possibilidades de letramento com uso de genÊros … · 2009. 10. 16. · textuais/ enunciativas,...
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POSSIBILIDADES DE LETRAMENTO COM USO DE GENÊROS
DISCURSIVOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
CARDOSO, Maria Angélica – INSTITUTO APRENDER/ SC [email protected]
Área Temática: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas.
Agência Financiadora: Não contou com financiamento.
Resumo Este artigo trata das possibilidades de letramento desenvolvidas por professores que estão frequentando curso de formação continuada, mais especificamente curso de pós graduação Lato Sensu. É um estudo da oficina pedagógica de gêneros textuais/discursivos realizada e descrita por acadêmicas para a disciplina de “Alfabetização e Letramento”, após aplicação com alunos de Educação Infantil. Adotamos como pressuposto teórico-metodológico a corrente de linguagem bakhtiniana adotada pela Proposta Curricular de Santa Catarina: teoria do gênero textual/discursivo e as perspectivas de letramento. A base teórica é a concepção dialógica de linguagem bakhtiniana, com ênfase nas noções de gêneros textuais/ discursivos, suporte e enunciado. Conforme Cardoso (2005), “deve haver a inserção e o estudo de gêneros não-escolares nas aulas de letramento e de linguagem porque são recursos didáticos, pedagógicos, discursivos e tecnológicos que, se usados por professores em suas aulas, propiciarão maior interação e dialogicidade, consequentemente, maior interesse e participação dos alunos [...]”. Nesse trabalho, analisamos uma elaboração didática a partir de gêneros textuais/ discursivos aplicados às atividades de linguagem, em suporte original de gêneros. A pesquisa se justifica pela necessidade em associar a teoria com a pratica que acadêmicos do Curso de Pós graduação já possuem. Envolveu 10 (dez) professoras do curso de Pós graduação em Educação Infantil e os seus alunos, durante o mês de maio de 2009, organizadas em grupos (A, B, C), aplicaram atividades de letramento a partir de embalagem em suportes originais, conhecidas pelos aprendizes. Para esta pesquisa, tomamos como base o grupo A, do Maternal I, 2º Período e do Pré escolar de um dos Centros de Educação Infantil (CEIs), da cidade de Joinville/SC, a fim de promover práticas de uso social da língua. Evidenciamos que é possível mudar a prática pedagógica pelo estudo, aprofundamento e reflexão da aplicação didática de gêneros discursivos, na formação de professores. Palavras-chave: Letramento. Gêneros discursivos. Enunciado. Suporte Original.
Introdução
No processo de alfabetização e letramento escolar os professores da educação infantil
devem considerar que existe relação entre as atividades de língua e de linguagem produzidas
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na escola, e o uso social de uma grande diversidade delas, materializadas em textos-
enunciados, uma vez que eles circulam nas comunidades em que seus aprendizes vivem.
Bakhtin (1999, p. 90) diz que “todas as esferas da atividade humana, utilizam a língua
para elaborar seus enunciados de acordo com as suas necessidades”. Nessa perspectiva, o
entendimento de enunciado diz respeito à “unidade real da comunicação verbal” (ibid). A
língua passa a ser percebida como um produto sócio-histórico, ou seja, como uma forma de
interação verbal e social realizada por meio de enunciações. Assim, o princípio que rege o
entendimento de texto é o de que a linguagem é ação e não um mero instrumento de
comunicação. Rodrigues (2004, p 425), se refere a distinção entre enunciado e texto para o
entendimento do conceito de “língua em sua integridade concreta e viva”.
Usar suportes de gêneros discursivos em seu suporte original na escola possibilita uma
visão diferente do trabalho escolar na compreensão do que significa “língua concreta”, ou
seja, na perspectiva do enunciado proposto por Bakhtin (1999). Os diversificados suportes em
que os gêneros se encontram e nos quais circulam em contexto de uso não apenas
comunicativo mas, principalmente enunciativo, levam professores ao entendimento e à
construção de novas perspectivas de letramento que, se realizada de forma lúdica e planejada,
levam as crianças a compreenderem melhor os aspectos enunciativos da linguagem e sua
função social.
Nesse trabalho, evidenciamos a importância do trabalho pedagógico, na perspectiva
bakhtiniana para o estudo e a inserção de gêneros discursivos em seus suportes originais,
como por exemplo, as diferentes embalagens de produtos alimentícios encontradas na esfera
do cotidiano das crianças, como base para uma proposta didática aplicada a Educação Infantil.
Mostramos que é possível elaborar novas maneiras e novos modos de ver as atividades
textuais/ enunciativas, numa perspectiva lúdica, dando ênfase e sentido sócio-histórico ao
trabalho do professor. Nosso objetivo aqui é a descrição de atividades de letramento, a partir
de diferentes suportes originais de gêneros discursivos – as embalagens - usados e coletados
do contexto de uso das crianças que freqüentam Centros de Educação Infantil (CEIs),
aplicadas e desenvolvidas naquelas aulas, por acadêmicos do curso de Pós graduação Lato
Sensu.
Os gêneros discursivos não-escolares (aqueles que estão no contexto dos aprendizes),
conforme Cardoso (2005) proporcionam maior motivação, criatividade e criticidade aos
aprendizes. Eles podem contribuir para que professores da educação infantil, possam
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desenvolver competência discursiva ou capacidade de interação verbal com crianças de
Educação Infantil. É uma elaboração didática desenvolvida a partir de suportes de gêneros
textuais/ discursivos na escola, numa análise bakhtiniana, associada à concepção de
letramento. Destacamos pressupostos bakhtinianos usados na Proposta Curricular de Santa
Catarina (1998, 2005).
Desconstruir e reconstruir conceitos
Ao chegarem ao curso de Pós Graduação Lato Sensu os acadêmicos são geralmente,
também professores que têm construído praticas valiosíssimas as quais devem ser estudadas e
pesquisadas para que se possa avançar no processo de reconstrução de novos conceitos
necessários a alfabetização e ao letramento dos aprendizes. Nesse processo de apropriação de
novos conceitos é preciso que alguns conceitos sejam desconstruídos para dar maior
entendimento ao que é realizado em sala de aula, principalmente, com crianças pequenas.
Assim sendo, faz-se necessário, em primeiro lugar construir o conceito de texto e enunciado,
em segundo lugar é preciso elaborar algumas noções sobre gêneros textuais/ discursivos e
suportes.
Eu e as alunas do referido curso de pós graduação, fizemos uma trajetória didático
pedagógica a partir da perspectiva bakhtiniana, uma vez que ela reflete os nossos anseios e
expectativas em compreender conceitos básicos sobre gêneros textuais/discursivos e
letramento e, a partir deles, refletir a prática na Educação Infantil. Rodrigues (2004, p.431),
diz que Bakhtim
define os gêneros como tipos de enunciados, relativamente estáveis e normativos, que estão vinculados a situações típicas da comunicação social. Essa é a natureza verbal comum dos gêneros a que o autor se refere: a relação intrínseca dos gêneros com os enunciados (e não com uma dimensão lingüística e/ou formal propriamente dita, desvinculada da atividade social, que excluiria a abordagem de cunho social dos gêneros); isto é, a natureza sócio-ideológica e discursiva dos gêneros.
A primeira construção que consideramos necessária é pensar que há uma relação
intrínseca entre gêneros e enunciados, porque eles não podem ser vistos apenas sob o ponto de
vista lingüístico e formal (função comunicativa), mas acima de tudo sob o ponto de vista
social, ideológico, portanto, discursivo. Isso porque eles retratam as diferentes situações
sociais de interação verbal; fazem parte de atividades da vida humana e são capazes de
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orientar quanto a atitudes, escolhas e preferências, adquirindo valor no espaço de uma
sociedade tecnológica e globalizada.
Essa primeira construção nos remete a uma primeira desconstrução: a de que texto é
construído apenas sob o aspecto da língua enquanto sistema lingüístico formal. A partir daí
constrói-se o conceito de enunciado (proposto por Bakhtin) e, esse por sua vez, está intrínseco
ao conceito de “língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto da
lingüística”, conforme evidencia Rodrigues (2004, p. 425), dizendo que
[...] na distinção que o autor estabelece entre o enunciado e o texto, pode-se dizer que a fronteira está no recorte de análise, podendo-se correlacionar essa diferença com aquela que Bakhtin levanta no livro Problemas da poética Dostoiévski (1997a)[vi] para a distinção entre língua (sistema) e discurso: “[...] temos em vista o discurso, ou seja, a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto da lingüística, obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso.” (BAKHTIN, 1997a, p. 181). Para o autor, na língua vista como objeto da Lingüística,[vii] não há e nem pode haver quaisquer relações dialógicas (dialogismo), pois estas são impossíveis entre os elementos no sistema da língua (entre os morfemas, entre as palavras no dicionário, entre as orações etc.) ou entre os elementos do “texto” e mesmo entre os textos num enfoque “rigorosamente lingüístico”.
Para Bakhtin /Volochinov, (1981, p. 9) “o enunciado concreto (e não a abstração
lingüística) nasce, vive e morre no processo da interação social entre os participantes da
enunciação. Sua forma e significado são determinados basicamente pela forma e caráter desta
interação.”
O enunciado é uma unidade do discurso, é concreto, enquanto a oração é uma unidade
convencional da língua como sistema alfabético e ortográfico construído, portanto, um
elemento abstrato. Rodrigues (2004, p. 430) diz que
[...] a noção de enunciado de Bakhtin difere da de outras teorias, como a da Lingüística Textual (o texto como conjunto coerente de enunciados) e a da Teoria da Enunciação (enunciado como a manifestação concreta da frase). Seu sentido não é o de proposição, frase enunciada, que se constituiria em trechos textuais enunciados, mas de uma unidade mais complexa que “ultrapassa” os limites do próprio texto, quando se considera este apenas do ponto de vista da língua e da sua organização textual (o texto visto de modo imanente, apartado das relações sociais; [...]
O aspecto mais destacado é o enunciado, visto que ele é uma unidade de sentido diante
da qual se pode tomar uma atitude responsiva, e a essa os autores relacionam com a realidade
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extra-verbal ou situação de interação. A forma sistemática e linear de organizar a língua não
tem um sentido pleno, não realiza por si só uma atitude responsiva, não estabelece ligação
com a realidade extra-verbal. Ela pode relacionar-se apenas no contexto verbal, com outras
orações, frase, etc., mas não ao aspecto extra-verbal, algo que está alem daquilo que se
consegue construir apenas com o código lingüístico, organizado de acordo com suas normas e
regras. É importante ter claro a perspectiva teórico metodológica com a qual se viabiliza
determinada situação de pesquisa de determinado gênero discursivo porque daí reflete a noção
de texto pretendida ou entendida.
Primeiro, porque o autor concebe, nesse caso, o texto como enunciado, indo para fora do limites da materialidade lingüístico-textual, incluindo o primeiro e o segundo passos, de certo modo. Em segundo lugar, compreendemos que essa postura significa que, a partir de determinados dados, no caso da análise do enunciado e do gênero, o que se faz é buscar reconstruir este caminho metodológico, refazer os passos anteriores. Isso significa, para o pesquisador, “esquecer” o que já sabe e ver e analisar esse processo com outros olhos.[xiii] Ao modo bakhtiniano, seria olhar esse já-conhecido através de um olhar de estranhamento. (RODRIGUES 2004, p. 433)
O dia-a-dia dos aprendizes de diferentes classes sociais está circundado por muitas
situações de interação, ou seja, eles estabelecem relações em infinitas realidades verbais e
extra-verbais e, estas são permeadas pelo acesso a uma infinidade de textos/ enunciados orais
e escritos. Eles vêem televisão, lêem e escrevem textos em computadores, lêem frase nos
ônibus, camisetas e outdoors, recebem folhetos, encartes e outras formas de propagandas em
sua própria casa. Estão imersos num mundo letrado.
Para Soares (2003, p. 15) “letramento é imersão das crianças na cultura escrita,
participação em experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecimento e interação com
diferentes tipos e gêneros de material escrito – e [...].”
Envolto nesse mundo de relações dialógicas, o professor/ pesquisador auxilia os
alunos no acesso ao código e ajuda-os a compreenderem-no melhor, sendo esta uma função
inicialmente desempenhada pela escola. No entanto, além de alfabetizar, cabe ao professor
realizar o letramento de seus alunos, isto é, habilitá-los à descoberta, ao uso da linguagem,
porem, partindo do conhecimento que eles possuem a respeito de gênero discursivo e ao
contato que estabelecem com os enunciados concretos produzidos nas relações extra-verbais
cotidianas.
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Elaboração didática1 aplicada a Educação Infantil: o trabalho com o gênero embalagem
A elaboração didática que desenvolvemos para esse trabalho, envolveu 10 (dez)
professoras que cursam Pós graduação Lato Sensu em Educação Infantil e os seus alunos dos
Centros de Educação Infantil (CEIs), durante o mês de maio de 2009, organizadas em grupos
(A, B, C...). Foram elaboradas atividades de letramento a partir de embalagem em suportes
originais de gênero discursivo, conhecidos e aplicados aos aprendizes. Para esta pesquisa,
tomamos como base o grupo A, do Maternal I, 2º Período e do Pré-escolar de um dos CEIs,
da cidade de Joinville/SC, a fim de promover práticas de uso social da língua numa
perspectiva lúdica.
A partir de uma oficina titulada “ensinar com gêneros discursivos do letramento”,
foram desenvolvidas as seguintes atividades:
• planejamento de uma elaboração didática – elegendo um tema cuja problemática e
respectiva discussão faz-se necessária ao grupo de alunos;
• elaboração de atividades de letramento com suporte original do gênero
embalagem.
Para este estudo, analisaremos o trabalho realizado com o grupo A, composto por 03
(três) professoras e seus aprendizes (crianças do Maternal I e crianças do 2o Período). A
primeira elaboração didática refere-se ao tema “O LEITE PARA A SAUDE” cujo objetivo
para a área discursiva foi “oportunizar o contato com diferentes embalagens de leite,
destacando os textos/enunciados contidos nelas, partindo do conhecimento prévio das
crianças, e a partir deles, desenvolver atividades lúdicas, atrativas e de acordo com a faixa
etária”.
A análise realiza-se na forma descritiva e analítica, levando em conta a aplicação com
aprendizes das professoras do grupo A, sob a perspectiva teórico-metodológica da corrente de
linguagem adotada pela Proposta Curricular de Santa Catarina: teoria do gênero
textual/discursivo e perspectivas de letramento. A base teórica está na concepção dialógica de
linguagem bakhtiniana, com ênfase nas noções de gêneros textuais/ discursivos, suportes e
enunciado.
1 Adotamos, nesse trabalho, o conceito de “elaboração didática” de Petitjean (1998), uma vez que este se aproxima dos fundamentos teóricos bakhtinianos. O autor aponta que mais do que fazer a transposição do conhecimento científico para o conhecimento escolar, é necessário “convocar um pluralidade de conhecimentos”.
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Figura 1- Suporte didático: geladeira
O “grupo A” desenvolveu um suporte didático
para apresentação das embalagens de leite, conforme
figura 1. O olhar sob o material didático usado e a forma
de usá-lo são modos não-verbais que vão sendo
interpretados e vividos socialmente. Os
enunciados/textos, existentes nas “embalagens”
despertam ações interativas, expressões corporais e
reações elaboradas a partir das semioses não verbais2,
são atitudes responsivas as quais Bakhtin (1999) chama
atenção.
O objetivo elaborado para a área de linguagem
foi: “oportunizar o contato com diferentes embalagens de
leite, destacando os textos/enunciados contidos nelas,
partindo do conhecimento prévio das crianças, e a partir deles, desenvolver atividades lúdicas,
atrativas”.
Ouvir, compreender e reelaborar implica uma tomada de posição. O autor afirma que
"todo enunciado é um elo numa cadeia discursiva" (idem, p.289). É preciso perceber a
produção de linguagem da criança como continuidade de algo que se processa muito cedo e
tem ressonância nas produções posteriores, porem está sempre conectada no coletivo. É
importante olhar as palavras isoladas ou orações pequenas construídas pela criança que
começa a falar, a ler ou a escrever (desenhos e garatujas) e nessa perspectiva, pensar sobre
como se conectam ao elo da cadeia discursiva que a compõem. Na figura 2, as crianças fazem
a leitura dos enunciados destacados da caixa do leite (suporte discursivo).
2 A função lexicológico-semiótica faz das palavras (signos atualizados em contextos frasais) signos evocadores de imagens, impregna-as de conceitos (emergentes da cultura em que se inserem) por meio dos quais o redator tenta estimular a imaginação do leitor. A mente interpretadora se tornará tanto mais capaz de produzir imagens sob o estímulo do texto quanto mais icônicos ou indiciais sejam os signos com que seja tecido o texto, pois, a semiose é um processo de produção de significados. (SIMÕES, 2004, p. 126).
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Figura 2 - Reconhecendo os textos/enunciados destacados das caixas de leite.
A oferta do saber compartilhado (enunciado coletivo) e de uma educação que
possibilite o desenvolvimento da capacidade de aprender a aprender, estimula a autonomia
dos sujeitos envolvidos na relação dialética porque há diálogo contínuo entre os sujeitos. Eles
procuram interpretar ou compreender um ao outro [...] a compreensão é uma forma de
diálogo; ela está para a enunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo.
Compreender é opor à palavra do locutor uma contra palavra [...]. (BAKHTIN, 1997, p. 29)
Na figura 3, as crianças do pré-escolar fazem leituras individuais dos
textos/enunciados contidos nas embalagens de leite. Na verdade as leituras realizadas fazem
parte de um elo de enunciados apreendidos no cotidiano imerso numa cultura que os envolve.
Figura 3- Diferentes leituras, um só dialogo.
A leitura traz para o texto as experiências, habilidades e interesses adquiridos no
contexto. Dessa forma, compreendemos a palavra como um instrumento de desenvolvimento
social do indivíduo que dela se apropria, por isso Soares (2003, p. 15), diz que “letramento é
imersão das crianças na cultura escrita, participação em experiências variadas com a leitura e
a escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros de material escrito – e [...]”
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Assim é possível dizer que não há letramento sem uso de gêneros discursivos e que as
leituras, mesmo realizadas individualmente, trazem marcas do discurso do outro. As
diferentes leituras estão imersas numa leitura produzida historicamente, coletivamente, num
único dialogo coletivo.
Nesta pesquisa, os suportes originais de gêneros que circulam no letramento das
crianças são objetos de interação verbal, na medida em que proporcionam elementos
(imagens, ícones, escritas) que, numa simbiose, dão maior significação e sentidos aos
textos/enunciados, elementos do discurso. Na figura 4, é possível perceber o dialogo da
criança ao comparar e reconhecer o texto/enunciado com os seus significados não-verbais.
Figuras 4 – Diálogo realizado através do material didático.
O ato de saber interpretar os signos e compreender seus valores semânticos coloca as
crianças numa simbiose com o conhecimento acumulado e produzido na civilização humana.
A interpretação dos signos representa um fator de grande importância na socialização do
sujeito, porém essa fase se beneficia de uma outra que a antecede no desenvolvimento
humano: a aquisição da linguagem. O desenvolvimento histórico da linguagem facilitou uma
apreensão semântica codificada, na medida em que o indivíduo apropria-se da linguagem,
como ser individual. Piaget aborda e conceitua a linguagem como fator de desenvolvimento
social do indivíduo e elucida sobre a percepção e a cognição; ele explica o desenvolvimento
humano em termos de interações de determinantes biológicos e de eventos ambientais.
Observar as embalagens, seu formato, suas cores e imagens, entre outros aspectos
perceptivos, depois classificá-las conforme seus atributos, faz parte do desenvolvimento
cognitivo necessário às leituras realizadas pelas crianças pequenas no trabalho realizado com
as embalagens, conforme se observa nas figuras 5.
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Figuras 5 - Interações propiciam o desenvolvimento cognitivo
Os pressupostos teóricos de Bakhtin, Vygotsky e Benjamin neste trabalho, marcam e
diferenciam-se dos estudos de Piaget porque introduzem a linguagem como fator de
importância fundamental no desenvolvimento da criança e estabelecem estudos
complementares sobre a linguagem enquanto espaço de recuperação do sujeito como ser
histórico e social. É com esta ênfase que trabalhamos na elaboração das atividades da oficina
de gêneros proposta para esta pesquisa. Cardoso (2005, p.92), referindo-se a sua pesquisa de
mestrado, diz:
As respostas dadas aqui pelos informantes constatam que as embalagens de produtos alimentícios como suporte de textos, caracterizam o lugar social do sujeito. Para os informantes, a embalagem é o “lugar” usado para “colocar, usar, identificar” o produto. Não conseguem, neste primeiro momento, perceber a mensagem ambígua provocada, em grande parte pelos elementos icônicos dos suportes embalagens de produtos alimentícios.
Para Bakhtin, relações dialógicas, constituídas nas interações, são relações de sentido
que se estabelecem entre enunciados referenciados no todo da interação verbal. O contexto, a
história, as intenções, a entonação que compõem as interações são elementos fundamentais na
construção do diálogo, ali a criança é impulsionada a colocar-se e responder. A escola,
responsável por oferecer diversificados gêneros discursivos aos seus aprendizes, fazer as
diferentes leituras, sob os diferentes olhares (ou áreas do conhecimento), contribui para a
formação do cidadão. Na aplicação das atividades da elaboração didática desta pesquisa, com
as crianças do pré-escolar, vimos que é possível trabalhar de forma lúdica e concreta, como
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no exemplo das figuras 6 e 7, observamos o desenvolvimento de conceitos matemáticos
fundamentais.
Figuras 6 e 7 - Desenvolvimento de conceitos matemáticos
Cardoso (2005, p.94), diz que os leitores “são passivos dos propósitos dos textos e da
comunidade discursiva que os produziram; eles não fazem leituras tentando desvelar os
sentidos sociais e políticos dos textos do suporte embalagens de produtos alimentícios”. A
escola, portanto, é responsável por proporcionar situações verdadeiras de linguagem, nas
diferentes áreas do conhecimento. Assim, a possibilidade da criação da linguagem e
subjetividade não se dá no ponto de partida; na primeira manifestação da palavra ou
expressão, mas acontece no processo de experiência com a palavra e também com os objetos.
Bakhtin (2003, p.292) afirma que "só o contato da língua com a realidade, o qual se dá
no enunciado, gera a centelha da expressão: esta não existe nem no sistema da língua nem na
realidade objetiva existente fora de nós”.
Do lugar único que cada um ocupa, produz-se o “horizonte axiológico” sobre o outro,
e isso só é possível desse lugar. Esta questão é relevante na pesquisa e prática educacional
com crianças porque na relação entre professores e crianças pequenas é um desafio mudar o
ponto de vista que se tem e desviar da impressão de que já se sabe tudo o que elas precisam
ou devem aprender. Foi com o olhar cidadão que as professoras desenvolveram atividades de
cidadania, visto através da figura 10, e também de preservação do meio ambiente, usando as
embalagens do leite, trazidas pelos alunos do Pré-escolar.
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Figura 10 - Lições de cidadania.
O entendimento da construção do eu como fruto das relações, a relevância de uma
atitude responsiva (por parte de crianças e adultos em interação), a compreensão do diálogo
como formação de elos em uma cadeia discursiva são contribuições bakhtinianas importantes
na formação de princípios educacionais orientadores do trabalho cotidiano com crianças, na
Educação Infantil.
O ser é evento único, mas sua ação se coloca em relação ao outro. O eu não vive só
para si e é na contraposição com o outro que o mundo dos sentidos possíveis se constitui. Na
relação eu/outro está em jogo a constituição mútua, através da responsividade. Todo
texto/enunciado responde a algo, é uma tomada de posição num elo de acontecimentos. A isso
Bakhtin chama bivocalidade presente num mesmo enunciado e, portanto, num mesmo
enunciador, povoado de sujeitos na cadeia histórica do pensamento sobre a linguagem,
refletida no outro, “nas vozes que espelham um eu possuído por uma alma alheia”
(BAKHTIN, 2000, p.31). Nas crianças pequenas, articula-se a língua reproduzida e o
enunciado como acontecimento histórico e social, ou seja, suas expressões estão no outro e
ganham características próprias no momento de uso discursivo. Elas ocupam o lugar de
"outro" na relação que estabelecem com os adultos e com as coisas (nesse caso, as
embalagens) que com elas interagem no mundo social.
Considerações finais
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Este trabalho focalizou a descrição e análise da operacionalização de uma atividade
pedagógica desenvolvida na disciplina de Alfabetização e Letramento, do Curso de Pós
Graduação, desenvolvidas com aprendizes de professoras, alunas desse curso.
Os resultados evidenciam que o uso didático e pedagógico de gêneros discursivos na
Educação Infantil proporciona melhoria de qualidade na prática docente. O planejamento das
atividades mostrou que professores de crianças pequenas necessitam conhecer e planejar
sobre o suporte textual e discursivo usado com os aprendizes. Eles contribuem para que elas
desenvolvam suas capacidades de ação, discursivas, lingüístico-discursivas em linguagem
entendida como interação social, isto é, que os alunos se apropriam do gênero, desenvolvendo
as capacidades implicadas no trabalho com textos/ enunciados.
Os gêneros discursivos encontrados são verbais e não-verbais, produzidos sob o olhar
de quem está vendendo o produto. No entanto, a escola deve elucidar as diferentes linguagens
metafóricas que se encontram escondidas nas semioses dos textos enunciativos das
embalagens. Os recursos de construção desses suportes centram-se na interação focada na
“imagem”. Esta, por sua vez, cria mensagens na mente, que interpreta o estímulo do texto a
partir do horizonte axiológico produzido naquele momento.
Tais gêneros, usados como recursos pedagógicos discursivos na Educação Infantil
desenvolvem diferentes leituras mais elaboradas, ou seja, com maior nível de letramento.
Os textos, ícones, figuras, metáforas e outras linguagens deverão ser estudados pela
escola que estará desvendando perspectivas semânticas e axiológicas, contribuindo com seu
papel social e cidadão.
Concluímos que este recurso pedagógico e discursivo não tem sido usado como prática
de linguagem de sala de aula na perspectiva proposta por este trabalho. Os enunciados - textos
precisam ser estudados e entendidos pelos professores, com os seus diferentes sentidos e
significados, antes de serem trabalhados com os aprendizes. A escola pode utilizar-se deste
recurso comunicativo e pedagógico para contribuir com a formação do cidadão.
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