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Segurança alimentar, solidariedade internacional e a política externa no
governo Lula (2003-2010)
Pilar Figueiredo Brasil e Thiago Gehre Galvãoi
Resumo
A segurança alimentar vem conformando-se em uma preocupação tanto da
política nacional quanto para a governança global, a partir da percepção de que o
problema é extremamente complexo e que o combate à fome deve se desenvolver
conjuntamente. A diplomacia presidencial do governo Lula deu visibilidade ao tema
na arena internacional, transformando-o em ordem do dia.
Dessa forma, esta comunicação tem o objetivo de: primeiro, apresentar como
as Teorias de Relações Internacionais podem ou não contribuir com o estudo do
tema. Segundo, abordar o desenvolvimento conceitual de segurança alimentar e das
relações solidaristas. Terceiro, apresentar como a questão alimentar é debatida nos
estudos de política externa brasileira. Quarto, mapear as principais iniciativas
brasileiras no combate à fome e à pobreza no meio internacional, para tentar
explicar como um problema social histórico brasileiro passou da seara interna para a
internacional ao longo do governo Lula.
Palavras-chave: Governo Lula, Política Externa Brasileira, Segurança Alimentar
1. Está a Teoria de Relações Internacionais apta a explicar a questão
alimentar?
Na medida em que a agenda internacional ganhou feições mais bem definidas
no século 21, acompanhou-se a consolidação da temática alimentar como uma
questão não tradicional de relevância, tanto como impulsionador da cooperação
entre os países, quanto causadora de conflitos de interesses internacionais. Assim,
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uma das maneiras de visualizar as implicações da temática alimentar na esfera da
política externa é enquadrar a realidade a partir da teoria.
O idealismo, como vertente inaugural da tradição analítica no campo das
Relações Internacionais, circunscrevia suas preocupações à busca pela paz no
plano político e pelo progresso no plano econômico. Um mundo governado por
propósitos superiores e universais, ancorado na livre iniciativa e em parâmetros
éticos de conduta que se sobressairiam aos egoísmos da esfera política. Assim, o
preenchimento de necessidades básicas, como a alimentação, seria uma
consequência natural do progresso alcançado com a colocação em prática dos
ideais liberais (CARR, 2001).
Entretanto, as dificuldades em conectar valores morais às políticas de Estado,
o medo hobbesiano de que a ausência de uma autoridade supranacional gerasse
conflitos e a fraqueza da opinião pública em se mobilizar em torno da estabilidade,
criaram uma tensão entre o interesse nacional egoísta e o voluntarismo racionalista.
Logo, o realismo se estabeleceu como ortodoxia do pensamento internacionalista,
dimensionando os problemas internacionais pela ótica da segurança, aceitando
como natural o uso da força e da violência (BUZAN, 1998).
Em um ambiente internacional de guerras mundiais, crises econômicas e
protecionismo exacerbado, a cooperação em temas de importância reduzida ou as
chamadas low politics, como a questão alimentar, não teria espaço ou seria
eclipsada pela lógica da confrontação que alimentou o paradigma realista das
Relações Internacionais.
Nos anos 1960, um ramo da academia volta-se para a análise de política
externa (foreign policy analysis – FPA), procurando identificar no processo de
tomada de decisão as explicações sobre as escolhas dos atores internacionais. As
Análises de Política Externa inovaram no nível da apreciação, ao enfocar
prioritariamente a burocracia e os processos de formulação e execução da política
pública, e por agregar aspectos imateriais, como as percepções.
Segundo Kubálkova (2001), até então, o Estado era visto como uma “caixa
preta”, e os analistas de política externa sentiram a necessidade de abrir a caixa,
com o fim de explicar o comportamento dos Estados.
Segundo a autora, as Análises de Política Externa referem-se aos complexos
processos desenvolvidos em multicamadas: os governos agem de acordo com sua
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equipe profissional, como os diplomatas, os negociadores de comércio, os militares
de alto escalão, que por sua vez, possuem também suas fontes de informação.
Assim a Política Externa engloba: as comunicações entre governos e; entre os
governos e seus respectivos agentes internos; mais as percepções, erros de
percepções e imagens dos outros países; adicionando-se às ideologias e
disposições pessoais de todos envolvidos.
Outro ramo de estudos internacionalistas, forjado na tradição analítica dos
anos 1960, daria origem ao globalismo, como um paradigma que comporta
perspectivas marxistas e não marxistas de explicação das relações internacionais.
O foco deste paradigma recai sobre o padrão produtivista da sociedade atual,
que teria sido forjado na racionalidade instrumental econômica, estimulando a
produção de riquezas e a concentração de bens materiais, que alcançaram a escala
global a partir de uma estrutura interligada em cadeias. Os laços de dominação,
engendrados pela globalização financeira e comercial, perpetuaram o modelo
capitalista e a lógica da superexploração do ambiente e de seus recursos naturais.
Assim, a principal contribuição desta perspectiva teórica é enfatizar a questão da
fome e da pobreza como uma “pendência histórica” cujas raízes encontram-se na
ordem econômica global.
Ao longo dos anos 1970, refina-se o debate teórico com a emergência de
duas correntes, o neorealismo e a interdependência complexa. A partir das obras de
Keohane e Nye (Power and interdependence, 1977) e Kenneth Waltz (Theory of
international politics, 1979), as discussões sobre cooperação e conflito enfatizavam
a busca por respostas às questões internacionais na definição dos ganhos relativos
e absolutos dos atores, assim como na capacidade das instituições internacionais de
atuarem como mitigadores da anarquia internacional.
Em um contexto histórico em mutação, de crescentes trocas comerciais e
financeiras, o nível de sensibilidade entre os países amplia-se, bem como o grau de
vulnerabilidade em relação a setores estratégicos, como o alimentar. De fato,
necessidades sociais e técnicas estimulam as elites e burocracias a cooperarem em
setores específicos e com isso garantem um transbordamento da integração para
outras áreas e países.
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Paralelamente ao desenvolvimento da Teoria de Relações Internacionais de
base norte-americana, emergiu na Europa duas relevantes tradições de estudos
sobre o internacional.
Desde os anos 1950, com a obra “Introdução à História das Relações
Internacionais” de Pierre Renouvin, delineava-se uma escola francesa de estudos
sobre a história das relações internacionais. Nos anos 1970, com “Todo Império
Perecerá”, Jean Baptiste Duroselle consolidou um conjunto de referenciais teóricos e
metodológicos, derivados do estudo da história, para compreender as relações
internacionais.
Por um lado, o conceito de “forças profundas”, permitiu entender os
fenômenos internacionais mediante a multifatorialidade de elementos geográficos,
econômicos, financeiros, ideológicos, demográficos que se interpunha entre Estados
e sociedades. Por outro, o protagonismo do Homem de Estado e sua
susceptibilidade às pressões diretas e indiretas nos ambientes nacional e
internacional, determinariam o ritmo das mudanças nas relações internacionais.
Na década de 1980, emergiu no seio da Escola de Frankfurt estudos que
procuravam assimilar uma perspectiva de indignação contra a hegemonização do
mundo social e que contribuíam de forma imperceptível na modelagem de discursos,
análises e interpretações críticas ao modo de produção do conhecimento vigente no
Ocidente. A chamada Teoria Crítica rechaçava a mentalidade utilitarista e predatória,
manifesta no primado da racionalidade técnica-instrumental, que colocava os
recursos naturais como objeto de apropriação a serviço de uma minoria de grupos e
países, conformando-se em “bens oligárquicos” (ALTVATER, 1995). Além disso, a
crítica da sociedade industrial vinha acompanhada da crítica da modernidade no
contexto da globalização neoliberal, que potencializava os efeitos perversos da
lógica capitalista de apropriação da natureza, pela mercantilização, geram pobreza e
devastação ambiental em escala mundial. O subdesenvolvimento sustentável é um
preço alto a se pagar por aqueles que precisam e almejam crescer nas relações
internacionais (PROCÓPIO, 2005).
Stephen Krasner (1982) apresentou de maneira sistematizada o conceito de
regimes internacionais como um conjunto de normas, regras, procedimentos de
tomadas de decisão em torno dos quais convergem as expectativas dos atores
internacionais em uma área-assunto. Assim, quando os Estados buscam fortalecer
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regras e princípios internacionais em questões como mudança climática, energia
renovável ou segurança alimentar, as expectativas dos outros atores do sistema são
atraídas pela força do regime internacional como promotor da cooperação (SMOUTS
2004, 136-140).
Os debates teóricos naquele momento adiantavam-se ao fim da Guerra Fria,
ao vislumbrar o renascimento da globalização econômica, mas não capturaram a
pulverização da agenda internacional, permanecendo presas a jaulas teóricas e
conceituais tradicionais.
James Rosenau (Turbulence in world politics, 1990), Francis Fukuiama (The
end of history, 1991) e Samuel Huntington (O choque das civilizações, 1993), deram
as boas vindas às discussões sobre a transição da ordem internacional. Como
coloca Smouts, esta renovação não só quebrou a imagem do Estado como foco de
análise principal, como levou os estudiosos a atentarem para o fato de que “as
relações internacionais eram feitas por seres humanos e não por entidades
abstratas” (2004, p. 17).
Goldstein e Keohane (1993) contribuíram para abrir o leque de opções
institucionalistas ao abordarem o papel das ideias como definidoras das políticas
governamentais. O argumento dos autores é que as ideias influenciam a política: a)
quando os princípios ou crenças incorporados pelos governos fornecem um mapa
que define os objetivos ou meios e fins das suas relações externas; b) quando os
governos afetam os resultados de situações estratégicas, nas quais não há um
equilíbrio único; c) quando eles começam a enraizar essas crenças em instituições
políticas. Os autores defendem que as ideias, tanto quanto, os interesses possuem
peso causal nas explicações sobre a ação humana.
Outro momento importante da evolução teórica do campo de estudo das RI e
que tem relação direta com o esforço de reafirmação e de revisão dos paradigmas
tradicionais e da busca pela adaptação ao novo contexto internacional diz respeito
ao debate Neorealismo e Neoliberalismo institucionalista em meados nos anos 1990
(BALDWIN, 1993).
No início do século 21, o excessivo materialismo associado à agenda
racionalista das Relações Internacionais passou a ser desafiado por novas
tendências teóricas da pós-modernidade que questionavam, sobretudo, a origem
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das formulações de suas premissas explicativas. É nesse ambiente que emergem os
estudos de gênero e o construtivismo social no campo das RI.
Uma primeira característica associada à emergência do construtivismo nas RI é
sua aproximação com a realidade social internacional, criada mediante debates
sobre valores, que ecoam em debates sobre Direitos Humanos e justiça social no
âmbito internacional. Para os construtivistas, debates sobre idéias são os
construtores de blocos fundamentais da vida internacional, sendo, portanto, uma
perspectiva mais profunda que o realismo e o liberalismo, ao explicar as origens dos
eventos e forças que dirigem o sistema internacional.
Steve Smith (2001) procurou dar continuidade ao debate sobre quão o
Construtivismo Social e as Análises de Política Externa “foram feitos um para o
outro”. Segundo o autor, o Construtivismo Social deveria ser particularmente
importante para as análises de política externa porque os dois partem do
pressuposto de os atores constroem o mundo. Uma similaridade entre o
construtivismo social e as análises de Política Externa seria que ambos consideram
que é necessário abrir a caixa preta, que seria o Estado, para identificar elementos
internos que determinam a ação externa.
Por fim, Tickner e Waever (2009) trazem à tona a discussão sobre
epistemologias geoculturais. Segundo eles, ainda que as Relações Internacionais
seja um campo de estudos alegadamente internacional, teorizar relações
internacionais ainda gravita na órbita de teorias norte-americanas.
Apesar de ser uma disciplina que se auto define como global e que estuda uma
realidade global, a comunidade científica tem muito pouco conhecimento sobre
como a disciplina é moldada pelas relações de poder global, conhecimento e
recursos.
Os autores utilizam o termo “worlding”, que significaria criar e imaginar mundos.
Segundo eles, também é a invocação de uma situação em que nós não vivemos um
mundo homogeinizado e global, tampouco separado e local, mas transnacional.
Segundo Tickner e Waever, é necessário encarar o desafio de o mundo não ser
global. O campo é constituído por práticas acadêmicas intercessoras que estão pelo
mundo, todas criando seu próprio mundo (p.10).
Tickner e Waever apontam para o fato de que existem problemas na vida
internacional que não são abarcados pelo mainstream das teorias de Relações
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Internacionais. Problemas e dinâmicas específicas da periferia, não alcançados pelo
pensamento teórico das Relações Internacionais tradicionais. Os autores, na busca
pela contribuição teórica produzida nos mundos fora do centro ocidental, tentam
mostrar que as questões chave para estes outros mundos devem ser entendidas
segundo óticas distintas da anglo-americana, predominante nas RI.
Nesse sentido, levantamos o seguinte questionamento: Por que a segurança
alimentar, a pobreza e a fome, problema característico dos países periféricos e de
terceiro mundo, não fazem parte das preocupações centrais das produções
científicas em RI?
A relação que se estabelece entre os argumentos apresentados pelos autores e
a problemática alimentar é que, justamente, o grande problema da fome e da
insegurança alimentar, vivenciado em países em desenvolvimento ou pouco
desenvolvidos, não afeta de forma equivalente os países desenvolvidos, ou centrais,
lócus onde se produz as teorias de Relações Internacionais.
Dessa forma, se existe uma necessidade de teorizar sobre o problema
alimentar no mundo, essa demanda emana exatamente dos países onde existem as
penúrias alimentares. Os mundos acadêmicos se constroem, dessa forma, segundo
as realidades locais, com interseções com realidades de outros mundos. Nesse
sentido, aproveitaremos as intersecções de realidades e problemas compartilhadas
com outros lugares e desenvolveremos debates específicos sobre a questão
alimentar e a atuação do Brasil na questão, “worlding” uma agenda de pesquisa
própria.
A anacronia da dominação da agenda de pesquisa em Relações Internacionais
por teorias anglo-americanas é evidenciada por meio da exposição de problemas
essencialmente de países periféricos, que não são compatíveis com as teorias
dominantes. Como visto, as teorias elaboradas podem contribuir, de uma forma ou
de outra, com “pinceladas” no quadro analítico sobre a questão alimentar no mundo.
No entanto, ainda não existe ferramentas conceituais desenvolvidas especificamente
sobre o assunto. Adiante abordaremos os conceitos que mais se aproximam do
objeto de estudo.
2. A construção conceitual
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2.1. Alimentos como uma questão de segurança
O debate conceitual acompanha paralelamente os avanços da teoria das
relações internacionais em tratar o assunto em voga. Aqui nós defendemos a ideia
de que além do conceito de segurança ser essencialmente multifatorial, ele é
indivisível e, por tanto, ao se discutir segurança alimentar, devemos levar em
consideração as outras dimensões da segurança.
Com efeito, o desafio ambiental, por exemplo, ligado ou não a ação do
homem, torna países e pessoas cada vez mais vulneráveis; a desertificação de
biomas, como o cerrado brasileiro; a salinização de áreas agricultáveis e o
desmatamento da cobertura vegetal original de importantes florestas, como a
Amazônia, criam pressões sobre as populações, podendo ocasionar deslocamentos
internos, fluxos migratórios e a deterioração da situação social e econômica interna
(HULME, 2003).
O conceito de segurança ambiental se refere à preservação das condições
ecológicas que suportam o desenvolvimento da atividade humana e está
diretamente relacionada às ameaças de perder as condições de que dependem a
obtenção ou a manutenção da qualidade de vida de uma população, comunidade ou
sociedade. Nesse sentido, a segurança alimentar pode ser afetada por ameaças à
segurança ambiental (BUZAN, 1998).
Da mesma forma, a insegurança alimentar poderia ser considerada como
uma ameaça à segurança societal, caso alguma sociedade ou grupo étnico se
encontrasse em uma situação de risco às suas identidades, em função de práticas
alimentares negativas ou à falta de alimentos.
Aqui resgatamos a contribuição da periferia do sistema internacional em
pensar a segurança internacional. O debate conceitual evoluiu para incorporar seu
aspecto primordial, a multidimensionalidade. A linguagem de segurança
tradicionalmente invoca respostas e soluções militaristas e nacionalistas e constrói o
entendimento acerca da segurança como sendo relacionado ao seu potencial para
violência. Esta visão, contudo, vem sendo modificada por uma ênfase crescente da
ótica multidimensional, que envolve vários setores sociais e que se relaciona ao
indivíduo e pequenos grupos de pessoas, ao invés da coletividade que forma um
Estado.
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Logo, a preservação de um Estado em relação aos novos fenômenos
transnacionais, como explosão demográfica, migrações e desequilíbrios ecológicos
globais, não reflete o unilateralismo e o uso da violência institucional. Segundo Villa
(1999), pode-se afirmar que a especificidade da segurança global multidimensional é
que os conflitos que podem derivar dos fenômenos transnacionais que não admitem
a guerra como meio de solução.
Por fim, emerge um novo conceito que pode melhor traduzir a realidade das
relações internacionais dos países periféricos. Ao se conceber a segurança
internacional como um fenômeno que abarca toda a humanidade e, portanto, refere-
se a um bem coletivo indivisível; ao se enfocar nas análises a multiplicidade e a
interdependência entre as fontes de ameaça, risco e perigo, distancia-se da visão
tradicional de apenas ameaças militares aos Estados. Nesse caso, o conceito de
segurança é complexo e indivisível, no sentido que os setores alimentar, humano,
ambiental, energético e militar fazem parte de um mesmo quadro de entendimento
da realidade (GEHRE, 2008).
2.2. Alimentos como uma questão de solidariedade
O estudo a cerca das relações solidaristas ainda é novo na comunidade
acadêmica brasileira de relações internacionais, mas já faz parte de debates na
Escola Inglesa há algum tempo, aonde as principais questões se centram nos
direitos humanos e nos valores cosmopolitas. Barry Buzan no livro “From
International to World Society” (2004) oferece uma contribuição importante acerca do
debate sobre o Solidarismo.
Segundo Buzan, o solidarismo se apresenta como uma tendência que os
estados assumem em função de interesses conjuntos, e também de normas, regras
e instituições vinculantes, mas principalmente de valores compartilhados.
O Solidarismo define sociedades internacionais com um alto e amplo grau de normas, regras e instituições compartilhadas entre estados, onde o foco não é apenas ordenar a coexistência e a competição, mas também é sobre cooperação em um extenso campo de temáticas, na busca por ganhos conjuntos (ex. mercado), ou na realização de valores compartilhados (ex. direitos humanos) (BUZAN, 2005. p.49).
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É preciso deixar claro que uma sociedade solidarista não está
necessariamente atrelada a idéia de cosmopolitanismo e direitos humanos. Segundo
Buzan (2005), a sociedade solidarista se desenvolveu mais fortemente em dois tipos
de iniciativas: na busca por ganhos conjuntos e na busca por conhecimento.
Na busca por ganhos conjuntos os estados concertaram-se com o fim de
organizar o setor econômico, abriram fronteiras, coordenaram comportamentos e
regras, homogeneizaram estruturas domésticas e sustentaram regimes comerciais,
como é o caso da União Européia. Na busca por conhecimento os estados
cooperaram em grandes projetos científicos, na área da física, da astronomia e da
exploração espacial. Por esses motivos a vinculação obrigatória do solidarismo à
temática de direitos humanos e aos valores cosmopolitanos se torna obsoleta
(Buzan, 2005).
Desse modo, fica entendido que o Solidarismo se apresenta como uma
tendência que os estados assumem em função de interesses conjuntos, e também
de normas, regras e instituições vinculantes, mas principalmente de valores
compartilhados.
A solidariedade tem haver com a adesão ou apoio à causa de outrem. Tem
haver com uma relação de responsabilidade entre atores unidos por interesses
comuns, e também com o estabelecimento de uma dependência recíproca. Para
uma relação ser considerada solidarista é preciso haver convergência entre os
atores, o que significa uma aproximação, uma formação evolutiva de caracteres
semelhantes em atores distintos, em um movimento que se dirige a um mesmo
ponto, tendendo a um mesmo fim.
Tendo isto em vista, a pergunta que orienta esta pesquisa é: é possível
perceber na atuação da política externa brasileira na área de segurança alimentar
uma inserção internacional baseada no solidarismo? Para começar o debate
suscitado por este questionamento, abordaremos a forma como a problemática
alimentar surge nos estudos de política externa brasileira e, em seguida, a forma
com a questão se estabeleceu nas ações internacionais do Brasil.
3. A questão alimentar nos estudos sobre política e xterna brasileira
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A terceira parte desta comunicação tem o intuito de responder a seguinte
questão: Como os estudiosos de política externa no Brasil absorvem a problemática
alimentar em suas análises?
Em um sistema internacional anárquico o representante legítimo dos
interesses nacionais e de seus membros é o Estado. Diante da “íntima correlação
entre política externa e Estado”, a sociedade civil adquire papel secundário e com
pequenas exceções dobra-se à preponderância governamental. Para Altemani, a
política externa “representa um esforço intelectual e pragmático de determinação de
interesses convergentes e/ou divergentes entre diferentes parceiros” (2005, p. 5-6).
A partir dessa perspectiva, a análise de política externa deveria buscar o peso
dos diferentes condicionantes, endógenos e exógenos, assim como dos aspectos
estruturais, em termo de distribuição de poder no sistema internacional e
conjunturais, que representam os fatores de pressão ou constrangimento. Para fins
analíticos, pode-se considerar o Estado como um ator unitário e monolítico, com
políticas externas coerentes, que decorrem de objetivos estabelecidos, e que os
governos calculam não só suas ações, mas também as consequências delas.
Portanto, a política externa é produto de uma experiência racional.
Altemani absorve uma visão realista de mundo para os estudos sobre política
externa, o que deixa pouco espaço para o tratamento de temas pouco convencionais
como a questão alimentar.
Por outro lado, Pio Penna Filho no artigo “Estratégias de desenvolvimento
social e combate à pobreza no Brasil” (2006) oferece uma importante contribuição
ao debate sobre as questões sociais na agenda política interna e externa, com um
foco principal na década de 1990.
O autor considera a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Social de
Copenhague (1995), a consagração do desenvolvimento social e bem-estar humano
como pauta da agenda internacional. O autor lembra que o problema da pobreza no
Brasil é um problema antigo, mas que só começou a ganhar espaço na mídia, nas
universidades, nas organizações não-governamentais e nos governos a partir do
final da década de 1980. Gradativamente o tema também passou a fazer parte das
preocupações da chancelaria brasileira, mais especificamente no final dos anos
1990 e início do século 21.
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Pio Penna observa que com a chegada de Lula ao poder, por causa da
obrigatoriedade dos temas sociais na agenda política nacional, a política externa
transforma-se, dessa forma, em instrumento para promover tais questões. Segundo
Pio, “Ao lado dos temas considerados estratégicos, como a integração sul-
americana e o acesso ao Conselho de Segurança das Nações Unidas como
membro pleno, o governo Lula tentou capitalizar apoio internacional para suas
propostas de cunho social.” (2006, p. 356)
Nesse sentido, observa-se que forças sociais podem influenciar na
elaboração dos objetivos de política externa, contrapondo-se à ideia de que o estado
é monolítico e que a política externa é produto de um processo puramente racional.
O problema alimentar do Brasil extrapolou o meio doméstico à medida que entre os
tomadores de decisão percebeu-se a necessidade de comunicar com o meio
internacional as buscas por soluções à questão. Observa-se também, que isso foi
feito com maior substancialidade a partir do início do governo Lula, em 2003, quando
diversas iniciativas foram elaboradas especificamente nesta área.
De fato, o Brasil foi grande catalisador de financiamento e cooperação com
instituições internacionais. No início do governo Lula, foi montado um grupo de
transição de governo que trabalhou junto a uma comissão composta por membros
do Banco Mundial, do BID e da FAO. Este grupo avaliou as possibilidades do
Programa Fome Zero, e cada uma das instituições ficou responsável pelo
financiamento e incentivo de algum setor do grande projeto de combate à fome
brasileiro (FAO, 2003, p. 3).
Desde o início do governo Lula em 2003, ficou claro a importância dada pela Política Externa
Brasileira aos fóruns multilaterais (CERVO, 2008. p.105). Nesse sentido, a FAO tornou-se um
importante espaço de atuação para o governo Lula, movimento que corrobora com o protagonismo da
temática de segurança alimentar no ambiente nacional, desde sua campanha em 2002.
Os compromissos assumidos no âmbito da FAO têm muito haver com o
engajamento brasileiro na conformação de um regime de segurança alimentar. E
segundo Antônio Jorge Ramalho da Rocha, “(...) o Brasil utiliza sua participação em
regimes internacionais como uma forma de aumentar sua influência sobre
estruturas, agentes e processos políticos internacionais” (2006, p.76).
Existe também um empenho brasileiro com as chamadas “Metas do Milênio”, estabelecidas
na primeira Cúpula Mundial sobre a Alimentação realizada em 1996, organizada pela FAO. A primeira
Meta do Milênio é o comprometimento dos países que participaram da Cúpula de reduzir pela metade
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o número de pessoas que passam fome no mundo, que àquela época totalizavam 800 milhões de
pessoas (FAO, 2008).
Maria Regina Soares de Lima, no artigo “A política externa brasileira e os
desafios da cooperação Sul-Sul” (2005), advoga que as relações estabelecidas no
âmbito da cooperação sul-sul pelo Governo Lula é semelhante àquela do governo de
Fernando Henrique Cardoso. Entretanto, não identifica a questão alimentar como
uma prioridade da cooperação Sul-Sul em nenhum dos dois.
Assim, propõe-se nesta comunicação que a partir de 2003 o conteúdo das
relações do Brasil com América do Sul, Caribe e África tem se intensificado no
âmbito da cooperação alimentar extrapolando a retórica das intenções dos governos
anteriores. Nesse sentido, várias iniciativas engendradas nesse período corroboram
com este pensamento.
No que diz respeito à cooperação com a América Central e Caribe, o governo
brasileiro vem oferecendo capacitação a técnicos estrangeiros tanto no Brasil, como
no exterior. Entre 2008 e 2009, foi promovido treinamento na área de sementes e
hortaliças, ministrada pela Bionatur (cooperativa de agricultores familiares do Rio
Grande do Sul), participaram técnicos equatorianos, venezuelanos, haitianos e
nicaraguenses (CAISAN, 2009. p.49). Além disso, em encontro de Cúpula Brasil-
CARICOM (Caribbean Community), ficou estabelecido a instalação do Escritório
Regional para a América Central e o Caribe da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária – EMBRAPA, em parceria com o Instituto Caribenho de Pesquisa e
Desenvolvimento Agrícola - CARDI, que deverão levar ao estabelecimento de
Acordo para o desenvolvimento de pesquisas conjuntas e o intercâmbio de técnicos
(BRASIL-CARICOM, 2010. p. 6).
No marco das relações Sul-Sul, em maio de 2010 foi realizado o “Diálogo
Brasil-África sobre Segurança Alimentar, Combate à Fome e Desenvolvimento
Rural”, o evento propiciou uma discussão de temas e de propostas de cooperação
entre o Brasil e a África no campo da agricultura e segurança alimentar. Foram
anunciadas novas iniciativas de cooperação, como o Centro de Estudos Estratégicos
e de Capacitação em Agricultura Tropical da EMBRAPA e dez Projetos-Piloto do
Programa de Aquisição dos Alimentos na África (BRASIL-ÁFRICA, 2010. p.2).
Através de acordo de cooperação, na Venezuela, a Embrapa e o Ministério da
Agricultura daquele país, desenvolvem trabalhos nas áreas de produção de
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sementes de grãos e pasto, sanidade animal, melhoramento de bovinos, produção
de frangos e agricultura familiar (com expansão da superfície cultivada) (BRASIL-
VENEZUELA, 2010. p. 3).
O IBAS, coalizão formada por de Índia, Brasil e África o Sul se assenta em
três pilares: concertação política, cooperação setorial e o Fundo IBAS. O
agrupamento foi concebido para ser o guarda-chuva de inúmeras iniciativas
diplomáticas. Ademais o IBAS projeta com mais ênfase as posições individuais de
Índia, Brasil e África o Sul, coordenando-as politicamente, o que se expressa em
foros multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização
Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) e o Conselho de Direitos Humanos
(CDH).
A cooperação setorial abriga 16 Grupos de Trabalho, dentre eles, um de
agricultura e um de desenvolvimento social. O Fundo IBAS para o Alívio da Fome e
da Pobreza foi criado em março de 2004 pelos chefes de Estado do IBAS. O Fundo
objetiva apoiar projetos viáveis e replicáveis que, baseados nas capacidades
disponíveis nos países do IBAS e em suas experiências bem-sucedidas, contribuam
com as prioridades nacionais de países de menor desenvolvimento. Cada um dos
três países do IBAS comprometeu-se a destinar US$ 1 milhão anuais ao Fundo. Os
recursos do Fundo IBAS são administrados pela Unidade Especial de Cooperação
Sul-Sul (UECSS) do PNUD.
Amado Cervo e Clodoaldo Bueno na obra “História da Política Exterior do
Brasil” (2008), fornecem a síntese histórica que auxilia na contextualização da
inserção do Brasil no mundo e na definição de suas escolhas internacionais. Um
importante argumento apresentado pelos autores é o de que a partir de 2003, a
política externa brasileira passou a operar por meio do multilateralismo de
reciprocidade, ao inserir-se internacionalmente de forma mais madura, orientado
pelo paradigma logístico, buscando “democratizar a globalização”, através da
participação ativa na confecção das regras internacionais.
Ao ressaltar que a escassez de alimentos é uma das características da ordem
da globalização, assim como a interdependência ou as crises energética e
ambiental, o autor faz uma importante observação quando diz que o combate à fome
e à pobreza aparece nos traços da política exterior do Brasil como “uma pitada de
moral” (2008, p. 493, 494).
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Virgílio Arraes (2008) critica a iniciativa de Lula de encabeçar um “Fome Zero
Mundial”, afirmando que o programa internacional seria a universalização do
programa nacional. Segundo Arraes, o Fome Zero se caracteriza por “programas
sociais compensatórios destinados a permanecer indefinidamente, a despeito de,
em seu início, terem sido acompanhados da rubrica emergencial” (2008, p.162). O
autor aponta para o fato de que, apesar da importância do tema para os países em
desenvolvimento ou pouco desenvolvidos, a proposta do Fome Zero Mundial não
desperta muita atenção dos principais países.
O nosso argumento é de que ao perceber a falta de interesse dos países ricos
na questão, evidenciada pela falta de compromisso com os planos de ação
estabelecidos em âmbito multilateral, o Brasil voltou-se aos mais interessados, que
são os países menos desenvolvidos e aqueles que ainda sofrem com as mazelas da
fome. Nesse sentido, o país optou por fortalecer parcerias na área de cooperação
técnica agrícola e de programas de combate à fome com os países da América do
Sul, Caribe, África e até da Ásia, no caso da Índia. Na maioria desses acordos, o
Brasil entra como o parceiro que “ajuda”, transferindo tecnologia e expertise na
produção agrícola. Nesse caso, os programas estabelecidos pelo Brasil se
caracterizam por uma mescla de combate emergencial à fome e de projetos
estruturantes, e não só por programas sociais compensatórios.
4. A política externa alimentar do Brasil
Apesar de alguns estudiosos considerarem que as estratégias de inserção
internacional do Brasil e em especial do governo Lula possuem em sua essência o
realismo duro, essa comunicação defende que o Brasil utiliza a sua política externa
como forma de se adaptar às transformações operadas no sistema internacional.
A hipótese principal seria que as relações internacionais brasileiras variam de
acordo com a temática e com os atores com os quais se está lidando, sendo
possível uma relação solidária através da convergência de interesses entre o Brasil
e os vizinhos sul-americanos, ou mesmo com os países africanos, quando se trata
da questão alimentar.
Nas relações internacionais, fatores de ameaça e provocadores de
insegurança alimentar referem-se à diminuição de estoques estratégicos de
16
alimentos disponibilizados no comércio internacional, bem como da produção
predatória de alimentos em relação ao ambiente, de preços abusivos e da imposição
de padrões alimentares que não respeitem a diversidade cultural.
Os impactos da mudança climática na produtividade agrícola mundial
permanecem incertos, uma vez que algumas áreas se tornarão mais propícias ao
cultivo de alimentos enquanto outras simplesmente desaparecerão. O discurso mais
pessimista alerta para a redução dos recursos essenciais a vida, como terras
cultiváveis e água. Em decorrência, um pseudo-debate emergiu no Brasil quando o
governo acenou para o estabelecimento de lavouras voltadas para a produção de
biocombustíveis.
É preciso ressaltar que os aumentos do preço do feijão, do arroz, de
derivados do leite, e de outros alimentos indispensáveis à mesa do brasileiro são
acomodações mercadológicas da redução temporária de oferta e não representam
uma crise de falta de alimentos. Outro fato é que a área designada para a utilização
na produção de biocombustíveis não concorre com a fronteira agrícola já aberta nos
estados do Mato Grosso e do Pará, que respondem pela maior parcela da
degradação florestal advinda do comércio madeireiro, pecuária e extensas lavouras
(de soja principalmente).
Não obstante, inevitavelmente, esse processo substitui as áreas da
agricultura tradicional e ameaça a segurança alimentar de populações locais. Neste
caso, outra questão entra em cena: parcela substancial da população brasileira já
vive uma situação de insegurança alimentar, dada sua baixa renda; ou seja, o
subdesenvolvimento passa a ser uma das principais ameaças à segurança alimentar
em particular e à agenda de segurança regional em geral.
De toda forma, o Brasil estabeleceu sua estratégia de inserção internacional
na questão alimentar baseada em três canais principais, que visam estabelecer
comprometimentos mútuos que engendrem planos e programas sólidos de
promoção da segurança alimentar, mas também a construção de uma imagem do
país que esteja ligada ao combate à fome e à governança global. Os três eixos de
ação da PEB foram: a) negociações internacionais; b) cooperação Sul-Sul na área
de segurança alimentar, nutricional e de desenvolvimento agrícola; c) assistência
humanitária (CAISAN, 2009. p.47).
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A pretexto da busca por segurança alimentar, o Brasil tem buscado inserir
outros temas nas negociações internacionais, que são de interesses essencialmente
comerciais, como a temática de biocombustíveis e das barreiras comerciais impostas
aos produtos agrícolas de países em desenvolvimento.
No entanto, é sabido que os produtos agrícolas destinados à exportação, são
provenientes do agribusiness, que por sua vez não fazem parte do modelo de
segurança alimentar que se pretende implementar nacionalmente, caracterizado
pelo incentivo aos pequenos produtores na forma da agricultura familiar, sendo que
este último é historicamente voltado para o abastecimento local. Logo, podemos
inferir que são os interesses dos grandes produtores agrícolas brasileiros que estão
sendo respaldados pelo discurso de segurança alimentar no meio internacional.
Segundo Antônio Jorge Ramalho da Rocha,
(...) o Brasil passou a apresentar-se como mais um veemente defensor dos direitos humanos e também como um país que a, exemplo de tantos outros, enfrenta dificuldades para afirmar esses direitos, dada a necessidade de se fazer frente a importantes desigualdades econômicas e sociais. Ora implícita, ora explicitamente, sublinha-se que a promoção do desenvolvimento é parte integrante de qualquer agenda de defesa dos direitos humanos. E, nunca é demais lembrar, esse desenvolvimento implica a redução das barreiras que os países desenvolvidos impõem ao comércio com países em desenvolvimento e a extinção de subsídios agrícolas (ROCHA, 2006. p.94).
Apesar de alguns temas serem aliados à temática da segurança alimentar na
tentativa de respaldar interesses de outros setores, o Brasil tem investido fortemente
nas cooperações técnicas e de desenvolvimento agrícola com os países do Sul,
direcionando-se em especial aos países africanos, sul-americanos e caribenhos,
como demonstrado anteriormente.
Já a prestação de assistência humanitária pelo Brasil a outros países se
baseia nos princípios tanto da não-indiferença quanto da não-ingerência. O governo
brasileiro presta assistência humanitária mediante solicitação expressa do país
recipiendário, que pode tanto ser recebida bilateralmente quanto por intermédio de
apelos humanitários elaborados em conjunto com o sistema das Nações Unidas.
Considerações finais
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Em primeiro lugar, infere-se que as concepções teóricas tradicionais das
Relações Internacionais só alcançam até determinado ponto na explicação da
problemática alimentar atual. Assim, apesar da sua capacidade de evoluir e adaptar
diante das transformações da realidade, a tradição analítica das Relações
Internacionais está presa aos cânones norte-americanos e europeus.
Segundo, a escassez de bibliografia que trate da questão alimentar tanto do
ponto de vista da Teoria de Relações Internacionais quanto nos estudos de Política
Externa. Além disso, a revisão bibliográfica demonstrou que os estudos sobre
política externa brasileira e a questão alimentar foram pouco explorados pela
academia brasileira de Relações Internacionais, que ainda não descobriu a
singularidade do tema da segurança alimentar, normalmente deixando-o de fora ou
apreciando-o como parte de uma agenda social mais ampla.
Terceiro, que a questão alimentar estava difusa e pulverizada nas discussões
sobre política externa brasileira até 2003, momento em que o governo Lula deu ao
tema feições de maior importância.
Quarto, o entendimento da questão alimentar nas relações internacionais
reside em uma tênue fronteira entre a segurança e a solidariedade internacionais.
Quinto, admitir a influência das ideias na política, em especial na política
externa, tanto como um processo racional como um alicerce da formulação de
política externa ou ainda como fonte de criação e de mutação de princípios de
política externa. Envidar esforços para abrir a “caixa preta” e identificar a miríade de
elementos, algumas vezes pulverizados, que respaldam a internacionalização de um
Estado.
Por último, a segurança alimentar configurou-se como uma das prioridades da
política externa brasileira durante o governo Lula. A atuação brasileira no combate à
fome e à pobreza se traduziu em acordos de cooperação, iniciativas inter-regionais e
engajamento nas negociações em fóruns multilaterais. Ainda não é possível afirmar
que este tema terá o mesmo peso nas ações internacionais do Brasil ao longo dos
próximos governos, mas é certo que o Brasil continuará atuando naqueles
compromissos que já foram firmados, dada a forte tradição brasileira de cumprir com
os acordos e compromissos assumidos no meio internacional.
Em suma, as iniciativas brasileiras no combate à fome e à pobreza, tanto no
meio nacional, quanto no internacional, são consideradas inovadoras e influenciam
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na configuração de uma nova imagem ao Brasil, de um país atuante nas causas
sociais, preocupado com a boa governança do mundo e os novos desafios do século
21.
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i Pilar Figueiredo Brasil, aluna de Mestrado em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais do IREL – UnB e bolsista da Capes. Thiago Gehre Galvão, Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima.