potencialidades e limites da participaÇÃo popular no processo legislativo … · 2017-09-28 ·...

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CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO ESCOLA DO PARLAMENTO PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU “LEGISLATIVO E DEMOCRACIA NO BRASIL” EVANDER VERÍSSIMO POTENCIALIDADES E LIMITES DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA São Paulo 2017

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CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DO PARLAMENTO

PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU

“LEGISLATIVO E DEMOCRACIA NO BRASIL”

EVANDER VERÍSSIMO

POTENCIALIDADES E LIMITES DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

NO PROCESSO LEGISLATIVO DA DEMOCRACIA

BRASILEIRA

São Paulo

2017

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DO PARLAMENTO

PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU

“LEGISLATIVO E DEMOCRACIA NO BRASIL”

EVANDER VERÍSSIMO

POTENCIALIDADES E LIMITES DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

NO PROCESSO LEGISLATIVO DA DEMOCRACIA

BRASILEIRA

Monografia apresentada à Escola do

Parlamento da Câmara Municipal de São

Paulo como requisito parcial para aprovação

no curso de Pós-Graduação Lato Sensu

“Legislativo e Democracia no Brasil”

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Lucia Salgado Cordeiro dos Santos

São Paulo

2017

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DO PARLAMENTO

PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU

“LEGISLATIVO E DEMOCRACIA NO BRASIL”

EVANDER VERÍSSIMO

POTENCIALIDADES E LIMITES DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

NO PROCESSO LEGISLATIVO DA DEMOCRACIA

BRASILEIRA

Média da Avaliação da Banca Examinadora.

Nota Final:......................................................

__________________________________________________________

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Lucia Salgado Cordeiro dos Santos

AGRADECIMENTOS

A Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo por ofertar a oportunidade

de estudo em especialização em “Legislativo e Democracia no Brasil” e pela promoção de

outros cursos, palestras e atividades relacionadas ao debate crítico sobre as dinâmicas do

processo legislativo e à formação do cidadão, isto, por meio de seus funcionários e servidores

que atuam para que essas ações e projetos possam ocorrer.

Aos coordenadores do curso, Leonardo Barbagallo (1º semestre) e Gustavo Dias (2º e

3º semestre), pelo apoio constante e perfeita condução do curso.

Aos professores: Ana Maria Capitanio, Christy Ganzert Pato, Marcelo Fragano Bird,

Maria do Carmo Meirelles Toledo Cruz e Rogerio Schmitt, por desempenharem com

dedicação as aulas ministradas.

A professora Maria Lucia Salgado Cordeiro dos Santos, por ter aceitado o desafio de

me orientar. Sua tranquilidade, objetividade, contribuições metodológicas e apontamentos

precisos, foram fundamentais na realização dessa monografia.

Aos colegas do curso, especialmente pela criação do grupo de “whatsApp”, que

possibilitou maior integração e motivação em toda essa trajetória acadêmica.

Ao Jurandi dos Reis Junior, por novamente ter me auxiliado na tradução do resumo.

Aos amigos, que muito me incentivaram e torceram para que eu pudesse atingir este

objetivo.

Por fim, agradeço a minha avó materna Nely Ribeiro, aos meus pais: Rosilene Ribeiro

e Raimundo Veríssimo, e aos demais familiares, pois ao longo da minha vida me ensinaram a

acreditar em meus sonhos e por me apoiarem em minhas decisões.

RESUMO

A participação popular no processo legislativo nunca foi tão discutida e tivera tanta

visibilidade como nos dias atuais, especialmente com a redemocratização nacional após

décadas de dominação ditatorial. Nesse sentido, a necessidade de se refletir sobre a

democracia brasileira se fundamentou, pois, essa ação se faz essencial para a efetivação da

cidadania e para nortear os caminhos a serem seguidos pelos nossos governantes.

Sabendo, que em nossa democracia representativa, ao Poder Legislativo é atribuído as

funções de legislar (CF/1988, Arts. 48, 51 e 52), fiscalizar o Poder Executivo (CF/1988, Arts.

49, X) e representar os cidadãos, os Estados e o Distrito Federal (CF/1988, Arts. 45 e 46).

O objetivo geral desta monografia foi analisar os alcances e limites da participação popular no

processo legislativo da democracia brasileira. Os objetivos específicos são: Identificar o que a

Constituição Federal de 1988 discorre sobre a participação popular e delimitar as possíveis

contribuições e as dificuldades existentes nesse processo.

Por meio dos “Procedimentos Metodológicos da Pesquisa”, divulgado no Capítulo I foi

realizado levantamento bibliográfico na plataforma virtual da Fundação da Biblioteca

Nacional e na Biblioteca Digital do Senado Federal, e em seus respectivos bancos de dados,

em buscas de fontes publicadas a partir de 1988, representando um recorte temporal de 28

anos. No Capítulo II, foi apresentado o referencial teórico que expôs as lutas populares e

movimentos sociais em prol da inclusão da participação popular na Carta Cidadã de 1988. O

Capítulo III é centrado na exposição das possibilidades da participação presentes nessa Lei, e

conforme disposto nos “Mecanismos de Participação na Constituição Cidadã” foi realizada

análise de três artigos do ordenamento jurídico federal que abordam especificamente o

processo legislativo (Artigos 58, 61 e 74), sendo assim possíveis contribuições para a

democracia participativa.

Palavras-Chave: Participação Popular, Participação Social, Democracia no Brasil e

Controle Social.

ABSTRACT

The popular participation in the legislative process has never been so discussed neither had so

much visibility as today, especially due to the national redemocratization after decades of

dictatorial rule. In this sense, the need to reflect on the Brazilian democracy was grounded, as

this action is essential for effective citizenship and to guide the paths to be followed by our

rulers. Knowing that in our representative democracy the Legislative Power is assigned to the

functions of legislating (CF/1988, Art. 48, 51 and 52), to supervise the Executive Power

(CF/1988, Art. 49, X) and to represent the citizens, the States and the Federal District

(CF/1988, Art. 45 and 46). The overall objective of this paper was to analyze the ranges and

limits of popular participation in the legislative process of the Brazilian democracy. The

specific objectives are: To identify what the Federal Constitution of 1988 discusses on

popular participation and to define the possible contributions and the difficulties in this

process. Through the "Research Methodological Procedures" published in Chapter I, it was

carried out a bibliographical survey on the virtual platform of Fundação da Biblioteca

Nacional [National Library Foundation] and Biblioteca Digital do Senado Federal [Digital

Library of the Federal Senate], and their respective databases, searching for sources published

from 1988 on, representing a time frame of 28 years. In Chapter II, it was presented the

theoretical framework that exposed the popular struggles and social movements for inclusion

of popular participation in the Citizen Charter of 1988. Chapter III is focused on the exposure

of the possibilities of participation present in this Law and, as provided in the "Participation

Mechanisms in the Citizen Constitution" it was performed an analysis of three articles of the

federal legal order that address specifically the legislative procedure (Articles 58, 61 and 74),

therefore, possible contributions to the participative democracy.

Keywords: Popular Participation, Social Participation, Democracy in Brazil and Social

Control.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela 1 – Palavra-chave: Participação Popular........ .......................................... 17

Tabela 2 – Palavra-chave: Participação Social. ................................................... 18

Tabela 3 – Palavra-chave: Democracia no Brasil. ............................................... 19

Tabela 4 – Palavra-chave: Democracia no Brasil e Participação Social. ............ 19

Tabela 5 – Palavra-chave: Democracia no Brasil e Participação Popular. .......... 20

Tabela 6 – Palavra-chave: Controle social. ......................................................... 20

DECLARAÇÃO DE AUTENTICIDADE AUTORAL E AUTORIZAÇÃO DE

PUBLICAÇÃO

Eu Evander Veríssimo declaro ser o autor desta Monografia apresentada à

Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo para o Curso de Pós-

Graduação “Legislativo e Democracia no Brasil” e que qualquer assistência recebida

em sua preparação está divulgada no interior da mesma. Declaro também que citei

todas as fontes das quais obtive dados, ideias ou palavras, usando diretamente

aspas (“ “) ou parafraseando, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos,

mecânicos, fotográficos, gravações ou quaisquer outros tipos. Declaro por fim, que

este trabalho poderá ser publicado por órgãos de interesse público. Declaro, que o

presente trabalho está de acordo com a Lei 5988 de 14/12/1973, Lei de proteção

intelectual, e que recebi da Instituição, bem como de seus professores, a orientação

correta para assim proceder. Em ambos os casos responsabilizo-me exclusivamente

por quaisquer irregularidades.

São Paulo, _____ de ____________ de _____.

___________________________________

Evander Veríssimo

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 10

CAPÍTULO I – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DE PESQUISA .... 14

1.1 - A Metodologia .............................................................................................. 14

1.2 - Levantamento Bibliográfico ......................................................................... 15

1.2.1 Fundação Biblioteca Nacional ......................................................... 15

1.2.2 Biblioteca do Senado ....................................................................... 16

1.2.3 Revisão da Literatura: Participação Popular na Constituição .......... 21

CAPÍTULO II– UM BREVE HISTÓRICO DA PARTICIPAÇAO POPULAR

NO BRASIL .......................................................................................................... 24

2.1 – Movimentos Sociais e Participação Popular ............................................... 24

2.2- Ajustando o foco das lentes: Reflexões sobre democracia ............................ 34

CAPÍTULO III – ANALISE DO TEXTO CONSTITUCIONAL ...................... 44

3.1- Mecanismos de participação na Constituição Cidadã ................................... 44

3.2 - Análise dos instrumentos da democracia participativa previstos na CF/1988:

Potencialidades e Limites ...................................................................................... 49

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 57

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

10

INTRODUÇÃO

Os titulares do poder constituinte do estado democrático brasileiro são os cidadãos

conforme disposto na Constituição Federal de 1988 (CF/1988) no Artigo 1º “Todo o poder

emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos

desta Constituição” (BRASIL-CF/1988, Art.1º, parágrafo único).

Nesse sentido, o Poder Legislativo tem sua prática fundamentada na delegação.

Ao elegerem os políticos por meio do voto a população espera ser representada nos seus

interesses pessoais, e o parlamento nos interesses coletivos à nação, pois reflete as demandas

apresentadas por vários segmentos da sociedade civil (AMES, 2010).

Apesar da expectativa que o mandatário direcione a sua prática para atender as

demandas e anseios do povo, promulgando as suas vontades nas decisões governamentais,

isto não se reflete na realidade brasileira.

A democracia representativa confronta-se com o paradoxo de que o povo não

participa do processo de tomada de decisão (CARVALHO, 2002). Essa prática estabelecida

ocasiona desarmonia entre as necessidades do povo e as ações dos membros do Poder

Legislativo. A contradição se desdobra à expectativa que a população tem sobre o

desempenho dos parlamentares no que diz respeito as demandas apresentadas no período

eleitoral, antecedente a serem eleitos e as ações posteriores ao pleito.

Faz-se necessário conceituarmos a que nos referimos ao citar o termo “participar”,

já que o mesmo pode ser alvo de diversas interpretações. “Em sentido vulgar, ‘participar’

significa tomar parte ou ter parte em algo, ou ainda, fazer ou ser parte de algo”

(BORDENAVE, 1994, p. 22). Dessa forma, o entendimento da participação política

corresponde a toda e qualquer forma, individual ou coletiva, de inserção do cidadão em

atividades políticas (DALLARI, 1995), por exemplo: a representação por meio da eleição, a

11

militância em partido político, a atuação de função pública, o envolvimento em grupos de

natureza política ou social, a manifestação pública, a ação organizada institucional, são

conquistas procedentes dos movimentos sociais que surgiram no Brasil nas décadas de 1970 e

1980.

Por meio desses movimentos sociais e por força de pressão de diversos setores da

sociedade civil foi introduzida na Carta Magna de 1988 diversas possibilidades de

participação popular, até então originais na história do ordenamento jurídico nacional

(MICHILLES, 1989 apud DIAS, 2007), dentre os quais destacam: o plebiscito, o referendo, a

iniciativa popular de leis (artigo 14, incisos: I, II e III), a cooperação das associações

representativas no planejamento municipal (artigo 29, inciso XII), a exibição anual das contas

municipais (artigo 31, parágrafo 3º), a denuncia aos Tribunais de Contas (artigo 74), parágrafo

2º) a provocação do inquérito civil (artigo 129, parágrafo 1º) e os conselhos gestores de

políticas sociais (artigo 194, inciso VII; artigo 198, inciso III; artigo 204, inciso II, artigo 205,

caput).

A participação popular como forma de intervenção direta da população nas

decisões estatais tem sido alvo de diversos debates. A oposição dessa ação defende o sistema

representativo puro (BENEVIDES, 2008), na maioria das vezes, usam os seguintes

argumentos para desqualificá-lo:

- A aplicação do sistema participativo ocasionaria o enfraquecimento das instituições

representativas, das lideranças políticas e a perda de poder do próprio legislativo, pondo em

risco a democracia;

- A participação popular na tomada de decisão tardaria iria paralisar o processo das políticas e

de sua implementação;

- As consultas por plebiscitos poderiam gerar a pressão da manipulação do “apelo ao povo”;

12

- A própria inaptidão do cidadão comum para atuar de forma racional e eficiente na tomada de

decisões políticas evitaria a eficácia desse modelo de democracia.

Todavia, esses argumentos podem ser facilmente desmitificados com base na

análise crítica. O primeiro se refere que a aplicação da participação popular iria gerar o

enfraquecimento dos partidos – não se mantém, pois, os instrumentos dessa ação e o seu

poder de pressão sobre o Estado e o parlamento, possibilitam corrigir as falhas da

representação, fortalecendo os organismos a elas relacionados, e não o oposto (BENEVIDES,

2008).

Outro ponto a ser mencionado é que os partidos políticos há algum tempo,

perderam o monopólio da manifestação das demandas do povo. Esse processo ocorreu pós-

surgimento dos movimentos sociais que buscam sanar as deficiências da representação

político-partidária e buscar formas de incorporar a participação popular nas tomadas de

decisões estatais.

O objetivo geral dessa monografia é analisar os alcances e limites da participação

popular no processo legislativo da democracia no Brasil. Os objetivos específicos são:

Identificar o que a Constituição Federal de 1988 discorre sobre a participação popular e

delimitar as possíveis contribuições e as dificuldades existentes nesse processo.

A justificativa para o estudo da temática é que a sociedade civil cada vez mais

busca compreender as potencialidades e limites da participação popular no processo

legislativo da democracia brasileira. Outra motivação é democratizar e ampliar o debate

acerca da participação popular.

A questão problema norteadora refere-se a quais são as possíveis contribuições e

as dificuldades encontradas da participação popular no processo legislativo da democracia no

Brasil?

13

A hipótese levantada é que atendendo os anseios da população foi promulgada na

CF/1988 diversos dispositivos para garantir nas bases do Estado Democrático de Direito que

todos pudessem participar e intervir diretamente nas decisões estatais e no processo

legislativo. Desta forma, é possível considerar que as possibilidades para que ocorra a

participação popular está relacionada à presença social em alguns espaços. Alguns exemplos

desses são: conselhos, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, audiências públicas e

ambientes virtuais de participação popular.

14

CAPÍTULO I – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICO DA PESQUISA

Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre;

segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais

amargo. (CONFÚCIO).

1. A Metodologia

Para o presente trabalho optou-se pela abordagem qualitativa. Esta opção se

justifica, pois, o método permitiu desvelar os alcances e limites da participação popular no

processo legislativo da democracia no Brasil.

Ao decorrer da pesquisa objetivou-se realizar um movimento dialético em espiral:

crítica ao objeto de estudo, construção de conhecimento e nova síntese no plano de

conhecimento e da ação. Visto que os objetivos específicos são: Identificar o que a

Constituição Federal de 1988 discorre sobre a participação popular e delimitar as possíveis

contribuições e as dificuldades existentes nesse processo.

Nesse sentido Amado Luiz Cervo, Pedro Alcino Bervian e Roberto da Silva

discorrem que “O método cientifico aproveita a observação, a descrição, a comparação, a

análise e a síntese, além dos processos mentais de dedução e da indução, comuns a todo tipo

de investigação, quer experimental, quer racional” (CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007, p.

29).

O procedimento para realização deste trabalho foi realizado por meio de pesquisa

bibliográfica, sendo esta dividida em duas etapas que foram realizadas simultaneamente. A

primeira refere-se ao levantamento das fontes relevantes ao assunto pesquisado. Já a segunda

etapa foi à revisão desta bibliografia e a produção de resumos e fichamentos que formaram o

embasamento teórico utilizado nesta monografia.

Para a realização do levantamento bibliográfico foi definido enquanto critério

um recorte temporal de 28 anos, ou seja, das publicações posteriores a promulgação da

15

Constituição Federal do Brasil, em 1988. Este critério foi adotado para priorizar a discussão

contemporânea do tema, tendo como referências obras atuais que abordam o debate

democrático. Como descritores foram usadas às palavras-chaves: Participação Popular,

Participação Social, Democracia no Brasil e Controle Social.

Em relação a análise de dados foi utilizada a CF/1988 de forma comparativa e

analítica com autores que discorrem sobre este ordenamento jurídico e acerca das

possibilidades e limites da participação popular na democracia brasileira.

A seguinte pesquisa classifica-se como bibliográfica e descritiva.

Qualquer espécie de pesquisa, em qualquer área, supõe e exige uma pesquisa

bibliográfica prévia, quer para o levantamento do estado da arte do tema, quer para

fundamentação teórica ou ainda para justificar os limites e as contribuições da

própria pesquisa (CERVO; BERVIAN e SILVA, 2007, p. 62).

Para Cervo, Bervian e Silva (2007) a modalidade descritiva pode assumir as

seguintes formas: estudos descritivos, pesquisa de opinião, pesquisa de motivação, estudo de

caso e pesquisa documental. Nesse sentido, foi utilizada a pesquisa documental na estrutura

desse trabalho.

Pesquisa documental: são investigados documentos com o propósito de descrever e

comparar costumes, tendências, diferenças e outras características. As bases

documentais permitem estudar tanto a realidade presente como o passado com a

pesquisa histórica (CERVO; BERVIAN e SILVA, 2007, p. 62).

Portanto, os procedimentos metodológicos apresentados oferecem a possibilidades

de conhecer o objeto pesquisado ao possibilitar o correlacionar de forma sócio histórica.

1.2 Levantamento Bibliográfico

1.2.1 - Fundação Biblioteca Nacional

Ao pesquisar1 o termo “Participação Social” no site da Fundação Biblioteca

Nacional (FBN) encontramos 895 resultados correspondente ao período de 1977 a 2013 e

1 Pesquisa virtual realizada de 01 a 05 de outubro de 2016. Logo ao citar o ano de 2016 ao decorrer desse

levantamento bibliográfico é representado por textos divulgados até a data supracitada, 05 de outubro de 2016.

16

conforme recorte temporal explicitado anteriormente foi obtida 571 publicações a partir de

1988, sendo dessas: 553 livros, 10 dissertações, 7 teses/dissertações e 1 tese. Destaca-se que

apenas 2 publicações2 estão disponíveis para acesso virtual e as 569 restantes poderão ser

consultadas apenas no acervo físico dessa Fundação.

Prosseguindo a pesquisa na plataforma virtual da FBN com a palavra-chave

“Participação Popular” foram encontrados 227 registros, sendo 167 publicações a partir de

1988 e esse material está dividido da seguinte forma: 119 livros, 35 discos, 5 dissertações, 4

teses/dissertações, 2 periódicos, 1 efêmero e 1 tese, nenhum desses registros é disponibilizado

em formato digital. Foram obtidos 1232 registros para o termo “Democracia no Brasil” de

1849 a 2015, e a partir de 1988 são 692 publicações (647 livros, 36 periódicos, 6 dissertações

e 3 teses/dissertações), dessas 4 são disponibilizadas virtualmente, mas não se referem a

temática por esse estudo abordado.

A palavra-chave “Controle Social” com publicações a partir do ano de 1843

apresentou 772 resultados e de 1988 a 2016 foram 591 publicações (569 livros, 7

teses/dissertações, 6 dissertações, 6 periódicos, 1 efêmero, 1 música e 1 tese), sendo duas em

formato virtual. Faz relevante destacar que na maioria dos textos encontrados a abordagem do

controle social é referente a política pública de saúde.

Destaca-se ainda que a alusão a bibliografia anterior a 1988 foi explicitada de

forma quantitativa para demonstrar que os termos utilizados nas palavras-chaves não foram

introduzidos apenas posterior a promulgação da Constituição Federal de 1988, e de outro

modo os resultados encontrados possuem uma margem de erro já que podem representar

publicações reimpressas e reeditadas.

1.2.2 – Biblioteca Digital do Senado Federal

2 As duas publicações mencionadas são: Ciência & Saúde Coletiva, periódico, 1996 e a Revista Política e

Planejamento Regional: RPPR, periódico, 2014.

17

A Biblioteca Digital do Senado Federal (BDSF) foi implantada por meio da

Portaria do Diretor-Geral nº 115, de 16 de maio de 2006, sendo que a sua primeira versão

agrupava 55.823 documentos digitais, os quais foram disponibilizados a partir de 22 de

novembro de 2006 na 2ª Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência do Senado

Federal. E no “XXII Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, Documentação e Ciência da

Informação”, ocorrido em Brasília de 08 a 11 de julho de 2007, foi apresentada nacionalmente

a versão definitiva da BDSF.

A Biblioteca Digital do Senado Federal (BDSF) armazena, preserva, divulga e dá

acesso, em formato digital, a mais de 250 mil documentos de interesse do Poder

Legislativo, propiciando segurança e preservação da informação, maior visibilidade

na Internet, maior rastreabilidade em mecanismos de busca e rápida disseminação do

conhecimento (BRASIL/BDSF, 2016, grifo nosso).

Considerando a amplitude do acervo digital da BDSF, a qual possui um

material variado, dividido entre: livros, obras raras, artigos de revista, notícias de jornal,

produção intelectual de senadores e servidores do Senado Federal, legislação em texto e

áudio, entre outros documentos em domínio público ou que possuem direitos autorais cedidos

pelos proprietários, possibilitando acesso e download gratuitos de suas obras. Foi realizado

levantamento bibliográfico de fontes primárias com bases nas palavras-chaves (Participação

Popular, Participação Social, Democracia no Brasil e Controle Social). Isto, com o objetivo de

verificar e comprovar a relevância da temática abordada nessa monografia. As tabelas a seguir

apresentam o resultado quantitativo dessa pesquisa.

Tabela 1 - Palavra-Chave: Participação Popular

Filtros de pesquisa Palavra-Chave Quantidade

Contém Participação Popular 27.543

De 1988 a 2016. Participação Popular 6.720

Assunto Participação Popular 216

Tipo: Livro Participação Popular 0

Tipo: Artigo Participação Popular 85

Fonte da tabela: Desenvolvida pelo próprio autor.

18

A “Tabela 1 – Palavra-chave: Participação Popular” demonstra que existem

27.543 dados contendo esse termo, sendo que do período de 1988 a 2016 existem 6.720 e

especificamente nesse assunto são 216 resultados, sendo que 85 são artigos. Destaca-se ainda

que 81 desse total de artigos abordaram sobre as manifestações populares e ações políticas e

judiciais acerca do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, e dos outros

quatro, apenas dois foram selecionado para utilização como fonte-primária.

Na Tabela 2 [abaixo] a palavra “Participação Social” apresentou 41.350 resultados

na BDSF, representando um acréscimo 13.807 dados em relação à pesquisa de “Participação

Popular”. E no período de 1988 a 2016 o termo “Participação Popular” resultou em 6.720

publicações, 1.844 publicações inferior aos resultados de “participação social” que foram

8.564, sendo que 423 tem como assunto essa palavra, sendo 419 dessas publicações se

referem a notícias jornalísticas e apenas 4 são artigos.

Tabela 2 - Palavra-Chave: Participação Social

Filtros de pesquisa Palavra-Chave Quantidade

Contém Participação Social 41.350

De 1988 a 2016. Participação Social 8.564

Assunto Participação Social 423

Tipo: Livro Participação Social 0

Tipo: Artigo Participação Social 4

Fonte da tabela: Desenvolvida pelo próprio autor.

A relevância de pesquisar de forma distintas as palavras-chaves “Participação

Popular” e “Participação Social” pode ser justificada pela disparidade dos resultados

encontrados, visto que não são utilizadas enquanto sinônimos por alguns acadêmicos e em

determinados períodos podem representar o uso de um dos termos mais frequentes em

determinado tipo de publicação.

19

Tabela 3 - Palavra-Chave: Democracia no Brasil

Filtros de pesquisa Palavra-Chave Quantidade

Contém Democracia no Brasil 92.322

De 2000 a 2016. Democracia no Brasil 59.892

De 1990 a 1999 Democracia no Brasil 2.751

1989 Democracia no Brasil 608

1988 Democracia no Brasil 10.419

1988 a 2016 Democracia no Brasil 73.670

1988 a 2016 Democracia no Brasil 73.670

Assunto Democracia no Brasil 32.907

Jornal do senado Democracia no Brasil 3.708

Poder Legislativo, periódico Democracia no Brasil *3.468

Tipo: Livro Democracia no Brasil 0

Tipo: Artigo Democracia no Brasil 4

*419 dessas publicações se referem a notícias jornalísticas.

Fonte da tabela: Desenvolvida pelo próprio autor.

A “Tabela 3” apresenta os resultados do filtro de pesquisa “Democracia no

Brasil”, a qual 92.322 publicações possuem essa palavra-chave, sendo: 10.419 foram

realizadas em 1988, 608 em 1989, 2.751 de 1990 a 1999 e 59.892 de 2000 a 2016, totalizando

73.670 textos de 1988 a 2016. O decréscimo de publicações de 1988 a 1989, pode ser

representado pela promulgação da CF/1988, a qual em seu ano de realização intensificou o

debate sobre democracia no cenário nacional. E de outro modo a ampliação das publicações

nas décadas seguintes é justificada inicialmente pela ampliação do debate diante do

amadurecimento da democracia brasileira e em outro aspecto o advento da expansão dos

meios digitais, proporcionou a centralização de textos em bibliotecas e paginas virtuais, assim

como a instauração de formas tecnológicas de participação na vida política.

Tabela 4 - Palavra-Chave: Democracia no Brasil e Participação

Social

Filtros de pesquisa Palavra-Chave Quantidade

De 1988 a 2016. Democracia no Brasil 32.907

Inclusão desse termo Participação Social 1.096

Tipo: Livro Participação Social 10

Tipo: Artigo Participação Social 174

Inclusão desse termo Participação Popular 23

Fonte da tabela: Desenvolvida pelo próprio autor.

20

Tabela 5 - Palavra-Chave: Democracia no Brasil e Participação Popular

Filtros de pesquisa Palavra-Chave Quantidade

De 1988 a 2016. Democracia no Brasil 32.907

Inclusão desse termo Participação Popular 356

Tipo: Livro Participação Popular 1

Tipo: Artigo Participação Popular 33

Inclusão desse termo Participação Social 23

Fonte da tabela: Desenvolvida pelo próprio autor.

Comparando os resultados apresentados nas tabelas 4 e 5 em relação a palavra-

chave “Democracia no Brasil” que de 1988 a 2016 se obteve 32.907 publicações, sendo que

dessas 23 também se referem a “Participação Social” e “Participação Popular”, logo ambos os

termos estão presentes no texto. E das 32.907 publicações se observa também a palavra-chave

“Participação Social”, em 1.096 dessas, sendo que: 174 artigos e 10 livros, enquanto do total

apresentado ao se pesquisar o termo “Participação Popular” se obteve 356 dados, sendo 33

artigos e 1 livro.

Tabela 6 - Palavra-Chave: Controle Social

Filtros de pesquisa: Palavra-Chave Quantidade

Contém Controle Social 100.005

De 1988 a 2016. Controle Social 39.486

Assunto Controle Social 9.530

Tipo: Livro Controle Social 40

Tipo: Artigo Controle Social 4.538

Fonte da tabela: Desenvolvida pelo próprio autor.

A última tabela (6) apresenta o resultado do filtro de pesquisa “Controle Social” o

qual se obteve 100.005 dados, os quais de 1988 a 2016 representam 39.486 publicações,

dentre esses 9.530 abordam diretamente essa temática, sendo 4.538 artigos e 40 livros. Os

livros encontrados em suma se referem a estatutos direcionados a grupos específicos (criança

e adolescente, idoso, etc.) e/ou direitos sociais referentes a saúde, previdência, idoso, dentre

outros.

Por fim, seguindo o critério de descrição no texto de forma direta de uma ou mais

palavras-chaves elencadas nesse estudo e tento como seu objetivo e/ou narrativa o processo

21

democrático e a participação popular foram selecionados 28 textos no levantamento

bibliográfico e dentre esses destaca-se na revisão de literatura as seguintes obras:

AVRITZER, L. Participação e representação no Brasil. Distrito Federal: Sindicato dos

Professores do Distrito Federal, 24/07/2014.

MORONI, J. A. Agendas para a participação. Novas lentes sobre a participação: utopias,

agendas e desafios. São Paulo: Instituto Pólis, 2012, p. 45 – 48.

SILVA. Walfrido Vianna Vital da. A Constituição de 1988 e a nova ordem social A

efetivação dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Revista de

Informação legislativa. Ano 50 Número 200 out./dez. 2013.

1.2.3 - Revisão da Literatura: Participação Popular na Constituição

Partindo da premissa exposta por Leonardo Avritz que “O Brasil tornou-se, a

partir da promulgação da Constituição de 1988, um dos países do mundo com a maior

estrutura de participação social” (AVRITZ, 2014, p.1). E que “A democracia brasileira segue

uma arquitetura institucional estabelecida pela Constituição que estabeleceu uma lógica de

combinação entre a representação e a participação” (AVRITZ, 2014, p.1). Igualmente, no

texto “Agendas para Participação” José Antônio Moroni (2012) explicita as formas de

participação citadas por Avritz (2014). Segundo o autor:

O “sistema” de participação institucionalizada construído principalmente após a

Constituição de 1988 foi um avanço significativo na direção da democratização do

Estado e na concretização do direito humano a participar. Também foi importante no

reconhecimento da multiplicidade dos sujeitos políticos e na construção de suas

identidades (MORONI, 2012, p.47).

Moroni defende também a ampliação do debate objetivando a expansão da

capacidade social de mobilização e o desenvolvimento e fortalecimento dos espaços de

participação e controle das políticas públicas e dos recursos a elas direcionadas. Em sua

22

argumentação defende a reestruturação da participação com base na retomada das diretrizes

propostas pelos “Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Política”, sendo as seguintes:

Os mecanismos de participação devem ter regulamentação apropriada

estabelecendo: (i) as formas de articulação entre os diversos espaços e mecanismos

de participação; (ii) as questões sobre as quais estes mecanismos têm poder

deliberativo, e (iii) os instrumentos que dão seguimento efetivo a essas deliberações,

ou seja, que obrigam o Poder Executivo a cumpri-las (MORONI, 2012, p.48).

Ainda para o autor esse:

Tal sistema deve contemplar instrumentos para viabilizar e estimular a participação

de todo e qualquer cidadão, de forma descentralizada, horizontalizada e sem

hierarquias. Deve ter como estratégia central a incorporação de sujeitos políticos até

hoje sub-representados nos espaços de decisão. Citamos especialmente as mulheres,

os negros, os indígenas, as populações rurais, as pessoas com deficiências e as

pessoas não heterossexuais.

Tal sistema deve romper a fragmentação das políticas públicas e a dicotomia entre

política social e política econômica, entre caráter técnico e político das decisões.

Para isso assume centralidade neste momento a criação de espaço institucional de

participação na definição da alocação de recursos públicos (MORONI, 2012, p.48).

A defesa dessa retomada de diretrizes por Moroni (2012) é refletida de forma

desejável para ao alcance da participação a medida que esta é construída nos espaços

institucionalizados e deve ser realizada de forma política com conteúdo considerados

estratégicos politizados, caso contrário o autor argumenta que “[...] sem isso estamos apenas

reproduzindo o que os poderosos esperam de nós, que sejamos e atuemos como cordeiros a

serviço dos seus interesses” (MORONI, 2012, p.48).

Sobre a participação promulgada na CF/1988 abordada por Avritz, Walfrido

Vianna da Silva sintetiza que “É possível afirmar que a promulgação da Constituição da

República Federativa do Brasil em 5 de outubro de 1988 seja o marco inicial de uma nova

ordem social, com a consolidação de um efetivo Estado Democrático Social de Direito”

(SILVA, 2013, p.297).

Dentre os avanços das obras desses autores se destaca o advento da compreensão

do “Estado Democrático de Direito”, este o qual as pessoas são vistas como cidadãos

partícipes do processo político, sendo sujeitos de vontades e necessidades, os quais adentram

o cenário político com base nos dispostos constitucionais promulgados na Constituição

23

Cidadã de 1988 de forma representada por aquele/a que for eleito no processo democrático ou

com base nas instituições e formas participativas previstas na lei.

No próximo capitulo (II) será apresentado o referencial teórico que expõe as lutas

populares e movimentos sociais em pról da inclusão da participação popular na Carta Cidadã

de 1988.

24

CAPÍTULO II – UM BREVE HISTÓRICO DA PARTICIPAÇÃO

POPULAR NO BRASIL

Início a discussão dizendo que o fenômeno da cidadania é complexo e

historicamente definido. (CARVALHO, J., 2002, p.8).

2.1 - Movimentos Sociais e Participação Popular

A constituição histórica brasileira desde a chegada dos portugueses na América

Latina é permeada de reinvindicações e lutas indígenas de resistência contra o processo de

dominação europeu e posteriormente com a chegada dos negros escravizados essas lutas

assumiram outra roupagem com novos atores em suas bases de contestação abolicionista.

Do ponto de vista sócio histórico é imprescindível que se visualize o contexto

supracitado, visto que não só o cenário se modifica, mas também as temáticas, atores sociais e

movimentos sociais3 nesse espaço formado. Assim sendo, para compreender o processo de

formação da participação popular conquistada e legitimada na Constituição Federal de 1988 e

nos documentos legais dela decorrente se faz necessário que seja exposta a mobilização

popular da década de 1970, mesmo considerando que algumas dessas ações populares

antecederam esse período.

Maria do Carmo Albuquerque A. Carvalho, contextualizou em seu texto

“Participação Social no Brasil” (1998) acerca dos múltiplos significados históricos na

3 Segundo o Dicionário de Política (2004, p. 787) esse: “Tema fascinante tanto como debatido e controverso, a

análise dos comportamentos coletivos e dos Movimentos sociais ocupa um lugar central na teoria e na reflexão

sociológica, quer dos contemporâneos, quer dos clássicos. Contudo, e talvez por isso, não foi elaborada até hoje

uma teoria totalmente abrangente e inteiramente satisfatória da problemática em exame”. Em outro aspecto, será

utilizado o conceito desenvolvido por Maria da Glória Marcondes Gohn ao se referir aos estudos dos

movimentos sociais: “Nós os encaramos como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que

viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas (GOHN, 2008 apud GOHN,

2011, p.335 )”

25

constituição dos movimentos sociais e a construção da democracia nacional. Para Carvalho

M.:

“Participação”, democracia, controle social, parceria, não são, porém, conceitos com

igual significado para os diversos atores e têm, para cada um deles, uma construção

histórica diferente. Esta generalização e essa disputa de significados nos colocam,

inicialmente, a necessidade de refazer alguns percursos que construíram conceitos e

práticas de participação social no Brasil (CARVALHO, M. 1998, p. 1, grifo da

autora).

Ampliando a reflexão de disputas de significados dita por Carvalho M. (1998),

nesse cenário está presente também a disputa de poder conforme relata Fernando Carlos

Preste Motta “Evidentemente, participar não significa assumir um poder, mas participar de

um poder, o que desde logo exclui qualquer alteração radical na estrutura de poder [...]”

(MOTTA, 2003, p.1). O autor descreve ainda que:

Se a administração nos moldes em que a conhecemos parece, em sentido absoluto,

não poder perder o aspecto coercivo que lhe é próprio, certamente pode ter esse

aspecto minimizado. Uma das formas de minimizar o aspecto coercivo da

administração é a participação. Falo evidentemente de participação autêntica e não

de modalidades de manipulação camufladas sob este rótulo (MOTTA, 2003, p. 371,

grifo nosso).

De forma objetiva Motta (ibidem) propõe a participação popular para alteração,

ou melhor dizendo, essa ação em prol de minimizar o papel coercitivo do poder o qual está

permeada as relações sociais que formam o Estado. E prosseguindo com as considerações de

Motta:

Participar não implica necessariamente que todas as pessoas ou grupos opinem sobre

todas as matérias, mas implica necessariamente algum mecanismo de influência

sobre o poder. Para participar é necessário algum conhecimento e certas habilidades

políticas. Isso varia conforme a amplitude da participação e a natureza das matérias

em que se participa (MOTTA, 2003, p. 371).

O uso da terminologia “participação autêntica” não deve ser confundida como

sinônimo de participação em regime considerado como democracia direta. E sim deve ser

observada como a possibilidade concreta e objetiva de participação no processo de tomada de

decisão na vida política do estado.

Pedro Salazar Ugarte no Seminário Internacional “Participación y Políticas

Sociales em el Espacio Local y Agenda” promovido na Cidade do México pela Organização

26

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, nos dias 21 e 22 de agosto de

2003, ao examinar sobre a participação popular na atualidade, expôs a seguinte reflexão:

“Afirmar que a participação cidadã é um ingrediente fundamental da forma democrática de

governo é quase trivial e, no entanto, para além da aparente obviedade, é uma afirmação

carregada de suposições conflituosas (UGARTE, 2003, p. 93). Em virtude da consideração

dita por Ugarte e pela compreensão da necessidade de trazer a luz “[...] De que tipo de

participação estamos falando? Participação em quê? Para que? Como? Além disso,

entre quem? (UGARTE, 2003, p. 93, grifo nosso), foi descrito o contexto sócio histórico que

possibilitou a promulgação da participação popular na CF/1988.

As publicações e pesquisas cientificas brasileiras acerca dos movimentos sociais

tem aumentado nas últimas décadas, em especial nas obras de Maria da Glória Marcondes

Gohn (1995, 1997 e 2011), a qual foi utilizada como referencial teórico para contextualizar e

debater a temática proposta. Mas, antes dessa ação e conforme explicita José Henrique

Carvalho Organista, Carina da Cunha Santos e Carlos de Almeida Campos (2012), dentre

outros pensadores, subdividem os movimentos sociais em três correntes teóricas: americana,

europeia e marxista.

Parafraseando esses autores é compreensível que sob a perspectiva americana

valer-se a noção de tática centrada no indivíduo, sendo este responsável pela estratégia e

mobilização de recursos. Já a perspectiva europeia enfatiza o aspecto de identidade,

procurando evitar a separação entre ‘estrutura e ação’, a qual é realizada pelo pensamento

americano. Portanto, a escola europeia prioriza que os movimentos sociais devem ser

refletidos a partir do contexto estrutural a qual pertencem os seus participantes e sob a

adequação de suas identidades coletivas (ORGANISTA; SANTOS; CAMPOS, 2012).

Já a terceira corrente, marxista, embasará a análise nessa monografia ao abordar

acerca dos movimentos sociais. Isto pois, nessa perspectiva os movimentos são refletidos a

27

partir do padrão da produção e reprodução das relações sociais geradas pela contradição

capital versus trabalho. No que a tange a materialização da perspectiva marxista, alguns

autores que se opõe a aplicação dessa corrente utilizam o seguinte argumento para desvalida-

la:

Esta leitura se desfez ou não se confirmou quando do processo de redemocratização.

Em outras palavras, as relações entre as agências do Estado e os movimentos foram

negligenciadas, bem como movimentos “interclassistas”, tais como: feministas,

ecológicos foram subsumidos por movimentos considerados como “autênticas”

representações das classes populares, como favelados, sem-teto, sem-terra. Fazendo

a assimilação direta entre esses movimentos e classes dominadas, houve por

consequência a manutenção enviesada da contradição capital trabalho, através da

ampliação do sujeito histórico (ORGANISTA; SANTOS; CAMPOS, 2012, p.1).

Mesmo reconhecendo a existência dos movimentos sociais que dialogam sobre a

temática de gênero, questão ambiental, étnica/racial, dentre outras. Não é anulada o prisma

central presente na perspectiva marxista o qual se refere a análise dos movimentos sociais sob

a ótica dos processos de lutas sociais direcionadas para a transformação das condições

presentes na realidade social, de fragilidades e/ou opressões econômicas, sociopolítica e

cultural. Em consequência disso, nota-se os movimentos sociais formados nos processos de

lutas históricas da classe social subalterna para romper com a dominação da classe dominante,

e se inserir nos espaços de tomada de decisão, e se fazer ouvir acerca de suas demandas a

serem atendidas pelo estado.

Cabe destacar que Gohn (1997), ao se referir as três correntes teóricas de análise

dos movimentos sociais (americana, europeia e marxista) as subdividiu em outras

características. Para a autora a perspectiva norte-americana deve ser vista sob dois vieses, o

primeiro é da “Teoria clássica sobre as ações coletivas”, representadas por cinco teorias,

sendo elas:

1 - A Escola de Chicago e os interacionistas: movimentos sociais com reações

psicológicas às estruturas de privações econômicas)

2 - Segunda teoria [...] sociedade de massas – Fromm, Hoffer, Kornhauser;

3 - Terceira teoria [...] abordagem sociopolítica – Lipset r Rudolf Heberle;

4 - Quarta teoria [...] O comportamento coletivo sob a ótica do funcionalismo –

Parsons, Turner, Killian e Smelser

5 - Quinta teoria [...] as teorias organizacionais comportamentais – Selnick,

Gusfield, Messinger (GOHN, 1997, p.7).

28

O segundo viés é o das “Teorias contemporâneas norte-americanas na ação

coletivas e dos movimentos sociais” (GOHN, 1997, p.7), nesse eixo discorre sobre a teoria da

mobilização de recursos em Olson, Zald e Mc Carthy, e também sobre a preocupação com as

teorias de mobilização de Anthony Oberchall e a abordagem histórica dessa ação por Charles

Tilly.

Para Gohn, a corrente teórica europeia deve ser estudada de acordo com a

nacionalidade de seu expoente. Deste modo a autora a identificou da seguinte forma “A

corrente francesa: Alain Touraine e o Acionismo dos atores coletivos; A corrente Italiana:

Alberto Melucci e a ênfase da identidade coletiva; [...] A corrente alemã: Claus Offe e a

abordagem neomarxista” (GOHN, 1997, p.7). Na terceira corrente teórica, marxista, a autora

se propõe a conceituar essa temática e posteriormente fundamenta que existe também o

chamado “neomarxismo” na análise contemporânea dos movimentos sociais. Compreendendo

que as três perspectivas teóricas, supracitadas, não são capazes por si só de abarcar a

formação e a realidade dos movimentos sociais na América do Sul, Gohn se propõe a

formular a quarta perspectiva, a qual denomina como “Uma proposta teórico-metodológica

para análise dos movimentos sociais na América Latina” (GOHN, 1997, p.8).

Em relação a realidade brasileira acerca das lutas e movimentos sociais no século

XXI, segundo Gohn (2003) a sua análise pode ser dividida em seis fases, sendo elas as

seguintes: 1ª fase – As lutas sociais da Primeira República (1900-1930), 2 ª fase – As lutas

sociais após a revolução de 1930 até a queda do Estado Novo, 3ª fase – As lutas e os

movimentos sociais no período populista (1945-1964), 4ª fase – A resistência durante o

regime militar (1964-1974), 5ª fase – As lutas pela redemocratização (1975-1982) e a 6ª fase

– A era da negociação de direitos (1982-1995). No que concerne as seis fases propostas por

Gohn (2003), ao decorrer desse estudo será exposta a 5ª e a 6ª fase. A quinta para explicitar o

processo de lutas pela redemocratização nacional, e a sexta fase para contextualizar a

29

formação do Estado Democrático de Direito, promulgado no Artigo 1º da Carta Magna de

1988.

Em outro aspecto de apreciação, conforme exposto no Dicionário de Política em

seu item Movimentos Sociais: I. Comportamentos coletivos e movimentos Sociais:

Esquematizando, podemos distinguir a existência de duas correntes na reflexão dos

clássicos. De um lado estão os que, como Le Bon, Tarde e Ortega y Gasset, se

preocupam com a irrupção das massas na cena política e vêem nos comportamentos

coletivos da multidão uma manifestação de irracionalidade, um rompimento

perigoso da ordem existente; antecipam assim os teóricos da sociedade de massa. De

outro lado estão os que, como Marx, Durkheim e Weber, se bem que com alcance e

implicações diversos, vêem nos movimentos coletivos um modo peculiar de ação

social, variavelmente inserida ou capaz de se inserir na estrutura global da sua

reflexão, quer eles denotem transição para formas de solidariedade mais complexas,

a transição do tradicionalismo para o tipo legal-burocrático, quer o início da

explosão revolucionária (Dicionário de Política, 2004, p. 787).

A similaridade apresentada por esses pensadores e os que lhe seguiram diz

respeito a análise dos comportamentos coletivos e dos movimentos sociais, ponderando:

[...] a existência de tensões na sociedade, a identificação de uma mudança, a

comprovação da passagem de um estádio de integração a outro através de

transformações de algum modo induzidas pelos comportamentos coletivos

(Dicionário de Política, 2004, p. 787).

É oportuno lembrar que Carvalho M. (1998), refletiu sobre o movimento

associativista brasileiro e o advento da participação social espontânea e não institucionalizada

em legislações, conforme ocorreu posterior a década de 1980. Em seu estudo sócio histórico

evidencia que de 1930 a 1960 a sociedade era marcada pela cultura política clientelista, de

tutela e ambientada por troca de favores, isto pois, os três principais movimentos vigentes

(operário, camponês e os movimentos urbanos) sofreram pressões e influencias por parte dos

representantes e partidos políticos, parlamentares e membros do Estado que objetivaram os

submeter a seus interesses e normativas. A partir de 1964 esse contexto foi substituído pela

política autoritária da ditadura civil-militar.4 Apesar da repreensão estatal e em sua oposição

4 O uso da terminologia “ditadura civil-militar” não é mero acaso, representa o pensamento e posicionamento

em consonância com os historiadores Carlos Fico, Daniel Aarão Reis Filho (2012), autor do texto ‘A ditadura

civil-militar” e Denise Rolemberg, pois nesse período de forma comprovada pelos documentos divulgados pela

Comissão Nacional da Verdade (2011/2014) houve a participação de diversos setores da sociedade nesse golpe

estatal. E conforme expõe Rolemberg (2009, p.1): “Segmentos importantes da sociedade, não só das classes

média e média alta, mas setores populares receberam de uma forma muito alegre a instauração do regime e

30

nesse cenário se formaram as mobilizações e organizações populares em torno das expressões

da questão social5. Conforme relata a autora:

Neste contexto emergem novos movimentos sociais como captadores destas novas e

candentes demandas sociais. Sua ação abre novos espaços ou “lugares” para a ação

política. Na ausência de espaços legítimos de negociação de conflitos, o cotidiano, o

local de moradia, a periferia, o gênero, a raça tornam-se espaços e questões públicas,

lugares de ação política, constituindo sujeitos com identidades e formas de

organização diferentes daquelas do sindicato e do partido (CARVALHO M., 1998,

p.2, grifo da autora).

Em virtude dos argumentos apresentados e considerando a complexidade teórico-

metodológica para debater sobre os movimentos sociais, seguiremos a expor a sua reflexão de

forma sócio histórica. Logo, a partir dessa distinção de perspectivas nos limitaremos a essa

discussão aos aspectos relacionados diretamente aos objetivos dessa monografia.

Sintetizando as informações da obra de Carvalho (1998) em relação a emergência

dos novos movimentos sociais a partir de 1970.

Essa nova cultura participativa, construída pelos movimentos sociais, coloca novos

temas na agenda pública, conquista novos direitos e o reconhecimento de novos

sujeitos de direitos, mas mantém, ainda, uma posição exterior e antagônica ao

Estado, pois as experiências de diálogo e as tentativas de negociação realizadas até

então levavam, sistematicamente, à cooptação ou à repressão (CARVALHO, M.,

1998, p. 1).

O encerramento da década de 1970 foi marcado não apenas pela forte mobilização

social, mas também pela sindicalização profissional em especial da esquerda partidária

unindo-se as lutas iniciadas e as mobilizando contra o período ditatorial vigente6 e

ocasionando o encerramento do ato inconstitucional nº5 em 1978, o qual havia se iniciado em

1968 e que representava a forma mais severa da ditatura e nele é disposto a proibição das

apoiou o regime durante um bom tempo. Esta ideia de que a sociedade brasileira resistiu contra a ditadura, que a

ditadura é uma questão dos militares e não da sociedade, é uma construção, a partir do fim dos anos 1970, que é

memória e não história. É importante perceber que a ditadura não foi militar, mas civil e militar. Isto deve ser

pensado para compreender porque a luta armada ficou tão isolada. Foi porque a sociedade foi muito participante

da ditadura”. 5 A expressão “questão social”, tem um histórico recente, começou a ser utilizada na terceira década do século

XIX, surge para nomear o fenômeno do pauperismo. A pauperização da população trabalhadora é o

resultado do capitalismo industrial e crescia da mesma maneira que aumentava a produção” (NETTO, 2001

p.42). 6 Não cabe aqui tratar de forma detalhada sobre o período ditatorial brasileiro, mas é relevante expor que este foi

iniciado em 1964 e encerrado em 1985.

31

manifestações populares de caráter político e a censura prévia aos meios de comunicação

(jornal, revista, rádio, tv, etc.) (SZWAKO, 2012).

Na década de 80 e no período antecedente os movimentos organizados para a

redemocratização brasileira usavam o semblante de “participar” em dois sentidos: o primeiro

se referia na possibilidade de intervir no texto constitucional, para que assim não fosse

imposto de forma vertical pelo Estado a nova constituição almejada socialmente e que essa

contemplasse em suas bases as demandas existentes. O outro sentido de participar é que não

fosse limitada a intervenção popular apenas na promulgação da constituinte e que essa fosse

utilizada enquanto base decisória da democracia no Brasil (SZWAKO, 2012).

Nessa primeira acepção, a defesa da participação é a oportunidade não concedida,

mas conquistada, de se tornar, via comissões e bancadas, sujeito constituinte. E a

conhecida frase de Ulysses Guimarães, proferida por ocasião da inauguração

institucional dos trabalhos constituintes, não deixa dúvidas quanto à força da pressão

advinda das demandas por participação: “ecoam nesta sala as reivindicações das

ruas”, disse (SZWAKO, 2012, p.21).

Nesse cenário ocorreu a institucionalização da participação popular e essa razão

explica o surgimento dos conselhos gestores e a expansão desses em todo território nacional

nas diversas esferas de poder. Contudo, é necessário pontuar que os conselhos gestores não

executam ações de maneira única e igual, existem diferenças em seu objetivo, composição

funcionamento e contexto o qual estão inseridos (TEIXEIRA; SOUZA; LIMA, 2012).

A década de 80, também, foi permeada pelas conferências nacionais as quais

incorporavam o Estado, os movimentos sociais, os agentes de contestação e a população em

geral para se discutir formas de participação cidadã e políticas públicas, muitas das quais

foram introduzidas posteriormente na CF/1988. Em relação a caracterização dos espaços

participativos nacionais podem ser sintetizados da seguinte forma:

De modo geral, é possível dizer que conferências são espaços participativos,

convocados pelo Poder Executivo com certa periodicidade, para interlocução entre

representantes do Estado e da sociedade visando à formulação de propostas para

determinada política pública. Por se desenvolverem de forma transitória, mas ao

mesmo tempo não pontual, podemos destacar a natureza processual como

caracterizadora das conferências. Conselhos são espaços participativos, que podem

ser tanto consultivos como deliberativos, em que é prevista certa permanência no

tempo. São compostos por representantes do poder público e da sociedade civil, esta

32

podendo ser dividida em diferentes segmentos. Os conselhos têm como finalidade

incidir nas políticas públicas de determinado tema, sendo que suas atribuições

variam nos diversos contextos (TEIXEIRA, SOUZA, LIMA, 2012 p. 54).

Quanto a participação democrática, pode-se dizer que:

A “participação cidadã” ou “comunitária” é um discurso que acompanha estas

reformas, criando espaços de participação, com maior ou menor amplitude e

efetividade, como os conselhos e a realização ações governamentais em “parceria”

com a sociedade (CARVALHO M., 1998, p. 3).

O movimento de “Participação Popular na Constituinte” iniciado em 1986 por

meio de envios de cartas ao Senado solicitando ações estatais na área da saúde, assistência

social, política econômica/monetária, dentre outras, proporcionou um ano depois, que ao

instalar a Assembleia Constituinte, o Senado pudesse abarcar as contestações e coletar

milhares de subscrições em todo o país, incorporando os movimentos sociais e a população no

processo de criação da CF/1988 e nos ordenamentos jurídicos promulgados, por meio de

propostas políticas mais organizadas e legitimada no texto da Lei, como a própria iniciativa

popular de lei (BRASIL-CF/1988, Art. 61, § 2º).

Esses novos sujeitos constroem uma vigorosa cultura participativa e autônoma,

multiplicando-se por todo o país e constituindo uma vasta teia de organizações

populares que se mobilizam em torno da conquista, da garantia e da ampliação de

direitos, tanto os relativos ao trabalho como à melhoria das condições de vida no

meio urbano e rural, ampliando sua agenda para a luta contra as mais diversas

discriminações como as de gênero e de raça (CARVALHO M., 1998, p. 2).

A constituição e promulgação da Carta Cidadã de 1988, conforme foi nomeada

pelo legislador Ulysses Guimarães foi alcançada por meio de lutas sociais e mobilização

popular ao decorrer de sua construção, possibilitando deste modo horizontal a ampla definição

de direitos e a instauração de mecanismos de participação social. Em contrapartida com a

participação conquistada pelo processo de reinvindicação está presente também em alguns

momentos da história a participação como oferta estatal, sendo esta na maioria das vezes

restrita a grupos de interesses, notáveis ou escolhidos para de algum modo legitimar as ações

do governante.

Segundo Teixeira, Souza e Lima (2012) com a nova arquitetura da participação no

Brasil foi permitido com o advento da CF/1988 o aparecimento de novos atores e práticas

33

para consolidar a democracia nacional. Os autores expõem os seguintes dispositivos

normativos:

Ao menos trinta artigos do texto constitucional expressaram preceitos que

incentivaram experiências de gestão pública participativa. No que se refere à

arquitetura da participação, a Constituição traçou princípios e diretrizes, tais como, a

cidadania como fundamento do Estado democrático (art. 1, 5, 8, 15 e 17), os deveres

sociais em questões coletivas (art. 205, 216, 225, 227 e 230) e o exercício da

soberania popular (art. 14, 27, 29, 58 e 61), mas também tratou da participação

social como forma de gestão pública (art. 10, 18, 37, 74, 173, 187 e 231)

(TEIXEIRA, SOUZA, LIMA, 2012, p. 51).

A prevalência da participação enquanto tema basilar constitucional possibilitou a

incorporação dos cidadãos na gestão político-administrativa do Estado por meio da

organização da sociedade civil, gestão e controle social das políticas públicas através de

conselhos gestores e/ou populares, conferências e demais formas de consultas públicas que a

lei definir. Nesse sentido, participar foi legitimar na CF/1988 a possibilidade da intervenção

popular na vida societária combinado a democracia participativa com a representativa.

Democratizar o Estado brasileiro – esse era o alvo perseguido pela “democracia

participativa”, que, ao longo das décadas seguintes, ganhou tons comunicativos na

fala dos atores: “a política deliberativa – era nosso objetivo – deveria estar fundada

na combinação entre a democracia representativa e democracia participativa

(SZWAKO, 2012, p.23).

A combinação da democracia representativa com a democracia participativa não é

produto acabado e nem deve ser vista como contraponto antagônico e sim de forma

complementar e coexistente no processo democrático do Brasil. Deste modo, a deliberação se

refere a forma que se obtém a decisão e quem é o seu responsável e a participação nesse

ambiente permite balancear e intervir conforme a lei prevê sob as demandas a serem

deliberadas

Ao decorrer dos anos 1990 e nas décadas seguintes, os atores, movimentos e

organizações sociais aprimoram a utilização dos mecanismos de controle e participação social

para atingir os seus interesses, exemplo visto no aumento da transparência no uso de recursos

públicos. Em outro aspecto se ampliou a burocratização e a disputa de interesses nas fontes

34

estatais à medida que existe a ampliação na contestação no financiamento dos movimentos

sociais ou projetos por eles defendidos.

O Brasil tem se destacado por um rápido aumento no número de conselhos e

conferências nacionais, onde todos os dias “novos” e “velhos” atores são

convocados a participar e representar seus pares (TEIXEIRA, SOUZA, LIMA,

2012, p. 49).

Acontece, porém, que apesar da multiplicação dos espaços de participação está

ocorre muitas vezes de forma apenas burocrática para seguir os dispostos legais assumindo

caráter apenas consultivo.

Os inúmeros espaços de participação, em especial os conselhos de políticas e as

conferências, não dialogam entre si e muito menos incidem no sentido tencionar o

atual sistema político representativo e sequer o modelo hegemônico de

desenvolvimento. A participação popular nesses espaços é majoritariamente uma

participação consultiva, setorializada, reproduzindo a fragmentação existente nas

políticas públicas e o distanciamento das decisões econômicas referente à alocação

de recursos públicos para concretizar as deliberações dos espaços participativos

(MORONI, 2012, p. 47).

Outra problemática apresentadas sobre os canais de participação é:

[...] numa perspectiva de ampliação da participação não caberia restrição e

sim abertura a diferentes tipos e níveis de conhecimentos sobre um tema.

Mesmo a suposta abertura existente nas conferências se reduz quando apenas

os sujeitos diretamente relacionados aos temas se envolvem nas discussões.

Nos conselhos, isso é mais forte ainda, pois a especialização é quase um

imperativo à participação (TEIXEIRA, SOUZA, LIMA, 2012, p. 55).

Por fim, a Constituição Federal de 1988 promulgou princípios e diretrizes para a

atual composição da participação integrando os cidadãos em diversas fases do processo

decisório da gestão pública participativa.

2.2 - Ajustando o foco das lentes: Reflexões sobre democracia

A análise conceitual de “democracia” pode ser iniciada sobre diversos aspectos e

partindo do pressuposto apresentado no Dicionário de Política (2004) a sua reflexão se

alicerça na teoria contemporânea, a qual está dividida em três tradições históricas do

35

pensamento político: teoria clássica, teoria medieval e teoria moderna. Sendo elas expostas da

seguinte forma:

a) teoria clássica, divulgada como teoria aristotélica [7], das três formas de

Governo, segundo a qual a Democracia, como Governo do povo, de todos os

cidadãos, ou seja, de todos aqueles que gozam dos direitos de cidadania, se distingue

da monarquia, como Governo de um só, e da aristocracia, como Governo de poucos;

b) a teoria medieval, de origem "romana, apoiada na soberania popular, na base da

qual há a contraposição de uma concepção ascendente a uma concepção descendente

da soberania conforme o poder supremo deriva do povo e se torna representativo ou

deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior;

c) a teoria moderna, conhecida como teoria de Maquiavel, nascida com o Estado

moderno na forma das grandes monarquias, segundo a qual as formas históricas de

Governo são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a antiga Democracia

nada mais é que uma forma de república (a outra é a aristocracia), onde se origina o

intercâmbio característico do período pré-revolucionário entre ideais democráticos e

ideais republicanos e o Governo genuinamente popular é chamado, em vez de

Democracia, de república (DICIONÁRIO DE POLÍTICA, 2004, p. 319, grifo

nosso).

Para além dessas três tradições apresentadas, refletir sobre democracia deve ser

ponderada dentro de determinado contexto sócio histórico, uma vez que deriva do padrão de

convivência social e de poder que determinada sociedade segue. Portanto, assim como

presente na “[...] teoria de Rousseau segundo a qual o ideal igualitário que a inspira

(Democracia como valor) se realiza somente na formação da vontade geral (Democracia

como método) [...]” (DICIONÁRIO DE POLÍTICA, 2004, p. 329). Daí que, generalizar o

conceito de democracia não é tarefa fácil, isto pois, democracia por sua vez não é ambiente de

consenso e sim de dissenso, ao conciliar todos os interesses.

A defesa do conceito de democracia como ambiente formado pelo dissenso e de

suas diferenças dimensões, ocupa matéria central da obra do filósofo Jacques Rancière

(1996). Em suas reflexões políticas, argumenta a correlação entre os conceitos de igualdade e

dissenso, o qual utiliza para definir a democracia como ação política e processo de verificação

da igualdade promulgada pela lei, configurando-se como outro modo de ocasionar a cena

7O aprofundamento da teoria aristotélica pode ser obtido nas seguintes obras: Marsílio de Pádua (Defensor pacis,

I, 8), São Tomás de Aquino (Summa Theologica, I-II, qu. 105, art. 1); Bodin (De la repúblique, II, 1), Hobbes

(Decive, cap. VII, Leviathan, cap. XIX), Locke (Segundo tratado sobre o Governo, cap. X), Rousseau (Contrato

social, III, 4; 5, 6), Kant (Metafísica dos costumes. Doutrina do direito, § 51), Hegel (Linhas fundamentais de

filosofia do direito, § 273).

36

política dissensual. O uso da teoria do dissenso se fez relevante, apesar de outros conceitos

apresentados por esse autor serem alvos de diversas críticas no meio acadêmico, como a sua

tentativa de conceituar democracia:

[...] democracia não é um regime político, no sentido de uma forma constitucional,

nem mesmo um modo de vida (como aprendemos através da sociologia

Tocquevilliana) ou a cultura do pluralismo e da tolerância. A democracia é,

propriamente dizendo, a instituição simbólica do político na forma do poder

daqueles que não são designados a exercer o poder – uma ruptura na ordem da

legitimidade e da dominação. A democracia é o poder paradoxal daqueles que não

contam: a contagem daqueles que não são contados (RANCIÉRE, 2000, p. 124 apud

LELO; MARQUES, 2014, p.353).

Já, o conceito etimológico apresentado na Enciclopédia Didática de Informação e

Pesquisa Educacional expõe que:

Democracia. Do grego demos, "povo" e kratia, "poder", "autoridade", define-se,

segundo uma norma ideal, como "a organização social em que o controle político é

exercido pelo povo, o qual delega poderes e representantes periodicamente eleitos”

(EDIPE, 1987, p. 41, grifo do autor).

Considerando a sua vasta conceituação alguns aspectos tendem a se repetir em

diversas concepções sobre democracia, sendo eles os seguintes:

a) uma sociedade fundada na igualdade; b) um Estado em que o poder de

governar reside no povo; c) uma forma de organização governativa em que o

Estado é diretamente administrado pelo povo ou por seus representantes eleitos

(EDIPE, 1987, p. 41).

Em outro modo o uso da palavra "democracia", adquiriu na atualidade um viés

que excede o significado exclusivo de "forma de governo", para representar um modo de ser e

de pensar dos indivíduos.

Considerando que no regime democrático o povo é soberano. E, isso não significa

que ele governe diretamente, nem que ele seja legislador, mas que ninguém pode governar

sem o seu consentimento, o qual é obtido por meio do voto. Essa forma de governo se opõe à

monarquia (representada pela soberania de um só), à aristocracia (a qual é soberania de

alguns) e à anarquia ou ao ultra liberalismo (sendo estas a ausência de soberano). “Assim,

numa definição mais compreensiva, a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o

povo” (ÁVILA, 1967, p. 65).

37

Para que esse considerado “povo” pudesse escolher os seus representantes e

detentores do poder, foram criados mecanismos eleitorais, os quais a princípio eram

restritivos acerca desse direito político, limitando tanto a quantidade quanto as qualificações

dos considerados elegíveis, como também dos eleitores. Em outro aspecto para o controle do

exercício do poder por parte do mandatário, foram também gerados diferentes mecanismos,

como as eleições sendo instituídas para um determinado período de tempo, também é disposto

no texto constitucional sobre a possibilidade ou não de reeleição, e o período do exercício do

mandato dentro de regras pré-fixadas. O funcionamento eficaz dos mecanismos que regem a

democracia está diretamente ligado ao respeito aos direitos fundamentais da dignidade da

pessoa humana e de suas liberdades: de pensamento, de expressão, de imprensa e de outros

meios de comunicação, dentre outras. (ÁVILA, 1967). Em oposição a defesa da liberdade

como princípio basilar da democracia, existe a concepção que defende:

Não confundir a democracia com o respeito das liberdades individuais ou coletivas.

Se o povo é soberano, ele pode estabelecer soberanamente limites a essa ou aquela

liberdade, e o faz necessariamente, porém mais ou menos. É o que dá sentido à

expressão "democracia liberal" - porque nem todas o são.

Não confundir tampouco a democracia com a república, que seria sua forma pura ou

absoluta - una e indivisível, laica e mesmo igualitária, nacional e universalista. "A

Democracia é o que resta da República quando se apagam as Luzes", escreve Régis

Debray. Digamos que a democracia é um modo de funcionamento; a república, um

ideal. Isso confirma que a democracia, mesmo impura, é a condição de qualquer

república (CONTE-SPONVILLE, 2011, p.68).

Observando as transformações no Estado Democrático em consonância com o

apresentado por Norberto Bobbio no livro “O futuro da democracia – Uma defesa das regras

do jogo” (1986), cuja a análise das transformações pelo autor não se dá de forma valorativa a

considerando positiva ou negativa, e sim relata buscar uma neutralidade axiológica8. Segundo

Bobbio:

Para um regime democrático, o estar em transformação é seu estado natural: a

democracia é dinâmica, o despotismo é estático e sempre igual a si mesmo. Os

8 O estudo da neutralidade axiológica ou precisamente a “isenção de valores” (Wertfreiheit) assume um papel

fundamental nas obras de Max Weber (1864-1920), o qual propõe a separação rigorosa entre juízo de fato (o que

é) e juízo de valor (o que deve ser). Videm o livro: WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. Tradução

de Augustin Wernet. Parte 1, Cortez Editora, São PAULO, 1973.

38

escritores democráticos do fim do Setecentos contrapunham a democracia moderna

(representativa) à democracia dos antigos (direta) (BOBBIO, 1987, p.9).

Bobbio aborda, no subitem “2. Uma definição mínima de democracia”, em seu

livro, o aspecto o qual considera necessário para iniciar a sua reflexão acerca da temática e

diferente de outros autores não objetiva generalizar a conceituação de “democracia” e sim

expor características as quais considera essenciais para o seu desenvolvimento e que a

distinguem de outras formas de governo.

Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala

de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo

autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias

ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões

coletivas e com quais procedimentos (BOBBIO, 1987, p.18).

Parafraseando Bobbio, o autor argumenta que é necessário que todos grupos

sociais tomem decisões e que essas são vinculadas as ações de seus membros possibilitando

deste modo a sua sobrevivência tanto dentro do grupo, quanto fora dele. Relata ainda, que a

decisão do grupo social é tomada por um indivíduo ou mais que detém o poder, mas, para

ocorrer a sua legitimação é necessário que essa seja fundamentada por normas [não importa se

escritas ou consuetudinárias] que delimite aqueles que são autorizados a essa ação e sob quais

procedimentos podem ser exercidas (BOBBIO, 1987).

Ao que se refere a aqueles que podem “tomar” ou participar das decisões no

modelo democrático é caracterizado por um grande número de sujeitos participes. E acerca da

participação de todas as pessoas na tomada de decisões, Bobbio argumenta que “[...] é

impossível dizer "todos" porque mesmo no mais perfeito regime democrático não votam os

indivíduos que não atingiram uma certa idade” (BOBBIO, 1987, p.19). Relata ainda que “A

onicracia, como governo de todos, é um ideal-limite” (BOBBIO, 1987, p.19), assinalando a

sua aplicação de forma utópica. E sobre a forma de decisão, destaca que em norma geral na

democracia ocorre a “regra da maioria”, a qual é representada pela maioria das pessoas que

podem participar do processo de tomada de decisão, sendo esta aplicável a todo grupo.

39

Mesmo em um regime considerado com democracia mínima, sendo está

apresentada não pela quantidade de pessoas participantes direta ou indiretamente do processo

de tomada de decisão ou de seus meios instituídos para que essa ação ocorra, como suas

regras e procedimentos. “É indispensável uma terceira condição: é preciso que aqueles que

são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de

alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra” (BOBBIO, 1987,

p.20). Essa capacidade de escolha é fundamental na concepção de estado liberal a qual foi

concebida a doutrina de estado de direito, garantindo a liberdade de expressão, de

pensamento, de reunião, etc. Os quais são considerados “invioláveis” no indivíduo (BOBBIO,

1987).

Disto segue que o estado liberal é o pressuposto não só histórico mas jurídico do

estado democrático. Estado liberal e estado democrático são interdependentes em

dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são

necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na

direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário

o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades

fundamentais (BOBBIO, 1987, p.20).

Deste modo, conforme defendido pelo autor existe uma relação intrínseca entre o

regime democrático e o estado liberal, sendo este concebido como engrenagem que garantem

o funcionamento da democracia. Ainda segundo o mesmo: “A prova histórica desta

interdependência está no fato de que estado liberal e estado democrático, quando caem, caem

juntos. (BOBBIO, 1987, p.21).

A primeira transformação democrática considerada por Norberto Bobbio deriva

desde o seu nascimento na antiguidade a qual “[...] a sociedade, qualquer forma de sociedade,

e especialmente a sociedade política, é um produto artificial da vontade dos indivíduos”

(BOBBIO, 1987, p.23). Prosseguindo a sua reflexão expõe que “Desta primeira transformação

(primeira no sentido de que diz respeito à distribuição do poder) derivou a segunda, relativa à

representação” (BOBBIO, 1987, p.24). E nesse contexto sócio histórico surge a democracia

moderna.

40

A democracia moderna, nascida como democracia representativa em contraposição à

democracia dos antigos, deveria ser caracterizada pela representação política, isto é,

por uma forma de representação na qual o representante, sendo chamado a perseguir

os interesses da nação, não pode estar sujeito a um mandato vinculado (BOBBIO,

1987, p.24).

Bobbio reitera que “A democracia representativa, que é a única forma de

democracia existente e em funcionamento, é já por si mesma uma renúncia ao princípio da

liberdade como autonomia. ” (BOBBIO, 1987, p.26). E apesar de não objetivar traçar

previsões para o futuro o mesmo faz a seguinte analise sobre a leis anuais que são

promulgadas na Itália:

A hipótese de que a futura computadorcracia, como tem sido chamada, permita o

exercício da democracia direta, isto é, dê a cada cidadão a possibilidade de transmitir

o próprio voto a um cérebro eletrônico, é uma hipótese absolutamente pueril

(BOBBIO, 1987, p.26).

A referência a essa reflexão de Bobbio se faz atual, isto apesar de ter sido

publicada em 1987, e pode ser utilizada para se fazer analise com a realidade brasileira que

apesar de utilizarmos alguns meios de consultas populares nos meios digitais, ainda sim, os

cidadãos são convocados para exprimir o seu próprio voto em cada pleito, em urna digital.

Deste modo, a utilização da tecnologia não substitui a presença dos cidadãos no lugar de

votação.

Em múltiplas passagens de seu livro Bobbio apresenta a impossibilidade de ser

aplicada a democracia direta9 e para defender o seu argumento realiza diversas considerações

de forma histórica. E em outro aspecto defende a instauração de uma cultura participativa, a

qual já foi cenário de diversas reflexões. Para Bobbio “A educação para a cidadania foi um

dos temas preferidos da ciência política americana nos anos cinqüenta, um tema tratado sob o

rótulo da "cultura política" (BOBBIO, 1987, p.32). Ao se referir as diversas roupagens que

9 Objetivando sanar qualquer dúvida que possa surgir sobre democracia direta foi exposta a seguinte citação: “É

evidente que, se por democracia direta se entende literalmente a participação de todos os cidadãos em todas as

decisões a eles pertinentes, a proposta é insensata. Que todos decidam sobre tudo em sociedades sempre mais

complexas como são as modernas sociedades industriais é algo materialmente impossível. E também não é

desejável humanamente, isto é, do ponto de vista do desenvolvimento ético e intelectual da humanidade”

(BOBBIO, 1987, p.42).

41

essa temática assumiu nos meios acadêmicos ao decorrer dos anos descreve a sua seguinte

lembrança:

[..] recordo aquela estabelecida entre cultura para súditos, isto é, orientada para os

output do sistema (para os benefícios que o eleitor espera extrair do sistema

político), e cultura participante, isto é, orientada para os input, própria dos eleitores

que se consideram potencialmente empenhados na articulação das demandas e na

formação das decisões (BOBBIO, 1987, p.32).

Ainda sob a impossibilidade da democracia direta e sobre o excesso da

participação de todas as pessoas na tomada de decisão na cena política, Bobbio realiza a

seguinte analise:

E mesmo nas democracias representativas, Bobbio relata a existência dos seus

problemas os quais considera estruturais. “Olhemos ao nosso redor. Nas democracias mais

consolidadas assistimos impotentes ao fenômeno da apatia política, que freqüentemente chega

a envolver cerca da metade dos que têm direito ao voto” (BOBBIO, 1987, p.33).

Mas não posso deixar de pensar em Tocqueville que, num discurso à Câmara dos

Deputados (em 27 de janeiro de 1848), lamentando a degeneração dos costumes

públicos em decorrência da qual "as opiniões, os sentimentos, as idéias comuns são

cada vez mais substituídas pelos interesses particulares", perguntava-se "se não

havia aumentado o número dos que votam por interesses pessoais e diminuído o

voto de quem vota à base de uma opinião política", denunciando esta tendência

como expressão de uma "moral baixa e vulgar" segundo a qual "quem usufrui dos

direitos políticos pensa em deles fazer um uso pessoal em função do próprio

interesse (BOBBIO, 1987, p.33).

Outro male apresentado pelo autor no regime democrático é quando assume

caráter “tecnocrático”, o qual o governo dos técnicos prospera, expandido a complexidade que

se torna a participar do processo de tomada de decisão.

Tecnocracia e democracia são antitéticas: se o protagonista da sociedade industrial é

o especialista, impossível que venha a ser o cidadão qualquer. A democracia

sustenta-se sobre a hipótese de que todos podem decidir a respeito de tudo. A

tecnocracia, ao contrário, pretende que sejam convocados para decidir apenas

aqueles poucos que detêm conhecimentos específicos. Há mais de um século Saint-

Simon havia percebido isto e defendido a substituição do governo dos legisladores

pelo governo dos cientistas. Com o progresso dos instrumentos de cálculo, que

Saint-Simon não podia nem mesmo de longe imaginar, a exigência do assim

chamado governo dos técnicos aumentou de maneira desmesurada (BOBBIO, 1987,

p.34).

Para Bobbio “Estado democrático e estado burocrático estão historicamente muito

mais ligados um ao outro do que a sua contraposição pode fazer pensar” (BOBBIO, 1987,

42

p.34). Isto, pois a medida que a democracia se institucionaliza ocorre também a criação de

aparatos burocráticos que se formam para garantir o seu funcionamento. Nesse mesmo sentido

o autor afirma “Que democratização e burocratização caminharam no mesmo passo é algo

evidente, como de resto havia já observado Max Weber” (BOBBIO, 1987, p.35). Esta

argumentação se fundamenta, que a partir do contexto histórico que a burguesia enquanto

proprietária dos meios de produção e capital sinalizava ao estado a necessidade da proteção ao

direito a propriedade, percebida esta como direito natural nas bases da doutrina de Locke. E

ocorrendo a expansão ao direito ao voto das demais pessoas, a qual em sua maioria eram

analfabetos, demanda ao estado a necessidade de formação educacional dos cidadãos, sendo

este por meio de ensino gratuito. Também nesse cenário se iniciou a exigência pela população

que o Estado intervisse na:

[...] proteção contra o desemprego e, pouco a pouco, seguros sociais contra as

doenças e a velhice, providências em favor da maternidade, casas a preços

populares, etc. Assim aconteceu que o estado de serviços, o estado social, foi, agrade

ou não, a resposta a uma demanda vinda de baixo, a uma demanda democrática no

sentido pleno da palavra (BOBBIO, 1987, p.35).

É relevante ressaltar sobre a dita “ingovernabilidade da democracia”, problema

esse apresentado por Bobbio, e que também ecoa nos debates contemporâneos que tendem a

afirmar que à medida que cada vez mais existem mobilizações sociais que pressionam para

que o estado intervenha nas demandas que surgem, ocasiona a desarmonia das funções

estatais e das necessidade e vontades da população. “Mas como pode o governo responder se

as demandas que provêm de uma sociedade livre e emancipada são sempre mais numerosas,

sempre mais urgentes, sempre mais onerosas?” (BOBBIO, 1987, p.36). Essa indagação de

Bobbio é propicia para compreender a complexidade do regime democrático em sua base

liberal que contribui para o alargamento da participação e direito a vida política pela

sociedade civil. Sabendo que a resposta a essa pergunta ensejaria uma análise crítica o próprio

autor se arrisca a responde-la:

43

Afirmei que a precondição necessária de todo governo democrático é a proteção às

liberdades civis: a liberdade de imprensa, a liberdade de reunião e de associação, são

vias através das quais o cidadão pode dirigir-se aos governantes para solicitar

vantagens, benefícios, facilidades, uma mais justa distribuição dos recursos. A

quantidade e a rapidez destas demandas, no entanto, são de tal ordem que nenhum

sistema político, por mais eficiente que seja, pode a elas responder adequadamente.

Daí derivam a assim chamada "sobrecarga" e a necessidade de o sistema político

fazer drásticas opções. Mas uma opção exclui a outra. E as opções não satisfatórias

criam descontentamento (BOBBIO, 1987, p.36).

Parece, portanto, oportuno em movimento dialético retomarmos a

problematização central para generalizar o conceito de democracia a qual será utilizada ao

decorrer dessa monografia, mesmo sabendo que essa singela citação não abarca os múltiplos e

complexos estudos que foram realizados para abordar essa temática. Todavia, se faz

necessário equiparamos uma medida como eixo de conhecimento: “Se por democracia

entendemos, como devemos, um regime no qual todos os cidadãos adultos têm direitos

políticos — onde existe, em poucas palavras, o sufrágio universal” (BOBBIO, 1987, p.44 e

45). Então o que entendemos por democracia representativa? “A expressão "democracia

representativa" significa genericamente que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações

que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela

fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade” (BOBBIO, 1987, p. 44).

Destaca-se que, a seguir no Capítulo III é exposto as possibilidades da

participação presentes na Constituição Cidadã de 1988 e na análise de três artigos desse

ordenamento jurídico federal, que abordam especificamente o processo legislativo (Artigos

58, 61 e 74), os quais representam possíveis contribuições para a democracia participativa.

44

CAPÍTULO III – ANÁLISE DO TEXTO CONSTITUCIONAL

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional

Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade

fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,

na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,

promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL-CF/1988, Preâmbulo,

grifo nosso)

3.1. Mecanismos de Participação na Constituição Cidadã

Com a finalização da ditadura civil-militar no Brasil10, iniciou-se a Nova

República (ou Sexta-República), caracterizada pela retomada do processo eleitoral, pela

ampla democratização política nacional e por sua estabilização econômica. O processo de

redemocratização promoveu a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, a reforma no sistema de proteção social com a promulgação de 250 artigos

constitucionais, os quais encontram-se expressos fundamentos e disposições relativos desde

os seus princípios fundamentais (Art.1º) que assentam a República e o Estado Democrático de

Direito, até mesmo Direitos e Garantias Fundamentais, Organização dos Estados,

Organização dos Poderes, dentre outras temáticas contidas nesse documento.

No artigo 1º. Incisos II, III e IV, afirma-se que o Estado Democrático de Direito

tem como fundamento a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Em

seu parágrafo único discorre que “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL-CF/1988,

10 Esta representa o regime instaurado em 1º de abril de 1964 e que perdurou até 15 de março de 1985 , sob

comando de sucessivos governos militares “Na Quinta República estão incluídos o Governo Militar, com a

expedição de atos institucionais a partir de 9 de abril de 1964, a "Constituição Congressual", de 24 de janeiro

de 1967, a "Emenda Constitucional nº 1", de 17 de outubro de 1969, promulgada pela Junta Militar, e as

emendas subseqüentes; e o Governo civil, com a denominada "Nova República", até a promulgação da

"Constituição Cidadã", em 5 de outubro de 1988” (BRASIL-CD, 2006, p 1, grifo do autor).

45

Art.1º). E prevê que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o

Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL-CF/1988, Art.2º).

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 constam os seguintes

dispositivos em prol da democracia participativa:

– Direitos de todos e obrigação dos órgãos públicos de prestarem informações de interesse

particular, ou de interesse coletivo ou geral, no prazo da lei (BRASIL-CF/1988, Art. 5º;

XXXIII);

– Assegurado a todos, independentemente o pagamento de taxas o direito de petição aos

poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (BRASIL-

CF/1988, Art. 5º; XXXIV, a);

– Reconhecimento da competência do Tribunal do Júri11, de caráter eminentemente popular,

de participação da sociedade no Poder Judiciário ((BRASIL-CF/1988, Art. 5º; XXXVIII);

– Todo cidadão possui a legitimidade para propor ação popular, em defesa de direito difuso,

objetivando anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe

(BRASIL-CF/1988, Art. 5º; LXXIII);

– “Participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente,

participação na gestão da empresa, conforme definido em lei” (BRASIL-CF/1988, Art.6º; XI);

– “[...] participação dos trabalhadores e empregadores nos órgãos colegiados dos órgãos

públicos, para defesa de interesses profissionais ou previdenciários [...]” (BRASIL-CF/1988,

Art. 10); . – “A

soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e voto direto e secreto, com valor

igual para todos, e, nos termos da lei mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa

popular” (BRASIL-CF/1988, Art. 14);

11 LEI Nº 11.689, de 9 de junho de 2008. A lei altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de

1941 – Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri, e dá outras providências.

46

– Previsão de que “Os Estados podem incorpora-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se

[...]” mediante a aprovação da população, por plebiscito. (BRASIL-CF/1988, Art.18, § 3º);

– Presciência de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios

envolvidos, para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios

(BRASIL-CF/1988, Art.18, § 4º);

– Previsão que “A lei disporá sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual”

(BRASIL-CF/1988, Art.27, §4º). Este artigo incitou aos Estados a criarem legislação para

regular a iniciativa popular, possibilitou também que alguns deles formulassem comissões

nessa área para facilitar a participação popular no processo legislativo;

– “cooperação das associações representativas no planejamento municipal” (BRASIL-

CF/1988, Art. 29, XII). Por meio desse artigo constitucional foram criadas as ações em prol

do Orçamento Participativo, em âmbito municipal, em diversas cidades brasileiras;

– “Iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de

bairros, através da manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado” (BRASIL-

CF/1988, Art. 29, XIII)

– Disposição das contas dos municípios aos cidadãos, que poderão questionar-lhes a

legitimidade e a legalidade (BRASIL-CF/1988, Art. 31, § 3º);

– “é garantido ao servidor público o direito à livre associação sindical” (BRASIL-CF/1988,

Art.37, VI);

– “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e

indireta [...] ” (BRASIL-CF/1988, Art. 37, § 3º);

– Obrigatoriedade de a Administração direta e indireta criar mecanismos para receber “as

reclamações relativas a prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção

de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica [...] (BRASIL-CF/1988, Art.

47

37, § 3º, I). Esse inciso possibilitou a geração de ouvidorias e de centrais de atendimento aos

usuários

– “acesso dos usuários a registros administrativos e as informações sobre atos de governo,

observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII” (BRASIL-CF/1988, Art. 37, § 3º, II);

– “a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego

ou função na administração pública” (BRASIL-CF/1988, Art. 37, § 3º, III). Para além da

criação das ouvidorias, esse disposto ensejou a criação das corregedorias no serviço público;

– realização de audiências públicas das comissões do Poder Legislativo com entidades da

sociedade civil (BRASIL-CF/1988, Art. 58, II);

– “receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou

omissões das autoridades ou entidades públicas” (BRASIL-CF/1988, Art. 58, IV);

– Direito dos cidadãos para iniciativa de leis (BRASIL-CF/1988, Art.61, § 2º);

– Qualquer cidadão [...] é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou

ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União (BRASIL-CF/1988, Art. 74, § 2º);

– Participação de seis cidadãos brasileiros natos, no Conselho da República (BRASIL-

CF/1988, Art. 89, VII);

– participação de “dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada [...]” (BRASIL-

CF/1988, Art.103 - B, XIII) para compor o Conselho Nacional de Justiça;

– previsão de corregedoria, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL-CF/1988,

Art.103-B, § 5º, I). Logo, qualquer cidadão pode denunciar irregularidades que tenha

conhecimento;

– previsão de ouvidorias de justiça, no âmbito da União, Distrito Federal e Territórios, para

receber reclamações e denúncias (BRASIL-CF/1988, Art.103 - B, § 7º);

48

– participação de dois cidadãos no Conselho Nacional do Ministério Público (BRASIL-

CF/1988, Art.130-A, VI);

– criação de ouvidorias do Ministério Público, em âmbito federal e estadual, para receber

reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Ministério

Público (BRASIL-CF/1988, Art.130-A, § 5º);

– “É assegurada participação do proprietário do solo nos resultados da Lavra, na forma e no

valor que dispuser a lei” (BRASIL-CF/1988, Art.176, §2º);

– “caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite,

com participação dos trabalhadores, dos empregados, dos aposentados e do Governo nos

órgão colegiados” (BRASIL-CF/1988, Art.194, VII), Isto, na Seguridade Social,

“[...]destinadas a assegurarmos direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”

(BRASIL-CF/1988, Art.194);

– Diretriz da política de saúde: participação da comunidade (BRASIL-CF/1988, Art.198, III);

– “Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das

políticas e no controle das ações em todos os níveis” (BRASIL-CF/1988, Art.204, II);

– “participação da comunidade nas ações de seguridade social” (BRASIL-CF/1988, Art. 194,

VII – CF);

– previsão de colaboração da sociedade na promoção e incentivo à educação (BRASIL-

CF/1988, Art. 205);

– gestão democrática do ensino público, na forma da lei (BRASIL-CF/1988, Art. 206, VI);

– previsão de colaboração da comunidade na promoção e proteção do patrimônio cultural

brasileiro (BRASIL-CF/1988, Art. 216, §1º);

49

– previsão de apoio e incentivo estatal as empresas que invistam em pesquisas, criação de

tecnologia, “[..] formação e aperfeiçoamento de recursos humanos e que pratiquem sistemas

de remuneração que assegurem ao emprego, desvinculada do salário, participação nos ganhos

econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho” (BRASIL-CF/1988, Art. 218, §4º);

Por meio do texto constitucional da Carta Magna de 1988 e conforme previsto

em alguns artigos que declaram a necessidade de outras legislações especificarem sobre as

temáticas, foram criados em diversos âmbitos os conselhos de direito (da criança e do

adolescente, da pessoa idosa, da pessoa presa, etc.); conselhos gestores de políticas públicas

(da habitação, da saúde, da assistência, dentre outros.); orçamento participativo; ouvidorias;

comissões de legislação e participação popular. Isso significa que, não somente os

mecanismos e instrumentos atualmente conhecidos pela promulgação da CF/1988 possibilita

a democracia participativa, mas também gerou que os Estados e Municípios fundamentado em

seu texto pudessem criar outras legislações. Deste modo, também é possível visualizar nas

pesquisas acadêmicas e no cotidiano que em determinados territórios a participação popular é

mais instituída do que em outros.

3.2. Análise dos Instrumentos da Democracia Participativa Previstos na

CF/1988: Potencialidades e Limites

Partindo do pressuposto que o “Processo Legislativo é um conjunto de ações

realizadas pelos órgãos do poder legislativo com o objetivo de proceder à elaboração das leis

sejam elas constitucionais, complementares e ordinárias bem como as resoluções e decretos

legislativos (BRASIL-CAMÂRA, 2016, p.1). E considerando que o Poder Legislativo é:

Um dos três poderes da República Federativa encarregado de, principalmente,

elaborar, discutir e aprovar leis. Na esfera federal, é exercido pelo Congresso

Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal; na esfera

estadual, é exercido pelas Assembleias Legislativas; no Distrito Federal,

50

pela Câmara Legislativa; e nos Municípios, pelas Câmaras de Vereadores. CF, Arts.

44 a 75 (BRASIL-CD, 2016, p.1, grifo nosso).

Retomamos a pergunta problema do presente estudo: Quais são as possíveis

contribuições e dificuldades encontradas da participação popular no processo legislativo da

democracia no Brasil?

Conforme disposto nos “Mecanismos de Participação na Constituição Cidadã”

três artigos no ordenamento jurídico federal abordam especificamente o processo legislativo

(Artigos 58, 61 e 74), sendo assim possíveis contribuições para a democracia participativa.

Art. 58. O congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e

temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo

regimento ou no ato de que resultar sua criação.

§ 2º- às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:

II- realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;

IV- receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa

contra atos ou omissões de autoridades ou entidades públicas (BRASIL-CF/1988,

Art. 58, § 2º, II e III).

E, objetivando suprir as suas necessidades por meio do sufrágio universal a

representação dos cidadãos brasileiros é realizada pelo parlamento, e as comissões

parlamentares12 têm uma importância incisiva nas respostas a esses anseios, sendo estas de

caráter direcionada a determinada área e específica as suas temáticas.

O emprego das Comissões Parlamentares é auxiliar no desenvolvimento de um

consenso de opiniões acerca de um processo legislativo, e tem também como função fiscalizar

as ações administrativas do Poder Público, conforme previsão constitucional e dos regimentos

internos. Nesse contexto a sociedade civil também é convidada por meio das audiências

públicas (BRASIL-CF/1988, Art. 58, § 2º, II) para participar das discussões. De acordo com o

Glossário apresentado pela Câmara dos Deputados, audiências públicas é:

12 Segundo o Glossário da Câmara dos Deputados, comissão é “Órgão integrado por parlamentares, tendo

composição partidária proporcional à da Casa Legislativa, tanto quanto possível, e pode ter caráter permanente

ou temporário. É comissão permanente quando integra a estrutura institucional e comissão temporária quando

criada para apreciar determinado assunto, especial e de inquérito, ou para o cumprimento de missão temporária

autorizada. A comissão temporária extingue-se ao término da legislatura, quando alcançado o fim a que se

destina ou, ainda, quando expirado o seu prazo de duração. CF, Art. 58; RICD, Art. 26” (BRASIL-CD, 2016,

p.9).

51

Reunião realizada por colegiado parlamentar (Comissão ou Ouvidoria) com entidade

da sociedade civil para instruir matéria legislativa em trâmite ou para debater

assuntos de interesse público relevante, referente à área de atuação da Comissão ou

da Ouvidoria Parlamentar, respectivamente. A realização de reunião de audiência

pública depende de aprovação pela maioria simples do colegiado de proposta com

esse objetivo apresentada por qualquer de seus membros ou pela entidade

interessada, para que sejam ouvidas as autoridades, as pessoas interessadas e os

especialistas ligados às entidades participantes. É proibido convidar a depor nessas

reuniões membros de representação diplomática estrangeira. RICD, Arts. 21-A, VII,

255 a 258 (BRASIL-CD, 2016, p.3).

Promulgado pela CF/1988 o chamamento para realização das Audiências

Públicas13 é um dever dos órgãos públicos e um direito dos cidadãos. Este pode ocorrer

durante quaisquer fases de processos de criação e aprovação de legislações, projetos e

políticas públicas, ou até mesmo para prestação de contas, por parte do Poder Executivo,

Legislativo ou do Ministério Público. Elas ocorrem em qualquer nível dos entes federativos

(municipal, estadual ou federal).

Nesse sentido, o Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais

no boletim “REPENTE: Participação Popular na Construção do Poder Local”, o qual objetiva

“[...] divulgar informações e contribuir na formação de participantes de Conselhos de todo o

país e pessoas interessadas em construir e fortalecer espaços participativos e de exercício da

cidadania ativa” (PÓLIS, 2005, p.1), ao analisar as possibilidades das audiências, expôs que:

É uma forma importante da sociedade civil fazer parte das decisões do Estado,

influenciando-o e controlando-o. Por meio delas, o Estado disponibiliza

13 Faz-se necessário destacar para aqueles que desejarem se aprofundar no estudo do assunto proferido, que: “De

acordo com algumas Leis Federais, deverá haver Audiência Pública:

• No início do processo de licitação, sempre que o valor estimado for superior a 100 vezes o limite previsto pela

mesma lei (Lei Federal nº 8666/93).

• Nos casos de processos de licenciamento ambiental que provoquem significativo impacto ambiental, como, por

exemplo, para a construção de hidrelétricas, presídios, lixões, etc., sempre que o órgão ambiental julgar

necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público ou por 50 ou mais cidadãos

(Resolução nº 009/1987 do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente).

• Para debater os temas necessários para o poder público em qualquer momento de um processo administrativo

(Lei Federal nº 9784/99).

• Na demonstração e avaliação do cumprimento das metas fiscais de responsabilidade do poder Executivo

(prestação de contas) para cada quadrimestre. Essas deverão acontecer no final dos meses de maio, setembro e

fevereiro de cada ano (Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar n° 101/00).

• No processo de elaboração do Plano Diretor e discussão de projetos de grande impacto (Estatuto da Cidade –

Lei Federal nº 10.257/01 e Resolução nº 25 do Conselho Nacional das Cidades).

• Para a garantia dos direitos difusos e coletivos junto aos órgãos públicos dos poderes Executivo e Legislativo,

realizadas pelo Ministério Público (Lei Federal nº 8.625/93)” (PÓLIS, 2005, p.2).

52

informações, esclarece dúvidas, abre debates e presta contas à sociedade sobre ações

e projetos públicos de relevante impacto ou interesse social (INSTITUTO PÓLIS,

2005, p.1).

O Instituto Pólis ao abordar especificamente acerca do poder Legislativo, prevê

“[..] que as comissões temáticas (de Desenvolvimento Urbano, Meio Ambiente, Ciência e

Tecnologia, etc.) do Senado Federal, da Câmara de Deputados, da Assembléia Legislativa

Estadual e Câmaras de Vereadores” (INSTITUTO PÓLIS, 2005, p.1) realizem Audiências

Públicas ao decorrer do processo de criação da legislação.

Ao se estudar sobre as audiências públicas, as principais dificuldades encontradas

foram:

Aspecto Organizacional: Esse diz respeito a divulgação do local, data e horário da

audiência pública, sendo na maioria das vezes em dia útil e horário comercial (entre segunda e

sexta-feira, das 8 às 17 horas) coincide com o horário de trabalho de grande parte da

população, e esta não consegue dispensa do seu empregador para participar dessa ação.

O órgão competente tem a função de definir, por meio de edital, a data, o horário, a

forma como será feita a disponibilização de informações e o local acessível para a

realização da Audiência. Estas informações precisam ser divulgadas com a máxima

antecedência no Diário Oficial e em outros meios de comunicação como jornais,

televisão, etc. (INSTITUTO PÓLIS, 2005, p.1).

Linguagem Técnica: O excesso do uso de jargões, caracterizado pela utilização de

um ou mais termos específicos e restrito a profissionais de uma determinada área ou círculo

profissional, nas audiências públicas afasta o cidadão “comum’ da discussão no processo de

decisão da coisa pública, já que o mesmo por vezes não possui entendimento especializado,

necessário para compreender o assunto proposto.

Desenvolvimento e Resultados: Iniciado muitas vezes por sua divulgação nos

diários oficiais as audiências públicas tendem a seguir um padrão burocrático em seu

desenvolvimento. E pode seguir a tendência de ser mera exposição da temática, isto, apesar de

possuir como função a de ser consultiva. Os resultados das audiências públicas apresentam as

suas principais, assunto esse recorrente no debate cientifico e na sociedade civil, que indaga o

53

aspecto consultivo das audiências e não sendo vinculante. Logo, por vezes apesar da

audiência pública apresentar a posição da população essa não se reflete no assunto discutido

(MORONI, 2012).

Objetivando fazer cumprir o Art. 58, IV da CF/1988 o Senado Federal e a Câmara

dos deputados criaram as Ouvidorias Públicas, contando com canal de acesso por meio

virtual, endereço para correspondência e telefone para a manifestação e indagação por parte

dos cidadãos em relação ao poder Legislativo federal.

Já o Artigo o constitucional 61 prevê o direito dos cidadãos para iniciativa de leis.

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro

ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso

Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais

Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos Cidadãos, na forma e nos casos

previstos nesta Constituição.

§ 2º- A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos

Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado

nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos

por cento dos eleitores de cada um deles (BRASIL-CF/1988, Art. 61, § 2º).

Para Simone de Sá Portella, Procuradora do Município de Campos dos

Goytacazes/RJ, “A iniciativa de leis no procedimento ordinário constitui uma questão de alta

relevância em um Estado Democrático de Direito. Trata-se de situação disciplinada na

Constituição Federal [...]” (PORTELLA, 2006, p. 667). Defende também que:

[...] na atual Carta de 1988, com destaque para a possibilidade do cidadão em

deflagrar o procedimento legislativo ordinário. Isso é de grande importância para a

conscientização de que a democracia pátria, não pode ser vista como meramente

representativa, mas também participativa (PORTELLA, 2006, p. 667).

Em consequência do apresentado por Portella, nota-se também a sua conceituação

de iniciativa legislativa.

Assim sendo, formulamos o nosso conceito de iniciativa legislativa, como sendo a

manifestação de vontade, deflagrada por legitimados de acordo com a Constituição

Federal, com vistas ao início de um procedimento, realizado no âmbito do Poder

Legislativo, com a finalidade de modificar o ordenamento jurídico, dando ensejo a

um ato normativo abstrato, genérico e impessoal (PORTELLA, 2006, p. 670).

Em seu texto “Processo Legislativo na Constituição de 1988” Adriano Pilatti

defende que no contexto sócio histórico da formação da legislação pós Constituição de 1988

54

“A participação direta da cidadania praticamente não existiu: o primeiro obstáculo ao seu

exercício foi estabelecido pela própria Constituição, ao definir os requisitos quantitativos para

a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular” (PILATTI, 1999, p. 82). Para o autor

esse caráter severo no ordenamento jurídico inviabilizou a possibilidade da população em

realizar iniciativas de leis. Ainda discorrendo sobre os limites do Artigo constitucional 61,§

2º, Pilatti profere:

[...] Com efeito, após o surgimento do Centrão e o conseqüente desenvolvimento da

ofensiva conservadora contra os avanços democratizantes aprovados pelas

subcomissões e comissões da Constituinte, a redação adotada pelo Plenário da

Constituinte passou a exigir que os projetos de lei de iniciativa popular, para serem

apreciados pelo Congresso Nacional, fossem subscritos por um por cento do

eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de

três décimos por cento de cada um deles. Isto representa a necessidade de recolher

mais de um milhão de assinaturas num esforço de mobilização gigantesco, apenas

para que a proposição possa tramitar pelas Casas do Congresso (PILATTI, 1999, p.

83).

Em contraponto com a dificuldade exposta por Pilatti (1999), Portella argumenta:

No entanto, apesar das dificuldades para se colocar em prática a iniciativa popular,

isso não pode se tornar óbice ao exercício de um instrumento democrático de tão

relevo, previsto na atual Constituição. Isso porque, a verdadeira democracia

constitutiva do Estado Democrático de Direito não pode ser meramente formal, e

sim com instrumentos hábeis a concretizar a vontade popular, sob o risco de os

direitos e garantias fundamentais serem apenas postulados escritos sem nenhuma

eficácia prática. E sendo assim, não se pode falar na existência de um Estado

Democrático de Direito como estatuído no art 10 da Constituição Federal

(PORTELLA, 2006, p. 677).

É de conhecimento que o Artigo 61 discorre sobre a legitimidade de iniciativa

legislativa para assuntos gerais e a iniciativa restrita a alguns órgãos. Assim sendo, no

presente estudo ao abordar sobre a inciativa legislativa se fez a alusão aos assuntos gerais, os

quais são passiveis de iniciativa de lei pela população. Ainda convém destacar que Portella

ao se referir ao ilustre jurista Pilatti (1999), discorre que esse:

[...] enfatiza que a Constituição Federal de 1988 confere ampla participação ao

Poder Executivo no processo de elaboração legislativa, dizendo que a ruptura com o

modelo anterior foi mais aparente do que real, especialmente no que se refere à

participação do Executivo no processo legislativo. Dessa forma, manteve-se a

iniciativa presidencial em matéria constitucional e um amplo campo de reserva de

iniciativa legislativa ao Executivo, em especial em matérias de administração,

finanças e orçamentos públicos (PORTELLA, 2006, p. 677).

55

Cabe traçarmos um paralelo das discussões de Pilatti (1999) e Portella (2006) com

a realidade brasileira, que após a promulgação da CF/1988 que no Artigo 61,§ 2º reservou ao

povo a capacidade propositiva de iniciativa de leis, seguindo o dispositivo de adesão de no

mínimo 1% do eleitorado, sendo desses 0,3% de pelo menos cinco estados federados. E

conforme já dito por Pilatti (1999) ao retratar as dificuldades da concretização desse Artigo,

essa porcentagem a primeiro olhar pode parecer pequena, mas 1% do eleitorado nacional

equivale atualmente a cerca de 1,4 milhão de pessoas14. Por essa razão, justifica-se que apenas

quatro projetos de iniciativa popular tenham se tornado novas leis, constituindo elas as

respectivas:

1) Lei 8.930/ 1994, que dispõe sobre os crimes hediondos, conhecida popularmente como o

caso Daniella Perez15.

2) Lei 9.840/1999. Altera dispositivos da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997, e da Lei

no 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral (combate à compra de votos).

3) Lei 11.124/2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social –

SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o

Conselho Gestor do FNHIS.

4) Lei Complementar 135/2010. Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990,

que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de

14 De acordo com as informações expostas no site do Tribunal Superior Eleitoral, o eleitorado nacional foi de

141.824.607 em 2014, um acréscimo de 4,43% em relação a 2010 que foi de 135.804.433. Disponível em:

http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014> Acessado em:24/11/2016. 15 “Em dezembro de 1992, a atriz Daniella Perez, de 22 anos, filha da autora de telenovelas Glória Perez, foi

brutalmente assassinada pelo seu colega de novela, Guilherme de Pádua, e sua esposa, Paula Nogueira Thomaz.

O episódio causou profunda comoção popular, visto que Daniella era protagonista de uma novela da Rede Globo

naquele ano. Além disso, a mãe da atriz se indignou com as relativas facilidades que tiveram os autores do

crime: mesmo sendo acusados de homicídio qualificado, tiveram direito a fiança e, quando condenados, puderam

cumprir parte da pena em regime semiaberto. O caso ganhou tamanha notoriedade que Glória Perez conseguiu

emplacar uma campanha para a coleta de 1,3 milhão de assinaturas, a fim de apresentar um projeto que

incluía o homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos. Em 1994, o projeto foi sancionado” (POLITIZE,

2016). Disponível em: http://www.politize.com.br/4-projetos-de-iniciativa-popular-que-viraram-leis/ Acessado

em: 25/11/2016

56

inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de

inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício

do mandato. Conhecida popularmente como a Lei da Ficha Limpa

O terceiro artigo do ordenamento jurídico federal que especificamente o processo

legislativo é o:

Art. 74. Os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma

integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

§ 2º- Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legitima

para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidade perante o Tribunal de

Constas da União (BRASIL-CF/1988, Art. 74, § 2º).

Por fim, para materializar esse Artigo foi criada a ouvidoria do Tribunal de Contas

da União (TCU), possibilitando por meio virtual que qualquer cidadão possa se comunicar

com esse órgão, ou se assim preferir, também pode ligar de forma gratuita na central de

atendimento, anualmente o TCU apresenta em seu site o relatório de atendimento da

ouvidoria. A dificuldade presente é referente ao acesso a essas informações que só poderão

realizadas mediante a cadastro na plataforma virtual desse órgão.

57

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se refletir sobre participação não é possível analisá-la de forma única e

isolada, pois está presente em um contexto sócio histórico, possuindo atores sociais,

representações e objetivando concretizar diferentes finalidades de transformações societárias

em um cenário político, econômico, social, cultural e ambiental, determinado por diversos

aspectos.

Diante dessa complexa temática, o objetivo geral desta monografia foi “analisar

os alcances e limites da participação popular no processo legislativo da democracia

brasileira”. Por meio da pesquisa bibliográfica e do referencial teórico desvelamos os

objetivos específicos que foram: Identificar o que a legislação federal brasileira discorre sobre

a participação popular e delimitar as possíveis contribuições e dificuldades existentes nesse

processo, resultados esses apresentados no Capítulo III. O qual retratou os dispositivos

constitucionais que norteiam a participação popular, e que expôs as possibilidades para a

participação popular na tomada de decisão nos processos da sociedade brasileira, os quais

permeiam o exercício da democracia participativa.

A metodologia de pesquisa utilizada nos propiciou um avanço na compreensão da

temática abordada, desde o levantamento bibliográfico, ocorrido por meio do acesso na

plataforma virtual da Fundação da Biblioteca Nacional e na Biblioteca Digital do Senado

Federal, e em seus respectivos bancos de dados, os quais expuseram a existência de ampla

discussão dos descritores utilizados nas palavras-chaves. Os procedimentos metodológicos

possibilitaram a construção do referencial teórico por meio de fontes atuais dado ao recorte

teórico de 28 anos, publicações posteriores à 1988, período o qual foi promulgada a

Constituição Cidadã de 1988.

58

No final da leitura das bibliografias levantadas, observamos que muitos autores

diferem os termos “participação social” e “participação popular”. Sendo o primeiro

representado pela ação popular em matéria de direitos sociais previstos na CF/1988 ou a luta

por novos direitos. Já o segundo termo, participação popular, é concebido de forma

generalista para a participação dos cidadãos em todo o processo de tomada de decisão na vida

pública. É importante ressaltar, que apesar de não ter sido mensurado nessa pesquisa, foi

perceptível também que a partir dos anos 2.000 novos autores defendem o uso do termo

“participação política” para se referir a diversas atividades que vão desde o ato do voto, a

militância nos partido político, a participação em manifestações sociais, a discussão da

realidade política, o apoio ou a pressão a um determinado candidato ou partido, essa ação

anterior, ao decorrer ou posterior a decisão do pleito, e assim sucessivamente nas temáticas

consideradas políticas.

Os resultados da pesquisa confirmam a nossa hipótese inicial, haja vista que

diante do apresentado no Capítulo II, que ao abordar os movimentos sociais e lutas populares

retratou de forma sócio histórica a conquista da democracia participativa promulgada na

CF/1988, por meio de seu ordenamento jurídico prevê nas bases do Estado Democrático de

Direito que todos cidadãos podem participar e intervir diretamente nas decisões estatais e no

processo legislativo, nas previsões da Lei. Desta forma conforme defendida na hipótese, é

possível considerar que as possibilidades para que ocorra a participação popular está

relacionada a instauração de dispositivos normativos e a presença social em alguns espaços.

Alguns exemplos desses são: conselhos, conferências, ouvidorias, audiências públicas, dentre

outros.

E diante da trajetória metodológica proposta e percorrida, nos fazem ter a

convicção de que a pesquisa conseguiu responder ao problema exposto. Foi possível também,

59

compreender a dinâmica societária que possibilitou a promulgação da participação popular na

CF/1988, e no processo legislativo dela decorrente.

Faz-se necessário ressaltar, com base nos dados apresentados nessa pesquisa que

diferente do defendido por algumas pessoas a democracia participativa no Brasil, não se

restringe a representação política e sim conglomera diversos outros mecanismos para o

controle, participação popular nos processos de decisões na gestão pública.

E, conforme exposto na “Análise do Texto Constitucional” as possibilidades de

participação popular no processo legislativo tem uma legitimidade abrangente, aferindo até a

iniciativa de leis por parte dos cidadãos, e que apesar de essa ser vista com limitações na

aplicação prática dada as suas particularidades presentes na Constituição. No entanto, é

necessário não deixar que essa dificuldade anule e/ou deslegitime esse meio constitucional

que prevê ao povo a elaboração de leis diante dos seus anseios. Deve-se fazer prevalecer a

democracia participativa intrínseca na própria noção de Estado Democrático de Direito.

Ainda que seja permeada por diversas críticas e limitações à participação na

democracia brasileira já instituída no alicerce da Constituição Federal de 1988 não foi

esgotada em sua legitimação. Deste modo, se faz necessário que sejam criadas e/ou

aprimoradas as formas de avaliação dos mecanismos institucionalizados para a gestão da

administração pública por parte da população. Reafirmando o exposto no desenvolvimento

dessa pesquisa: A combinação da democracia representativa com a democracia participativa

não é produto acabado e nem deve ser vista como contraponto antagônico e sim de forma

complementar e coexistente no processo democrático do Brasil.

Esse estudo nos permitiu desvelar outros problemas de pesquisa que poderão ser

futuramente estudados, como:

60

Qual é a efetividade da participação popular nas audiências públicas previstas no

Art.61 § 2º da CF/1988? Esta gera alteração nas propostas apresentadas?

Quais são os canais de participação política no processo legislativo estadual e/ou

municipal?

E especialmente, qual é a compreensão que os deputados estaduais e/ou

vereadores têm sobre o processo de participação popular no legislativo?

Portanto, compreender o processo de formação nacional é visualizar o passado

ambientado por lutas e resistências de atores sociais de forma individualizada e/ou coletiva

para serem ouvidos em suas demandas. Assim sendo, foi instaurada a participação popular ao

decorrer da história brasileira até o presente contexto e a sua potencialidade está no olhar para

o futuro e planejar ações para que seja alcançada, não de forma utópica, mas sim planejada.

Este Trabalho de Conclusão de Curso não esvazia as possibilidades de novos

questionamentos sobre as “Potencialidades e limites da participação popular no processo

legislativo da democracia brasileira. Ao inverso, demonstra que essa temática tem diversas

possibilidades para reformulação e/ou ampliação de seu estudo.

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