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O GÊNERO VIDEOCLIPE E A UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS TEC NOLÓGICOS PRESENTES NA ESCOLA: uma proposta para a melhoria d o ensino da
oralidade
Adriana Rodrigues de Souza1 Célia Regina Capellini Petreche2
Resumo: No ensino de língua inglesa na escola pública, a prática da oralidade tem sido dificultada por conjunturas diversas como o número de alunos em sala, a resistência de muitos professores ou dos próprios educandos, entre outras razões. Diante desse panorama, nosso trabalho tem como objetivo contribuir para ampliar o conhecimento sobre as limitações e potencialidades da compreensão oral. Para isso, escolhemos o gênero videoclipe e optamos pelo desenvolvimento de atividades que busquem a melhoria da relação dos alunos com a disciplina de língua inglesa em nosso contexto de ensino. Fundamentamo-nos no interacionismo sociodiscursivo (BRONCKART, 1997) e nos trabalhos com sequência didática, propostos por Dolz e Schneuwly (2004), além de Cristovão (2009), Holden (2009) Marcuschi (2008) e Moita Lopes; Rojo (2004) e as Diretrizes Curriculares Estaduais para Língua Estrangeira Moderna (PARANÁ, 2008). Nosso estudo é guiado pela metodologia da pesquisa-ação, modalidade qualitativa de estudo que, no caso escolar, coloca o ensino e a investigação científica no mesmo terreno, para a resolução de problemas detectados no ambiente escolar (THIOLLENT, 2012). Evidências percebidas nos dados coletados durante a intervenção na escola mostram resultados positivos do uso do videoclipe por meio de atividades que exploram características contextuais, discursivas e linguístico-discursivas na prática da compreensão oral. Some-se a isso a percepção revelada pelos alunos de que a língua articula-se com as experiências humanas, servindo para expressar realidades e também transformá-las, pela apropriação crítica da língua e dos conteúdos por ela veiculados. Palavras-Chave: ensino de inglês; oralidade; videoclipe.
1 Introdução
A perspectiva discursiva no ensino de línguas, tanto materna como
estrangeira, pressupõe a prática integrada da leitura, escrita e oralidade (PARANÁ,
2008). Conjunturas diversas como o número de alunos em sala de aula e a
resistência ao aprendizado de um segundo idioma pelos próprios alunos faz com
1 Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) – edição 2012/2013, da Secretaria de Estado
de Educação do Paraná. Graduada em Letras Anglo-Portuguesas. Possui os cursos de Pós-Graduação em
Didática e Metodologia do Ensino e em Língua Inglesa. Atua no Colégio Estadual Barão do Rio Branco – Assaí-
PR. E-mail: [email protected].
2 Professora Assistente do Centro de Letras, Comunicação e Artes da Universidade Estadual do Norte do Paraná
(UENP), Campus de Cornélio Procópio. E-mail: [email protected].
que o trabalho com a oralidade não tenha muito sucesso na aula de língua inglesa
na escola pública, especialmente em nosso contexto de ensino. Outros fatores como
o despreparo do professor para trabalhar com aspectos da oralidade na educação
básica, especialmente em grandes grupos, contribuem para essa defasagem.
A desmotivação para se aprender uma língua inglesa na escola também
representa um grande obstáculo para que se atinjam os objetivos propostos na
disciplina, importantes para a formação geral dos alunos, em termos de
instrumentação profissional ou de desenvolvimento destes como cidadãos do
mundo, aptos a entenderem a língua e a cultura de outros povos.
Em nossa visão, a metodologia usada no ensino de língua estrangeira na
escola pública tem grande responsabilidade pela criação do filtro afetivo nos alunos,
definido como uma predisposição negativa para a aprendizagem, relacionada à
ausência motivação e alto nível de ansiedade, entre outros fatores (KRASHEN,
1982). Isto se deve a um ensino centrado na decodificação e na gramática, deixando
a função de ampliar a visão de mundo dos alunos em segundo plano.
Dessa forma, este artigo relata uma nossa proposta de intervenção didática
cujo objetivo é contribuir para a melhora da relação dos alunos com a língua inglesa
na escola, a partir do trabalho com a oralidade por meio do gênero videoclipe,
valendo-se dos recursos tecnológicos presentes na escola. Estando a música e o
vídeo muito presentes na vida dos nossos alunos, procuramos investir nesses meios
para a implementação da proposta apresentada mais a frente. Antes, porém,
apresentamos algumas características gerais de nosso contexto.
As escolas públicas do Estado do Paraná são equipadas com laboratórios de
informática, TV multimídia e outros recursos que podem contribuir para a
revitalização das práticas de ensino da língua inglesa. Entretanto, nem sempre
esses equipamentos são utilizados, seja pelas dificuldades de agendamento, seja
pela resistência do professor em utillizar novas práticas de ensino. Não podemos
afirmar que a simples introdução da tecnologia significa mudança qualitativa no
ensino, pois um professor pode se valer da tecnologia em suas aulas para atividades
tradicionais. Por isso, são necessárias concepções adequadas a essa prática.
Na condução deste trabalho, considera-se como conteúdo estruturante do
currículo o discurso como prática social, conforme proposta das Diretrizes
Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná para Língua Estrangeira
Moderna (PARANÁ, 2008), que visa o desenvolvimento da competência discursiva
do educando, contemplado uma diversidade de gêneros textuais.
Nesta proposta de intervenção exploramos o gênero videoclipe como forma
de sensibilizar os alunos para a oralidade, dada a sua importância no aprendizado
de língua estrangeira.
O gênero videoclipe, escolhido para a produção da sequência didática
aplicada no segundo semestre de 2013, por meio de nossa participação no
Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), pertence à esfera de circulação
social midiática. A escolha das canções pautou-se na opção por temáticas sociais,
como forma de propiciar o diálogo das situações retratadas em determinado tempo e
lugar com a realidade dos alunos, promovendo a atualização e ressignificação dos
conteúdos.
Desse modo, entendemos que estamos abordando o discurso como prática
social na acepção de Bakthin (1999) que define língua como uma “arena de
conflitos”, fazendo-se necessária a análise e a crítica das relações entre texto, língua
e poder, grupos sociais e práticas sociais, assim como o questionamento de crenças
e valores subentendidos nos textos.
Com o relato e a discussão da implementação da proposta com os alunos do
oitavo ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Barão do Rio Branco de
Assaí, Paraná, pretendemos contribuir para a ampliação do conhecimento sobre as
potencialidades e limitações do trabalho com música, aliados ao vídeo (videoclipe)
para a prática da oralidade nas aulas de língua inglesa, com uma turma numerosa.
Em seguida, apresentamos os fundamentos teóricos acerca da pedagogia
crítica para o ensino de línguas, destacando o estudo da língua como construção
histórica e social, abordando ainda questões relativas aos gêneros discursivos,
especificamente, o gênero textual videoclipe.
Passamos então à descrição dos pressupostos teóricos, dos procedimentos
metodológicos e, em seguida, da análise e discussão dos dados e das nossas
considerações finais.
2. Pressupostos Teóricos
2.1. Pedagogia crítica no ensino de línguas
As Diretrizes Curriculares para o Ensino de Língua Estrangeira Moderna
(PARANÁ, 2009) assumem como fundamento teórico-metodológico a pedagogia
crítica, para que se contemplem princípios educacionais como: a) garantia do
mesmo tratamento à Língua Estrangeira Moderna (LEM) em relação às outras
disciplinas obrigatórias; b) ênfase à função social e educacional do ensino de LEM
na Educação Básica e c) respeito à diversidade cultural, identitária e linguística,
combatendo a hegemonia cultural.
2.2 A língua estrangeira como construção histórica e cultural
Na perspectiva da pedagogia crítica, a escola é vista como espaço social e
democrático; assim, a apropriação do conhecimento dá-se a partir da compreensão
crítica e histórica, para que se desvendem as relações sociais e se promova a
mudança na realidade. Os pressupostos dessa pedagogia exigem o compromisso
da escola para que os alunos não somente apreendam o conhecimento como um
resultado, mas que entendam o percurso de sua produção, compreendendo os
caminhos e as possibilidades das mudanças. Desse modo, o ensino de LEM insere-
se em um objetivo educacional maior, conforme assinala Giroux (2004, apud
PARANÁ, 2008, p.53), de “rastrear as relações entre língua, texto e sociedade, as
novas tecnologias e as estruturas de poder que lhes subjazem”. Assim, o ensino
demanda que o docente atente para a relevância da ligação entre língua e
sociedade.
Uma proposta com esse viés amplia as possibilidades de aprendizagem de
LEM para uma vivência de identificação sociocultural, pela compreensão de que os
significados são produzidos em conjunturas externas ao indivíduo. Para Bakhtin
(1988), todo discurso é construído na interação com o outro. Desse modo, o ensino
de LEM deve ser sinônimo de ampliação do contato com outras formas de conceber
a realidade.
Em outros termos, a concepção de língua como discurso leva à construção de
significados e não no sistema linguístico. Ao ser tomada como um fenômeno pleno
de significados culturais, a língua adquire uma forte carga ideológica, deixando de
lado as supostas neutralidade e transparência.
Dessa forma, o objeto de estudo de LEM considera as relações entre cultura,
sujeito e identidade. Nessa acepção, conforme colocam as referidas Diretrizes
(PARANÁ, 2008), as aulas LEM serão espaços de interações entre docentes e
alunos, onde se dará a compreensão das representações e visões de mundo
reveladas pela língua. Isso não foge à análise das questões da nova ordem mundial
e da conscientização crítica do papel das línguas na sociedade.
Nesse sentido, como assinalam as DCEs de LEM:
Ao estudar uma língua estrangeira, o aluno/sujeito aprende também como
atribuir significados para entender melhor a realidade. A partir do confronto com a cultura do outro, torna-se capaz de delinear um contorno para a própria identidade. Assim, atuará sobre os sentidos possíveis e reconstruirá sua identidade como agente social (PARANÁ, 2008, p.57).
Ao pensarmos no trabalho com o gênero videoclipe, há que se ter ciência de
que poderá haver uma complexa mistura da linguagem escrita, visual e oral, de
modo que podemos evidenciar como as práticas discursivas se influenciam
mutuamente. A visão discursiva da língua considera que, em situações de
comunicação, as práticas de oralidade, escrita e leitura são integradas.
2.3 Gêneros do discurso
Embora o texto seja estruturado em orações, na concepção de Bakthin
(1999), ele não se restringe à língua como sistema. Para o autor, o texto se organiza
em formas relativamente estáveis que denomina gêneros do discurso, os quais são
desenvolvidos no decorrer do tempo conforme as necessidades criadas pelas
diversas esferas de atividades humanas. Dessa forma,
A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a
variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa (BAKHTIN, 1999, p. 279).
Contemporaneamente, o estudo dos gêneros é bem presente nos meios
acadêmicos bem como nas propostas didáticas que chegam à escola. Contudo, seu
estudo não é novo. Marcuschi (2008), por exemplo, mostra que desde as análises
de filósofos como Platão e Aristóteles, a ideia de gênero esteve presente, embora
apenas no campo literário. Começando com esses pensadores, o estudo dos
gêneros passou pela Idade Média, pelo Renascimento, chegando ao século XX. Na
atualidade, a concepção de gênero ultrapassou o texto literário, passando a uma
categoria constitutiva de discurso falado ou escrito de qualquer tipo, literário ou não.
Assim, hoje em dia, discutir gêneros textuais implica fazer referência ao
sujeito construtor do texto e ao contexto de comunicação em que essa construção
se dá. Em outras palavras, a definição de gênero perpassa aspectos
sociocomunicativos e funcionais, dando origem a uma multiplicidade textual
manifesta na abundância de gêneros que temos hoje.
Para Bakthin (1988), cada esfera social de utilização da língua produz seus
tipos relativamente estáveis de enunciados, chamados de gêneros do discurso. Em
outras palavras, podem-se entender os gêneros como “modelos” de textos que
circulam socialmente, constituídos em formas próprias de organização do discurso.
Marcuschi (2008) expande essa compreensão, colocando que os gêneros
textuais são elementos históricos totalmente sintonizados à vida social e cultural,
resultantes de trabalho coletivo de ordenação e consolidação de atividades do
cotidiano. Desse modo, os gêneros são tidos como entidades sociodiscursivas
geradas pelas inúmeras formas de ação social, produzidas pelas múltiplas situações
comunicativas, ou seja, todo texto se organiza a partir de determinado gênero
existente na cultura como forma relativamente estável de enunciado. Os gêneros
são caracterizados por três constituintes: o conteúdo temático, o estilo e a
construção composicional.
Como assinala o mesmo autor, nos últimos duzentos anos, os progressos na
tecnologia da comunicação fizeram aparecer novos gêneros textuais, pela
interferência dessas tecnologias nas ações comunicativas diárias. Assim, o rádio, a
televisão, o jornal, a revista, a internet, entre outros, vão instituindo ou acolhendo
novos gêneros textuais bem peculiares, a exemplo de: editoriais, telemensagens,
teleconferências, videoconferências, e-mails, chats e aulas virtuais.
Por seu turno, Bronckart (1997) destaca que os gêneros são ações de
linguagem que demandam do produtor de textos certas decisões dependentes de
certa competência. A primeira decisão liga-se à escolha a ser feita dentre os
gêneros existentes, dependente do contexto e do intento comunicativo. A segunda
decisão alude à capacidade de usar a forma escolhida de forma competente e
criativa.
No aspecto do ensino escolar, defende-se, a exemplo de Porto (2009), que o
trabalho com os diversos gêneros textuais tende a desenvolver muito a competência
linguística e discursiva dos alunos. Do mesmo modo, ensinar com base nos gêneros
textuais assinala aos discentes as várias formas de participação social viabilizadas
pela linguagem.
No trabalho em sala de aula, temos presente que os gêneros não podem ser
abordados apenas por categorizações, em uma mentalidade normativa de rotulação
de textos, como se houvesse uma configuração inflexível para cada gênero textual.
Quando se pensa na linguagem artística, em que videoclipe se enquadra, torna-se
importante mostrar aos alunos que muitas vezes os artistas modificam, criam,
recriam e até subvertem os gêneros, pela liberdade criadora inerente à arte. Por
isso, o gênero se torna lugar de transformação, de exploração, de enriquecimento de
possibilidades de aprendizagem. No processo criativo, os sujeitos produzem,
reproduzem ou desafiam as práticas sociais.
Se tomarmos a classificação das DCEs (PARANÁ, 2008), o gênero
videoclipe, eleito para esta proposta de implementação na escola, pertence à esfera
de circulação social midiática, especificamente à cultura musical e ficcional ao
mesmo tempo.
Conforme Guimarães (2006), a proposta do interacionismo sociodiscursivo
toma a linguagem como prática social, em que as condutas humanas formam redes
de atividades desenvolvidas num quadro de interações diversificadas, materializadas
em ações de linguagem e concretizadas no discurso através de um gênero
determinado.
Para Schneuwly e Dolz (2004), cabe à escola ensinar os gêneros para o
desenvolvimento de capacidades orais e escritas. Nesse processo de transposição
didática do conhecimento, o gênero pode ser uma ferramenta didática para o
trabalho com a língua. Para isso, os autores apresentam o conceito de sequência
didática (SD), definida como um conjunto de atividades organizadas
sistematicamente em função de um gênero textual, oral ou escrito. Uma sequência
didática tem como objetivo possibilitar aos alunos o aperfeiçoamento da fala ou da
escrita, adequando-se ao gênero trabalhado.
Nesse sentido, ensinar gêneros por meio de sequência didática possibilita
mais flexibilidade e dinamismo ao processo de ensino e aprendizagem, bem como
um diagnóstico em relação ao conhecimento dos alunos sobre determinadas
práticas de linguagem, assim como suas dificuldades. Schneuwly e Dolz (2004)
assinalam que essa função diagnóstica serve para o professor tomar decisões sobre
a sequência de atividades mais adequada para que alunos desenvolvam
capacidades de linguagem a partir de objetivos definidos. Partindo deste
pressuposto, nossa intervenção didática tem como base a aplicação de uma
sequência didática apresentada adiante.
2.4 O gênero textual vídeo clipe
O videoclipe é um gênero em que operam simultaneamente várias
linguagens, incluindo a verbal, a não-verbal e a musical. Como em qualquer gênero
que pode ser usado nas aulas de LEM, é preciso lembrar que uma determinada
comunidade atribui os sentidos que reconhece como válidos aos textos, conforme o
contexto e o momento histórico de sua produção.
A propósito da escolha do gênero videoclipe, como apontado por Moita Lopes
e Rojo, vivemos em um mundo multisemiótico, em que os textos vão além da letra,
pela existência de “um mundo de cores, sons, imagens e design onde se constroem
significados como uso de textos orais/escritos e hipertextos” (MOITA LOPES e
ROJO, 2004, p.30-31). Em um videoclipe, por exemplo, além da letra da canção,
podemos ter a música, ícones, cores e outras artes, como a dança, pintura,
arquitetura, num conjunto riquíssimo para uma leitura global das várias linguagens
presentes.
Conforme Holden (2009), o material sonoro pode oferecer experiência variada
e rica, pois a atividade de ouvir na aula de inglês é sempre um desafio para os
estudantes. O foco de nosso trabalho com o videoclipe é a prática da oralidade,
enfatizando-se a compreensão auditiva da língua, bem como a pronúncia, visto que
optamos por videoclipes com falantes nativos do inglês. O uso simultâneo de
imagem e som estimula e facilita, a nosso ver, o trabalho de compreensão oral
(listening), pois, corroborando Moran et al.,
A televisão e o vídeo partem do concreto, do visível, do imediato, do próximo – daquilo que toca todos os sentidos (...). Televisão e vídeo combinam a comunicação sensorial sinestésica, com a audiovisual, a intuição lógica, a emoção com a razão. Integração que começa pelo sensorial, pelo emocional e pelo intuitivo, para atingir, posteriormente, o racional (2003, p. 37-38).
Outros autores destacam motivos para o uso da música nas aulas de LEM.
Miragaya (1992), por exemplo, alude à maior facilidade de retenção de informações
na memória, estímulo à criatividade e benefícios psicoemotivos. Kanel (1996) chama
a atenção para o estímulo ao interesse e motivação, além do fato de a música,
enquanto texto, ser fonte de informação social, possibilitando, por exemplo, o ensino
de conversação, vocabulário, estruturas gramaticais e pronúncia. Além disso,
Murphey (1992) destaca o uso da repetição, da linguagem coloquial e o efeito
relaxante produzido pelas canções.
A propósito desse efeito relaxante, retomamos Krashen (1982), que considera
necessário, para que ocorra a aprendizagem, que o filtro afetivo, representado pelas
emoções negativas, ansiedade, desmotivação, diminua, para que o educando
consiga mobilizar todo o seu potencial de aprendizagem, seja superado. Nesse
sentido, a música pode baixar o filtro afetivo, ao relaxar, acalmar e trazer um
sentimento de união à turma, promovendo melhores condições emocionais e
cognitivas para aquisição da língua estrangeira. Assim, o vídeo não deve ser um
recurso “tapa-buraco”, usado apenas para diversão e passa tempo nas aulas de
inglês.
Destacamos o videoclipe como ferramenta interdisciplinar, numa abordagem
que toma o discurso como prática social. Assim, o professor, ao tomar o gênero
como ferramenta para o ensino, pode abordar assuntos ligados às diversas áreas
estudadas no contexto escolar ou do contexto sociocultural da música e/ou dos
alunos.
3. Procedimentos Metodológicos
Do ponto de vista metodológico, nossa proposta de intervenção na escola
enquadra-se nos pressupostos da pesquisa-ação. Segundo Thiollent (2012), uma
pesquisa desse tipo procura unir objetivos de duas ordens: a) objetivo prático:
buscar a solução adequada do problema central da pesquisa, levantando propostas
de ações para que o autor da pesquisa possa intervir positivamente em uma
situação problemática; b) objetivo de conhecimento: coletar informações sobre certa
realidade, de difícil acesso por outros procedimentos, para alargar o conhecimento
sobre ela. Em outros termos, entendemos que essa modalidade de pesquisa, na
realidade escolar, procura colocar a investigação científica e o ensino em um mesmo
terreno.
A forma de coleta de dados para a avaliação e discussão dos resultados da
intervenção alinha-se aos pressupostos da pesquisa qualitativas em educação,
conforme Lüdke e André (2012) e constam de notas de nossas observações de
campo e das análises das atividades produzidas pelos alunos.
Para atingirmos o objetivo geral de desenvolver aspectos ligados à oralidade
nas aulas de inglês, usando os recursos tecnológicos da escola e elaboramos uma
sequência didática dividida em nove módulos, trabalhando um total de três músicas.
As canções escolhidas foram Where is the Love? (do grupo Black Eyed
Peas), Imagine (de John Lennon) e We are the World (de USA for Africa). Os
módulos foram construídos com atividades para possibilitar o trabalho com a
oralidade a partir das letras das músicas na perspectiva discursiva exposta. Para
isso, propusemos atividades que enfatizam mais as temáticas do que aspectos
estruturais ou vocabulares da língua.
3.1 Processo de implementação da proposta didática
A implementação na escola deu-se no primeiro semestre de 2013. O público
alvo da intervenção foram alunos do oitavo ano do turno matutino do Ensino
Fundamental II do Colégio Estadual Barão do Rio Branco de Assaí, Paraná.
A turma é constituída de trinta e cinco alunos, uma sala numerosa que, por
essa característica, apresenta dificuldades para a prática da oralidade, demandando
estratégias específicas. A turma é bastante heterogênea em termos
socioeconômicos e culturais e seu rendimento escolar encontra-se um nível
mediano; em outras palavras, suas notas mantêm-se, em geral, em um patamar
suficiente apenas para a aprovação.
A escolha da turma foi feita em função da dificuldade percebida nos alunos
em relação à oralidade em língua inglesa, sendo que muitos possuem filtro afetivo
alto em relação à disciplina, ou seja, têm problemas de relação com essa área do
saber, talvez por não vislumbrarem a relevância da língua para sua formação.
Por isso, na introdução do trabalho com as canções, procuramos elicitar o
conhecimento prévio dos alunos, começando por seus interesses musicais, visando
a predispô-los cognitivamente para a ancoragem de novos conceitos, seja da
linguagem em si ou dos conteúdos tratados.
O trabalho foi realizado tanto em sala de aula como no laboratório de
informática da escola, entre os meses de fevereiro e junho de 2013. Durante a
semana pedagógica, realizada em fevereiro de 2013, expusemos o projeto à
direção, equipe pedagógica e demais professores, dando detalhes sobre as
motivações do trabalho, seus objetivos e resultados pretendidos, momento em que
reiteramos a necessidade do apoio de todos para o sucesso da intervenção.
Descrevemos e discutimos a seguir os momentos mais significativos da
realização da proposta em sala de aula, bem como seus resultados mensuráveis.
4. Análise e discussão dos dados
A sequência didática que elaboramos divide-se em nove módulos, descritos e
analisados a seguir.
O Módulo 01 foi elaborado com a finalidade de preparar os alunos para o
trabalho didático. Assim, começamos pela sondagem de suas vivências com a
música, perguntando se gostavam de música, que tipo de música, como ouviam
música, quando ouviam e o que ela representava para eles. Com isso, pretendíamos
evocar os conhecimentos prévios do aluno, para fazer ligações com os conteúdos a
serem apresentados, assim como desenvolver as capacidades de ação (DOLZ e
SCHNEUWLY, 2004). Com tímidas participações no início, percebemos um
crescente interesse no assunto ao mencionarem músicas de sucesso na atualidade,
principalmente do cenário nacional, das músicas sertanejas até os funks. Notamos
que as músicas internacionais em inglês os atingem mais por meio das novelas,
filmes e outros programas de TV.
Na atividade com a música do Black Eyed Peas, Where is the Love?,
apresentamos a música uma vez, apenas em áudio, e procuramos valorizar
primeiramente o conhecimento que os alunos já têm. Por isso, pedimos que
circulassem as palavras conhecidas, como forma de enfatizar o que sabiam e não o
que ignoravam. Dissemos que, na leitura de um texto, não é necessário dissecar
palavra por palavra; deve-se captar o sentido geral. Apenas depois é que pedimos
que pesquisassem no dicionário algumas palavras desconhecidas. Verificamos, na
aplicação dessa atividade, que os alunos se envolveram bastante e nas outras duas
vezes que tocamos a música, procuravam cantar, demonstrando satisfação por
terem captado o sentido geral da cançao.
A ilustração abaixo é produção dos alunos, como atividade final do trabalho
com a música Where is the Love?:
Figura 1 – Produção de alunos
No Módulo 02, passamos a focalizar o videoclipe propriamente, começando
por buscar os conhecimentos prévios dos alunos sobre esse gênero, o que não foi
difícil, pois eles têm contato frequente com o gênero. No laboratório de informática,
acessamos e assistimos ao vídeo da música Where is the Love e percebemos que
os alunos já participavam mais, acompanhando e cantando a letra.
Na última aula de trabalho com essa canção, como fecho da atividade,
pedimos que fizessem, em duplas ou grupos, um trabalho com desenhos ou
colagens em cartolinas, sobre o que a letra da música representou para eles. As
ilustrações foram muito pertinentes com os temas da música, representando várias
visões dos alunos, coerentes com os elementos presentes nas letras, conforme
exemplificamos com mais uma atividade produzida pelos alunos.
Figura 2: Produção de alunos
No Módulo 3, apresentamos a música Imagine, após atividades com a
biografia de John Lennon. Perguntamos se já tinham ouvido falar dos Beatles e de
John Lennon. Constatamos que a maioria tem conhecimento, ainda que superficial,
sobre os artistas. Depois desta conversa inicial, colocamos o texto base e as
questões, desta vez em inglês. Como sempre, a maioria os alunos ficou receosa
diante de um texto em inglês. Propusemos então que sublinhassem as palavras
parecidas com o português (cognatas) e procurassem captar o sentido global do
texto. Alguns recorreram ao dicionário e outros não, uma vez que temos uma
heterogeneidade na sala de aula no tocante ao domínio da língua inglesa por fatores
diversos, como a frequência de alunos em institutos de idiomas e alunos que não
tem contato com o inglês fora da sala de aula de modo mais formal.
Esse trabalho inicial deixou os alunos, em sua maioria, preparados para o
trabalho com a música. Dessa forma, apresentamos a música e eles acompanharam
a letra, ilustrada com fotos. Lemos com eles os versos, procurando explicar o
conteúdo da letra, aproveitando os conhecimentos dos próprios alunos.
Depois de ouvir a música duas vezes, fizemos uma discussão sobre o
conceito de paz (Módulo 4). Na sequência, propusemos que representassem sua
interpretação dessa canção também por meio de desenhos. Os alunos mostraram-
se bem empenhados na tarefa e o grau de dispersão foi muito pequeno, o que
demonstra que o trabalho com música em sala de aula despertou bastante a
atenção dos alunos.
No Módulo 5, aplicamos algumas atividades sobre a música Imagine,
encontrada em um endereço eletrônico. A atividade escrita possibilitou um trabalho
com a língua propriamente. Nele os alunos colocaram partes da música em ordem,
relacionaram partes de algumas sentenças e completaram lacunas, ouvindo a
música novamente. Mais uma vez, tivemos bastante envolvimento dos alunos, os
quais se mostraram bem motivados.
No Módulo 6, passamos o videoclipe da música na TV pendrive e lembramos
que, dessa vez, o objetivo era a prática da pronúncia. Assim, rodamos uma vez para
que apenas ouvissem e outras duas vezes para que cantassem, priorizando a
pronúncia das palavras. O envolvimento da classe foi quase total considerando que
em um grupo grande, geralmente, não se conseguimos participação total, pois são
muitos os fatores intervenientes na sala de aula, incluindo-se as características
individuais.
Percebemos que não se trata apenas da motivação inicial, mas também da
manutenção da motivação para a continuidade da aprendizagem. Notamos que o
material, por mais bem planejado que seja, por si só, não garante o envolvimento
dos alunos e a aprendizagem. O papel mediador do professor é fundamental, na
organização da atividade didática, na mudança de rumos conforme percebe indícios
de queda na motivação. Isso se consegue pela observação do ritmo da turma. Muito
importante também é variar o grau de dificuldade. Por isso, alternávamos as
atividades quanto a serem realizadas em inglês ou em língua materna, dependendo
do que se pretendia focalizar.
O momento mais importante da atividade com a música “Imagine” foi a
discussão sobre guerra e paz, trazida para os dias atuais, para a realidade nacional
e local. Lembramos, por exemplo, que no Brasil cerca de 50.000 pessoas morrem de
causas violentas todos os anos, sem falar no trânsito, o que representa mais do que
algumas guerras já ocorridas no mundo. Alguns alunos lembraram ocorrências
violentas em nossa cidade. Dessa forma, a música possibilitou uma reflexão sobre o
significado da paz, não apenas em um sentido mundial, mas também local.
Desse modo, pudemos explorar o gênero como prática social e uma
perspectiva dialógica da linguagem. Assim, uma música composta em certo tempo e
lugar para tratar de uma temática humana universal foi lida em outro tempo e lugar e
ressignificada por leitores de nosso contexto.
No Módulo 7, introduzimos alguns fatos sobre a música We are the World,
gravada coletivamente por um grupo de artistas para ajudar no combate à fome na
África. Para explorar o contexto de produção, pedimos que pesquisassem no link
indicado e respondessem às questões em português. As perguntas versavam sobre
a produção da canção, do quanto foi arrecadado em dinheiro e onde este foi
distribuído, quais artistas participaram e o número aproximado de cópias vendidas.
No Módulo 8, trabalhamos algumas atividades de listening a partir do
videoclipe da música We are the world. Percebemos que os alunos ficaram bastante
motivados para anotar palavras em inglês que podiam identificar enquanto ouviam.
Depois disso, pedimos que falassem as palavras que puderam identificar enquanto e
as anotamos no quadro. Na sequência eles ouviram a música acompanhando a
letra, sublinhando as palavras conhecidas. Depois, exploramos a compreensão do
vocabulário, pedindo a colaboração dos próprios alunos. Como tarefa, pedimos que
fizessem, em pares, colagens e/ou desenhos em cartolina, de imagens que
representassem o tema da canção We are the world.
No Módulo Final (9), dividimos a sala em 04 grupos. Cada grupo ficou
responsável pela escolha de um videoclipe com uma temática social. O objetivo era
que ensaiassem para cantar em inglês a música escolhida, bem como para que
construíssem um mural no colégio, ilustrando as temáticas dos videoclipes. Os
alunos tiveram uma semana para preparar essa atividade, que culminou com os
murais expostos no auditório do colégio e com as apresentações dos grupos para os
colegas.
Desse modo, após a realização das atividades dos módulos apresentados, os
alunos foram capazes de desenvolver atividades orais de forma contextualizada e
significativa, o que demostra que o gênero videoclipe pode ser um instrumento para
o desenvolvimento da leitura, da oralidade e da reflexão crítica em nosso contexto,
podendo ser expandido para outro contextos escolares.
5 Considerações Finais
O trabalho com o gênero textual videoclipe na educação básica nos mostra
que a concretização da proposta foi bastante significativa os alunos, possibilitando a
quebra da rotina imposta pelo uso do livro didático. Embora seja difícil mensurar
todos os resultados obtidos, por meio de nossa observação do comportamento dos
alunos e pela análise de suas atividades, podemos afirmar que houve uma melhora
bastante significativa na relação dos alunos com a disciplina. Os alunos tiveram a
possibilidade de perceber que a língua inglesa é faz parte de seu cotidiano e que
pode levá-los a construir novos significados, bem como ampliar sua visão de mundo.
Eles puderam perceber que a aula de inglês é mais do que traduzir frases do inglês
para o português, ou seja, decodificar a língua. Houve a percepção de que os
significados são veiculados pelo texto, mas redefinidos e ressignificados pelo leitor
no ato da leitura.
A perspectiva discursiva, adotada por nós, mostrou que a língua articula-se
com as experiências humanas e serve para expressá-las e até transformá-las, pela
possibilidade que todos têm de fazer ouvir suas vozes entre os discursos, a partir da
apropriação crítica que podem fazer da língua e dos conteúdos por ela veiculados
(PARANÁ, 2008). Isso pode ser percebido pelas atividades que levaram os alunos a
expressar sua compreensão dos textos aos quais foram expostos.
Os resultados da intervenção na escola nos animaram a incorporar o
videoclipe de forma permanente em nossas aulas, pela riqueza de elementos nele
contida, favorável à concretização de práticas discursivas efetivas para o ensino da
língua inglesa.
De igual forma, a experiência de professora pesquisadora nos trouxe nova
perspectiva na aplicação de novas metodologias que contribuam para o
desenvolvimento de uma visão crítica e reflexiva sobre a prática pedagógica, o que
possibilita nossa busca constante por formas mais significativas de ensinar.
Referências
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