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A construção duma política pública no campo das drogas: normalização sanitária, pacificação territorial e psicologia de baixo limiar The construction of public policy in the field of drugs: Health standards, territorial pacification and low-threshold psychology. Simão Mata Luís Fernandes Universidade do Porto Autor Biografias: Simão Mata Psicólogo na Norte Vida – Associação para a Promoção da Saúde. Investigador externo do Centro de Ciências do Comportamento Desviante (CCCD) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Estudante de doutoramento da FPCEUP. Luís Fernandes Prof. Associado da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Diretor do Centro de Ciências do Comportamento Desviante (CCCD) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Citar: Mata, S. Fernandes, L. (2016). A construção duma política pública no campo das drogas: normalização sanitária, pacificação territorial e psicologia de baixo limiar. Global Journal of Community Psychology Practice, 7(1S), 1-25. Retrieved Day/Month/Year, from (http://www.gjcpp.org)

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A construção duma política pública no campo das drogas: normalização sanitária,

pacificação territorial e psicologia de baixo limiar

The construction of public policy in the field of drugs: Health standards, territorial

pacification and low-threshold psychology.

Simão Mata

Luís Fernandes

Universidade do Porto

Autor Biografias: Simão Mata Psicólogo na Norte Vida – Associação para a Promoção da Saúde. Investigador externo do Centro de Ciências do Comportamento Desviante (CCCD) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Estudante de doutoramento da FPCEUP. Luís Fernandes Prof. Associado da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Diretor do Centro de Ciências do Comportamento Desviante (CCCD) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP).

Citar: Mata, S. Fernandes, L. (2016). A construção duma política pública no campo das drogas: normalização sanitária, pacificação territorial e psicologia de baixo limiar. Global Journal of Community Psychology Practice, 7(1S), 1-25. Retrieved Day/Month/Year, from (http://www.gjcpp.org)

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Aconstruçãodumapolíticapúblicanocampodasdrogas:normalizaçãosanitária,pacificaçãoterritorialepsicologiadebaixolimiar

Resumo

Opresenteartigocentra-sesobrearecenteconstruçãodumapolíticapúblicaemPortugalnocampodasdrogas,cujoseixosfundamentaissãoareduçãoderiscoseminimizaçãodedanos(RRMD)eadescriminalizaçãodoconsumoedaposseparaconsumodetodasasdrogasilícitas.Daremosatençãoaoprimeirodoseixos,dividindoanossaanáliseemdoismomentos:1. AemergênciaeconsolidaçãodasmedidaseestruturasdeRRMD.Relacionamo-lascomduascrises:acrisesanitáriaabertapelarápidaexpansãodoVIH,dashepatitesBeCedatuberculoseemconsumidoresproblemáticos;acrisedasperiferias,quetrásparaodebatepúblicoafigurado“bairrosocialproblemático”,vulgarizadonalinguagemmediáticacomo“bairrodasdrogas”erepresentadocomolocusdeinsegurança.ARRMDteriaassimcomoalvoprioritárioconcentraçõesdeconsumidoresproblemáticossituadasemcomunidadesurbanasditasemexclusão,interpretandonoterrenoumapolíticaalternativaaomodelomédico-psicológicodadroga-doençaedasterapiascentradasnaabstinência.Estavamassimcriadasascondiçõesdepossibilidadedumaintervençãoterritorializada,proximaledevocaçãocomunitária.2. NumsegundomomentoilustraremosaintervençãoemRRMDatravésdotrabalholevadoacaboporumaequipaderuaemterritóriospsicotrópicosdazonaocidentaldoPorto.Enquantomembrodaequipa,umdenóselaborouumdiáriodecampoentre2009e2013,caracterizandoosatoreseterritórios,bemcomoasprincipaisáreas,formaseobjetivosdaintervenção.Dedicaremosatençãoespecialaopapeldopsicólogonumaequipamultidisciplinareapresentam-sedoisresultadosdanossaexperiênciainterventiva:1)statusdosatoreseidentidadedelugarnosterritóriospsicotrópicos;2)aquiloquedesignaremosporpsicologiadebaixolimiar.

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Theconstructionofpublicpolicyinthefieldofdrugs:Healthstandards,territorial

pacificationandlow-thresholdpsychology.

AbstractThispaperfocusesontherecentelaborationofapublicpolicyondrugsinPortugal,themainaxesofwhichareriskandharmreduction(RHR),togetherwiththedecriminalizationofuseandpossessionforuseofallillicitdrugs.Wewillconcentrateonriskandharmreduction,organizingouranalysisintwostages:1. TheemergenceandconsolidationofRHRpoliciesandstructures.Wearticulatetheseprocesseswithtwocrises:thepublichealthcrisisbroughtaboutbytherapidexpansionofHIV,BandChepatitisandtuberculosisinproblematicdrugusers;thecrisisofurbanperipheries,whichbringsthe"problematiccouncilestate"orthe"drugsestate"tothepublicdebate,whereitisportrayedasaninsecurearena.RHRwouldthushaveclustersofproblematicdruguserslocatedinexcludedurbanareasasitsmaintarget.Thisisanalternativetothemedical-psychologicalmodelbasedonunderstandingdruguseasadiseaseandonabstinence-basedtherapies.Thiscreatedtheconditionforaterritorialized,proximalinterventionofcommunitarianbase;2. Onasecondstage,wewillillustratetheRHRinterventionthroughworkcarriedoutbyanoutreachteaminpsychotropicterritoriesinthewestpartofPorto,Portugal.Asateammember,oneoftheauthorswroteafielddiarybetween2009and2013,describingactors,territories,andthemainareas,formsandobjectivesofintervention.Wewillpayparticularattentiontotheroleofthepsychologistinamultidisciplinaryteam.Tworesultsarepresentedbasedonourinterventionexperience:1)actors'statusandplaceidentityinpsychotropicterritories;2)whatwechosetocalllow-thresholdpsychology.

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IntroduçãoAformacomoPortugaltemvindoaconstruirumapolíticapúblicanochamado“problemadadroga”desdeque,em2001,criousuportelegislativoparamudançasimportantesnaformacomorespondiaatalproblematemsidoalvodeatençãointernacional.Acomunicaçãosocialdeváriospaísestemreportadoaquiloquedesignacomo“omodeloportuguês”,edirigentesdoorganismopúblicoresponsávelpelaimplementaçãodumaestratégianacionalnocampodassubstânciaspsicoativas–oex-InstitutodaDrogaedaToxicodependência,atualServiçodeIntervençãonosComportamentosAdictivoseDependências–têmsidoconvidadosaexportal“modelo”emváriosparlamentosnacionaiseoutrasinstânciaspolíticas.Nãoéobjetivodesteartigoexporo“modeloportuguês”ioumesmosaberseérealmentealgotãodiferenciadodoutraspráticasquemereçatalepíteto,masrefletirsobreascondiçõesqueconduziramamudançasimportantesnagestãodo“problemadadroga”,nomeadamentenaexpressãoterritorialecomunitáriaquepassouaserparteimportantedestagestão.Assim,depoisdumaprimeiraparteemqueanalisaremosascondiçõesdepossibilidadedenovaspráticasinterventivasemrespostaaumacrisesanitáriaesocioterritorial,ilustraremosumapráticadereduçãoderiscoseminimizaçãodedanosapartirdoexemploconcretodumaequipaderuaqueintervémemterritóriospsicotrópicosdazonaocidentaldoPortoii.OnossotrabalhoprocurouumacaracterizaçãodofenómenodrogaemalgunsbairrossociaisdazonaocidentaldoPorto:osbairrosdoAleixo,Pinheiro

Torres,VisoeRamalde.Asnossasquestõesdeinvestigaçãopodemresumir-sedaseguinteforma:Comoseorganizamatualmenteaspráticasdevendaeconsumodedrogasnessesterritórios?Comoseoperacionalizamalgumasestratégiasdeintervençãocomunitáriarealizadasjuntodeconsumidoresdedrogasnesteslocais?1.EMERGÊNCIAEESTABILIZAÇÃO

DUMAPOLÍTICASOCIO-SANITÁRIA:AREDUÇÃODERISCOSEMINIMIZAÇÃO

DEDANOS1.1 A“crisedasperiferias”easnovasrespostasdeintervençãosocialecomunitária

AevoluçãoemdireçãoaumapolíticapúblicanocampodasdrogasquetememPortugalcomomáximosexpoentesadescriminalizaçãodoconsumodetodasassubstânciaspsicoativasilegais(decreto-lei183de21dejunhode2001)eosprogramaseestruturasdereduçãoderiscoseminimizaçãodedanos(consagradoslegalmentenomesmodecreto-lei)relaciona-secomumcontextodecrisecujaexpressãomostrouanecessidadeurgentedemudanças.Ditaassim,afrasesoaarefrão:apalavra“crise”tornou-seendémicae,comotodaapalavrainsistentementerepetida,perdeprecisãoe,enquantoexplicaçãodumdadoestadodarealidade,torna-seautoevidenteeencerradaemsiprópria:porqueestamoscomoestamos?Porcausadacrise.Eporqueestamosemcrise?Estacriseresultadoagravamentodasanteriores,queresultamdasanteriores–acriseseriapoisumtraçoestruturaldassociedadescapitalistasiii.Assentequeestáadesconfiançaemtornodapalavra,digamosassimmesmoqueé

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umaduplacrisequenosajudaacompreenderodesenvolvimentodasrespostasinterventivasquehojeenglobamosnaexpressãoreduçãoderiscoseminimizaçãodedanos(RRMD).Aprimeiradelasésanitáriaedeve-seaograndeaumentodedoençasinfeciosasentreosconsumidoresdedrogas,sobretudoosqueutilizavamaviaendovenosa(VIH,hepatites,tuberculose);asegundaéconhecidadosespecialistasdaquestãourbanaedasociologiadaexclusãosocialcomo“crisedasperiferias”iv.Porrazõesquenãoserãotratadasnesteartigo,masqueinvestigámosaolongodasdécadasde90e2000(Fernandes,1998;Fernandes,2002;Fernandes&Pinto,2004;Fernandes&Ramos,2010),asrelaçõesdosindivíduoscomdrogasilícitasqueserevelarammaisdestrutivas,tantoparaasuasaúdefísicaementalcomoparaoscontextosenvolventes,acontecerameacontecemaindaemzonasurbanasouperiurbanasdeperiferiadesqualificada(nomeadamenteosbairrossociais“problemáticos”ou“críticos”)edeespaçosintersticiaisdeconcentraçãodepobreza.ÉassimnaturalqueagrandemaioriadosprojetoseprogramasdeRRMDtenhasidoimplementadajuntodeindivíduosougruposemcondiçõesaltamenteprecáriasdevida.Instalam-sepreferencialmentejuntodo“sufferingbodyofthecity”,paratomaraexpressãoqueLeMarcis(2004)usaapropósitodasperiferiasdeJoanesburgo.AnalisandoocrescimentoexponencialdoVIHnapopulaçãodacidadenoperíodode1990a2000,oautorfalanumadistribuiçãourbanadesigualdovírus,sendoocentrourbanoclaramentemenosafetadorelativamenteàsperiferias.

O“Sufferingbodyofthecity”reveste-sedumduplosignificado:porumlado,representaocaráterdedistribuiçãodesigualdasdoençasnoespaçourbano,particularmentedoVIH,estandoportantoasperiferiasemsofrimentoefetivo;poroutrolado,vemsalientarapoucacapacidadedestapopulaçãoemrecorreraosserviçosdesaúdeeàredeassistencial,estandoporissoemsofrimentoresultantedessalimitação.RubensAdorno(2011)eTanieleRui(2012)chegamaresultadosmuitosemelhantesquantoautilizadoresdedrogasdazonaconhecidaporCracolândiaemSãoPaulo,propondoaautoraaexpressão“corposabjetos”paraindicaromodocomoosdependentesdecrackmaisestigmatizadoscarregamnasuaaparênciacorporalamarcadaadicção,dasdoençasinfeciosasedavidaderuaeomodocomoessacorporalidade“abjeta”éoelementomaisfortedaestigmatizaçãodequesãovítimas.EscrevíamostambémnósapropósitodoPortoque“ofenómenodrogaparticipadessecenáriodecriseurbana,cruzandoesobrepondonasuatrajetóriaastrajetóriasdosoutrosfenómenosproblemáticos:sem-abrigo,prostituiçãoderua,imigraçãoclandestina.Estecenáriodecrisedaurbeconvocouarespostarápidadaintervençãosocial,quereagiureativandoasuavocaçãodeterreno,exercidaagorasobresituaçõesdeemergênciasocialcaracterizadaspelodesabrigo”(Fernandes,Pinto&Oliveira,2006,p.80)Umdostemasmediáticos–mastambémsociológicosecriminológicos–acercadasmetrópoleséodaruacomopalcodaproliferaçãodenovasmarginalidades(errânciaassociadaàcadavezmaiorpresençademigrantesclandestinos,depessoassemdomicíliofixo,depessoasa

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vivernarua)edesvios(grupalidadesjuvenisdesviantes,toxicodependentesderua,comassociaçãoapequenacriminalidadeeaocrescimentodosentimentodeinsegurança).Peranteapoucaeficáciadasrespostasinstitucionaisconvencionaisconfrontadascomestesnovosfenómenos,aruacomeçatambém,sobretudoapartirdosanos90,aserolhadacomopalcodeintervenção-aquiloaquegenericamentetemvindoachamar-seintervençãosocialdeprimeiralinhaouintervençãodeproximidade,dequesãoexemploasequipasderuaaatuarjuntodetrabalhadoresetrabalhadorassexuaise/oudetoxicodependentes,oscentrosdeabrigo/deacolhimentoeosdropinsdebaixolimiardeexigência.AolongodaúltimadécadadoséculoXXvimosassimsurgiremPortugal,sobretudonassuasduasmetrópoles,agênciasdedesenvolvimentolocalvocacionadaspararespostasavariadassituaçõesderiscosocialepsicológico.ImpulsionadaspormedidasdaEuropacomunitáriaqueviabilizavamfinanceiramenteainstalaçãodeestruturaseaformaçãodeequipasmultidisciplinares,fizeramconvergirnassuasintervençõesaspráticasdoserviçosocial,dapsicologiacomunitáriaedasaúdepública.ÉtambémnestasagênciasdedesenvolvimentolocalquesurgirãoosprimeirosprojetosdeRRMD,aindaantesdaexistênciadeenquadramentolegalquesalvaguardassemedidassocio-sanitáriasnaalturatãopolémicascomoatrocadeseringas,práticainterventivaquedesenvolveremosamplamentenasegundapartedesteartigo.

1.2.RRMDeperturbaçãodaestabilidadenormativa

AemergênciadaRRMDaolongodosanos90pôsemcausaaestabilidadenormativadodispositivode“combateàdroga”.Talestabilidadeassentavanasordensterapêuticaejurídica,laboriosamenteconstruídasaolongodetodooséculoXX(Agra,2009;Romani,1999;Escohotado,1989),eaascensãodaspolíticasdeRRMDvemintroduzirdesordemnestestatusquo,queeramarcadopelainoperância:consumosaaumentar,recaídassucessivasnosprogramasterapêuticos,consumidoresproblemáticoslongedasestruturasquelheseramdestinadas,aumentodocontrolepolicialedapopulaçãocarceráriasemnenhumreflexovisívelnareduçãodaofertaedaprocura,bemdemonstradopelocrescimentoconstantedosconsumidoresedosmercadospsicotrópicos.Atrocadeseringasébemosímbolodacolocaçãoemcausadumaordemterapêutica,emqueosprogramaslivresdedrogasacreditavamqueaspsicoterapiasconvencionaispodiamresgatarotoxicodependenteàsuadoençaeconduzi-loàcura,semnuncaporememcausaasuaineficácia,semnuncarefletiremsobreoseufracasso,quenãosemediaapenaspelasrecaídasmaspelaquantidadedeindivíduosquenãoacediamaestasestruturas.Aperturbaçãodaestabilidadedava-se,desdelogo,aoníveldalinguagem:toleraremvezdeperseguir,descriminalizaremvezdepunir,olharoutilizadorcomoresponsávelporsiepelosseusatosemvezdeoremeterparaaposiçãopassivadodoenteàmercêdasuapatologia,falarem“utilizador”emvezde“toxicodependente”.Eprogressivamenteafirmava-senoterrenodapolíticada

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existência:odireitoaoconsumoemvezdaobrigatoriedadedaabstinência,odireitoàparticipaçãonasdecisõesqueimplicassemavidadosutilizadores,aargumentaçãoquemostravacomoumaboapartedosriscosparaoindivíduoeparaasociedadeimputadosaoconsumodedrogasresultavamdasprópriaspolíticasproibicionistas(Karan,2005;Labrousse,2004;Szazs,1992).Nofinaldadécadade90iniciavam-seosprimeirosprogramasdesubstituiçãoopiáceaemmeioprisional(Barros,Lucas&Santos,2010).Eametadonanasprisõesfoibemosímbolodacolocaçãoemcausadumaordemjurídico-penalque,desdeoiníciodosanos80,traduziaparaonossoordenamentojurídicoeparaasnossaspráticaspoliciaisecarceráriasawarondrugsv.Noiníciodomilénio,talcomojáreferimosatrás,foramconsagradasjuridicamenteasprincipaismedidasdeRRMD,criadasascomissõesdedissuasãodatoxicodependênciaedescriminalizadooconsumo,originandoumagrandecuriosidadedacomunidadeinternacionalemrelaçãoaoquecomeçouaserconhecidocomo“omodeloportuguês”(Domostawski,2011;Greenwald,2009).Emsíntese,aprogressivaafirmaçãodaspolíticasdeRRMDteveumimportantecontributoparaareorganizaçãododispositivodadroga.Paraalémdasuaexpansãodemodoaasseguraracoberturadetodooterritórionacional,estepassouaincluirnassuasáreasdemissãoenosseusplanosdeaçãoaRRMD,reconhecendoainsuficiênciadasrespostasrepressivaedetratamentoconcebidaunicamentenomodelomedico-psicológico.Massobretudocriouespaçoparaaintervençãodeproximidade,paraaligaçãodaspráticasinterventivasaoterritório,paraaleituracontextuale

comunitáriadumproblemaqueatéaíeravistocomoresultandoessencialmentedopoderdoquímicosobreoindivíduoedascaracterísticasintrapsíquicasdeste.Maséprecisoreconhecerque,emPortugal,estanovapolíticadesaúde,socialedeafirmaçãodosdireitosdosutilizadoressurgepraticamentesóapartirdointeriordodispositivodeintervenção,nãotendocomoprotagonistasosprópriosutilizadoresdedrogas,comoaconteceunaHolandaounaEspanha.Deresto,nãoexistiaaindanenhumaassociaçãodeutilizadoresconstituídaemPortugalquepudesseterdesempenhadoessepapel.viDitodoutramaneira,aalavancainicialnãofoiaproatividade-osutilizadoresaquereremtomarcontadoseuprópriodestino,aassunçãosociopolíticadasopçõespessoais,dodireitoàgestãodocorpoedoprazer-masarespostaàcrise:daineficáciadomodelodaabstinênciaassentenasterapiaslivresdedrogas,daprisãocomoestratégiade“combateàdroga”,daperiferiaurbanadegradada,doaumentodoVIH/SIDA,dahepatiteCedatuberculose.ARRMDnãoestáisentadeambiguidadesecontradições:édefactoumnovomododeolharosindivíduosqueconsomemdrogaseumanovamaneiradelidarcomacomplexidadedasadicções,ouéumaformadecontroledegruposeterritóriosvistoscomoproblemáticos,umaespéciedepacificadorterritorialquedesvitalizaopoderdedenúnciaqueelespoderiamtersobreapobrezaeaexclusão(Ilundain,2004)?Trata-sedumagestãodoconflitosocialquenãovisaemprimeirainstânciamelhorarasituaçãodosafetadosmasconterasuaexpressãonaurbemantendo-osnumbaixopotencialde

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conflitualidade(Romani,Terrile&Zino,2003)?TissotePoupoeau(2005)alertamparaoriscodeaintervençãodeproximidadeconstituirumapanaceiaqueapagaasdesigualdadesestruturaisnoterritório.PuzzettieBrazzabeni(2011)sãoaindamaiscontundentesefalamnapsicologizaçãodosocial,daassistênciadaspopulaçõesdesegmentosmarginalizadoscomaretóricaemtornodo“apoio”edo“empoderamento”–porqueacompaixãonãoteminimigos...(inspiram-senaexpressão“ethosdecompaixão”deDidierFassinparacaracterizarcertotipodeintervençõessociaisecomunitárias).

2.OCONSULTÓRIODERUAEAPSICOLOGIADEBAIXOLIMIAR

2.1 Brevesnotasmetodológicas

Ilustraremos,nestasegundapartedonossoexercício,otrabalhodeRRMDlevadoacaboporumaequipaderuaquefazintervençãoemalgunsterritóriospsicotrópicosdazonaocidentaldoPorto:BairrodoAleixo,PinheiroTorres,VisoeRamalde.EstaequipaéconstituídaporumaAssistenteSocial(tambémcoordenadoratécnicadaequipa),umeducadordepares,umtécnicopsicossocial,doisenfermeirose,depoisdanossasaídaemdezembrode2013,porumapsicólogavii.AfiguradoeducadordeparesrepresentaumanovidadetrazidapelaRRMDparaocampodaintervençãonasdrogas,peloqueconvémesclareceroseupapel.DeacordocomBroadhead,Heckathorn,Weakliem,Anthony,Madray,MillseHughes(1998,p.43)umeducadordeparesnocontextodaRRMDpodeserdefinidocomo:“asmallnumberofcommunitymembers,usuallyex-drug

usersorinjectorsorpeoplewithstreetcredentials,arehiredtocontactandworkwithdrug-usingmembersoftheirowncommunityasclients”.Quantoaotécnicopsicossocial,éumprofessionalcomformaçãonãouniversitáriaequetemfunçõesdecoadjuvaçãodosoutrosprofissionais.Oprincipalobjetivodestaequipaéodeatenuaroureduzirosriscosedanosqueresultamdoconsumodedrogasporpartedosutilizadoresquerecorremaessesterritóriospsicotrópicosquerparacomprarquerparaconsumirassubstânciaspsicoativas.Essaintervençãotemcomograndefocoosutilizadoresdeheroínaedecocaína,umavezqueestasduasdrogaspossuemummaiorprotagonismonosterritóriosconsiderados,sejamnaspráticasqueserelacionamcomasuavendasejamnaspráticasqueserelacionamcomoseuconsumo.Umdenós,enquantomembrodessaequipa,realizou,entreOutubrode2009eDezembrode2013,umdiáriodecampoquefuncionoucomoumaâncoratécnicaereflexivaparaaintervençãoviii.Osdadosforamrecolhidosatravésdetécnicasdeobservaçãodireta,quernamodalidademaisparticipadaquernamaisdistanciada,dosatorescomqueíamoscontactandonodecursodonossotrabalhoderedutoresdedanos.Estivemosnoterreno,paraalémdopapeldeinterventores,inspiradosporumaposturaetnográficanomodocomoolhávamosefixávamosnodiáriodecampoocontextodequeeramostambémelementoativo.Temosverificadoessaposturaetnográficanoutrostrabalhosquecaracterizaramaexpressãourbanaeosatoressociaisdofenómenodrogaapartirdestesdispositivosmóveis(e.g.Rui,2012;

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Gomes&Adorno,2011;Raupp&Adorno,2010;Oliveira,2009).Osregistosdeterrenoforamrecolhidosduranteogirodaequipaderuapelosterritóriose,posteriormente,organizadoseinseridosnonossodiáriodecampo.Numafaseposterior,quandoodiárioerajáumalonganarrativa(nãofalamosnoseufim,poiséuminstrumentoemaberto,voltando-seaelesemprequesurjaoportunidadederegressaraoterreno),procedemosàidentificaçãodosprincipaisconteúdosqueemergiamdasualeiturasistemática.Constituímosassimtemasestruturantesdanarrativaesobrecadaumdelesproduzimosumasíntese.Ditodoutromodo,seotextododiárioconstituíaumaescritadeprimeiraordem,aproduçãodumtexto-sínteseapartirdostemasestruturantesconstituíaumtextodesegundaordem–oequivalentenométodoetnográficoaosresultadosnasinvestigaçõesmaisestandardizadas.Éjustamentecomalgunsdestes“resultados”queelaboraremosaspróximassecções.2.2 Consultórioderuanosterritóriospsicotrópicos:ocasodoRotascomVida

Aanálisedonossodiáriodecampobemcomoanossaprópriaexperiênciainterventivanaequipaderuapermite-nosconstatarqueaintervençãorealizadaseorganizaemdoisgrandeseixos.Porumlado,realiza-seumaintervençãodiretacomosatoressociaisaoníveldosterritóriosreferidose,poroutrolado,umtrabalhodeacompanhamentodealgunsutilizadoresàsdiferentesestruturasdacomunidadecomquemaequipaderuatemestabelecidosprotolocos:hospitais(emparticularoHospitalSantoAntónioeHospitalJoaquimUrbano),equipasdetratamentoparaastoxicodependências,laboratóriosdeanálisesclínicas,centros

desaúde,lojadocidadãoecentrodediagnósticopneumonológicodoPorto(CDP–Porto).Estesdoiseixosinterventivosapresentam-secomocomplementaresduranteotrabalhodaequipaderuapoisconstata-sequeosacompanhamentosrealizadosàsdiferentesestruturasdacomunidadetêmcomobaseumaconstantemonitorizaçãoeavaliaçãodasnecessidadesdosatorescomquecontactamosduranteotrabalhodeproximidadeaoníveldosterritórios.Paraestetrabalhoprocura-seoenvolvimentoativodosutilizadoresdedrogasnodesenhoenaintervenção.ArealizaçãodeFocusGroupscomalgunsatoresdacomunidadepermitiuqueosmesmossepronunciassemacercadaintervençãoqueestavaaserrealizada,contribuindosimultaneamenteparaasuaemancipaçãoeoptimizaçãodasestratégiasinterventivas.Poroutrolado,apermanênciadiáriadostécnicosnosterritóriosondeosutilizadoresprotagonizamaçãocoloca-osnoestatutodeatoressociaisenãonode“doentes”,“pacientes”,ou“toxicodependentes”.Anãoexigênciadaabstinênciadedrogascomocritérioterapêuticoinicialfuncionoutambémenquantoestratégiadeempoderamentolevadaacabopelaequipa,devolvendoaosujeitoaresponsabilidadepeloseuregimedeutilizaçãodedrogas.Estaposturainterventivaassentenoempoderamentodosconsumidoresdedrogascomquemtrabalhamossitua-nosaoníveldeumdosprincípiosorientadoresdaRRMDenquantopráticadeintervençãocomunitária.SegundoSouthwell(2010,p.103):“Peoplewhousedrugsneedtobecomeroutinepartnersinharmreduction,supportingtheidentification,

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developmentandpromotionofharmreductionstrategies”.Namesmasenda,JorgeeCorradi-Webster(2012,p.41)referemapropósitodapráticainterventivadestesdispositivosmóveis:“Apráticanoespaçodaruadeveincorporarosaber,aexperiênciaeaculturadaspessoasqueoconstituemedeveserconstruídaapartirdeumarelaçãointerpessoalbaseadanovínculo,noacolhimentoenaescutaqualificada”.Aindaaestepropósito,nodocumentodeapoioaoPlanoOperacionaldeRespostasIntegradasixpodeler-se:“Aadopçãodoprincípiodoempowerment,nocontextodalutacontraadrogaetoxicodependência,podesignificarumamudançadeatitudefaceaoconhecimento,experiência,necessidades,aspiraçõeseperspectivasdos“beneficiários”daacção,noplanoindividual(cidadão),noplanocolectivo(agentespromotoresdeprojectos),enoplanocomunitário”(PORI,2008,p.22).Omodelodeintervençãodiversificadoeterritorialnofenómenodrogatemassumido,nocontextobrasileiro,aexpressão“ConsultóriosdeRua”,sendodispositivosdesaúdepúblicaquetrabalhamemterritóriosdecomércioeusodedroga(e.g.Jorge&Corradi-Webster,2012;Andrade,2011;Raupp&Adorno,2010;Oliveira,2009;Lancetti,2008;Nery-Filho,1993).Numprimeiromomentousamosaexpressãopsicologiaderuanonossodiáriodecampo(porcontrastecomapsicologiadegabinetetípicadasintervençõesclássicas),masadotaremosagoraaexpressãoconsultórioderua.Essesdispositivosdeassistênciatêmcomobaseareformapsiquiátricabrasileiraqueemergiunosanos70doséculoXXconsolidando-secomopolíticadesaúdenestepaísnasdécadasseguintes

(Pitta,2011).Deacordocomaautora:“Jánofinaldosanos70,omovimentopelasReformasnaassistênciaemSaúdeMentalcaminhoujuntoaosmovimentossociaisdeusuáriosefamiliares”.Nomesmosentido,Ferreira(2004)referequea8ªConferênciaNacionaldeSaúde,realizadaem1986,vemafirmarasbasesdareformasanitáriabrasileiraqueassentamempilarescomoauniversalidade,aabrangênciaeademocratizaçãodosetor,procurandoreagiràspolíticasassistenciaisdereferênciaasilar.Vejamos,jádeseguida,comoseorganizaaintervençãodaequipadeRRMDdoRotascomVidacomosutilizadoresdedrogasaoníveldosterritóriosquetemosvindoafocar(2.3.).PosteriormenteanalisaremoscommaiordetalheosacompanhamentosdealgunsdessesutilizadoresàsdiferentesestruturasexistentesnaComunidade(2.4.).2.3.Trabalhoderuanosterritóriospsicotrópicos

ParámosacarrinhanoPT[bairropinheirotorres]earealidadeapresenta-se-noscadavezcommaiorregularidade:osmesmosatoresnosmesmosterritórios.Unsvêmàcarrinhapedirmáquinasx,outrostrocamassuasusadaselevamnovas,outrospedemumaemprestadaporqueseesqueceramdasua.Duranteotrabalho,aconversaentreosutilizadoresdedrogaspermanecemespontâneas.Nemmesmoofactodeestarmosalioscondiciona.FalamsobreaqualidadedasBasesedosPacotesxiesobrequemestavaavendermelhorprodutoxiihoje…(Excertodediáriodecampo,dia16deMarçode2011)

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NosbaldiosdoAleixotemo-nosapercebidodealgumassituaçõesquenaCarrinhanãoconseguimosidentificar.Hojeverificamosqueváriosutentestiveramdificuldadesemcolocarocaldoxiiinamáquinavistoquea“Brancaestavamuitosuja”.ODMpediu-nosmesmoumamáquinadepropósitoparapassaroprodutodeumamáquinaparaoutralimpa.OobjetivoerafazercomquedesaparecesseopedaçodeprodutoquenãofoipossíveldissolverduranteapreparaçãodoCaldo.(Excertodediáriodecampo,dia10deMarçode2011)

Osexcertosacimapermitem-nosexemplificarotrabalhodereduçãodedanosqueérealizado.SegundoLancetti(2008)trata-sedeumarespostainterventivaterritorializadafocando-senumconjuntodeconsumidoresdedrogasqueaprofundarameintensificaramasuatrajetóriaderua,apresentandoumquadrodeacentuadavulnerabilidadepsicossocialequenãoprocuramosserviçosdeajudadeformaautónoma.Paraatingiresseobjetivo,oautorfaladeumaterritorializaçãodaclínicasendoqueessaterritorializaçãodevepassarpelasuadesterriorialização,istoé,adesvinculaçãodosespaçosondenormalmenteelaseexerce(ogabinete,ohospital,oconsultório).Segundooautor:“Aconsultapsiquiátrica,aentrevistapsicológicaeavisitadomiciliar,osgruposterapêuticoseasoficinasdearteedeproduçãosãorecursospobresparaoatendimentodepessoasquenãodemandam,quenãopossuemculturapsiouqueseviolentamdediversasformas”(Lancetti,2008,p.51).

Nocasodoprimeiroexcerto,apontamosparaa“regularidadedarealidade”comquenosfomosconfrontandonodecursodonossotrabalhoderua:“osmesmosatoresnosmesmosterritórios”.Essaregularidadepodetambémsertidaemcontaquandonosreferimosànossaintervenção.Assim,essetrabalhoinscreve-senumconjuntodepráticasinterventivascaracterísticasdaRRMDdasquaisdestacamosatrocaedistribuiçãodematerialdeconsumoesterilizadoaosutilizadoresdedrogas(sejamfolhasdepapeldeestanhoparaoconsumofumadooukitsxivdeconsumoparaosutilizadoresquefazemadministraçãoendovenosadedrogas),asensibilizaçãoparapráticasmenosprejudiciaisassociadasaoconsumodedrogas(sejaaoníveldaalteraçãodaviadeconsumo,sejaatravésdadiminuiçãodadosagemadministrada),bemcomoapromoçãodaadesãoaprogramasdesubstituiçãoopiácea.Estasdiferentesrespostasfornecidasocorrememsimultâneoeduranteoperíododefinidopelaequipaparaestaremdeterminadoterritório,sendoprovidenciadasàmedidaqueosutentessevãoaproximandodaunidademóvelevãoabordandoostécnicosdaequipa.Vejamosumexcertodonossodiáriodecampoquedácontadapluralidadederespostasprestadasporpartedaequipaderua:

HojecontinuamoscomonossotrabalhodereduçãodedanosnosbairrosdazonaocidentaldoPorto.NoAleixo,tudocirculacomamesmaregularidade.Osatoresaparecemnacarrinha,unstrocandomáquinasparaoconsumoinjetado,outrospedindoprataparaoconsumofumado,

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outrospreservativoseoutrosaparecemapenasparafalarumpouco.(Excertodediáriodecampo,dia9deAgostode2011)

UmaoutracomponentedotrabalhoderuacomutilizadoresdedrogasdizrespeitoàsensibilizaçãoparaarealizaçãoderastreiosàTuberculoseeaoVIH,sendoumadasprioridadesdaintervençãodaequipa.Aquiloquepareceserumsimplesatoepidemiológicoconverte-secomfrequênciaemoportunidadedeintervençãopsicológica:

AdadaalturadotrabalhoderuachegaaPCàcarrinha,umavezquetinhaagendadoumKlothoxvparahoje.(…)AenfermeiraexplicavaàPCqueiaretirarumagotadesanguedoindicador,(…)dizendo-lhequeentrearetiradadagotadesangueeoresultadoteriaqueesperarcercade20minutos.PerguntamosseconheciaosmodosdetransmissãodoVIHeeladisse:“seiquetêmavercomSeringas”.Conversamossobreseteverelaçõessexuaisdesprotegidasearespostafoinegativa.Falamossobreosconsumosdedrogas.Disse-nosque“nuncapicouxvi”.Passadosos20minutosaenfermeirareferiunãoexistirnenhumareação,oresultadofoinegativo.(Excertodediáriodecampo,dia23deMarçode2010)

Aquiloquepareciaserumtempodeesperamortoéaoportunidadeparaumaintervençãopsicológica,nomeadamenteparapodertrabalharaadesãoàsterapêuticastuberculostáticasouparaoVIH,dadaagrandedificuldadequeestes

utentesrevelamnacontinuidadedaterapêutica.Atéagoratemosvindoafocarumaformadetrabalhoderuaquesefixanasimediaçõesdaunidademóvelounoseuinterior.Noentanto,otrabalhonessesterritóriosnãoseesgotaoulimitaàsimediaçõesouaointeriordaequipaderua.Talcomorefereosegundoexcertoqueabreestasecção,aolongodonossotrabalhofomosconstatandoanecessidadedetornaraintervençãodesenvolvidamaisdiversificadaeabrangente.Assim,desenvolvemosumconjuntodeestratégiasdeRRMDquevisavamaeducaçãoparapráticasdeconsumodedrogasefetuadosdiretamentenoslocaisondeocorremestesconsumos.Vejamosdeseguidaexcertosdonossodiáriodecampoquedãocontadaintervençãoquerealizamosnesteslocais:

OEAacaboudeconsumirechamoupornós.Pediu-nosparachegarobalde(contentorparaatrocadeseringas)parapertodeleporquetembastanteshematomasnaspernas.Diz-nosquetemdificuldadeemmexer-se.Deslocamo-noscomobaldeparaeletrocarasmáquinasutilizadaseíamosconversandosobreassuaspráticasdeconsumo.Dissemos-lheparadesinfectarantesedepoisdochutoxviiporqueissoconduzaumadesinfecçãonaszonasdeinjecção.Aconselhávamosaevitaroconsumonaspernas,procurandooutraszonasparaadministrarasubstância.Diz-nos,contudo,queédifícil,porquejánãotemveiasacessíveis(…)(Excertodediário

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decampo,dia25deMarçode2011)

Hojedeslocamo-nosnovamenteaosbaldiosdoAleixo.Quandoláchegamos,tivemosumprimeiropedido.OLD(…)falou-nossobreapossibilidadedeentraremprogramademetadonanacarrinhadoRotascomVida.Conversamoscomelesobreisso.Entretanto,oDMacabouporlhedesenrascarumadosedebrancaepóxviiieelepreparavaocaldocomele.Oseumedoeraodeconseguirinjetaràprimeira.Masconseguiu.(Excertodediáriodecampo,dia31deMarçode2011)

Começamosafrequentaresteslocaisapósalgumtempoderealizarmostrabalhoderuanasimediaçõesdacarrinha,indoumelementodaequipa(sempreacompanhadopeloeducadordepares)paraessesespaçosenquantoqueosoutroselementosficavamnaunidademóvelarealizarorestantetrabalhoderua.Otrabalhodoeducadordeparesxixfacilitouoacessodaintervençãorealizadapelaequipaaosterritóriospsicotrópicosconsiderados,permitindoefacilitandoosseusprocessosdeempoderamentoedeadvocacy.Asuaexperiênciaadquiridanasmúltiplasvivênciascomoutilizadordedrogasfuncionouváriasvezescomoelementoformadordeoutroselementosdaequipatécnica.Foi-nospossívelobservar,noscontextosdeconsumoacimareferidos,umconjuntodepráticasdeconsumodedrogasqueserevelamdeelevadoriscoparaasaúdedoconsumidor.Dessaspráticasdestacamosanãoutilizaçãode“garrote”paraadilataçãodasveiasdemodoaevitar

inflamações/hematomaslocalizadasnoconsumoendovenoso,ainjeçãodedrogasnasextremidadesdocorpo(nomeadamentenasmãosenospés)comportandoriscosnaformaçãodenecrosetecidularnessaszonasepodendolevar,noscasosmaisextremos,àamputaçãodazonareferida.Nocasodoconsumofumado,destaca-seapartilhadecanecosxxentreoutraspráticasdeconsumoderiscoparaosconsumidores.Importaaindareferirqueapesardeconstatarmosapresençadessescomportamentosderisco,pudemostambémobservar,porpartedealgunsatores,comportamentosqueevidenciamumacapacidadedegestãoquerdosconsumos(nomeadamenteaoníveldaquantidadedesubstânciaadministradaeaoníveldaformadeconsumo)querdegestãodaprópriaabstinência.Exemplificamosoquereferimoscomumexcertodonossodiáriodecampo:

OMLFdisse-nosnosbaldios:“arazãodeserdaminhatoxicodependênciaéoprimeirocaldo.”(…)Disse-nosdepoisquequandoestáaressacarpodeterpastilhasdemetadonanobolsomasprefereaguentararessacaparadepoisobtermaiorprazerquandochutarheroína(Excertodediáriodecampo,dia15deMarçode2011)

Oqueoexcertoacimanosmostraéqueoindivíduoéativoeconstróiativamentesignificadosemtornodoseucomportamentodeconsumo.ComosalientaSouthweel(2010,p.101):“Assuch,peoplewhousedrugscanbedefinedascalculatedrisktakers.Thischallengestheorthodoxaddiction

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archetypesthatdescribepeoplewhousedrugsasvictimseitherofsubstanceswithsometypeofpseudo-magicalqualityorofthe‘evildrugdealers’whopeddlethesedrugs(Booth,1997)”.Aregularidadecomqueobservamosestescomportamentosdeautogestãodacondutaadictivanosutilizadoresafasta-nosdaideiadequetodooutilizadoréumamera“vítimadasubstância”,ouvítimado“diabodovendedor”dedrogacomorefereacitaçãoatrás.Pelocontrário,eleapresenta-secomoalguémqueprocuraamaximizaçãodoefeitoprazerosodasubstânciaaindaque,porvezes,apresente,talcomoreferimosacima,comportamentosderiscodemodoaatingiressefim.Assim,oobjetivodaintervençãonãosesituaaoníveldaabstinênciadedrogasmasantesnagestãodoriscodeconsumodesubstânciasdemodoadiminuirasconsequênciasnegativasqueresultamdealgumasadministraçõesdeelevadoriscoparaasaúdedoconsumidor.Voltaremosafocaresteslocaisdeusodedrogasnasecção2.5destetrabalhoumavezqueelessemostraramcomoplataformasespaciaisdeelevadasignificaçãopsicológicaparaalgunsutilizadores.2.4.Acompanhamentosàsestruturasdacomunidade

Hojedeslocamo-nosaobairrodoaleixocomoobjetivodefazeroacompanhamentodedoisutentesaoCRIOcidentalquetinhammarcadopreviamenteconnoscoessadeslocação.AoestacionaracarrinhanaRuaALnoAleixoapareceuapenasoJP.Ooutroutente,oJA,nãocompareceu.Esperamosumpoucoparaverseeleentretantochegava.Não

chegou.FoientãoqueseguimosparaoCRIOcidentalcomoJP.(Excertodediáriodecampo,dia20deOutubrode2009)

Alémdotrabalhodeproximidadequeacabamosdeexemplificarnasecçãoanterior,aequiparealizaumavariedadedeacompanhamentosdealgunsutentesadiferentesestruturasdaComunidade.Aestepropósito,DomanicoeMalta(2012)referemaimportânciadestasestruturassóciosanitáriasnaprogressivaaproximaçãodosconsumidoresdedrogasàrededecuidados,principalmentenosutilizadorescomumacentuadoafastamentoemrelaçãoaelaouqueestabelecemcomelaumarelaçãotangencial,apresentandodificuldadesnoacessoautónomoaosserviçosdeassistênciaetratamento.Osencaminhamentosrealizadospelaequipaderuasãopossíveisdevidoàatuaçãoconcertadaeintegradadasrespostasinterventivaspermitindoofuncionamentoemredecomoutrasinstituiçõesecontribuindoparaacriaçãodeumdiálogocomunitárioconstanteentreasdiferentesestruturas.Essetrabalhoemrede,funcionandonumalógicadeaproveitamentodassinergiasdasdiferentesinstituiçõesexistentes,permiteestaremcongruênciacomoPlanoOperacionaldeRespostasIntegradasquedefendejustamentecomoumdospilaresinterventivosacriaçãodeparceriasentreasdiferentesrespostas.“Aintervençãoemredetraduz-senaactivaçãoeconstruçãodeparceriasparaaintervenção,ouseja,acçõesconjuntasdefinidaseoperacionalizadasporváriosactores(individuaisecolectivos)quetêmumobjectivocomumequeparaasuaconcretizaçãopartilhamedisponibilizam

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váriosrecursos(conhecimento,oportunidade,logísticos,financeiros,humanos,etc.)”(PORI,2008,p.15).Nomesmosentido,Ornelas(2004,p.298)refereque:“Communitylevelinterventionsinvolvestrategiesforthepromotionofindividualchangeandapolicystrategyaimedatcreatingchangeinenvironmentalconditions.Communityiniciativesusemechanismstobringaboutmulti-componentchanges(ob.CitFlorin,2002).”Quandonosfocamosnosacompanhamentosrealizadosàsestruturasdetratamentoparaatoxicodependênciaverificamosqueessetrabalhopodecumprirumadiversidadedeobjetivos.Assim,podemirdesdeconsultasmédicasedarestanteequipatécnicaparaoacolhimentoinicialdoutentecomafinalidadedeiniciarterapêuticademetadonananossaequipa,consultasmédicasapenasparaarevisãodadosagemdemetadonaemutentesquejáseencontramarealizaressaterapêuticanaequipaderuaemregimedebaixolimiar,atéconsultasdepsicologiaedeserviçosocialnumsettinginterventivoquenãoosettingderua.Analisaremosabaixoduaspassagensdonossodiáriodecampoqueilustraoqueacabamosdereferir:

NaconsultadepsiquiatriadoCRIOcidental,opsiquiatraconversavacomoJPsobreapossibilidadedeleviraaumentarosconsumosdecocaínamesmotomandoametadonaumavezqueestaapenascortaoefeitodaheroínaenãodacocaína.Omédicoprescreve-lhedoseinicialde30mg/dia,(…)aumentandodiariamentenumaproporçãode10mgatéàs70mg.Atomadasdosesserádiáriaena

equipaderuadoRotascomVida.(Excertodediáriodecampo,dia20deOutubrode2009)

EstamosnoPT,cumprindoohorárionesteterritório(10h35-11h35).ChegaàcarrinhaoRFparatomaradosedemetadona,umavezqueénossoutentedesteserviço.Diz-nosquequerquemarquemosumaconsultaparaelenoCATxxi,quequerirparalátomarametadona.Dizquelálhedãoametadonaempastilhaseaquinasequipasderuanão.ExpliqueiaoutentequaladiferençaentreestarnumprogramademetadonanumCATenumaequipaderua,nomeadamentenoqueissorepresentaaoníveldocontrolodosconsumosdedrogas.DizqueseencontraabstinenteemesmoquenãoestivessequeesteveanteriormentenoCATdaFeiraetrocavaasurinassóparanãoochatearem(Excertodediáriodecampo,dia08deAgostode2013)

Osexcertosmostramasváriaspossibilidadesquesecolocamnosacompanhamentos:tantoserealizamemdireçãoàestruturadetratamentocomoobjetivodequeoutentesejaaíacolhidoevenhadepoisrealizarastomasdiáriasnaequipaderua(casodoprimeiroexcerto)comotambémseprocedeaoacompanhamentodosutilizadoresaestasestruturascomafinalidadedequeestesfiquemláintegradosemprogramasdetratamento.Emambasassituaçõesconseguimosperceberqueaequipadesempenhaumafunçãodemediaçãoentreestasestruturaseosutilizadoresde

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drogas.Essamediaçãorevelou-separticularmenteimportantenossujeitosquepermanecemcomummaiorafastamentodarededeapoio.Escrevíamosadadomomentonodiáriodecampoqueosacompanhamentosàsestruturasexistentesnacomunidadeprocuramcolmatarohiatoexistenteentreapopulação-alvoeessasrespostas.Osacompanhamentosdosutilizadoresàsestruturasimplicavammomentosdeesperaatéaoatendimento.Asaladeesperaconstituía-secomoumsettingquepossibilitavaocomeçodaescutaterapêutica.Vejamososeguinteexcertododiárioquedácontadissomesmo:

ChegamosaoCDPnaRuadaConstituiçãoeoPVcontinuavaimpaciente.ViqueoNS,outroutilizadordedrogasquefoiconnosco,permaneciamuitocalmo,sentadonumacadeiradasaladeesperadoCDP,afastadodenósecomumlivrodesudoku.Sentei-meaoladodele.Perguntei-lheseelegostadesudokueeledisse-mequesim,queenquantojogaédaformaquemantêmacabeçaocupadaequeissolhepermitenãoandarapensaremcoisasquenãodeve,nosproblemasdele.Falou-medealgunsdadosdasuahistóriadevida.Referiu-mequetem24anos,fazanosnopróximodomingo(dia21/02).ÉnaturaldaIlhaTerceiradosAçores.Perguntei-lhesetinhafamíliacáeeledisse-mequesim,quepartedafamíliaestáemVilaNovadeGaia(dapartedopai),equeoutrapartedafamília(dapartedamãe)estánosAçores.“Eufizmuitacoisatortadoutor,tiveoportunidadesedeixei-asescapar”

disse-meele.(Excertodediáriodecampo,dia19deFevereirode2010)

Aestaescutaexercidanoespaçodasaladeesperachamamos,adadomomentodonossodiáriodecampo,comoapsicologiadesaladeespera.Juntamentecomapsicologiadebaixolimiardequefalaremosadiante,constitui-secomoumdosdoiselementos-chavedaquiloquedesignamosnumprimeiromomentocomopsicologiaderua–ConsultóriodeRuaapartirdeagora,adotandoaexpressãoquetemvindoaserpropostanoBrasil.TodootrabalhodeproximidadequeprocuramosdescreversumariamenteatrásapresentaumfortepotencialparaaconstruçãodeConhecimentonoâmbitodofenómenodroga.OcontactodiretocomosutilizadoresdesubstânciaspsicoativaspermiteoacessoazonasdaCidadequetêmpermanecidoesquecidasealvodediferentesprocessosdeestigmatização.Istopermitiuoacessoaníveisdeexpressãodofenómenodrogaquepermaneciamatéaídesconhecidosoumalcaracterizados.Procuraremosevidenciarissomesmonasecçãoseguinte.2.5 Statusdosatoreseidentidadedelugarnosterritóriospsicotrópicos

Verificámosaexistênciadetrêstiposdeconsumidoresdedrogaquerecorremaosterritóriospsicotrópicos:osesporádicos-aquelesquerecorremaoterritóriopsicotrópicoespaçadamente.Sãotambémaquelesquefazemumconsumorecreativodedrogas,os“consumidoresdefim-de-semana”,comoaelesmesmossedesignam;osregulares-aquelesqueapesardesedeslocaremdiariamenteaoterritóriopsicotrópiconãopermanecem

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neleaolongododia.Muitasvezesasuadeslocaçãoresume-seair“comprarproduto”xxii.Algumasvezessãoindivíduosquetrabalham,tendodedeslocar-seaoslocaisdecompranasalturasdoinícioounofinaldotrabalho,ouentãonahoradealmoço;ospermanentes-aquelesqueestãomaistemponoterritório.Énestesatoresqueseverificaumenraizamentoprofundoaolugar,sendonelequeoatorencontraascondiçõesparaexperimentarumadeterminadaposiçãoexistencial.Foquemo-nosagoranosatoresquetipificamoscomopermanentes.Écomelesqueovínculocomaequipaderuaseintensificaedesenvolve.Paraseadaptaremàexpressãoderuadofenómenodroga,vão-seenvolvendonumasériedeatividadesinformaisqueaíexistem.Passamosaexemplificarcomtrêstiposdeatividadesdesenvolvidaspelosatorespermanentes:os“capeadores”-sãoosintermediáriosentreovendedoreoconsumidor.Trabalhamparaum“patrão”,comumdeterminadohorárioqueécumpridodemodorigoroso.Apregoamnobairroonomedopatrãoparaqueosclientessedesloquemaeleelhecompremproduto;o“vigia”-éresponsávelpelocontrolodasentradasesaídasdobairro,sinalizandocomogrito“água”semprequeavistaalguémquesupõempoderporemperigoaatividadeemcurso,nomeadamenteaPolícia;os“enfermeiros”-sãoindivíduoscomumrazoáveldomíniodatécnicadeinjeção.Devidoaissosãosolicitadosparainjetaremosquesentemdificuldadeemofazer.Opagamentopodeserfeitoembasesdecocaína,empacotesdeheroínaouemtrocadematerialdeconsumo,oquetambémacontececomcapeadoresevigias.xxiii

Acabamosdeapresentartrêsatividadesrealizadaspelosatoresquefazemdessesterritóriososeuquotidiano(oscapeadores,osvigias,osenfermeiros).Odesempenhodasmesmastraduz-senumdeterminadoStatusporpartedessesatores.Estedesempenhoassumeumcaráterrigorosoeécumpridodeformazelosaporquemoexecuta.UmapassagemdonossodiáriodecamponobairrodoAleixodácontadoqueacabamosdedizeratravésdocomportamentodovigiadoBairro:

ODMvemtrocarmáquinas(seringas)àcarrinha.Estáagitado.VejoqueestásempreaolharparaapartedecimadoBairro,paracontrolar.Comolheédifíciltrocarmáquinasevigiar,peganoBaldedetrocadeseringasepuxa-omaisparacimadopasseio.Desloco-mecomele.Colocaasmáquinasenquantoeuascontoeelevigia.Retomadepoiso“posto”.(Excertodediáriodecampo,dia03deOutubrode2013)

Emqueéqueesteconhecimentodosterritóriosedosatoreséimportanteparaaintervenção?Otrabalhoderuadaequipa,aoconfrontar-secomessasdinâmicasdosatoressociais,inscrevenoseutrabalhoessasmesmasdinâmicas,tornando-astambémcomoâmbitodaintervenção.ExemplificamosessasituaçãocomumapassagemdonossodiáriodecampoquandoqueríamosacompanharumacapeadoradobairrodoAleixoaoCDPdoPortoetivemosnecessidadedeirfalarcomodealerparaquemestautilizadoradedrogastrabalhava:

(…)elaacenava-mecomamãoparaeuirfalarcomele(comopatrãodela).Assimofiz.

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Apresentei-meaosujeitoedisse-lhequeeraimportanteaSCiraoCDP,queeraalgorápidoemuitoimportanteparaasaúdedela.Eleolhou-meedisse:“vá,vá,20minutosetudobem…(Excertodediáriodecampo,dia18deAbrilde2011)

PudemosaindaconstataremalgunsatoresemsituaçãodeSem-abrigo,umaorganizaçãopersonalizadadoseulocaldepernoita,construindoemseutornoumadeterminadaidentidadedelugar.Assim,verifica-senesseslocais,umasériedecomportamentosporpartedealgunsutilizadoresdedrogasquevisamapersonalizaçãodosmesmos,comoporexemploaexistênciadepequenaspedrasarodearolocalcomoqueadelimitarum“espaçopessoal”,tapetedeentrada,váriosmateriais(espelhos,cómodasvelhas,cortinas,objetosdedecoração)nocubículo,prateleirasoupósteres:

Enquantoapanhávamosumaalturamaismortanosbaldiosvimosasrecentes“modificações”queoNTfezaoseucubículo.ONTapresentaagoraumnovomóvelcom3prateleiras.Apresentatambém,àentrada,umbaldeparaolicho.Contêmpedrasdeváriostamanhosacriarumperímetroàsua“casa”eumtapeteà“entrada”.(Excertodediáriodecampo,dia12deabrilde2011)

Oconceitode“PsychologicalHome”avançadonodomíniodaPsicologiaComunitáriaporSigmon,WhitcombeSnyder(2002)foiparticularmenteimportantenaanálisedestescomportamentos.Deacordocomosautores,esteconceitoenvolvetrêscomponentesfundamentais:componentecognitiva–osentimentodepertençaao

lugarnumdeterminadoterritóriotemcomoconsequênciaumaorientaçãocognitivanoquotidianodoator,levandoamomentos“emcasa”e“foradecasa”;componenteafetiva-bemvisívelatravésdeumaconexãoemocionalpartilhadaentreosatoresnamesmaposiçãoexistencialetransgressiva;componentecomportamental–existeuminvestimentocomportamentalporpartedosatoresemorganizaremesseslocaisdepernoita.OnossotrabalhocomconsumidoresdedrogasdurasnosterritóriospsicotrópicosdazonaocidentaldoPortopermite-nosverificarqueestaidentidadedelugarassumeaindamaisimportânciaquandooutilizadoraprofundouoseuafastamentocomaesferaescolar,laboral,familiareencontranesteslocaisoespelhodesiedasuaconduta.Diríamosqueestesespaçosseconstituemcomoorganizadoresexistenciaisparasujeitosquefragmentaramassuasrelaçõessociais.2.6.Opsicólogonotrabalhoderua-apsicologiadebaixolimiar

LM:QuantoaosjogadoresdaSelecção,sógostodoCristianoRonaldo.(…)Éumgrandejogadoremereceodinheiroqueganha.(…)Hámuitosquefazemaindamenosqueeleetambémganhammilhões.Emtodososclubesporondepassoueraumgrandejogador.(…)Mas,resumindo,eugostoédomeuBeira-MaredomeuBenfica,nãogostodaSeleção(Excertodediáriodecampo,dia8deAgostode2012)

Duranteanossaintervençãofomosconstatandoque“aDroga”seconstituíasimultaneamentecomooprincipaldefinidordiscursivoentreostécnicos

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bemcomoolimitadordaspossibilidadesdiscursivasdoutilizadordedrogas.Se,porumlado,“aDroga”explicavaaostécnicostodososproblemasfamiliares,escolaresoudeoutrotipoqueoindivíduoapresentava(mesmoquandoessesproblemasnadatinhamquevercomaadicçãopropriamentedita)poroutro,“aDroga”,constituia-setambémcomoolocusexplicativoqueoutilizadoridentificavaeutilizavaparaenquadrarosproblemasdecorrentesdasuatrajetóriaexistencial.Remetidosaumaposiçãopassiva,incorporavamaquiloqueosespecialistasdizemqueeleseram,confirmandoportantoasdefiniçõesqueodispositivoiatecendoaseurespeito.Apesardisso,aanálisedonossodiáriodecampo,permitiu-nosconstatarapossibilidadedeconstruçãodeumarelaçãodeconfiançacomosatoressociaisnocontextodaintervençãoderua,apartirdeconversassobreasbanalidadesdavidaquotidianaesobreassuntosquefogemaousual“problemadadroga”.Aformaçãodeumarelaçãosólida,deconfiançaehorizontalrevelou-secomofortementeimportantenaconstruçãodessainteraçãoconversacionalcomosatorescomqueíamoscontactandoaolongodonossotrabalho-interaçãodetiponotknowing(Anderson&Goolishian,1992).Essainteraçãohorizontallevou-nosaencetarumdiálogocomosatoresqueextravasavaoregisto,diríamos,maisclínico,masqueerareveladordacosmovisãodosindivíduossobreassuntoscaracterizadospelanãocentraçãonotemadadroga,contribuindoparaaquebradocircuitofechadotemáticotécnico-utilizador-técnicoemtornodadrogaesuasperipéciasdeconsumoseparagens.Chamamosàinteraçãoderuacomestascaracterísticas

psicologiadebaixolimiarporque,àsemelhançadametadonaqueédadanocontextodaintervençãodaRRMD,tambémestapsicologiaestácarregadadebaixaexigência,poisnãohánenhumtópicoàprioriquedevaserfalado,todoselessãoadmitidosevalorizados,numclimadefluidezdiscursivatípicadequemquerserouvidocomopessoaenãocomotoxicodependente.Vejamososeguinteexcertodediáriodecampo:

EstavaasairdoAleixoeoMLFfalava-medosacontecimentosnoEgiptoemPortSaid,cujosincidentesnoestádioenvolveramotreinadordoAl-AhlyManuelJosé.“ParaqueMundoestamosacaminhar,S.?”dizia-meoMLF.“QuandoiremosteraPaznoMundo?”continuavaele.RecordavacomelealgunsepisódiosdessesemEstádiosdeFutebol,nomeadamenteosacontecimentosdafinaldataçadoscampõeseuropeusde1985naBélgica,noEstádioHeysel,ondeadeptosdaJuventusedoLiverpoolseenvolveramempancadariasculminandocomamortede39pessoas.OMLFexpunha-meaquilocomalgumpormenor(…)(Excertodediáriodecampo,dia02deFevereirode2012)

Apresençadeumoumaissujeitosnasimediaçõesdacarrinhadaequipaderua,nashoras“mortas”doserviço,apareceu-nosváriasvezescomoumpedidoimplícitoporpartedosatoresparaqueosvíssemoscomopessoas,nãopeloprismadoutentequerecorreaoserviçodaequipa,masparaestabelecerconnoscoumcontactodeoutranatureza.Vejamosumexcertodonossodiáriodecampoquedácontadoqueafirmámos:

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EstavanoAleixoatrabalharquandooLDeoRDchegavamcomasua“princesa”,umacadelinhaquecomprarampor5eurosnoAleixo.EnquantooLDfoiàTorrecomprarproduto,oRDficoucomaprincesapertodacarrinha.Aproveiteiefuitercomeleecomeceiafalar-lhesobreela.“Atélhefizumacasotinhaondeeumetiumamantinha.Àsvezesestamosnacamaeelapede-meparairláforafazerxixi.Énovinha,temummês,masémuitointeligente”dizia-meele(Excertodediáriodecampo,dia13dejunhode2012)Àsmesmasconclusõestínhamosjáchegadoemtrabalhodecampoanterior,comtoxicodependentesderuanocentroezonahistóricadeGuimarães:“(…)acarrinhaétambémoespaçodesociabilidadequesecriaemseutorno,importanteparaquemfragmentouasrelaçõessociais,paraquemsesentedistanciadodasestruturasformaisparatoxicodependentes(…)(Fernandes&Araújo,2011,p.119).

Anossaexperiênciainterventivapermite-nosconstataraimportânciadoestabelecimentodeumainteraçãotécnicahorizontalnotrabalhoderuacomtoxicodependentes.Paraissotorna-sefundamentaladiluiçãodo“estatutodotécnicodesaúde”na“pessoadotécnicodesaúde”.SeesterequisitonãoforrespeitadoaintervençãopoderáficarrefémdaquiloaqueCarlRogers(1961/2010)chamoude“relaçõesfabricadas”.Diz-nosoautoraestepropósito:“Asatitudesqueconsistememrejeitar-secomopessoaeemtratarooutrocomoumobjetonãotêmgrandes

probabilidadesdeservirparaalgumacoisa”(p.72).Anossaexperiênciainterventivanestescontextoscomunitários,marcadospelapobrezaepelainvisibilidadesocialfaceàsociedadedominante,chama-nosaindaaatençãoparaoperigodoexercíciodeumaposturatécnicademasiadoexplicativaemdetrimentodeumacompreensivaedebaixolimiar.Verificamo-lonaprimeirapessoaenquantoelementosdaequipaderuacujotrabalhoaquiestamosailustrar:oexercíciodessaposturatécnicademasiadoexplicativacontribuíaváriasvezesparaamanutençãodeumdiscursotécnico-utentecujasdinâmicasassentavamnumjogodefintasemanobrasassentesno“problemadadroga”.QuebraressejogocontribuíaparaquebrartambémaclivagemsimbólicaentreequipatécnicaeutilizadoresdedrogascomconsequênciasnaaproximaçãoentreestesdoisMundos.Assim,aadoçãodeumaatitudeincondicionalpositiva(Rogers,1942/1974)eacriaçãodeumaatmosferadehorizontalidadecomosutilizadoresdedrogas,revelaram-secomoinstrumentosúteisaolongodetodaaintervenção.Apsicologiadebaixolimiarmostrou-setambémimportantenaaceitaçãodonossotrabalhojuntodosconsumidoresdedrogascomqueíamoscontactando,nomeadamenteatravésdaincorporaçãotécnicadovocabuláriodosterritóriosedosatores(porexemplo,otermo“caldar”emvezde“injetar”ouo“darnaprata”emvezde“fumar”,“drogamartelada”emvezde“drogaadulterada”).Emjeitodeconclusão,terminamoscomumafraseproferidaporumatorenquantofazíamostrabalhoderuaeexercíamosessaposturainterventivadebaixolimiar:“Écomessalinguagemigualànossaquenossentimos

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entendidos”(Excertodediáriodecampo,dia29deMarçode2011).

NotaFinalMostramos,atravésdopresentetrabalho,comoasmudançasoperadasnapolíticadasdrogasemPortugaltêmpossibilitadoumanovaformadeintervirsobreofenómeno.Seduranteafasedacriaçãoeinstalaçãodosprimeirosdispositivosde“combateàdroga”esteslaboravamsobretudonumaatitudedecentralidadeinterventivano“indivíduo-doente”ounosseusmicrocontextos(Agra,1993;Agra&Fernandes,1993),odesenvolvimentodaspolíticasdeRRMDcontribuiuparaumaaberturatantonomododeolharquemutilizadrogascomonosettingenoestilointerventivos.Essaaberturatornouviávelumaintervençãoderuapróximadascomunidadeseatores,possibilitandoqueosespaçosurbanosditos“degradados”pudessemsertambémlugaresdaescutaterapêuticaemcontextosmarcadospelosofrimentosocial.Alémdisso,estaaberturaàscomunidadesondeofenómenoassumeprotagonismotempermitidoqueosatoressociaislocaistantocoletivoscomoindividuais–nomeadamenteosutilizadores-assumamumaposturaativaquernaconstruçãoquernaimplementaçãodaspráticasinterventivas.Paraaassunçãodumaposturaativadosconsumidoresdedrogasmuitocontribuiuumamudançanaformadeoolhar,reconcetualizando-ocomosujeitoativoecapazdeexercerumaatitudereflexivaacercadasuaposiçãotransgressivaeexistencial(Agra,1990).Apesardetudo,partilhamoscomalgunsautores(e.g.Tissot&Poupoeau,2005;Ilundain,2004;Romani,Terrile&Zino,2003)algumceticismorelativamenteaoverdadeiropodertransformadore

emancipadordestaspráticasinterventivasdeproximidadefaceaosproblemasquotidianosqueestascomunidadesapresentam.Criarãoestasequipasdeterrenoascondiçõesparaavisibilidadedegruposquepermanecememsituaçãodepobrezae“exclusãosocial”ou,pelocontrário,funcionarãoinvoluntariamentecomoneutralizadoresdo“espetáculodadroga”queneutralizaoseupoderdenunciadorfaceàsproblemáticasquotidianascomqueseenfrentam?Apesardenãotersidoobjetodonossotrabalhoresponderaestaquestãoconsideramosqueamesmaédemasiadocomplexaparaumarespostasimples,claraeconclusiva.Mastalvezasuaimportânciaerelevânciacientíficaesocialnossirvacomoguiadeorientaçãoparapesquisasfuturas.

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NOTASiParaumaanálisemaisdetalhadado“modeloportuguês”nocampodasdrogasver,porexemplo,Greenwald(2009)eDomostawski(2011).Aatençãointernacionalqueeletemmerecidoprende-secomadecisãopolíticadedespenalizaroconsumoeaposseparaconsumodetodasasdrogasilegaisecomacriaçãodascomissõesparaadissuasãodatoxicodependência,quesãoestruturasdeatendimentoparaconsumidoresquefuncionamcomoumainstânciadecontrolosocialquepretendedesencorajarosconsumossemconotarosseusutilizadorescomaimagemdo“criminoso”.

iiUtilizaremosaolongodetodootextooconceitodeterritóriopsicotrópico(Fernandes,1998):oterritóriopsicotrópicofuncionacomoumatratordeindivíduoscominteressecomumnumestilodevidaemqueasdrogasdesempenhampapelsignificativo.Comporta-secomoumbehavioralsetting,comumprogramacomportamentalconhecidodosatoresqueoconstituemefrequentamequeoprotegemcontraameaçasexternas.

iiiArecorrênciadotermonodiscursoestálongedeseratual.Umdoslivrosinscritosnanossahistóriarecente,consideradoinfluentenapreparaçãodoclimaparaarevoluçãodeabrilde1974quedevolveuoregimedemocráticoaPortugal,estápovoadodapalavra“crise”.Referimo-nosaPortugaleoFuturo,deAntóniodeSpínola,em1974.

ivParaaprecisãodoconceitosocioespacialdeperiferia,bemcomoparaidentificaçãodoselementosdecrisequecaracterizariamgrandepartedaperiferiadosgrandesconjuntosurbanosemmúltiplasgeografiasverFernandeseMata(2015).

vParaumavisãodeconjuntodaspolíticasdereduçãoderiscoslevadasacaboemmeioprisionalnospaísesdaUniãoEuropeiaverStovereOssietzky(2001)

viAprimeiraassociaçãodeutilizadoresdedrogas–eatéagoraaúnica–teriaoseuembriãoem2007numareuniãonoPortoentreutilizadoresdedrogaseTheoVanDam,umdosfundadoresdaJunkiebond,associaçãodeutilizadoresdedrogasholandesa,eseriaformalizadaem2010.NotemosqueaJunkiebondnegocioujáemmeadosdosanos80doséculoXXcomasautoridadessanitáriasemunicipaisacriaçãodosprimeirosprogramasdetrocadeseringas.

viiTrata-sedaequipadoRotascomVidadaAssociaçãoNorteVida–AssociaçãoparaaPromoçãodaSaúde.

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viiiAnossadeslocaçãoaosterritóriosfoidivididaemtrêsmomentos:

1. -Outubrode2009–Junhode2010:cercade2diasdasemana;2. -Fevereirode2011–Novembrode2011:todososdiasdasemana;3. -Novembrode2011–Dezembrode2013:cercade3diasdasemana

ixOPORIéumamedidaestruturantequefazpartedaestratégianacionaldeintervençãointegradaacargodoInstitutodaDrogaedaToxicodependência(IDT)procurandopotenciarassinergiasdisponíveisnoterritório,atravésdaimplementaçãodeProgramasdeRespostasIntegradas(PRI)(PORI,2008).AequipaderuadoRotascomVidaestáaoabrigodestamedida.

x“máquinas”:termonativoparadesignarseringa

xiTermosnativosparadesignaracocaínaeaheroínanosterritóriospsicotrópicosondetrabalhamos(“bases”–cocaínae“pacotes”–heroína).

xii“produto”:termonativoparadesignarassubstânciaspsicoativas.

xiii“caldo”:termonativoparadesignarasubstânciaqueresultadapreparaçãodoprodutopsicoativodemodoarealizarainjeção.

xivCadakitcontémduasseringas,doisreservatóriosdeáguadestiladaparaadissoluçãodoprodutoedoisfiltrosparafiltrarasimpurezasqueresultamdessapreparação,umacaricaparaapreparaçãodoprodutoparaconsumoedoistoalhetesdeálcoolparadesinfeçãodolocaldeinjeção.

xvTestedeKlotho-testededeteçãorápidoVIH.

xvi“picar”:termonativoqueserveparadesignarumaadministraçãoendovenosadedrogas.

xvii“chuto”-termonativoparadesignarumaadministraçãoendovenosa.

xviiiOutradesignaçãonativaparadesignarasprincipaissubstânciaspsicoativasnosterritóriosondefazemosaintervenção(“branca”–cocaínae“pó”–heroína).

xixSegundooTheCentreforHarmReductiondoBurnerInstituteoeducadordeparesimplica“oenvolvimentodepessoasdamesmaclassesocial,idade,estatutosocialouvivênciaculturalqueseapoiamentresi,informalmenteeformalmentesobreumavariedadedeassuntosepreocupaçõesespecíficas”(AgênciaPiagetparaoDesenvolvimento,2013,p.15).

xx“canecos”-termonativoparadesignaromaterialusadonoconsumofumadoedeondeserealizaaaspiraçãodoproduto.

xxiCAT–termoquedesignaasestruturasdetratamentonastoxicodependências.Trata-sedeumasiglaquesignificaCentrodeAtendimentoaToxicodependentes.

xxii“comprarproduto”-termonativoqueserveparadesignaracompradesubstânciaspsicoativas.

xxiiiAdesignaçãodessestrêstiposdeatores–“capeadores”,“vigia”e“enfermeiros”–éfielàlinguagemnativadanossapopulação-alvo.