sintomas é menor, o quadro é benigno e autolimitado. As manifestações mais prevalentes são cefaleia, febre, náuseas, vômitos e rigidez nucal; também podem ocorrer dor abdominal e torácica e sintomas de infecções de vias aéreas superiores; a maioria apresenta curso benigno, com resolução de sintomas em menos de duas semanas. Apesar do bom prognóstico, cerca de 10% dos pacientes podem evoluir com complicações como convulsões, sinais focais, letargia e até coma, porém a grande maioria desses pacientes apresenta encefalite concomitante.

Abordagem diagnóstica e exames complementaresO exame auxiliar imprescindível para diagnóstico das meningites bacterianas agudas é o de LCR. O diagnóstico inicial é sindrômico (aumento do número de células, predomínio absoluto de neutrófilos, hiperproteinorraquia, hipoglicorraquia intensa), muitas vezes completado pelo diagnóstico etiológico (presença do agente etiológico ao exame bacteriológico direto; detecção de antígenos bacterianos pela prova do látex).

Os riscos do exame de LCR, desde que indicado de modo correto, são virtualmente nulos. As principais indicações de exames diagnósticos constam na Tabela 49.I, e as principais alterações do exame de LCR nos processos infecciosos agudos do sistema nervoso constam na Tabela 49.III. Os exames de neuroimagem têm valor muito restrito na fase de diagnóstico das meningites bacterianas agudas e não devem ser solicitados rotineiramente. Seu valor é grande na eventualidade de ocorrerem complicações das meningites bacterianas agudas: abscessos cerebrais, ventriculites, coleções epidurais infectadas. Nessas circunstâncias, os exames de neuroimagem são obrigatórios.

Os exames de neuroimagem devem preceder o exame de LCR nas seguintes eventualidades:• Quando houver sinais de localização, incluindo convulsões ao exame neurológico.• Antecedente de lesão em SNC.• Alteração do nível de consciência.• Quando houver papiledema, embora seja manifestação tardia da hipertensão intracraniana.

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Exames laboratoriais de rotina em processos infecciosos agudos também devem ser solicitados no caso de meningites bacterianas agudas. A coleta de pelo menos um par de hemoculturas é mandatória, e se a condição clínica do paciente indica gravidade, a antibioticoterapia empírica deve ser imediatamente introduzida, caso contrário pode ser iniciada após os resultados da punção liquórica. Como o agente etiológico é frequentemente disseminado por via hematogênica, a coleta de hemoculturas seriadas pode ser útil.

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Diagnóstico diferencialOs quadros infecciosos do sistema nervoso central podem manifestar-se como síndrome de alteração de nível de consciência, síndrome toxêmica e quadro de irritação meníngea e, portanto, entram no diagnóstico diferencial dos quadros sindrômicos. Outros quadros encefalíticos, síndrome de Reye e lesões estruturais como tumores e abscessos podem simular as alterações comportamentais da encefalite herpética. Quadros parameníngeos como sinusopatias podem simular quadros de meningites e a presença de sangue ou fatores irritantes injetados com fim terapêutico (quimioterapia intratecal) pode causar o meningismo e similar meningites. Eventualmente, a meningite é de etiologia não infecciosa (Tabela 49.V).

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TratamentoMeningites bacterianasA abordagem da meningite bacteriana é dependente do reconhecimento rápido do diagnóstico e o tratamento deve ser iniciado sem demora.A antibioticoterapia empírica depende da situação clínica e apresentamos sugestão de tratamento inicial nas Tabelas 49.VI e 49.VII.

Evidências recentes indicam benefício do uso adjuvante da dexametasona para o tratamento de meningite bacteriana, em dose de 0,15 mg/kg a cada seis horas até dose máxima de 40 mg ao dia por dois a quatro dias, com a primeira dose junto com antibioticoterapia empírica. Alguns autores recomendam o uso de corticosteroides apenas se houver doença grave com escore de Glasgow menor ou igual a 11. A Infectious Disease Society of America recomenda, entretanto, o uso de dexametasona para todos os pacientes. O benefício parece limitado à meningite pneumocócica; assim, se a hemocultura e o Gram do liquor não derem positivo para pneumococo, deve-se descontinuar o antibiótico.A quimioprofilaxia é importante para evitar a ocorrência de casos secundários e deve ser instituída, se possível, nas primeiras 24 horas do caso índice, podendo ser feita até o 30º dia póscontato.É indicada profilaxia em MBA por hemófilos e meningococo.

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A profilaxia em casos de hemófilos deve ser feita nas seguintes situações:• Todas as pessoas da residência onde houver um caso de meningite e em que haja pelo menos mais uma criança com idade inferior a quatro anos.• Crianças que partilham domicílios coletivos (orfanatos, internatos etc.) e que tiveram contato com um caso de meningite.• Todos os que tiveram contato íntimo (adultos e crianças),na creche ou na pré-escola de crianças com idade inferior a dois anos, em que tenham ocorrido dois ou mais casos de meningite.Nesses casos deve ser feita quimioprofilaxia com rifampicina em dose única VO diária por quatro dias (10 mg/kg/dia; máximo de 600 mg/dia).

A profilaxia em casos de meningococos deve ser feita nas seguintes situações:• Contatantes íntimos que morem no mesmo domicílio em que tenha havido um caso de meningite ou que compartilhem o mesmo alojamento em domicílios coletivos (quartéis, orfanatos, internatos e outros).• Colegas da mesma classe de berçários, creches ou pré-escolas (geralmente crianças menores de sete anos), bem como adultos dessas instituições que tenham mantido contato com o caso de meningite.• Outros contatantes que tenham tido relação íntima e prolongada com o paciente e que tenham tido contato com as secreções orais.• Profissional de saúde que tenha tido contato com secreções do paciente, sem as medidas de proteção adequadas antes do início da antibioticoterapia.Nesses casos deve ser feita quimioprofilaxia com rifampicina,ministrada por VO de doze em doze horas por dois dias, no total de quatro doses (10 mg/kg/dia;máximo de 600 mg/dose).Alternativas são quinolonas (ciprofloxacina: 500 mg VO) ou ceftriaxone (250 mg IM), ambos em dose única.

Meningites viraisO tratamento das meningites virais é sintomático. Nos casos em que a resposta inflamatória é intensa e/ou o processo é arrastado, ou em que exista hipertensão intracraniana, podem-se usar corticosteroides.

ComplicaçõesAs meningites bacterianas podem apresentar complicações como convulsões que ocorrem em 15% dos casos, manifestações focais que ocorrem em cerca de 20%. Outras manifestações incluem perda auditiva, abscesso cerebral e choque séptico. As complicações em meningites virais geralmente são restritas a pacientes com concomitância de encefalite e incluem convulsões, letargia e coma.As meningoencefalites herpéticas podem evoluir com alterações comportamentais e demência, e eventualmente sequelas neurológicas definitivas.

Conclusões• A meningite bacteriana é uma emergência médica e o tratamento antibiótico deve ser iniciado prontamente com a suspeita diagnóstica.• A punção liquórica pode ser feita sem maiores riscos na suspeita de meningite,exceto em poucas condições específicas, como manifestações focais.• Não se deve atrasar o início da antibioticoterapia em casos suspeitos de meningite bacteriana.• O uso de dexametasona é associado com melhora de prognóstico tanto na meningite bacteriana quanto na tuberculosa.• O tratamento das meningites virais é principalmente de suporte.• A RNM e o PCR para herpes-vírus são armas essenciais para o diagnóstico da meningoencefalite herpética.• A paralisia de pares cranianos é manifestação frequente na neurotuberculose.• O tratamento da tuberculose de SNC implica tempo de tratamento mínimo de nove meses.• A determinação da adenosina deaminase no LCR é o ponto-chave para estabelecer o diagnóstico diferencial entre uma meningite e uma encefalite ou meningoencefalite.

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