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2 TECNOLOGIAS DE GESTˆO PENSANDO O PLANEJAMENTO NA UNIVERSIDADE ' 2001, RAE - Revista de Administraçªo de Empresas/FGV/EAESP, Sªo Paulo, Brasil. RAE Light v. 8 n. 2 p. 2-7 Abr./Jun. 2001 Luiz Carlos de Oliveira Cecilio INTRODU˙ˆO Com certeza, um bom começo para esta reflexªo seria perguntar: a universidade Ø planejÆvel ? Essa Ø uma pergunta que nªo tem resposta simples e, para tentar respondŒ-la, temos de nos armar de novas questıes, que igualmente exigem uma boa reflexªo. Tería- mos, entªo, de perguntar: O que Ø planejar? De que tipo de planeja- mento estÆ-se falando? Qual(is) Ø (sªo) o(s) ator(es) que enuncia(m) o desejo ou a necessidade de plane- jar? Qual(is) Ø (sªo) o(s) projeto(s) de universidade que estÆ(ªo) em jogo, ou seja, que universidade se deseja? Existe uma tecnologia (um modo de operar) de planeja- mento que seja mais adequado para a universidade? Que tecnologia seria essa? Como o planejamento se articula com o atual sistema de di- reçªo da universidade? Nªo Ø muito difícil perceber o quanto o modo de fazer as pergun- tas indica uma certa concepçªo so- bre planejamento, com certeza con- taminada por um determinado re- ferencial teórico-metodológico, en- tre muitos existentes! Assumamos, pois, que essas perguntas tŒm algu- mas respostas prØvias que serªo ex- postas ao leitor, para sua apreciaçªo. Prossigamos a nossa reflexªo. METODOLOGIAS DE PLANEJAMENTO Chamamos de mØtodo ao refe- rencial teórico que uma interven-

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TECNOLOGIAS DE GESTÃO

PENSANDO OPLANEJAMENTO NA

UNIVERSIDADE

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RAE Light � v. 8 � n. 2 � p. 2-7 � Abr./Jun. 2001

Luiz Carlos de Oliveira Cecilio

INTRODUÇÃO

Com certeza, um bom começopara esta reflexão seria perguntar:a universidade é �planejável�?Essa é uma pergunta que não temresposta simples e, para tentarrespondê-la, temos de nos armar denovas questões, que igualmenteexigem uma boa reflexão. Tería-mos, então, de perguntar: O que éplanejar? De que tipo de planeja-mento está-se falando? Qual(is) é(são) o(s) ator(es) que enuncia(m) o

desejo ou a necessidade de plane-jar? Qual(is) é (são) o(s) projeto(s)de universidade que está(ão) emjogo, ou seja, que universidade sedeseja? Existe uma �tecnologia�(um modo de �operar�) de planeja-mento que seja mais adequado paraa universidade? Que �tecnologia�seria essa? Como o planejamento searticula com o atual sistema de di-reção da universidade?

Não é muito difícil perceber oquanto o modo de fazer as pergun-tas indica uma certa concepção so-

bre planejamento, com certeza �con-taminada� por um determinado re-ferencial teórico-metodológico, en-tre muitos existentes! Assumamos,pois, que essas perguntas têm algu-mas respostas prévias que serão ex-postas ao leitor, para sua apreciação.Prossigamos a nossa reflexão.

METODOLOGIASDE PLANEJAMENTO

Chamamos de �método� ao refe-rencial teórico que uma �interven-

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PENSANDO O PLANEJAMENTO NA UNIVERSIDADE

RAE Light � v. 8 � n. 2 � Abr./Jun. 2001

�Fazer

planejamento� é,

essencialmente,

uma atividade

política,

inseparável do

complexo campo

das relações dos

homens em

sociedade.

ção� de planejamento adota em umadada organização. Haverá, sempre,por trás das �técnicas� de planeja-mento, da metodologia de planeja-mento, um modo de pensar o mundoou, podemos dizer, uma �teoria�. Osmodos de se fazer o planejamento, aoperacionalização do plano, serãosempre �ferramentas� ou dispositivoscoerentes ou devedores, em últimainstância, de uma certa concepção domundo e/ou de um determinado pro-jeto político. Assumir que o �plane-jamento� não é neutro é, então, afili-ar-se a um certo enfoque teórico, auma certa teoria. O planejamentodito normativo ou tradicional, deforte base economicista, pretendia-se �neutro�, ancorado que seria numapretensa objetividade das decisõesamparadas em �decisões técnicas�.Não vale muito a pena nos determosnesse ponto muito criticado por vá-rios autores (por exemplo, Matus,(1993)). Só queremos destacar quevamos adotar, nesta reflexão, comtoda o radicalismo, que �fazer pla-nejamento� é, essencialmente, umaatividade política, inseparável docomplexo campo das relações doshomens em sociedade, do jogo soci-al. Fazer planejamento é, então, fa-zer política a partir do momento emque se escolhe como se quer plane-jar. �Como� se quer planejar, �quem�vai planejar, �o que� (qual agenda)se vai planejar dão, de saída, a medi-da do método escolhido pelo ator queenuncia o desejo de planejar. O po-tencial transformador do planejamen-to está, em boa parte, condicionadopela clareza que o ator � ou os atores� do planejamento tem a esse respei-to. Mas isso é tema de outro tópico.

CONTRIBUIÇÃO DOENFOQUE �PLANEJAMENTOESTRATÉGICO SITUACIONAL�

Como já havíamos chamado aatenção, a forma de fazer as per-guntas revela, de antemão, uma cer-

categorias com muita força explica-tiva para se compreender a incerte-za sempre presente no jogo social,na relação entre os homens, quaissejam, ator social, teoria da açãosocial, a produção social e o con-ceito de situação. Essas categoriasfazem a �contraproposta epistemo-lógica� do PES ao planejamento derecorte economicista ao: a) negar apossibilidade de um único diagnós-tico da realidade, enfatizando, aocontrário, que os vários atores �ex-plicam� ou fazem �recortes� interes-sados da realidade, baseados em si-tuações distintas e sempre voltadospara a ação; não é possível, nunca,um conhecimento fechado e acaba-do da �realidade�; b) reconhecer queos atores em situação de governo,como veremos adiante, nunca têm ocontrole total dos recursos e, porisso, nunca há certeza determinísti-ca de que seus projetos alcançarãoos resultados esperados. Os múlti-plos recursos escassos não são só oseconômicos mas também os de po-der, de conhecimento e de capaci-dade organizativa; c) afirmar que aação humana é intencional e nuncainteiramente previsível como fazemsupor os comportamentalistas; d)declarar que o jogo social é sem-pre de �final aberto�. Nessa medi-da, apesar da incerteza, do não-controle dos recursos, do abando-no de qualquer posição determinís-tica, há sempre espaço para a açãohumana intencional, para se �fazerhistória�, para se �construir sujei-tos� e para se lutar contra a impro-visação, construindo-se um cami-nho que se aproxime o mais possí-vel do desejado.

PLANEJAMENTO:UM INSTRUMENTODE GOVERNO

Podemos utilizar-nos da idéia deMatus de que todos os atores soci-ais governam, isto é, controlam ou

ta �teoria� ou método de se pensaro planejamento. Queremos deixarclaro, então, que o enfoque meto-dológico que está sendo adotado napresente reflexão é muito deve-dor do Planejamento EstratégicoSituacional (PES), tal qual traba-lhado pelo economista chilenoCarlos Matus, de forma intensa emuito criativa, até seu falecimento

no início de 1999. O livro que seaproxima de uma síntese do seu pen-samento foi editado no Brasil peloIPEA, em 1993, com o título Políti-ca, planificação e governo. Essaobra tem sido de utilidade imensapara todos os que, de alguma for-ma, se têm ocupado do tema �go-vernar�, no nosso país, nos últimosanos. Como não cabe no espaço de-dicado a esta reflexão sistematiza-ção da proposta do PES, vale a penadestacar alguns pontos que fazem aobra matusiana tão atraente: a) a crí-tica radical que faz ao planejamen-to �normativo� ou �tradicional� nasua própria epistemologia de cará-ter positivista e comportamentalis-ta; b) o esforço de construção de ummétodo com base em determinadas

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TECNOLOGIAS DE GESTÃO

Um processo de

planejamento

bem-sucedido

pode contribuir

muito para

melhorar a

comunicação

entre atores em

situação, para a

conformação de

sujeitos mais

coletivos, para

aumentar a

capacidade de

governo da

reitoria.

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tentam controlar recursos para im-primir uma certa direcionalidade aofluxo dos fatos sociais. Podemos,também, adotar a idéia de queGovernar com G maiúsculo seriaapanágio de quem está em situaçãode �Governo� que pode ser, segun-do o senso comum, a ocupação deum lugar formal na máquina gover-namental, mas que poderíamos gene-ralizar para pessoa(s) que ocupa(m)lugares institucionais de muita con-centração de poder �legítimo� (nosentido weberiano). O gabinete doreitor é um lugar de Governo, sejaa universidade pública ou privada.A adoção do planejamento pela rei-toria implica a opção por um ins-trumento de Governo, com tudo oque isso significa: entrar emcampus (o trocadilho é intencio-nal...) para jogar para valer numcomplexo jogo com múltiplos joga-dores. A universidade, por sua na-tureza, é um espaço de múltiplosgovernos. Mas poderia ser lembra-do: �O gabinete do reitor já nãojoga? Já não é espaço de Governo?�Claro que é. Trata-se agora, com aadoção do planejamento, de se pen-sar novas maneiras de fazer joga-das. Uma nova forma de ser Gover-no, a partir da reflexão sobre queGoverno se está sendo. Esta é a �te-oria� que, implícita ou explicita-mente, subjaz à opção por �fazerplanejamento� na universidade ouem qualquer outra situação de Go-verno.

RELAÇÃO ENTRE PROJETOPOLÍTICO DE UM ATORE UM PLANO

Na visão matusiana, o ator emsituação de Governo é portador deum projeto (programa eleitoral) le-gitimado nas urnas, no processoeleitoral. O PES ofereceria a �tec-nologia� para a transformação des-se projeto em um plano. Quando serefere aos projetos de outros ato-

res, eles estão, em geral, fora dainstituição, jogando o jogo socialmais amplo. Nessa medida, o pro-jeto do dirigente em situação deGoverno seria portador de uma le-

gitimidade inquestionável quando�jogado para dentro� das organiza-ções. Para ele, o grande problemaresidiria em ter capacidade de go-verno para transformar as genera-lidades e imprecisões contidas noprojeto ou programa de governo emum plano, com tudo o que isso sig-nifica: simplificadamente, a defini-ção de módulos bem recortados deproblemas, operações e recursosnecessários, uma boa análise de vi-abilidade trabalhada sob vários ân-

gulos, o desenho de trajetórias ne-cessárias, possíveis e/ou alternati-vas. Elaborar o plano seria fazer oprograma de governo, tradução doprojeto político de um ator, �cair nareal�, adquirir concretude e ser ca-paz de funcionar como orientadorreal das ações de Governo. O pla-no, organizado com base nos ma-croproblemas definidos em um es-paço de �direção superior�, deve-ria ser depois desdobrado em ope-rações e ações para os vários níveisde governo intermediários e locais(com suas distintas governabilida-des), de forma recursiva e �em cas-cata�. A autonomia, na visão ma-tusiana, significa que os atoresdeveriam ser o mais criativos eresponsáveis possível, nos seusrespectivos espaços de governabi-lidade, mas sempre dentro da mol-dura desenhada pela direção supe-rior. Essa seria a grande garantiada direcionalidade do plano, emum sistema de alta responsabilida-de, de petição e prestação de con-tas, mas sempre dentro dos mar-cos do projeto maior da direção su-perior. Pode essa concepção de sis-tema de direção desenhada porMatus ser aplicada sem problemasà universidade? Na nossa opinião,não.

A crítica central que poderiaser feita ao sistema de direçãopensado por Matus é que ele, emboa medida, não supera o paradig-ma parsoniano/weberiano de sepensar as organizações desenhadascomo uma pirâmide com seus ní-veis ordenados (e �legítimos�) degestão (Cecilio,1994). Na verdade,nesses modelos, e mesmo no dese-nho clássico de Fayol, a �função�formulação de políticas está sem-pre colocada no ponto �superior� dapirâmide. Ora, nas organizaçõeshipercomplexas � os hospitais e asuniversidades, por exemplo � essa�fôrma� parsoniana é, no mínimo,�bagunçada�. Há muita literatura na

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PENSANDO O PLANEJAMENTO NA UNIVERSIDADE

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Teoria Geral da Administração so-bre o tema, em particular, a exce-lente revisão realizada por CynthiaHardy e Roberto Fachin, no livroGestão estratégica na universida-de brasileira: teoria e casos. Ospressupostos adotados pelos auto-res são: a) a universidade pode serconsiderada uma �burocracia pro-fissional� pela particular combina-ção que faz dos mecanismos buro-cráticos tradicionais de centraliza-ção, controle, formalismo e dire-tividade com formas extremamen-te autônomas de atuação de seusprofissionais, compromissados ecom adesão mais expressiva aosvalores profissionais do que aosobjetivos organizacionais; b) oprocesso de formulação de estra-tégias na universidade é muito di-ferente da visão tradicional de �es-tratégias deliberadas�, na medidaem que muitos atores são envolvi-dos, as estratégias são fragmenta-das, variando de acordo com os de-partamentos ou faculdades, e asnormas profissionais exercem for-te influência sobre as estratégias(Hardy e Fachin, 1996).

O ponto central que se colocaem discussão é a existência demúltiplos atores que �habitam�essas organizações, controlandoum recurso de poder fundamental(o poder/saber), portadores demúltiplos projetos, com base emmúltiplas racionalidades e exer-cendo, de forma ciosa, um altograu de autonomia no seu cotidia-no profissional. Em resumo: a for-mulação de �políticas� é feita, defato, nos vários níveis da organiza-ção, sem que se possa considerar quehaja uma hierarquia ou um �pontodenso� formulador de políticas. Auniversidade é um espaço de múlti-plos governos que não se consoli-dam ou se �submetem� ao Governoda reitoria. Para determinadosautores que se utilizam da �teoriaaccional� (para manter a forma da

literatura em espanhol sobre o as-sunto), na verdade neoweberianos,fenomenologistas de todos os tipos,a idéia de uma �organização� é, nolimite, uma reificação. A idéia dapossibilidade de �um projeto� de umadada direção também (Silverman,1975). A conclusão mais direta dis-so é que, em tais organizações hiper-complexas, caracterizadas por si-

tuações-limite de poder compartilha-do, a única alternativa viável é a�gestão negociada�.

Vale destacar também que, aomesmo tempo em que há uma for-te autonomia para a formulaçãodas estratégias acadêmicas, obser-vamos uma forte centralização, oumelhor, uma enorme pressão sobreo nível central para a resolução dosproblemas do cotidiano, em parti-cular do gabinete, que resulta nasua sobrecarga de trabalho, so-brando-lhe pouco tempo para ati-vidades de �governo� (formulaçãoe avaliação das políticas mais subs-tantivas da universidade, ou seja,para a formulação estratégica),Assim, a �eficiência� de uma di-reção superior acaba sendo �me-

dida� pela capacidade que tem deresolver as questões que afetam avida cotidiana da comunidade uni-versitária, cuja composição é mui-to variada e de distintas comple-xidades. Podemos dizer, então, quea forma como a direção consegueenfrentar essas questões �pontu-ais� do cotidiano acaba sendo oparâmetro para avaliar sua compe-tência e aumentar e/ou diminuirsua legitimidade.

Para qualquer direção superiorde universidade, enfrentar comcompetência essas �questões docotidiano e que mexem muito coma vida das pessoas�, que exigemdistintas capacidades de governopela complexidade e variabilidadeanteriormente assinaladas, torna-sede vital importância principalmen-te para garantir governabilidadepara o seu projeto político. O siste-ma de direção superior (gabinete edemais órgãos de direção superior)pode e deve, necessariamente, serreordenado, a fim de garantir ummelhor fluxo das informações e dasdecisões, com uma dupla conse-qüência desejada: �limpar� a agen-da da direção superior de proble-mas que podem ser tratados em ní-veis mais descentralizados de de-cisão e, ao mesmo tempo, garantirmais agilidade nas respostas às ne-cessidades e demandas da comuni-dade universitária.

Por tudo o que foi exposto, po-demos entender melhor o grande es-forço que representa �conseguirfazer a universidade se mover emcerta direção� coerente com o seuprojeto político, pela adoção de al-guma forma de planejamento.

OUSANDO PENSARO PLANEJAMENTONA UNIVERSIDADE

Se levadas em conta todas asponderações feitas antes, sobrea singularidade da universidade

É necessária uma

reorganização do

gabinete do

reitor para uma

agilidade no

processamento e

encaminhamento

das demandas e

problemas no

cotidiano.

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TECNOLOGIAS DE GESTÃO

Um programa

mínimo de

governo da

reitoria, traduzido

em poucas metas

bem claras e

definidas, poderia

ser um bom ponto

de partida para o

processo de

planejamento na

universidade.

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como organização, e se há uma de-cisão da direção superior em ado-tar a prática do planejamento nauniversidade, algumas questõestêm de ser equacionadas:

a) É necessário adotar uma �tecno-logia� de planejamento. Acha-mos essa parte a mais tranqüi-la, por nossa experiência de tra-balhar com o �PES adaptado�para as mais variadas situaçãode governo há muitos anos(Cecilio,1994). As categoriascentrais do PES têm muita forçapara orientar a operacionalizaçãode planos, sejam as �conceituais�(sujeitos, jogo social, incerteza,jogadas, governabilidade, poder,etc.), sejam as �operacionais�(problemas, operações, recursosestratégicos, sistema de direçãode alta responsabilidade, etc.). Aconstrução matusiana tem-semostrado de muita valia para me-lhorar a comunicação entre ato-res em situação, para a confor-mação de sujeitos mais coletivos,para aumentar a capacidade degoverno em última instância. Aspossibilidades de utilização ecombinação dessas categoriassão imensas, �situacionais�, es-timulantes e foram testadas emmais de uma experiência no Bra-sil. Vamos a outras questões, en-tão.

b) É necessário definir �um pontode partida�, algo como o(s)detonador(es) do processo. Esseponto tem relação com a discus-são sobre a formulação de estra-tégias na universidade. Tivemosa oportunidade de acompanhare apoiar uma iniciativa de im-plantação de planejamento naUniversidade Estadual de Lon-drina, após a definição, pela rei-toria, de que uma das �marcasda sua gestão� seria a implanta-ção de uma �cultura de planeja-

mento na UEL�. O detonadoradotado foi um amplo processode sensibilização e capacitaçãode dirigentes em todos os níveispara iniciar um processo de�planejamento de baixo paracima�, tendo como mote a defi-nição compartilhada da missão

de cada instituto, centro ou ór-gão de apoio, o reconhecimentodos principais problemas que re-sultam no �não-cumprimento�da missão e a elaboração de pla-nos altamente descentralizadospara que �as unidades cumpramsua missão�. No caso, o projetoé definido em cada unidade, porseus dirigentes e funcionários, enão toma o projeto da reitoriacomo ponto de partida, emborase refira a ele e haja a preocu-pação de se reiterar que o pla-nejamento de cada unidade écompatível com o Programa degoverno da atual reitoria. Hávários problemas nesse proces-

so, que não valem a pena sercomentados aqui, mas o exem-plo serve para mostrar o queestamos chamando de �deto-nador(es)� ou ponto(s) de par-tida.Uma outra possibilidade ou umoutro ponto de partida poderiaser a alta direção da universida-de, uma vez decidida a �adotar�o planejamento como práticainstitucional, definir, em umamplo processo de negociaçãoque pode assumir múltiplas for-mas, um programa mínimo degoverno, um conjunto de �mar-cas de gestão� que pudessem seros disparadores do processo deplanejamento. Algo como esta-belecer x metas (de três a seis,mas não mais) para o final dagestão (alcançar tantas mil va-gas no vestibular, aumentar paratantos mil alunos no curso deextensão ou algo desse tipo, mascoerente com a idéia, por exem-plo, da universidade com aces-so mais democratizado em todasas áreas). Idealmente, poder-se-ia partir de dois grandes objeti-vos como: democratizar o aces-so à universidade e ampliar asparcerias com a sociedade, den-tro de uma �moldura� programá-tica mais abrangente que seria ade repensar as relações da uni-versidade com a sociedade. Combase nesses objetivos, seriamdefinidas as metas concretaspara serem alcançadas em umamplo processo de planejamen-to participativo.O alcance de qualquer uma des-sas metas implica trabalhar umacomplexa cadeia de espaços depoder, �habitados� por atorescom tantos projetos distintos eque controlam recursos vitais.Basta pensarmos em quantosatores estratégicos, mais ou me-nos �visíveis�, mais ou menosorganizados em espaços for-

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PENSANDO O PLANEJAMENTO NA UNIVERSIDADE

Luiz Carlos de Oliveira Cecilio éMédico Sanitarista, Doutor em SaúdeColetiva pela Unicamp, Professor do

Departamento de MedicinaPreventiva da Unicamp e Consultor

de Organizações de Saúdee de Universidades.

E-mail: [email protected]

CECILIO, L. C. O. Inventando a mudança na saúde.São Paulo : Hucitec, 1994.

HARDY, C., FACHIN, R. Gestão estratégica da univer-sidade brasileira: teoria e casos. Porto Alegre : Univer-sidade/UFRGS, 1996.

MATUS, C. Política, planificação e governo. Brasília :IPEA, 1993.

RIVERA, F. J. U. Agir comunicativo e planejamento so-cial (uma crítica ao enfoque estratégico). Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995.

SILVERMAN, D. La teoria de la acción social. BuenosAires : Nueva Visión, 1975.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RAE Light � v. 8 � n. 2 � Abr./Jun. 2001

mais de decisão estão envolvi-dos com a meta de aumentar onúmero de vagas no vestibular!Construir o plano de médio elongo prazos da universidadeseria construir �contextos denegociação� para a elaboraçãode planos por atores coletivos:instâncias de negociação, decriação de consensos, mas dedisputas também, de formaçãode alianças, de potencialização

de governabilidades. O papeldo gabinete do reitor, por inter-médio de um �grupo de plane-jamento estratégico� (que dis-cutiremos logo adiante) seria ode dar apoio logístico-operacio-nal- técnico-intelectual paraesse amplo processo de nego-ciação e �planejamento�.

c) É necessário criar e consolidar,com o gabinete, um �grupo deplanejamento estratégico�. Asfunções desse grupo seriam: a)criar os arranjos institucionaisou os �contextos de negocia-ção�, como citado antes, para aelaboração do(s) plano(s); b)capacitar pessoas para a �ope-racionalização� de planos deforma descentralizada; c) criara agenda de acompanhamento eavaliação do plano no gabine-te; d) apoiar o processo de pla-nejamento descentralizado, en-tre outras. A formação dessetipo de grupo nem sempre é ta-

refa fácil (variando muito deuma universidade para outra),principalmente pela dificulda-de de se encontrar pessoas comcapacidade, perfil e disponibi-lidade para exercer essa funçãode modo profissional. Signifi-ca, concretamente, uma dife-renciação interna (uma especia-lização) no gabinete do reitor.

d) É necessária uma reorganizaçãodo gabinete do(a) reitor(a) vi-sando maior agilidade no pro-cessamento e encaminhamentodos problemas cotidianos, deforma que a agenda da direçãosuperior não seja totalmentedominada por tais problemas.Todas as demandas e/ou proces-sos que possam ser tratados deforma �estruturada� deverãopercorrer caminhos previamen-te estabelecidos e normaliza-dos, com explícita descentrali-zação do poder decisório.

Para concluir esta reflexão, po-deríamos retomar a questão inici-almente proposta: �a universidadeé planejável?� Acreditamos quenada além de uma resposta prenhede ambigüidade e incerteza talvezpossa agora ser melhor comparti-lhada com o leitor: sim e não. Sim,se considerarmos que existe tantona área da teoria das organizaçõescomo na do �planejamento em si-tuação de incerteza� um arcabouçoteórico que pode, com certeza, au-mentar nossa capacidade de com-preensão de objeto tão complexoe desafiador e instrumentalizar ummelhor Governo ou melhores go-vernos da universidade. A respos-ta é não, se nos deixarmos levarpela prepotência (ou pela falsa se-gurança) de supor que qualquermétodo ou metodologia de plane-jamento consiga imprimir uma(única) racionalidade à universida-de, racionalidade essa capaz de

A universidade,

por sua natureza,

é um espaço

de múltiplos

governos.

unificar ou subjugar os incontáveisprojetos que sempre estarão emdisputa em múltiplas arenas polí-ticas e em um complexo jogo deincontáveis a tores , nos quais ,concretamente , se def inem amaterialidade e o cotidiano da uni-versidade. m