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1 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PAULO CAPPELLETTI AS INTERFACES DAS TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E A TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL São Bernardo do Campo 2018

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  • 1

    UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

    ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA

    RELIGIÃO

    PAULO CAPPELLETTI

    AS INTERFACES DAS TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS:

    APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE A TEOLOGIA

    DA LIBERTAÇÃO E A TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL

    São Bernardo do Campo

    2018

  • 2

    PAULO CAPPELLETTI

    AS INTERFACES DAS TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS:

    APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE A TEOLOGIA

    DA LIBERTAÇÃO E A TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL

    Tese apresentada em cumprimento às exigências do

    Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião,

    para obtenção do grau de Doutor. Orientador: Prof. Dr.

    Jung Mo Sung.

    São Bernardo do Campo

    2018

  • 3

    FICHA CATALOGRÁFICA

    C173i Cappelletti, Paulo

    As interfaces das teologias latino-americanas: aproximações e

    distanciamentos entre a teologia da libertação e a teologia da missão

    integral / Paulo Cappelletti -- São Bernardo do Campo, 2018.

    218 p.

    Tese (Doutorado em Ciências da Religião) --Escola de

    Comunicação, Educação e Humanidades, Programa de Pós-Graduação

    em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São

    Bernardo do Campo.

    Bibliografia.

    Orientação de: Jung Mo Sung.

    1. Teologia – América Latina 2. Missão integral 3. Teologia da

    libertação 4. Marxismo 5. Pobreza I. Título

    CDD 230.098

  • 4

    A tese de doutorado sob o título As Interfaces Das Teologias Latino-Americanas:

    Aproximações E Distanciamentos Entre A Teologia Da Libertação E A Teologia Da

    Missão Integral, elaborada por Paulo Cappelletti, foi apresentada e aprovada com louvor em

    26 de outubro de 2018, perante banca examinadora composta pelos professores Doutores Jung

    Mo Sung, (Presidente/UMESP), Ricardo Bitun (Titular/MACKENZI), Allan da Silva Coelho

    (Titular/UNIMEP), Helmut Renders (Titular/UMESP) e Lauri Emilio Wirth

    (Titular/UMESP).

    __________________________________________ Prof. Dr. Jung Mo Sung

    Orientador e Presidente da Banca Examinadora

    __________________________________________ Prof. Dr. Helmut Renders

    Coordenador do Programa de Pós-Graduação

    Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

    Área de Concentração: Religião Sociedade e Cultura

    Linha de Pesquisa: Religião e Dinâmicas Socioculturais

  • 5

    Dedico esta obra a dois grupos de pessoas que são especiais na minha

    vida. O primeiro grupo são os pobres que costumam ser esquecidos e

    injustiçados pela sociedade e que me fizeram enxergar um mundo diferente do

    que eu vivia, ao ponto de me tornar um deles e aprender o que é felicidade

    verdadeira. Apesar de sofrerem e lutarem para sobreviver, ainda assim,

    conseguem sorrir, se alegrar e festejar a vida que Deus proporcionou a eles. O

    segundo grupo, são os meus familiares, começando pela minha esposa Silvia, que

    nas horas mais difíceis nunca desistiu de orar por mim, e aos meus filhos

    Fernanda, Giovani e Maressa, que também me apoiaram ao compreenderam os

    motivos da minha ausência em determinados momentos.

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    Ao Deus da minha vida, pela sua bondade e misericórdia, que durante estes quatro anos

    me concedeu ânimo para continuar e vivenciar uma experiência maravilhosa de voltar para

    academia.

    Ao Professor Dr. Jung Mo Sung, pela sua paciência, amizade e pela forma que me

    conduziu nesta pesquisa, se tornando mais que um mestre, um amigo para todas as horas.

    Ao professor e amigo Dr. Helmut Renders pela motivação e por ter me apoiado na hora

    escura de meu mestre.

    Ao professor Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro por participar da banca de qualificação

    desta tese, bem como por suas sugestões e críticas; Aos professores Dr. Ricardo Bitun, Dr.

    Allan da Silva Coelho, Dr. Helmut Renders e Lauri Emilio Wirth pela participação na banca

    de defesa desta tese.

    À minha família, Silvia, esposa sempre auxiliadora em todos os momentos; Giovani,

    filho amigo e professor; Maressa, filha animadora, piedosa e mulher de oração; Fernanda,

    filha sempre disposta a dividir as tarefas da casa para eu poder estudar; e ao meu filho Estêvão,

    que já está nos braços de Jesus me aguardando; agradeço aos missionários da Missão SAL,

    que compreenderam o momento da elaboração deste trabalho, e pela minha família maior que

    sempre com motivação, ajuda e presença marcaram a minha vida.

    À Secretária da Pós- Graduação da UMESP, Regiane, que sempre me atendeu com

    alegria e simplicidade.

    Aos amigos que deram sua colaboração lendo, questionando e ouvindo minhas

    reclamações, e por serem muitos não citarei os nomes para não ser injusto.

    A todos que de alguma forma me ajudaram a alcançar mais um degrau da minha vida

    acadêmica.

  • 7

    CAPPELLETTI, Paulo. As Interfaces das Teologias Latino-americanas: aproximações e

    distanciamentos entre a Teologia da Libertação e a Teologia da Missão Integral, São Bernardo

    do Campo, SP, 2018. 218 f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). São Bernardo do

    Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2018.

    RESUMO

    O objeto de análise desta tese são as interfaces entre as duas teologias latino-americanas, a

    Teologia da Libertação e a Teologia da Missão Integral. Essas duas teologias têm em comum o

    contexto histórico-social da segunda parte do século XX em que o mundo passou por profundas

    transformações sociais, políticas, econômicas e religiosas. O mundo foi dividido em duas

    ideologias, a capitalista e a marxista, mas também entre os países ricos e os países

    subdesenvolvidos, pobres e dependentes. Na América Latina, era também o tempo de êxodo

    rural e industrialização, o que significa o grande deslocamento da população rural para as

    grandes cidades e, consequentemente, o crescimento e a visibilização dos pobres nas periferias

    das cidades. Esses fatores influenciaram diretamente no nascimento das duas teologias latino-

    americanas: a Teologia da Libertação (TdL), que tem a sua origem no campo protestante, de

    linha ecumênica, e no campo católico; e a Teologia da Missão (TMI), que nasce no campo

    evangélico, também conhecido como os “evangelicais”, que procurou se distanciar do mundo

    protestante fundamentalista. No campo de estudos das teologias latino-americanas, há muito

    mais estudos sobre a TdL do que sobre a TMI e quase nada sobre a relação entre essas. Ambas

    têm em comum o objetivo de ajudar ou de liderar, em nome de Deus, da Igreja ou dos pobres,

    a libertação dos pobres dos sofrimentos da pobreza e opressão. Porém, essas teologias se viram

    como conflitantes ou em grande dificuldade para estabelecer um diálogo entre si. Diante disso,

    o escopo desta tese é exatamente entender “As interfaces das teologias latino-americanas”, em

    particular as suas origens, suas principais convergências – noção de encarnação na história,

    hermenêutica, Reino de Deus, libertação dos pobres – e diferenças – o lugar ou não do

    marxismo, o pobre como sujeito histórico ou a Igreja.

    Palavras-chave: Teologia, Missão Integral, Teologia da Libertação, Marxismo, Pobreza.

  • 8

    CAPPELLETTI, Paulo. The Interfaces of Latin American Theologies: Approaches and

    Distances between the Liberation Theology and the Theology of Integral Mission, São

    Bernardo do Campo, SP, 2018. 218 f. Thesis (Doctorate in Sciences of the Religion). São

    Bernardo do Campo, Methodist University of São Paulo, 2018.

    ABSTRACT

    The analysis objects of this thesis are the interfaces between the two Latin American theologies,

    the Liberation Theology and the Theology of Integral Mission. Theses theologies have in

    common the historical-social context of the second part of the twentieth century, when the

    world has undergone profound social, political, economic and religious changes. The world was

    divided into two ideologies, the capitalist and the Marxist, but also into rich countries and

    underdeveloped countries, poor and dependents. In Latin American, it was the rural exodus and

    industrialization that means the large displacement of the rural population to the big cities and,

    consequently, the growth and the visibilization of the poor people on the edge of towns.

    These factors influenced directly on the birth of the Latin American theologies: Liberation

    Theology (LT), which has its origin in the Protestant field, of ecumenical line, and Catholic

    field; and the Theology of Integral Mission (TIM), which is from evangelical field, also known

    as “evangelicals”, that sought establish a distance from fundamentalist protestant world. In the

    studies field of Latin America theologies, there are more about the LT than about TIM and

    almost nothing about the relation between them. Both have in common the purpose of to help

    or lead, in name of God, of Church or of poor people, the liberation of poor from the sufferings

    of poverty and oppression. However, these theologies saw themselves as conflicting or in large

    difficult to establish a dialogue between them. Therefore, the scope of this thesis is understand

    exactly “The interfaces of the Latin American theologies”, in particular its origins, its main

    convergences - notion of incarnation in history, hermeneutics, Kingdom of God, liberation of

    the poor - and differences - the place or not of Marxism, the poor as historical individual or the

    Church.

    Keywords: Theology, Integral Mission, Theology of Liberation, Marxism, Poverty.

  • 9

    CAPPELLETTI, Paulo. Las Interfaces de las Teologías latinoamericanas: aproximaciones y

    distanciamientos entre la Teología de la Liberación y la Teología de la Misión Integral, San

    Bernardo do Campo, SP, 2018. 218 f. Tesis (Doctorado en Ciencias de la Religión). San

    Bernardo do Campo. Universidad Metodista de San Pablo, 2018.

    RESUMEN

    El objeto de análisis de esta tesis son las interfaces entre las dos teologías latinoamericanas, la

    Teología de la Liberación y la Teología de la Misión Integral. Estas dos teologías tienen en

    común el contexto histórico-social de la segunda parte del siglo XX en que el mundo pasó por

    profundas transformaciones sociales, políticas, económicas y religiosas. El mundo se dividió

    en dos ideologías, la capitalista y la marxista, pero también entre los países ricos y los países

    subdesarrollados, pobres y dependientes. En América Latina, era también el tiempo de éxodo

    rural e industrialización, lo que significa el gran desplazamiento de la población rural hacia las

    grandes ciudades y, consecuentemente, el crecimiento y la visibilización de los pobres en las

    periferias de las ciudades. Estos factores influenciaron directamente en el nacimiento de las dos

    teologías latinoamericanas: la Teología de la Liberación (TdL), que tiene su origen en el campo

    protestante, de línea ecuménica, y en el campo católico; y la Teología de la Misión (TMI), que

    nace del campo evangélico, también conocido como los "evangélicos", que buscó distanciarse

    del mundo protestante fundamentalista. En el campo de estudios de las teologías

    latinoamericanas, hay mucho más estudios sobre la TdL que sobre la TMI y casi nada sobre la

    relación entre esas. Ambas tienen en común el objetivo de ayudar o de liderar, en nombre de

    Dios, de la Iglesia o de los pobres, la liberación de los pobres de los sufrimientos de la pobreza

    y la opresión. Pero estas teologías se vieron como conflictivas o en gran dificultad para

    establecer un diálogo entre sí. Por lo tanto, el alcance de esta tésis es exactamente entender "Las

    interfaces de las teologías latinoamericanas", en particular sus orígenes, sus principales

    convergencias - noción de encarnación en la historia, hermenéutica, Reino de Dios, liberación

    de los pobres - y diferencias - o lugar o no del marxismo, el pobre como sujeto histórico o la

    Iglesia.

    Palabras claves: Teología, Misión Integral, Teología de la Liberación, Marxismo, Pobreza.

  • 10

    ABREVIATURAS

    ACA- Associações Cristãs de Acadêmicos

    ASEL- Ação Social Ecumênica Latino-Americana

    CEB- Confederação Evangélica do Brasil

    CCLA- Comitê de Cooperação para América Latina

    CEDI- Centro Ecumênico para Documentação e Informação

    CELA- Conferência Evangélica Latino-Americana

    CELAM- Conferência Geral do Espiscopado Latino Americano

    CEPAL- Centro Econômico Para América Latina

    CESEP- Centro Ecumênico para Evangelização e Educação Popular

    CIEE-Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos

    CIIC- Concílio Internacional de Igrejas Cristãs

    CLADE- Congresso Latino Americano de Evangelização

    CMI- Conselho Mundial de Igrejas

    CNBB- Conselho Nacional dos Bispos do Brasil

    CPS- Cristãos Pelo Socialismo

    DEI- Departamento Ecumênico de Investigação

    FTL- Fraternidade Teológica Latinoamericana

    FUMEC- Federação Universal de Movimentos Estudantis Cristãos

    IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

    IDAC- Instituto de Ação Cultural

    ISAL- Igreja e Sociedade na América Latina

  • 11

    JUC-Juventude Universitária Católica

    MEB- Movimento pela Educação Básica

    TdL- Teologia da Libertação

    TdLC- Teologia da Libertação Católica

    TdLP- Teologia da Libertação Protestante

    TMI- Teologia da Missão Integral

  • 12

    SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................14

    1.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA AMÉRICA-LATINA.................................................22

    1.2 (Re) Visitando a História da América-Latina................................................................24

    1.2.1 O Surgimento da pobreza massiva aparente....................................................................24

    1.2.2 As causas econômicas: estrangulamento financeiro e social do povo latino-

    americano..................................................................................................................................27

    1.2.2.1 Industrialização.............................................................................................................27

    1.2.2.2 Êxodo Rural: esperança de um vida melhor.................................................................29

    1.2.2.3 Desenvolvimento e Subdesenvolvimento.....................................................................32

    1.2.2.4 Teoria de Dependência .................................................................................................36

    1.3 Movimentos pensamentos revolucionários e causas políticas.......................................40

    1.3.1 As Revoluções a partir de Cuba: um caminho para emancipação política e social.........41

    1.3.2 Salvador Allende e a transição pacífica para o socialismo no Chile...............................44

    1.3.3 Ditaduras Militares...........................................................................................................47

    1.3.4 A Influência do pensamento de Paulo Freire para a América Latina e para a Teologia da

    Libertação e a Teologia da Missão Integral..............................................................................49

    1.3.5 Os movimentos estudantis universitários e sua influência no nascimento das teologias

    latino-americanas......................................................................................................................52

    Conclusão..................................................................................................................................56

    2 O SURGIMENTO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO................................................58

    2.1 Teologia da Libertação.....................................................................................................61

    2.2 Os primeiros passos para o surgimento da TdL............................................................66

    2.2.1 O surgimento do ISAL: a construção de uma Teologia Protestante da Libertação Latino-

    Americana.................................................................................................................................68

    2.2.1.1 Segunda Consulta Latino-americana de Igreja e Sociedade: o envolvimento do

    movimento na revolução social com maior participação dos teólogos católicos.....................76

    2.2.1.2 Terceira Consulta Latino-americana em Piriápolis, Uruguai: o longo caminho para a

    libertação...................................................................................................................................79

    2.2.1.3 Quarta consulta em Naña: inclusão de outras instituições sociais, estratégias libertárias

    e a TdL como caminho novo para uma igreja nova..................................................................80

    2.3 O encontro de Petrópolis: os católicos em busca de uma teologia latino-americana

    ...................................................................................................................................................82

  • 13

    2.4 Concílio Vaticano II: inspiração e abertura para uma TdL Latino-Americana........85

    2.5 Encontro em Chimbote, Peru: a rejeição de uma teologia hegemônica e a proposta da

    teologia libertadora............................................................................................................89

    2.6 CELAM II: influências e desenvolvimento da TdL.......................................................90

    Conclusão..................................................................................................................................94

    3 O SURGIMENTO DA TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL....................................96

    3.1 Teologia da Missão Integral.............................................................................................98

    3.2 Os primeiros passos para o surgimento da TMI..........................................................102

    3.2.1 Congressos antecedentes ao CELA I (1949)..................................................................103

    3.2.1.1 Edimburgo (1910): A rejeição da América Latina......................................................103

    3.2.1.2 Conferência no Panamá (1916): Uma resposta a Edimburgo.....................................106

    3.3 CELA I (1949): Abertura para o ecumenismo – início da bifurcação protestante...111

    3.3.1 Eventos, históricos, movimentos teológicos entre o CELA I e II que influenciaram as

    bifurcações entre os protestantes na América Latina..............................................................112

    3.4 CELA II (1961) agrega o movimento ISAL e se distancia dos fundamentos............116

    3.4.1 Momentos históricos e eventos que marcaram a época do início do ISAL, em 1962, a

    CELA III e CLADE I, em 1969: a radicalização protestante fundamentalista e o

    enfraquecimento do ecumenismo latino-americano...............................................................117

    3.5 CELA III: as exigências protestantes ecumênicas e o maior distanciamento dos

    evangélicos fundamentalistas...............................................................................................120

    3.6 CLADE I: Primeiro Congresso Latino Americano de Evangelização (1969): uma

    proposta para os insatisfeitos...............................................................................................121

    3.7 O surgimento da Fraternidade Teológica Latino Americana (FTLA), organização

    impulsionadora da TMI........................................................................................................124

    3.8 Primeira Consulta Evangélica sobre Ética Social e as críticas dos pensadores da FTLA

    contra o ISAL: estabelecendo diferenças................................................................130

    3.9 Congresso Mundial de evangelização em Lausanne, Suíça (1974).............................132

    Conclusão...............................................................................................................................137

    4 CAPÍTULO IV - AS INTERFACES DAS TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS:

    DISTANCIAMENTOS E APROXIMAÇÕES ENTRE A TEOLOGIA DA

    LIBERTAÇÃO E A TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL..........................................139

    4.1 A Hermenêutica da Dupla Contextualização...............................................................141

  • 14

    4.1.1Encarnação, tema central na aproximação entre as teologias.........................................147

    4.1.2 Práxis como primeiro e segundo ato das teologias........................................................148

    4.1.2.1 Práxis: definição e posicionamento nas teologias......................................................149

    4.1.2.2 O posicionamento da práxis na Teologia da Libertação.............................................149

    4.1.2.3 O posicionamento da práxis na Teologia da Missão Integral.....................................151

    4.1.3 Uso do instrumental marxista e o distanciamento das teologias....................................153

    4.2 Pobre e Pobreza: as perspectivas das teologias............................................................159

    4.2.1 O pobre e a pobreza na perspectiva da Teologia da Libertação.....................................160

    4.2.2 O pobre e a pobreza na perspectiva da Teologia da Missão Integral.............................164

    4.3 Reino de Deus: na perspectiva das teologias................................................................167

    4.3.1 O reino de Deus na perspectiva da TdL.........................................................................168

    4.3.2 O Reino de Deus na perspectiva da TMI.......................................................................172

    4.4 Igreja: na perspectiva das teologias..............................................................................174

    4.4.1 A Igreja na perspectiva da Teologia da Libertação ......................................................177

    4.4.2 A igreja na perspectiva da Teologia da Missão Integral................................................180

    4.5 Justiça Social: definição e a sua perspectiva nas teologias .........................................182

    4.5.1 A Justiça Social na perspectiva da Teologia da Libertação...........................................182

    4.5.2 A Justiça Social na perspectiva da Teologia da Missão Integral...................................184

    Conclusão................................................................................................................................187

    CONCLUSÃO.......................................................................................................................190

    REFERÊNCIAS....................................................................................................................200

  • 15

    1 INTRODUÇÃO

    Em minha caminhada cristã e de ministério, particularmente a evangelização, durante

    muito tempo, teve um lugar importante nas reflexões e práticas pastorais. Porém, quando

    comecei um envolvimento modesto com as pessoas consideradas excluídas na sociedade, pude

    perceber, através de encontros, que os problemas destas sobrepujavam ao Deus da minha

    concepção “cristã”, pela qual tinha o maior zelo. Assim, eu precisava encontrar um caminho

    para entender melhor a crise pessoal que se instaurara.

    Motivado a conhecer mais sobre esses problemas e pelo fato de certos cristãos não se

    importarem com as diferenças sociais existentes na sociedade, tive conhecimento sobre a pós-

    graduação da Universidade Metodista de São Paulo. Apoiado pelo Dr. Jung Mo Sung, meu

    orientador, pude minimizar a minha angustia com a conclusão do curso de mestrado, o que me

    permitiu compreender melhor a minha luta, e por tudo isso sou grato a ele, o qual hoje eu

    considero meu discipulador e amigo, que me apresentou os escritos de José Comblin – teólogo,

    escritor e conferencista belga, que viveu na América Latina de 1957 a 2012, onde dedicou sua

    vida inteira aos excluídos e à causa da Teologia da Libertação. Alcancei a titulação de Mestre

    em Ciência da Religião em 2012, com a dissertação denominada “Conversão e Justiça Social

    no pensamento de José Comblin”.

    Durante o período da minha carreira acadêmica em que desenvolvia as pesquisas de

    mestrado, cresceram as minhas responsabilidades, diante da comunidade evangélica brasileira,

    em comunicar e ensinar. Com a conclusão do mestrado, foram abertas as portas para minha

    carreira de professor na Faculdade de Teologia Sul Americana (FTSA) na cidade de Londrina,

    Paraná, onde há dedicação em ensinar e divulgar a Teologia da Missão Integral. Ademais, fui

    convidado a participar de um movimento denominado “Missão na Íntegra”, liderado pelo amigo

    Ariovaldo Ramos. Esse movimento começou a crescer e se tornar conhecido em todas as partes

    do Brasil e em alguns países – aproximadamente quarenta países – por divulgar a Teologia da

    Missão Integral. Mas quando um movimento no recorte evangélico protestante começa a ganhar

    relevância e apoio, as críticas se levantam e os ataques se tornam mais diretos para enfraquecê-

    lo. Acontece que os críticos, sem terem muito conhecimento, iniciam uma demonização daquilo

    que os incomodam, assim, não foi diferente com este movimento.

    Nas últimas décadas, notei o surgimento de diversos artigos que tanto criticam como

    legitimam a Teologia da Libertação e a Teologia da Missão Integral, no entanto, não encontrei

    artigos ou livros que dialogam com essas teologias nascidas em uma realidade histórica de

    sofrimento da sociedade latino-americana. Além disso, o que intriga é a falta de uma leitura das

  • 16

    teologias sem um pensamento apologético, de respeito aos pensadores das primeiras gerações

    no processo de surgimento dessas teologias. Por isso, creio na possibilidade de elaborar um

    trabalho que possa demonstrar as divergências e as convergências das mesmas, sem ser

    agressivo e sem favorecer a uma em contraposição a outra.

    Assim, entendi que essas teologias são novas e estão sujeitas a constantes revisões e

    críticas. Foi o que aconteceu com a Reforma e os reformadores. Um razoável número de

    debates, além de sofrimento, cercaram os passos desse movimento. Acredita-se que essas

    teologias resistiram às dificuldades e se firmaram, como outros movimentos suspeitos pela

    Igreja, os quais estão vivos até hoje.

    Cito, aqui, uma das críticas que foi dada por alguns teólogos fundamentalistas da

    atualidade, Augusto Nicodemos e Jonas Madureira1, que a TMI – Teologia da Missão Integral

    – é a versão evangélica da TdL – Teologia da Libertação. Outra afirmação foi que a TMI usa

    o Marxismo para se fundamentar. Assim, transformei tais premissas na problemática para esta

    pesquisa de doutorado: A Teologia da Missão Integral surgiu da Teologia da Libertação? Quais

    as diferenças e semelhanças entre elas? As duas teologias são claramente marxistas? Os

    referenciais – bíblico e/ou sociológico – para formulação dessas teologias são os mesmos?

    Diante disso, empenhei-me a estudar e pesquisar sobre as questões listadas acima, pois,

    acredito que esse processo de criação de movimentos teológicos da América Latina, a TdL e a

    TMI, merece ser aprofundado. Por esse motivo, voltei à academia em busca de maior

    entendimento acerca desses acontecimentos da história do cristianismo na América Latina entre

    os anos de 1949 a 1974.

    Dessa forma, o objetivo deste trabalho é encontrar as interfaces entre a Teologia da

    Libertação e a Teologia da Missão Integral. Usar-se-á o conceito da ciência da informatização

    denominado interfaces, cuja definição é, basicamente, “o nome dado para o modo como ocorre

    a ‘comunicação’ entre duas partes distintas, ou seja, existem características diferentes entre as

    partes e, portanto, não podem se conectar diretamente”. Com o uso deste termo se torna

    compreensivo a relação ou a comunicação entre essas duas teologias. As mesmas, algumas

    vezes, se comunicam por pensamentos aproximados, no entanto, nunca se unem entre essas

    duas vertentes cristãs latino-americanas.

    Essas vertentes cristãs – que juntam de um lado católicos e protestantes ecumênicos e

    de outro, evangélicos – são oriundas do mesmo contexto social e das mesmas décadas, 60 e 70,

    enraizadas no continente latino-americano, empobrecido devido à opressão e exploração. A

    1 https://www.youtube.com/watch?v=4QUyjud1sEg vídeo acessado em 25.07.2014;

    https://www.youtube.com/watch?v=4QUyjud1sEg

  • 17

    sociedade enfrentava problemas socioculturais, políticos e econômicos, tais fatos podem levar

    a suspeita de que uma teologia poderia ter nascida da outra. João Libânio sugere essa

    possibilidade quando afirma que: “ideia gera ideia e teologia engendra teologia” (LIBÂNIO,

    2007, p.162). Assim, a TMI e a TdL poderiam ser explicadas no influxo de outras teologias, e

    haveria alguma possibilidade de uma dessas duas teologias serem a originária da outra. Apesar

    dessa aparência, estamos diante de duas teologias distintas, entretanto, estas nasceram do

    mesmo solo, da realidade histórica marcada pelos escombros da colonização e da dependência

    política e econômica que marcaram esse continente.

    Por isso, o tema desta tese, “As Interfaces das Teologias Latino-Americanas, as

    aproximações e distanciamentos entre a Teologia da Libertação e Teologia da Missão Integral”,

    surgiu da constatação de que existe no cristianismo da América Latina uma produção teológica

    específica e diferente, que escapa daqueles modelos de outros continentes. Carlos René Padilla,

    enquanto editor, organizou juntamente com outros colaboradores o livro Hacia una teologia

    evangélica latinoamericana, no qual há a descrição da necessidade de uma teologia própria

    para o continente. Nessa obra, ele afirma que o objetivo da formação da Fraternidade Teológica

    Latino-Americana é “unir o compromisso cristão à realidade histórica, sem se conformar com

    as fórmulas teológicas repetitivas, que tanto tem marcado a vida e a missão das igrejas

    evangélicas do continente” (PADILLA, 1984, p. 9, trad. nossa).

    Enrique Dussel diz que, por ser de outro continente e de outra época a teologia ensinada

    nesse continente, a teologia europeia não descobriu o pecado da dominação, ou seja, não houve

    a possibilidade de se pensar sobre o assunto.

    O que eu quero dizer é que, talvez, toda a teologia que estudamos respondeu a certo

    mundo, que não é o mundo total de nosso tempo, porque deixou fora de sua reflexão

    o marginal, a periferia e oprimido. Então, essa teologia europeia, não descobriu o

    pecado da dominação desde o século XV. Ao não descobrir esse pecado, não

    descobriu que tipo de totalização a história humana realizou nos últimos cinco séculos.

    Assim é que, ao propor a salvação cristã dentro do sistema que eles creem único, caem

    em algo que não é real, pois o sistema exige outro tipo de salvação. Se defino mal o

    pecado, defino mal o processo de libertação. Se descubro o verdadeiro pecado, então

    também enquadro minha reflexão numa libertação que é total e mundial. Pois bem, a

    questão deve ser posta assim: a teologia europeia pensou que o ser-cristão é um ser-

    europeu-cristão. Qualquer outro tipo de ser-cristão se lhe escapou (DUSSEL, 1984, p.

    152).

    Percorrer esse caminho não é insistir em uma teologia, que alguns dizem que já passou

    (TdL), ou, da outra que estão querendo destruir (TMI), como querem fazer crer as correntes

    conservadoras e fundamentalistas. Passar – afirma Jon Sobrino (1998), um dos maiores

    expoentes da Teologia da Libertação – não é, em si, um problema. O problema é quando se

  • 18

    passa pela história sem deixar rastros. No entanto, Sobrino salienta que a TdL nunca será

    esquecida, uma vez que passa dentro da história e deixa sua marca de perenidade. Crê-se que a

    Teologia da Missão Integral passa pela mesma situação, alguns com suas críticas querem

    destruí-la. Mas como diz Sobrino, a questão central é que, mesmo que tivesse passado, ela

    deixou suas marcas que não poderão ser esquecidas.

    Por essas razões, a pesquisa quer demonstrar que pode existir um franco diálogo entre

    elas, sem uma aversão apologética. Além disso, mostrar que as ciências sociais, políticas e

    econômicas podem cooperar com as teologias no entendimento da realidade. No caso da TdL,

    nota-se que todos os teólogos da libertação perceberam a importância de dialogar com as

    ciências sociais e humanas, principalmente com o instrumental de inspiração marxista, por

    razão de estas concederem uma postura de lucidez histórica, mais criticidade e instrumental

    analítico, revelaram as casualidades, os processos e os dinamismos estruturais, os

    funcionamentos e as tendências do sistema operante no continente (GIBELLINI, 1977).

    Por outro lado, apesar de Padilla reiterar que não é preciso ser marxista para afirmar que

    por de trás da pobreza, que fatidicamente assombra a América Latina, estão a injustiça e a

    exploração – o pecado institucionalizado em estruturas de poder em nível nacional e

    internacional (PADILLA, 2009). Ele também afirma que o diálogo com outras ciências é

    importante para elaboração da teologia no contexto latino-americano e estimulou o diálogo com

    as ciências humanas, tais como a economia, a sociologia, a política, a antropologia e a

    psicologia (PADILLA, 2011).

    Portanto, a pesquisa parte da hipótese de que existem alguns fatores que fazem as duas

    teologias se aproximarem e se distanciarem. O primeiro fator que indica uma aproximação é

    que elas nasceram da indignação diante da injustiça aplicada nesse continente sofrido por

    exploração e opressão; o segundo é a experiência da fé encarnada na história, pois essas

    teologias não são a-históricas nem a-políticas; o terceiro é que as mesmas buscam na bíblia os

    fundamentos de suas lutas por justiça e libertação; o quarto fator se encontra nos termos

    hermenêuticos, pois a chave hermenêutica é a mesma, a encarnação, é através dela que a história

    se torna importante para o fazer teológico. Por fim, o reino de Deus, para a TdL, acontece na

    história pela libertação dos pobres, enquanto que para a TMI o reino de Deus também acontece

    na história, mas pela luta da igreja contra a injustiça.

    No que se refere aos distanciamentos, o primeiro fator que faz com que as teologias se

    distanciem se dá pela análise de inspiração marxista. A TMI tem medo dessa análise porque

    compreende que os cristãos podem ser levados para o ateísmo e o comunismo. No entanto, para

    TdL não é possível a luta pela libertação sem o uso das ciências sociais e políticas de caráter

  • 19

    crítico, isto é, na linha de pensamento dialético, que foi desenvolvido pela tradição de inspiração

    marxista; o segundo se encontra no sujeito dessas teologias: para a TdL é o pobre, mas para a

    TMI é a igreja; o terceiro fator se encontra na forma como os teólogos interpretam a fé, para a

    TdL a fé é histórica e impulsionadora dos cristãos para uma ação transformadora da sociedade,

    mas para a TMI a fé é salvífica e proselitista, porém, com responsabilidade social, por ser

    protestante acredita que após a conversão pessoal o cristão se transforma em um agente do

    Reino.

    O interessante no processo de construção deste texto foi observar e acompanhar as

    mudanças que aconteceram à medida que a pesquisa avançou e como certas questões se

    destacaram, ao passo que outras foram descartadas, a partir do próprio tema e de fontes

    pesquisadas, e de descobertas e orientações. É sabido que o pesquisador deve manter-se atento

    aos pensamentos e teorias dos autores que embasam a pesquisa, ainda que cada leitura seja uma

    interpretação e escolha para o autor da pesquisa. A partir desses apontamentos, percebe-se que

    esta pesquisa é um processo dialógico em que se aprende e se ensina ao mesmo tempo. A partir

    dela foi possível um aprendizado e uma realização pessoal, considerando que essas teologias

    foram elaboradas por pessoas que se entregaram a essa tarefa, sendo de um valor incalculável

    para a igreja cristã latino-americana.

    Para atingir o propósito deste trabalho foram inevitáveis algumas escolhas e, com isso,

    os recortes necessários para que se chegasse a definir o tema “As interfaces das teologias

    Latino-Americanas, aproximação e distanciamento entre as teologias da Libertação e Missão

    Integral”. Na ocasião do exame de qualificação, recebeu-se importante impulso no sentido de

    focalizar a pesquisa, concentrando o tema na contribuição que alguns teólogos – católicos e

    evangélicos – deram para as teologias da Libertação e da Missão Integral, a partir da realidade

    histórica latino-americana como pano de fundo contextual do surgimento dessas teologias.

    A pesquisa bibliográfica foi adotada como metodologia para a realização desta pesquisa,

    sendo que por se tratar de duas teologias debatidas por diversos pensadores, algumas

    dificuldades surgiram na escolha para a base teórica. Por um lado, os teólogos da libertação na

    América Latina eram muitos e a maioria deles elaborou, de alguma forma, o processo de

    surgimento dessa teologia. No início da pesquisa, usamos somente os livros de autores católicos

    que tendem a apresentar uma visão católica da origem da TdL, no entanto, na trajetória da

    pesquisa foi encontrada uma tese de doutorado de Allan Preston Nelly, da Universidade de

    Washington, do ano de 1977, entitulada: Protestant Antecedents of the Latin American

    Theology of Liberation, (Os Antecedentes Protestante da Teologia da Libertação da América

    Latina), que provavelmente os editores norte-americanos não tiveram interesse em publicar por

  • 20

    se tratar de um fenômeno latino-americano. Todavia, para esta pesquisa, o pensamento de Nelly

    se tornou importante por estudar o surgimento da TdL a partir de outro viés e não pelo

    catolicismo.

    Nesta pesquisa, havia uma suspeita sobre esse assunto quando foi iniciada a leitura do

    livro dos irmãos Clodovis Boff e Leonardo Boff, denominado Como fazer teologia da

    Libertação? , em que os mesmos afirmaram a participação de teólogos católicos em um

    encontro do movimento denominado Igreja Sociedade para a América Latina (ISAL) que era

    estritamente protestante, mas abertos para o ecumenismo. Vários livros de José Miguez Bonino

    também foram descobertos, mas para determinadas partes desta pesquisa foi essencial o livro

    Rosto do Protestantismo Latino-americano. Esse autor protestante participou das primeiras

    formulações da TdL, além disso, teve a sua liderança ecumênica, portanto, Bonino não poderia

    faltar em um projeto como este.

    Aos teólogos da libertação cabe, enfim, o mérito de terem redespertado leigos, padres,

    pastores e bispos da América Latina aos deveres sociais e políticos de sua vocação e de seu

    ministério. Fora do plano especulativo, os teólogos da libertação devem ser admirados pela

    coragem com que denunciaram tantos abusos de poder: a injustiça, a violência, a tortura, a

    opressão e tudo o que degrada e deforma o homem. É sobre este terreno da defesa dos direitos

    fundamentais da humanidade que se mede a autenticidade e a consistência da fé cristã (pois,

    sem obras, uma fé está morta) (MONDIN, 1980, p. 159). O capítulo dois é resultado dessas

    sugestões.

    Por outro lado, no caso de teólogos da Missão Integral e com vínculo ao Movimento de

    Lausanne, não houve dificuldade na questão da escolha dos autores, pois o estudo direcionou a

    pesquisar às obras de Carlos René Padilla – especialmente, a obra Missão Integral, o reino de

    Deus e a igreja – e Samuel Escobar, e Arana e Orlando Costa. Além disso, cabe afirmar que o

    desenvolvimento da Teologia da Missão Integral dependeu da influência do evangelicalismo

    euro-americano, que foi originário de dois movimentos: pietismo e puritanismo. Com todas

    essas influências, o evangelho chega ao hemisfério Sul com uma deformação e um puro

    legalismo. Os missionários protestantes euroamericanos, oriundos dos movimentos acima

    citados, desencadearam alguns congressos iniciados aproximadamente nos anos vinte, na

    América Latina, por causa do anseio dos autóctones de se obter uma contextualização da

    Palavra de Deus. Com o tempo, notou-se o início do deslocamento da autoridade que estava

    sobre os missionários euroamericanos para os pastores e missionários latino-americanos, e o

    surgimento de nova geração de teólogos latino-americanos com novos discursos teológicos e

  • 21

    missionários. Tais contribuições tornaram-se significativas para o desenvolvimento do terceiro

    capítulo desta tese.

    Na busca em encontar o surgimento e as interfaces dessas teologias na América Latina,

    foi preciso retomar as pesquisas sobre alguns congressos e movimentos, tanto católicos como

    evangélicos protestantes. Em primeiro lugar, delimitou-se o período, que inicia em 1949 e

    termina em 1974. Sendo assim, os congressos que ficaram fora desses limites não são foco deste

    trabalho, mas alguns congressos anteriores a esta data podem ser citados por serem importantes

    para clarear o entendimento sobre o surgimento das teologias abordadas. Com isso, são

    deixados de fora os movimentos e as reformas anteriores ao século XX que estavam ou

    nasceram no hemisfério norte. Com essas delimitações não se intenciona dar a impressão de

    que tanto as teologias, movimentos e as reformas que aconteceram em séculos passados e em

    outro hemisfério2 não são relevantes para história do cristianismo e da América Latina, mas, se

    não fossem tais recortes, não se daria conta e nem haveria tempo hábil para elaborar esta tese.

    Ao definir os limites e os pensadores para a construção dos capítulos sobre os

    surgimentos dessas teologias, percebe-se a importância da realidade histórica da América

    Latina e como esse contexto influenciou as duas perguntas que exigiram respostas claramente

    teológicas. As perguntas foram elaboradas pelos pensadores das teologias estudadas e que, de

    formas aproximadas, contribuíram para o surgimento delas. Para os Boff, a pergunta que incitou

    os teólogos da TdL foi: “Como ser cristão num mundo de miséria?” (BOFF, C.; BOFF, L.,

    1979, p 21). Para Padilla, assim como seus companheiros do TMI, a pergunta feita pelos seus

    professores, que perseguiu este teólogo por vários momentos de sua carreira foi: “Por que, por

    exemplo, em um continente que é tido como cristão, há tanta injustiça social, tanta exploração

    e opressão?” (PADILLA, 2016, p. [1]). Essas perguntas são chaves também para este trabalho.

    É fato que nesta pesquisa não foi possível dar atenção a todos os fatores que marcaram

    a história da América Latina, e sim àqueles dos quais os próprios teólogos discutiram e foram

    importantes para o fazer teológico. Em primeiro lugar a pobreza, que se tornando visível, pois,

    tal como Samuel Escobar declara, essa população era quase invisível no passado. “Essa nova

    visibilidade daqueles que antes estavam ausentes foi chamada por Gustavo Gutiérrez de

    ‘surgimento dos pobres’, que estão se tornando os novos atores dos processos históricos”

    (ESCOBAR, 1997, p. 16). Esta afirmação, surgimento dos pobres, se desdobra nesta tese em

    2 Se não houvesse as delimitações supracitadas, sem duvida nenhuma caberia uma pesquisa da influência do

    Evangelho Social sobre as teologias latino-americanas, nascido nos EUA por volta de 1900, o mesmo é uma reação

    aos grandes problemas sociais dos centros urbanos nas cidades industriais. Com um dos seus percursores Walter

    Rauschenbusch.

  • 22

    outros problemas que intensificaram a pobreza, tais como: o êxodo rural e a industrialização.

    Além disso, os teólogos compreenderam uma nova categoria para entender a realidade do

    subdesenvolvimento e dependência. Como diz Escobar: “levando em conta as características

    próprias da comunidade evangélica em nosso continente, me atrevo a dizer que também ao falar

    de uma teologia latino-americana estamos condicionados pela situação cultural da dependência

    e subdesenvolvimento” (ESCOBAR, 1972, p. 23, trad. nossa). A maioria dos teólogos da

    libertação são diretos em adotar a teoria da dependência segundo o qual o subdesenvolvimento

    dos países pobres é o subproduto histórico do desenvolvimento de outros países (GUTIÉRREZ,

    2000).

    A estrutura da tese está organizada e composta por quatro capítulos. No primeiro,

    apresenta-se – a partir das análises das obras de Darci Ribeiro, Milton Santos e Theotônio dos

    Santos, entre outros – uma leitura do contexto histórico, social e econômico onde as duas

    teologias sofreram as influências diretas do contexto de sofrimento. No capítulo dois, apresenta-

    se o surgimento da Teologia da Libertação a partir, especialmente, da análise das obras de Allan

    Preston Nelly e José Miguez Bonino, que apresentaram a construção dessa teologia a partir das

    duas vertentes cristãs, e Enrique D. Dussel, que na construção da história da teologia estudada

    fez um recorte para estudá-la somente pela vertente católica. No capítulo três, apresenta-se o

    surgimento da Teologia da Missão Integral, a partir da análise das obras de Carlos René Padilla,

    Samuel Escobar e Orlando E. Costas. E no quarto capítulo, vamos discutir as interfaces das

    Teologias Latino-Americanas, mostrando as convergências e as divergências entre a TdL e a

    TMI.

  • 23

    1.1 CAPÍTULO I: CONTEXTO HISTÓRICO DA ORIGEM DAS TEOLOGIAS

    LATINO-AMERICANAS

    Introdução

    O objetivo deste capítulo é descrever o pano de fundo histórico, econômico, religioso e

    social da América Latina para obter uma melhor compreensão do surgimento das duas teologias

    caracterizadas como latino-americanas e denominadas Teologia da Libertação (TdL) e Teologia

    da Missão Integral (TMI). A condição histórica latino-americana nas décadas de 1950 a 1980

    foi fortemente marcada por fatores que perpassaram quase todo o continente e assimilaram a

    dominação, a exploração e a espoliação, bem como a consciência de uma responsabilidade

    social crescente acerca da situação de miséria e pobreza e de suas profundas causas, com a

    emergência do processo de lutas pela libertação, que foram coeficientes que prenunciaram uma

    história a interpelar a reflexão teológica. Dessa forma, podemos dizer que as teologias surgidas

    na América Latina assumiram novas formas de sensibilidades na compreensão da história e no

    próprio papel do fazer teológico.

    Esse quadro permitiu uma situação para um grupo significativo de jovens teólogos,

    latino-americanos ou que imigraram para a América Latina, e não somente católicos, mas

    também protestantes formados em centros teológicos europeus e norte-americanos que, a partir

    do fim da década de quarenta, usufruíram das emergentes sensibilidades teológicas. Ao

    regressarem ou imigrarem para a América Latina, a partir da década de 1950, se depararam com

    uma realidade histórica de dominação, opressão e espoliação – herança da época colonial, tendo

    em vista que essa realidade histórica nunca deixou o povo latino-americano – e com a crescente

    consciência dos grupos sociais, políticos e ideológicos envolvidos na luta contra as profundas

    causas da miséria, pobreza e injustiça vigentes no continente.

    As teologias, tanto a protestante quanto a católica, instaladas no continente latino-

    americano nos séculos anteriores ao século XX, foram enfáticas na ortodoxia, mas se

    esqueceram da ortopráxia, isto é, se preocupavam com doutrinas corretas, porém,

    negligenciavam a prática concreta da fé dentro da realidade social e, por conta disso, não se

    fizeram eficazmente históricas. Esse tipo de cristianismo predominante no passado – e ainda

    hoje – para muitos cristãos contribuiu para separar os crentes das questões temporais e sociais

    privatizando sua fé (GALILEA, 1974).

  • 24

    Destarte, este capítulo se concentrará em: a) Demonstrar os diferentes aspectos do

    contexto histórico social em que surgiram a TdL e a TMI, como a concentração da pobreza

    massiva nos centros urbanos por meio do êxodo rural e da industrialização. b) Apresentar a

    teoria do desenvolvimentismo, subdesenvolvimento e a teoria da dependência – que é de suma

    importância para a compreensão das teologias em nascimento. c) Relatar a importância da

    Revolução Cubana e sua influência no continente, sem a qual não haveria a possibilidade de se

    pensar um socialismo como o sistema alternativo ao capitalismo imposto pelas nações

    dominantes na época. d) Descrever o nascimento de alguns movimentos universitários –

    chamados de Revolucionários – e seus envolvimentos nas lutas políticas e sociais, que serviram

    como uma ponte de incentivo para os questionamentos sociais, políticos e culturais e até mesmo

    o próprio pensamento teológico. e) Apresentar alguns aspectos da vida e do trabalho de um

    educador brasileiro, nordestino, chamado Paulo Freire, que desenvolveu uma metodologia

    pedagógica que influenciou o continente, como também, os pensadores dessas teologias

    estudadas neste trabalho, e empoderou de tal forma o cidadão com alfabetização e

    conscientização da sua situação social e política. Assim, Freire se tornou subversivo e uma

    ameaça para o seu país de origem.

    Na sequência, será apresentada uma análise dos fatores supracitados com a intenção de

    detectar as influências dos mesmos no nascimento das teologias e saber como os teólogos foram

    influenciados também por estas causas e não somente pelas teologias tradicionais europeias,

    norte-americanas. Ademais, no presente capítulo se agregará o pensamento de Clodovis Boff –

    por ser mais ampla a sua pesquisa e por dialogar com outras ciências – com o intuito de

    descobrir os meios e os problemas envolvidos no surgimento de uma nova forma de se fazer

    teologia. Ele afirma que, “toda teologia paga tributo a dois fatores. Nasce em determinado

    contexto social e histórico, marcado, sobretudo pelas condições econômicas e políticas”

    (BOFF, 1996, p. 161).

    Diante disso, pode-se dizer que todas as teologias nasceram em locais específicos, em

    determinados contextos históricos e sob alguma influência social, religiosa, cultural, política

    e/ou econômica, ou seja, descobre-se que a realidade latino-americana não é um empecilho para

    as teologias, mas sim um ponto de partida, um terreno fértil para a elaboração de novos

    pensamentos, inclusive os teológicos. O momento de opressão, miséria, pobreza e injustiça no

    continente fez com que os teólogos percebessem que as teologias europeia e estadunidense não

    respondiam as aflições do povo sofrido da América Latina, e por esta causa se faz necessário

    demonstrar o itinerário histórico da pobreza nesse continente, para melhor entendimento sobre

    o berço das teologias focadas nesta tese.

  • 25

    1.2 (Re) Visitando a História da América Latina

    A importância de construir um pano de fundo histórico para as teologias latino- americanas,

    revisitando a história de pobreza, miséria, injustiça e consciência social revolucionária, consiste

    em demonstrar que essa realidade histórica com toda sua evolução é um campo fértil para a

    gestação de abundantes transformações sociais, ideológicas, políticas, econômicas, culturais e

    religiosas e até mesmo para a criação de novas teologias.

    1.2.1 O surgimento da pobreza massiva aparente

    Fato é que a pobreza das massas na América Latina se realizou pela exploração,

    opressão, modernização e principalmente pela explosão demográfica nas cidades. Uma e outra

    estão ligadas direta e indiretamente às influências externas e internas dos países latino-

    americanos.

    O êxodo rural – ligado aos fenômenos precedentes e tendo assumido proporções

    importantes na década de 1950 – também foi apontado com recorrência nos estudos das ciências

    humanas, assim como em documentos de planejadores, como sendo uma das causas da pobreza

    massiva na América Latina. Segundo estes, a economia urbana não estava em condições de

    acolher a grande quantidade de migrantes, fazendo com que inúmeros deles passassem por

    empobrecimento e precárias condições de vida, além de viverem em centros urbanos lotados.

    Na América Latina, os pobres sempre foram imperceptíveis. Eles estavam espalhados

    no continente devido à multicultura na agricultura voltada somente para a subsistência interna

    e muitas vezes familiar. Com a implantação da “maquinização” no campo, a multicultura foi

    transformada em monocultura visando o maior lucro que poderia atingir exportando esses

    produtos demandados pelos países ricos. Os camponeses pobres foram expulsos do campo, o

    que deu início ao êxodo rural que resultou na aglutinação de pessoas nas grandes cidades e a

    pobreza massiva se tornou aparente à sociedade e também à igreja.

    Na medida em que o ritmo da urbanização se acentuava, devido à intensificação das

    migrações internas, as populações migrantes passaram a se localizar na periferia ou nas áreas

    decadentes das grandes metrópoles, passando a ser denominadas como “população marginal”

    (KOWARICK, 1973, p.13).

    Para a CEPAL, populações marginais e “submarginais” são formadas com frequência

    nos limites dos níveis de subsistência. “Foi o preço mais notório que as grandes cidades latino-

  • 26

    americanas tiveram de pagar para conciliar as altas taxas de incrementos de sua população com

    os baixos níveis de produtividade de sua estrutura econômica” (CEPAL, 1973, p.98). A

    presença de favelas, difundidas no espaço urbano no período de 1945 a 1960 indica um

    fenômeno mais geral, a saber, “a existência de um setor maciço da população urbana em

    condições marginais dos pontos de vista econômico, social e político3”. A marginalidade

    outrora vista como uma habitação degradada e deficiente passou a ser primeiramente uma

    maneira de viver para então ser descrita como uma situação de vida, pois na marginalidade se

    encontrava um grande número de contingentes com diversos problemas, tais como: baixo nível

    de renda, educação deficitária, subemprego, desemprego, desorganização familiar e falta de

    participação social.

    Para Milton Santos (1978), os pobres não são socialmente marginais, e sim rejeitados,

    não são economicamente marginais, e sim explorados; não são politicamente marginais, e sim

    reprimidos. De acordo com tal pensamento, isso significa que o conceito de marginalidade não

    representa corretamente as massas da população da periferia e, além disso, deixa de ser

    contundente como o conceito da pobreza, que demonstra indignação e denuncia a sociedade

    dominante e opulenta. Por conseguinte, nesta tese se fará uso dos conceitos de pobre e pobreza.

    Vale ressaltar ainda que a pobreza aparente4 não era somente causada pelo êxodo rural

    e a industrialização, mas também por questões políticas, econômicas, culturais e religiosas

    defendidas pela sociedade dominante da época. O poder político empobrecia as massas

    periféricas por administrar arbitrariamente sempre em vantagem dos ricos e dos poderosos,

    fazendo amplo uso da força e da violência (MONDIN, 1980). O fator econômico estava

    marcado pela miséria e pela pobreza da maior parte da população. Os recursos econômicos

    eram controlados por uma minoria privilegiada, como alega Tavares:

    Enquanto a maior parte da população apresenta um nível de renda muito baixo, que

    praticamente a coloca à margem dos mercados monetários, as classes que gozam de

    rendimentos elevados ostentam níveis e esquemas de consumo iguais às dos grandes

    centros europeus (TAVARES, 1969, p. 152).

    Com essa afirmação, além do controle econômico, Tavares coloca também no foco a

    vontade dos opulentos da América Latina em assumir uma identidade europeia e por isso

    ostentavam sua posição. Esse foi um dos problemas da minoria abastada do continente, o de

    não querer ser latino-americano, mas almejar uma vida europeia e, assim, as indústrias e o

    3 Para essa análise, a CEPAL (1973) levantou dados sobre emprego, renda, condições habitacionais, saneamento

    básico. 4Aparente neste texto é de aparecer, algo que estava escondido que passa a ser visto.

  • 27

    comércio deveriam estar voltados para a substituição de importação com a imitação dos

    produtos importados para sustentar os prazeres dos dominantes. No ambiente cultural pôde-se

    notar a mesma dinâmica e pobreza de pensamentos, bem como a identidade e a valorização dos

    pensamentos europeus na filosofia, na arte e na literatura. Quase nada era concedido à

    originalidade das populações latino-americanas, o que não significava que a criação havia sido

    abolida das fronteiras. A desvalorização não impediu o desenvolvimento, mesmo que lento, do

    fator cultural. Outro fator a ser destacado é o conservadorismo da religião. Comblin descreve

    a situação religiosa de uma forma esclarecedora:

    Até a Grande crise de 1929, a Igreja, e as massas dos católicos que se identificam com

    ela, ficaram totalmente ligadas à ordem constituída e à tendência mais conservadora

    desta ordem. Onde existe um partido conservador, este partido é o da igreja. De 1930

    a 1968, a igreja latino-americana se afasta progressivamente e definitivamente dos

    partidos conservadores e se dedica em animar movimentos de ação indireta. Todavia,

    existem partidos conservadores e movimentos tradicionalistas formados por católicos,

    mas eles não mais podem invocar a autoridade da Igreja5 (COMBLIN, 1975, p. 140-

    141).

    Diante dos dizeres de Comblin, nota-se que a religião assumiu uma posição de apoio

    aos partidos de dominação, ou seja, a Igreja estava também do lado dos poderosos; a pobreza

    aumentava sobremaneira e os povos continuavam sendo massacrados. Porém, setores das

    comunidades cristãs mudaram de lado em um processo de validação das teologias que haveriam

    de nascer.

    Esses fatores – que geravam a pobreza massiva visível – pareciam naturais, inevitáveis

    e necessários para todas as nações latino-americanas. Dessa forma, a América Latina tornou-se

    totalmente dependente dos países europeus e norte-americanos e, por consequência, colonizável

    novamente. Por isso, pode-se dizer que a pobreza aparente – termo usado por Gustavo Gutiérrez

    – se dá quando é observado um conglomerado de pessoas sem condições de sobrevivência nas

    cidades. As consequências da pobreza no campo fazem com que o camponês busque uma forma

    de subsistência e inicia-se um êxodo rural, objetivado a instalar-se de forma digna nos centros

    urbanos com a expectativa de serem empregados nas indústrias.

    Contudo, a forma como estava construída a sociedade latino-americana possibilitava

    somente aos dominantes obterem melhorias de vida, tanto na agricultura quanto nas cidades.

    Por esses motivos, torna-se necessário um apontamento mais detalhado dos problemas que

    tornaram a pobreza aparente.

    5 Para uma história da Igreja da América Latina vide Dussel, Enrique. Caminho de Libertação latino-americana,

    São Paulo, SP, Editora Paulinas, 1984.

  • 28

    1.2.2 As causas econômicas: estrangulamento financeiro e social do povo latino-americano

    Este capítulo está centrado no pano de fundo histórico da América Latina para monstrar

    as causas da pobreza, e com isso, o nascedouro das teologias nesse continente, portanto, é

    necessária uma explicação dos pensamentos sobre modelos de sistemas econômicos vigentes

    da época, ainda que de forma concisa, a fim de traçar um breve panorama acerca de algumas

    características dos pensamentos que sustentaram a exploração e a opressão do povo latino-

    americano.

    1.2.2.1 Industrialização

    Tendo em vista a grande proporção da Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), os países

    industrializados da época deixaram de exportar aos países da América Latina um volume

    considerável. Frente a essa insuficiência de produtos industrializados, algumas nações do

    continente iniciaram a fabricação de vários produtos para suprir o abastecimento do mercado

    interno.

    A Crise de 1929 – chamada de Grande Depressão – foi outro fator que incentivou o

    processo de industrialização da América Latina. Com a queda da bolsa de Nova Iorque, os

    Estados Unidos reduziram, não pagaram e cortaram as compras de produtos agrícolas e

    matérias-primas. Com menos dinheiro, os países latino-americanos deixaram de investir,

    gerando desemprego e miséria e o surgimento, em quase todo o continente, de indústrias

    nacionais para a fabricação de seus produtos.

    Com o término da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), os grandes grupos

    empresariais oriundos de países industrializados da Europa, como os Estados Unidos e o Japão,

    buscaram uma nova forma de expansão comercial com a dispersão de empresas multinacionais

    em direção aos países da América Latina e outras regiões do mundo. A industrialização operava

    como uma nova via de incorporação histórica equivalente àquela que libertou os povos latino-

    americanos da dependência ibérica para submetê-los à inglesa e depois à americana (RIBEIRO,

    1978). Santos coloca na modernização um fator importante para se entender a industrialização

    e para compreender a modernização e a pobreza no campo e na cidade. O investimento de

    substituição das importações, necessário à modernização tecnológica, desloca de suas

    atividades uma boa parte daqueles que ali aplicavam capital ou trabalho.

  • 29

    De acordo com a fórmula sugerida por Singer, a criação de empregos resulta no

    crescimento do desemprego. Isso não é um jogo de palavras. Com efeito, onde antes

    dois, três, ou às vezes uma dúzia de trabalhadores dividiam o trabalho, agora basta um

    trabalhador. E frequentemente esse novo cargo não caberá a nenhum daqueles que

    antes desempenhavam as atividades tradicionais originais (SANTOS, 1978, p.42).

    Essa forma de modernização no campo, que substituía a mão de obra pela máquina,

    além de aumentar o desemprego e a miséria nos países, requeria um trabalho especializado, isto

    é, realizado por técnicos (que eram escassos no continente). O desenvolvimento tecnológico no

    campo obrigou os camponeses, minifundiários analfabetos e pobres a deixarem suas terras e

    procurarem outras formas de subsistência, logo, iniciou-se a busca de empregos fazendo com

    que os mesmos tivessem que migrar em massa para as cidades industrializadas tornando o

    êxodo rural uma realidade.

    Vale ressaltar também o crescimento da produção industrial da América Latina sob o

    efeito da economia de guerra, fator que favoreceu o processo de substituição das importações

    de produtos manufaturados por produções nacionais, sobretudo na esfera de bens de consumo

    (LOBO, 1970). Porém, essa industrialização não modificou substancialmente a situação, visto

    que a produção de bens de consumo sempre foi voltada à elite dominante. Essa afirmação leva

    a pensar na exclusão do pobre, que não podia adquirir os produtos que os ricos tinham acesso.

    A multidão de pobres trabalhava para satisfazer a minoria dominante. Além de concordar com

    as afirmações acima, Darcy Ribeiro acrescenta a intenção da chamada para a América Latina a

    participar da Revolução Industrial, consolidando a pobreza e a dominação dos países centrais e

    das elites internas.

    Mas é também a via pela qual essas sociedades foram chamadas para participar da

    Revolução Industrial: a atualização histórica, imposta pelo efeito constritor da

    estrutura social gerida pelos agentes externos de dominação e pelas camadas

    privilegiadas internas, obstinadas a perpertuar-se, seja pela preservação de modo

    primitivo de ordenação social, seja pela transmudação condicionada à manutenção da

    ordem global (RIBEIRO, 2007, p.40).

    Ao revelar as intenções das nações centrais e das elites latinas, também ficou evidente a

    maneira como as sociedades se organizavam, de uma forma estrutural para a dominação e

    subordinação da massa pobre ao ponto de estabilizar a sociedade por um longo período. A

    ênfase na industrialização, na maioria dos países, trouxe como consequência o descuido da

    agricultura, transferindo para as grandes cidades contingentes populacionais para serem

    empregados num setor industrial de futuro precário, fator que comprometeu formas de produção

    tradicionais.

  • 30

    1.2.2.2 Êxodo Rural: a esperança de uma vida melhor

    O êxodo rural é um fator fundamental para compreender o deslocamento da população

    nos centros urbanos e quais os desdobramentos desse fenômeno na sociedade. O campo estava

    se “tecnologizando”, a multicultura passava a se transformar em grandes monoculturas, os

    minifúndios se aglutinaram em grandes latifúndios pela exigência da exportação de grãos. Isso

    fez com que a produção agrícola para exportação, e a grande agroindústria se modernizassem e

    crescessem; porém, o mesmo não aconteceu com a produção de alimentos para o abastecimento

    interno, os quais vieram, em grande parte, dos pequenos e médios agricultores (OLINGER,

    1991). Isso fez com que a modernização da agricultura favorecesse apenas a indústria e o

    comércio urbano, mas não a massa dos agricultores, principalmente os pequenos produtores,

    que compunha a expressiva maioria da população rural. A modernização agrícola acelerou a

    pobreza no campo fazendo com que os camponeses fossem centrifugados ou expulsos, como

    afirma Santos:

    A agricultura também se moderniza: industrializando-se, expulsa sua população. Isso

    explica o êxodo rural e a chamada urbanização terciária. Uma alta percentagem da

    população fica sem atividade e sem salário permanente, o que por sua vez resulta na

    deterioração do mercado de trabalho (SANTOS, 1978, p. 45).

    O único caminho possível para os pequenos agricultores eram os centros urbanos, pois

    o desemprego estrutural era fruto do lento crescimento da produção agroexportadora que não

    conseguia absorver a rápida expansão demográfica (SUNG, 1994). Os migrantes analfabetos e

    sem conhecimento tecnológico não eram admitidos pelas indústrias e acabavam se instalando

    na periferia das cidades. Por isso, Samuel Escobar declara que essa população era quase

    invisível no passado. ‘Essa nova visibilidade daqueles que antes estavam ausentes foi chamada

    por Gustavo Gutiérrez de “surgimento dos pobres”, que estão se tornando os novos atores dos

    processos históricos’ (ESCOBAR, 1997, p. 16). Nesse texto de Escobar, nota-se a preocupação

    dos teólogos das duas vertentes teológicas da América Latina: Escobar da TMI ao citar Gustavo

    Gutiérrez da TdL. Essa afirmação não é somente uma citação, mas a mesma inquietação vinda

    da população pobre do continente.

    O êxodo rural aconteceu, conforme as citações mencionadas anteriormente, por conta

    do desenvolvimento tecnológico, mas não se pode afirmar que esse foi o único motivo que

    levou o camponês a deixar seu trabalho. Além disso, o modelo urbano/industrial concentrador

    dos recursos humanos, financeiros e das decisões político-administrativas nas grandes cidades,

  • 31

    o elevado índice de crescimento demográfico e as políticas agrárias adotadas pela maioria dos

    governos da região, seguramente foram os principais responsáveis pela migração do campo

    para as cidades (OLINGER, 1991).

    Como se pode verificar, as opiniões encontradas na literatura sobre as causas e

    consequências do êxodo rural geralmente são complexas e variam conforme o ponto de vista

    ou ideologia dos investigadores que as estudaram, uns afirmam que os agricultores são

    deliberadamente expulsos do campo pelo poder econômico que necessita de uma mão de obra

    barata para os setores secundário e terciário da economia nas cidades, outros sustentam ser a

    fuga do campo uma decisão dos agricultores na busca de uma vida melhor nos centros urbanos

    (OLINGER, 1991).

    Não obstante, a grande diversidade das causas e consequências do êxodo rural, é comum

    para todos os países, assim, este trabalho considerará os mais relevantes. O sociólogo e cientista

    político brasileiro Gláucio Ary Dillon Soares, em seu livro A questão Agrária na América

    Latina, apresenta algumas das causas significativas que levaram as pessoas a entrarem nesse

    êxodo e coloca algumas consequências sociais citando a qualidade de vida do camponês. A

    primeira delas é a miséria e a pobreza. Ele diz: “Embora seja exagerado que todos os

    trabalhadores sem terra e minifundiários são miseráveis, sem dúvida a grande maioria vivia no

    nível de subsistência ou abaixo dele” (SOARES, 1976, p.148). A segunda consequência é a

    desnutrição: a discussão sobre as causas da desnutrição se concentrava ao redor de duas

    posições básicas:

    A – a que atribui a desnutrição fundamentalmente a fatores estruturais,

    particularmente ao subdesenvolvimento, à má distribuição de renda e da terra e às

    desumanas relações de trabalho; B – a que atribui a desnutrição a fatores educacionais

    e culturais. A primeira posição afirma que a única solução para melhorar

    substancialmente o nível nutricional da maior parte da população rural latino-

    americana é uma transformação substancial na estrutura de propriedade da terra e nas

    relações de trabalho, ao passo que a segunda se inclina mais para programas

    educativos e de treinamento, a par de certas medidas assistenciais (SOARES,

    1976, p. 157).

    A terceira consequência é a mortalidade. A morte é um corolário inevitável da miséria

    e da subnutrição. As taxas de mortalidade nas zonas rurais da América Latina foram muito altas

    aos níveis internacionais e Soares expõe da seguinte forma:

    Há uma quantidade satisfatória de dados confiáveis que demonstram duas coisas:

    primeiro, que as taxas de mortalidade rural na América Latina são muito altas, por

    padrões internacionais; segundo, que as taxas de mortalidade rural são muito mais

    altas do que as urbanas. Não há informação sistemática sobre os diferenciais de

  • 32

    mortalidade nas zonas rurais por classes sociais ou categorias ocupacionais, mas tudo

    indica que eles sejam muito altos (SOARES, 1976, p. 162).

    A quarta consequência é a condição habitacional que se refletia na falta de saneamento

    básico, energia elétrica, água potável e, com isso, expressava-se em pobreza rural, pois as

    pessoas não tinham acesso às condições básicas de sobrevivência. Soares chega a algumas

    conclusões:

    a- A grande maioria das populações rurais latino-americanas vive em habitações

    miseráveis, destituídas de conforto mais elementares da vida moderna; b- as exceções

    são poucas e devem-se, sobretudo, a medidas individuais, por parte de proprietários

    de terras com capacidade econômica para financiar esses serviços; c- o nível absoluto

    da qualidade das habitações rurais não se elevou, praticamente, em duas décadas, entre

    1950 e 1970; d- as diferenças no nível de conforto doméstico entre as zonas urbanas

    e as rurais são gritantes, sugerindo que os esforços dos países latino-americanos no

    sentido de melhorar o seu nível sanitário e habitacional se limitaram às zonas rurais

    (SOARES, 1976, p. 166).

    A quinta consequência é a alfabetização e a educação. Nas zonas rurais, o analfabetismo

    era algo corriqueiro, porque o investimento dos governos em alfabetizar os camponeses era

    menor que nas zonas urbanas. Também existiam duas posições que permitiam o analfabetismo

    no campo, a primeira era a elaboração das elites para manter os campesinos em condições de

    sujeição; a segunda era a decisão por parte do camponês de ser analfabeto (SOARES, 1976). O

    resultado dessas posições permitia que a próxima geração, ou os filhos dos camponeses,

    continuassem no campo permanecendo analfabetos, isso fazia com que eles não fossem

    selecionados para outras ocupações mais lucrativas e menos estafantes. Assim, as elites podiam

    continuar sendo opressoras e exploradoras.

    A luz no fim do túnel para os camponeses conquistarem sua liberdade e dignidade era a

    possibilidade de uma posição nos centros urbanos, que estavam crescendo em virtude da

    industrialização. Grande parte das questões que envolveu a situação social e econômica na

    América Latina foi graças a esse rápido crescimento populacional nas cidades, entre 1930 e

    1990, a população latino-americana quadruplicou, passou de 110 milhões para quase 450

    milhões de pessoas. Pode-se tomar o Brasil como exemplo desse processo de urbanização.

    Segundo o Censo 2000 do IBGE, o Brasil tinha quase 170 milhões de habitantes, o que

    corresponde a uma população dez vezes maior do que a existência no país em 1900. No ano

    2000, já se contava com 81,2% da população morando em áreas urbanas e 18,8% vivendo em

    áreas rurais (COMBLIN, 1999).

    Como declara Milton Santos (1978, p. 35): “Aqui reencontramos a polêmica sobre o

    papel da urbanização. De um lado, há aqueles que acreditaram que a cidade representava uma

  • 33

    esperança de abolição da pobreza em massa”. Todavia, pode-se dizer que as grandes mudanças

    ocorridas em virtude da urbanização, além de trazerem benefícios, acarretaram também

    algumas dificuldades para o homem, fatores próprios do crescimento desordenado a que seus

    habitantes foram submetidos, tais como: concentração excessiva de pessoas, desigualdades

    sociais, problemas de habitação, favelas, falta de saneamento básico, adversidades na área da

    saúde etc. Basicamente a pobreza deslocou-se, instalou-se, e tornou-se cada vez mais aparente

    e mais violenta na cidade.

    1.2.2.3 Desenvolvimento e Subdesenvolvimento

    Os pensamentos econômicos sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento permearam

    a época do nascedouro das teologias latino-americanas. Além disso, com esses conceitos o

    mundo foi dividido entre as nações ricas desenvolvidas e as subdesenvolvidas e pobres,

    caracterizadas como: Primeiro mundistas, as nações capitalistas industrializadas e

    consequentemente desenvolvidas; segundo mundistas, as nações socialistas; e terceiro

    mundistas, as nações dependentes e subdesenvolvidas. Nessas classificações pode-se notar um

    teor de desprezo e rebaixamento das nações pobres em relação às ricas e uma demonstração de

    falta de esperança para os países de terceiro mundo serem um dia, com a proposta de

    desenvolvimento, primeiro mundo. Isso significou a posição de inferioridade desse continente

    e com isso a pobreza se perpetuava na América Latina (SANTOS, 1978).

    Existe uma corrente de estudiosos que defende a ideia de que os países

    subdesenvolvidos podem tornar-se desenvolvidos, pois para eles o subdesenvolvimento é um

    estágio anterior ao desenvolvimento. A teoria do desenvolvimento tem como ponto central e

    eixo o pensar desse desenvolvimento como um processo linear; o que equivale afirmar que se

    uma nação seguisse os passos e o caminho tomado pelas nações industrializadas o êxito seria

    garantido e seria apenas uma questão de tempo. Essa teoria é cronológica de um simples atraso

    social dos países subdesenvolvidos. O caminho do desenvolvimento seria comprovado. Para os

    teóricos desenvolvimentistas de processo linear, essa comprovação foi estudada no processo do

    Japão, do Canadá, da Australia, da Inglaterra e dos EUA6.

    Sung descreve a primeira versão da ideologia desenvolvimentista da teoria das

    vantagens comparativas, associada a de livre comércio, por meio do estudo de Paul Samuelson,

    6 HIGGINS, G., Economics development: Principles, Problems and Policies, New York, EUA, Norton Publishers,

    New York, 1959. Apresenta-se aqui uma síntese das teorias que concebem o desenvolvimento como uma sucessão

    de etapas.

  • 34

    Segundo ele, o livre comércio e a especialização dos países naquelas atividades para

    quais demonstrassem vocação “natural” conduziriam à difusão do progresso técnico

    e do desenvolvimento para todos os países. Isto é, se os países atrasados se

    especializassem nos produtos primários e os avançados em produtos industrializados,

    os países atrasados acabariam levando vantagem nas relações de comércio porque

    absorveriam sob a forma de queda, nos preços de exportação das mercadorias

    industrializadas. A baixa produtividade dos países atrasados continuaria mantendo

    altos os preços dos produtos primários, gerando uma transferência de renda dos países

    avançados para os atrasados (SUNG, 1994, p. 17).

    O subdesenvolvimento é um termo elaborado pós Segunda Guerra Mundial para definir

    a situação econômica e social dos países pobres. Esse termo é, portanto, apontado para

    classificar os territórios nacionais que dispõem de níveis de desenvolvimento econômico

    limitado, com baixo índice de qualidade de vida, de consumo de produtividade, com elevadas

    taxas de miséria e concentração de renda. Para Paulo Fernado Carneiro de Andrade, o

    pensamento desenvolvimentista se inicia sob o governo de Kennedy, fundando uma associação

    com os Estados Unidos para todos os países latino-americanos, com excessão de Cuba,

    denominada “Aliança para o Progresso”, com objetivo de, no decênio de 1961 a 1971, acelerar

    o desenvolvimento econômico e social latino-americano e conservar a posição hegemônica

    norte-americana.

    No início do programa, a ajuda do capital externo era estimada em vinte milhões de

    dólares para o decênio. Os Estados Unidos contribuiriam com a metade deste capital,

    sendo o restante proveniente de agências de financiamneto internacional e de fontes

    privadas. Obviamente este programa levava inevitavelmente a uma

    internacionalização do capital investido na América Latina, bem como a um

    crescimento da hegemonia norte-americana (ANDRADE, 1991, p. 22 e 23).

    Apesar do discurso de auxílio humanitário na proposta de desenvolvimento para a

    América Latina, o objetivo principal era garantir que o avanço soviético fosse contido, além de

    proporcionar uma abertura ao investimento das empresas de capital estadunidense nos países

    latino-americanos. No contexto da Guerra Fria e da Revolução Cubana, a Aliança para o

    Progresso era a grande cartada dos EUA para propagandear os ideais econômicos e culturais do

    capitalismo ocidental.

    O desenvolvimento proposto para os países latino-americanos no período pós-guerra

    obteve ampla repercussão no continente no final da década de 1960 e começo da década de

    1970. Nessa época, por uma série de episódios históricos vivenciados naqueles países, ficou

    evidente que o desenvolvimento econômico deles não se daria de maneira linear e gradual, e

    que também não atingiriam o desenvolvimento apenas pela ação do livre-mercado, proposto

  • 35

    pela teoria da vantagem comparativa, em um momento futuro. O padrão de vida e o parque

    industrial propostos pelos países europeus e norte-americanos não se dariam por etapas

    históricas sucessivas. Porém, era o caminho exigido para os países latino-americanos para que

    os resultados almejados pudessem ser alcançados.

    Para Ribeiro, o subdesenvolvimento não pode ser explicado como uma polaridade de

    contraste interativos,

    [...] como pretendem os teóricos dualistas. Nem como uma crise de transição entre

    feudalismo e o capitalismo que afeta uniformemente a todos os povos imersos nesse

    estágio de evolução, como quer o marxismo dogmático. O subdesenvolvimento é, na

    verdade, o resultado de processo de atualização histórica só explicável pela

    dominação externa e pelo papel construtor das classes dominantes internas, que

    deformam o próprio processo de renovação transformando-o de uma crise evolutiva

    num trauma paralisador (RIBEIRO, 2007, p. 41).

    Celso Furtado criticou essa ideologia desenvolvimentista com a denominação de “mito”

    do desenvolvimento. Segundo ele, esse “mito” prometia eliminar a relação de exploração e

    domínio que os países ricos tinham sobre os países do chamado Terceiro Mundo, através de

    cooperação e de assistência. Aos países ricos caberia a tarefa de ajudar os países pobres a saírem

    do subdesenvolvimento, fornecendo uma contribuição de capitais e de técnicas com o objetivo

    de incrementar a produção das indústrias locais e de promover o crescimento da agricultura. No

    entanto, esse “mito” não passou de mais uma forma de ideologia para manter e justificar a

    exploração dos países pobres. Para Gustavo Gutiérrez,

    Desenvolvimentismo passou assim a ser sinônimo de reformismo e modernização.

    Quer dizer, medidas tímidas, ineficazes a longo prazo, quando não falsas e finalmente

    contraproducentes, para alcançar uma verdadeira transformação. Os países pobres

    tomam consciência cada vez mais clara de que seu subdesenvolvimento não é mais

    que subproduto do desenvolvimento de outros países, devido ao tipo de relação que

    mantêm atualmente com eles. Portanto, seu próprio desenvolvimento não se fará

    senão lutando por romper a dominação exercida sobre eles pelos países ricos

    (GUTIÉRREZ, 1975, p. 33).

    Com essa estratégia do desenvolvimentismo, os países latino-americanos continuavam

    colonizados pelos países ricos e a pobreza continuava sendo fruto das dinâmicas enriquecedoras

    dos opressores. Conforme Dussel, esse modelo não desenvolvia os países, pelo contrário,

    subjulgava os operários na continuação da pobreza e enriquecia as multinacionais:

    Mas este modelo desenvolvimentista não só não desevolve o país, não só o entrega a

    uma burguesia gerencial multinacional, como tampouco pode distribuir

    proporcionalmente os ganhos, pela classe operária através de salários convenientes,

  • 36

    porque neste caso diminuiria a taxa de lucro das multinacionais nascentes (DUSSEL,

    1984, p. 81).

    Para Darcy Ribeiro (1978), esse projeto de desenvolvimentismo foi elaborado para

    conformar povos dependentes como não existindo para si, e para atender às condições de vida

    e de prosperidade de outros países desenvolvidos que necessitam explorar os mais pobres.

    Para Theotônio dos Santos (1960), a história das economias e sociedades dependentes

    se divide entre as pressões para se ajustar a essas demandas e as tent