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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO
PAULO CAPPELLETTI
AS INTERFACES DAS TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS:
APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE A TEOLOGIA
DA LIBERTAÇÃO E A TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL
São Bernardo do Campo
2018
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PAULO CAPPELLETTI
AS INTERFACES DAS TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS:
APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE A TEOLOGIA
DA LIBERTAÇÃO E A TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL
Tese apresentada em cumprimento às exigências do
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião,
para obtenção do grau de Doutor. Orientador: Prof. Dr.
Jung Mo Sung.
São Bernardo do Campo
2018
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FICHA CATALOGRÁFICA
C173i Cappelletti, Paulo
As interfaces das teologias latino-americanas: aproximações e
distanciamentos entre a teologia da libertação e a teologia da missão
integral / Paulo Cappelletti -- São Bernardo do Campo, 2018.
218 p.
Tese (Doutorado em Ciências da Religião) --Escola de
Comunicação, Educação e Humanidades, Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo.
Bibliografia.
Orientação de: Jung Mo Sung.
1. Teologia – América Latina 2. Missão integral 3. Teologia da
libertação 4. Marxismo 5. Pobreza I. Título
CDD 230.098
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A tese de doutorado sob o título As Interfaces Das Teologias Latino-Americanas:
Aproximações E Distanciamentos Entre A Teologia Da Libertação E A Teologia Da
Missão Integral, elaborada por Paulo Cappelletti, foi apresentada e aprovada com louvor em
26 de outubro de 2018, perante banca examinadora composta pelos professores Doutores Jung
Mo Sung, (Presidente/UMESP), Ricardo Bitun (Titular/MACKENZI), Allan da Silva Coelho
(Titular/UNIMEP), Helmut Renders (Titular/UMESP) e Lauri Emilio Wirth
(Titular/UMESP).
__________________________________________ Prof. Dr. Jung Mo Sung
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
__________________________________________ Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião
Área de Concentração: Religião Sociedade e Cultura
Linha de Pesquisa: Religião e Dinâmicas Socioculturais
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Dedico esta obra a dois grupos de pessoas que são especiais na minha
vida. O primeiro grupo são os pobres que costumam ser esquecidos e
injustiçados pela sociedade e que me fizeram enxergar um mundo diferente do
que eu vivia, ao ponto de me tornar um deles e aprender o que é felicidade
verdadeira. Apesar de sofrerem e lutarem para sobreviver, ainda assim,
conseguem sorrir, se alegrar e festejar a vida que Deus proporcionou a eles. O
segundo grupo, são os meus familiares, começando pela minha esposa Silvia, que
nas horas mais difíceis nunca desistiu de orar por mim, e aos meus filhos
Fernanda, Giovani e Maressa, que também me apoiaram ao compreenderam os
motivos da minha ausência em determinados momentos.
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AGRADECIMENTOS
Ao Deus da minha vida, pela sua bondade e misericórdia, que durante estes quatro anos
me concedeu ânimo para continuar e vivenciar uma experiência maravilhosa de voltar para
academia.
Ao Professor Dr. Jung Mo Sung, pela sua paciência, amizade e pela forma que me
conduziu nesta pesquisa, se tornando mais que um mestre, um amigo para todas as horas.
Ao professor e amigo Dr. Helmut Renders pela motivação e por ter me apoiado na hora
escura de meu mestre.
Ao professor Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro por participar da banca de qualificação
desta tese, bem como por suas sugestões e críticas; Aos professores Dr. Ricardo Bitun, Dr.
Allan da Silva Coelho, Dr. Helmut Renders e Lauri Emilio Wirth pela participação na banca
de defesa desta tese.
À minha família, Silvia, esposa sempre auxiliadora em todos os momentos; Giovani,
filho amigo e professor; Maressa, filha animadora, piedosa e mulher de oração; Fernanda,
filha sempre disposta a dividir as tarefas da casa para eu poder estudar; e ao meu filho Estêvão,
que já está nos braços de Jesus me aguardando; agradeço aos missionários da Missão SAL,
que compreenderam o momento da elaboração deste trabalho, e pela minha família maior que
sempre com motivação, ajuda e presença marcaram a minha vida.
À Secretária da Pós- Graduação da UMESP, Regiane, que sempre me atendeu com
alegria e simplicidade.
Aos amigos que deram sua colaboração lendo, questionando e ouvindo minhas
reclamações, e por serem muitos não citarei os nomes para não ser injusto.
A todos que de alguma forma me ajudaram a alcançar mais um degrau da minha vida
acadêmica.
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CAPPELLETTI, Paulo. As Interfaces das Teologias Latino-americanas: aproximações e
distanciamentos entre a Teologia da Libertação e a Teologia da Missão Integral, São Bernardo
do Campo, SP, 2018. 218 f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). São Bernardo do
Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2018.
RESUMO
O objeto de análise desta tese são as interfaces entre as duas teologias latino-americanas, a
Teologia da Libertação e a Teologia da Missão Integral. Essas duas teologias têm em comum o
contexto histórico-social da segunda parte do século XX em que o mundo passou por profundas
transformações sociais, políticas, econômicas e religiosas. O mundo foi dividido em duas
ideologias, a capitalista e a marxista, mas também entre os países ricos e os países
subdesenvolvidos, pobres e dependentes. Na América Latina, era também o tempo de êxodo
rural e industrialização, o que significa o grande deslocamento da população rural para as
grandes cidades e, consequentemente, o crescimento e a visibilização dos pobres nas periferias
das cidades. Esses fatores influenciaram diretamente no nascimento das duas teologias latino-
americanas: a Teologia da Libertação (TdL), que tem a sua origem no campo protestante, de
linha ecumênica, e no campo católico; e a Teologia da Missão (TMI), que nasce no campo
evangélico, também conhecido como os “evangelicais”, que procurou se distanciar do mundo
protestante fundamentalista. No campo de estudos das teologias latino-americanas, há muito
mais estudos sobre a TdL do que sobre a TMI e quase nada sobre a relação entre essas. Ambas
têm em comum o objetivo de ajudar ou de liderar, em nome de Deus, da Igreja ou dos pobres,
a libertação dos pobres dos sofrimentos da pobreza e opressão. Porém, essas teologias se viram
como conflitantes ou em grande dificuldade para estabelecer um diálogo entre si. Diante disso,
o escopo desta tese é exatamente entender “As interfaces das teologias latino-americanas”, em
particular as suas origens, suas principais convergências – noção de encarnação na história,
hermenêutica, Reino de Deus, libertação dos pobres – e diferenças – o lugar ou não do
marxismo, o pobre como sujeito histórico ou a Igreja.
Palavras-chave: Teologia, Missão Integral, Teologia da Libertação, Marxismo, Pobreza.
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CAPPELLETTI, Paulo. The Interfaces of Latin American Theologies: Approaches and
Distances between the Liberation Theology and the Theology of Integral Mission, São
Bernardo do Campo, SP, 2018. 218 f. Thesis (Doctorate in Sciences of the Religion). São
Bernardo do Campo, Methodist University of São Paulo, 2018.
ABSTRACT
The analysis objects of this thesis are the interfaces between the two Latin American theologies,
the Liberation Theology and the Theology of Integral Mission. Theses theologies have in
common the historical-social context of the second part of the twentieth century, when the
world has undergone profound social, political, economic and religious changes. The world was
divided into two ideologies, the capitalist and the Marxist, but also into rich countries and
underdeveloped countries, poor and dependents. In Latin American, it was the rural exodus and
industrialization that means the large displacement of the rural population to the big cities and,
consequently, the growth and the visibilization of the poor people on the edge of towns.
These factors influenced directly on the birth of the Latin American theologies: Liberation
Theology (LT), which has its origin in the Protestant field, of ecumenical line, and Catholic
field; and the Theology of Integral Mission (TIM), which is from evangelical field, also known
as “evangelicals”, that sought establish a distance from fundamentalist protestant world. In the
studies field of Latin America theologies, there are more about the LT than about TIM and
almost nothing about the relation between them. Both have in common the purpose of to help
or lead, in name of God, of Church or of poor people, the liberation of poor from the sufferings
of poverty and oppression. However, these theologies saw themselves as conflicting or in large
difficult to establish a dialogue between them. Therefore, the scope of this thesis is understand
exactly “The interfaces of the Latin American theologies”, in particular its origins, its main
convergences - notion of incarnation in history, hermeneutics, Kingdom of God, liberation of
the poor - and differences - the place or not of Marxism, the poor as historical individual or the
Church.
Keywords: Theology, Integral Mission, Theology of Liberation, Marxism, Poverty.
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CAPPELLETTI, Paulo. Las Interfaces de las Teologías latinoamericanas: aproximaciones y
distanciamientos entre la Teología de la Liberación y la Teología de la Misión Integral, San
Bernardo do Campo, SP, 2018. 218 f. Tesis (Doctorado en Ciencias de la Religión). San
Bernardo do Campo. Universidad Metodista de San Pablo, 2018.
RESUMEN
El objeto de análisis de esta tesis son las interfaces entre las dos teologías latinoamericanas, la
Teología de la Liberación y la Teología de la Misión Integral. Estas dos teologías tienen en
común el contexto histórico-social de la segunda parte del siglo XX en que el mundo pasó por
profundas transformaciones sociales, políticas, económicas y religiosas. El mundo se dividió
en dos ideologías, la capitalista y la marxista, pero también entre los países ricos y los países
subdesarrollados, pobres y dependientes. En América Latina, era también el tiempo de éxodo
rural e industrialización, lo que significa el gran desplazamiento de la población rural hacia las
grandes ciudades y, consecuentemente, el crecimiento y la visibilización de los pobres en las
periferias de las ciudades. Estos factores influenciaron directamente en el nacimiento de las dos
teologías latinoamericanas: la Teología de la Liberación (TdL), que tiene su origen en el campo
protestante, de línea ecuménica, y en el campo católico; y la Teología de la Misión (TMI), que
nace del campo evangélico, también conocido como los "evangélicos", que buscó distanciarse
del mundo protestante fundamentalista. En el campo de estudios de las teologías
latinoamericanas, hay mucho más estudios sobre la TdL que sobre la TMI y casi nada sobre la
relación entre esas. Ambas tienen en común el objetivo de ayudar o de liderar, en nombre de
Dios, de la Iglesia o de los pobres, la liberación de los pobres de los sufrimientos de la pobreza
y la opresión. Pero estas teologías se vieron como conflictivas o en gran dificultad para
establecer un diálogo entre sí. Por lo tanto, el alcance de esta tésis es exactamente entender "Las
interfaces de las teologías latinoamericanas", en particular sus orígenes, sus principales
convergencias - noción de encarnación en la historia, hermenéutica, Reino de Dios, liberación
de los pobres - y diferencias - o lugar o no del marxismo, el pobre como sujeto histórico o la
Iglesia.
Palabras claves: Teología, Misión Integral, Teología de la Liberación, Marxismo, Pobreza.
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ABREVIATURAS
ACA- Associações Cristãs de Acadêmicos
ASEL- Ação Social Ecumênica Latino-Americana
CEB- Confederação Evangélica do Brasil
CCLA- Comitê de Cooperação para América Latina
CEDI- Centro Ecumênico para Documentação e Informação
CELA- Conferência Evangélica Latino-Americana
CELAM- Conferência Geral do Espiscopado Latino Americano
CEPAL- Centro Econômico Para América Latina
CESEP- Centro Ecumênico para Evangelização e Educação Popular
CIEE-Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos
CIIC- Concílio Internacional de Igrejas Cristãs
CLADE- Congresso Latino Americano de Evangelização
CMI- Conselho Mundial de Igrejas
CNBB- Conselho Nacional dos Bispos do Brasil
CPS- Cristãos Pelo Socialismo
DEI- Departamento Ecumênico de Investigação
FTL- Fraternidade Teológica Latinoamericana
FUMEC- Federação Universal de Movimentos Estudantis Cristãos
IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDAC- Instituto de Ação Cultural
ISAL- Igreja e Sociedade na América Latina
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JUC-Juventude Universitária Católica
MEB- Movimento pela Educação Básica
TdL- Teologia da Libertação
TdLC- Teologia da Libertação Católica
TdLP- Teologia da Libertação Protestante
TMI- Teologia da Missão Integral
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................14
1.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA AMÉRICA-LATINA.................................................22
1.2 (Re) Visitando a História da América-Latina................................................................24
1.2.1 O Surgimento da pobreza massiva aparente....................................................................24
1.2.2 As causas econômicas: estrangulamento financeiro e social do povo latino-
americano..................................................................................................................................27
1.2.2.1 Industrialização.............................................................................................................27
1.2.2.2 Êxodo Rural: esperança de um vida melhor.................................................................29
1.2.2.3 Desenvolvimento e Subdesenvolvimento.....................................................................32
1.2.2.4 Teoria de Dependência .................................................................................................36
1.3 Movimentos pensamentos revolucionários e causas políticas.......................................40
1.3.1 As Revoluções a partir de Cuba: um caminho para emancipação política e social.........41
1.3.2 Salvador Allende e a transição pacífica para o socialismo no Chile...............................44
1.3.3 Ditaduras Militares...........................................................................................................47
1.3.4 A Influência do pensamento de Paulo Freire para a América Latina e para a Teologia da
Libertação e a Teologia da Missão Integral..............................................................................49
1.3.5 Os movimentos estudantis universitários e sua influência no nascimento das teologias
latino-americanas......................................................................................................................52
Conclusão..................................................................................................................................56
2 O SURGIMENTO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO................................................58
2.1 Teologia da Libertação.....................................................................................................61
2.2 Os primeiros passos para o surgimento da TdL............................................................66
2.2.1 O surgimento do ISAL: a construção de uma Teologia Protestante da Libertação Latino-
Americana.................................................................................................................................68
2.2.1.1 Segunda Consulta Latino-americana de Igreja e Sociedade: o envolvimento do
movimento na revolução social com maior participação dos teólogos católicos.....................76
2.2.1.2 Terceira Consulta Latino-americana em Piriápolis, Uruguai: o longo caminho para a
libertação...................................................................................................................................79
2.2.1.3 Quarta consulta em Naña: inclusão de outras instituições sociais, estratégias libertárias
e a TdL como caminho novo para uma igreja nova..................................................................80
2.3 O encontro de Petrópolis: os católicos em busca de uma teologia latino-americana
...................................................................................................................................................82
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2.4 Concílio Vaticano II: inspiração e abertura para uma TdL Latino-Americana........85
2.5 Encontro em Chimbote, Peru: a rejeição de uma teologia hegemônica e a proposta da
teologia libertadora............................................................................................................89
2.6 CELAM II: influências e desenvolvimento da TdL.......................................................90
Conclusão..................................................................................................................................94
3 O SURGIMENTO DA TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL....................................96
3.1 Teologia da Missão Integral.............................................................................................98
3.2 Os primeiros passos para o surgimento da TMI..........................................................102
3.2.1 Congressos antecedentes ao CELA I (1949)..................................................................103
3.2.1.1 Edimburgo (1910): A rejeição da América Latina......................................................103
3.2.1.2 Conferência no Panamá (1916): Uma resposta a Edimburgo.....................................106
3.3 CELA I (1949): Abertura para o ecumenismo – início da bifurcação protestante...111
3.3.1 Eventos, históricos, movimentos teológicos entre o CELA I e II que influenciaram as
bifurcações entre os protestantes na América Latina..............................................................112
3.4 CELA II (1961) agrega o movimento ISAL e se distancia dos fundamentos............116
3.4.1 Momentos históricos e eventos que marcaram a época do início do ISAL, em 1962, a
CELA III e CLADE I, em 1969: a radicalização protestante fundamentalista e o
enfraquecimento do ecumenismo latino-americano...............................................................117
3.5 CELA III: as exigências protestantes ecumênicas e o maior distanciamento dos
evangélicos fundamentalistas...............................................................................................120
3.6 CLADE I: Primeiro Congresso Latino Americano de Evangelização (1969): uma
proposta para os insatisfeitos...............................................................................................121
3.7 O surgimento da Fraternidade Teológica Latino Americana (FTLA), organização
impulsionadora da TMI........................................................................................................124
3.8 Primeira Consulta Evangélica sobre Ética Social e as críticas dos pensadores da FTLA
contra o ISAL: estabelecendo diferenças................................................................130
3.9 Congresso Mundial de evangelização em Lausanne, Suíça (1974).............................132
Conclusão...............................................................................................................................137
4 CAPÍTULO IV - AS INTERFACES DAS TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS:
DISTANCIAMENTOS E APROXIMAÇÕES ENTRE A TEOLOGIA DA
LIBERTAÇÃO E A TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL..........................................139
4.1 A Hermenêutica da Dupla Contextualização...............................................................141
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4.1.1Encarnação, tema central na aproximação entre as teologias.........................................147
4.1.2 Práxis como primeiro e segundo ato das teologias........................................................148
4.1.2.1 Práxis: definição e posicionamento nas teologias......................................................149
4.1.2.2 O posicionamento da práxis na Teologia da Libertação.............................................149
4.1.2.3 O posicionamento da práxis na Teologia da Missão Integral.....................................151
4.1.3 Uso do instrumental marxista e o distanciamento das teologias....................................153
4.2 Pobre e Pobreza: as perspectivas das teologias............................................................159
4.2.1 O pobre e a pobreza na perspectiva da Teologia da Libertação.....................................160
4.2.2 O pobre e a pobreza na perspectiva da Teologia da Missão Integral.............................164
4.3 Reino de Deus: na perspectiva das teologias................................................................167
4.3.1 O reino de Deus na perspectiva da TdL.........................................................................168
4.3.2 O Reino de Deus na perspectiva da TMI.......................................................................172
4.4 Igreja: na perspectiva das teologias..............................................................................174
4.4.1 A Igreja na perspectiva da Teologia da Libertação ......................................................177
4.4.2 A igreja na perspectiva da Teologia da Missão Integral................................................180
4.5 Justiça Social: definição e a sua perspectiva nas teologias .........................................182
4.5.1 A Justiça Social na perspectiva da Teologia da Libertação...........................................182
4.5.2 A Justiça Social na perspectiva da Teologia da Missão Integral...................................184
Conclusão................................................................................................................................187
CONCLUSÃO.......................................................................................................................190
REFERÊNCIAS....................................................................................................................200
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1 INTRODUÇÃO
Em minha caminhada cristã e de ministério, particularmente a evangelização, durante
muito tempo, teve um lugar importante nas reflexões e práticas pastorais. Porém, quando
comecei um envolvimento modesto com as pessoas consideradas excluídas na sociedade, pude
perceber, através de encontros, que os problemas destas sobrepujavam ao Deus da minha
concepção “cristã”, pela qual tinha o maior zelo. Assim, eu precisava encontrar um caminho
para entender melhor a crise pessoal que se instaurara.
Motivado a conhecer mais sobre esses problemas e pelo fato de certos cristãos não se
importarem com as diferenças sociais existentes na sociedade, tive conhecimento sobre a pós-
graduação da Universidade Metodista de São Paulo. Apoiado pelo Dr. Jung Mo Sung, meu
orientador, pude minimizar a minha angustia com a conclusão do curso de mestrado, o que me
permitiu compreender melhor a minha luta, e por tudo isso sou grato a ele, o qual hoje eu
considero meu discipulador e amigo, que me apresentou os escritos de José Comblin – teólogo,
escritor e conferencista belga, que viveu na América Latina de 1957 a 2012, onde dedicou sua
vida inteira aos excluídos e à causa da Teologia da Libertação. Alcancei a titulação de Mestre
em Ciência da Religião em 2012, com a dissertação denominada “Conversão e Justiça Social
no pensamento de José Comblin”.
Durante o período da minha carreira acadêmica em que desenvolvia as pesquisas de
mestrado, cresceram as minhas responsabilidades, diante da comunidade evangélica brasileira,
em comunicar e ensinar. Com a conclusão do mestrado, foram abertas as portas para minha
carreira de professor na Faculdade de Teologia Sul Americana (FTSA) na cidade de Londrina,
Paraná, onde há dedicação em ensinar e divulgar a Teologia da Missão Integral. Ademais, fui
convidado a participar de um movimento denominado “Missão na Íntegra”, liderado pelo amigo
Ariovaldo Ramos. Esse movimento começou a crescer e se tornar conhecido em todas as partes
do Brasil e em alguns países – aproximadamente quarenta países – por divulgar a Teologia da
Missão Integral. Mas quando um movimento no recorte evangélico protestante começa a ganhar
relevância e apoio, as críticas se levantam e os ataques se tornam mais diretos para enfraquecê-
lo. Acontece que os críticos, sem terem muito conhecimento, iniciam uma demonização daquilo
que os incomodam, assim, não foi diferente com este movimento.
Nas últimas décadas, notei o surgimento de diversos artigos que tanto criticam como
legitimam a Teologia da Libertação e a Teologia da Missão Integral, no entanto, não encontrei
artigos ou livros que dialogam com essas teologias nascidas em uma realidade histórica de
sofrimento da sociedade latino-americana. Além disso, o que intriga é a falta de uma leitura das
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teologias sem um pensamento apologético, de respeito aos pensadores das primeiras gerações
no processo de surgimento dessas teologias. Por isso, creio na possibilidade de elaborar um
trabalho que possa demonstrar as divergências e as convergências das mesmas, sem ser
agressivo e sem favorecer a uma em contraposição a outra.
Assim, entendi que essas teologias são novas e estão sujeitas a constantes revisões e
críticas. Foi o que aconteceu com a Reforma e os reformadores. Um razoável número de
debates, além de sofrimento, cercaram os passos desse movimento. Acredita-se que essas
teologias resistiram às dificuldades e se firmaram, como outros movimentos suspeitos pela
Igreja, os quais estão vivos até hoje.
Cito, aqui, uma das críticas que foi dada por alguns teólogos fundamentalistas da
atualidade, Augusto Nicodemos e Jonas Madureira1, que a TMI – Teologia da Missão Integral
– é a versão evangélica da TdL – Teologia da Libertação. Outra afirmação foi que a TMI usa
o Marxismo para se fundamentar. Assim, transformei tais premissas na problemática para esta
pesquisa de doutorado: A Teologia da Missão Integral surgiu da Teologia da Libertação? Quais
as diferenças e semelhanças entre elas? As duas teologias são claramente marxistas? Os
referenciais – bíblico e/ou sociológico – para formulação dessas teologias são os mesmos?
Diante disso, empenhei-me a estudar e pesquisar sobre as questões listadas acima, pois,
acredito que esse processo de criação de movimentos teológicos da América Latina, a TdL e a
TMI, merece ser aprofundado. Por esse motivo, voltei à academia em busca de maior
entendimento acerca desses acontecimentos da história do cristianismo na América Latina entre
os anos de 1949 a 1974.
Dessa forma, o objetivo deste trabalho é encontrar as interfaces entre a Teologia da
Libertação e a Teologia da Missão Integral. Usar-se-á o conceito da ciência da informatização
denominado interfaces, cuja definição é, basicamente, “o nome dado para o modo como ocorre
a ‘comunicação’ entre duas partes distintas, ou seja, existem características diferentes entre as
partes e, portanto, não podem se conectar diretamente”. Com o uso deste termo se torna
compreensivo a relação ou a comunicação entre essas duas teologias. As mesmas, algumas
vezes, se comunicam por pensamentos aproximados, no entanto, nunca se unem entre essas
duas vertentes cristãs latino-americanas.
Essas vertentes cristãs – que juntam de um lado católicos e protestantes ecumênicos e
de outro, evangélicos – são oriundas do mesmo contexto social e das mesmas décadas, 60 e 70,
enraizadas no continente latino-americano, empobrecido devido à opressão e exploração. A
1 https://www.youtube.com/watch?v=4QUyjud1sEg vídeo acessado em 25.07.2014;
https://www.youtube.com/watch?v=4QUyjud1sEg
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sociedade enfrentava problemas socioculturais, políticos e econômicos, tais fatos podem levar
a suspeita de que uma teologia poderia ter nascida da outra. João Libânio sugere essa
possibilidade quando afirma que: “ideia gera ideia e teologia engendra teologia” (LIBÂNIO,
2007, p.162). Assim, a TMI e a TdL poderiam ser explicadas no influxo de outras teologias, e
haveria alguma possibilidade de uma dessas duas teologias serem a originária da outra. Apesar
dessa aparência, estamos diante de duas teologias distintas, entretanto, estas nasceram do
mesmo solo, da realidade histórica marcada pelos escombros da colonização e da dependência
política e econômica que marcaram esse continente.
Por isso, o tema desta tese, “As Interfaces das Teologias Latino-Americanas, as
aproximações e distanciamentos entre a Teologia da Libertação e Teologia da Missão Integral”,
surgiu da constatação de que existe no cristianismo da América Latina uma produção teológica
específica e diferente, que escapa daqueles modelos de outros continentes. Carlos René Padilla,
enquanto editor, organizou juntamente com outros colaboradores o livro Hacia una teologia
evangélica latinoamericana, no qual há a descrição da necessidade de uma teologia própria
para o continente. Nessa obra, ele afirma que o objetivo da formação da Fraternidade Teológica
Latino-Americana é “unir o compromisso cristão à realidade histórica, sem se conformar com
as fórmulas teológicas repetitivas, que tanto tem marcado a vida e a missão das igrejas
evangélicas do continente” (PADILLA, 1984, p. 9, trad. nossa).
Enrique Dussel diz que, por ser de outro continente e de outra época a teologia ensinada
nesse continente, a teologia europeia não descobriu o pecado da dominação, ou seja, não houve
a possibilidade de se pensar sobre o assunto.
O que eu quero dizer é que, talvez, toda a teologia que estudamos respondeu a certo
mundo, que não é o mundo total de nosso tempo, porque deixou fora de sua reflexão
o marginal, a periferia e oprimido. Então, essa teologia europeia, não descobriu o
pecado da dominação desde o século XV. Ao não descobrir esse pecado, não
descobriu que tipo de totalização a história humana realizou nos últimos cinco séculos.
Assim é que, ao propor a salvação cristã dentro do sistema que eles creem único, caem
em algo que não é real, pois o sistema exige outro tipo de salvação. Se defino mal o
pecado, defino mal o processo de libertação. Se descubro o verdadeiro pecado, então
também enquadro minha reflexão numa libertação que é total e mundial. Pois bem, a
questão deve ser posta assim: a teologia europeia pensou que o ser-cristão é um ser-
europeu-cristão. Qualquer outro tipo de ser-cristão se lhe escapou (DUSSEL, 1984, p.
152).
Percorrer esse caminho não é insistir em uma teologia, que alguns dizem que já passou
(TdL), ou, da outra que estão querendo destruir (TMI), como querem fazer crer as correntes
conservadoras e fundamentalistas. Passar – afirma Jon Sobrino (1998), um dos maiores
expoentes da Teologia da Libertação – não é, em si, um problema. O problema é quando se
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passa pela história sem deixar rastros. No entanto, Sobrino salienta que a TdL nunca será
esquecida, uma vez que passa dentro da história e deixa sua marca de perenidade. Crê-se que a
Teologia da Missão Integral passa pela mesma situação, alguns com suas críticas querem
destruí-la. Mas como diz Sobrino, a questão central é que, mesmo que tivesse passado, ela
deixou suas marcas que não poderão ser esquecidas.
Por essas razões, a pesquisa quer demonstrar que pode existir um franco diálogo entre
elas, sem uma aversão apologética. Além disso, mostrar que as ciências sociais, políticas e
econômicas podem cooperar com as teologias no entendimento da realidade. No caso da TdL,
nota-se que todos os teólogos da libertação perceberam a importância de dialogar com as
ciências sociais e humanas, principalmente com o instrumental de inspiração marxista, por
razão de estas concederem uma postura de lucidez histórica, mais criticidade e instrumental
analítico, revelaram as casualidades, os processos e os dinamismos estruturais, os
funcionamentos e as tendências do sistema operante no continente (GIBELLINI, 1977).
Por outro lado, apesar de Padilla reiterar que não é preciso ser marxista para afirmar que
por de trás da pobreza, que fatidicamente assombra a América Latina, estão a injustiça e a
exploração – o pecado institucionalizado em estruturas de poder em nível nacional e
internacional (PADILLA, 2009). Ele também afirma que o diálogo com outras ciências é
importante para elaboração da teologia no contexto latino-americano e estimulou o diálogo com
as ciências humanas, tais como a economia, a sociologia, a política, a antropologia e a
psicologia (PADILLA, 2011).
Portanto, a pesquisa parte da hipótese de que existem alguns fatores que fazem as duas
teologias se aproximarem e se distanciarem. O primeiro fator que indica uma aproximação é
que elas nasceram da indignação diante da injustiça aplicada nesse continente sofrido por
exploração e opressão; o segundo é a experiência da fé encarnada na história, pois essas
teologias não são a-históricas nem a-políticas; o terceiro é que as mesmas buscam na bíblia os
fundamentos de suas lutas por justiça e libertação; o quarto fator se encontra nos termos
hermenêuticos, pois a chave hermenêutica é a mesma, a encarnação, é através dela que a história
se torna importante para o fazer teológico. Por fim, o reino de Deus, para a TdL, acontece na
história pela libertação dos pobres, enquanto que para a TMI o reino de Deus também acontece
na história, mas pela luta da igreja contra a injustiça.
No que se refere aos distanciamentos, o primeiro fator que faz com que as teologias se
distanciem se dá pela análise de inspiração marxista. A TMI tem medo dessa análise porque
compreende que os cristãos podem ser levados para o ateísmo e o comunismo. No entanto, para
TdL não é possível a luta pela libertação sem o uso das ciências sociais e políticas de caráter
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crítico, isto é, na linha de pensamento dialético, que foi desenvolvido pela tradição de inspiração
marxista; o segundo se encontra no sujeito dessas teologias: para a TdL é o pobre, mas para a
TMI é a igreja; o terceiro fator se encontra na forma como os teólogos interpretam a fé, para a
TdL a fé é histórica e impulsionadora dos cristãos para uma ação transformadora da sociedade,
mas para a TMI a fé é salvífica e proselitista, porém, com responsabilidade social, por ser
protestante acredita que após a conversão pessoal o cristão se transforma em um agente do
Reino.
O interessante no processo de construção deste texto foi observar e acompanhar as
mudanças que aconteceram à medida que a pesquisa avançou e como certas questões se
destacaram, ao passo que outras foram descartadas, a partir do próprio tema e de fontes
pesquisadas, e de descobertas e orientações. É sabido que o pesquisador deve manter-se atento
aos pensamentos e teorias dos autores que embasam a pesquisa, ainda que cada leitura seja uma
interpretação e escolha para o autor da pesquisa. A partir desses apontamentos, percebe-se que
esta pesquisa é um processo dialógico em que se aprende e se ensina ao mesmo tempo. A partir
dela foi possível um aprendizado e uma realização pessoal, considerando que essas teologias
foram elaboradas por pessoas que se entregaram a essa tarefa, sendo de um valor incalculável
para a igreja cristã latino-americana.
Para atingir o propósito deste trabalho foram inevitáveis algumas escolhas e, com isso,
os recortes necessários para que se chegasse a definir o tema “As interfaces das teologias
Latino-Americanas, aproximação e distanciamento entre as teologias da Libertação e Missão
Integral”. Na ocasião do exame de qualificação, recebeu-se importante impulso no sentido de
focalizar a pesquisa, concentrando o tema na contribuição que alguns teólogos – católicos e
evangélicos – deram para as teologias da Libertação e da Missão Integral, a partir da realidade
histórica latino-americana como pano de fundo contextual do surgimento dessas teologias.
A pesquisa bibliográfica foi adotada como metodologia para a realização desta pesquisa,
sendo que por se tratar de duas teologias debatidas por diversos pensadores, algumas
dificuldades surgiram na escolha para a base teórica. Por um lado, os teólogos da libertação na
América Latina eram muitos e a maioria deles elaborou, de alguma forma, o processo de
surgimento dessa teologia. No início da pesquisa, usamos somente os livros de autores católicos
que tendem a apresentar uma visão católica da origem da TdL, no entanto, na trajetória da
pesquisa foi encontrada uma tese de doutorado de Allan Preston Nelly, da Universidade de
Washington, do ano de 1977, entitulada: Protestant Antecedents of the Latin American
Theology of Liberation, (Os Antecedentes Protestante da Teologia da Libertação da América
Latina), que provavelmente os editores norte-americanos não tiveram interesse em publicar por
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se tratar de um fenômeno latino-americano. Todavia, para esta pesquisa, o pensamento de Nelly
se tornou importante por estudar o surgimento da TdL a partir de outro viés e não pelo
catolicismo.
Nesta pesquisa, havia uma suspeita sobre esse assunto quando foi iniciada a leitura do
livro dos irmãos Clodovis Boff e Leonardo Boff, denominado Como fazer teologia da
Libertação? , em que os mesmos afirmaram a participação de teólogos católicos em um
encontro do movimento denominado Igreja Sociedade para a América Latina (ISAL) que era
estritamente protestante, mas abertos para o ecumenismo. Vários livros de José Miguez Bonino
também foram descobertos, mas para determinadas partes desta pesquisa foi essencial o livro
Rosto do Protestantismo Latino-americano. Esse autor protestante participou das primeiras
formulações da TdL, além disso, teve a sua liderança ecumênica, portanto, Bonino não poderia
faltar em um projeto como este.
Aos teólogos da libertação cabe, enfim, o mérito de terem redespertado leigos, padres,
pastores e bispos da América Latina aos deveres sociais e políticos de sua vocação e de seu
ministério. Fora do plano especulativo, os teólogos da libertação devem ser admirados pela
coragem com que denunciaram tantos abusos de poder: a injustiça, a violência, a tortura, a
opressão e tudo o que degrada e deforma o homem. É sobre este terreno da defesa dos direitos
fundamentais da humanidade que se mede a autenticidade e a consistência da fé cristã (pois,
sem obras, uma fé está morta) (MONDIN, 1980, p. 159). O capítulo dois é resultado dessas
sugestões.
Por outro lado, no caso de teólogos da Missão Integral e com vínculo ao Movimento de
Lausanne, não houve dificuldade na questão da escolha dos autores, pois o estudo direcionou a
pesquisar às obras de Carlos René Padilla – especialmente, a obra Missão Integral, o reino de
Deus e a igreja – e Samuel Escobar, e Arana e Orlando Costa. Além disso, cabe afirmar que o
desenvolvimento da Teologia da Missão Integral dependeu da influência do evangelicalismo
euro-americano, que foi originário de dois movimentos: pietismo e puritanismo. Com todas
essas influências, o evangelho chega ao hemisfério Sul com uma deformação e um puro
legalismo. Os missionários protestantes euroamericanos, oriundos dos movimentos acima
citados, desencadearam alguns congressos iniciados aproximadamente nos anos vinte, na
América Latina, por causa do anseio dos autóctones de se obter uma contextualização da
Palavra de Deus. Com o tempo, notou-se o início do deslocamento da autoridade que estava
sobre os missionários euroamericanos para os pastores e missionários latino-americanos, e o
surgimento de nova geração de teólogos latino-americanos com novos discursos teológicos e
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missionários. Tais contribuições tornaram-se significativas para o desenvolvimento do terceiro
capítulo desta tese.
Na busca em encontar o surgimento e as interfaces dessas teologias na América Latina,
foi preciso retomar as pesquisas sobre alguns congressos e movimentos, tanto católicos como
evangélicos protestantes. Em primeiro lugar, delimitou-se o período, que inicia em 1949 e
termina em 1974. Sendo assim, os congressos que ficaram fora desses limites não são foco deste
trabalho, mas alguns congressos anteriores a esta data podem ser citados por serem importantes
para clarear o entendimento sobre o surgimento das teologias abordadas. Com isso, são
deixados de fora os movimentos e as reformas anteriores ao século XX que estavam ou
nasceram no hemisfério norte. Com essas delimitações não se intenciona dar a impressão de
que tanto as teologias, movimentos e as reformas que aconteceram em séculos passados e em
outro hemisfério2 não são relevantes para história do cristianismo e da América Latina, mas, se
não fossem tais recortes, não se daria conta e nem haveria tempo hábil para elaborar esta tese.
Ao definir os limites e os pensadores para a construção dos capítulos sobre os
surgimentos dessas teologias, percebe-se a importância da realidade histórica da América
Latina e como esse contexto influenciou as duas perguntas que exigiram respostas claramente
teológicas. As perguntas foram elaboradas pelos pensadores das teologias estudadas e que, de
formas aproximadas, contribuíram para o surgimento delas. Para os Boff, a pergunta que incitou
os teólogos da TdL foi: “Como ser cristão num mundo de miséria?” (BOFF, C.; BOFF, L.,
1979, p 21). Para Padilla, assim como seus companheiros do TMI, a pergunta feita pelos seus
professores, que perseguiu este teólogo por vários momentos de sua carreira foi: “Por que, por
exemplo, em um continente que é tido como cristão, há tanta injustiça social, tanta exploração
e opressão?” (PADILLA, 2016, p. [1]). Essas perguntas são chaves também para este trabalho.
É fato que nesta pesquisa não foi possível dar atenção a todos os fatores que marcaram
a história da América Latina, e sim àqueles dos quais os próprios teólogos discutiram e foram
importantes para o fazer teológico. Em primeiro lugar a pobreza, que se tornando visível, pois,
tal como Samuel Escobar declara, essa população era quase invisível no passado. “Essa nova
visibilidade daqueles que antes estavam ausentes foi chamada por Gustavo Gutiérrez de
‘surgimento dos pobres’, que estão se tornando os novos atores dos processos históricos”
(ESCOBAR, 1997, p. 16). Esta afirmação, surgimento dos pobres, se desdobra nesta tese em
2 Se não houvesse as delimitações supracitadas, sem duvida nenhuma caberia uma pesquisa da influência do
Evangelho Social sobre as teologias latino-americanas, nascido nos EUA por volta de 1900, o mesmo é uma reação
aos grandes problemas sociais dos centros urbanos nas cidades industriais. Com um dos seus percursores Walter
Rauschenbusch.
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outros problemas que intensificaram a pobreza, tais como: o êxodo rural e a industrialização.
Além disso, os teólogos compreenderam uma nova categoria para entender a realidade do
subdesenvolvimento e dependência. Como diz Escobar: “levando em conta as características
próprias da comunidade evangélica em nosso continente, me atrevo a dizer que também ao falar
de uma teologia latino-americana estamos condicionados pela situação cultural da dependência
e subdesenvolvimento” (ESCOBAR, 1972, p. 23, trad. nossa). A maioria dos teólogos da
libertação são diretos em adotar a teoria da dependência segundo o qual o subdesenvolvimento
dos países pobres é o subproduto histórico do desenvolvimento de outros países (GUTIÉRREZ,
2000).
A estrutura da tese está organizada e composta por quatro capítulos. No primeiro,
apresenta-se – a partir das análises das obras de Darci Ribeiro, Milton Santos e Theotônio dos
Santos, entre outros – uma leitura do contexto histórico, social e econômico onde as duas
teologias sofreram as influências diretas do contexto de sofrimento. No capítulo dois, apresenta-
se o surgimento da Teologia da Libertação a partir, especialmente, da análise das obras de Allan
Preston Nelly e José Miguez Bonino, que apresentaram a construção dessa teologia a partir das
duas vertentes cristãs, e Enrique D. Dussel, que na construção da história da teologia estudada
fez um recorte para estudá-la somente pela vertente católica. No capítulo três, apresenta-se o
surgimento da Teologia da Missão Integral, a partir da análise das obras de Carlos René Padilla,
Samuel Escobar e Orlando E. Costas. E no quarto capítulo, vamos discutir as interfaces das
Teologias Latino-Americanas, mostrando as convergências e as divergências entre a TdL e a
TMI.
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1.1 CAPÍTULO I: CONTEXTO HISTÓRICO DA ORIGEM DAS TEOLOGIAS
LATINO-AMERICANAS
Introdução
O objetivo deste capítulo é descrever o pano de fundo histórico, econômico, religioso e
social da América Latina para obter uma melhor compreensão do surgimento das duas teologias
caracterizadas como latino-americanas e denominadas Teologia da Libertação (TdL) e Teologia
da Missão Integral (TMI). A condição histórica latino-americana nas décadas de 1950 a 1980
foi fortemente marcada por fatores que perpassaram quase todo o continente e assimilaram a
dominação, a exploração e a espoliação, bem como a consciência de uma responsabilidade
social crescente acerca da situação de miséria e pobreza e de suas profundas causas, com a
emergência do processo de lutas pela libertação, que foram coeficientes que prenunciaram uma
história a interpelar a reflexão teológica. Dessa forma, podemos dizer que as teologias surgidas
na América Latina assumiram novas formas de sensibilidades na compreensão da história e no
próprio papel do fazer teológico.
Esse quadro permitiu uma situação para um grupo significativo de jovens teólogos,
latino-americanos ou que imigraram para a América Latina, e não somente católicos, mas
também protestantes formados em centros teológicos europeus e norte-americanos que, a partir
do fim da década de quarenta, usufruíram das emergentes sensibilidades teológicas. Ao
regressarem ou imigrarem para a América Latina, a partir da década de 1950, se depararam com
uma realidade histórica de dominação, opressão e espoliação – herança da época colonial, tendo
em vista que essa realidade histórica nunca deixou o povo latino-americano – e com a crescente
consciência dos grupos sociais, políticos e ideológicos envolvidos na luta contra as profundas
causas da miséria, pobreza e injustiça vigentes no continente.
As teologias, tanto a protestante quanto a católica, instaladas no continente latino-
americano nos séculos anteriores ao século XX, foram enfáticas na ortodoxia, mas se
esqueceram da ortopráxia, isto é, se preocupavam com doutrinas corretas, porém,
negligenciavam a prática concreta da fé dentro da realidade social e, por conta disso, não se
fizeram eficazmente históricas. Esse tipo de cristianismo predominante no passado – e ainda
hoje – para muitos cristãos contribuiu para separar os crentes das questões temporais e sociais
privatizando sua fé (GALILEA, 1974).
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Destarte, este capítulo se concentrará em: a) Demonstrar os diferentes aspectos do
contexto histórico social em que surgiram a TdL e a TMI, como a concentração da pobreza
massiva nos centros urbanos por meio do êxodo rural e da industrialização. b) Apresentar a
teoria do desenvolvimentismo, subdesenvolvimento e a teoria da dependência – que é de suma
importância para a compreensão das teologias em nascimento. c) Relatar a importância da
Revolução Cubana e sua influência no continente, sem a qual não haveria a possibilidade de se
pensar um socialismo como o sistema alternativo ao capitalismo imposto pelas nações
dominantes na época. d) Descrever o nascimento de alguns movimentos universitários –
chamados de Revolucionários – e seus envolvimentos nas lutas políticas e sociais, que serviram
como uma ponte de incentivo para os questionamentos sociais, políticos e culturais e até mesmo
o próprio pensamento teológico. e) Apresentar alguns aspectos da vida e do trabalho de um
educador brasileiro, nordestino, chamado Paulo Freire, que desenvolveu uma metodologia
pedagógica que influenciou o continente, como também, os pensadores dessas teologias
estudadas neste trabalho, e empoderou de tal forma o cidadão com alfabetização e
conscientização da sua situação social e política. Assim, Freire se tornou subversivo e uma
ameaça para o seu país de origem.
Na sequência, será apresentada uma análise dos fatores supracitados com a intenção de
detectar as influências dos mesmos no nascimento das teologias e saber como os teólogos foram
influenciados também por estas causas e não somente pelas teologias tradicionais europeias,
norte-americanas. Ademais, no presente capítulo se agregará o pensamento de Clodovis Boff –
por ser mais ampla a sua pesquisa e por dialogar com outras ciências – com o intuito de
descobrir os meios e os problemas envolvidos no surgimento de uma nova forma de se fazer
teologia. Ele afirma que, “toda teologia paga tributo a dois fatores. Nasce em determinado
contexto social e histórico, marcado, sobretudo pelas condições econômicas e políticas”
(BOFF, 1996, p. 161).
Diante disso, pode-se dizer que todas as teologias nasceram em locais específicos, em
determinados contextos históricos e sob alguma influência social, religiosa, cultural, política
e/ou econômica, ou seja, descobre-se que a realidade latino-americana não é um empecilho para
as teologias, mas sim um ponto de partida, um terreno fértil para a elaboração de novos
pensamentos, inclusive os teológicos. O momento de opressão, miséria, pobreza e injustiça no
continente fez com que os teólogos percebessem que as teologias europeia e estadunidense não
respondiam as aflições do povo sofrido da América Latina, e por esta causa se faz necessário
demonstrar o itinerário histórico da pobreza nesse continente, para melhor entendimento sobre
o berço das teologias focadas nesta tese.
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1.2 (Re) Visitando a História da América Latina
A importância de construir um pano de fundo histórico para as teologias latino- americanas,
revisitando a história de pobreza, miséria, injustiça e consciência social revolucionária, consiste
em demonstrar que essa realidade histórica com toda sua evolução é um campo fértil para a
gestação de abundantes transformações sociais, ideológicas, políticas, econômicas, culturais e
religiosas e até mesmo para a criação de novas teologias.
1.2.1 O surgimento da pobreza massiva aparente
Fato é que a pobreza das massas na América Latina se realizou pela exploração,
opressão, modernização e principalmente pela explosão demográfica nas cidades. Uma e outra
estão ligadas direta e indiretamente às influências externas e internas dos países latino-
americanos.
O êxodo rural – ligado aos fenômenos precedentes e tendo assumido proporções
importantes na década de 1950 – também foi apontado com recorrência nos estudos das ciências
humanas, assim como em documentos de planejadores, como sendo uma das causas da pobreza
massiva na América Latina. Segundo estes, a economia urbana não estava em condições de
acolher a grande quantidade de migrantes, fazendo com que inúmeros deles passassem por
empobrecimento e precárias condições de vida, além de viverem em centros urbanos lotados.
Na América Latina, os pobres sempre foram imperceptíveis. Eles estavam espalhados
no continente devido à multicultura na agricultura voltada somente para a subsistência interna
e muitas vezes familiar. Com a implantação da “maquinização” no campo, a multicultura foi
transformada em monocultura visando o maior lucro que poderia atingir exportando esses
produtos demandados pelos países ricos. Os camponeses pobres foram expulsos do campo, o
que deu início ao êxodo rural que resultou na aglutinação de pessoas nas grandes cidades e a
pobreza massiva se tornou aparente à sociedade e também à igreja.
Na medida em que o ritmo da urbanização se acentuava, devido à intensificação das
migrações internas, as populações migrantes passaram a se localizar na periferia ou nas áreas
decadentes das grandes metrópoles, passando a ser denominadas como “população marginal”
(KOWARICK, 1973, p.13).
Para a CEPAL, populações marginais e “submarginais” são formadas com frequência
nos limites dos níveis de subsistência. “Foi o preço mais notório que as grandes cidades latino-
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americanas tiveram de pagar para conciliar as altas taxas de incrementos de sua população com
os baixos níveis de produtividade de sua estrutura econômica” (CEPAL, 1973, p.98). A
presença de favelas, difundidas no espaço urbano no período de 1945 a 1960 indica um
fenômeno mais geral, a saber, “a existência de um setor maciço da população urbana em
condições marginais dos pontos de vista econômico, social e político3”. A marginalidade
outrora vista como uma habitação degradada e deficiente passou a ser primeiramente uma
maneira de viver para então ser descrita como uma situação de vida, pois na marginalidade se
encontrava um grande número de contingentes com diversos problemas, tais como: baixo nível
de renda, educação deficitária, subemprego, desemprego, desorganização familiar e falta de
participação social.
Para Milton Santos (1978), os pobres não são socialmente marginais, e sim rejeitados,
não são economicamente marginais, e sim explorados; não são politicamente marginais, e sim
reprimidos. De acordo com tal pensamento, isso significa que o conceito de marginalidade não
representa corretamente as massas da população da periferia e, além disso, deixa de ser
contundente como o conceito da pobreza, que demonstra indignação e denuncia a sociedade
dominante e opulenta. Por conseguinte, nesta tese se fará uso dos conceitos de pobre e pobreza.
Vale ressaltar ainda que a pobreza aparente4 não era somente causada pelo êxodo rural
e a industrialização, mas também por questões políticas, econômicas, culturais e religiosas
defendidas pela sociedade dominante da época. O poder político empobrecia as massas
periféricas por administrar arbitrariamente sempre em vantagem dos ricos e dos poderosos,
fazendo amplo uso da força e da violência (MONDIN, 1980). O fator econômico estava
marcado pela miséria e pela pobreza da maior parte da população. Os recursos econômicos
eram controlados por uma minoria privilegiada, como alega Tavares:
Enquanto a maior parte da população apresenta um nível de renda muito baixo, que
praticamente a coloca à margem dos mercados monetários, as classes que gozam de
rendimentos elevados ostentam níveis e esquemas de consumo iguais às dos grandes
centros europeus (TAVARES, 1969, p. 152).
Com essa afirmação, além do controle econômico, Tavares coloca também no foco a
vontade dos opulentos da América Latina em assumir uma identidade europeia e por isso
ostentavam sua posição. Esse foi um dos problemas da minoria abastada do continente, o de
não querer ser latino-americano, mas almejar uma vida europeia e, assim, as indústrias e o
3 Para essa análise, a CEPAL (1973) levantou dados sobre emprego, renda, condições habitacionais, saneamento
básico. 4Aparente neste texto é de aparecer, algo que estava escondido que passa a ser visto.
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comércio deveriam estar voltados para a substituição de importação com a imitação dos
produtos importados para sustentar os prazeres dos dominantes. No ambiente cultural pôde-se
notar a mesma dinâmica e pobreza de pensamentos, bem como a identidade e a valorização dos
pensamentos europeus na filosofia, na arte e na literatura. Quase nada era concedido à
originalidade das populações latino-americanas, o que não significava que a criação havia sido
abolida das fronteiras. A desvalorização não impediu o desenvolvimento, mesmo que lento, do
fator cultural. Outro fator a ser destacado é o conservadorismo da religião. Comblin descreve
a situação religiosa de uma forma esclarecedora:
Até a Grande crise de 1929, a Igreja, e as massas dos católicos que se identificam com
ela, ficaram totalmente ligadas à ordem constituída e à tendência mais conservadora
desta ordem. Onde existe um partido conservador, este partido é o da igreja. De 1930
a 1968, a igreja latino-americana se afasta progressivamente e definitivamente dos
partidos conservadores e se dedica em animar movimentos de ação indireta. Todavia,
existem partidos conservadores e movimentos tradicionalistas formados por católicos,
mas eles não mais podem invocar a autoridade da Igreja5 (COMBLIN, 1975, p. 140-
141).
Diante dos dizeres de Comblin, nota-se que a religião assumiu uma posição de apoio
aos partidos de dominação, ou seja, a Igreja estava também do lado dos poderosos; a pobreza
aumentava sobremaneira e os povos continuavam sendo massacrados. Porém, setores das
comunidades cristãs mudaram de lado em um processo de validação das teologias que haveriam
de nascer.
Esses fatores – que geravam a pobreza massiva visível – pareciam naturais, inevitáveis
e necessários para todas as nações latino-americanas. Dessa forma, a América Latina tornou-se
totalmente dependente dos países europeus e norte-americanos e, por consequência, colonizável
novamente. Por isso, pode-se dizer que a pobreza aparente – termo usado por Gustavo Gutiérrez
– se dá quando é observado um conglomerado de pessoas sem condições de sobrevivência nas
cidades. As consequências da pobreza no campo fazem com que o camponês busque uma forma
de subsistência e inicia-se um êxodo rural, objetivado a instalar-se de forma digna nos centros
urbanos com a expectativa de serem empregados nas indústrias.
Contudo, a forma como estava construída a sociedade latino-americana possibilitava
somente aos dominantes obterem melhorias de vida, tanto na agricultura quanto nas cidades.
Por esses motivos, torna-se necessário um apontamento mais detalhado dos problemas que
tornaram a pobreza aparente.
5 Para uma história da Igreja da América Latina vide Dussel, Enrique. Caminho de Libertação latino-americana,
São Paulo, SP, Editora Paulinas, 1984.
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1.2.2 As causas econômicas: estrangulamento financeiro e social do povo latino-americano
Este capítulo está centrado no pano de fundo histórico da América Latina para monstrar
as causas da pobreza, e com isso, o nascedouro das teologias nesse continente, portanto, é
necessária uma explicação dos pensamentos sobre modelos de sistemas econômicos vigentes
da época, ainda que de forma concisa, a fim de traçar um breve panorama acerca de algumas
características dos pensamentos que sustentaram a exploração e a opressão do povo latino-
americano.
1.2.2.1 Industrialização
Tendo em vista a grande proporção da Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), os países
industrializados da época deixaram de exportar aos países da América Latina um volume
considerável. Frente a essa insuficiência de produtos industrializados, algumas nações do
continente iniciaram a fabricação de vários produtos para suprir o abastecimento do mercado
interno.
A Crise de 1929 – chamada de Grande Depressão – foi outro fator que incentivou o
processo de industrialização da América Latina. Com a queda da bolsa de Nova Iorque, os
Estados Unidos reduziram, não pagaram e cortaram as compras de produtos agrícolas e
matérias-primas. Com menos dinheiro, os países latino-americanos deixaram de investir,
gerando desemprego e miséria e o surgimento, em quase todo o continente, de indústrias
nacionais para a fabricação de seus produtos.
Com o término da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), os grandes grupos
empresariais oriundos de países industrializados da Europa, como os Estados Unidos e o Japão,
buscaram uma nova forma de expansão comercial com a dispersão de empresas multinacionais
em direção aos países da América Latina e outras regiões do mundo. A industrialização operava
como uma nova via de incorporação histórica equivalente àquela que libertou os povos latino-
americanos da dependência ibérica para submetê-los à inglesa e depois à americana (RIBEIRO,
1978). Santos coloca na modernização um fator importante para se entender a industrialização
e para compreender a modernização e a pobreza no campo e na cidade. O investimento de
substituição das importações, necessário à modernização tecnológica, desloca de suas
atividades uma boa parte daqueles que ali aplicavam capital ou trabalho.
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De acordo com a fórmula sugerida por Singer, a criação de empregos resulta no
crescimento do desemprego. Isso não é um jogo de palavras. Com efeito, onde antes
dois, três, ou às vezes uma dúzia de trabalhadores dividiam o trabalho, agora basta um
trabalhador. E frequentemente esse novo cargo não caberá a nenhum daqueles que
antes desempenhavam as atividades tradicionais originais (SANTOS, 1978, p.42).
Essa forma de modernização no campo, que substituía a mão de obra pela máquina,
além de aumentar o desemprego e a miséria nos países, requeria um trabalho especializado, isto
é, realizado por técnicos (que eram escassos no continente). O desenvolvimento tecnológico no
campo obrigou os camponeses, minifundiários analfabetos e pobres a deixarem suas terras e
procurarem outras formas de subsistência, logo, iniciou-se a busca de empregos fazendo com
que os mesmos tivessem que migrar em massa para as cidades industrializadas tornando o
êxodo rural uma realidade.
Vale ressaltar também o crescimento da produção industrial da América Latina sob o
efeito da economia de guerra, fator que favoreceu o processo de substituição das importações
de produtos manufaturados por produções nacionais, sobretudo na esfera de bens de consumo
(LOBO, 1970). Porém, essa industrialização não modificou substancialmente a situação, visto
que a produção de bens de consumo sempre foi voltada à elite dominante. Essa afirmação leva
a pensar na exclusão do pobre, que não podia adquirir os produtos que os ricos tinham acesso.
A multidão de pobres trabalhava para satisfazer a minoria dominante. Além de concordar com
as afirmações acima, Darcy Ribeiro acrescenta a intenção da chamada para a América Latina a
participar da Revolução Industrial, consolidando a pobreza e a dominação dos países centrais e
das elites internas.
Mas é também a via pela qual essas sociedades foram chamadas para participar da
Revolução Industrial: a atualização histórica, imposta pelo efeito constritor da
estrutura social gerida pelos agentes externos de dominação e pelas camadas
privilegiadas internas, obstinadas a perpertuar-se, seja pela preservação de modo
primitivo de ordenação social, seja pela transmudação condicionada à manutenção da
ordem global (RIBEIRO, 2007, p.40).
Ao revelar as intenções das nações centrais e das elites latinas, também ficou evidente a
maneira como as sociedades se organizavam, de uma forma estrutural para a dominação e
subordinação da massa pobre ao ponto de estabilizar a sociedade por um longo período. A
ênfase na industrialização, na maioria dos países, trouxe como consequência o descuido da
agricultura, transferindo para as grandes cidades contingentes populacionais para serem
empregados num setor industrial de futuro precário, fator que comprometeu formas de produção
tradicionais.
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1.2.2.2 Êxodo Rural: a esperança de uma vida melhor
O êxodo rural é um fator fundamental para compreender o deslocamento da população
nos centros urbanos e quais os desdobramentos desse fenômeno na sociedade. O campo estava
se “tecnologizando”, a multicultura passava a se transformar em grandes monoculturas, os
minifúndios se aglutinaram em grandes latifúndios pela exigência da exportação de grãos. Isso
fez com que a produção agrícola para exportação, e a grande agroindústria se modernizassem e
crescessem; porém, o mesmo não aconteceu com a produção de alimentos para o abastecimento
interno, os quais vieram, em grande parte, dos pequenos e médios agricultores (OLINGER,
1991). Isso fez com que a modernização da agricultura favorecesse apenas a indústria e o
comércio urbano, mas não a massa dos agricultores, principalmente os pequenos produtores,
que compunha a expressiva maioria da população rural. A modernização agrícola acelerou a
pobreza no campo fazendo com que os camponeses fossem centrifugados ou expulsos, como
afirma Santos:
A agricultura também se moderniza: industrializando-se, expulsa sua população. Isso
explica o êxodo rural e a chamada urbanização terciária. Uma alta percentagem da
população fica sem atividade e sem salário permanente, o que por sua vez resulta na
deterioração do mercado de trabalho (SANTOS, 1978, p. 45).
O único caminho possível para os pequenos agricultores eram os centros urbanos, pois
o desemprego estrutural era fruto do lento crescimento da produção agroexportadora que não
conseguia absorver a rápida expansão demográfica (SUNG, 1994). Os migrantes analfabetos e
sem conhecimento tecnológico não eram admitidos pelas indústrias e acabavam se instalando
na periferia das cidades. Por isso, Samuel Escobar declara que essa população era quase
invisível no passado. ‘Essa nova visibilidade daqueles que antes estavam ausentes foi chamada
por Gustavo Gutiérrez de “surgimento dos pobres”, que estão se tornando os novos atores dos
processos históricos’ (ESCOBAR, 1997, p. 16). Nesse texto de Escobar, nota-se a preocupação
dos teólogos das duas vertentes teológicas da América Latina: Escobar da TMI ao citar Gustavo
Gutiérrez da TdL. Essa afirmação não é somente uma citação, mas a mesma inquietação vinda
da população pobre do continente.
O êxodo rural aconteceu, conforme as citações mencionadas anteriormente, por conta
do desenvolvimento tecnológico, mas não se pode afirmar que esse foi o único motivo que
levou o camponês a deixar seu trabalho. Além disso, o modelo urbano/industrial concentrador
dos recursos humanos, financeiros e das decisões político-administrativas nas grandes cidades,
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o elevado índice de crescimento demográfico e as políticas agrárias adotadas pela maioria dos
governos da região, seguramente foram os principais responsáveis pela migração do campo
para as cidades (OLINGER, 1991).
Como se pode verificar, as opiniões encontradas na literatura sobre as causas e
consequências do êxodo rural geralmente são complexas e variam conforme o ponto de vista
ou ideologia dos investigadores que as estudaram, uns afirmam que os agricultores são
deliberadamente expulsos do campo pelo poder econômico que necessita de uma mão de obra
barata para os setores secundário e terciário da economia nas cidades, outros sustentam ser a
fuga do campo uma decisão dos agricultores na busca de uma vida melhor nos centros urbanos
(OLINGER, 1991).
Não obstante, a grande diversidade das causas e consequências do êxodo rural, é comum
para todos os países, assim, este trabalho considerará os mais relevantes. O sociólogo e cientista
político brasileiro Gláucio Ary Dillon Soares, em seu livro A questão Agrária na América
Latina, apresenta algumas das causas significativas que levaram as pessoas a entrarem nesse
êxodo e coloca algumas consequências sociais citando a qualidade de vida do camponês. A
primeira delas é a miséria e a pobreza. Ele diz: “Embora seja exagerado que todos os
trabalhadores sem terra e minifundiários são miseráveis, sem dúvida a grande maioria vivia no
nível de subsistência ou abaixo dele” (SOARES, 1976, p.148). A segunda consequência é a
desnutrição: a discussão sobre as causas da desnutrição se concentrava ao redor de duas
posições básicas:
A – a que atribui a desnutrição fundamentalmente a fatores estruturais,
particularmente ao subdesenvolvimento, à má distribuição de renda e da terra e às
desumanas relações de trabalho; B – a que atribui a desnutrição a fatores educacionais
e culturais. A primeira posição afirma que a única solução para melhorar
substancialmente o nível nutricional da maior parte da população rural latino-
americana é uma transformação substancial na estrutura de propriedade da terra e nas
relações de trabalho, ao passo que a segunda se inclina mais para programas
educativos e de treinamento, a par de certas medidas assistenciais (SOARES,
1976, p. 157).
A terceira consequência é a mortalidade. A morte é um corolário inevitável da miséria
e da subnutrição. As taxas de mortalidade nas zonas rurais da América Latina foram muito altas
aos níveis internacionais e Soares expõe da seguinte forma:
Há uma quantidade satisfatória de dados confiáveis que demonstram duas coisas:
primeiro, que as taxas de mortalidade rural na América Latina são muito altas, por
padrões internacionais; segundo, que as taxas de mortalidade rural são muito mais
altas do que as urbanas. Não há informação sistemática sobre os diferenciais de
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mortalidade nas zonas rurais por classes sociais ou categorias ocupacionais, mas tudo
indica que eles sejam muito altos (SOARES, 1976, p. 162).
A quarta consequência é a condição habitacional que se refletia na falta de saneamento
básico, energia elétrica, água potável e, com isso, expressava-se em pobreza rural, pois as
pessoas não tinham acesso às condições básicas de sobrevivência. Soares chega a algumas
conclusões:
a- A grande maioria das populações rurais latino-americanas vive em habitações
miseráveis, destituídas de conforto mais elementares da vida moderna; b- as exceções
são poucas e devem-se, sobretudo, a medidas individuais, por parte de proprietários
de terras com capacidade econômica para financiar esses serviços; c- o nível absoluto
da qualidade das habitações rurais não se elevou, praticamente, em duas décadas, entre
1950 e 1970; d- as diferenças no nível de conforto doméstico entre as zonas urbanas
e as rurais são gritantes, sugerindo que os esforços dos países latino-americanos no
sentido de melhorar o seu nível sanitário e habitacional se limitaram às zonas rurais
(SOARES, 1976, p. 166).
A quinta consequência é a alfabetização e a educação. Nas zonas rurais, o analfabetismo
era algo corriqueiro, porque o investimento dos governos em alfabetizar os camponeses era
menor que nas zonas urbanas. Também existiam duas posições que permitiam o analfabetismo
no campo, a primeira era a elaboração das elites para manter os campesinos em condições de
sujeição; a segunda era a decisão por parte do camponês de ser analfabeto (SOARES, 1976). O
resultado dessas posições permitia que a próxima geração, ou os filhos dos camponeses,
continuassem no campo permanecendo analfabetos, isso fazia com que eles não fossem
selecionados para outras ocupações mais lucrativas e menos estafantes. Assim, as elites podiam
continuar sendo opressoras e exploradoras.
A luz no fim do túnel para os camponeses conquistarem sua liberdade e dignidade era a
possibilidade de uma posição nos centros urbanos, que estavam crescendo em virtude da
industrialização. Grande parte das questões que envolveu a situação social e econômica na
América Latina foi graças a esse rápido crescimento populacional nas cidades, entre 1930 e
1990, a população latino-americana quadruplicou, passou de 110 milhões para quase 450
milhões de pessoas. Pode-se tomar o Brasil como exemplo desse processo de urbanização.
Segundo o Censo 2000 do IBGE, o Brasil tinha quase 170 milhões de habitantes, o que
corresponde a uma população dez vezes maior do que a existência no país em 1900. No ano
2000, já se contava com 81,2% da população morando em áreas urbanas e 18,8% vivendo em
áreas rurais (COMBLIN, 1999).
Como declara Milton Santos (1978, p. 35): “Aqui reencontramos a polêmica sobre o
papel da urbanização. De um lado, há aqueles que acreditaram que a cidade representava uma
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esperança de abolição da pobreza em massa”. Todavia, pode-se dizer que as grandes mudanças
ocorridas em virtude da urbanização, além de trazerem benefícios, acarretaram também
algumas dificuldades para o homem, fatores próprios do crescimento desordenado a que seus
habitantes foram submetidos, tais como: concentração excessiva de pessoas, desigualdades
sociais, problemas de habitação, favelas, falta de saneamento básico, adversidades na área da
saúde etc. Basicamente a pobreza deslocou-se, instalou-se, e tornou-se cada vez mais aparente
e mais violenta na cidade.
1.2.2.3 Desenvolvimento e Subdesenvolvimento
Os pensamentos econômicos sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento permearam
a época do nascedouro das teologias latino-americanas. Além disso, com esses conceitos o
mundo foi dividido entre as nações ricas desenvolvidas e as subdesenvolvidas e pobres,
caracterizadas como: Primeiro mundistas, as nações capitalistas industrializadas e
consequentemente desenvolvidas; segundo mundistas, as nações socialistas; e terceiro
mundistas, as nações dependentes e subdesenvolvidas. Nessas classificações pode-se notar um
teor de desprezo e rebaixamento das nações pobres em relação às ricas e uma demonstração de
falta de esperança para os países de terceiro mundo serem um dia, com a proposta de
desenvolvimento, primeiro mundo. Isso significou a posição de inferioridade desse continente
e com isso a pobreza se perpetuava na América Latina (SANTOS, 1978).
Existe uma corrente de estudiosos que defende a ideia de que os países
subdesenvolvidos podem tornar-se desenvolvidos, pois para eles o subdesenvolvimento é um
estágio anterior ao desenvolvimento. A teoria do desenvolvimento tem como ponto central e
eixo o pensar desse desenvolvimento como um processo linear; o que equivale afirmar que se
uma nação seguisse os passos e o caminho tomado pelas nações industrializadas o êxito seria
garantido e seria apenas uma questão de tempo. Essa teoria é cronológica de um simples atraso
social dos países subdesenvolvidos. O caminho do desenvolvimento seria comprovado. Para os
teóricos desenvolvimentistas de processo linear, essa comprovação foi estudada no processo do
Japão, do Canadá, da Australia, da Inglaterra e dos EUA6.
Sung descreve a primeira versão da ideologia desenvolvimentista da teoria das
vantagens comparativas, associada a de livre comércio, por meio do estudo de Paul Samuelson,
6 HIGGINS, G., Economics development: Principles, Problems and Policies, New York, EUA, Norton Publishers,
New York, 1959. Apresenta-se aqui uma síntese das teorias que concebem o desenvolvimento como uma sucessão
de etapas.
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Segundo ele, o livre comércio e a especialização dos países naquelas atividades para
quais demonstrassem vocação “natural” conduziriam à difusão do progresso técnico
e do desenvolvimento para todos os países. Isto é, se os países atrasados se
especializassem nos produtos primários e os avançados em produtos industrializados,
os países atrasados acabariam levando vantagem nas relações de comércio porque
absorveriam sob a forma de queda, nos preços de exportação das mercadorias
industrializadas. A baixa produtividade dos países atrasados continuaria mantendo
altos os preços dos produtos primários, gerando uma transferência de renda dos países
avançados para os atrasados (SUNG, 1994, p. 17).
O subdesenvolvimento é um termo elaborado pós Segunda Guerra Mundial para definir
a situação econômica e social dos países pobres. Esse termo é, portanto, apontado para
classificar os territórios nacionais que dispõem de níveis de desenvolvimento econômico
limitado, com baixo índice de qualidade de vida, de consumo de produtividade, com elevadas
taxas de miséria e concentração de renda. Para Paulo Fernado Carneiro de Andrade, o
pensamento desenvolvimentista se inicia sob o governo de Kennedy, fundando uma associação
com os Estados Unidos para todos os países latino-americanos, com excessão de Cuba,
denominada “Aliança para o Progresso”, com objetivo de, no decênio de 1961 a 1971, acelerar
o desenvolvimento econômico e social latino-americano e conservar a posição hegemônica
norte-americana.
No início do programa, a ajuda do capital externo era estimada em vinte milhões de
dólares para o decênio. Os Estados Unidos contribuiriam com a metade deste capital,
sendo o restante proveniente de agências de financiamneto internacional e de fontes
privadas. Obviamente este programa levava inevitavelmente a uma
internacionalização do capital investido na América Latina, bem como a um
crescimento da hegemonia norte-americana (ANDRADE, 1991, p. 22 e 23).
Apesar do discurso de auxílio humanitário na proposta de desenvolvimento para a
América Latina, o objetivo principal era garantir que o avanço soviético fosse contido, além de
proporcionar uma abertura ao investimento das empresas de capital estadunidense nos países
latino-americanos. No contexto da Guerra Fria e da Revolução Cubana, a Aliança para o
Progresso era a grande cartada dos EUA para propagandear os ideais econômicos e culturais do
capitalismo ocidental.
O desenvolvimento proposto para os países latino-americanos no período pós-guerra
obteve ampla repercussão no continente no final da década de 1960 e começo da década de
1970. Nessa época, por uma série de episódios históricos vivenciados naqueles países, ficou
evidente que o desenvolvimento econômico deles não se daria de maneira linear e gradual, e
que também não atingiriam o desenvolvimento apenas pela ação do livre-mercado, proposto
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pela teoria da vantagem comparativa, em um momento futuro. O padrão de vida e o parque
industrial propostos pelos países europeus e norte-americanos não se dariam por etapas
históricas sucessivas. Porém, era o caminho exigido para os países latino-americanos para que
os resultados almejados pudessem ser alcançados.
Para Ribeiro, o subdesenvolvimento não pode ser explicado como uma polaridade de
contraste interativos,
[...] como pretendem os teóricos dualistas. Nem como uma crise de transição entre
feudalismo e o capitalismo que afeta uniformemente a todos os povos imersos nesse
estágio de evolução, como quer o marxismo dogmático. O subdesenvolvimento é, na
verdade, o resultado de processo de atualização histórica só explicável pela
dominação externa e pelo papel construtor das classes dominantes internas, que
deformam o próprio processo de renovação transformando-o de uma crise evolutiva
num trauma paralisador (RIBEIRO, 2007, p. 41).
Celso Furtado criticou essa ideologia desenvolvimentista com a denominação de “mito”
do desenvolvimento. Segundo ele, esse “mito” prometia eliminar a relação de exploração e
domínio que os países ricos tinham sobre os países do chamado Terceiro Mundo, através de
cooperação e de assistência. Aos países ricos caberia a tarefa de ajudar os países pobres a saírem
do subdesenvolvimento, fornecendo uma contribuição de capitais e de técnicas com o objetivo
de incrementar a produção das indústrias locais e de promover o crescimento da agricultura. No
entanto, esse “mito” não passou de mais uma forma de ideologia para manter e justificar a
exploração dos países pobres. Para Gustavo Gutiérrez,
Desenvolvimentismo passou assim a ser sinônimo de reformismo e modernização.
Quer dizer, medidas tímidas, ineficazes a longo prazo, quando não falsas e finalmente
contraproducentes, para alcançar uma verdadeira transformação. Os países pobres
tomam consciência cada vez mais clara de que seu subdesenvolvimento não é mais
que subproduto do desenvolvimento de outros países, devido ao tipo de relação que
mantêm atualmente com eles. Portanto, seu próprio desenvolvimento não se fará
senão lutando por romper a dominação exercida sobre eles pelos países ricos
(GUTIÉRREZ, 1975, p. 33).
Com essa estratégia do desenvolvimentismo, os países latino-americanos continuavam
colonizados pelos países ricos e a pobreza continuava sendo fruto das dinâmicas enriquecedoras
dos opressores. Conforme Dussel, esse modelo não desenvolvia os países, pelo contrário,
subjulgava os operários na continuação da pobreza e enriquecia as multinacionais:
Mas este modelo desenvolvimentista não só não desevolve o país, não só o entrega a
uma burguesia gerencial multinacional, como tampouco pode distribuir
proporcionalmente os ganhos, pela classe operária através de salários convenientes,
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porque neste caso diminuiria a taxa de lucro das multinacionais nascentes (DUSSEL,
1984, p. 81).
Para Darcy Ribeiro (1978), esse projeto de desenvolvimentismo foi elaborado para
conformar povos dependentes como não existindo para si, e para atender às condições de vida
e de prosperidade de outros países desenvolvidos que necessitam explorar os mais pobres.
Para Theotônio dos Santos (1960), a história das economias e sociedades dependentes
se divide entre as pressões para se ajustar a essas demandas e as tent