práxis cênica como articulação de visualidade: a luz na gênese do
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE TEATRO
PPGAC - PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES CNICAS
EDUARDO AUGUSTO DA SILVA TUDELLA
PRXIS CNICA COMO ARTICULAO DE VISUALIDADE: A LUZ NA GNESE DO ESPETCULO
Salvador - 2013
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EDUARDO AUGUSTO DA SILVA TUDELLA
PRXIS CNICA COMO ARTICULAO DE VISUALIDADE:
A LUZ NA GNESE DO ESPETCULO
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Artes
Cnicas, Escola de Teatro da Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para o Doutorado em Artes
Cnicas.
Orientador: Professor Dr. Ewald Hackler
Salvador - 2013
FICHA CATALOGRFICA
Escola de Teatro - UFBA
Tudella, Eduardo Augusto da Silva.
Prxis cnica como articulao de visualidade: a luz na gnese do
espetculo / Eduardo Augusto da Silva Tudellla. - 2013.
629 f. il.
Orientador: Prof. Dr. Ewald Hackler.
Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Escola de Teatro,
2013.
1. Iluminao de cena. 2. Luz. 3. Visualizao. 4. Imagem. I.
Universidade Federal da Bahia. Escola de Teatro. II. Ttulo.
CDD 792.025
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EDUARDO AUGUSTO DA SILVA TUDELLA
PRXIS CNICA COMO ARTICULAO DE VISUALIDADE: A LUZ NA GNESE DO ESPETCULO
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Artes Cnicas, Escola de Teatro da
Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para o Doutorado em Artes Cnicas.
Banca Examinadora
Ewald Hackler - Orientador ____________________________________________________
Doutor pela Universidade da Califrnia
Berkeley, EUA
Universidade Federal da Bahia
Jos da Silva Dias____________________________________________________________
Doutor pela Universidade de So Paulo
Rio de Janeiro, Brasil
Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro/Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Giovana Santos Dantas da Silva _________________________________________________
Doutora pela Universidade Federal da Bahia
Bahia, Brasil
Instituto Federal da Bahia
Jacyan Castilho de Oliveira_____________________________________________________
Doutora pela Universidade Federal da Bahia
Bahia, Brasil
Universidade Federal da Bahia
Raimundo Matos de Leo_______________________________________________________
Doutor pela Universidade Federal da Bahia
Bahia, Brasil
Universidade Federal da Bahia
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DEDICATRIA
Aos meus filhos Beatriz, Douglas e Gabriel.
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AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr. Ewald Hackler, orientador, pela disponibilidade e inestimvel ajuda
no processo de estudos e redao da presente tese.
Ao professor Dr. Jos da Silva Dias com quem tenho tido a oportunidade de aprender
desde que fui seu aluno na Universidade do Rio de Janeiro. Professora Dra. Jacyan Castilho
de Oliveira e Professora Dra. Giovana Santos Dantas da Silva, jovens pesquisadoras que me
honraram com a presena na Banca Examinadora. Ao Professor Dr. Raimundo Matos de
Leo, com quem tive a honra de compartilhar o palco do Teatro Martim Gonalves em 1973,
quando fizemos Titus Andronicus, de Shakespeare, dirigido por Jos Possi Neto.
Aos docentes do Programa de Ps-Graduao e Artes Cnicas - PPGAC, Escola de
Teatro-Universidade Federal da Bahia, pelo ensinamento consistente.
Aos Colegas Professores e Professoras do Departamento de Tcnicas do Espetculo,
pela compreenso, aprovando a licena que me permitiu concentrar esforos na pesquisa cujo
resultado a presente tese.
Aos Funcionrios do PPGAC, sempre disponveis e eficientes.
Ao PPGAC, Escola de Teatro-Universidade Federal da Bahia, pela generosidade ao
aprovar minha entrada no seu Programa de Doutorado, dando-me a chance de substancial
aprendizado.
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EPGRAFE
Quando me refiro luz, evidente,
quero dizer a atividade da luz,
no apenas visibilidade
Adolphe Appia, 1896.
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TUDELLA. Eduardo Augusto da Silva. Prxis cnica como articulao de visualidade: a luz
na gnese do espetculo. 631 f, il., 2013. Tese (Doutorado) - Escola de Teatro. Universidade
Federal da Bahia, Salvador.
RESUMO
O objetivo desta tese investigar a prxis cnica como problema esttico-visual, cuja
origem se encontra, no apenas nas primeiras teorizaes do teatro da Grcia Clssica, mas
tambm nos estgios iniciais do drama clssico, uma vez que ambas as abordagens observam,
analisam e operam com a posio artstica da luz no contexto do espetculo teatral. A presente
tese compreende a prxis cnica como uma obra compsita, cuja efetivao geralmente
congrega o trabalho de muitos artistas, i. e., mesmo quando nela se observa a acentuao de
um ou outro aspecto, sua natureza se afirma na interao dinmica entre os diversos aspectos
e agentes. Tais elementos interagem em movimentos irregulares, transversalmente
articulados, entrelaando-se ao longo do processo de criao. As investigaes que
constituram a tese incorporam os conceitos de imagem cnica e de visualidade, aplicando a
anlise bibliogrfico-documental como estratgia para identificar elementos instigantes para a
discusso desses conceitos. A abordagem refere-se a um conjunto de documentos, desde o
teatro grego clssico at a contemporaneidade, e descarta o ordenamento cronolgico, pois
leva em conta as especficas relaes entre os textos e a problematizao que guia a tese.
Procurando analisar a amplitude das interaes entre a luz e a cena, o presente trabalho
sustentado por duas convices: em primeiro lugar, as contribuies da luz esto presentes em
momentos muito anteriores montagem da luz de um espetculo; depois, do ponto de vista
histrico, preciso constatar a presena da luz no teatro, em momentos muito anteriores ao
Renascimento italiano, no sculo XVI, quando apareceram os primeiros teatros cobertos que
necessitavam da luz artificial para a realizao de espetculos. Com a leitura de textos e
documentos do mbito particular do tema, a tese indica futuras intervenes, tanto na
abordagem terica da cena em si, quanto no seu planejamento visual.
Palavras-chave: Iluminao de Cena, Luz, Visualizao, Imagem.
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TUDELLA. Eduardo Augusto da Silva. Prxis cnica como articulao de visualidade: a luz
na gnese do espetculo. 631 p, il., 2013. Tese (Doutorado) - Escola de Teatro. Universidade
Federal da Bahia, Salvador.
ABSTRACT
The aim of the dissertation is to investigate the scenic praxis as an aesthetic-visual
problem, whose origin lies not only in the first theorizations of the theater of Classical Greece,
but also in the early stages of classical drama, since both approaches observe, analyze and
work the position of the light in the context of theatrical event. This dissertation understands
scenic praxis as a composite work whose accomplishment usually gathers the work of many
artists, i. e., even when it is observed the emphasizing of one or other aspect, its nature asserts
itself in the dynamic interaction between the various aspects and agents. These elements
interact in irregular movements, articulated in a transverse way, interweaving the process of
creation. The investigations which formed the dissertation embody the concept of scenic
image and visualty applying the bibliographic-documentary analysis as a strategy to
identify provocative elements to its discussion. The approach include a set of documents from
the classical Greek drama to the contemporary times, and discard the chronological order
because it took into account specific relationships between the texts and the questioning that
guides the thesis. Seeking to analyze the extent of the interactions between light and scene,
this work is supported by two beliefs: first, the contributions of light are present in the
spectacular events in much earlier times then the moment of the "lighting assembly" of a
show; second, from the historical point of view, it is necessary to observe the presence of light
long before the 16th
century Italian Renaissance, when the need of artificial light for holding
shows appeared in the first covered theaters. With the reading of texts and documents on the
scope of the particular theme, the thesis indicates future interventions, both in the theoretical
approach of the scene itself, and in planning for the theatre lighting design.
Key-words: Theatre Lighting Design, Lighting, Visuality, Image.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Vermeer. Mulher segurando uma balana (p. 73)
Figura 2 Stonehenge (p. 83)
Figura 3 Stonehenge. Planta esquemtica (p. 84)
Figura 4 Stonehenge. Ilustrao de provveis funes astronmicas (p. 84)
Figura 5 Pageants. Reconstruo simulada (p. 98)
Figura 6 Pageants. Gravura (p. 98)
Figura 7 Hamlet. Primeiro folio (p. 103)
Figura 8 Partisan ou alabarda (p. 107)
Figura 9 Teatro Swan. Desenho de Johannes de Witt (p. 110)
Figura 10 Victor Hugo. Ma destine (p. 129)
Figura 11 Periaktos. Desenho esquemtico (p. 132)
Figura 12 Periaktos. Estrutura (p. 132)
Figura 13 Epidaurus. Foto (p. 134)
Figura 14 Epidaurus. Planta-baixa (p. 135)
Figura 15 Epidaurus. Reconstruo digital (p. 136)
Figura 16 Epidaurus. Reconstruo digital (p. 136)
Figura 17 Teatro de Pompeu A (p. 138)
Figura 18 Teatro de Pompeu B (p. 138)
Figura 19 Ator usando coturno e mscara (p. 143)
Figura 20 Monteverdi. Orfeo, ritornello (p. 163)
Figura 21 Masaccio. Trindade (p. 175)
Figura 22 Masaccio. O pagamento do tributo (p. 176)
Figura 23 Masaccio. O batismo dos nefitos (p. 178)
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Figura 24 Misso Japonesa no Teatro Olmpico (p. 184)
Figura 25 Gualterotti. Casamento Medici A (p. 185)
Figura 26 Gualterotti. Casamento Medici B (p. 185)
Figura 27 Terncio. Andria, Lyon A (p. 189)
Figura 28 Terncio. Andria, Lyon B (p. 189)
Figura 29 Terncio. Andria, Lyon C (p. 189)
Figura 30 Teatro Olmpico. Vista frontal do palco (p. 197)
Figura 31 Teatro Olmpico. Planta (p. 199)
Figura 32 Teatro Olmpico. Apsis (p. 200)
Figura 33 Teatro Olmpico. Corte (p. 202)
Figura 34 Teatro Sabbionetta A (p. 203)
Figura 35 Teatro Sabbionetta B (p.203)
Figura 36 Serlio. Tragdia (p.207)
Figura 37 Serlio. Comdia (p. 207)
Figura 38 Serlio. Farsa (p. 207)
Figura 39 Serlio. Bozze A (p. 208)
Figura 40 Serlio. Bozze B (p. 208)
Figura 41 Da Vinci. Guarda do Vaticano (p. 212)
Figura 42 Buontalenti (p. 215)
Figura 43 Buontalenti (p. 215)
Figura 44 Ribalta (p. 217)
Figura 45 - Teatro Farnese (p. 225)
Figura 46 Teatro Farnese (p. 225)
Figura 47 Sabbatini. Dimmer 1 (p. 229)
Figura 48 Sabbatini. Dimmer 2 (p. 229)
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Figura 49 Black Maria 1 (p. 237)
Figura 50 Black Maria 2 (p. 237)
Figura 51 Furttenbach. Refletor de mica (p. 238)
Figura 52 Teatro Romano. Planta Baixa 1 (p. 242)
Figura 53 Teatro Romano. Planta Baixa 2 (p. 242)
Figura 54 Teatro em Aspendos (p .244)
Figura 55 Teatro em Sabratha (p. 245)
Figura 56 Boscoreale. Afrescos (p. 246)
Figura 57 Paixo em Valenciennes (p. 256)
Figura 58 Boca do Inferno 1 (p. 257)
Figura 59 Boca do Inferno 2 (p. 257)
Figura 60 Cruz de Fogo (p. 260)
Figura 61 Falot em cena (p. 262)
Figura 62 Falot (p. 262)
Figura 63 Vernicle 1 (p. 269)
Figura 64 Vernicle 2 (p. 269)
Figura 65 Rafael. Escola de Atenas (p. 275)
Figura 66 Titian. A assuno da Virgem (p. 278)
Figura 67 Correggio. A assuno da Virgem Maria (p. 279)
Figura 68 El Greco. Adorao dos pastores (p. 280)
Figura 69 Parmigianino. Madona com longo pescoo (p. 282)
Figura 70 Parmigianino. Autorretrato em um espelho convexo (p. 283)
Figura 71 Caravaggio. Ceia em Emas (p. 287)
Figura 72 Caracci. O Triunfo de Baco e Ariadne (p. 291)
Figura 73 Galeria Farnese. Afrescos de Caracci (p. 292)
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Figura 74 Mantegna. Sotto-in-su (p. 293)
Figura 75 Bernini. O xtase de Santa Teresa (p. 295)
Figura 76 Bernini. Baldacchino (p. 297)
Figura 77 Pozzo. O Anjo da guarda (p. 299)
Figura 78 - Pozzo. Projeto para Teatro (p. 300)
Figura 79 Pozzo. Apoteose de Santo Incio (p. 302)
Figura 80 Giacomo Torelli. La finta pazza (p. 307)
Figura 81 Giacomo Torelli. Sistema para mudanas de cenrio (p. 308)
Figura 82 Giacomo Torelli. Teatro della Fortuna (p. 310)
Figura 83 Ferdinando Bibiena. Cenrio para Didio Giuliano, Sabadini (p. 313)
Figura 84 Ferdinando Bibiena. Scena per angolo (p. 314)
Figura 85 Giuseppe Bibiena. Scena per angolo (p. 316)
Figura 86 Ballet Comique de la Reine (p. 323)
Figura 87 Htel de Bourgogne. Corte longitudinal (p. 328)
Figura 88 Htel de Bourgogne. Planta-baixa (p. 329)
Figura 89 Dy Ryer. LArgnis (p. 334)
Figura 90 Realismo e luz (p. 336)
Figura 91 Rotrou. O hipocondraco (p. 339)
Figura 92 Corneille. Andrmeda, Prlogo (p. 344)
Figura 93 Corneille. Andrmeda, Ato 1 (p. 345)
Figura 94 Corneille. Andrmeda, Ato 2 (p. 346)
Figura 95 Corneille. Andrmeda, Ato 3 (p. 347)
Figura 96 Corneille. Andrmeda, Ato 4 (p. 348)
Figura 97 Corneille. Andrmeda, Ato 5 (p. 349)
Figura 98 Salle des Machines. Tulleries. Planta Baixa (p. 383)
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Figura 99 Poussin. Pastores de Arcdia. 1637/39 (p. 394)
Figura 100 Poussin Pastores de Arcdia. 1627/30 (p. 395)
Figura 101 Comdie Franaise. Espetculo com o pblico no palco (p. 398)
Figura 102 Servadoni. Capriccio romano (p. 400)
Figura 103 Fagus Sylvatica ou faia (p. 407)
Figura 104 Servandoni. A Cidade de Tebas (p. 408)
Figura 105 Servandoni A Cidade de Tebas. Provvel planta-baixa (p. 411)
Figura 106 Comdie Franaise, Interior. ca. 1790 (p. 415)
Figura 107 Fabrizio Galliari. Enea nel Lazzio (p. 431)
Figura 108 Canaletto. Perspectiva (p. 432)
Figura 109 Georges de la Tour. A Apario do Anjo a So Jos (p. 433)
Figura 110 Jacques-Louis David. A morte de Marat (p. 434)
Figura 111 John Constable. Dedham lock and mill (p. 435)
Figura 112 Louis Daguerre O efeito de neblina. (p. 436)
Figura 113 Henry Irving. Romeo em Romeu e Julieta (p. 440)
Figura 114 Henry Irving. Mefistfeles em Fausto (p. 440)
Figura 115 - Rembrandt. A ronda noturna (p. 444)
Figura 116 Rembrandt A Ressureio de Lzaro (p. 445)
Figura 117 Limelight (p. 447)
Figura 118 Limelight Spot (p. 448)
Figura 119 Lie Fuller. O vestido original da Dana da serpentina (p. 457)
Figura 120 Lmpada Argand (p. 461)
Figura 121 Lmpada Argand com refletor e lente (p. 462)
Figura 122 Lmpadas a gs (p. 465)
Figura 123 Alto desenvolvimento da luz a gs no teatro (p. 467)
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Figura 124 Controle de luz no teatro: sistema a gs e sistema eltrico (p. 467)
Figura 125 Lmpada eltrica patenteada por Thomas A. Edison (p. 470)
Figura 126 Bayreuth Vista parcial da plateia e do Palco (p. 485)
Figura 127 Bayreuth. Planta-baixa 1 (p. 486)
Figura 128 Bayreuth. Planta-baixa 2 (p. 487)
Figura 129 Jean Rosenthal. Planta de luz para Martha Graham (p. 493)
Figura 130 Pieter Breughel. A Queda dos cegos (p. 508)
Figura 131 Antonello da Messina. So Sebastio (p. 513)
Figura 132 Beckett. Footfalls (p. 515)
Figura 133 Beckett. Footfalls. Primeira pgina (p. 516)
Figura 134 Beckett Footfalls. Luz e gradao (p. 518)
Figura 135 Brecht. Her Puntilla... Caspar Neher (p. 549)
Figura 136 Brecht/Neher. Her Puntilla... Foto da montagem de 1949. (p. 549)
Figura 137 Loie Fuller Foto ao ar livre. (p. 558)
Figura 138 Henri de Toulouse-Lautrec Miss Loie Fuller (p. 563)
Figura 139 Wagner, Cenografia Bayreuth (p. 581)
Figura 140 Appia. Cenografia para obra de Wagner (p. 582)
23
SUMRIO
DEDICATRIA
AGRADECIMENTOS.
EPGRAFE
RESUMO
ABSTRACT
1 INTRODUO .................................................................................................................. 25
1.1 Trajetria para o Tema Abordagem Esquemtica ......................................................... 33
1.2 Objetivos ........................................................................................................................... 38
1.3 Mtodo .............................................................................................................................. 40
1.4 Pressupostos Tericos ...................................................................................................... 43
1.5 Organizao da Tese ......................................................................................................... 48
1.6 Aspectos Conclusivos. ...................................................................................................... 51
2 A PROPSITO DA VISUALIDADE NA CENA .............................................................. 52
2.1 A Gnese da Cena e a Visualidade ................................................................................... 60
2.2 A Cena e o Estudo de Imagens ........................................................................................ .66
2.3 Relaes Primitivas entre a Humanidade e a Luz ............................................................ 78
2.4 Cena, Luz e Lugar ........................................................................................................... .88
3 A VISUALIDADE SINGULAR DO TEATRO DE SHAKESPEARE .............................. 94
3.1 A Instalao de Hamlet atravs da Visualidade ............................................................. 102
3.2 Shakespeare Luz da Tempestade ................................................................................. 114
4 UM PRESUMVEL PONTO DE PARTIDA ................................................................... 130
4.1 A Luz como Destino da Poesia Trgica ......................................................................... 137
5 MSICA E DRAMA: CMPLICES SOB A MESMA LUZ ........................................... 152
5.1 LOrfeo como Afirmao da Luz no Dramma per Musica ............................................ 156
5.2 LOrfeo de Monteverdi e Striggio .................................................................................. 160
6 UMA LUZ NA ALEGRIA DE VIVER RENASCENTISTA ....................................... 171
6.1 Outros Rumos para o Pensamento Visual da Cena ........................................................ 187
6.2 Luz e Cena: Primeiros Registros Tericos ..................................................................... 204
6.2.1 Sebastiano Serlio ......................................................................................................... 204
6.2.2 Leone DeSommi e Bernardo Buontalenti .................................................................. 210
6.2.3 Angelo Ingegneri ......................................................................................................... 216
6.2.4 Nicola Sabbatini .......................................................................................................... 222
6.3 Repercusses Renascentistas fora da Itlia .................................................................... 230
7 O BRILHO DA LUZ DIVINA.........................................................................................240
7.1 A Incorporao da Cena pela F Crist.........................................................................263
8 A SANTIFICAO E A VISUALIDADE.....................................................................273
8.1 Fronteiras Maneiristas...................................................................................................273
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8.2 Corporificao em Visualidade e Movimento ............................................................. 284
8.3 A Luz como elo entre a Pintura e a Cena ..................................................................... 288
8.4 Teatro Barroco e Tipologia Espacial ........................................................................... 303
8.5 A Cena sob outros Pontos de Vista .............................................................................. 312
9 ROTAS FRANCESAS PARA O TEATRO MODERNO..............................................321
9.1 Cena Compartimentada ou Simultnea ......................................................... ...............330
9.2 Andrmeda: Cena e Mquina.......................................................................................342
9.3 Pierre Corneille como Resistncia ............................................................................... 355
9.4 A Cena como Lugar Genrico ..................................................................................... 368
10 NO PALCO COMO NUM QUADRO..........................................................................378
10.1 O Palco como Pintura Exemplar................................................................................397
10.1.1 Tnues Fronteiras entre Iluso e Realidade.............................................................412
11 A REALIDADE NA LUZ DA CENA ROMNTICA.................................................424
11.1 A Luz que Toca o Espetculo .................................................................................... 428
11.2 Henry Irving sob a Cor da Sombra ............................................................................ 438
12 O REALISMO COMO DESAFIO................................................................................452
12.1 Realismo, Luz e Crtica ............................................................................................. .456
12.2 Avanos Teatrais sob a gide das Tecnologias ........................................................ 460
12.3 A Cena Sob Controle ................................................................................................. 466
12.4 mile Zola e a Luz Impossvel .................................................................................. 472
12.5 Andr Antoine e a Cena como Realidade Controlada ............................................... 478
12.6 A Luz da Cena Moderna como Variao da Realidade ............................................. 489
13 A LUZ E A CENA NO REALISTA................................................................498
13.1 Hans-Thies Lehmann e a Requalificao da Palavra no Teatro.........................498
13.2 Samuel Beckett ou a Angstia do Autor diante da Cena..................................509
13.3 Bob Wilson e o Espetculo como Texto Total.................................................532
13.4 Psychosis 4.48: Fragmentos de Visualidade.....................................................534
13.5 Bertholt Brecht e a Luz do Teatro Cientfico...................................................543
13.6 A Dana da Saia ou o Corpo como Movimento Expressivo...............................554
13.7 Adolphe Appia: a Cena Imersa na Sombra.......................................................567
13.7.1 Tristo e Isolda: entre Appia e Wagner.........................................................589
13.7.2 Sombras Reveladoras...................................................................................595
14 TRAOS CONCLUSIVOS...........................................................................................605
REFERNCIAS..................................................................................................................610
25
1 INTRODUO
O presente trabalho trata de aspectos especficos das relaes entre a luz e a cena,
acentuando a necessidade de discusso do tema no meio acadmico brasileiro.
Uma vez que os propsitos desta tese incluem a observao da luz como um aspecto
que integra organicamente o espetculo, estabelec0F1 ipso facto a necessidade de incluir
elementos de outros domnios do conhecimento, especialmente da histria, da filosofia e da
cincia. Algumas reaes dos leitores a tal orientao e contedo so previsveis. Para uns e
outros, certas informaes e/ou opinies podem ser consideradas excessivas ou at mesmo
desnecessrias. A reao de leitores diversos sempre depender do interesse, do campo do
conhecimento ao qual esto vinculados e de suas expectativas. Certamente cada um deles
escreveria esta tese de modo diferenciado, o que implicaria em outra abordagem.
Trata-se de um risco que precisei correr, quando decidi encarar a luz como um aspecto
que contribui amplamente para o espetculo, e no como uma mera questo tcnica,
mecnica, superficial ou at externa. De todo modo, do leitor solicitada alguma
flexibilidade: quando a informao sobre um autor ou perodo histrico lhe parecer
desnecessria, sugiro que se leve em conta o reduzido pblico interessado em uma tese cujo
tema a atuao da luz na cena, mas que poder incluir uma clientela no familiarizada com
sua abordagem histrica. Ou seja, o leitor da presente tese nem sempre ser um especialista,
um crtico ou um terico. Alm disso, a diversificada ramificao do conhecimento com a
qual a atuao da luz na cena se relaciona pode sugerir a incluso de um ou outro nome que
aqui no aparece.
Esclareo que a seleo de autores e artistas, assim como a abordagem especfica de
certas obras, pretende traar uma trajetria terica e analtica particularmente articulada para
interagir com o tema. Peo que se leve em considerao que a presente tese j ser
considerada de extenso demasiada, para os padres vigentes, o que me levou a excluir e/ou
evitar outras possveis discusses, anlises, autores e artistas.
No processo da escolha de um tema para esta tese e enquanto definia uma hiptese,
ouvi dois comentrios que me intrigaram. O primeiro sugeria que a minha tese fosse
direcionada apresentao de um novo mtodo para fazer a luz, no teatro; a segunda
sugesto apontava como objeto oportuno de pesquisa a descrio de um entre os meus
processos de trabalho como iluminador.
1 Usei a primeira pessoa do singular, nesta introduo e na concluso, em momentos de imperativa necessidade,
devido importncia de indicar aspectos da minha experincia pessoal que contriburam na presente abordagem.
26
Tais caminhos foram deliberadamente evitados. Em minha opinio, o primeiro poderia
resultar numa cartilha legitimada por credenciais acadmicas, mas, obsoleta, j ao final de
sua redao, devido s frequentes mudanas nas caractersticas dos instrumentos, acessrios e
sistemas de controle utilizados pelo iluminador em seu ofcio; o segundo caminho envolveria
demasiada nfase no meu prprio trabalho, o que preferi no fazer em um processo de
doutorado. Alm disso, ambos pareciam muito atrelados ao como fazer, enquanto meu
interesse se voltava mais para o por qu?. Essa compreenso encaminhou meus estudos
para discusses acerca da contribuio esttica da luz na prxis1F2 cnica, com o objetivo de
compreender seu papel na realizao de um espetculo.
Devo ressalvar, entretanto: assim como o meu prprio trabalho deixa de ser o objeto
de estudo desta tese, parte substancial das questes que a originaram est intrinsecamente
vinculada s minhas atividades, como cengrafo e iluminador, ao longo das ltimas dcadas.
A problematizao da atividade de iluminar espetculos promoveu o contato com um
extenso volume de textos que, alm da dramaturgia, incluam vrios outros documentos de
igual importncia. Desse processo resultou o estimulante desafio de selecionar um corpo
significativo de textos que contribussem na presente argumentao.
Participando de espetculos nos quais deveria fazer a luz, uma demanda presente em
vrios processos, tal interpretao me incomodava em demasia. Mesmo que me ocorressem
ideias apropriadas a tarefa de fazer a luz estava, em muitos casos, comprometida com uma
espcie de urgncia da qual resultava uma qualidade apenas sofrvel, de cunho
essencialmente tcnico, inferior quela que se poderia alcanar, caso fosse includa a
experimentao exigida por um trabalho artstico. E no somente os prazos, mas tambm as
limitaes tcnicas e artsticas presentes em certos processos redundariam em uma qualidade
apenas satisfatria, quando se considera a excelncia esperada de uma obra artstica. Ficava
uma impresso: ou o teatro uma atividade que aceita o tratamento negligente de um dos seus
aspectos essenciais, ou a luz encarada como elemento sem importncia no contexto do
espetculo, sendo considerada parcialmente, e at mesmo desconsiderada, ou h uma alguma
ignorncia no que se refere sua contribuio para o trato visual do espetculo.
Tais experincias motivaram a pesquisa que me encaminhou ao presente trabalho,
orientado por uma especfica inquietao: mesmo que o iluminador seja autorizado a
2 O termo praxis (), que pode ser relacionado com prattein literalmente fazendo. Em sua origem
grega, referia-se a uma atividade da qual participavam homens livres. Aqui se considera o termo com a
abrangncia de um processo, da efetivao de uma proposio que incorpora o conhecimento e as
problematizaes apresentadas pela cultura.
27
desenvolver seu trabalho um, dois, ou, quem sabe, trs dias antes da estreia de um espetculo,
a cena em si pode incorporar relaes visuais que se iniciam antes mesmo dos momentos
concedidos para que se monte a luz. Ou seja, a luz parece chamada a ingressar no processo
do espetculo em situaes que antecedem quelas em que o iluminador autorizado a
adentrar o espao fsico de um teatro, para fazer a luz. Ficava, ento, a questo: onde e
quando o trabalho do iluminador deve ser iniciado?
Provocado por esta questo, observei ensaios que antecediam a montagem da luz.
Ainda que minha presena fosse facultativa, eu me sentia estimulado por diversos eventos que
l ocorriam, como a ao delineada para cada ator e as relaes entre os atores, que
demonstravam a busca de um lugar no espao da cena. Mesmo sem um cenrio j construdo
e na ausncia de um palco ou local definido para o espetculo , os atores edificavam
virtualmente o espao artificial da cena, deslocando-se nas salas de ensaio. Isso indicava a
presena e a necessidade de uma luz que interagisse com aquelas experimentaes espaciais.
Afinal, se h um espao cnico a ser percebido, deve haver luz. Ou seja: ainda que o
iluminador no esteja nos ensaios para fazer a luz, ela j est, de certa maneira, sendo
concebida como estando l.
Outro aspecto da questo ficou sublinhado: a luz que antecedia minha entrada em
cena se evidenciava tambm em muitas falas nas palavras proferidas pelos atores.
Tornava-se flagrante a inteno de muitos dramaturgos de orientar o espectador, no somente
na indicao de lugar e tempo, mas tambm pela atmosfera de cada espetculo, ou cena. Mais
do que a necessidade de iluminar onde e quando a ao ocorria, eram sugeridas qualidades
visuais simblicas para o possvel tratamento de cada lugar, tempo, ao ou atmosfera,
apresentados pelos atores, at mesmo antes dos ensaios, j nas leituras de mesa. Por
conseguinte, alm do movimento mecnico de deslocamento no espao, a luz tambm se
relacionava a suas causas e consequncias, participando do processo argumentativo da ao
dramtica. Havia algo que provocava o movimento da personagem, levando-a a interagir com
o mundo. O dramaturgo expressa sua opinio sobre tal processo, no modo como o trata em
sua obra. Observando os traos artsticos deixados por tais relaes, o iluminador elabora sua
prpria interpretao visual de uma pea.
Seguindo a trilha dos ensaios, cumpri uma segunda etapa preliminar desta pesquisa,
estudando alguns dos textos de espetculos nos quais eu fiz a luz, e constatei minha
observao inicial: tanto em indicaes de ordem mecnica dos movimentos, ou seja, o
deslocamento das personagens no espao da cena, quanto em questes de natureza simblica,
relacionadas aos aspectos ontolgicos do movimento, ao movimento como devir, a luz j se
28
fazia presente nos textos das peas. Para revelar compromissos com a luz, portanto, a
dramaturgia dispensava a elaborao cnica de um diretor, dos atores, do cengrafo, do
figurinista, do maquiador, do aderecista, do msico, ou de qualquer outro artista envolvido em
um espetculo.
A luz que podia ser identificada em momentos anteriores estreia de um espetculo,
tambm se manifestou antes que a ideia de cena alcanasse as salas de ensaio. Ela j estava
presente nos traos do espetculo e pulsava no trabalho do dramaturgo, caracterizando uma
espcie de estado pr-cnico, um processo vivo, constitudo por todas as atividades que
ocorrem desde as primeiras ideias que levam realizao espetacular. Transformando-se
sucessivamente, o estado pr-cnico encerra-se quando o acontecimento teatral ocorre
efetivamente diante do pblico. O que parece bvio, mas no equivale a dizer que o diretor ou
o encenador est obrigado a usar o texto como um livro de regras.
At ento, contudo, a observao do problema se referia ao universo de meu prprio
trabalho, como iluminador, deixando outra inquietao: tratava-se de uma caracterstica da
prxis cnica atual ou, ainda, do restrito universo da minha atividade, o que poderia ser
interpretado como uma idiossincrasia? No intuito de compreender tal problematizao e testar
a abrangncia do meu ponto de vista, decidi incorporar outros documentos, alm dos textos de
autores com os quais havia trabalhado, ampliando a observao, para estabelecer um espectro
capaz de construir a argumentao necessria minha hiptese. Tal espectro deveria abranger
todo o amplo contexto cultural ao qual se incorpora a obra de arte, incluindo a dramaturgia de
um modo geral, assim como outras obras tericas e/ou artsticas com as quais ela opera
correspondncias.
Cada aspecto da arte teatral s cumpre integralmente sua funo, quando o
acontecimento se inicia, incluindo o texto teatral que passa a se configurar como um passo em
direo cena, uma provocao para um espetculo e um aspecto do estado que denominei
aqui pr-cnico. Cabia testar minha convico de que a luz toma parte dos primeiros
estgios do processo teatral, e j se inscreve na gestao do espetculo, desde as suas
primeiras ideias, alcanando a qualidade de elemento unificador do corpo da cena.
A presena da luz, ento, est investida de um grau de simplicidade que deve ser
diferenciado, entretanto, do tratamento simplrio ao qual a cena pode ser submetida, quando
apenas se decide fazer a luz ou iluminar, de modo genrico, seguindo regras da prtica
observada corriqueiramente, pela qual os efeitos passam, de espetculo a espetculo, gerando
uma espcie de tautologia visual. Isso ocorre quando a ideia que sustenta o estado visual dos
espetculos est ligada ao objetivo de criar efeitos, tratando os eventos como uma mera
29
reproduo extempornea de festividades que abusam dos fogos de artifcio. Como se todo
espetculo fosse uma variao do rveillon.
Se a presena da luz pode ser identificada desde a elaborao potica do dramaturgo,
ela alcana a qualidade de um elemento esttico-potico da prxis cnica, originando
estmulos que desobrigam o iluminador a abusar dos efeitos para demonstrar sua presena.
Mesmo que um autor no se d conta, sua relao com a abordagem visual j se efetiva
quando ele cria imagens mentais2F3 relacionadas ao contexto de sua obra. A investigao de tais
imagens estabelece provocaes para o artista que encara a cena como um problema esttico-
visual.
A presente abordagem tenciona confrontar a hiptese inicial da presena da luz na
gnese da cena com a diversificada informao encontrada no trabalho de artistas, estudiosos
e crticos, orientando tal confronto por um problema simples: em que momento a cena exige a
presena da luz? Identificar tal momento leva a duas problematizaes: em primeiro lugar,
por que a luz ingressa na prxis cnica num dado momento, e que luz a cena exige para se
qualificar como manifestao artstica? Por outro lado, isso pode levar a questes acerca do
aparecimento histrico da luz na cena.
A cena aqui compreendida como um acontecimento no qual o artista opera conceitos
e aes esttico-poticas para a criao de uma obra cuja ocorrncia se d em lugares
escolhidos para abrigar seu encontro-confronto com o pblico, sem o qual ela no se efetiva.
O verbo articular aplicado ao ttulo da tese, para indicar a conexo entre as partes de um
todo, regulado por acordos que dirigem, a determinado fim, os aspectos de um processo, no
caso, a prxis cnica. Tal articulao est ligada, no presente trabalho, observao da cena
como um acontecimento que tambm expressa e comunica visualmente.
Vale lembrar a abordagem de Vilm Flusser (1999, p. 18) quando ele discute a
etimologia do termo design3F4 e apresenta uma interpretao do termo latino articulum, que se
relaciona com articulus4F5, ganhando relevncia no propsito desta tese: a capacidade de
transformar algo em benefcio prprio.5F6 Nesse caminho, ser aqui observada a compreenso
da prxis cnica - ou do acontecimento espetacular - como um locus6F7 no qual a visualidade
3 Diferentes das imagens visuais elaboradas em um espetculo.
4 Muitos estudos, em diferentes reas do conhecimento, vm sendo apresentados; o design, de modo geral,
descrito como o arranjo geral das partes de um objeto. (Cf. TUDELLA, 2012). 5 Ou um ponto de conexo [entre vrias partes de um corpo].
6 Da traduo inglesa: ability to turn something to ones advantage.
7 Ou o exato lugar onde algo acontece ou que se considera o centro de alguma coisa.
30
pode ser avaliada como articulao capaz de cumprir expressividade e comunicao
particulares.
Uma deciso importante na redao do presente trabalho foi evitar o uso de analogias,
de metforas e expresses que fazem menes luz e/ou viso, para substituir ou significar
conhecimento, esclarecimento, razo, sabedoria, revelao, entre outros. Tais solues foram
descartadas para acentuar que qualquer autor independente do seu interesse, seja um artista,
um crtico, um interessado exclusivamente nos estudos tericos, um cientista aplica tal
categoria de expresses como resposta involuntria relevncia da luz na construo da
cultura, ou seja, na efetivao da presena humana. De todo modo, expresses como dar luz
a, pr em foco, luz de, iluminar, trazer luz, entre outras, nos sentidos acima
indicados, sero raramente aplicadas no presente texto.
Termos como teatro, espetculo, espetacularidade, cena, encenao, alm de
expresses como acontecimento cnico, evento cnico, evento espetacular, evento teatral,
sero usados aqui como referncia, tanto ao Teatro quanto Dana, assim como ao Bal,
pera, ou a qualquer manifestao da performatividade atual. Tais eventos integram o
conjunto que, no presente trabalho, ser denominado de prxis cnica, considerando-se a
dilatao que vem sendo associada ao termo espetculo, hoje motivo de muitas discusses,
que incluem at mesmo intenes de buscar antiteatralidades, ausncia de personagens e,
portanto, de drama [conflito].
A dramaturgia est aqui relacionada [excees sero comentadas] acepo
construda na raiz grega, cuja origem est em dran [do grego ou agir, ao], de onde
teria se originado o termo drama, como elaborao potica de construo dialgica que
observa esteticamente conflitos humanos.7F8 Dramaturgia, portanto, remete-se aqui ao trnsito
do vocbulo drama, no teatro ocidental, e trata da produo de um texto escrito com o olhar
voltado para a ao cnica, motivada por objetivos e/ou desejos que impulsionam o ser
humano e movem a personagem. Ou seja, trata-se da prxis cnica efetivada numa relao
entre personagens, que se expressa atravs de uma ao integrada pelo conflito motivador,
mesmo sem a exigncia de um dilogo verbalizado, premissa que dispensa a palavra falada.
Iniciativas artsticas do sculo XX, que clamam por modelos revolucionrios ou pela
desconsiderao de modelos recebem aqui o mesmo tratamento dispensado ao drama de
cmara, ou ao bal, como exemplos. A prxis cnica, ento, aqui abordada como
manifestao artstica que incorpora organicamente qualidades visuais. Um evento cnico,
8 O monlogo se impondo como um limite flexvel.
31
que prescinde de conflitos, de ao cnica e at de personagens, ser, portanto, integrado ao
universo da prxis cnica, contexto que rene uma diversidade de eventos espetaculares
efetivados em relaes imediatas artista-pblico.
Como exemplo, foram levadas em considerao as iniciativas includas no teatro
denominado ps-dramtico, justificando tal deciso na exegese apresentada pelo terico
alemo Hans-Thies Lehmann: [] o conceito de ao desaparece em favor de ocorrncias
em metamorfose contnua, o espao da ao aparece como uma paisagem continuamente
modificada por diferentes estados de luz, com figuras que aparecem e desaparecem8F9
(LEHMANN, 2006, p. 81, traduo nossa). Vale mencionar, ainda, a provocao de outra
assertiva do mesmo Lehmann: No teatro, ento que um lugar do olhar tornou-se
possvel realizar um princpio extremo de dramaturgia visual. [...] a concreta realizao de
estruturas visuais formais da cena9F10
(LEHMANN, 2006, p. 98, traduo nossa). Ficam
estabelecidas, portanto, substanciais associaes entre a luz e a cena, como a qualificao
visual do termo dramaturgia.
Num certo sentido, toda prxis cnica incorpora um modo visual de pensar, promovido
pela interao de seus pressupostos estticos com os processos culturais nos quais os artistas
que a concebem e realizam esto envolvidos. O movimento da segunda metade do sculo XX,
que aponta para uma dramaturgia visual e prope a autonomia para a luz, representa a
resposta do artista ao contexto cultural no qual ele est inserido.
At mesmo respostas como a proposio da morte da personagem, discutida por
Elinor Fuchs,10F11
na qual a representao teatral, formulada atravs de conflitos originados por
desejos da personagem, d lugar apresentao do corpo do ator, sua presena, aos seus
gestos, mantm a luz, ainda, como aliada. Seria prudente, nesse contexto, incorporar a
compreenso do corpo como aspector deflagrador na performance, presente no discurso de
Richard Schechner12
. A cena, por conseguinte, aqui tratada na sua condio de corpo
transitrio, dinmico, at inacabado, mas indissociavelmente impregnado de articulaes
orientadas por processos visuais.
9 Da traduo inglesa: [] the concept of action dissolves in favour of occurrences, of continual metamorphosis,
the space of action appears as a landscape continually changed by different states of light, appearing and
disappearing objects and figures. 10
Da traduo inglesa: Thus, in theatre which is a place of the gaze it became possible to realize an extreme
of the principle of visual dramaturgy. [...] the concrete realization of formal visual structures of the scene. 11
Professora de Dramaturgia e Crtica da Universidade de Yale, EUA, autora de A morte da personagem:
perspectivas acerca do Teatro depois do Modernismo [The death of character: perspectives on Theater after
Modernism] (1963). 12
Professor da New York University, fundador dos Performance Studies, na Tisch School of the Arts/NYU.
32
Se a cena pretende negar o espectador e procura parceria com um corpo sensvel
abrangente, com novas funes participativas de fruidor-criador, ela poder incluir a
capacidade do novo parceiro de perceber visualmente, mantendo, assim, compromissos com a
luz. Finalmente, a menos que se pretenda reduzir deliberadamente o alcance de uma obra que
incorpora, representa ou apresenta alguma ao, impedindo que nela se envolva a capacidade
perceptiva visual, a luz ser imprescindvel.
Com reservas, os termos iluminao e iluminador sero aqui aplicados para propor
referncias s aes de conceber e planejar a qualidade visual de um espetculo, atravs da
aplicao da luz. Vale dizer, portanto, que associar o uso de tais termos ao objetivo de fazer
luz para a cena pode resultar em fragilidade na abordagem das contribuies da luz para os
acontecimentos espetaculares. Atividades simplrias com os objetivos de iluminar e fazer
luz podem reduzir a funo do iluminador atividade quase mecnica de lanar luz sobre a
cena, sem o aprofundamento de qualquer aspecto esttico-potico norteador. E ainda, por
vezes o iluminador pode parecer mais interessado na atividade de inventor, do ponto de
vista cientfico, do que na sua funo de artista.
Tal contexto oferece espao para que se estabeleam diferenciaes entre a
visibilidade e a visualidade, nos termos que sero aplicados ao longo da presente tese. Ou
seja: a adio de luz pode tornar a cena visvel, como se fosse possvel acionar a viso
apenas como uma operao fsico-qumica, sem que a visualidade resultante a afirmao
visual de tal visibilidade atenda a quaisquer critrios artsticos. A visualidade, como
abordada no presente trabalho, est relacionada atitude crtica que orienta o iluminador e
confere postura esttico-potica sua contribuio para a prxis cnica. Desse modo, projetar
luz sobre a cena promover visibilidade. A anlise de aspectos tcnicos, estticos e poticos
de tal ao, identifica a visualidade de um espetculo, ou a qualidade das imagens [cnicas]
que estabelecem a articulao do seu discurso artstico-visual.
A presente abordagem assume outras duas compreenses bsicas, relacionadas
presena da luz como uma exigncia da cena: em primeiro lugar, a prxis cnica
considerada aqui como uma arte compsita, cujos aspectos constitutivos desde a
dramaturgia, passando pelo ator, pela cenografia, at a luz se relacionam de modo no
linear, transversal, para propor relaes entre os acontecimentos espetaculares e o pblico. Os
diversos aspectos da cena interagem em movimentos irregulares, transversalmente
articulados, entrelaando-se ao longo do processo de criao de um espetculo, e no em
camadas superpostas sucessivamente. Ou seja: quando se faz a luz de um espetculo,
costumeiramente como etapa final do processo, trata-se de uma operao estratgica, de
33
natureza operacional e/ou um simples hbito sem, necessariamente, ligao com o desgnio
espetacular do teatro.
at possvel dizer que a deciso de convocar o iluminador, quando o espetculo
est pronto, pode estar vinculada presuno de que s nesse momento ele ter o que
iluminar. Ora, pode-se conjecturar: uma vez que esto criados os ambientes e as aes da
pea, fica definida a hora de convocar a luz para complementar, ou ajudar. O presente
trabalho presume que a cena em si no impe tal processo e a luz tem funo mais
contundente e abrangente do que essas aes podem cumprir. As atitudes de ajudar e
complementar [quando desempenhadas pela luz. na cena], ento, somente interessam
presente abordagem como objeto de anlise crtica.
A segunda compreenso refere-se a esses movimentos transversais que ocorrem entre
um estado pr-cnico e a cena propriamente dita, que tornam possvel encontrar indicaes de
diversificados elementos do espetculo (cenografia, luz, entre outros), desde seu ponto de
partida objetivo [ou material], que pode ser o texto de uma pea, um roteiro, uma composio
musical, ou at um estmulo para improvisaes, e assim por diante. As relaes entre a luz e
os demais agentes do espetculo promovem as instncias visuais presentes j na ideia
primeira de cena; mesmo quando no h um texto dramtico, na origem do estgio
denominado pr-cnico, j se encontra ali uma visualidade latente, que interage com questes
culturais, incluindo particularidades histricas, alm de decises estticas e poticas de cada
autor.
Isso no implica que a qualidade visual presente no estado pr-cnico deve ser, ou ser
atendida ou representada na cena. Cada diretor tomar decises estticas particulares,
considerando a proposio espetculo que intenta elaborar, em parceria outros tantos artistas.
Suas escolhas podem at negar ou desarticular a qualidade visual, a visualidade de certa
obra da dramaturgia. Entretanto, se considerarmos as extensas implicaes visuais da cena, o
artista que reconhecer ou identificar a visualidade do material provocador do seu trabalho,
seja uma obra da dramaturgia ou uma dentre as outras possibilidades j mencionadas, ter
ampliadas suas chances de compreend-lo, aguando seu poder crtico e ampliando sua
prpria capacidade de criar caminhos.
Grande parte das tradues de originais, em ingls e francs, usadas no trabalho em
curso, so de minha autoria. Elas se referem a trechos de peas, de textos tericos e poticos,
incluindo obras antolgicas. Fica descartada, contudo, a inteno de apresentar novas ou
revolucionrias tradues da teoria e/ou da poesia; esclareo que elas funcionam aqui como
indicativas da minha compreenso dos textos comentados.
34
1.1 TRAJETRIA PARA O TEMA ABORDAGEM ESQUEMTICA
H muito para ser escrito acerca da interao entre a luz e o espetculo. A hiptese
deflagradora desta tese est ligada, entretanto, de modo orgnico, a minha trajetria particular
no teatro, uma vez que nela esto incorporadas experincias de mais de cinco dcadas.
Mesmo sem registar datas precisas, minha hiptese deriva da compreenso de presenas da
luz em momentos nos quais participei das primeiras pecinhas ou dramatizaes, como
tantas outras crianas, no ensino fundamental, antigamente denominado curso primrio.
Afinal, j naqueles momentos independente da vontade de qualquer participante do evento
a luz j nos fazia companhia diferenciada, ganhando contornos especiais, quando incorporada
cena.
Destaco um momento decisivo em minha aproximao da luz [teatral], que ocorreu de
modo casual enquanto frequentava a Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia,
durante o hoje extinto curso de Formao do Ator. Eu havia trabalhado como ator em
espetculos dirigidos por Jos Possi Neto,11F13
como A casa de Bernarda Alba, de Federico
Garcia Lorca (1898-1936), e Titus Andronicus, de William Shakespeare (1564-1616), em
1973, interpretando, na pea de Shakespeare, o prncipe Bassiano. No foi possvel participar
como ator no espetculo que Possi dirigiu em seguida, intitulado Marilyn Miranda; naquele
momento, estava envolvido em outro projeto, Um homem um homem, de Bertolt Brecht
(1898-1956), dirigido por Joo das Neves,12F14
para o ncleo baiano do Teatro Opinio, ento
vinculado ao Instituto Cultural Brasil-Alemanha/ICBA, em Salvador/Bahia, 1974. no qual
interpretei o soldado Jess Mahoney. O espetculo partiu em tourne pelo sul do pas, o que
no me permitiu concorrer para uma posio no elenco de Marilyn Miranda.
Diante disso, ao retornar da tourne desempenhei uma funo que, naquele momento,
parecia inusitada para um jovem cujo desejo era estar no palco: trabalhei como operador de
canho seguidor [follow spot]. Antes de qualquer coisa, eu queria estar envolvido na atividade
teatral, e aquela foi mais uma oportunidade que se me ofereceu.
Os equvocos que cometi durante os primeiros ensaios, contudo, lanando sem
preciso o foco do canho resultado da ausncia de qualquer treinamento para a funo
ficaram marcados na memria de modo contundente. Muito mais do que os acertos
alcanados no desenrolar dos ensaios e espetculos, quando j havia desenvolvido a
13
Diretor Teatral e Professor, natural de So Paulo, que chefiava o ento Departamento de Teatro da Escola de
Msica e Artes Cnicas EMAC/UFBA. 14
Diretor e dramaturgo; em 1974, criou na Bahia o Ncleo 2 do Grupo Opinio do Rio de Janeiro. Este ncleo
ficou sediado em Salvador, no ICBA Instituto Cultural Brasil-Alemanha.
35
habilidade mnima para fazer aquilo que era esperado, ou seja: aplicar o canho da forma
planejada e desejada, seguindo e acentuando precisamente os atores. Meus acertos, portanto,
no despertavam a ateno. Logo eu perceberia que, em determinados eventos, se a luz est
cumprindo o seu papel, resulta como se ela no estivesse presente, quero dizer, no seja
notada. Sobre isso, Jean Rosenthal (1912-1969), uma das mais importantes theatre lighting
designers13F15
da histria do teatro norte-americano, que frequentou o primeiro curso especfico
da rea, oferecido pela Universidade de Yale, na dcada de 30, do sculo passado, afirmou:
O trabalho mais efetivo e brilhante de um [theatre] lighting designer , usualmente, o menos
notado14F16
(ROSENTHAL; WERTENBAKER, 1972, p. 3, traduo e grifos nossos).
Tal assertiva pode parecer deslocada, quando se testemunha em nossos dias a profuso
de efeitos que tomam conta da cena transformando-a em extravaganza eletrnico-digital, na
qual liberdade confunde-se com ausncia de reflexes artsticas. Compreendi em Marilyn
Miranda que, quando eu executava os movimentos com preciso, respondendo s exigncias
da cena para aquele instrumento,15F17
eles eram assimilados tal qual parte integrante da mesma,
como se o espetculo j fosse gerado com as interferncias do canho. Ficava a impresso de
uma contribuio direta da luz, que estaria includa inexoravelmente na elaborao do
espetculo, sem a necessidade de interveno humana especfica em sua efetivao; como se,
ao entrar em cena, o ator j trouxesse consigo a luz.
Durante os ensaios, entretanto, quando o canho no acentuava ou no seguia o ator,
o erro ficava duramente visvel. Se o canho seguidor deixava de cumprir sua funo, quando
se leva em conta a expresso anglo-americana [follow spot], o equvoco era prontamente
sublinhado: naquele momento, o espetculo parecia sofrer uma sria mcula, afastando-se do
equilbrio de um corpo, ou todo orgnico.
15
Essa expresso recebe diversificadas tradues na lngua portuguesa. De modo simples, pode-se compreend-
la como o designer que trabalha na luz para o teatro. Traduzir de modo generalizado o termo designer como
desenhista pode caracterizar uma reduo, desconsiderando o processo sistematizado incorporado ao design, que
inclui as tarefas de conceber e projetar a luz para um espetculo. E isso envolve procedimentos especficos, com
funes muito particulares, que exigem familiaridade com a mencionada sistematizao. Diferente de processos
idiossincrticos que servem apenas ao prprio autor, anulando as funes de organizar, documentar e comunicar,
inerentes a um projeto elaborado por um designer. 16
Do original: The most successful and brilliant work a lighting designer does is usually least noticeable. 17
Um canho seguidor improvisado, como resultado da implantao de uma espcie de funil confeccionado com
uma chapa para impresso em off-set num antigo PC da Century. PC, ou sigla para o instrumento Plano-
Convexo, usado na iluminao para as Artes Cnicas, neste caso de fabricao da Century Lighting, fundada na
cidade de Nova York em 1926. Em 1969, Century Lighting foi adquirida, em conjunto com a Strand Lighting, de
Londres, pela Rank Organization. Os primeiros instrumentos e acessrios de iluminao cnica da Escola de
Teatro da Universidade Federal da Bahia foram fornecidos pela Century, nos anos de 1960, incluindo elipsoidais
[tambm conhecidos como lekos (uma provvel contrao dos nomes de Joseph Levy e Edward Kook, seus
fundadores dessa empresa)].
36
No final de um dos ensaios, exclamei internamente, com toda a carga emocional da
juventude: S se v o meu canho, quando ele no ilumina! Ora, bastava perceber que
tal ocorrncia est concretamente ligada preciso inerente a determinadas categorias do
evento cnico. Num espetculo cuja conveno assimila a presena de um canho seguidor,
tal instrumento torna-se imprescindvel sua efetivao, representando instncia decisiva; em
outros contextos, no entanto, ele pode parecer negativamente agressivo, resultando em
apndice desnecessrio.
Quatro anos depois, uma colega da mesma Escola de Teatro apresentou-me um enorme
desafio em minha aventura teatral: Petinha Berni, 16F18
dirigindo o show Estrela Cine-Teatro,
convidou-me para fazer a luz. O destemor, a onipotncia e a oniscincia brotados na
intrepidez da juventude avalizaram a deciso de aceitar o convite. Refletindo hoje sobre o
processo, identifico a apropriao de efeitos vistos em outros espetculos e, tambm, a
inveno daquilo que considerava necessrio e correto, criando um punhado idiossincrtico
de solues e estabelecendo um processo pessoal, sem qualquer mtodo de comprovada
eficincia. Onde mais poderia encontrar fundamentao? Que bibliografia poderia fornecer
suporte a tal empreitada? quela poca, isso no parecia importante.
De qualquer sorte, tratou-se de um momento fortuito, uma vez que a incurso na
interpretao teatral e at na dana me haviam absorvido. Ingressando no curso de Direo
Teatral, em 1976, estabeleci contato mais direto com o grande mestre Ewald Hackler,17F19
que,
provavelmente observando minha disposio para o envolvimento com a cenografia, deu-me
acesso a diversas atividades a ela relacionadas. Desde ento, cortar, serrar, construir, montar,
pintar, colar e promover acabamento final para cenrios comeou a fazer parte da minha
atividade diria, respondendo a uma parte importante da minha vocao, desde cedo ligada,
tambm, s artes visuais. O desenho e a pintura tomaram parte em meu aprendizado desde a
infncia.
Tive o privilgio de acompanhar, com muita curiosidade, a dedicao com a qual o
saudoso cenotcnico Jos [Moreira] Daltro transformava os desenhos do mestre Hackler em
espaos para a cena, numa edificante parceria e amizade. Orgulho-me de haver testemunhado
a atuao de duas pessoas de teatro, trabalhando por vrios anos, com o prazer de construir
um dia a dia que resultou para mim em obras de grande surpresa, como espectador, e de
substancial aprendizado.
18
Ento graduanda em Direo Teatral na Escola de Teatro da UFBA. 19
Professor Dr. Ewald Hackler, orientador da presente tese, diretor, pintor, cengrafo, homem de teatro de ampla
viso, cuja contribuio para o teatro, nas ltimas dcadas, inestimvel.
37
Atuando como monitor na disciplina Iluminao e Cenografia, ministrada pelo
professor Hackler, tive aguada a curiosidade para a pesquisa, consultando ttulos disponveis
nas Escolas de Teatro, Belas Artes, Filosofia e Arquitetura, de inestimvel valor em minha
formao. Impulsionado pelo ambiente, assumi uma aventura ousada no meu trabalho final da
graduao em Direo Teatral, em 1979. Montando Piquenique no Front, de Fernando
Arrabal, assinei tambm cenrio, figurino e luz, experimentando intuitivamente a funo
reconhecida em nveis internacionais como scenography,18F20
e pouco discutida no Brasil at
hoje.
Tudo isso contribuiu para uma deciso tomada no ano seguinte, quando me transferi
para o Rio de Janeiro, onde iniciei o Bacharelado em Artes Cnicas Habilitao em
Cenografia, na UNIRIO. O objetivo era preencher lacunas em minha formao, tanto no que
se refere s habilidades e competncias relativas atividade, quanto no que diz respeito ao
trnsito acadmico para as instncias visuais do espetculo.
Durante os anos que se seguiram, encaminhando os estudos em Cenografia, assistia a
espetculos no Rio de Janeiro e em So Paulo, intrigando-me com as relaes entre o espao
cnico e a luz. Juntou-se a isso, a orientao de grandes mestres, como Antonio Mercado, Jos
Dias, Brbara Heliodora, os saudosos Pernambuco de Oliveira (1922-1983) e Yan Michalski
(1932-1990). A oportunidade de visitar a oficina de cenografia do Teatro Municipal do Rio de
Janeiro e o estgio na Cenografia da TVE-Rio, sob a orientao do mestre Heli Celano, foram
substanciais. Alm disso, a funo de monitor na disciplina Cenografia, ministrada pelo
professor Jos Dias, expandiu meus horizontes num julgamento prprio de modo
relevante.
Experimentava, ento, inquietaes a respeito da prxis cnica, na sua condio de
unidade/fragmento espao-temporal, onde diversificados elementos atuam de modo dinmico,
cada um deles desempenhando funo especfica e indispensvel. Durante tal percurso, recebi
grande incentivo para buscar uma ps-graduao no exterior, principalmente por parte do
professor Antonio Mercado e da professora Brbara Heliodora, alm dos generosos conselhos
do professor Yan Michalski, incentivando-me a continuar os estudos de Teoria e Crtica.
J de volta a Salvador, e, efetivamente, fazendo luz para espetculos, decidi tentar
uma ps-graduao na qual se discutissem tais aspectos do conhecimento teatral. Interessado
na discusso de mtodos e processos registrei a inexistncia no Brasil de programas de ps-
20
O termo scenography , por vezes, traduzido apenas como cenografia. Uma discusso introdutria e
esclarecedora pode ser encontrada em What is scenography, de Pamela Howard (2009), ttulo includo nas
referncias deste trabalho.
38
graduao que pudessem abrigar uma pesquisa com tal abordagem. No havia uma instituio
brasileira quela poca, em 1989, que inclusse no seu corpo docente um pesquisador sequer,
com formao especfica na rea. Acabei por identificar vrios programas nos EUA, nos quais
se desenvolviam pesquisas dessa natureza, como o da Universidade de Nova York, onde,
aprovado como candidato ao Master of Fine Arts Theatre Design da Tisch School of The
Arts, permaneci at 1993, cumprindo seis semestres, tempo mnimo exigido para a concluso
do programa.
Ganhei, ento, a oportunidade de contato com mestres que determinaram novos
caminhos em minha compreenso do papel das questes visuais do espetculo, entre eles,
Salvatore Tagliarino,19F21
e John Gleason.20F22
J na primeira fase dos estudos, constatei meu
desconhecimento da sistematizao com a qual os outros candidatos ao ttulo, todos norte-
americanos, estavam familiarizados. Alm disso, o corpo docente nunca antes havia encarado
um candidato como eu, brasileiro, cujos mtodos principais para a aplicao da luz na cena
eram a busca intuitiva, a inventividade pessoal e a observao de resultados produzidos por
outros interessados na atividade, que aplicavam mtodos semelhantes.
A tais mtodos eu havia acrescentado uns poucos textos de autores norte-
americanos, oriundos de uma cultura na qual a luz e a cena apresentavam relacionamentos
muito distintos daqueles presentes no meu treinamento.
Se a experincia anterior ao ingresso no Programa havia estabelecido grande
confiana na intuio, a ignorncia, no que se refere sistematizao e discusso dos
pressupostos artsticos da atividade, me transformaria num dispositivo gerador de inmeras
questes. No curso dos estudos encontrei autores21F23
com os quais precisei desenvolver
familiaridade para transitar naquele ambiente, gerando a obrigao de pesquisar
exaustivamente para criar projetos que, aps seleo, constituram meu Portflio-Tese. Desde
meu retorno ao Brasil, depois de concludo o Programa, em 1994, no foi possvel observar
diferenas significativas no trato acadmico do tema no mestrado, o design da luz para a cena,
se comparado ao estgio no qual aqui o deixei. Quando muito se observa hoje o uso
indiscriminado de termos ou expresses derivadas do contexto, sem discusso qualificada.
Vale lembrar que se trata de uma rea especfica da cena, com quase um sculo de estudos.
Portanto, mesmo que sejamos muitos criativos, seria difcil inventar algo j em curso h tanto
21
Disponvel em: . Acesso em: 10 out. 2012. 22
Disponvel em: . Acesso em: 10 out. 2012. 23
Tais como: Jean Rosenthal, Louis Hartmann, Linda Essig, Theodore Fuchs, Stanley McCandless, Lee Watson,
J. Michael Gillette e Robert Edmond Jones, entre muitos outros.
http://www.salvatoretagliarino.com/Pages/About.htmlhttp://www3.northern.edu/wild/LiteDes/ldhist.htm
39
tempo. Caso houvesse o interesse em propor novos caminhos, seria proveitoso identificar o
modelo, ou modelos, a serem questionados.
1.2 OBJETIVOS
O objetivo geral desta tese investigar a prxis cnica como um problema artstico-
visual, cuja origem se encontra, no apenas nas primeiras teorizaes do teatro da Grcia
Clssica, mas tambm nos estgios iniciais do drama clssico, uma vez que ambas as
abordagens observam e analisam a posio da luz no contexto do espetculo teatral. Isso
sublinha a posio da luz na prxis cnica que, ao incorporar esteticamente a visualidade,
indica o seu reconhecimento como um dos aspectos artsticos do contexto.
Seu objetivo particular identificar a presena da luz na gnese do espetculo, atravs
do estudo de documentos relevantes para a histria da prxis cnica, aqui reunidos. Tal
identificao permite observar variveis estticas, apontando a abordagem da luz como um
problema cuja investigao decisiva para a realizao do acontecimento espetacular,
evitando a superficialidade em seu tratamento.
Destaco duas instncias que geram tal superficialidade na compreenso dos papis da
luz na cena. A primeira advm de certo desconhecimento das mencionadas questes estticas
envolvidas, seguida do acesso indiscriminado e pouco consequente a informaes de natureza
tcnica, principalmente na rede mundial de computadores. Como parece bvio, a combinao
das duas variveis pode ampliar o saldo negativo dos resultados. Da a ausncia de
considerao aos papis artstico-expressivos da luz, ou seu tratamento como um mero
produto da genialidade de profissionais envolvidos na rea, favorecendo uma discutvel
hegemonia tecnolgica e determinando o equvoco de considerar a habilidade de operar
hardware e/ou software [equipamentos e programas de computador] o principal contributo do
iluminador.
A expectativa de literatura especializada na rea corre o risco de limitar-se a uma
discutvel orientao para a operao de aparatos [instrumentos, acessrios e sistemas de
controle]. Considerando-se que a cada momento novos aparatos so colocados disposio
dos iluminadores, tal literatura parece condenada a uma infindvel lista de manuais.
Na verdade, o conjunto de habilidades e competncias tcnicas, imprescindvel como
requisito parcial na elaborao da luz para a prxis cnica, torna-se discutvel, quando
transformado em objetivo final da formao e atuao do profissional/artista. Vale registrar
que, ao assumir a responsabilidade de conceber e planejar a luz para um espetculo, o artista
se obriga, no somente a dominar os aparatos tecnolgicos, mas tambm a apresentar uma
40
proposio esttica. Em The magic of light (1972), escrito por Jean Rosenthal com a
contribuio de Lael Wertenbaker [contribuindo com a habilidade para escrever que ela
declarou no dominar] revelada uma provocadora compreenso do tema: Lighting design, a
incorporao de qualidade ao ar pouco visvel, atravs do qual se veem objetos e pessoas,
comea com o ato de pensar sobre tal ao22F24
(1972, p. 3, traduo e grifo nossos).
Encaminhar tais discusses, sublinhando reflexes acerca da qualidade visual da
prxis cnica, questiona a compreenso de que a luz incorporada aos espetculos com o
objetivo de ajudar e/ou complementar.
Ao contrrio disso, o presente trabalho procura compreender a presena da luz na cena
como aspecto indissocivel de sua constituio. Abordando o espetculo como uma
construo visual, o estudo aqui desenvolvido incorpora diversas categorias espetaculares,
sejam atuais, ou localizadas em momentos particulares da histria.
Finalmente, toro para que o presente trabalho seja lido por um jovem ou uma jovem,
que dele se aproxime com postura crtica e disposio para avaliar a tentativa de observar os
caminhos potico-tericos das discusses orientadas pela contribuio da luz para
espetculos, questionando frmulas, repeties de efeitos fceis e abordagens superficiais.
1.3 MTODO
A pesquisa bibliogrfico-documental foi aplicada para selecionar artistas e autores cujo
trabalho pudesse contribuir para a elaborao de um pensamento organizado acerca dos
papis desempenhados pela luz no evento cnico, oferecendo alicerces a uma postura crtica
sobre a constituio visual da cena. Tornou-se, ento, oportuna, a incluso de documentos
visuais e textos antigos, que exigiram introdues sucintas sobre autores, manifestaes e/ou
obras, para familiarizar o leitor com um material raramente relacionado em trabalhos
acadmicos acerca do tema em questo.
Documentos, antes observados sob outros ngulos ou abordagens tericas, agora
consultados sob a hiptese da presena da luz na gnese do espetculo, apresentaram
relevante contribuio. A busca de instncias anteriores a cada processo observado levou a
referncias histricas que indicam a qualidade visual de cada momento estudado, o que tornou
evidente a interao entre a cena e a luz, em diversos contextos histricos. Tal procedimento
permitiu compreender melhor tais relaes nos processos atuais. No que se refere pintura,
24
Do original: Lighting design, the imposing of quality on the scarcely visible air through which objects and
people are seen, begins with thinking about it.
41
evitei menes aprofundadas a anlises apresentadas por tericos ou filsofos, uma vez que
isso expandiria, em muito, o volume de texto desta tese. Associo, portanto, a abordagem de
tais obras natureza do tema, a visualidade e a luz, na cena.
Por outro lado, a incluso de certos autores ou questes pode parecer desvio ou
excesso, ao leitor que pretenda isolar a luz considerando-a, de modo superficial, uma instncia
tcnica. Nesse caso, certas menes a documentos, manifestaes ou processos tericos,
podem ser consideradas dispensveis, por um ou outro leitor. A documentao e eventos
discutidos foram selecionados com a convico de sua relevncia para a argumentao aqui
elaborada. Alis, muitos textos e documentos foram inicialmente consultados e dispensados,
inclusive para limitar a extenso da tese.
A pesquisa que resultou nos documentos includos na tese considerou duas
importantes vertentes da questo: a primeira refere-se relevncia da luz para a presena
humana no universo, levando-se em conta a complexidade das relaes entre a luz e a vida no
nosso planeta; a segunda est ligada prpria natureza da prxis cnica que, como obra de
arte compsita, d voz a cada um dos elementos que a constituem, respeitando a funo de
todos os outros, estabelecendo trocas e elegendo instncias particulares para suas atuaes. O
processo em questo incorpora sutileza e complexidade cena que, buscando uma s
manifestao, faz interagir organicamente contribuies de diversos artistas e meios,
indicando, por outro lado, relaes produtivas entre autonomia e parceria. Procuro avaliar, no
mencionado contexto, o comportamento da luz.
Para apreender a cena em sua condio de evento que incorpora a luz, foi
indispensvel o contato com a histria do teatro, sem a inteno de escrever mais uma
Histria da Luz Teatral. O leitor atento perceber que, mesmo sendo a presente abordagem
indicativa de um trato histrico, ela se distancia da superficialidade de descries
cronologicamente lineares e generalizantes. A observao de contribuies da luz, em
momentos e iniciativas muito particulares, provocou contatos com a filosofia, a arte e a
cincia, identificando o que levou alguns artistas a construrem respostas para atitudes que
precederam sua contemporaneidade, apontando diferentes caminhos para seu prprio iderio
artstico. A ausncia de acento na cronologia pode suscitar o desejo de determinado leitor do
deslocamento de um ou outro trecho da tese, reposicionando-o. Isso no somente
compreensvel, como demonstra que outros trabalhos acadmicos [teses, artigos] podem, ou
precisam, ser escritos sobre o tema.
Abordagens da histria esto includas nollens, volens como tangncias ao
presente trabalho. Uma investigao com abordagem estritamente histrica, entretanto,
42
exigiria pesquisa capaz de ampliar o alcance de estudos importantes, e.g., como aquele do
historiador Gsta M. Bergman23F25
(1905-1975), o que deixa de integrar os objetivos do
presente trabalho. Dispenso, portanto, a descrio sistemtica de aparatos instrumentos,
acessrios e sistemas de controle usados nos espetculos, ao longo da histria , ainda que
seja oportuno registrar um reconhecimento positivo para o lugar e o valor de pesquisas que
abordem a questo.
Refiro-me visualidade como ndice ou sintoma da natureza esttica do espetculo,
evitando a visibilidade como estratgia para expor a dimenso material dos corpos presentes
na cena, nem sempre de modo competente e/ou eficiente, uma vez que isso exige do
iluminador formao e/ou prtica positivamente qualificada. Alm disso, a visibilidade
superficialmente tratada desconsidera proposies estticas consistentes. Por outro lado,
importante salientar que, em minha compreenso do tema, toda obra apresenta sua prpria
assertiva visual, ou visualidade, ou seja: a visualidade no se manifesta apenas no bom
espetculo, no acontecimento espetacular aprovado pela teoria/crtica, ou pelo pblico. Ento,
o modo como um iluminador trata ou considera a visibilidade no espetculo, como ele
constri sua narrativa visual, determina a identidade artstica de sua proposio.
Em um espetculo, por conseguinte, visibilidade e visualidade s podem ser
desconectadas em um processo de estudo, de anlise crtica, e todo espetculo oferecer ao
seu pblico determinada visibilidade que promover sua visualidade ou qualidade visual. Se o
iluminador deixou de lado pressupostos esttico-poticos, acentuando o ato mecnico de
iluminar, ou considerou a possibilidade da visibilidade mecnica, aquilo que ocorre no espao
cnico-teatral findar provavelmente numa visualidade inconsequente, inconsistente. Isso
equivale a dizer que quanto mais o iluminador se afasta da mera iluminao, mais ele se
aproxima da elaborao de um discurso potico-visual consistente e capaz de provocar a
percepo humana.
Com efeito, uma vez que a natureza humana compreendida na presente investigao
como um complexo perceptivo do qual a viso representa um dos aspectos, fica afastada
qualquer hegemonia espetacular da viso, assim como a acentuao de uma absoluta ou
exclusiva relao de visibilidade entre o espectador e o espetculo.
preciso compreender, portanto, que a luz no depende do seu tratamento hegemnico
na cena para se tornar importante. Por outro lado, importa ponderar que a luz no pode ser
25
Gsta Mauritz Bergman (1905-1975), estudioso sueco. Trabalhou como crtico de teatro e foi professor de
histria do teatro na Universidade de Estocolmo, de 1958-1971. Bergman publicou vrios livros, incluindo
Lighting in the theatre (1977).
http://catalogue.nla.gov.au/Search/Home?lookfor=author:
43
desconsiderada ou substituda, j que nenhum outro aspecto da prxis cnica pode
desempenhar suas funes. Desse modo, fica esclarecido seu papel de ndice constitutivo,
construtivo e fundante da cena. preciso, portanto, assumir a responsabilidade de trat-la
como tal, observando, tanto suas possibilidades artsticas, quanto as reflexes tericas que
contribuem para esse processo.
Para tanto, h que se tomar cuidado com experimentaes que tratam os efeitos como
o objetivo final da contribuio da luz, ou como se fosse necessrio inventar um novo aparato
a cada espetculo, para que ela alcance importncia. Tal deciso corre o risco de trat-la como
um apndice, que se refere apenas percepo da natureza tridimensional, material, da prxis
cnica, ou seja, podendo desconsiderar os diversos aspectos da natureza esttica do espetculo
e se concentrar em mostrar o que est fisicamente visvel, tornando a cena atrativa,
agradvel.
Se o iluminador levar em considerao a relativa educao visual de parte do seu
pblico, compreender que produzir algo atrativo ou agradvel para esse pblico, nem
sempre representar um tratamento artstico consistente.
Ainda que a natureza tridimensional seja inerente s construes espetaculares, a
presente investigao procura uma ruptura produtiva com vinculaes exclusivas a essa
qualidade tridimensional da cena, e leva em conta implicaes filosficas e artsticas que, em
parceria dinmica, questionam a mera visibilidade dos efeitos, como fim ou objetivo.
1.4 PRESSUPOSTOS TERICOS
O presente trabalho incorpora iniciativas tericas que compreendem a imagem como
objeto de uma disciplina, particularmente a corrente identificada como Cultura Visual ou
Estudos Visuais. So estabelecidas, ainda, relaes com o enfoque germnico, denominado
Bildwissenchaft, ou Cincia da Imagem.
Num certo sentido, a natureza da cena pode estranhar procedimentos de registro e/ou
gravao, a menos que se almeje faz-la passar a outra categoria de expresso. Ela estaria
transfigurada em fotografia, vdeo ou cinema. Vale a tautologia para ponderar que,
fotografada, mesmo por um fotgrafo capacitado para registrar e mostrar uma imagem que
revele grande semelhana com aquilo que se v no espetculo, a cena se tornaria fotografia,
instante fixado, imagem material ou arbitrria gravada e reproduzida. Algo similar ocorre no
registro flmico da prxis cnica, que reproduz, em movimento, a imagem gravada em
quadros inanimados, registrados numa pelcula atravs de reaes fsico-qumicas,
distanciando-se do teatro, cujas imagens se dissipam a cada instante do acontecimento
44
propriamente dito. Pode-se ainda citar a imagem digital, em sua diversificada abordagem. Por
conseguinte, considerando os estudos da imagem que remetem imagem gravada e
reproduzida, pode parecer tarefa difcil relacionar a contribuio da luz teatral Cincia da
Imagem.
A presente tese, no entanto, incorpora a abrangncia do tratamento da imagem como
problema central de estudos dessa Cincia das Imagens, por considerar que ela indica
possibilidades tericas, apontando uma vertente ainda pouco discutida nos meios acadmicos
teatrais brasileiros, que at poderia provocar futuras pesquisas. Refiro-me ao estudo das
relaes entre o projeto de luz para a cena, na sua abordagem que se inicia por volta da
dcada de 1930, nos EUA, e as imagens criadas no espetculo. Para ser qualificado como um
projeto que trata a luz para a cena, dentro do modelo mencionado, ele precisa apresentar um
determinado conjunto de documentos que registrem [grafem ou gravem], precisamente, todos
os procedimentos referentes contribuio da luz para o espetculo. Nele devem ser
includos: uma apresentao sucinta da concepo esttico-potico do iluminador um texto
curto de aproximadamente uma lauda, a concepo a distribuio de instrumentos e
acessrios, o planejamento do seu uso, incluindo sketches,24F26
roteiro de operao, planilhas e
desenhos tcnicos, em escala.
Sob o olhar de especialistas, tal conjunto poderia ser mais eficaz como documento
referente s imagens que sero criadas, ou que foram criadas na cena, do que uma fotografia,
vdeo ou filme, uma vez que tais registros esto sujeitos a diversificados processos de
manipulao da imagem. Um projeto de luz para a cena, no entanto, como instrumento
tcnico de registro e comunicao deve conter informaes que promovam o acesso de
qualquer profissional qualificado s proposies do designer que o concebeu.
Aqui se observa um modo diferenciado de compreender a imagem, relacionando-a a
um conjunto de representaes grficas e planilhas concebidas por um iluminador25F27
, que
documentam com grande eficincia a imagem cnica. Desafortunadamente, o incipiente
estgio de sistematizao daquilo que se conhece, no Brasil, como mapa de luz28
,26 at o
26
Desenhos em perspectiva, aplicando-se a mesma escala da planta de luz e do(s) corte(s). 27
No caso, talvez fosse melhor seria aplicar a expresso lighting designer, considerando o interesse em projetar a
luz de um acontecimento cnico, de acordo com pressupostos sistematizados, reconhecidos. 28
O ambiente da iluminao cnica no Brasil incorporou o termo mapa, e criou a expresso mapa de luz.
notvel o esforo dos interessados no tema para desenhar mapas de luz. No se pode, contudo, reconhecer
sistematizao nos desenhos, assim como no h trabalhos acadmicos ou profissionais que funcionem como
proposta de padro para os mesmos. Se um especialista em cartografia, em Moscou, deve ser capaz de ler,
precisamente, um mapa do Brasil, executado na Frana, um mapa de luz, desenhado em um bairro de
Salvador, s poder ser executado em outro local da mesma cidade, se for aplicada a improvisao, a inveno, a
deduo generalizada, pois cada um desenha seu mapa aplicando o esforo prprio para organizar seu
45
momento da redao do presente texto, torna difcil a identificao, a codificao e a
documentao daquilo que o iluminador pretende, ou pretendeu, em um mapa de luz.
Interagindo com o tratamento da luz, no acontecimento teatral, o presente trabalho
questiona a demanda do senso comum que, mesmo de boa f, invade o ambiente do teatro,
esperando da luz uma sucesso de efeitos espetaculosos. No confundir com espetaculares,
pois o termo espetaculoso se refere queles efeitos que abrem mo do direito de interagir
positivamente na cena, permanecendo na operao mecnica de projetar sobre o espetculo
uma luz bonita. No entanto, diante de crtica fundamentada, eles so lavados como um
cosmtico banal que age na mera superficialidade. Talvez seja possvel evitar uma luz que
pode ser reduzida a uma operao aritmtica: o total de instrumentos [inclusive aqueles
automatizados] dividido por dois, distribudo simetricamente e posto a pulsar em padres
grficos j vistos em muitos outros eventos. Parece valer a pena subverter tal demanda,
quando se compreende que a mesma pode construir clausuras para a luz, desconsiderando sua
condio de aspecto construtivo na esttica da cena.
Alis, a crtica s imagens cnicas deve produzir mais do que elogios mencionada
luz bonita, ou a condenao de um operador de mesa de controle de luz, que se revela
ineficiente e comete erros bvios, facilmente identificveis, pois repercutem grosseiramente
em um espetculo. Melhor seria observar que a tal luz bonita pode ser apenas um efeito sem
fundamentao esttica e que o erro do operador, alm de resultar da ausncia de habilidade e
competncia profissional, pode estar aliado falta de experimentao e do amadurecimento
da repetition, i.e, ensaio, como, sabiamente se diz em francs. Alis, ensaio, em ingls,
escreve-se rehearsal F29
,, - hear/ouvir - provavelmente relacionado com o termo anglo-francs
rehercier, com origens que podem remeter ao sculo XIV, no qual o prefixo re, includo no
nosso verbo repetir, est originalmente ligado a dizer de novo, do incio ao fim.
Parece confortvel apontar os erros de um operador que deixa o artista s escuras, em
um momento dois segundos, talvez no qual a presena da luz parece bvia. A prxis
cnica, no entanto, precisa de crticos que tenham includo em sua formao a educao
visual, o que os autorizaria a avaliar de maneira consistente a contribuio da luz em um
evento cnico.
Pouco se escreveu sobre a interao entre a luz e a cena, no Brasil, e so raros os
estudos que abordam o espetculo como um locus especfico de imagens. No entanto, o
trabalho, atendendo a normas prprias, descaracterizando o papel de organizar, registrar e comunicar
universalmente caracterstico de um desenho tcnico. 29
Disponvel em: . Acesso em:
25 nov. 2012.
46
estudioso francs Jean-Jacques Roubine, doutor em Letras, professor de teatro na
Universidade de Paris VII, abre uma porta convidativa e oportuna, no seu livro A linguagem
da encenao teatral [Thtre et mise en scne 1880-1980 (1998)], tratando das relaes
entre a imagem e a cena, mesmo que em um breve comentrio no qual se refere ao espetculo
como um conjunto de imagens em movimento. A fortuita referncia apresenta, contudo, um
grande potencial para quem deseja adentrar o ambiente das investigaes acerca do trato da
luz na cena. Em A arte do ator [Lart du comdien (1982)], o mesmo Roubine emprega
inmeras vezes o termo imagem, assim como a palavra composta corpo-imagem,
estabelecendo provocae