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1 X SEMINÁRIO INTERNACIONAL DA REDE ESTRADO – ISSN 2219-6854
Direito à educação, políticas educativas e trabalho docente na América Latina: experiências e propostas em disputa.
POSSIBILIDADES E LIMITES DE UMA AÇÃO FORMATIVA COM
PROFESSORES DE CIÊNCIAS EM EXERCÍCIO A PARTIR DO ENFOQUE
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE.
Priscila Franco Binatto UESB
Ana Cristina Santos Duarte UESB
Resumo
Este trabalho tem o objetivo de relatar e discutir as contribuições e limites de uma ação
formativa, inspirada nos referenciais críticos e organizada a partir dos pressupostos
teóricos do enfoque Ciência, Tecnologia e Sociedade no ensino. A ação formativa foi
realizada, durante os meses de junho a dezembro de 2013, com quatro professoras de
Ciências em exercício, de escolas públicas do Ensino Fundamental, do município de
Seabra-BA. A proposta foi desenvolvida a partir da formação de um grupo de estudos
sobre o Ensino de Ciências com enfoque CTS, sendo realizados encontros quinzenais
para leitura de textos, reflexões sobre o ensino de Ciências e prática docente, elaboração
e implementação de uma proposta de intervenção com os alunos das participantes.
Avaliamos a experiência de maneira positiva, em especial por ter favorecido a reflexão
sobre crenças e valores que permeiam a prática das professoras e o reconhecimento da
importância de abordar aspectos sociocientíficos, tendo em vista a função social do
ensino de Ciências. A descontinuidade do grupo e a dificuldade de aprofundamento nas
leituras foram os principais limites encontrados.
Palavras chave: Ensino de Ciências-Formação de Professores-Enfoque CTS.
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Direito à educação, políticas educativas e trabalho docente na América Latina: experiências e propostas em disputa.
INTRODUÇÃO:
Vivemos em um mundo cada vez mais permeado pela Ciência e Tecnologia, em
as transformações científicas e tecnológicas acontecem de forma acelerada exercendo
influência direta em nosso estilo de vida. Assim é estabelecida uma sociedade do
consumo regida pelo sistema de produção capitalista, que na busca incessante de
aumento do lucro, intensifica o desenvolvimento, produção e consumo de artefatos
científicos e tecnológicos, mas sem buscar uma reflexão mais ampla sobre os problemas
ambientais, sociais e econômicos relacionados a esse comportamento.
As consequências negativas trazidas pelo desenvolvimento científico e
tecnológico muitas vezes são escamoteadas por discursos manipulativos disseminados
na mídia, com promessas de que os avanços científicos e tecnológicos gerarão
necessariamente mais progresso, renda e qualidade de vida. Não somos contrários ao
desenvolvimento científico e tecnológico, mas queremos apenas ressaltar como esse
pode servir muito mais aos interesses econômicos e políticos a serviço das classes
dominantes do que ao bem estar coletivo.
Tendo em vista essa realidade diversos autores, dentre eles Silveira et al.
(2010), tem alertado para a necessidade de se criar espaços de reflexão crítica, em
especial, sobre o uso da Ciência e Tecnologia (C&T), ressaltando suas implicações no
contexto social. Assim, torna-se importante preparar a sociedade para compreender e
poder opinar e participar de forma fundamentada das decisões que envolvem C&T, sem
deixar que essas se limitem à opinião de especialistas e interesses políticos. Essa
preparação direciona ainda a uma visão mais realista da C&T como produto social, fruto
da construção humana e, portanto, permeada por valores e contextualizada
historicamente.
Nesse sentido, evidencia-se a importância da educação e mais especificamente
do ensino de Ciências em preparar a população para o exercício da democracia e para
tanto, encontramos subsídio teórico nas propostas de ensino com enfoque Ciência,
Tecnologia e Sociedade (CTS), que segundo Santos (2012) podem ser caracterizadas
por favorecer a interseção de propósitos entre o ensino de Ciências, educação
tecnológica e para a cidadania, sendo essas dimensões abordadas a partir de seus
aspectos históricos, éticos, políticos e socioeconômicos.
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Porém, apesar de diversas pesquisas evidenciarem os benefícios da implantação
do enfoque CTS no ensino de Ciências (SANTOS; AULER, 2011), ainda persiste nas
escolas um ensino com características dogmáticas, centrado em verdades, baseado na
transmissão-recepção de resultados, conceitos e doutrinas pouco contextualizadas e
voltado para a formação de cientistas (TEIXEIRA, 2003).
Dentre os entraves para que questões científicas e tecnológicas sejam abordadas
a partir de suas imbricadas implicações sociais, podemos abordar a formação dos
professores da área de Ciências, fortemente marcada pela racionalidade técnica,
fragmentação disciplinar e pelo cientificismo, que reforça concepções estereotipadas da
Ciência e o ensino de conceitos como verdades absolutas a serem transmitidas aos
alunos (FERRAZ, 2009; TEIXEIRA, 2003).
Entendendo que a questão da formação de professores não se restringe ao como
formar bons professores, mas nos pressupostos que embasam e possibilitam a realização
de uma proposta (GHEDIN, 2002), nos inclinamos a buscar as bases epistemológicas
que fundamentam e sustentam programas de formação docente. Nessa busca, nos
deparamos com os convencionais modelos de formação, que são organizados de acordo
com as racionalidades técnica, prática e crítica. No quadro 1 apresentamos uma breve
síntese do nosso entendimento sobre esses modelos, baseados em autores como
Contreras (2002), Carr e Kemmis (2004) e Pimenta (2002):
Modelo de
Formação Características
TÉCNICO
Enfatiza o conhecimento técnico em detrimento do prático e
aplicação de estratégias e procedimentos oriundos da pesquisa
acadêmica para a resolução de problemas. Dessa forma há uma
separação entre a elaboração do conhecimento, papel delegado
aos especialistas, e sua aplicação cuja função é executada pelo
professor.
PRÁTICO
Considera a ação educativa como um processo, que sendo fluida
e instável não permite a sistematização proposta pela abordagem
técnica. Dessa forma, supervaloriza o conhecimento proveniente
da prática e a participação ativa dos docentes na produção desse
conhecimento.
CRÍTICO
Defende que o ensino é uma prática social, política e
historicamente situada, sendo importante que os professores
reconheçam suas concepções e práticas, bem como as questões
sociais que as permeiam, discutindo o sentido político que irá
orientar suas ações, recuperando assim o elo entre concepção e
execução.
Quadro 1: Síntese dos modelos de formação de professores.
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Nossas crenças, aliadas à natureza do nosso empreendimento nesse trabalho, nos
impulsionaram a buscar inspiração no modelo de racionalidade crítica para embasar a
iniciativa de organizar um grupo de estudos de professores de Ciências e assim repensar
uma forma de aproximar as questões científicas e tecnológicas das sociais.
Para tanto, tomamos como base algumas pesquisas (CASSIANI; LINSINGEN,
2009; MARTINEZ, 2010; SOARES, 2012) que propuseram propostas de formação de
professores de Ciências fundamentadas na racionalidade crítica e nos pressupostos do
enfoque CTS no ensino de Ciências. Identificamos nos trabalhos supracitados um
grande potencial desses fundamentos teóricos para na formação de professores da área,
no sentido de favorecer a compreensão da natureza da Ciência, o questionamento do
currículo tradicional, o estabelecimento das relações entre cultura científico-tecnológica
e humanística e a percepção de que as resistências dos estudantes nos processos de
ensino-aprendizagem não se dão apenas pelas dificuldades internas à escola e sala de
aula, mas por questões mais amplas como políticas, sociais e econômicas.
A partir das relações já apresentadas, no presente trabalho, temos como objetivo
relatar e discutir as contribuições e limites de uma experiência formativa organizada a
partir dos pressupostos teóricos do enfoque CTS no ensino, realizada com professoras
de Ciências em exercício, em escolas públicas do Ensino Fundamental, no município de
Seabra-BA.
O PERCURSO DE CONSTRUÇÃO DA PROPOSTA DE AÇÃO FORMATIVA:
Inspirados no referencial crítico de formação de professores e nos pressupostos
teóricos do enfoque CTS no ensino, nossa proposta formativa se institui por meio da
formação de um grupo de estudos, intitulado “Ensino de Ciências com Enfoque CTS”,
que teve início no mês de junho de 2013, com o estabelecimento de uma parceria com a
Secretaria Municipal de Educação do município de Seabra, localizado no centro
geográfico da Bahia. A Secretaria se propôs a divulgar a proposta entre os professores,
disponibilizar o espaço e liberar os professores quinzenalmente de suas reuniões de
planejamento na escola, para participação dos mesmos nas reuniões do grupo. Assim,
enviamos o convite aos quinze professores que atuavam com a disciplina Ciências no
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Ensino Fundamental, da rede municipal de ensino do município, sendo a adesão à
proposta de livre escolha dos docentes.
Inicialmente, seis professoras se inscreveram para participar do grupo, tendo
sido realizada uma reunião com cada uma delas, na escola em que trabalham, com
objetivo de explicar como seria a proposta e solicitar o preenchimento de um
questionário, que teve o intuito de caracterizar o perfil dos professores participantes.
O GRUPO DE ESTUDOS “ENSINO DE CIÊNCIAS COM ENFOQUE CTS”:
Conforme descrito anteriormente, seis professoras se interessaram em participar
do grupo. Porém, no decorrer dos encontros o grupo se constituiu apenas por quatro
participantes: Maria, Elza, Edna e Rafaela, cujos nomes foram alterados para preservar
as participantes.
Quanto à formação, o grupo constituído era muito diverso, sendo Maria
graduada em Ciências Biológicas, Elza em Letras, Edna em Pedagogia, já Rafaela havia
concluído o Ensino Médio recentemente. Em comum essas professoras apresentavam o
fato de lecionarem Ciências no Ensino Fundamental e exceto por Maria que tinha sete
anos de experiência, as demais estavam iniciando a carreira docente naquele ano.
Nenhuma das professoras participantes conhecia os referenciais CTS no ensino,
mas em contrapartida já demonstravam, em seus discursos, a preocupação com a
formação integral do sujeito nas aulas de Ciências, não apenas centrando nos aspectos
científicos, mas ampliando para questões sociais e ambientais, como podemos observar
na fala da professora Maria:
[...] Porque ela [a ciência] faz parte do nosso dia-a-dia e está
relacionada à vida cotidiana de todos. Com a ciência é possível
desenvolver a leitura, a escrita a criticidade. Também despertar
a consciência de preservação do meio ambiente para ter um
planeta sustentável. (Maria)
Já a professora Rafaela demonstrou perceber a influência da Ciência na
sociedade e a importância de abordar essas questões no ensino, ao avaliar que: “[...]
nossa educação e ensino de ciências devem responder pelo modelo vigente na
sociedade, por meio de ações voltadas para as exigências sociais” (Rafaela).
Como justificativas para adesão ao grupo, as participantes relataram a
possibilidade de aprender para melhorar a prática favorecendo assim os alunos; a
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ausência de formação na área de Ciências e a possibilidade de estar em contato com
outros colegas de profissão.
A periodicidade e organização da proposta de cada encontro foram definidas
juntamente com as professoras participantes, sendo possível a realização de dez
encontros, com periodicidade quinzenal e duração de quatro horas cada. No quadro 2
descrevemos de forma sintética, as atividades realizadas nos encontros.
Encontro Atividades realizadas
1º e 2º
Apresentação dos integrantes do grupo.
Reflexões sobre o ensino de Ciências: por que, para que e o que
ensinamos?
Organização geral dos encontros.
Seleção de textos para Estudo dos referenciais teóricos CTS no ensino de
Ciências.
3º
Situando o Ensino de Ciências historicamente: discussão de tendências e
características
Discussão teórica a partir de um texto1.
Identificação e análise de propostas de ensino com enfoque CTS.
Levantamento e discussão possibilidades e limites de aplicação em sala.
4º e 5º
Definições da abordagem CTS de acordo com as crenças e valores do
grupo1.
Vivência de uma proposta CTS por meio do estudo de caso: Questões
energéticas.
6º e 7º
Discussão teórica a partir de um texto sobre as relações entre C&T.
Desvelando os mitos da tecnocracia, visão salvacionista da Ciência e
determinismo tecnológico2.
Construção coletiva de uma proposta de intervenção a partir de um enfoque
CTS com os alunos dos professores participantes.
Definição de registro de observação da intervenção com os alunos.
8º e 9º Reuniões de reflexão e replanejamento durante a execução da proposta.
10º Avaliação da ação formativa
Quadro 2: Descrição das atividades realizadas no grupo
AVALIANDO A PROSPOSTA DE AÇÃO FORMATIVA:
Optamos por apresentar nossa avaliação seguindo três aspectos: frequência dos
participantes, potenciais e limites das atividades realizadas no grupo e a experiência de
intervenção com os alunos.
1 SANTOS, W. P. (2012). Educação CTS e cidadania confluências e diferenças. Amazônia, Revista de
Educação em Ciências e Matemáticas. v.9, n. 17. 49-62.
2 Discussão embasada no texto: AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para
quê? Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, v. 3, n. 1, p. 105-115, 2001.
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Frequência e participação dos professores no grupo:
A limitação mais incisiva da proposta se deu em relação à frequência, dado que
nenhum dos dez encontros realizado contou com a presença das quatro integrantes do
grupo simultaneamente. Maria foi a única que frequentou todos os encontros, sendo que
a partir do sexto encontro, apenas ela continuou comparecendo às reuniões e realizou a
intervenção com os alunos. As demais participantes se envolveram apenas nos
momentos de discussão realizado nos encontros, não dando sequência à proposta de
intervenção em sala de aula.
Acreditamos que as razões das desistências estejam vinculadas às condições de
trabalho do professor, como número excessivo de aulas e de tarefas burocráticas, que
limitam os momentos de estudo e reflexão sobre a prática. É possível também que a
expectativa do professor em receber propostas prontas tenha sido frustrada ao se deparar
com uma proposta de ação formativa em que ele é o produtor dessas propostas e do
conhecimento.
Outro fator limitante em relação à participação, que as próprias professoras
sempre associavam à indisponibilidade de tempo, foi à dificuldade em realizar a leitura
dos textos ou concluir as atividades propostas no grupo, limitando assim a profundidade
das discussões durante os encontros.
Devemos ressaltar, porém que nos momentos em que as professoras estiveram
presentes, houve grande interesse nas discussões e na proposta do curso, valorizando a
formação de maneira participativa em contato com o grupo, como podemos perceber no
seguinte comentário realizado por Edna:
“eu fiz faculdade virtual e tive muito pouco contato, assim
direto. Estou adorando, pois trouxe muitas coisas que eu nunca
tinha vivido, entendeu? A gente assiste a cursos que tem hora
que você cansa de ficar ouvindo. Mas eu adorei porque foi
muito participativo” (Edna)
Potenciais e limites das Atividades realizadas no grupo:
Os momentos de reflexões sobre o ensino de Ciências e prática docente foram
bastante proveitosos, pois se constituíram como espaços para reconhecimento das
crenças e valores que permeavam as práticas do grupo.
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Para Elza, por exemplo, a maior preocupação estava relacionada ao conteúdo e
os procedimentos metodológicos para transmitir esses de forma compreensível para os
alunos:
“eu me interessei primeiramente pelo curso porque como eu
não tenho conhecimento da área, às vezes eu fico assim meio,
sem conseguir planejar, como é que eu vou passar isso para os
meninos para que eles entendam, assimilem e que consigam
aprender [...] eu vou participar [dos encontros], porque é uma
forma de eu entrar em contato com a teoria de como ensinar
Ciências.” (Elza)
Assim, a partir da reflexão sobre as razões de ensinar Ciências, tivemos a
oportunidade de problematizar a visão apresentada por Elza, levando em conta a função
social do ensino de Ciências. Entretanto, notamos que as propostas de inovação das
práticas tradicionais que emergiram desses processos reflexivos, acabavam sendo
limitadas pelas professoras, devido a fatores como curto tempo em relação ao currículo
proposto e limitações impostas pelas condições de trabalho.
Observamos ainda que as discussões sobre o ensino de Ciências levantavam
problemáticas mais gerais como questões de disciplina, importância da proximidade da
família com a escola, falta de materiais e recursos nas escolas, dificuldade de leitura e
escrita dos alunos, sucesso em avaliações externas e vestibulares, falta de professor,
entre outros. Apesar da relevância desses aspectos, os problemas eram abordados de
forma superficial, sem o estabelecimento das relações entre esses e as condições
existenciais dos alunos, bem como aspectos além do contexto da sala de aula.
A contextualização histórica do ensino de Ciências não alcançou o objetivo
proposto, dado que a falta de conhecimentos dos professores em relação ao tema,
acabou por limitar a discussão e a participação dos professores. Da mesma forma, como
já citado, as discussões dos textos poderiam ter sido mais produtivas se todas as
professoras tivessem lido os mesmos.
A definição da abordagem CTS junto aos participantes foi bastante interessante,
pois permitiu, não apenas que as professoras pudessem problematizar suas concepções,
mas ainda a discussão de aspectos teóricos que envolvem as diferentes abordagens CTS
disponíveis na literatura.
O estudo de caso sobre as questões energéticas possibilitou vivenciar um tema
científico por meio de seus diferentes vieses tecnológicos e sociais. O exercício abriu
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um leque de possibilidades no estimulo à necessária integração das culturas científico-
tecnológicas e humanistas. Essa atividade foi avaliada de maneira bastante positiva pela
Rafaela, pois segundo ela, a vivência permitiu uma melhor compreensão das
possibilidades de aplicação do enfoque CTS em sala de aula.
Por fim, na atividade de construção da proposta de intervenção com os alunos,
que contou apenas com a participação da Maria, observamos como pontos positivos, o
empenho dela em buscar os diversos aspectos sociocientíficos que permeiam o tema; a
preocupação com a participação ativa dos alunos e em replanejar as ações; a percepção
dos limites de seu próprio plano e a possibilidade da formulação de uma proposta.
Entendemos essa atividade como um exercício na busca da superação entre concepção e
execução, característica do modelo de formação orientado pela racionalidade técnica.
Ressaltamos que apesar da Maria ter identificado diversos aspectos
sociocientíficos em relação ao tema, ela teve dificuldades em elaborar ou selecionar
sozinha propostas e atividades que permitiriam que esses fossem explorados com os
alunos.
A experiência de intervenção com enfoque CTS no Ensino de Ciências:
Na avaliação desse aspecto consideramos não apenas a aplicação das propostas
em sala, mas todos os momentos dedicados à discussão, reflexão e replanejamento da
mesma.
A professora Maria desenvolveu sua intervenção em turmas do 7º ano do Ensino
Fundamental nos meses de outubro a dezembro, totalizando doze aulas, divididas em
nove encontros. Ao longo do período em que ela realizou as atividades com os
educandos, mantivemos contato frequente via e-mail e realizamos duas reuniões com
objetivo de refletir sobre as ações, discutir os resultados e replanejar as atividades
quando necessário.
Dentre as atividades realizadas pela professora Maria, podemos destacar: a
leitura e discussão de textos, reportagens, mapas e imagens reportando situações do
Brasil e do mundo, com abordagem dos aspectos sociocientíficos a cerca do tema;
produção de cartazes e relatórios; diagnóstico ambiental do entorno da comunidade,
sendo o resultado desse divulgado por meio da produção de uma carta para a Secretaria
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de Meio Ambiente do município; e por fim, um jogo de papeis simulando uma
audiência pública que teve como tema um dos problemas levantados no diagnóstico.
Segundo a professora, os principais limites observados por ela foram:
indisciplina, por parte de alguns alunos; escassez de recursos materiais (como projetor
de slides, por exemplo); tempo investido na atividade; exigência do cumprimento de
outras demandas da escola; limitações dos alunos (leitura, escrita, argumentação,
oralidade) e a dificuldade que ela teve em abordar mais questões sociais e tecnológicas.
Em contrapartida, Maria afirma que a proposta foi muito produtiva e que
acredita que destinará mais tempo de suas aulas para abordagem dos aspectos
sociocientíficos, dado que ela pôde identificar potencialidades como: a interação
professor-aluno e entre os alunos; troca de experiências; a percepção de aspectos
sociocientíficos em relação ao tema, como por exemplo, a relação entre a contaminação
por doenças relacionadas ao saneamento básico e a renda da população; a possibilidade
de desenvolvimento da leitura e escrita; bem como o desenvolvimento de conceitos,
procedimentos e atitudes embasados a uma postura mais crítica.
Percebemos grande empenho da professora em realizar as atividades buscando
aproximar os conceitos científicos às questões ambientais e sociais, apesar das próprias
limitações apontadas por ela. Mas, se considerarmos os elementos da tríade CTS,
observamos que as questões tecnológicas não foram abordadas. Relacionamos isso às
limitação imposta pela formação disciplinar em Ciências Biológicas que acaba por não
dar ênfase à tecnologia, bem como a escassez de materiais e recursos pedagógicos que
possam ser adaptados para essa abordagem.
Como potencialidade da intervenção, destacamos as contribuições trazidas para
formação da professora Maria, como por exemplo, a percepção da importância de:
observar as ações e refletir sobre as mesmas para se necessário replanejar; buscar maior
fundamentação sobre os temas a serem abordado com os alunos, não apenas sobre os
conceitos científicos, mas também sociais, políticos, ambientais e tecnológicos;
diversificar estratégias no ensino-aprendizagem, valorizando a participação ativa dos
alunos; utilizar os momentos de avaliação como forma de aprimorar o processo ensino-
aprendizagem.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS:
No presente trabalho tivemos como objetivo relatar a experiência de uma ação
formativa através da formação do grupo de estudos “Enfoque CTS no Ensino de
Ciências”. Assim, identificamos como limites a frequência e descontinuidade do grupo;
indisponibilidade de tempo dos participantes para realizar leituras com aprofundamento,
o que consequentemente acabou por tornar algumas discussões muito superficiais; e
dificuldades em realizar atividades que exigiam produção intelectual própria.
Em contrapartida, identificamos como potencialidade o reconhecimento de
crenças e valores sobre a prática; a possibilidade de problematizar as razões de ensinar
Ciências, bem como os temas, conteúdos e métodos normalmente utilizados; a
compreensão da relevância de abordar os conteúdos científicos, não de maneira isolada,
mas ampliando para questões sociais, políticas, econômicas e ambientais que os
perpassam; a oportunidade de exercitar a ruptura da separação entre concepção e
execução, a partir da elaboração de uma intervenção com os alunos.
Dessa forma, consideramos que experiências formativas semelhantes a que
realizamos podem ser bastante proveitosas, em especial se buscarem minimizar as
limitações aqui expostas, por meio de alternativas que favoreçam a institucionalização
de grupo permanente, garantindo disponibilidade de tempo suficiente para estudo, e a
realização de encontros regulares entre os professores, com objetivo de estudo,
planejamento e discussão coletiva sobre as questões que envolvem o ensino de Ciências.
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