perpetuidade dos antecedentes criminais em...

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1 PERPETUIDADE DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS EM DETRIMENTO DA NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO TEMPORAL PERPETUITY OF CRIMINAL BACKGROUND IN LIMITING NEED TIME DETRIMENT CRISTINALDO MARQUES DOS ANJOS Graduando do Curso de Direito das Faculdades Integradas Promove de Brasília Resumo: A perpetuidade dos antecedentes criminais envolve o questionamento sobre por quanto tempo pode-se majorar a pena por crime anterior a título de maus antecedentes sem ferir princípios e diretrizes constitucionais? A temática torna-se extremamente interessante quando posicionamentos são confrontados. A jurisprudência e a doutrina não são uniformes quanto ao tema, há os que defendem a possibilidade de aplicação da majoração independentemente do prazo transcorrido, respeitando-se o lapso ensejador da reincidência. De outro lado, existem os que afirmam que tal percepção dos antecedentes criminais se mostra demasiadamente discriminatória, ferindo princípios constitucionais e o próprio fundamento constitucional da dignidade humana. Para estes, a limitação temporal é uma das saídas para evitar a estigmatização perpétua do cidadão. Palavras-chave: perpetuidade, antecedentes criminais, estigmatização, temporariedade, princípios constitucionais. Abstract: The perpetuity of criminal history involves questions about how soon you can top up the sentence for former crime by way of poor record without violating constitutional principles and guidelines? The theme becomes extremely interesting when we left for the clash placements. The jurisprudence and doctrine are not uniform on the subject, and those who defend the possibility of applying the increase regardless of the elapsed time, and those who claim that such a perception of a criminal record proves too discriminatory and hurts constitutional principles and the very constitutional basis human dignity. For these, the time limitation is the only way to avoid stigmatization of citizens. Keywords: perpetuity, criminal history, stigmatization, staging, constitutional principles. Sumário: Introdução. 1. Antecedentes Criminais. 1.1. Origem e evolução histórica. 1.2. Conceituando o tema. 1.3 Hipóteses de caracterização dos Maus Antecedentes. 2.

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PERPETUIDADE DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS EM DETRIMENTO DA

NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO TEMPORAL

PERPETUITY OF CRIMINAL BACKGROUND IN LIMITING NEED TIME DETRIMENT

CRISTINALDO MARQUES DOS ANJOS

Graduando do Curso de Direito das Faculdades Integradas Promove de Brasília

Resumo: A perpetuidade dos antecedentes criminais envolve o questionamento sobre por

quanto tempo pode-se majorar a pena por crime anterior a título de maus antecedentes sem

ferir princípios e diretrizes constitucionais? A temática torna-se extremamente interessante

quando posicionamentos são confrontados. A jurisprudência e a doutrina não são uniformes

quanto ao tema, há os que defendem a possibilidade de aplicação da majoração

independentemente do prazo transcorrido, respeitando-se o lapso ensejador da reincidência.

De outro lado, existem os que afirmam que tal percepção dos antecedentes criminais se

mostra demasiadamente discriminatória, ferindo princípios constitucionais e o próprio

fundamento constitucional da dignidade humana. Para estes, a limitação temporal é uma das

saídas para evitar a estigmatização perpétua do cidadão.

Palavras-chave: perpetuidade, antecedentes criminais, estigmatização, temporariedade,

princípios constitucionais.

Abstract: The perpetuity of criminal history involves questions about how soon you can top

up the sentence for former crime by way of poor record without violating constitutional

principles and guidelines? The theme becomes extremely interesting when we left for the

clash placements. The jurisprudence and doctrine are not uniform on the subject, and those

who defend the possibility of applying the increase regardless of the elapsed time, and those

who claim that such a perception of a criminal record proves too discriminatory and hurts

constitutional principles and the very constitutional basis human dignity. For these, the time

limitation is the only way to avoid stigmatization of citizens.

Keywords: perpetuity, criminal history, stigmatization, staging, constitutional principles.

Sumário: Introdução. 1. Antecedentes Criminais. 1.1. Origem e evolução histórica. 1.2.

Conceituando o tema. 1.3 Hipóteses de caracterização dos Maus Antecedentes. 2.

2

Perpetuidade dos antecedentes criminais em detrimento da necessidade de limitação temporal;

2.1. Posicionamento Jurisprudencial. 2.2. Posicionamento Doutrinário. 2.2.1. Argumentos

favoráveis à perpetuidade dos antecedentes criminais. 2.2.2. Argumentos contrários à

perpetuidade dos antecedentes criminais. Conclusão. Referências.

Introdução

Hodiernamente, a perpetuidade dos antecedentes criminais vem sendo debatida pelos

grandes estudiosos e juristas do direito, havendo posicionamentos nos mais diversos sentidos.

Assim, a razão de se estudar o tema encontra amparo na possibilidade de inovação legislativa,

visto que não se tem, atualmente, norma penal específica que discipline o assunto a fim de pôr

termo ao questionamento.

Ademais, resta a discussão sobre o prazo em que se pode alegar que os antecedentes não

repercutirão na condenação futura. O tema é relevante, visto ser controvertido nos tribunais

superiores, merecendo enfoque no tocante aos entendimentos jurisprudenciais que o

circundam.

A eternização da possibilidade de majoração da pena a título de maus antecedentes em

razão de novo crime cometido após o período depurador de 05 anos (art. 64, inciso I do

Código Penal), atualmente, é fator que intriga parcela significativa dos juristas brasileiros.

Para tanto, questiona-se: Em tempos de modernidade, em que vigora o protecionismo dos

princípios constitucionais, podem os magistrados elevarem a pena base indistintamente,

independentemente do lapso temporal transcorrido, a título de maus antecedentes, e subjugar

todos os condenados que já cumpriram/ “pagaram” suas penas?

É nesse campo de discussão que se adentrará o presente artigo, porquanto tem seu

fundamento na divergência jurisprudencial e doutrinária quanto ao aumento da pena base a

título de maus antecedentes, quando o sentenciando já cumpriu a pena anterior, já decorreu

lapso temporal considerável e por um deslize praticou novo fato típico, ilícito e culpável. Com

isso, mostra-se relevante e viável a presente pesquisa, eis que há respaldo doutrinário e

jurisprudencial acerca do tema.

Nesse diapasão, o artigo tem como objetivo verificar se há um ponto de equilíbrio na

discussão entre a majoração “perpétua” da pena base e a aplicação de princípios

3

constitucionais, sobretudo o Direito ao Esquecimento, visto que a condenação anterior,

atualmente, tem sido utilizada para apenar quem cometeu fato novo e que será punido

novamente pelo fato anterior. A partir daí, analisar e estudar a legislação, a jurisprudência e os

diversos posicionamentos doutrinários acerca do tema.

Com isso, mostra-se importante expor os diversos pontos de vista para que se possa

culminar em um eixo e, por conseguinte, inovar na seara jurídica e justifica-se a fim de definir

parâmetros mínimos para delimitar a aplicação de tal circunstância judicial.

Nesse diapasão, tem como objetivo específico o estudo e a análise dos diversos caminhos

para a solução mais correta e aplicação mais justa do direito, navegando pela seara jurídica

com o intuito de demonstrar os fundamentos dos diversos pontos de vista, a fim de esclarecer

os pontos obscuros e culminar em eixo delimitador do tema.

Assim, o trabalho buscará trazer à tona o debate para que se verifique a possibilidade de

pacificação do tema, pois, apesar de muitos magistrados aplicarem o aumento na fase inicial

da pena (pena base), o tema está longe de ser pacífico e harmônico. Nesse eixo de ideias, o

artigo percorrerá o caminho inicialmente trilhado, orientando-se pelo método hipotético-

dedutivo.

1. Antecedentes Criminais

1.1. Origem e Evolução

O estudo da evolução dos antecedentes criminais parte da premissa de que determinado

sujeito imputável tenha praticado um fato típico, ilícito e culpável em um dado ordenamento

jurídico. A partir de então, se houver ulterior prática de novo delito típico, ilícito e sendo o

agente culpável, teremos a possibilidade se fixar os maus antecedentes.

É cediço que os registros criminais de antecedentes tem como fim associado ao

fortalecimento da comunidade. Para tanto, Veiga (2000, p. 58)1 afirma que os antecedentes

tiveram seus traços iniciais na Idade Moderna, com origem na França, no ano de 1950, com a

adoção do modelo de sistema conhecido como “Bonneville Marsagny”, onde as informações

1 Veiga, Catarina. Considerações sobre a relevância dos Antecedentes Criminais Arguido no

Processo Penal. Edição única. Lisboa-Portugal: Livraria Almedina – Coimbra, 2000, p. 58.

4

sobre os antecedentes do réu deixaram de ser prestados somente pelos serviços policiais e

passaram a constituir ficheiros a cargo dos escrivães nos vários tribunais.

Pierangeli (2001 apud Almeida 2009), por sua vez, destaca que na época em que o Brasil

era colônia de Portugal já tínhamos traços dos antecedentes criminais, entretanto não foram

trazidos pelo Código Penal do Império ou pelo Código Penal da República, de 1831 e 1890,

respectivamente, e sim, somente, pela Consolidação das Lei Penais, aprovada pelo Decreto nº

22.213 de 14 de dezembro de 1932, sob influência positivista, consignando em seu artigo 51,

caput, a possibilidade de suspensão condicional da pena em relação ao acusado que não tenha

se revelado de caráter perverso ou corrompido.2

No passado, a dosimetria da pena, no momento da valoração dos antecedentes criminais,

passava por conflitos de entendimento, isto porque, antes de o Supremo Tribunal Federal

pacificar o entendimento, inquéritos policiais e ações penais em curso eram utilizados como

requisito caracterizador de uma conduta desviada que ensejava, segundo alguns juízes, a

majoração da pena base a título de maus antecedentes.

Entretanto, hodiernamente, tal entendimento encontra-se afastado, sobretudo pela

enxurrada de decisões da Corte Suprema no sentido de ser inadmissível a majoração da pena

base a título de maus antecedentes sem sentenças com trânsito em julgado declarado, visto

que fere o princípio da não culpabilidade ou inocência.

Ressalte-se que, a despeito do brilhantismo do supramencionado entendimento, nota-se

claramente que ainda restam dúvidas sobre o momento em que se pode considerar haver maus

antecedentes ou não, bem como até que momento (critério temporal) podemos valorar tal

circunstância em desfavor do réu, mesmo após o trânsito em julgado dos crimes anteriores.

Assim, nota-se que a evolução pela qual passou a teoria dos antecedentes criminais não

foi, ainda, suficiente para pacificar o entendimento de ser (ou não) possível majorar a pena de

determinada pessoa que voltou a delinquir após anos do cumprimento da pena que o

condenara por outro crime anterior, sendo tendência atual pela aplicação do período

depurador de 05 anos extintivos da reincidência, aplicando-o aos maus antecedentes.

2 RIBEIRO, Edson Carlos. Antecedentes Criminais à Luz da Constituição Federal de 1988 APUD

Pierangeli (2001 apud Almeida 2009). Barbacena/SP. 2011. Disponível em:

<http://www.unipac.br/site/bb/tcc/tcc-ae42d9e20e3f308a2ea457bada73d795.pdf> acessado em: 29 de outubro

de 2015.

5

1.2 Conceituando o tema

Inicialmente, faz-se necessário a explanação de alguns termos para que se esmiúce o tema,

conhecendo as raízes da necessidade de estudo dele, bem como das definições apresentadas

por inúmeros doutrinadores e estudiosos do Direito.

Pois bem, inicialmente é necessário situar topograficamente o tema no Código Penal. Com

esse fito, verifica-se que os antecedentes penais vêm previstos dentro do rol do art. 59, caput,

do Código Penal, também denominado pela doutrina hodierna de circunstâncias judiciais, que

por sua vez estão previstas dentro do Capítulo III – da aplicação da pena, no subtópico fixação

da pena. Vejamos:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e

conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima,

estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

3

Nesse desiderato, a doutrina vem conceituando as tais circunstâncias judiciais que

englobam, além dos antecedentes penais, mais outras 7 circunstâncias. Para tanto, Cezar

Roberto Betencourt, em seu livro “Tratado de Direito Penal” afirma que:

Os elementos constantes no art. 59 são denominados circunstâncias judiciais,

porque a lei não os define e deixa a cargo do julgador a função de identificá-

los no bojo dos autos e mensurá-los concretamente. Não são efetivas "circunstâncias do crime”, mas critérios limitadores da discricionariedade

judicial, que indicam o procedimento a ser adotado na tarefa

individualizadora da pena-base.4

No tocante aos antecedentes, a doutrina também tece conceitos aceitos na grande maioria

da jurisprudência. Segundo Rogério Greco, os antecedentes:

dizem respeito ao histórico criminal do agente que não se preste para efeitos

de reincidência. Entendemos que, em virtude do princípio constitucional da

presunção de inocência, somente as condenações anteriores com trânsito em julgado, que não sirvam para forjar a reincidência, é que poderão ser

consideradas em prejuízo do sentenciado (...)5

Nesse mesmo sentido, a doutrina de Cezar Roberto Bitencourt:

3 BRASIL. CÓDIGO PENAL. DECRETO-LEI nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Artigo 59.

Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> acessado em

15.08.2015.

4 BITENCOUT, Cezar Robetto - Tratado de direito penal : parte geral 1 / Cezar Roberto Bitencourt. -

21º ed. rev. e atual, e ampliada - São Paulo : Saraiva, 2015. P. 773.

5 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal / Rogério Greco. - 17. ed. Rio de janeiro : lmpetus, 2015. P.

633.

6

Por antecedentes devem-se entender os fatos anteriores praticados pelo réu,

que podem ser bons ou maus. São maus antecedentes aqueles fatos que

merecem a reprovação da autoridade pública e que representam expressão de sua incompatibilidade para com os imperativos ético-jurídicos. A finalidade

desse modulador, como os demais constantes do art. 59, é unicamente

demonstrar a maior ou menor afinidade do réu com a prática delituosa. (...)6

De forma magnífica, o doutrinador Ricardo Augusto Schimitt, em seu livro Sentença

Penal Condenatória: Aspectos Práticos e Teóricos à Elaboração, afirma que a circunstância

judicial atinente aos antecedentes criminais “diz respeito aos envolvimentos judiciais

anteriores do acusado, sendo que os dados que não tenham relação com situações ilícitas

(criminosas) poderão ser considerados na conduta social.”7

Já Fenando Capez, trazendo novamente o debate sobre a possibilidade de se utilizar

inquéritos inconclusos e ações penais em curso para a majoração da pena base a título de

maus antecedentes, a revés do que já foi pacificado no STJ pela Súmula 444 e vários

precedentes do STF, afirma:

são todos os fatos da vida pregressa do agente, bons ou maus, ou seja, tudo o que ele fez antes da prática do crime. Esse conceito tinha abrangência mais

ampla, englobando o comportamento social, relacionamento familiar,

disposição para o trabalho, padrões éticos e morais etc. A nova lei penal, porém, acabou por considerar a “conduta social” do réu como circunstância

independente dos antecedentes, esvaziando, por conseguinte, seu significado.

Desse modo, antecedentes passaram a significar, apenas, anterior envolvimento em inquéritos policiais e processos criminais. Assim,

consideram-se para fins de maus antecedentes os delitos que o condenado

praticou antes do que gerou a sua condenação. Os delitos praticados

posteriormente não caracterizam os maus antecedentes.8

Assim, os antecedentes criminais podem ser resumidos em fatos desabonadores da

conduta do indivíduo que, por si só, autorizam o aumento de pena quando da análise das

circunstâncias judiciais do art. 59 do Código penal.

Noutra banda, não se pode afastar a necessidade de o fato anterior ter seu trânsito atestado

e que haja transcorrido ao menos 5 anos ou que haja trânsito no decurso do processo atual.

6 BITENCOUT, Cezar Robetto - Tratado de direito penal : parte geral 1 / Cezar Roberto Bitencourt. -

21º ed. rev. e atual, e ampliada - São Paulo : Saraiva, 2015. P. 774.

7 SCHIMITT, Ricardo Augusto; Sentença Penal Condenatória: Aspectos Práticos e Teóricos à

Elaboração; 8º. ed. — Editora Jus PODIVM, 2014. P. 117.

8 CAPEZ, Fernando; Curso de direito penal, volume 1, parte geral : (arts. 1º a 120) / Fernando Capez. —

16. ed. — São Paulo: Saraiva, 2011. P. 478/479.

7

1.3 Hipóteses de caracterização dos maus antecedentes

Hodiernamente, a doutrina e a jurisprudência vêm disciplinando hipóteses em que há a

caracterização dos maus antecedentes.

Nesse ínterim, as condenações por fatos anteriores, mas que tiveram a declaração do seu

trânsito em julgado durante outro processo em curso, passaram a servir como caracterizadores

de uma das modalidades de maus antecedentes no momento da sentença por esse último crime

processado. Tal modalidade vem sendo rotineiramente condensada nos tribunais superiores,

sobretudo no Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:

4. O conceito de maus antecedentes, por ser mais amplo, abrange não apenas

as condenações definitivas por fatos anteriores cujo trânsito em julgado

ocorreu antes da prática do delito em apuração, mas também aquelas transitadas em julgado no curso da respectiva ação penal, além das

condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos, as quais também

não induzem reincidência, mas servem como maus antecedentes.9

Outra hipótese de caracterização dos maus antecedentes e, por sua vez, mais condizente

com o questionamento feito no presente artigo científico, é a existência de maus antecedentes

quando há o cometimento de novo crime após o decurso de mais de 05 (cinco) anos da

extinção da pena do crime anterior, seja pelo cumprimento da sanção imposta ou pela

extinção desta, desde que não enseje reincidência.

Reafirme-se que é nesse campo de discussão que o presente trabalho se desenvolve, visto

que é corriqueiro o aumento da pena base por parte de magistrados no momento da elaboração

de suas sentenças condenatórias tendo por base processos findos e longínquos que já tiveram

o trânsito chancelados e os réus já cumpriram a sanção imposta.

A falta de limitação temporal dos efeitos dos maus antecedentes, inexistindo limite

previsto em lei, ocasiona a extensão de tal valoração negativa de forma indistinta no tempo,

visto que é uma lacuna que deve ser rebatida pelo legislador. Tal enfoque é o principal alvo a

ser debatido e esmiuçado no presente artigo.

Portanto, várias são as formas de reconhecimento dos maus antecedentes, porém, para

fins de debate, será analisado somente o decurso do lapso temporal após o período depurador

da reincidência.

9 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas-Corpus nº. 171.212/DF, Rel. Ministro NEFI

CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04 de agosto 2015, disponibilizado no Diário de Justiça

Eletrônico 20 de agosto 2015. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=Habeas+Corpus&processo=171212&&b=ACOR&t

hesaurus=JURIDICO&p=true> acessado em: 12 de agosto de 2015.

8

2 - Perpetuidade dos Antecedentes Criminais em detrimento da necessidade

de limitação temporal

Conforme dito acima, o direito ao esquecimento teve sua incidência inicial no campo do

Direito Civil. O tema gira em torno da necessidade que tem o ser humano de não ser mais

incomodado por fatos pretéritos de sua vida, a despeito de ser um simples fato passado ou

uma condenação criminal, desde que esta tenha sido proferida a muito tempo atrás.

Sendo assim, elevando o tema à seara constitucional, observamos que se coaduna

perfeitamente com a discussão trazida à baila no presente trabalho, visto que a perpetuidade

dos antecedentes criminais tem produzido grandes transtornos para os condenados que já

cumpriram suas dívidas perante o Estado.

Ora, consoante se depreende, o direito ao esquecimento visa sobretudo evitar tais

transtornos, haja vista que busca que o condenado não venha a ser alvejado perpetuamente

pelo fato.

Assim, é neste aspecto que se encaixa a grande polêmica existente em um direito de ser

esquecido, sobretudo quando há o decurso de um lapso temporal muito grande, em confronto

com a prolongação e, conforme nos ensina Ricardo Augusto Schmitt, estigma perpétuo dos

antecedentes penais.

O tema é controvertido. Para tanto, importante trazer à discussão dois seguimentos

jurídicos que discutem a matéria em comento: os posicionamentos jurisprudenciais – focando-

se nos Tribunais Superiores (STF e STJ) – e os posicionamentos doutrinários.

2.1 Posicionamento Jurisprudencial:

A possibilidade de se aumentar a pena base indiferentemente do tempo transcorrido após o

trânsito em julgado do crime anterior, em virtude de nova prática delituosa, é uma questão

controvertida nos tribunais superiores.

O Superior Tribunal de Justiça10

tem se manifestado no sentido de que não existe prazo

limite para que uma condenação penal definitiva possa fundamentar o aumento da pena base

10 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, RECURSO ESPECIAL Nº 1.376.390 – PR. Relator Ministro

MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Disponibilizado no DJe do dia 22 de agosto de 2013. Disponível em:

9

em razão de maus antecedentes. Tal Corte assentou entendimento de que o prazo de 05

(cinco) anos, computado a partir do cumprimento ou extinção da pena, unicamente seria

aplicado ao instituto da reincidência por haver expressa previsão legal (art. 64, I, CP).

Vejamos:

(…) 2. Segundo entendimento desta Corte, o período depurador de cinco

anos afasta a reincidência, mas não retira os maus antecedentes" (HC 281.051/MS, minha relatoria, SEXTA TURMA, DJe 28/11/2013). Súm.

83/STJ.11

(…) 2. Esta Corte tem entendimento firmado no sentido que o período depurador de cinco anos, previsto no art. 64, I, do Código Penal, afasta a

reincidência, mas não a consideração negativa dos antecedentes. Nesse

sentido: AgRg no REsp 1474765/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 12/05/2015; AgRg no AREsp

571.478/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma,

julgado em 02/10/2014, DJe 13/10/2014; HC 309.329/SP, Rel. Ministro

Newton Trisotto (Desembargador Convocado do TJ/SC), Quinta Turma, julgado em 12/5/2015, DJe 19/5/2015.

12

Assim, com esse posicionamento, o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento

no sentido de que a partir do prazo depurador de 05 anos conta-se o prazo “infinito” para

majoração em razão de novo crime, independentemente do lapso temporal já transcorrido

desde o crime anterior. Entretanto, cumpre ressaltar que o próprio STJ já afirmou, em

julgamentos anteriores, que os maus antecedentes não possuem caráter perpétuo.

Noutra linha de pensamento, e justificando o debate em torno do tema, o Supremo

Tribunal Federal, recentemente, e ao revés do que vinha decidindo, aplicou à circunstância

dos antecedentes criminais (art. 59 do CP), o período depurador previsto no art. 64, inciso I,

do CP. Vejamos:

(…) 2. Quando o paciente não pode ser considerado reincidente, diante do transcurso de lapso temporal superior a cinco anos, conforme previsto no art.

<http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?livre=RECURSO+ESPECIAl&processo=1376390.NUM.&&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true> Acessado em: 09 de agosto de 2015.

11 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº. 1531323/SP, Rel.

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 16 de junho 2015,

Disponibilizado no DJe 25de junho 2015 Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=agrg&processo=1531323&&b=ACOR&thesaurus=

JURIDICO&p=true> . Acessado em: 10 de agosto de 2015.

12 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 320.566/RJ, Rel. Ministro REYNALDO

SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02 de junho de 2015, Disponibilizado no DJe 09 de

junho de 2015. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=Habeas+Corpus&processo=320566&&b=ACOR&t

hesaurus=JURIDICO&p=true> Acessado em: 15 de agosto de 2015.

10

64, I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores não

caracteriza maus antecedentes. Precedentes. 3. No caso as condenações

anteriores consideradas pelas instâncias ordinárias para fins de valoração negativa dos antecedentes criminais do ora paciente ainda não se encontram

extintas. 4. Recurso não provido.

13

(…) 2. Quando o paciente não pode ser considerado reincidente, diante do transcurso de lapso temporal superior a cinco anos, conforme previsto no art.

64, I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores não caracteriza maus antecedentes. Precedentes. 3. Writ extinto. Ordem

concedida de ofício.14

Ademais, o Supremo Tribunal Federal inclusive editou informativos a respeito do tema,

cite-se, a título de exemplo, os INFORMATIVOS 778 e 799 da Corte Suprema, em que a 2º

Turma firmou entendimento de que o período depurador de cinco anos teria o condão de

extinguir a reincidência e os maus antecedentes, pois, segundo os Ministros, a “ratio legis”

consistiria em apagar da vida do indivíduo os erros do passado, tendo em vista que já houvera

o cumprimento da punição imposta, sendo inadmissível atribuir-se à condenação “status” de

perpetuidade por violar preceitos constitucionais e legais.

No Informativo de nº 778, no julgamento de um “Habeas Corpus” na 2º Turma do STF, o

Ministro Gilmar Mendes foi enfático ao afirmar que:

(…) A Constituição vedaria expressamente, na alínea b do inciso XLVII do art. 5º, as penas de caráter perpétuo. Esse dispositivo suscitaria questão

acerca da proporcionalidade da pena e de seus efeitos para além da reprimenda corporal propriamente dita. Nessa perspectiva, por meio de

cotejo das regras basilares de hermenêutica, constatar-se-ia que, se o

objetivo primordial fosse o de se afastar a pena perpétua, reintegrando o

apenado no seio da sociedade, com maior razão dever-se-ia aplicar esse raciocínio aos maus antecedentes. Ademais, o agravamento da pena-base

com fundamento em condenações transitadas em julgado há mais de cinco

anos não encontraria previsão na legislação pátria, tampouco na Constituição, mas se trataria de uma analogia “in malam partem”, método de

integração vedado em nosso ordenamento. Dessa forma, decorridos mais de

13 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 118977, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma,

julgado em 18/03/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-067 DIVULG 03-04-2014 PUBLIC 04-04-2014 .

Disponível em

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC+110191%29&base=baseAco

rdaos&url=http://tinyurl.com/q3p37h8> Acessado em: 18 de novembro de 2015.

14 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 119200, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI,

Primeira Turma, julgado em 11 de fevereiro de 2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-048 DIVULG 11-03-

2014 PUBLIC 12-03-2014. Disponível em

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28habeas+corpus%29%28119200%

2ENUME%2E+OU+119200%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ok37wul>

Acessado em: 22 de agosto de 2015.

11

cinco anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I),

não seria possível alargar a interpretação de modo a permitir o

reconhecimento dos maus antecedentes.15

Ressalte-se, contudo, que a Corte Suprema já havia proferido várias outras decisões

anteriores a 2007, inclusive chegou a pacificar entendimento no sentido de que os maus

antecedentes seriam considerados partindo-se do pressuposto de fato anterior com sentença

transitada em julgado, mas que não servisse a efeito de reincidência. O que hodiernamente já

foi refutado pela mesma Corte, consoante vasta jurisprudência e os informativos acima.

Assim, o posicionamento anterior era o mesmo adotado no Superior Tribunal de Justiça,

visto que entendia que se consideraria como maus antecedentes fatos criminosos cometidos

após 5 anos da sentença com o trânsito em julgado firmado, se prolongando no tempo sem

fatores limitadores.

Consoante se observa, atualmente, as Cortes Superiores de Justiça não entraram em

consenso quando a possibilidade de se majorar ou não a pena base independentemente do

lapso temporal transcorrido. Entretanto, tem prevalecido nas instâncias ordinárias o

entendimento de ser possível a majoração mesmo que o fato delituoso já tenha sido cometido

a anos-luz do dia em que se sentencia por novo delito.

2.2 Posicionamentos Doutrinários:

A doutrina também possui posicionamento para ambos os lados. Nesse passo, há aqueles

que defendem a possibilidade de se majorar a pena base independentemente do tempo

transcorrido, após os 05 anos caracterizadores da reincidência, já seguindo outra vertente há

aqueles que afirmam ser tal perpetuidade violadora dos direitos do condenado, inclusive dos

fundamentos e princípios constitucionais, tais como, dignidade humana, razoabilidade,

humanidade e a vedação constitucional de pena perpétua.

Entretanto, predominam aqueles que afirmam que a circunstância judicial de maus

antecedentes deve possuir um prazo fixo para deixar de aplicá-la, sendo imperioso sua

limitação temporal em virtude de princípios constitucionais. Ressaltando, alguns, que os maus

antecedentes somente se caracterizam com uma sentença penal transitada em julgado no curso

15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. INFORMATIVO 778 do STF. Brasília, 16 a 20 de Março/2015.

Divulgação 27 de março de 2015. Julgamento do HC 126315/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.3.2015.

Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo778.htm> Acessado em: 25

de agosto de 2015.

12

de um novo processo, sendo maus antecedentes somente para este último processo (hipótese

já detalhada no presente artigo).

Para tanto, faz-se mister abordarmos os dois lados doutrinários para que consigamos

chegar a um eixo e potencializar a viabilidade de solucionar a problemática.

2.2.1 – Argumentos favoráveis à perpetuidade dos antecedentes criminais

Dentre os que defendem não haver lapso temporal que extingua os efeitos dos maus

antecedentes, podemos destacar o doutrinador Fernando Capez, que, em seu livro Curso de

Direito Penal, trouxe os dois posicionamentos quando da discussão sobre a aplicação do

período prescricional (temporal ou depurador) do art. 64, inciso I do Código Penal aos maus

antecedentes.

Vejamos o que preleciona o referido jurista:

Na hipótese de prescrição da reincidência, a condenação que caducou para esse fim continua válida para gerar maus antecedentes. É claro que, com o

passar do tempo, os processos e condenações anteriores vão perdendo a

influência sobre a pena de futuros crimes, mas, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, não se podendo falar em prazo fixo de

prescrição.16

Assim, Fenando Capez defende a tese de que, existindo condenações penais irrecorríveis,

não obstante inaplicável o período depurador do art. 64, I, do CP, não inibe ao Judiciário de

tê-las para majorar a pena como circunstância judicial desfavorável, no quesito da existência

dos maus antecedentes.

Nesse mesmo sentido, ensina a doutrina de Cleber Masson que, atinente à validade da

condenação anterior para fins de maus antecedentes, “o Código Penal Brasileiro filiou-se ao

sistema de perpetuidade”, segundo o qual o decurso do lapso temporal após o cumprimento ou

extinção da pena não elimina esta circunstância judicial desfavorável, ao revés do que ocorre

com a reincidência17

. Para consolidar tal entendimento, o ilustre doutrinador cita

posicionamento do Superior Tribuna de Justiça nesse sentido, vejamos:

16 CAPEZ, Fernando; Curso de direito penal, volume 1, parte geral : (arts. 1º a 120) / Fernando Capez. —

16. ed. — São Paulo : Saraiva, 2011. P. 482.

17 MASSON, Cleber; Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1 / Cleber Masson. – 8.ª ed. rev.,

atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.

13

Não há flagrante ilegalidade se o juízo sentenciante considera, na fixação da

pena, condenações pretéritas, ainda que tenha transcorrido lapso temporal

superior a cinco anos entre o efetivo cumprimento das penas e a infração posterior; pois, embora não sejam aptas a gerar a reincidência, nos termos do

art. 64, I, do CP, são passíveis de serem consideradas como maus

antecedentes no sopesamento negativo das circunstâncias judiciais.18

.

Também defendendo a tese de ausência de lapso temporal limitador dos maus

antecedentes, afirmam Alexandre Araripe Marinho e André Guilherme Tavares de Freitas que

após os cinco anos do trânsito em julgado da condenação não haverá mais reincidência, mas

nada impede a majoração por maus antecedentes.

Alexandre Araripe Marinho e André Guilherme Tavares de Freitas ensinam que não

concordam com o posicionamento de autores garantistas, citando José Antônio Paganella

Boschi, pois estes afirmam não haver sentido o decurso do tempo fazer extinguir a agravante

da reincidência e não surtir o mesmo efeito quanto aos maus antecedentes, uma vez que esta

seria uma causa legal de menor expressão jurídica. Para tanto, sustentando a inexistência de

lapso temporal que fulmine os maus antecedentes, Alexandre Araripe Marinho e André

Guilherme Tavares de Freitas asseveram que:

(...) Negar que as condenações anteriores que não formam reincidência possam ser consideradas maus antecedentes é simplesmente fazer da lei letra

morta. Ora, se a lei penal manda que sejam considerados na dosagem da

pena os antecedentes do condenado, o intérprete tem o dever de procurar encontrar o sentido do que vem a ser maus antecedentes. Simplesmente

desprezar esta busca do sentido da lei é fazer do mandamento legal letra

morta, o que é inadmissível.19

Sustentando tal tese, os supracitados doutrinadores afirmam que não seria correto tratar a

circunstância judicial dos maus antecedentes uma causa legal de menor expressão, visto que,

segundo eles, a lei não a considera como tal.

A despeito do posicionamento dos autores garantistas, eles sustentam que mesmo que se

considere que os maus antecedentes tenham um valor jurídico inferior em comparação à

reincidência, não se pode negar qualquer valor àquela circunstância judicial, podendo até

dosá-la com maior parcimônia. Ao contrário disso, os maus antecedentes têm, em verdade,

considerável valor jurídico quando ancorados com outras circunstâncias a fim de conceder

18 MASSON, Cleber; Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1 / Cleber Masson. – 8.ª ed. rev., atual. e

ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014 APUD HC 198.557/MG, rel. Min. Marco

Aurélio Bellizze, 5ª Turma, j. 13.03.2012, noticiado no Informativo 493.

19 MARINHO, Alexandre Araripe. Manual de direito penal: parte geral / FREITAS, André Guilherme Tavares

de. 3º ed. Rev., atual. E ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. P. 508/509.

14

uma substituição de uma pena privativa de liberdade por restritiva de direito (art. 44, III, do

CP), para a concessão do sursis (art. 77, II, do CP) ou para o livramento condicional (art. 83,

inciso I, do CP).

2.2.2 – Argumentos contrários à perpetuidade dos antecedentes criminais

De outro lado, há aqueles que sustentam a ausência de limite temporal na lei acarreta,

segundo eles, ofensa a princípios constitucionais, tais como o princípio da razoabilidade, da

humanidade, da dignidade da pessoa humana e sobretudo ao direito ao esquecimento, vetores

da constitucionalização do Direito Penal.

Nessa linha de pensamento, o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt, defendendo a tese de

ser necessária a estipulação de prazo de duração para os antecedentes, citando Salo de

Carvalho, afirma:

Convém destacar, ademais, a necessidade de respeitar a limitação temporal dos efeitos dos "maus antecedentes”, adotando-se o parâmetro previsto para

os "efeitos da reincidência” fixado no art. 64 do CP, em cinco anos, com

autorizada analogia. Advogando a mesma tese, sustenta Salo de Carvalho, in

verbis: “o recurso à analogia permite-nos limitar o prazo de incidência dos antecedentes no marco dos cinco anos — delimitação temporal da

reincidência —, visto ser a única orientação permitida pela sistemática do

Código Penal.20

Assim, sustenta o mencionado doutrinado que ante a ausência de hipótese prevista na lei,

a limitação dos antecedentes criminais é a medida mais justa perante o Direito Penal atual,

sendo aplicação favorável a delimitação dos antecedentes conforme se tem na agravante da

reincidência.

Corroborando com tal posicionamento, o doutrinador Ricardo Augusto Schmitt afirma,

em seu livro Sentença Penal condenatória, que:

Ora, os efeitos da reincidência se submetem a um prazo depurador de 5

(cinco) anos, contado na forma disposta pelo artigo 64, I, do Código Penal,

por isso, entendemos que os efeitos de qualquer condenação transitada em julgado deverão ser regulados pelo citado período, ante a ausência de

previsão legal a título de maus antecedentes.

20 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito Penal: parte geral 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, P.

775/776.

15

Tal interpretação nos parece razoável e necessária como forma de evitar que

uma condenação anterior possa propagar seus efeitos por toda a vida do

agente, mesmo que ocorrida a dez, vinte, trinta ou mais anos atrás.21

E segue afirmando o precitado doutrinador que, se a reincidência, que é um adicional, ou

seja, um plus à condenação, tem prazo fixo e certo para extinção, não podem os antecedentes

se delongarem por toda a vida do agente, sobretudo pelo baixo rigor comparado àquela.

Ademais, isso causa transtornos irreparáveis, pois o agente carregará o peso de uma

condenação pretérita por toda a sua vida, mesmo nos casos de crimes culposos, estará

manchado por um descuido da vida.

Para tanto, Schimitt afirma que a solução do problema se daria com a aplicação do

período depurado da reincidência, previsto no artigo 64, inciso I do Código Penal, aos maus

antecedentes. Contudo, adverte o precitado doutrinador que “um mesmo fato não pode,

simultaneamente, ser valorado como antecedente criminal e reincidência, sob pena de

incorrermos em bis in idem”22

.

Ressalta Ricardo Schimitt que no caso de uma condenação transitada em julgado poder

caracterizar ao mesmo tempo reincidência e maus antecedentes, deve ser valorada na segunda

fase da aplicação da pena, qual seja, como reincidência. Entretanto, afirma que poderá ser

reconhecida como circunstância judicial desfavorável, pois apesar do teor da Súmula 241 do

STJ, o reconhecimento não significa valoração.

Segundo o precitado doutrinador, o reconhecimento deve ocorrer em tantos momentos

(fases) quantos forem necessários, porém a valoração, que é o aumento da pena em virtude da

circunstância ou da agravante, só poderá ocorrer uma única vez para evitar bis in idem, na

forma da Sumula 241 do STJ.

Para solucionar o problema da lacuna legal em estipular um prazo depurador para os maus

antecedentes, Schimitt afirma que só se majorará a título de maus antecedentes quando houver

várias condenações distintas, podendo uma ser usada como maus antecedentes e outra ser

usada como reincidência, portanto, segundo ele:

(…) a utilização de condenações distintas e com trânsito em julgado, para fins de aumento da pena por maus antecedentes e reincidência, não viola o

21 SCHMITT, Ricardo Augusto; Sentença Penal Condenatória: Aspectos Práticos e Teóricos à

Elaboração; 8º. ed. — Editora Jus PODIVM, 2014, P. 122.

22 SCHMITT, Ricardo Augusto; Sentença Penal Condenatória: Aspectos Práticos e Teóricos à

Elaboração; 8º. ed. — Editora Jus PODIVM, 2014, P. 122.

16

princípio do non bis in idem. Neste caso, está afastada a aplicabilidade da

Súmula 241 do STJ, uma vez que é plenamente possível a exasperação da

pena na primeira fase (antecedentes criminais) e na segunda fase (reincidência), pois os acréscimos serão oriundos de condenações distintas,

não havendo qualquer dupla valoração sobre a mesma circunstância (causa).

Trata-se de posicionamento pacífico na jurisprudência.23

Nesse diapasão, nota-se que o posicionamento do doutrinador Ricardo Shimitt é no

sentido de que, para evitar a aplicação perpetuamente dos antecedentes no tempo, deve-se

valorá-los somente nos casos em que haja duas condenações criminais transitadas em julgado,

passando-se a dosar a pena tendo uma como a circunstância judicial do art. 59 do Código

Penal e outra como a agravante genérica do art. 61, inciso I do mesmo diploma.

Também advogando a tese de que os maus antecedentes não podem ser perpétuos,

Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho, citando Zaffaroni e Pierangeli, prelecionam

que os registros de antecedentes do réu por longas datas propiciam um juízo condenatório

antes da prolação da sentença. E, citando os ensinamentos de Zaffaroni e Pierangeli, afirmam:

a norma constitucional do art. 52, XLVII, b, que veda a prisão perpétua, não

pode ser lida de forma restrita. Segundo os autores, o dispositivo constitucional é indicador do princípio da humanidade e racionalidade das

penas, conforme o qual as penas cruéis estão proscritas do direito penal

brasileiro. Todavia, há um sucedâneo que deve ser depreendido do princípio

constitucional: A exclusão da pena perpétua de prisão importa que, como lógica conseqüência, não haja delitos que possam ter penas ou conseqüências

penais perpétuas... Por mais grave que seja um delito, a sua conseqüência

será, para dizê-lo de alguma maneira, que o sujeito deve “pagar a sua culpa ", isto é, que numa república se exige que os autores de delitos sejam

submetidos a penas, mas não admite que o autor de um delito perca a sua

condição de pessoa, passando a ser um indivíduo “marcado", “assinalado", estigmatizado pela vida afora, reduzido à condição de marginalizado

perpétuo.24

E seguem afirmando Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho que deve ser

estipulada temporariedade aos antecedentes criminais, visto que a não fixação de prazo fere

princípios constitucionais, como da racionalidade e da humanização das penas. Para tanto,

sugestionam no sentido de aplicar-se aos maus antecedentes o período de 05 anos previsto

para extinção dos efeitos da reincidência.

23 SCHMITT, Ricardo Augusto; Sentença Penal Condenatória: Aspectos Práticos e Teóricos à

Elaboração; 8º. ed. — Editora Jus PODIVM, 2014, P. 124.

24 DE CARVALHO, Amilton Bueno e De Carvalho, Salo – Aplicação da Pena e Garantismo – 2º Edição,

Ed. Lumen Juris/2002, P. 51.

17

Os mencionados doutrinadores ancoram-se em princípios constitucionais para afirmar que

não se pode ter a estigmatização perpétua do ser humano, pois a própria Carta Magna de 1988

possui vedação de penas de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, alínea “b”). Assim, segundo eles,

a falta de limite expresso em lei para estipular até quando se pode majorar a pena base a título

de maus antecedentes viola princípios como da humanidade e da razoabilidade das penas.

Assim, tais doutrinadores firmam-se no sentido de ser necessário fixar um prazo (ter os

antecedentes um caráter de temporariedade), com o fim de evitar-se que a condenação se

projetasse para toda a vida, visto que seria ilógico termos a extinção da possibilidade de

aplicação da reincidência e continuar a ser possível a punição a título de maus antecedentes.

Ainda que se questione como e quando seriam cabíveis os antecedentes criminais, se

decaísse no prazo da reincidência, sob o pretexto de que se forem aplicada ambas, haveria o

fenômeno do “bis in idem”, essa lacuna hoje só o legislador poderia supri-la, desde que

fixasse literalmente um prazo para que seja considerada a reincidência e outro para os

antecedentes. Ou, na visão acima exposta, segundo Schimitt, somente majorar-se-ia a pena

base a título de maus antecedentes se houver duas condenações penais transitadas em julgado,

valorando-se uma como reincidência e outra como maus antecedentes.

Considerações Finais

Ante ao debatido no presente artigo, verifica-se que a lacuna existente no tocante à

falta de prazo limitador para os maus antecedentes vem sendo sanada por reiteradas decisões

judiciais da Suprema Corte (STF) no sentido de se aplicar o período depurador da

reincidência aos maus antecedentes.

Com todas as vênias aos ilustres Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e aos

Doutos doutrinadores que decidem de modo contrário, concordamos com o posicionamento

adotado pelo Supremo Tribunal Federal, visto que entendemos ser o mais correto e adequado

ao presente caso.

Ademais, a possibilidade de majoração da pena base independente do tempo

transcorrido só poderá trazer mais rancor e raiva ao cidadão que reiterou na prática criminosa,

o que pode demonstrar a ineficácia do sistema. Mesmo que se diga que praticando ele

18

novamente outro fato tornar-se-ia um agente inclinado ao crime, não merecendo amparo

estatal, discordamos no tocante a aplicação dos princípios constitucionais.

Ora, se a Carta Política de 1988 foi feita como forma de garantir direitos aos cidadãos

e ela prevê expressamente a vedação de pena de caráter perpétuo, o que teríamos aqui seria

uma manobra para se aplicar perpetuamente a pena, apoiando-se no desgosto social devido à

reiteração delituosa.

Ademais, tal atitude não coaduna com outros princípios constitucionais, tais como

humanidade, racionalidade e com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa

humana, portanto o cidadão que veio a cometer novo crime não pode ser crucificado como se

fosse um eterno criminoso.

Deve-se, contudo, analisar o tempo decorrido da última condenação e proceder com

uma ponderação de valores, visto que não pode o magistrado somente por não haver previsão

legal, aplicar entendimento mais gravoso por liberalidade própria. Ademais, tal incidência, no

mínimo, fere a vedação de analogia “in malam partem” o que é repugnado veemente em

Direito Penal.

Assim, advogamos a tese da necessidade de se estipular um prazo finito para a

majoração da pena base em virtude dos crimes anteriores, sendo aceito como prazo aquele já

previsto para a extinção da reincidência, visto que há previsão em lei, ou, noutro passo, se

considere maus antecedentes somente quando tivermos sentença transitada em julgado por

crime anterior no decurso de novo processo por fato novo.

19

Referências

BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito Penal: parte geral, 21 ed. São Paulo:

Saraiva, 2015.

BRASIL. CÓDIGO PENAL. DECRETO-LEI nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940.

Artigo 59. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del2848compilado.htm> acessado em 15.08.2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas-Corpus nº. 171.212/DF, Rel. Ministro NEFI

CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04 de agosto 2015, disponibilizado no Diário de

Justiça Eletrônico 20 de agosto 2015. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=Habeas+Corpus&processo=171212

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, RECURSO ESPECIAL Nº 1.376.390 – PR. Relator

Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Disponibilizado no DJe do dia 22 de agosto de

2013. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?livre=RECURSO+ESPECIAl&processo=1376

390.NUM.&&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true> Acessado em: 09 de agosto de

2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº.

1531323/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA,

julgado em 16 de junho 2015, Disponibilizado no DJe 25de junho 2015 Disponível em:

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REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02 de junho de

2015, Disponibilizado no DJe 09 de junho de 2015. Disponível em:

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GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 23 de março de 2013, PROCESSO

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TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 11 de fevereiro de 2014, PROCESSO

ELETRÔNICO DJe-048 DIVULG 11-03-2014 PUBLIC 12-03-2014. Disponível em

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Informativo 493.

MASSON, Cleber; Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1 / Cleber Masson. –

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21

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VEIGA, Catarina. Considerações sobre a relevância dos Antecedentes Criminais Arguido

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