por que sou a favor das cotas sociais e raciais
TRANSCRIPT
Por que sou a favor das cotas sociais e
raciais
agosto 14, 2012 por InfoEnem [1]
Por Fernando Buglia.
Como se fosse uma sequência de novelas globais, nós brasileiros sempre temos a
polêmica do momento. Algumas com alto grau de importância. Outras, digamos,
nem tanto. Lei seca, técnico da seleção brasileira, mensalão e um suposto
estupro no BBB são apenas algumas que me vieram a mente após poucos
segundos de concentração.
A bola da vez, principalmente entre os estudantes, são as cotas sociais e raciais.
Todos sabem que essa polêmica está longe de ser nova. Mas a decisão do senado
em reservar 50% das vagas nas universidades federais a estudantes da rede
pública e ainda, parte dessa fatia, para estudantes autodeclarados negros, pardos
e indígenas, trouxe o assunto novamente à tona.
E como toda polêmica que se preze (aqui me refiro exclusivamente àquelas
importantes), ambos os lados ostentam defensores inteligentes e bem
intencionados. Ataques com argumentos sólidos e convincentes são lançados
em todas as direções e sentidos.
Como ex-estudante de escola particular, ex-estudante de universidade pública,
professor de ensino médio e cursinho pré-vestibular e principalmente como
cidadão, me sinto a vontade em deixar, humildemente, a minha opinião. Tanto
as cotas sociais, quanto as raciais são adequadas, necessárias e justas.
Portanto, devem ser consolidadas e aperfeiçoadas com urgência. Darei os
motivos que me levam a pensar assim.
QUANTO AS COTAS SOCIAIS
As cotas sociais, a meu ver, apresentam de maneira escandalosa os motivos para
sua própria existência. O abismo existente entre as escolas particulares e
públicas do ensino básico fornecem, claramente, oportunidades distintas a
estudantes de classes sociais diferentes.
Sem as cotas para os menos favorecidos, candidatos das classes mais abastadas
continuarão conquistando, em larguíssima escala, as tão almejadas vagas nas
melhores universidades brasileiras. Uma sociedade que visa remover, pelo
menos em parte, uma enorme diferença social, não pode se dar esse luxo. Em
outras palavras, se quisermos mudar esse triste quadro, precisamos de pessoas
pobres se formado como engenheiros, médicos e advogados nas grandes
instituições do país.
Dentre as argumentações contrárias as cotas sociais, destaco (e rebato) as mais
comuns:
1) O vestibular não deve privilegiar ninguém. Pobres e ricos são iguais e
tem a mesma capacidade.
R. A ideia das cotas não é privilegiar e sim minimizar a diferença de
oportunidades. Temos escolas particulares que oferecem curso de francês, aula
de teatro musicado e até fotografia. Acha realmente justo um estudante vindo
de uma escola desestruturada e que diversas vezes nem apresenta professores
das matérias básicas, após uma década de diferenças, disputar a vaga em pé de
igualdade? Justo definitivamente não é. Digo isso para não utilizar outras
palavras mais apropriadas.
2) O correto seria qualificar o ensino básico público, igualando-o ao
particular.
R. De fato, esse seria o ideal. Mas tal transformação, levando em consideração as
dimensões continentais do nosso país e mesmo imaginando investimentos
maciços, aliado ao comprometimento dos nossos governantes, levaria várias
décadas. Estamos muito longe de começar a mudança, quanto mais concretiza-
la. No contexto atual, tal argumento é utópico e seria quase a mesma coisa que
cruzarmos os braços.
3)Os cotistas não terão pré-requisitos para acompanhar o curso e/ou a
qualidade das universidades irá diminuir.
R. Argumento poderoso. Entretanto, alguns estudos realizados por grandes
universidades mostraram que o desempenho dos cotistas é igual (ou até
superior) em relação aos estudantes vindos da ampla concorrência. Recomendo a
leitura de duas matérias. Uma publicada no estadão em 2010 - Desempenho de
cotistas fica acima da média [2]. Outra publicada no site da UnB – Diferença de
desempenho entre cotistas e não cotistas é de apenas 0,25 [3] - também de 2010.
A explicação talvez venha da determinação que essas pessoas podem encarar
tais oportunidades, sabedores da escassez das mesmas. Além do mais, caso essas
dificuldades apareçam, por que não as universidades serem obrigadas a oferecer
aulas de nivelamento aos cotistas?
4) Caso o projeto aprovado pelo senado seja sancionado pela presidenta
Dilma, vale a pena estudar na rede pública para tentar a vaga pela cota
social, pois a notas serão menores.
R. Besteira. A matemática explica. Metades das vagas serão destinadas aos
estudantes de escolas públicas. Mas, segundo divulgado em 2010 pelo IBGE,
mais de 86% dos estudantes do ensino médio brasileiro estão nas escolas
públicas. Ou seja, na prática, os alunos da rede particular (pouco mais de 14%)
disputarão metade das vagas. O restante, ou seja, 86% dos estudantes, que virão
do ensino público, disputarão a outra metade. Ainda acha que vale a pena sair
da sua confortável escola particular?
Eis minhas considerações quanto cotas sociais. Caso você ainda discorde do que
coloquei anteriormente, certamente irá se irritar com minhas defesas a favor das
cotas raciais. Ou quem sabe, repensar um pouco.
QUANTO AS COTAS RACIAIS
Penso que as cotas raciais são uma reparação aos fardos que os afrodescendentes
carregam desde o fim da escravidão até os dias de hoje. Certa vez, escutei uma
frase que, mesmo não sabendo quem foi o autor, me fez refletir. “As favelas de
hoje são as senzalas de ontem”. Embora pareça apelativa demais, basta olhar
ao seu redor e admitir que, no mínimo, faz muito sentido.
A discrepância entre nossas etnias é tamanha que não se faz necessário mostrar
os absurdos que estamos acostumados a ver. Eles estão aí, escancarados. Basta
ter coragem de admitir. Quantas famílias negras são moradoras de condomínio
de luxo? Certamente um percentual insignificante comparado às favelas.
Alguns anos atrás, numa festa de réveillon que custava R$200,00 por pessoa,
entre bebidas e contagem regressiva, me saltou aos olhos uma cruel
constatação. A predominância esmagadora do branco não se fazia apenas
nas roupas. Dos quase 250 presentes, notei apenas dois negros. Ambos
trabalhando de garçom.
Aliás, quem acredita que não temos mais racistas, deve ao menos admitir
inúmeros indícios de preconceito. Já notou qual a predominância dos
atendentes de loja num grande shopping de São Paulo, por exemplo? Uma
profissão que, embora honrada como todas, não necessita de grandes
especificidades técnicas. Bom atendimento e simpatia certamente sejam a chave
para sucesso nessa profissão. E mesmo assim, novamente nossos irmãos da pele
negra parecem estar excluídos.
Esses exemplos, que parecem passar despercebidos da maioria, me deixam a
clara impressão que ser pobre no Brasil é difícil. Mas ser pobre e negro é muito
mais.
Analogamente ao que fiz com as cotas sociais, farei com as raciais, tentando
contradizer aquelas afirmações que revelam-se contra as mesmas.
1) As cotas ferem o princípio da igualdade, definido no artigo 5º da
Constituição, pelo qual “todos são iguais perante a lei sem distinção de
qualquer natureza”. Portanto, são inconstitucionais.
R. Não foi o que disse o Supremo Tribunal Federal no dia 26 de abril de 2012,
decidindo, por unanimidade, a constitucionalidade das cotas raciais. Com a
palavra o ministro do STF, Marco Aurélio Mello: “Falta a percepção de que não
se pode falar em Constituição Federal sem levar em conta acima de tudo a
igualdade. Precisamos saldar essa dívida, no tocante a alcançar-se a igualdade.”
2) As cotas sociais já englobariam as cotas raciais. Portanto, as raciais
deixam de fazer sentido. Brancos pobres enfrentam as mesmas barreiras
que negros pobres.
R. O caráter histórico, que se reflete claramente nos dias de hoje, adicionado ao
evidente preconceito, que ainda atinge os negros na procura de empregos e
oportunidades, são motivos de sobra para considerar muito simplista a divisão
do Brasil entre ricos e pobres. Rosa Weber, ministra do STF, ao justificar seu
voto a favor da constitucionalidade das cotas raciais, sabiamente afirmou que
“se os negros não chegam à universidade por óbvio não compartilham com
igualdade de condições das mesmas chances dos brancos. Se a quantidade de
brancos e negros fosse equilibrada poderia se dizer que o fator cor não é
relevante. Não parece razoável reduzir a desigualdade social brasileira ao
critério econômico.”
3) As cotas colocam diferenças entre as raças. Portanto, por natureza, são
racistas.
R. As cotas não criam o racismo. Acredito que ele já existe e age
silenciosamente. As cotas ajudam a colocar em debate sua cruel presença e
acaba, de fato, sendo uma medida contra o racismo.
ÚLTIMAS COLOCAÇÕES
Nós brasileiros frequentemente reclamamos, e com razão, dos nossos ilustres
governantes e líderes. Principalmente quando tomam atitudes que visam apenas
benefícios próprios. Quantos aumentos de salários parlamentares e
arquivamento de falcatruas fomos obrigados a engolir?
Mas convenhamos, esse não é o caso. A decisão do STF a favor da
constitucionalidade das cotas raciais e a aprovação do senado destinando 50%
das vagas nas universidades federais para alunos da rede pública foram decisões
a favor daqueles que tiveram, por tanto tempo, tantas oportunidades a menos.
Torço para que a presidenta Dilma tenha a coragem de sancionar a lei e
enfrentar a chuva de criticas que virá posteriormente.
No momento penso assim. Posso evidentemente mudar de lado, mas frente aos
argumentos demasiadamente baseados em teorias e leis, peço algumas atitudes
e reflexões. Se você é contra a cota social, irei respeita-lo. Mas vivencie um mês
numa típica escola pública. Caso seja contra as cotas raciais, novamente irei
respeita-lo. Mas gostaria que visitasse algumas favelas e cadeias. Talvez não
mude de opinião, mas certamente sairá menos convicto de seus
1. http://www.infoenem.com.br/author/infoadm/
2. http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,desempenho-de-cotistas-fica-acima-da-
posicionamentos. De certo, em meio a condomínios, bares e drinks sofisticados
não há razão para as cotas. Mas olhando das favelas, das escolas públicas e
das cadeias, as cotas fazem todo sentido.
*Fernando Buglia é formado em física pela UNICAMP e atua como
professor de ensino médio e cursinho pré-vestibular na rede
particular. Também é um dos criadores do site Infoenem.
[4]
Receba GRATUITAMENTE o Manual para o SiSU e oManual para o ProUni
Cadastre seu email no campo abaixo
media,582324,0.htm
3. http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=3480
4. http://www.infoenem.com.br/adquira-as-melhores-apostilas-para-o-enem-2013-4/