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PARADOXO DOS GÊMEOS Introdução
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Núcleo de Pesquisa em Inovações Curriculares
Paradoxo dos Gêmeos 2013
Agradecimentos
Financiado pela
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PARADOXO DOS GÊMEOS
INTRODUÇÃO AO CURSO
Neste curso propomos alguns passos para professores que desejem inovar ou desenvolver práticas
destinadas ao ensino de relatividade restrita a alunos de ensino médio. Desse modo, temos como grande
desafio e objetivo a compreensão do não absolutismo do tempo e a existência do intervalo relativístico como
um invariante por mudança de referenciais. O tema escolhido é o conhecido paradoxo dos gêmeos e a
abordagem de alguns conceitos centrais da relatividade é feita de forma vinculada a pesquisas sobre inserção
de física moderna no ensino médio. A construção e validação das atividades têm sido feita por professores e
pesquisadores com base em dados obtidos de ambientes reais de aplicação. Um curso piloto foi aplicado em
2011 por professores regulares em classes de ensino médio de escolas públicas na cidade de São Paulo. Em
2012 professores alemães e brasileiros aplicaram o curso em suas turmas. Tais aplicações melhoraram a
organização dos assuntos e instruções permitindo a construção da primeira versão completa que
apresentamos aqui.
VISÃO GERAL DO CURSO
A teoria da relatividade tem origem num conjunto de experiências, deduções e interpretações que no
final do século XIX e início do século XX provocaram uma revolução no cenário científico. Podemos ter uma
leve impressão sobre a visão científica da época que antecede a formulação do pensamento relativístico
promovido por Einstein quando lemos algumas das observações feitas por Lorentz em 1901:
“O mundo físico consiste de três coisas separadas, três tipos de
materiais fundamentais: primeiro, a matéria ordinária tangível; segundo,
os elétrons; terceiro o éter...
Em relação ao éter – o suporte da luz que preenche o universo inteiro -
... desde que temos aprendido a considerá-lo como transmissor não só
dos fenômenos óticos, mas também dos eletromagnéticos, o problema
da sua natureza tornou-se mais premente do que nunca...”
” - Lorentz (1902).
A comunidade científica pré-relativística estava especialmente preocupada com a natureza do éter e o
fenômeno de propagação da luz, pois a manipulação da teoria eletromagnética de Maxwell proporcionava um
valor constante para a velocidade da luz no vácuo, o que confirmava teoricamente, aos olhos da época, a
existência do éter. Diversos experimentos precisos como o de Michelson e Morley em 1887 foram
desenvolvidos para detectar e caracterizá-lo, mas todos utilizavam, naturalmente, as teorias do paradigma
clássico para descrever os estranhos resultados que obtinham: curiosamente a velocidade da luz parecia não
se alterar com o movimento do observador relativo ao éter. Com a finalidade de explicar tais resultados,
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FitzGerald, Lorentz e Poincaré desenvolveram na época uma explicação matematicamente aceitável e
compatível com as equações de Maxwell – as transformações de Lorentz1.
Nesse contexto científico, Einstein apresentou sua teoria da Relatividade Restrita: uma estrutura que
matematicamente convergia para as transformações apresentadas por Lorentz, mas que proporia uma
revolução nos conceitos mais profundos do paradigma newtoniano. A teoria da Relatividade Geral veio
posteriormente expandindo a cinemática relativística, limitada a explicações sem acelerações, para a dinâmica
relativística. Com base na nova teoria que contemplava referenciais não inerciais descritos em espaço curvo,
os cientistas compreenderam fenômenos até então obscuros como os desvios dos valores clássicos do periélio
de Mercúrio e previram a existência de objetos jamais observados até então como buracos negros. Após
extensa articulação do paradigma relativístico, a comunidade científica passou a compreender o universo físico
de modo bem diferente do qual era compreendido no século XIX e do qual nós compreendemos naturalmente
no nosso dia a dia. É esse universo estruturado por conceitos no espaço-tempo que consideramos importante
que o aluno tenha conhecimento.
Mas isso não é tão simples de ser feito. Devemos ter em mente que o conhecimento aprendido sobre
relatividade é uma estrutura multidimensional que conecta de diversas formas seus conceitos com relações
matemáticas. Por exemplo, o conceito de luz tem estreita conexão com os conceitos de tempo e espaço por
meio das transformações de Lorentz, os quais possuem conexão com o conceito de energia e momento
relativísticos quando consideramos o conceito de inércia, e por aí vai. Quando estamos em um contexto de
aprendizado é impossível compreender toda essa estrutura por um viés multidimensional e matematicamente
estruturado. De fato existe um desafio aos professores que precisam transformar esse conhecimento numa
linha temporal didatizada de modo a fazer com que os alunos transcendam a linearidade inerente ao processo
de aprendizado em direção à compreensão da estrutura teórica à qual está se envolvendo, assim como sua
relação com a realidade.
Este curso propõe os primeiros passos rumo à compreensão dos conceitos relativísticos. Ele procura
tratar a diferenciação do tempo existente em diferentes referenciais promovendo o contato entre o mundo real
e o mundo abstrato por meio de experiências de pensamento e discussões. Nossa escolha como porta de
entrada ou recorte foi a relatividade do tempo e esta versão da sequência de ensino-aprendizagem é composta
por 8 atividades que podem ser estendidas ou comprimidas dependendo da relação didática existente.
As três primeiras atividades procuram indicar ao aluno sobre a parte do seu mundo que será tratada
durante o curso. Iniciamos nossa proposta sondando o significado de tempo físico por meio de uma discussão
em torno de uma notícia fictícia sobre gêmeos com idades diferentes. A importância desta atividade introdutória
vem do fato de os alunos não possuírem clara distinção entre as diferentes concepções de tempo que eles
mesmos possuem. A segunda atividade procura trazer o primeiro contato sobre como a diferenciação temporal
ocorre na realidade. Ela trata da ordem de grandeza na relação existente entre velocidade e diferenciação
temporal mostrando o porquê não podemos perceber diferenciações temporais no cotidiano. A terceira
atividade mostra de modo simplificado a diferença entre a relatividade newtoniana e a relatividade einsteiniana
contrapondo alguns dos conceitos centrais que as sustentam.
1 Assim como as transformações de Galileu são equações para mudança de referencial no paradigma clássico, as transformações de Lorentz são equações que permitem a mudança de referencial no paradigma relativístico uma vez que preservam de forma coerente a constância da velocidade da luz em todo referencial inercial.
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Atividades e estimativa de tempo baseadas em aplicações reais.
Atividades Extraclasse
Tempo estimado
(1 aula = 50min)
Atividade 1: O tempo em diferentes concepções
Aproximadamente 1 aula
Atividade 2: Diferenciação em
relógios
Entre 1 aula e 1,5 aulas
Atividade 3: Entrevista com Einstein e Newton
Entre 1 aula e 1,5 aulas
Atividade 4: Relógio de luz Entre 1 aula e 1,5 aulas
Distribuição de tarefas: filmes e
seminários
Aproximadamente 1 aula
Atividade 5: Diferenciação temporal Entre 1 aula e 1,5 aulas
Atividade 6: Referencial paradoxal Aproximadamente 1 aula
Atividade 7: Caminhoneiros relativísticos
Aproximadamente 1 aula
Atividade 8: Viagem no espaço-
tempo
Entre 1 aula e 1,5 aulas
Avaliação final: Apresentação de seminários
Entre 1 aula e 1,5 aulas
Total estimado Entre 10 e 13 aulas
Observe na tabela as sugestões de solicitação e entrega das atividades extraclasse para os alunos na coluna central.
Após esse movimento de delimitação do universo de estudo, o curso parte para um movimento de
abstração. A atividade 4 desenvolve um experimento de pensamento para se estudar como a constância da
velocidade da luz produz a ideia de que o tempo é relativo entre dois referenciais. É importante notar que
nesse ponto a noção de referencial começa a ser construída e espera-se que sua compreensão e necessidade
surjam naturalmente ao longo das atividades 4, 5 e 6. A aula seguinte à atividade 4 trata-se de uma distribuição
de tarefas a serem feitas pelos alunos. Cada grupo de alunos deverá executar duas tarefas: a primeira será a
produção de um vídeo que será utilizado na atividade 6; a segunda será a produção de um seminário que será
apresentado ao final do curso como forma de avaliação (Não deixe de olhar o texto “Distribuição de Tarefas
após ATV4” presente na pasta Avaliação e Distribuição de tarefas). A atividade 5 segue em direção à
matematização que estrutura o pensamento físico sobre o fenômeno e procura pontuar o significado de
detalhes importantes para a compreensão desta nova forma de pensar o tempo. Grande destaque deve ser
dado à noção de referencial próprio, pois ele naturalmente gera a errônea impressão de que existe um
referencial fisicamente privilegiado, quando na verdade se trata de um referencial mais fácil de tratar
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matematicamente. A atividade 6 possui um caráter introdutório convidando o aluno a olhar o núcleo do
paradoxo dos gêmeos com base na falsa simetria existente entre os referenciais dos gêmeos. As atividades
seguintes são importantíssimas na retificação desse olhar.
O objetivo da atividade 7, 8 é trabalhar a representação e a interpretação gráfica dos fenômenos
relativísticos em diagramas de espaço-tempo. A atividade 7 trabalha os aspectos relacionados às unidades
utilizadas nos eixos do diagrama espaço-tempo. O significado de intervalo relativístico como um absoluto para
qualquer referencial é estruturado utilizando-se álgebra ao final desta atividade. Finalmente a atividade 8
objetiva unir a representação geométrica às interpretações algébricas para a solução final do paradoxo dos
gêmeos. A ideia é mostrar graficamente que a situação de separação e reencontro dos gêmeos após uma
viajem espacial não é de fato simétrica porque o gêmeo que viaja percorre dois intervalos relativísticos em
referenciais distintos enquanto o gêmeo que fica na Terra percorre apenas um intervalo relativístico justamente
por nunca mudar de referencial.
Existe uma tênue e abrangente lição que permeia todo curso. Tal lição está intimamente relacionada ao
que consideramos realmente absoluto no universo. Naturalmente vivemos submetidos a leis naturais que
guiam nossa percepção sobre mundo como, por exemplo, a absoluta crença de que o tempo é imutável sob
qualquer perspectiva. Adentrar nos estudos sobre relatividade pelo caminho proposto neste curso permite aos
estudantes perceberem que o tempo tido como grande “sincronizador” de tudo o que ocorre à nossa volta é, na
verdade, fruto de uma percepção limitada do homem sobre a natureza: estranhamente o tempo depende da
forma com que é observado.
Mas o que fazer? Como devemos então nos situar temporalmente no universo? Quando é que as
coisas efetivamente ocorrem se o período de tempo entre o nascer e o morrer podem ser diferente
dependendo de como isso observado? A resposta a essa questão está na adoção de um novo e mais
“poderoso” conceito absoluto constituído pela imbricada relação entre espaço e tempo matematicamente
representada pelo que chamamos de intervalo relativístico. Entretanto a noção de como é o universo se
modifica quando consideramos essa relação entre o espaço e o tempo. Somos levados a compreendê-lo pela
união do espaço e do tempo numa forma quadridimensional onde a “duração” e o “tamanho” passam a ter
relações com a velocidade relativa entre os objetos e quem os observa.
A estrutura geral do curso é composta por 3 grandes dimensões:
1ª DIMENSÃO - DIAGRAMA DE FLUXO
O fluxo é a dimensão relacionada com a conexão interna dos assuntos apresentados durante o curso.
Ele é o aspecto mais positivo da sequência didática por ser responsável pela sensação de que cada atividade é
parte de um todo. O fluxo do curso é representado em forma de blocos pelo diagrama de fluxo onde a
sequência de ideias ou impressões é cronologicamente encadeada – veja adiante. As caixas representam a
“moral da história” esperada após cada atividade; os octógonos são conectores em forma de questões que
podem ser implicitamente ou explicitamente apresentadas durante o curso para que os alunos criem uma
expectativa coerente com a atividade seguinte à aplicada.
É muito importante que os professores conheçam e usem o diagrama de fluxo como um guia quando,
antes ou durante a aplicação, necessitarem modificar ou adaptar o curso, pois ele carrega consigo a coerência
originalmente planejada. Para os alunos, o fluxo pode ser apresentado explicitamente (exceto para situações
de pesquisa).
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2º DIMENSÃO – OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Os objetivos específicos relacionam-se com o conjunto de objetivos e práticas de ensino de cada
atividade. Este conjunto está mais próximo do trabalho que o professor faz durante o preparo da aula e sua
aplicação. Neste ponto é necessário que haja uma negociação entre a autonomia que o professor possui para
a modificação do material e os objetivos específicos originais do material.
Nesta sequência de ensino aprendizagem, a autonomia do professor está garantida no tipo de
metodologia empregada, na suplementação dos materiais utilizados e nos tempos empregados. Todos os
objetivos específicos são acompanhados de sugestões sobre práticas de aplicação. Caso o professor deseje
alterar o objetivo específico de algum material, entendemos que um bom equilíbrio ocorrerá se os novos
objetivos forem desenvolvidos segundo o diagrama de fluxo do curso.
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3º DIMENSÃO – INFORMAÇÕES VINDAS DAS AULAS
Esta dimensão está mais relacionada aos instrumentos de avaliação utilizados durante o curso, eles
são quatro instrumentos:
Avaliação local – Esta avaliação é composta por uma ficha contendo uma ou duas questões abertas a
serem respondidas nos 5 minutos finais de cada atividade (não a cada aula). Sugerimos ao professor
que não ajude os alunos nessa tarefa e que não a deixe como tarefa para casa. Trata-se de um
pequeno desafio que exige uma pequena síntese individual articulando a “moral da história” presente
no fluxo referente à atividade. Na perspectiva do professor, a função desta avaliação é acessar
informações rápidas e constantes sobre a interpretação dos alunos quanto aos objetivos centrais da
atividade que foi feita. O professor também pode utilizá-la como feedback de sua própria atuação com
relação aos objetivos originalmente indicados.
Avaliação intermediária – Esta avaliação tradicional é opcional. Trata-se de um pequeno conjunto que
conta com questões fechadas, abertas e alternativas relativas às atividades 1 – 6 (sugerimos que seja
aplicada após a atividade 6). O professor pode aplicá-la em classe individualmente, respondendo-a em
forma de discussão coletiva ou como trabalho para casa. É importante notar que o tempo destinado a
esta avaliação não é contabilizado na tabela acima. Assim, é importante que o professor fique atento
para o tempo disponível para o curso.
Apresentação de seminário – A avaliação final deste curso se dá em forma de seminários cujos
temas são relacionados a cada atividade compondo um mosaico que expande e complementa o curso.
Esta avaliação pode promover interações e discussões que permitem ao professor identificar
concepções alternativas às científicas e complementar explicações sobre os conceitos já
apresentados.
É importante salientar que o curso é uma produção coletiva e está em fase de experimentação. A
participação de professores inovadores que aceitem o desafio de mudarem suas práticas em busca de algum
tipo de superação pessoal ou na sala de aula é fundamental para que este projeto amadureça e avance mais
em direção a novos alunos e em direção a outros colegas professores.