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ISSN: 1517-9257 Papéis : rev. Letras Campo Grande, MS v. 6 n. 12 p. 1-46 jul./dez. 2002

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ISSN: 1517-9257

Papéis : rev. Letras Campo Grande, MS v. 6 n. 12 p. 1-46 jul./dez. 2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL DEMATO GROSSO DO SUL

ReitorManoel Catarino Paes - Peró

Vice-ReitorMauro Polizer

CÂMARA EDITORIALAlda Maria Quadros do CoutoAna Maria Souza Lima Fargoni

Dercir Pedro de OliveiraJosé Batista de Sales

Maria Adélia MenegazzoPaulo Sérgio Nolasco dos SantosRita Maria Baltar Van Der Laan

Ronaldo AssunçãoVânia Maria Lescano Guerra

Ficha Catalográfica preparada pelaCoordenadoria de Biblioteca Central/UFMS

Papéis : rev. Letras / Universidade Federal de MatoGrosso do Sul. – v. 1, n. 1 (1997)- . CampoGrande, MS : A Universidade, 1997- .v. : il. ; 27 cm.

Semestral.Numeração de vols. irregular: v. 5 omitidoISSN 1517-9257

1. Literatura - Periódicos. I. Universidade Federalde Mato Grosso do Sul.

CDD-805

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APRESENTAÇÃO

O 12º número da Revista de Letras da UFMS, Papéis, que ora apresentamos aos leitores,procura dar conta da diversidade das pesquisas na área de Letras, bem como procuraestabelecer intercâmbio com pesquisadores de outras Instituições de Ensino Superior.

No artigo O professor que temos é o professor que queremos?, Gláucia MunizProença Lara (Ufms) apresenta uma reflexão em torno das propostas apresentadaspelos PCNs, no final dos anos 90, e o descompasso em relação à formação dosprofessores que, segundo a autora, não se valeu ainda dos recursos da Lingüística comoconhecimento fundamental para o ensino da língua. O ritual da sala de aula de línguamaterna, de Vânia Maria Lescano Guerra (Ufms/Cptl), discute, a partir da análise dodiscurso, a legitimação do saber na sala de aula localizando-a em determinadasoperações discursivas tratadas como rituais.

Uma visão européia de cultura e civilização, de Marie-Thérèse Vals Vilela(Universidade Lumière Lyon-2), busca demonstrar que há diferenças fundamentais,na visão européia, entre os conceitos de cultura e civilização, apresentando-os a partir daespacialização (vertical/horizontal) de sua abrangência. Trata-se de uma contribuição paraos estudos culturais, bem como de um diálogo com outras áreas do conhecimento.Nesse sentido, em A norma ideológica nas relações interculturais, Rita de CássiaPacheco Limberti (Ufms/Cpdo/Usp/Capes) analisa as estratégias discursivas utilizadaspelos não-índios para a construção da imagem do índio, numa visão do “politicamentecorreto”, na Carta de Pero Vaz de Caminha e em textos do jornal “O Progresso”, publicadoem Dourados, MS, cidade próxima à reserva dos índios Guarani-Kaiowá.

O ensaio, A figura da mulher na Bíblia, de Rafael Carmolinga (Ufsc) discute arepresentação da mulher nos textos bíblicos e suas alterações nas leiturasapresentadas fundamentalmente pelos textos paulinos, contribuindo para os debatesem torno do gênero.

O elemento Terra em Solombra, de Cecília Meireles, de Antonio Rodrigues Belon,apresenta uma leitura do livro de poemas, centrada no elemento terra e seus possíveissignificados poético-existenciais.

Finalmente, na sessão Teses e dissertações, encontram-se resumidos os trabalhosJorge Luis Borges e Mário de Andrade: poesia e imaginário urbano,de Ronaldo Assunção (Ufms/Usp), e A poética in-verso de Manoel de Barros:metalinguagem e paradoxos, de Vânia Maria de Vasconcelos (Ufms/Puc-SP).

Maria Adélia Menegazzo

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Publicação da

UNIVERSIDADE FEDERALDE MATO GROSSO DO SUL

Portão 14 - Estádio Morenão - Campus da UFMSFone: (67) 345.7200 - Campo Grande - MS

e-mail:[email protected]

Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica,Impressão e Acabamento

Editora UFMS

RevisãoA revisão lingüística e ortográfica é de responsabilidade dos autores

DistribuiçãoLivraria UFMS

Elomar BakonyiPós-graduado em Comunicação Social/jornalismo/UMESP- Universidade Metodista de São Paulo.Bacharel em Desenho e Pintura pela Faculdade de Música eBelas Artes do Paraná/Curitiba-PR e Desenho Publicitáriopelo Instituto Paranaense de Desenho.Atualmente é professor do Depto de Comunicação e Artesda UFMS.

ELOMAR BAKONYI‘‘Ferro velho meu amor’’

- Ferro/lona- Formato 1,30 x 80 cm

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SUMÁRIOO PROFESSOR QUE TEMOS É O PROFESSOR QUE QUEREMOS?Glaucia Muniz Proença Lara

UMA VISÃO EUROPÉIA DE CULTURA E CIVILIZAÇÃO:VERTICALIDADE E HORIZONTALIDADEMarie-Thérèse Vilela

O RITUAL DA SALA DE AULA DE LÍNGUA MATERNAVânia Maria Lescano Guerra

A NORMA IDEOLÓGICA NAS RELAÇÕES INTERCULTURAISRita de Cássia A. Pacheco Limberti

A FIGURA DA MULHER NA BÍBLIA – Novo TestamentoRafael Carmolinga Alcaraz

O ELEMENTO TERRA EM SOLOMBRA, DE CECÍLIA MEIRELESAntonio Rodrigues Belon

TESES E DISSERTAÇÕESRonaldo Assunção – Vânia Maria de Vasconcelos

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No presente trabalho, pretendemos analisar o perfil do profes-sor de português proposto nos/pelos Parâmetros CurricularesNacionais – 5ª a 8ª séries para verificar até que ponto esseperfil corresponde –ou não – ao do professor que está efeti-vamente em sala de aula. A partir dessa comparação, aponta-mos alguns aspectos importantes relacionados ao papel daLingüistica na formação/capacitação desse profissional.

Palavras-chaves:ensino de português; professor;

Lingüística.

In this paper, we intend to analyze the Portuguese teacher’sprofile proposed by/in the “Parâmetros CurricularesNacionais – 5ª a 8ª séries” so as to be able to verify to whichextent this profile corresponds to that of the real teacher.Such a comparison allows us to point out important aspectsrelated to the role of Linguistics in the teacher’s formation.

Keywords:Portuguese teaching; teacher;

Linguistics.

* O presente trabalhointegrou a mesa-redonda “A Lingüísticae o ensino de línguamaterna: algumasimplicações”, que foirealizada durante o IEncontro Sul-mato-grossense deEstudantes de Letras,em Três Lagoas-MS,no período de 14 a 17de novembro de 2002.** Professora doutora doDepartamento de Letrasdo Centro de CiênciasHumanas e Sociais.

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Os Parâmetros Curriculares Nacionais – 5ª a 8ª séri-es (1998) representaram um avanço no ensino de línguaportuguesa. Se, nas décadas de 60 e 70, o que se propu-nha eram mudanças no modo de ensinar, sem alteraçãodos conteúdos, já que a perspectiva gramatical normativaainda parecia adequada, uma nova crítica, construída apartir da década de 80, buscou repensar as finalidades econteúdos do ensino de língua materna.

Entre os aspectos negativos do chamado “ensinotradicional” que essa reflexão arrolou, podemos desta-car: a) a excessiva valorização da gramática normativae o conseqüente preconceito contra as formas deoralidade e as variedades não-padrão; b) o uso do textocomo pretexto para a imposição de valores morais epara o tratamento de aspectos gramaticais; c) o ensinodescontextualizado da metalinguagem e a apresentaçãode uma teoria gramatical inconsistente, sem que se le-vassem em conta a realidade e os interesses dos alu-nos; d) a excessiva escolarização das atividades de lei-tura e produção de textos (cf. PCNs, 1998: 18).

Nessa época, começou a ganhar espaço um con-junto de teses que desencadearam um esforço de revi-são das práticas de ensino da língua, voltando-se paraquestões como a ressignificação da noção de erro, aadmissão das variedades lingüísticas próprias dos alu-nos, a valorização das hipóteses por eles elaboradas noprocesso de reflexão sobre a linguagem e o trabalhocom textos reais, ou seja, textos efetivamente em usona realidade social e no universo escolar do aluno.

Porém, longe de mudar apenas os métodos e técni-cas de ensino da língua materna, essa revisão, que cul-

O PROFESSOR QUE TEMOS ÉO PROFESSOR QUE

QUEREMOS?*

Glaucia Muniz Proença Lara - UFMS**

minou com a publicação dos PCNs no final da décadade 90, incitou a mudança de conteúdos, a partir deuma concepção diferente de língua/linguagem. Incor-porando contribuições de uma lingüística independen-te da tradição normativa e filológica (PCNs, 1998:17) e tendo como meta principal permitir ao aluno odesenvolvimento da competência lingüistica e discursivacom a qual ele opera ao participar das práticas sociaismediadas pela linguagem, essa nova proposta tomou,assim, o texto como unidade básica do ensino, procu-rando contemplar a diversidade de tipos e gêneros, tantona modalidade oral quanto na escrita, sobretudo aque-les que caracterizam usos públicos da linguagem.

Dentre os vários objetivos gerais de língua portu-guesa para o ensino fundamental (5ª a 8ª séries) pro-postos nos/pelos PCNs (1998: 32-3), destacamos doisque nos parecem essenciais, já que pretendem levar oaluno a:

1) conhecer e valorizar as diferentes variedades doPortuguês, procurando combater o preconceitolingüístico;2) usar os conhecimentos adquiridos por meio daprática de análise lingüística para expandir suacapacidade de monitoração das possibilidades deuso da linguagem, ampliando a capacidade de aná-lise crítica.Isso significa, em primeiro lugar, substituir uma

concepção de língua homogênea e uniforme, própriado ensino gramaticalista tradicional, pela de um “obje-to” que varia no tempo e no espaço e se diversifica deacordo com fatores sócio-culturais e com as circuns-

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tâncias em que se dá a interaçãoverbal. Conforme destaca Mar-cuschi ( 1998: 140),

... a língua é muito mais do queum sistema de estruturasfonológicas, sintáticas e lexicaiscom funções instrumentais. Alíngua é um fenômeno culturale histórico fundado numa ati-vidade social e cognitiva quevaria ao longo do tempo e deacordo com os falantes: a lín-gua se manifesta no uso e é sen-sível ao uso. É variável,mutável, heterogênea e sempre situada em contex-tos de uso.Assim, embora seja função da escola ensinar a nor-

ma culta (dado o seu prestígio social), ela não pode sefurtar a mostrar a língua como ela é na realidade: umobjeto pluriforme e multifacetado; um conjunto de va-riedades que são igualmente complexas e aptas paraexpressar tudo aquilo que os falantes querem e/ou pre-cisam dizer. Isso implica uma atitude de respeito nãoapenas por todas as variedades que constituem a lín-gua, mas também– e principalmente – por aqueles queas falam, através do combate a toda forma de discri-minação lingüística (e social).

Em segundo lugar, o que se propõe é trabalhar agramática de forma contextualizada, ou seja, a partir dotexto e não através de frases isoladas e fragmentadas,em que, muitas vezes, vale mais a exceção do que aregra. Nesse sentido, os aspectos a serem tematizadosvão muito além da dimensão gramatical, envolvendo tantoa dimensão semântica quanto a dimensão pragmática dalinguagem, uma vez que estas são inerentes à atividadediscursiva. Assim, parece importante abrir espaço paraa realização, ao lado das atividades metalingüísticas, queenvolvem a observação, descrição e categorização dosfatos lingüísticos, de atividades epilingüísticas, resultantesde uma reflexão que toma a própria linguagem comoseu objeto (cf. GERALDI, 1991).

Um dos aspectos fundamentais da prática de análi-se lingüística é a refacção dos textos produzidos pelospróprios alunos1. A partir deles, caberá ao professortrabalhar tanto aspectos relacionados às característi-cas estruturais dos diversos tipos textuais, quanto osaspectos gramaticais que possam instrumentalizar o alu-no no domínio da modalidade escrita (culta) da língua.

Essas propostas de ensino demandam, como erade esperar, um novo perfil do professor de português

para que este possa efetivamentedesencadear, apoiar e orientar o es-forço de ação e reflexão do aluno,procurando garantir a aprendiza-gem efetiva (PCNs, 1998: 22).Logo, ele deverá ser um profissio-nal atento ao fenômeno textual-discursivo e à questão da variaçãolingüística; conhecedor dos dife-rentes gêneros textuais e dasespecificidades da fala e da escri-ta; alguém, enfim, disposto a subs-tituir uma abordagem gramaticalpuramente metalingüística por uma

outra abordagem que inclua também atividades lingüís-ticas e epilingüísticas, de modo a permitir ao aluno oefetivo domínio da leitura e da escrita.

Em suma: o que se exige é um profissional qualifi-cado, capaz, portanto, de transitar, com uma certa de-senvoltura, pelos meandros da Lingüística, já que lhecaberá, entre outras coisas, livrar o ensino da língua devários “mitos”, entre os quais o de que existe uma for-ma “certa” da falar e escrever; o de que o brasileirofala mal o português, maltratando e corrompendo oidioma; o de que o português é uma língua difícil (cf.PCNs, 1998: 31). Isso porque seu objetivo não é maiso de levar os alunos a falar/escrever certo, mas o depermitir-lhes adequar os recursos expressivos de quedispõem às diferentes circunstâncias de uso da língua.

É esse professor, cujo perfil está claramente deline-ado nos PCNs, que queremos. Mas será efetivamente oprofessor que temos? Nesse ponto, é preciso que pare-mos para uma reflexão mais cuidadosa acerca da for-mação do professor, sobretudo o de língua materna, umavez que, segundo os próprios PCNs (1998: 67):

A formação de professores se coloca, portanto, comonecessária para que a efetiva transformação do en-sino se realize. Isso implica revisão e atualizaçãodos currículos oferecidos na formação inicial doprofessor e a implementação de programas de for-mação continuada que cumpram não apenas a fun-ção de suprir as deficiências de formação inicial,mas que se constituam em espaços privilegiados deinvestigação didática, orientada para a produçãode novos materiais, para a análise e reflexão sobrea prática docente, para a transposição didática dosresultados de pesquisas realizadas na lingüística ena educação em geral.Para tentar responder à pergunta que formulamos

acima, apresentaremos algumas “falas” de professo-

O objetivo do professornão é mais o de levar osalunos a falar/escrever

certo, mas o de permitir-lhes adequar os recursos

expressivos de quedispõem às diferentes

circunstâncias deuso da língua.

1 Experiências feitas em sala de aula mostram que a refacção de textos é um poderoso aliado do professor no aprimoramento da competênciatextual/discursiva do aluno, bem como no desenvolvimento de seu senso crítico. A esse respeito, ver, por exemplo, LARA (1999b).

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res de português do ensino funda-mental e médio que foram extraí-das de suas respostas a um questi-onário de sondagem que buscavachegar à(s) imagem(ns) da línguaportuguesa no discurso de sujeitosescolarizados e não escolarizado(cf. LARA, 1999a):

1) Língua de extrema comple-xidade, detalhada, com exces-so de regras, mas infinitamentebela. Conforme o poeta. “Aúltima flor do Lácio”. (QP43)2

2) [Língua padrão] é a línguaoficial, formal, ditada pelas regras da gramática eusada em situações e por pessoas que possuem bomconhecimento dela. [Gramática] é o registro dosfatos da língua padrão que estabelece os preceitosdo bem-falar e do bem-escrever. (QP42)3) [Norma culta] seria o português correto, puro,isento de gírias, regionalismos, enfim, uma línguaque pudesse ser entendida por todos. (QP54)4) No meu entender é que a língua culta é a puraexpressão do saber, da cultura de uma raça, já queela representa um povo e sua nação (QP23)5) Eu digo que a população brasileira não conheceo mínimo necessário do português, por essa razãonão falam corretamente. (QP26).6) Nunca a língua foi tão maltratada. O povo falamal porque não lêem, não discutem cultura, ou sim-plesmente não estão interessados. Tendo novela, car-naval e cerveja, falar bem e corretamente passa aser supérfluo. (QP43)7) “Nóis vai” é o linguajar da maioria do povo e“nós vamos” é a forma correta, culta, utilizadapor aqueles que se preocupam em falar bem a lín-gua portuguesa. (QP1)8) Na primeira expressão [“nóis vai”] demonstrao linguajar medíocre ou sem aprendizado do cida-dão comum. Para o falante não há implicação jáque na oralidade, o importante é se fazer entender.(QP23)9) É comum crianças ou pessoas de camadas popu-lares apresentarem deficiências lingüísticas influ-enciadas pelo seu meio familiar. O falante conse-gue comunicar-se com a sua classe social, mas pre-cisa dominar a norma padrão para ter sucesso nasatividade. (QP32)

10) É preciso unificar a língua. Hádiferenças inúmeras, as quais de-vem deixar de ser tão distantes,para isso, as aulas de portuguêsdevem ensinar o aluno a falar bem,além de escrever bem. (QP44)11) Preciso e me sinto na obriga-ção de ter sempre um portuguêscorreto diante das normas que euensino tanto na linguagem oralcomo escrita. Às vezes me sinto in-capaz, diante da riqueza de nossalíngua. (QP17)12) O português falado é informal,

não está sujeito a regras ou normas. Não há seme-lhanças, pois o emprego formal é antagônico aoculto, inclusive nosso idioma é o que mais se dis-tancia do culto ao informal. (QP41)Examinando essas “falas”, o que vemos é um profes-

sor ainda bastante apegado à gramática normativa3, quetoma a norma culta como a “verdadeira” língua (a me-lhor, a mais correta), numa evidente atitude de desvalori-zação da(s) variedade(s) não-padrão, denominada(s)“linguajar” ou “deficiências lingüísticas”, o que demons-tra preconceito (lingüístico e social) contra aqueles quea(s) utilizam. Podemos inclusive detectar vários dos “mi-tos” sobre a língua de que, segundo os próprios PCNs, épreciso livrar o ensino, como, por exemplo: o de que obrasileiro fala mal, maltratando e corrompendo o idioma,ou ainda, o de que o português, em razão de sua “extremacomplexidade”, é uma língua difícil.

Essas constatações nos levam a uma segunda per-gunta: qual tem sido, afinal de contas, o papel da Lingüís-tica na formação do professor, considerando, para tanto,não apenas sua presença como disciplina na grade curriculardos cursos de Letras, como também sua inclusão noscursos de reciclagem e atualização que, de tempos emtempos, são oferecidos aos professores do ensino funda-mental e médio pelas secretarias de educação?

Respostas a essa pergunta têm sido dadas por pes-quisadores, tanto no Brasil quanto no exterior, que fo-calizam as atitudes dos usuários diante das línguas edo seu ensino, sobretudo depois do advento da Lin-güística. Para Gueunier (1985:30-1), por exemplo, osprofessores, em geral, não estão preparados para lidarcom a variação. Assim, eles não conseguem deixar depensar uma língua do ponto de vista do modelo nacio-nal, em que a variedade oficial é tudo e as outras, nada.

Examinando essas“falas”, o que vemos éum professor aindabastante apegado

à gramática normativa,que toma a norma

culta como a“verdadeira” língua...

2 Os enunciados transcritos levam a sigla QP (questionário de professor) e são numerados de 1 a 29 para os profissionais de escolaspúblicas e de 30 a 54 para os professores de estabelecimentos particulares.3 Também Neves (1991: 9-11), em pesquisa feita com professores dos antigos 1º e 2º graus, afirma que todos eles, de um modo ou de outro,ensinam gramática, com o objetivo principal de propiciar ao aluno um melhor desempenho lingüístico, entendido como “falar e escrever melhor”.

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Já Rey (1972:26) admite que, ape-sar do advento da Sociolingüística,mantêm-se os julgamentos de va-lor sobre os usos lingüísticos e odesejo de moldar uma língua segun-do a ideologia dominante. Maurais(1985), por sua vez, diz que, demodo geral, os princípios democrá-ticos, que são aceitos para todasas outras áreas do comportamentohumano, não o são quando se tratada língua, que, dessa forma, pare-ce estar imune a todo tipo de vari-ação. A chamada “crise” das lín-guas provém em boa parte, segundo o autor, da recusade se aceitar a diversidade do uso e das normas.

No Brasil, Faraco (2001: 30-1) vai na mesma linhade Maurais, afirmando que, de modo diferente de ou-tras ciências, a Lingüística não conseguiu ainda ultra-passar minimamente as paredes dos centros de pesqui-sa e se difundir socialmente para fazer ressoar o dis-curso científico em contraposição aos outros discursosque dizem a língua no Brasil. Isso impede que as pes-soas em geral tenham acesso a uma crítica ao “dizermítico” sobre a língua e este, então, continua a reinarsoberano. Assim, em termos de língua vivemos aindaculturalmente numa “fase pré-científica e, portanto,dogmática e obscurantista”.

Leite (1999: 188), por sua vez, considera que, de-pois do movimento modernista, a norma lingüísticabrasileira mostrou-se mais próxima da realidade do país.No entanto, a luta pela incorporação dessa norma nagramática tradicional continua, permitindo que, até hoje,nos deparemos com o discurso da norma, apegado àtradição, à defesa de usos conservadores. Assim, usostipicamente brasileiros do português ocupam ainda osrodapés e as notas de exceção das gramáticas, sendotolerados, mas não recomendados para a linguagemformal escrita. Diante desse quadro, a autora concluique não é fácil romper a tradição da língua mesmoquando há contra ela uma força tão intensa quanto ado uso efetivo (LEITE, 1999: 240).

As opiniões de Faraco (2001), de Leite (1999) enossas próprias conclusões em pesquisa anterior (cf.LARA, 1999a) mostram, portanto, que a chegada daSociolingüística ao Brasil, na década de 70, e a inclu-são da Lingüística nos cursos de Letras, a partir de

1962, não tiveram a devida reper-cussão no ensino da língua, sobre-tudo nos níveis fundamental e mé-dio, ficando restrita aos centros uni-versitários. Não conseguiram, con-seqüentemente, levar o (futuro)professor a alterar sua concepçãode língua/linguagem, o que propi-ciaria uma mudança paralela no seudiscurso e, principalmente, na suaprática.

Da mesma forma, os chamadoscursos de reciclagem e atualizaçãonão têm apresentado resultados

satisfatórios, uma vez que não chegaram a alterar operfil do professor de português, tornando-o compatí-vel com aquele que é proposto nos/pelos PCNs. As-sim, não é apenas no tecido social que impera umaatitude “corretiva” e preconceituosa em relação as for-mas não canônicas de expressão lingüistica (PCNs,1998: 18). Essa atitude ainda é uma realidade na maio-ria das salas de aula, de modo que as propostas detransformação do ensino de língua portuguesa aindanão se consolidaram em práticas de ensino em que tantoo ponto de partida quanto o ponto de chegada é o usoda linguagem, como está previsto nos PCNs.

O quadro que acabamos de esboçar permite-nosresponder à primeira pergunta que fizemos (que é tam-bém o título deste trabalho). Assim, se, quando inda-gados sobre o ensino da disciplina Língua Portugue-sa, os professores, em geral, afirmam buscar umamaior valorização da leitura e da escrita, trabalhar oensino da gramática através do texto e respeitar a “ba-gagem” lingüística que o aluno traz do seu meio soci-al, isso é contestado, num outro plano, pelo seu pró-prio discurso (cf. LARA, 1999a). Além disso, essas“boas intenções” não vêm acompanhadas, como erade esperar, por um conhecimento lingüístico sólidoque possa fundamentá-las, orientando a prática do pro-fessor.

Um exemplo desse desconhecimento dos concei-tos e princípios propostos pela Lingüística pode servisto na proposição 12 acima (vide p. 6), em que oprofessor percebe que fala e escrita têm especificidadespróprias, mas associa equivocadamente a língua oral àausência de regras e à informalidade. Nesses dois ca-sos, ele não apenas confunde normatividade interna com

Em termos delíngua vivemos

ainda culturalmentenuma “fase

pré-científica e,portanto,

dogmática eobscurantista”.

4 A normatividade externa está ligada às descrições e explicações das práticas lingüísticas em termos de regras, de máximas, de coisasa dizer e a não dizer, de usos corretos ou inaceitáveis, de desvios típicos etc. Implica, portanto, a conformidade das práticas a umaordem lingüística definida a priori e fora delas. Já a normatividade interna é um modo de ordenação endógeno da realização das práticassociais em geral (cf. QUERÉ, 1987: 67-71). Logo, a fala pode não obedecer às regras impostas pela gramática normativa, mas nem porisso deixa de ter regras próprias.

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normatividade externa4, mas tam-bém não leva em conta o continuumque vai da fala informal à escritaformal, passando pela fala formal,que se aproxima da escrita, e pelaescrita informal, que se aproximada fala, o que depende, em últimaanálise, das diferentes situações deinteração verbal. Portanto, combase nesse e em outros exemplos,podemos dizer que o professor quequeremos, infelizmente, não é oprofessor que temos.

Quanto à nossa segunda per-gunta, é preciso reconhecer que há ainda um longo eárduo caminho a ser percorrido, antes que o professorde português do ensino fundamental (e médio) possapropor um discurso diferente – porque mais crítico ecriativo – sobre a língua portuguesa e seu usuário, dis-curso esse que, implicando uma mudança concomitantede postura (política, ideológica), possa vir a transfor-mar sua prática docente. Não podemos perder de vis-ta, afinal de contas, que as decisões sobre o que fazere como fazer decorrem da concepção de língua/lin-guagem e de educação que esse professor assume.

Tais mudanças, no entanto, só serão possíveisquando o professor possuir, de fato, um conhecimento

amplo e profundo sobre a língua(sua estrutura, seus usos, suasmodalidades e variedades), o queestá ligado à necessidade de inves-timento contínuo na formação/capacitação desse profissional,como, aliás, os próprios PCNs re-conhecem.

Como fazer, então, para que operfil do professor de portuguêsseja compatível com aquele pro-posto nos/pelos PCNs? A respos-ta parece estar ligada à melhoriados cursos de graduação e pós-

graduação na área de Letras, com a conseqüente am-pliação do espaço da Lingüística na grade curriculardesses cursos, e a uma oferta mais freqüente e maisampla de cursos de reciclagem e atualização, em queo professor possa não apenas familiarizar-se mais comos conceitos e princípios propostos pelas teorias lin-güísticas modernas (Sociolingüística, Lingüística Tex-tual, Análise da Conversação, entre outras), mas tam-bém trazer suas dúvidas e questionamentos para de-bate com especialistas da área (lingüistas, pesquisa-dores). Só assim o professor que temos poderá sertambém – e efetivamente - o professor que quere-mos.

ReferênciasBRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclo doensino fundamental: língua portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1998.FARACO, Carlos A. Guerra em torno da língua. Folha de São Paulo, 25 mar. 2001. Cad. Mais! p. 30-1.GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo, Martins Fontes, 1991.GUEUNIER, Nicole. Crise du français en France. In: MAURAIS, J. Crises des langues. Paris, Le Robert, 1985. p. 5-38.LARA, Glaucia M. P. A imagem da língua portuguesa no discurso de sujeitos escolarizados e não escolarizados. São Paulo, FFLCH/USP, 1999a. (tese de doutorado)––––––––. Autocorreção e auto-avaliação na produção de textos escolares. Campo Grande-MS, Ed. UFMS, 1999b.LEITE, Marli Q. Metalinguagem e discurso: a configuração do purismo brasileiro. São Paulo, Humanitas, 1999.MARCUSCHI, Luiz Antônio. Nove teses para uma reflexão sobre a valorização da fala no ensino de língua. Revista da ANPOLL, nº.4, p. 137-156, jan./jun. 1998.MAURAIS, J. (org.). La crise des langues. Paris, Le Robert, 1985.NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática na escola. São Paulo, Contexto,1991.QUERÉ, Louis. Le statut duel de la langue dans l’état-nation. In: VERMES, G. & BOUTET, J. (dir.). France, pays multilingue. Paris,L’Harmattan, 1987. cap. II, p. 48-79.REY, Alain. Usages, jugements et prescriptions linguistique. Langue française, nº. 16, p. 4-28, 3ème trim. 1972.

As decisõessobre ‘‘o que fazer’’

e ‘‘como fazer’’decorrem daconcepção de

língua/linguagem...

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* Université LumièreLyon II (França)

A partir de algumas experiências européias, consideradas nosseus contextos históricos, refletimos sobre os conceitos decivilização e cultura, relacionando-os com a modernidade.

Palavras-chave:cultura; civilização; contexto histórico;

tempos modernos.

Based on some European experiences, considered in theirhistorical settings, this essay reflects on the concepts ofculture and civilization, relating them to modern times.

Keywords:culture; civilization; historical settings;

modern times.

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‘‘Without men, no culture, certainly; butequally and more significantly, withoutculture, no men’’. Clifford Geertz

A definição de humanidade segundo a qual o ho-mem é um animal social, tornou-se bastante cadu-ca com o avanço dos estudos da zoologia. Já ficoudemonstrado que várias espécies de animais vivemem sociedades organizadas de maneira complexa.Essa insuficiência do aspecto social para definir oHomem, exigiu sua substituição, realçando o papeldo cultural. De acordo com Clifford Geertz, We arein sum, incomplete or unfinished animals whocomplete or finish ourselves through culture andnot through culture in general but through higlyparticular forms of it 1. Assim, considerando o Ho-mem como um animal cultural, passamos a refletirsobre o próprio conceito de cultura e, ao mesmo tem-po, em um outro patamar, sobre o conceito de decivilização. Num primeiro momento, enfocamos aquestão de uma possível dicotomia entre os dois, apartir da visão européia tal como foi descrita pelosociológo alemão Norbert Elias, em O ProcessoCivilizador2. Tentaremos também integrar na nossareflexão a idéia de modernidade relacionando-a coma idéia de civilização.

A procura de uma definição de cultura e de civili-zação ganhou corpo na Alemanha, Inglaterra e Fran-ça durante o século XVIII. No entanto, os termos só

começaram a ser utilizados na Europa em época rela-tivamente recente, adquirindo uma certa consistênciaa partir de meados do século XIX. Para os alemães,civilização designava todos os comportamentos ba-seados na polidez e nas conveniências sociais, enquantocultura referia-se às virtudes do homem. O primeirotermo evocava o lado superficial da existência huma-na, o segundo era o espelho da vida interior. O termocivilizado, sinônimo na Alemanha de cortês, designa-va o comportamento da nobreza cortesã que se distin-guia pela sua civilidade das outras camadas da popu-lação.

Dentro do contexto europeu do Antigo Regime,as cortes reuniam grande número de estrangeiros quenão falavam as línguas locais, sendo o latim e, maistarde, o francês os principais idiomas de comunica-ção utilizados pela aristocracia. Não eram raros ossoberanos que desconheciam a língua falada pelosseus súditos. Para oferecer apenas alguns exemplos,na corte inglesa dos Plantagênets, as pessoas co-municavam-se em francês e, no século XVI, CarlosV assumiu o poder na Espanha desconhecendo ocastelhano e falando flamengo! As cortes eram, por-tanto, espaços cosmopolitas, desligados das realida-des locais, onde se encontravam os membros da‘‘grande família’’ que era a aristocracia européia.

Não havia comunhão entre corte e nação. Cor-tesãos e plebeus evoluiam em universos culturaisdistintos. Na Alemanha do fim do século XVIII, o

UMA VISÃO EUROPÉIADE CULTURA E CIVILIZAÇÃO:

VERTICALIDADEE HORIZONTALIDADE

Marie-Thérèse Vilela*

1 GERTZ, Clifford. The interpretation of cultures. USA, Basic Books, 1973. P. 492 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1998.

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comportamento dessas elites, os usos e costumesem vigor nas diversas cortes do país, seguiammodas importadas (da França e da Inglaterra prin-cipalmente) e foram considerados comoestrangeirismos pelo resto da população em ummomento em que o politicamente atomizado mun-do germânico iniciava sua trajetória para a forma-ção do futuro Estado alemão.

Assim, as práticas culturais de origem externaforam designadas com o termo civilização, pala-vra que assimilou a civilidade como um indicadorde identidade de classe ou, melhor dito, de casta(aplicado à elite caracterizada pelo acentuadointernacionalismo), enquanto o termo cultura ser-via como indicador de identidade nacional ou regio-nal, significando a tradição interna, ancestral,enraizada em um determinado espaço. Dentro des-sa perspectiva, o termo cultura englobaria toda re-alização material, toda manifestação intelectual etodo comportamento, considerados como fruto dapersonalidade coletiva local. De outro lado, o termocivilização seria um vasto complexo formado deelementos extra-locais e extra-nacionais, gerado edifundido pelas múltiplas cortes européias (princi-palmente a francesa).

Essa visão reflete claramente as duas faces datradição: a tradição local, ancestral (a cultura) e atradição continental, cosmopolita (a civilização). Adicotomia assim estabelecida fornece-nos as basespara distinguir os conceitos de cultura e civiliza-ção. Todo movimento vertical, vindo de dentro (daterra onde está enraizada a comunidade), dá aespecificidade cultural ao grupo, enquanto todo mo-vimento horizontal, vindo de fora (do circuito que es-tabelece a conexão com os outros espaços culturaismais ou menos aparentados) integra esse mesmogrupo no quadro de uma civilização.

Desse modo, podemos encontrar as noções deverticalidade e horizontalidade nos conceitos de cul-tura e civilização, emitidos por eruditos franceses eingleses, mas dentro de uma outra perspectiva, frutode uma história diferente. Nestes países, o Estado na-cional, centralizado na monarquia, era uma realidadedesde o crepúsculo da Idade Média. Observando acorte francesa (no século XVI já fortemente centrali-zada em Paris), constatamos, ao contrário das múlti-plas cortes européias, uma permeabilidade notável, to-lerando, devido a vários motivos de ordem política, oencontro entre a aristocracia cortesã e as elites daplebe urbana ou seja a grande burguesia. No séculoXVII, a burguesia francesa, seguindo os passos do‘‘bourgeois gentilhomme’’, tão bem caracterizado porMolière, mimetizava os usos e costumes praticados nacorte que irradiava a civilidade. A difusão da cultura

cortesã acelerou-se, nesse momento, com a aberturade uma esfera pública na cidade, freqüentada pela aris-tocracia cortesã e pela burguesia enriquecida. ‘‘Lesgens de qualité savent tout sans jamais avoir rienappris’’. Esta reflexão na boca de Mascarille, em LesPrécieuses Ridicules3, amarga também a vida deMonsieur Jourdain e assinala o início de uma longaaprendizagem para assimilar uma cultura de elite, con-dição sine qua non, para integrar-se na casta domi-nante. O termo civilisé, que significava como na Ale-manha polido, refinado, designava o comportamen-to da elite que, ao invés de ser rejeitado pelo resto dapopulação, tornou-se um modelo a seguir.

O caráter nacional foi, portanto, elaborado na Fran-ça, a partir de elementos culturais oriundos da cortee transferidos para as diferentes camadas da socie-dade. Processo que nem sequer a revolução de 1789conseguiu bloquear. Deste modo, o termo civilisédeixou pouco a pouco de ser, na França, um indica-dor de identidade de classe. Tornou-se uma âncorajogada pelas elites na base da pirâmide social e, den-tro dessa perspectiva, foi assimilado ao termo cultivé,tal como era usado na Alemanha (memória coletivaelaborada no meio local). Na França (e na Inglater-ra), as culturas nacionais tomaram um caráter aris-tocrático, enquanto na Alemanha (onde a aristocra-cia vivia isolada do resto da população), a culturanacional tomou uma feição plébeia e burguesa.

O caso da Espanha não deixa de ser interessan-te. No espaço hispânico, a cultura popular tomou umar aristocrático como na França e Inglaterra mas comuma diferenciação. O modelo de comportamento foitransmitido no contexto histórico da Reconquista pelanobreza guerreira (que, de certa maneira, relaciona-va-se, em muitas situações, de modo democráticocom as camadas populares) e não cortesã. A honraforjada no mundo medieval foi absorvida no decorrerde um longo processo pela cultura nacional da mes-ma maneira que os povos inglês e francês apropria-ram-se mais tarde da civilidade elaborada na corte.

Em 1756, a França deu ao termo civilisation osentido de processo civilizador iniciado com a di-fusão da civilidade, conforme o ‘‘Traité de laPopulation’’, escrito por Mirabeau (pai). Para osfranceses, a civilisation (palavra formada a par-tir do adjetivo civilisé e do verbo civiliser) passoua designar o movimento evolutivo das realizaçõesdos homens e de seus comportamentos. A noçãode civilidade (controle e auto-controle nas rela-ções entre individuos), representada pelo modo devida cortesão, opunha-se à barbárie (anarquia eviolência) do passado medieval e do presente vivi-do pelas camadas menos favorecidas da popula-ção. Ao tomar consciência da modernização dos

3 Les précieuses ridicules é uma das comédias de Molière, representada pela primeira vez no Teatro do Petit Bourbon pela companhiado autor.

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costumes, o Estado francês assumiu-se comoencarnação e vetor da civilização que deveria serlevada à plebe para depois ser erguida como cul-tura nacional. Ao relacionar cultura e economia,com esta frase que ficou famosa :’’La mode estpour la France ce que les mines du Pérou sontpour l’Espagne.’’, o ministro de Luis XIV, Colbert,abriria uma dimensão internacional, levando a cul-tura representada pelos produtos franceses (lan-çados pela corte e consumidos pelo povo) à con-quista dos mercados exteriores. Os dois termos(cultura e civilização) já se confundem e desteamálgama, nasce o impulso de promover ao exte-rior os progressos conseguidos no espaço nacio-nal, ou seja, a modernidade.

A partir dos últimos anos do século XVIII, a ex-pansão colonial francesa como também a inglesa, efe-tuaram-se sob o estandarte da civilisation que de-veria ser transferida além do espaço europeu ao res-to do mundo. Na campanha de Egito, Napoleão pro-nunciou essas palavras :’’Soldats, vous vous lancezdans une conquête dont les conséquences serontincalculables pour la civilisation!’’. A civilisationaparecia como um modelo único, um conjunto dinâ-mico, sinônimo de progresso, progresso no qual associedades deveriam integrar-se, para escapar àbarbárie dissolvente. A conquista colonial, até entãojustificada pela ‘‘cristianização’’ dos povos pagãos(o modelo ibérico), passou a ser justificada pela difu-são da civilização (modelo inglês e francês), sendoa modernidade o denominador comum que permitiarelacionar os diferentes componentes (culturas locais)dos diversos impérios coloniais europeus.

Ao entrar em contato com os povos de outroscontinentes, a civilização européia dilatada, absorve

novos elementos culturais que a enriquecem e a trans-formam sem cessar: Segundo Paul Valéry, ‘‘Lesautres parties du monde ont eu des civilisationsadmirables, des poètes de premier ordre, desconstructeurs, et même des savants. Mais aucunepartie du monde n’a possédé cette singulièrepropriété physique: le plus intense pouvoir émissifuni au plus intense pouvoir absorbant’’4. No iní-cio do século XIX, podemos observar que o conceitode civilização, seja qual for o lugar de sua emergên-cia (França, Inglaterra ou Alemanha) contém umanoção similar que é a horizontalidade. Mas essa idéiaexpressa-se de modo diferente. Enquanto na Ale-manha, os elementos ditos de civilização são perce-bidos como vindos de fora, na França e na Inglater-ra, considera-se a dinâmica da transferência para oexterior.

A visão européia de civilização varia portantode um espaço a outro do continente segundo a expe-riência adquirida, seja na produção e emissão dematéria civilizada (o caso da França e da Inglaterra),seja na sua recepção (o caso da Alemanha)5. Aotranscender a cultura (no conceito francês e inglês),a civilização ‘‘a mais longa das histórias’’ como es-creveu Fernand Braudel6, confunde-se com um sis-tema superior de comunicação ativado no nível pla-netário. A civilização européia ou civilização ociden-tal com seus prolongamentos em outros continentes(frutos de colonialismo e da imigração européia), gera,hoje, por um processo acelerado pelos meios moder-nos de comunicação, uma supra-civilização que visaa conectar a seus polos toda a humanidade. Resta asaber se o ‘‘homem global’’, mergulhado nahorizontalidade da civilização, conseguirá preservara dimensão vertical herdada das culturas ancestrais.

4 Cf. VALÉRY, Paul. Variétés. La crise de l»Esprit. II. Paris : Gallimard, 1950.5 A partir dos meados do século XIX, os europeus passam a reconhecer a existência de outros grandes complexos civilizados comoo mundo islâmico, o mundo chinês, etc…). O termo civilização torna-se então mais abrangente e também mais nebuloso. Hoje, falamosde civilização megalítica, civilização «de la poterie à bandeaux», civilização dos Campos de Urnas, civilização dos túmulos, civilizaçãourbana, civilização industrial, civilização moderna, civilização norte-americana…6 cf. BRAUDEL, Fernand. Civilisation matérielle, économie et capitalisme XV-XVIII siecles. Paris: Armand Colin, 1979.

BibliografiaBRAUDEL, Fernand Ecrits sur l’Histoire. Paris, Flammarion, 1969.––––––––. Civilisation matérielle, économie et capitalisme XV-XVIII siècles. Paris, Armand Colin, 1979.––––––––. Grammaire des Civilisations. Paris, Arthaud, 1987.CHANU, Pierre. L’expansion européenne du XIII au XV siècle.Paris, PUF, 1969.DELMAS, Claude. La civilisation européenne. Paris, PUF, 1980.ELIAS, Norbert. La civilisation des mœurs. Paris, Calmann-Lévy, 1973.––––––––. La dynamique de l’Occident. Paris, Calmann-Lévy,1976.––––––––. O processo civilizador. Rio de Janeiro : Jorge Zahar,1998.

GEERTZ, Clifford.The interpretation of cultures. USA, Basic Books,1973.MEYER, Jean. Les Européens et les autres. Paris, Armand Colin,1975.Les mouvements migratoires de l’Occident moderne. Paris,Civilisations n°19, Presses de l’Université de Paris Sorbonne, 1994.MUCHEMBLED, Robert. L’invention de l’homme moderne – Cultureet sensibilités en France du XV au XVIII siècle. Paris, Fayard, 1988.––––––––. Société et mentalités dans la France moderne XVI –XVIII siècle. Paris, Armand Colin, 1990.VALÉRY, Paul. Variétés. La crise de l’Esprit, II. Paris : Gallimard,1950.

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O objetivo desta pesquisa é estudar a fala do professor deLíngua Portuguesa, a partir dos conceitos da Análise do Dis-curso e do ritual social da linguagem. Os resultados revelamque, de modo geral, todas a propostas enunciadas pelos sujei-tos de nossa pesquisa são afetadas por uma concepção delinguagem como estrutura fechada em si mesma e isolada domundo. Em todas está também subjacente a imposição ao ensi-no de Língua Portuguesa da necessidade de clareza, objetivida-de e informação, pressuposto inerente à concepção que definelinguagem como instrumento de comunicação. Acreditamos quecom este trabalho poderemos provocar um diálogo acadêmicocom pesquisadores de outras localidades e ampliar discussõessobre essa área de investigação.

Palavras-chave:discurso; ritual; metadiscurso; sujeito.

The goal of this research is to study the Portuguese Languageof a teacher, starting from Discourse Analyse concepts andthe social ritual of the language. The results reveal that, in ageneral way, all the declared proposals by the subjects ofour research are affected by a language conception; as aclose structure in itself and is isolated from the world thatdefines the language as a communication instrument. Webelieve that we will prove an academic dialogue withresearchers from other places and to cause discussion aboutthis field.

Keywords:discourse; ritual; metadiscourse; subject.

* Doutora em Letraspela UNESP deAraraquara e docenteda graduação e dapós-graduação naUFMS, campusde Três Lagoas.

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IntroduçãoTemos como meta provocar uma reflexão so-

bre alguns conceitos da Análise do Discurso e doritual social da linguagem, a partir do estudo dodiscurso pedagógico de dois professores de Lín-gua Portuguesa, numa situação comunicativa desala de aula, no ensino fundamental de escola pú-blica.

Da perspectiva teórica da Análise do Discursode linha francesa, concebemos a linguagem comodiscurso que adquire sentido pela determinação his-tórica da sua enunciação, determinação advinda dofato de se considerar a produção de enunciados sem-pre no interior de uma formação discursiva.

Entendemos ser relevante voltarmos nossa aten-ção para o momento de enunciação determinado pelopróprio ritual de sala de aula que legitima o professorem sua didática.

O ritual social da linguagemA partir do momento em que a linguagem é con-

siderada como uma forma de ação, cada ato de falaé inseparável de uma instituição, aquela que esse atopressupõe pelo simples fato de ser realizado.

O RITUAL DA SALADE AULA DE

LÍNGUA MATERNAVânia Maria Lescano Guerra*

Um sujeito ao enunciar sua fala presume umaespécie de “ritual social da linguagem” implícito, par-tilhado pelos interlocutores. Em uma instituição es-colar, por exemplo, qualquer enunciação produzidapor um professor dentro da sala de aula é apresenta-da em um contrato que lhe credita o lugar de deten-tor do saber: o contrato de fala que o liga aosinterlocutores, alunos da instituição, não lhe permiteser “não possuidor do saber”. Ele é antecipadamen-te legitimado.

Trilhando as reflexões foucaultianas, Main-gueneau (1993:50) postula que “o discurso é umaorganização de restrições que regulam uma ativida-de específica. A enunciação é um dispositivoconstitutivo da construção do sentido e dos sujeitosque aí se reconhecem”. Nesse sentido a noção deprática discursiva integra, pois, dois elementos: porum lado, a formação discursiva; por outro, a comuni-dade discursiva.1

Já o conceito de Formações Imaginárias, é en-tendido como o fazem Pêcheux & Fuchs:

[...] designam o lugar que destinador e destinatá-rio atribuem a si mesmo e ao outro, a imagem queeles fazem de seu próprio lugar e do lugar do ou-tro. Assim, em todo processo discursivo, o emis-

1 Falamos de prática discursiva quando se trata de apreender uma formação discursiva como inseparável das comunidades discursivas(grupos sociais que produzem e administram um certo tipo de discurso) que a produzem, de seu modo de emergência e de difusão: aformação discursiva é, então, pensada, num mesmo movimento, como conteúdo, modo de organização dos homens e rede específicade circulação dos enunciados, segundo articulações foucaultianas.

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Não é apenaspor meio de

efeitos textuaisque o discurso

produz uma cenaenunciativa eficaz,

mas por suainscrição em uma

comunidade.

sor pode antecipar as represen-tações do receptor e, de acor-do com essa antevisão do“imaginário” do outro, fun-dar estratégias de discurso(1975: 83).De certa forma, o sujeito atri-

bui a si e aos seus interlocutoresa imagem que ele faz de seu pró-prio lugar e do lugar do outro.Assim, o professor antecipa asrepresentações dos seus inter-locutores, numa antevisão do ́ ima-ginário ́do outro, articulando suas próprias estratégi-as para alcançar seu objetivo. Esta ótica vê os parti-cipantes do processo discursivo como um grupo in-serido em determinados lugares característicos e compropósitos específicos.

O processo de constituição do grupo não é exteri-or nem posterior ao do pensamento. Toda operaçãode pensamento remete a um dispositivo de transmis-são que o estrutura a partir do interior e do qual nãose pode ser dissociada. Isso leva-nos a refletir quenão é apenas por meio de efeitos textuais que o dis-curso produz uma cena enunciativa eficaz, mas porsua inscrição em uma comunidade. A comunidadediscursiva e a formação discursiva conduzem uma àoutra indefinidamente.

A partir dessa visão, o que conta como um textonão pode ser determinado a priori, fora do seu con-texto, e, segundo Bakhtin (1929/1981), que diz que:“todo texto existe em relação ao anterior e ao queestá para surgir”, as pessoas interagem uma com asoutras, constroem atos e reações, em que a relaçãointertextual é primeiramente, examinada, depois re-conhecida, passando a ter significado social.

Nossa perspectiva da intertextualidade vem aoencontro, precisamente, desses estudos, com-plementados com a visão de Maingueneau (1993:86)que considera “intertexto como o conjunto dos frag-mentos que uma formação discursiva cita eintertextualidade como o tipo de citação que esta for-mação discursiva define como legítima por meio desua própria prática discursiva”.

Consideramos tanto a visão social quanto a histó-rica da linguagem como prática discursiva que vemsendo constituída na interação dos interlocutores. Aconstrução da imagem da instituição escolar pelo pro-fessor do ensino fundamental se dá a partir daintertextualidade, isto é, o locutor remete o seu dis-curso a outros intertextos que, no jogo ideológico da

enunciação, instauram sentidosinéditos e diferentes dos já ditos.

A aula, segundo Cicurel(1990), remete a uma experiên-cia que cada um conhece (a ex-periência de ser aluno e a de serprofessor), apresentando-nos de-terminados elementos ritualísticos,pois existem certas operaçõesdiscursivas que parecem fazerparte do ritual de sala de aula.

O professor é o sujeito legiti-mado pela Instituição como o “pro-

vedor” do saber. A questão do ritual da aula estárelacionada à legitimidade e à credibilidade que ga-rantem a perpetuação da instituição, conferindo aoprofessor, por meio desse ritual, o direito de fazervaler o que é enunciado por ele.

A sala de aula é um lugar social e ambientelegitimado para a aprendizagem. O professor temque cumprir o programa no prazo determinado, con-forme planejamento prévio de organização de con-teúdos.

O modo como as aulas são organizadas e plane-jadas determina a natureza da linguagem que osaprendizes ouvem e utilizam em aula. E nesse ritual,o dizer e o procedimento do sujeito/professor, de modogeral, são normas preestabelecidas e institucio-nalizadas, às quais o sujeito se submete, e em funçãodas quais se vê obrigado a demarcar o discurso dooutro, que passa a ocupar o mesmo espaço discursivo.

Para Uyeno (1995:61) “as relações hierárquicasda sociedade são apreendidas por meio de cotidia-nos ritualizados, fazendo crer que são naturais.” É oimaginário social que legitima as relações de poder,incidindo nas relações de ensino no bojo da escola.

Ao mesmo tempo que o professor exerce um po-der hierárquico, ele também é programado, constitu-indo-se em causa e efeito de poder, que incide emseu comportamento didático, influenciando as rela-ções de sala de aula, no caso presente, alunos donível fundamental interagindo nas relações de ensinoda leitura e da escrita.

Vimos que as produções de sentido circulam eregulam os comportamentos na sociedade, identifi-cam e distribuem os papéis sociais e passam a repre-sentar para os grupos de sujeitos o sentido do que étido como verdadeiro.

A idéia de ritual está estreitamente ligada à legi-timidade, conforme as palavras de Foucault, em suaobra Ordem do Discurso:

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Ao mesmo tempoque se realiza,a enunciação

auto-avalia-se,comenta-se,solicitando aaprovação doco-enunciador.

A troca e a comunicação sãofiguras positivas que atuam nointerior de sistemas complexosde restrição; não poderiam,sem dúvida, funcionar indepen-dentemente destes. A formamais superficial e mais visíveldesses sistemas de restrição éconstituída pelo que se podeagrupar sob o nome de ritual;o ritual define a qualificaçãoque devem possuir os indivídu-os que falam (e que, no jogode um diálogo, de pergunta, da recitação, devemocupar tal posição e formular tal tipo de enuncia-dos); ele define os gestos, os comportamentos, ascircunstâncias e todo o conjunto de sinais quedevem acompanhar o discurso; ele fixa, enfim, aeficácia suposta ou imposta das falas, seu efeitosobre aqueles a quem se dirigem, os limites deseu valor constritor (1973:12).Diante disso, é oportuno reconhecer que o dito é

constantemente atravessável 2 por um metadiscursodo locutor, mais ou menos visível, que manifesta umtrabalho de ajustamento dos termos a uma lingua-gem de referência.

O metadiscurso do locutorDo ponto de vista da AD, o metadiscurso do lo-

cutor apresenta grande interesse, pois permite des-cobrir os “pontos sensíveis” 3 no modo como umaformação discursiva define sua identidade em rela-ção à língua e ao intertexto.

De acordo com teóricos lingüistas, é difícil definiro metadiscurso. Ducrot, no entanto afirma que “apartir do momento que falamos, falamos a nossa fala”(1980:40). Para Maingueneau,

[...] o metadiscurso se apresenta como um jogocom o discurso; na realidade, ele constitui um jogono interior deste discurso. Presume-se que sepossua uma concepção apropriada dadiscursividade: não um bloco de palavras e de pro-posições que se impõem aos enunciadores, mas

um dispositivo que abre seus ca-minhos, que negocia continua-mente por meio de um espaçosaturado de palavra, palavras ou-tras (1993:93).

O discurso imbuído demetadiscurso, manifestação daheterogeneidade enunciativa,pode, igualmente, atingir a pala-vra do co-enunciador, paraconfirmá-la ou reformulá-la: aomesmo tempo que se realiza, aenunciação auto-avalia-se, co-

menta-se, solicitando a aprovação do co-enunciador.As funções do metadiscurso são variadas, de acor-

do com Authier-Revuz (1998): auto-corrigir-se (eudeveria dizer...) ou corrigir o outro (você quer dizerque...); marcar a inadequação de certas palavras(uma espécie de...); eliminar, com antecedência, umerro de interpretação (no sentido próprio...); des-culpar-se (se posso me permitir...); reformular aproposição (dito de outra forma...).

O metadiscurso, assim como a polifonia 4, reve-lam a dimensão profundamente dialógica do discur-so. Remetendo ao discurso pedagógico, no qual oprofessor se manifesta por meio de algumas marcaslingüísticas, podemos verificar que o metadiscurso sedestina a construir uma imagem do locutor, confir-mar enunciados anteriores, autocorrigir-se e fazeruma preterição. Além disso, podemos observar, tam-bém, que o professor utiliza tais formas marcadas afim de chamar a atenção para determinados fatosocorridos na sala de aula.

Marcados pelo verbo DIZER, trazemos exemplosde situações de sala de aula de Língua Portuguesa,em que o professor, do ensino fundamental, (L 1)quer mobilizar, a partir da narrativa do Livro Didáticointitulada “O coveiro”, o entendimento do texto pelosalunos (Als):

L 1: A primeira insatisfação é que ele era mui-to pobre...queria ser rico... e a outra é quequeria ser mais... poderoso [...] há um ditadoque afirma... o poder vale mais do que a ri-

2 O locutor pode, em todo momento, comentar sua própria enunciação do interior mesmo dessa enunciação3 Termo aspeado por Maingueneau (1993) e que diz respeito aos pontos-chave de um discurso quando ele é atravessado por ummetadiscurso em relação a seus efeitos de sentido4 Introduzido por Bakhtin, nos seus trabalhos sobre a literatura, para caracterizar as obras, em que várias vozes se exprimem sem quenenhuma seja dominante. A Polifonia é explorada, particularmente, por Ducrot, para levar em conta os múltiplos casos em que aqueleque produz materialmente o enunciado não se encarrega dele (não se apresenta como seu responsável), colocando em causa a unicidadedo sujeito falante (MAINGUENEAU, 1998).

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O ato de persuadir,que pressupõe uma

mudança deposicionamento

por parte dointerlocutor ... está

presente no discursopedagógico.

queza... o cavouqueiro con-cordaria com isso? Justifi-que sua resposta.

Als: [...] porque ele queriaser poderoso... porque elenão queria depender demais ninguém.

L 1: Ele queria ser maispoderoso...duas vezes pelomenos ele trocou a riquezapelo... poder...sim...porqueele trocou a riqueza pelopoder... algumas vezes... quer DIZER que...essafrase... poder vale mais que a riqueza... procavouqueiro realmente... valia mais que a ri-queza... o poder... número três... quem étrês...quatro...terceiro...qual das seguintes fi-guras... ou da segunda...das seguintes figu-ras... na sua opinião... resume legal a idéia dotexto A... B...C ou de... letra C...por que? porque Paula?

Als: porque ele foi... só que depois ele voltoua ser cavouqueiro... porque ele viu que tam-bém tinha o poder.

Nesse recorte, o locutor, professor de LínguaPortuguesa, manifesta-se por meio do verbo DIZERconstruindo asserções, verdades que são informaçõesque ele precisa repassar. No exemplo, temos a aulade interpretação do texto que veicula a história deum coveiro muito ambicioso.

Na ótica de L 1, a necessidade do coveiro serrico e poderoso surge como um aspecto negativo queprecisa ser interpretado e repassado aos aprendizes.Contudo ele o faz de maneira performativa e implíci-ta, isto é, no momento da fala ele faz questão de fo-calizar aspectos da sua ação, do trabalho que elepossui, da missão de ter que esclarecer o conteúdoprogramático aos alunos. Isso evidencia o fato deque ele está trabalhando também no momento emque enuncia: sua linguagem dá-se nas relações detrabalho (GUERRA, 1996 e 1998).

Num outro exemplo, que articula as conseqüênci-as do ato de dar esmolas, também retirado do LivroDidático, o professor (L 2) manifesta-selingüisticamente por meio do verbo DIZER para tra-balhar linguagem formal e informal:

L 2: Isso... e esse aqui... ele começa assim...esmola é:::::: o ... esse é::::: já é terceira...quer dizer é o concreto.. é uma definição... é

mais afastado... quando a gen-te coloca primeira pessoa... agente coloca mais o quê? A nos-sa sensibilidade... eu::: pensoassim... eu::::: quero assim..eu::::: gosto né? então o textodela é mais formal... o texto delemais informal... o dela é umpouco mais formal... OU SEJAvai tratar de conceitos... ela vaianalisar a situação... de umaforma mais fria... sem se envol-ver.

Als: ah... é ela?

L 2: é ela... ah .. tá... corrige aí pra mim tá?Primeiro é ele... segundo é ela... tá? Ah...olha... eu posso DIZER que... eu até escolhi...eu posso DIZER que a Alda apela pra sensibi-lidade?

Als: Não!

Pode-se depreender que, na visão comunicacional,o enunciador volta sobre seu discurso para esclarecê-lo, torná-lo mais acessível ao seu interlocutor, oumesmo propor uma nova reformulação no seu dizer.O certo é que alguns enunciados metadiscursivosaparecem de maneira bastante natural nos discur-sos, numa interação necessária, em que eles sãomarcadores de estruturação, guiando o curso do pen-samento, facilitando o trabalho de apresentação e acompreensão. Eles operam no plano da progressãológica, no esquema de composição e no esquemaargumentativo constitutivo do discurso.

O ato de persuadir, que pressupõe uma mudançade posicionamento por parte do interlocutor, em rela-ção a um posicionamento tomado anteriormente, estápresente no discurso pedagógico. Ele realiza-se a par-tir dos valores constitutivos da formação ideológica edas formações discursivas nas quais se inscrevemdeterminados interlocutores.

Nos dados, é freqüente a situação em que o pro-fessor, por meio da marcação com o verbo DIZER(EXPLICAR, REPETIR) procura mobilizar informa-ções a respeito de como o alunado precisa trabalharnos exercícios do Livro Didático, para a interpreta-ção do texto da aula:

L 2: [...] gente depois tem lá na letra D... temum trecho pra vocês... pra vocês fazerem umcomentário do texto né?... pra vocês... DIZassim... lá na dezesseis... EXPLIQUE com suas

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próprias palavras o seguinte fragmento... lei-am!

Als: por não se tratar de direitos...a adminis-tração da esmola também não tem critériosobjetivos... OU SEJA... dá-se sempre a quemvê... a quem está perto... e nem sempre a quemais necessita.

L2: Vou REPETIR... a administração da esmo-la não tem critérios objetivos... o que signifi-ca a administração da esmola?

Als: controle.

Considerações finaisO presente trabalho teve por objetivo articular dis-

cussões a respeito dos conceitos cunhados na Análi-se do Discurso, a partir da situação comunicativa desala de aula e do ritual social da linguagem.

Nosso dados evidenciam que persuadir surgecomo um ato que, antes de buscar a adesão dosaprendizes, tem como principal objetivo “neutralizar”possíveis questionamentos que possam ser levanta-dos contra as propostas do professor/locutor.

Além do ato de persuadir, o ato de dissuadir aca-ba exigindo do interlocutor uma decisão que tende adesencadear conflitos, à medida que pode vir a ques-tionar elementos constitutivos das formaçõesdiscursivas nas quais os interlocutores se inscrevem.

Como os alunos estão sempre agitados e baru-lhentos, o professor precisa, de alguma forma, cha-mar a atenção dos aprendizes para as informaçõesque ele precisa repassar, na aula de interpretação detexto. Para isso, L 2 articula enunciados com o verbo

DIZER (e sinônimos), no intuito de impor certa or-dem na sala de aula:

L 2: [...] então vocês que estão prestando aten-ção... porque os outros... ele vai só viajar namaionese... então... ela já está pegandotudinho... mas tem que provar que isto estáescrito no texto... fala?

Als: [...] [há muito barulho dentro e fora da salade aula].

L 2: Dá licença um pouquinho Rodrigo... eugostaria de DIZER pra vocês que o Rodrigoestá falando... e que nós não estamos numapraça pública... dá licença? [...] deixa ele fa-lar depois você fala o seu comentário [respon-de a uma aluna que levanta a mão] por favor euqueria que você expusesse sua fala... colocas-se de novo pra seus colegas escutarem... por-que tinha gente que estava dispersa.

Tais posturas levam-nos a refletir sobre esse per-curso discursivo: o professor do ensino fundamental,de escola pública caracterizado pela necessidade cons-tante de, por meio de longas falas, jogar muita infor-mação para o aluno, ao mesmo tempo, que procuraexercer controle sobre a disciplina. Esses resultadosrevelam que, de modo geral, todas a propostas enunci-adas pelos sujeitos de nossa pesquisa são afetadas poruma concepção de linguagem como estrutura fecha-da em si mesma e isolada do mundo. Em todas estátambém subjacente a imposição ao ensino de LínguaPortuguesa da necessidade de clareza, objetividade einformação, pressuposto inerente à concepção quedefine linguagem como instrumento de comunicação.

Referências BibliográficasAUTHIER-REVUZ. J Palavras incertas: as não- coincidências do dizer. Campinas: Editora da UNICAMP, 1998.BAKTHIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 2ª ed. Tradução brasileira. São Paulo: Hucitec. 1929/1981.CICUREL, F. Élements d´un rituel communicatif dans les situations d´énseignement. In: DABENE & alii. Variations et rituels enclasse de langue. Crédif: Hatier, 1990.FOUCAULT, M. A ordem do discurso. (1971) Tradução de Sírio Possenti. Ijuí:Fidene, 1973.GUERRA, V. M. L. Linguagem Empresarial: a questão da polifonia e dos intertextos no discurso da CESP. In Revista da APG. AnoIV, nº 8. PUC, São Paulo (SP). 1996:131-144.––––––––. O Discurso Empresarial e suas marcas lingüísticas de modalidade de polifonia. In: Trabalhos em Lingüística Aplicada nº32. IEL/UNICAMP. Campinas (SP) Jul/Dez 1998:15-38.MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes.1993.––––––––. Termos-chave da Análise do Discurso. Tradução de Márcio V. Barbosa & M. E. T Lima. Belo Horizonte: UFMG.1998.PÊCHEUX, M. & FUCHS, C. Mises au Point et Perspectives à Propos de L’ Analyse Automatique du Discours. In: Langages, nº37. Paris. Larousse: Paris. 1975.UYENO, E. Y. Jogos Imaginários: Uma Análise Discursiva de Atualização do Professor de Língua. Dissertação de Mestrado emLingüística. Campinas: UNICAMP, 1995.

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* UFMS/USP/Capes.

No presente artigo, pretendemos analisar as estratégias utili-zadas pelo sujeito não-índio, em seu discurso, para construir aimagem do índio. Para tanto, levamos em conta não apenas aCarta de Pero Vaz de Caminha, mas também alguns artigos doJornal “O Progresso”, publicado na cidade de Dourados-MS,perto da qual se situa a Reserva Indígena dos Guarani-Kaiowás.

Palavras-chave:identidade; representação; índio; cultura.

In this paper we intend to analyze the strategies used by thenon-Indian in his discourse to build the image of the Indian.We will take into account not only Pero Vaz de Caminha’sletter, but also some texts from “O Progresso”, newspaperpublished in Dourados-MS, near which is located the Reser-ve of the Guarani-Kaiowá Indians.

Keywords:identity; representation; Indian; culture.

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«Politicamente correto» é o termo empregado paraexprimir a adequação de uma ação ou de um discurso àideologia vigente num determinado espaço, num deter-minado tempo. A existência de jargão indica a existên-cia de mecanismos de controle, alguns dos quais de-sempenham a função de censores, uns mais ostensi-vos, outros mais discretos, que balizam e preservamesse patrimônio de conceitos erigido socialmente (ide-ologia) e, conseqüentemente, estabilizam e estabelecemsuas normas. Tudo isso se processa na e pela lingua-gem que, por sua vez, apresenta os mesmos mecanis-mos de estabilização. Contudo, a linguagem, veiculadapela materialidade da língua e de outros sistemassígnicos, apresenta seu conjunto de normas de manei-ra mais concreta, ao passo que o conjunto de normasideológicas, que paira subliminarmente sobre os pro-cedimentos discursivos (ou subjaz a eles), por sua pró-pria natureza, é de apreensão mais sutil.

Busca-se, no presente trabalho, chegar o mais pró-ximo possível do limiar entre o emprego espontâneoda norma ideológica, enquanto norma propriamente dita,e o emprego da norma ideológica enquanto escudo dasubjetividade, ou seja, identificar os procedimentosdiscursivos que, ao atualizarem as normas ideológicasem sua superfície, esboçam ocultamente novosparadigmas por meio dos mais diversos recursos: ne-gação, ironia, contraditoriedade, contrariedade etc.

As normas ideológicas, analogamente, vigoram noseio de um dado grupo não apenas por uso, mas por«atualização», de modo a configurar-se em ciclos: há omomento de «desestabilização» das normas vigentes

A NORMAIDEOLÓGICA NAS RELACÕES

INTERCULTURAISRita de Cássia A Pacheco Limberti*

(novos valores discretizados historicamente), seguidode sua enfatização pelo uso e, conseqüentemente, desua homologação como norma que, por sua vez, passaa vigorar de maneira estável, tendendo a neutralizar-secom o tempo. A partir daí, a norma, plenamente disse-minada no discurso, começa a esvaziar-se de sentido,mantendo-se ativamente no nível da superfície, enquan-to, no nível profundo, seu sentido vai ganhando opaci-dade. É exatamente nessa esfera que pretendemos ana-lisar as «atualizações» da norma ideológica, a despeitodo aspecto difuso e impreciso de seus contornos (cf.BALANDIER, 1985, p. 14).

Tomaremos como objeto de análise as estratégiasdiscursivas de que o sujeito não-índio se vale em seudiscurso para construir a imagem do índio, observan-do as ocorrências de um discurso regido pelas normassociais e ideológicas do momento, ou seja, um discur-so «politicamente correto». Serão analisados A Cartade Pero Vaz de Caminha e alguns textos do jornal OProgresso, de Dourados-MS, cidade onde está locali-zada, muito próxima à zona urbana, a Reserva Indíge-na dos Índios Guarani-Kaiowá.

A cidade de Dourados foi fundada em 1935, noentão Estado de Mato Grosso (Mato Grosso do Sul apartir de 1977). As terras dos índios guarani-kaiowá,numerosos naquela região, foram demarcadas por umaexpedição chefiada por Rondon, entre 1948 e 1950.Na época, a disposição geográfica guardava grandedistanciamento entre o núcleo urbano (em expansão) ea Reserva Indígena recém-demarcada. Com o passardo tempo, contudo, o desenvolvimento da cidade fez

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A Carta dePero Vaz

de Caminharegistra a tarefa

de redefinir acondição humanae os saberes da

ilustração.

com que esta se expandisse fisica-mente em direção à Reserva, demodo a praticamente anular a dis-tância entre os dois agrupamentossociais abissalmente distintos.Como se não bastasse, uma rodo-via, que antes circundava, passoua cortar a Reserva, ligando Doura-dos ao município vizinho deItaporã. Em 1951, fundou-se o jor-nal O Progresso. De circulação se-manal, a princípio, esse órgão daimprensa passou a acompanhar, apartir de então, o progresso e odesenvolvimento da cidade, constituindo-se em umaverdadeira crônica do município.

A Carta de CaminhaA Europa desenvolveu uma determinada idéia de

conhecimento no decorrer da história. Ela construiu,assim, um ideal ao qual o Século das Luzes deu a for-ma que lhe é própria e cuja trajetória contém um com-ponente que nos (Brasil) diz respeito: o intercâmbiocultural proporcionado por expedições mercantis deexploração e com o propósito de expansão (descober-tas), além de outros, como entraves sociais, políticose econômicos (guerras) (cf. VAMBREMEERSCH,1998, p. 22) Ainda que não tivessem ocorrido comesse objetivo, esses movimentos abriram as portas de/para outras culturas e deflagaram um jogo: colocaramem cena a universalidade e se impuseram a tarefa deredefinir, sucessivamente, a condição humana e os sa-beres comumente reconhecidos e aceitos pelas dife-rentes culturas.

A Carta de Pero Vaz de Caminha situa-se nessecenário e registra esse fenômeno sociocultural com-plexo, em que os elementos lúdicos e os valores cole-tivos em processo focalizam os contornos das forma-ções sociais. A representação da sociedade portuguesae de suas diferentes hierarquias enfatiza a transmissãode usos e costumes, constituindo um dos temas trans-versais e desempenhando uma função identitária queativa, de maneira pública, os valores e os comporta-mentos típicos daquele grupo que se encontra, assim,revificado e consolidado como formação sociocultural.Ao longo de toda a narrativa, Caminha assume essatarefa, por meio de descrições e narrações que consti-tuem «escolhas» e percepções oriundas de sua escalade valores, regulada pelas normas da formação social aque pertence. Ao iniciar a carta, o escrivão da esqua-dra de Cabral parece ter consciência disso e das nuancesde sentido que a subjetividade produz: «Posto que o

Capitão-mor desta vossa frota, eassim os outros capitães escrevama Vossa Alteza a nova doachamento desta vossa terra nova,que nesta navegação agora seachou, não deixarei também de darminha conta disso a Vossa Alteza,o melhor que eu puder, ainda que– para o bem contar e falar –, osaiba fazer pior que todos. TomeVossa Alteza, porém, minha igno-rância por boa vontade, e creia bempor certo que, para alindar nemafear, não porei aqui mais do que

aquilo que vi e me pareceu.» (A Carta, p. 7) (grifa-mos).

Caminha manifesta sua preocupação com a normalogo nos primeiros parágrafos: «…o melhor que eupuder, ainda que – para o bem contar e falar -, o saibafazer pior que todos.» (grifamos) e faz alusão ao fatode outros componentes da esquadra também seremdestinadores de informações ao rei: «Posto que o capi-tão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitãesescrevam a Vossa Alteza…» (...) «Da marinhagem esingraduras do caminho não darei aqui conta a VossaAlteza, porque o não saberei fazer, e os pilotos devemter esse cuidado.» (A Carta, p. 7).

Por meio dessa última, a alusão, com dissimula-ções de modéstia «…o saiba fazer pior que todos.»(…) «…porque não o saberei fazer», Caminha, poroposição, coloca-se como o relator oficial da expedi-ção «…não deixarei também de dar minha conta dissoa Vossa Alteza…» (grifamos) e instaura a sua cartacomo o documento detentor dos assuntos e das infor-mações que realmente interessavam ao rei, tornandoas outras notícias irrelevantes: «Da marinhagem esingraduras do caminho não darei aqui conta a VossaAlteza, porque o não saberei fazer, e os pilotos devemter esse cuidado.». Ao declarar «não saber fazer», Ca-minha mostra, antes que modéstia, que tal missão nãoé de sua competência e de que os critérios de escolhado escrivão da frota por parte do rei atenderam a ou-tros interesses.

Todos esses indicadores, elencados nos parágrafosanteriores, reiteram a idéia do papel da esquadra comouma microrrepresentação da hierarquia social lusitana,pois deixam transparecer nitidamente a distinção entreos papéis de cada membro. O critério do rei, ao compora esquadra, estabelece essa hierarquia, delegando pode-res e atribuindo missões: uma forma velada de conser-var antigas e firmar novas alianças. Caminha era «amigodo rei», «filho da pequena nobreza lusa», «ligado à na-tureza prática das coisas e acostumado a reconhecer o

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Durante pouco maisde uma década de

existência do jornal nãoaparece nenhuma

notícia sobre o índio,sendo o tema

absolutamenteneutralizado por

abstenção.

poder do dinheiro» (BUENO, 1999,p. 3). Reformulando essa última qua-lidade, diríamos que Caminha co-nhecia o trânsito dos valores da re-aleza e os partilhava com ela. Ao di-rigir-se ao monarca, na carta, paranarrar a primeira visita de dois índi-os à nau capitaina, ele revela, no ní-vel da superfície do discurso, o con-trato de significação vigente em suamissão: «Viu um deles umas contasde rosário, brancas; acenou que lhesdessem, folgou muito com elas, elançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e denovo para as contas e para o colar do Capitão, comodizendo que dariam ouro por aquilo. Isto tomávamosnós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queriadizer que levaria as contas e mais o colar, isto não oqueríamos nós entender, porque não lho havíamos dedar.» (A Carta, p. 9) (grifamos).

O Jornal e asRessonâncias da Carta

O jornal O Progresso foi fundado em 21 de abril de1951. Essa é uma data bastante significativa no Brasil,porque opera sempre uma remissão à idéia de funda-ção, de historicidade, posto ser a data do “Descobri-mento”.

“QUEREMOS TERRA!”: essa é a manchete deprimeira página do exemplar número 1 de “ O Progres-so”. O ano é 1951, mas a temporalidade assume outradimensão para um leitor do ano 2001. O tempo parecenão ter passado, parece ter ficado cristalizado, pois oreferente é de agora. É preciso recorrer-se à data noalto da página (21/04/51) para buscar a referência, osujeito. Àquela época, o rol de possibilidades de quempudesse ser o sujeito resumia-se aos migrantes, princi-palmente nordestinos, que chegavam a Dourados paraintegrar a recém-criada Colônia Agrícola, que consis-tia na distribuição de lotes de uma área designada peloGoverno Federal, uma espécie de reforma agrária. Hoje,o rol de possibilidades de quem poderia ser o sujeito émais abrangente: inclui os “sem-terra”, que são osmesmos sujeitos do passado, recategorizados; e os ín-dios, que foram trazidos à cena pelo próprio processohistórico que os apagou por tanto tempo, uma outraforma de recategorização.

As notícias seguem pela senda do apagamento daexistência dos índios na região. É como se eles nãoexistissem. O processo de fundação discursiva do jor-

nal concorre com o processo defundação discursiva da cidade.Aparecem a Colônia Agrícola deDourados e os variados índices deprogresso: a escola, o clube, a es-trada, os bairros, a iluminação pú-blica - alguns prosaicos, como anumeração das casas - mas os ín-dios não aparecem. O espectro daconstituição do município vai sealargando gradativamente, apare-cem as primeiras rodovias, a cons-trução da cadeia, do hospital, a re-alização da primeira campanha de

vacinação.Durante pouco mais de uma década de existência

do jornal não aparece nenhuma notícia sobre o índio,sendo o tema absolutamente neutralizado por absten-ção. No interior dessa medida, que alimenta a absolutacisão entre as duas formações sociais, uma outra linhadivisória redistribui, sistematicamente, os estatutos eos papéis, particularmente aqueles que separam os não-índios dos índios. Exemplos desses procedimentosdiscursivos de efeitos discriminatórios pontuam todoesse período, em manchetes como «Exploração comos paraguaios», «Agitadores comunistas perturbam aboa ordem dos colonos», « Carta aberta aos colonos »,além de textos emblemáticos, como os da coluna « Ter-ra e Gente », de Armando Carmello, de 02/12/62: «  Ohomem de bombachas e chapéu de abas largas atra-vessa as nossas ruas. Indumentária que relembra osvelhos gaúchos que aqui aportaram, na nossa primiti-va formação, em busca da Terra Prometida. Homensde alpargatas e chapéu de couro, símbolos do nordesteBrasileiro, também passeiam pelas nossas ruas. Ho-mens de blusão de couro. Homens de camisa esporte,mangas curtas, ei-los que fazem parte de nossa vidadiária...»; e de 18/11/62: «Aqui em Dourados, o que émais essencial é o trabalho da terra. Trabalha-se aterra aqui, como em nenhum outro municípiomatogrossense. Nascido, como foi Dourados, de umaheróica e primitiva resistência ao invasor, lá pelos idosde 1864, quando a Colônia Militar de Dourados foiatacada por um contingente paraguayo de duzentos ecinquenta homens, sob o comando do capitão Urbieta.»(grifamos). «O espírito patriótico», a produção de nor-mas-valores de um padrão de atitudes, o desenvolvi-mento de estratégias distintivas pela e dentro da hierar-quia que tal produção atravessa configuram esse cená-rio onde o índio não tem espaço.

Ainda nesse período, a já citada coluna «Terra e Gen-te», de Armando Carmelo, de 18/11/62, ao traçar umbreve panorama histórico da cidade de Dourados, evi-

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As normassociais vigentes

legitimama posse do

território brasileiropelos brasileiros(não-índios)...

dencia os valores vigentes: «Aquiem Dourados, o que é mais essenci-al e visível, é o trabalho da terra.»(grifamos). Ao afirmar ser o traba-lho da terra essencial, o autor, alémde reproduzir bastante claramente odiscurso de Caminha em sua Carta(«Essa terra, Senhor, me parece (…)que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo…»), lança o pressupos-to de que outras coisas que não se-jam ligadas ao trabalho da terra (devalor econômico) sejam menos im-portantes, o que confirma nossasconsiderações, ao analisarmos aquele trecho da cartaem outro trabalho inédito (tese de doutoramento, emconclusão), quando afirmamos: «Outros componentesvão tecendo o fio do discurso dos interesses econômicos(…) enquanto a norma vigente mantém em cena, comoum álibi, os alicerces morais de sua arquitetura: a fé, areligião, a Igreja Católica.».

Podemos afirmar o mesmo em relação à coluna deCarmelo, salvo o fato de que, enquanto Caminha lançamão do jargão religioso para atualizar a norma e atenu-ar o sentido dos interesses econômicos, Carmelo põeem cena o jargão patriótico com o mesmo papel. Por-tanto, retomando-se a afirmativa de Carmelo, «…o queé mais essencial e visível, é o trabalho da terra.», pode-se inferir que os índios são excluídos, assim, do queseja essencial, importante, considerando-se que a cul-tura índia não possui em sua escala de valores o quesi-to «trabalho» (no sentido da cultura não-índia).

Ao observarmos, ainda, o emprego do vocábulo«visível», que nos remete diretamente ao que seja«discretizado», podemos realizar outra inferência, qualseja: a de que aquilo que não seja ligado ao trabalho daterra, além de não-essencial, sequer possui o estatutodo que seja «discretizável», «visível», inclusive o índio(cf. FOUCAULT, 1966, p.6).

Em outros momentos do texto, valores como «bra-vura», «patriotismo», «resistência», todos ligados àdefesa do espaço territorial, vão compondo, por oposi-ção, a imagem negativa do índio, o que permitiu que osnão-índios tomassem posse de suas terras: «Nascido(sic) como foi Dourados, de uma heróica e primitivaresistência ao invasor, lá pelos idos dos anos de 1864,quando a Colonia Militar de Dourados foi atacadapor um contingente paraguayo (…) Essa resistênciaheróica (…) evidenciou, mais uma vez o alto espíritopatriótico da gente matogrossense (…). O próprio ini-migo condecorou Antônio João Ribeiro pela sua bra-vura, ao entregar o bilhete escrito a lapis que o mesmodirigiu, dias antes do acontecido, ao Comandante Dias

Silva, em Nioac, cujos dizeres valea pena transcrever: «Sei que mor-ro, mas o meu sangue e o de meuscompanheiros, servirão de protes-to solene contra a invasão do soloda minha pátria.» Justifica-se, as-sim, ao lembrar-mos (sic) êsse fatohistórico que tingiu de sangue aterra brasileira, que Dourados nas-ceu sob o signo da resistência dabravura e do ânimo forte do sol-dado brasileiro.» (grifamos).

Referir-se aos fatos históricospelo viés da tradição e citar os âni-

mos e os comportamentos suscitados em seus atoressupõe certamente a constituição de um «campo patrió-tico». Considerando-se que «Pátria» é uma instituiçãoe um espaço físico, social e cultural relativamente au-tônomo e diferenciado e que, como tal, ela é o lugaronde emerge uma cultura específica, ao configurar esse«campo» pelo discurso, o autor circunscreve um es-paço onde seus atores, os homens da pátria, excluemos outros homens não pertencentes a esse espaço, querseja por enfrentamento hostil (lutas, batalhas), quer sejapor segregação e discriminação. A «Pátria» apresenta-se, assim, como uma instituição discursivamente cons-tituída, em virtude de leis e tradições; ela supõe, deseus agentes, comportamentos estereotipados e alta-mente diferenciados, veiculados na e pela historicidadee dispõe de um conjunto complexo de ritos e de san-ções. (cf. BOURDIEU, 1987, p. 38). Assim, esseparadigma que legitima o discurso de Armando Carmeloacomoda-o na trincheira do discurso «politicamente cor-reto», a salvo das estocadas das críticas das normasideológicas antidiscriminatórias, produzidas, por anta-gonismo, pela mesma sociedade.

Ainda nessa mesma edição da coluna, o autor cita arelação de posse de terra entre esse grupo a que ele cha-mou «bravo», por ter resistido a invasões, e os índios.«E com o decorrer dos anos; (…) instala-se em Doura-dos o não menos heróico sertanista João Vicente Ferreira,(…) fundando, (…) a primeira Fazenda de cultura ,após conquistar a simpatia dos Índios, donos da terraaté essa data.» (grifamos). A maneira como ele apre-senta essa relação denota que as normas sociais vigen-tes legitimam a posse do território brasileiro pelos brasi-leiros (não-índios), outorgando-lhes o direito de lutar porela; enquanto, ainda que reconheça a posse «anterior»dos índios sobre a terra, não reconhece neles o direito,ou a «bravura» de lutar por seus direitos. Dessa forma,ficam estabelecidas duas concepções diferentes de umamesma relação, logicamente operando com conceitosdiferentes do que seja «invasão».

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Pode-se pensar que tais concepções estejam liga-das à tradição, contudo as práticas prescritas ou osvalores veiculados residem menos na engenhosa natu-reza das tradições que na lógica social das instituições,historicamente constituídas. A análise teórica não deveapenas ater-se às relações de causa e efeito, mas atin-gir as crenças comumente partilhadas, pois, como nocaso do exemplo acima a respeito das concepções doque seja o direito à posse de terra, os conceitos, por-que bem fundados, difundem-se socialmente, produ-zindo efeitos absolutamente reais, em virtude das prá-ticas onde eles se encontram inseridos. No caso consi-derado, a crença nas tradições patrióticas é um funda-mento positivo das práticas, dos sentidos e dos inves-timentos (emocionais, temporais e sociais) engajadospelos agentes em jogo.

ConclusãoDebruçar-se sobre o trabalho de reflexão sobre as

relações sociais, ainda que circunscrito ao campolingüístico-discursivo, é sempre uma maneira de con-duzir-se à indagação paradoxal de admiração e de en-cantamento: «Como a sociedade é possível?». Asinterações, cronicamente conflituosas e, por isso, não-discretizadas como tal, são indicadores que reprodu-zem, indefinidamente, o fenômeno urbano, as relaçõesde trabalho e a legitimidade monetária. Categorias vão-se sobrepondo, na busca de atender à emergência denormas coletivas que preservem, ainda que provisóriae precariamente, as singularidades individuais. (cf.VAMBREMEERSCH, 1998, p. 87)

A análise dos dados permite vislumbrar uma rela-ção endógena e dialética entre alienação e liberdade,dentro de um contexto perene de crise de valores.Põem-se a descoberto alguns vértices quasepremonitórios, convergentes a partir de três pontos: aonipresença do outro em todas as representações dosujeito e a tendência geral desse sujeito a reinstaurar-se a partir da presença do outro, ou seja, um proces-so que descreve um movimento cíclico e, ao mesmo

tempo, espelhado; a internacionalização dos sistemassociais e de suas trocas, segundo as quais cadaenunciador, desde os primórdios dessainternacionalização (descobrimento), pode negociar osestatutos da sociedade e das organizações estatais; asmudanças suscitadas por um progresso materialincontrolável e a redescoberta de «estágios existenci-ais», que partilham ciclicamente crises de identidadee de liberdade. A norma tem a função de balizar aconcepção particular do sujeito e de sua relação coma sociedade.

A análise revela um conjunto de advertências à es-tabilidade dos conceitos veiculados no universo socialda linguagem. O sujeito, cindido por natureza (e o in-verso seria patológico), atua no processo social - cole-tivo e sobretudo hetereogêneo - de modo a que a parti-cularidade do actante concorra sempre com a funcio-nalidade do agente. Nessa concorrência (não co-ocor-rência), as normas são mantidas por cumprimento oupor transgressão, a qual é uma maneira de, por nega-ção, garantir a manutenção da norma. O resultado glo-bal apresenta um aspecto bastante caótico, conside-rando-se que as contingências é que estabelecem, viade regra, essa atuação do sujeito na sociedade e que ascontingências presentes (situação atual do índio emcontato com a sociedade não–índia) são refratadas pelas« mesmas » contingências historicamente atualizadas(situação do índio e situação da sociedade não-índiaem diferentes tempos passados) tomadas pontualmen-te na linha do tempo.

Por sua vez, o círculo auto-referencial do valoreconômico apresenta-se ancorado entre os póloslingüístico (metalinguagens e usos, tradições gramati-cais, representações e verbalizações) e ideológico (fi-losofias, tradições nacionais, modos de transmissão doconhecimento e da cultura). Ele permeia, em sincroniae na historicidade, as articulações entre as formaçõesdiscursivas e as concepções e instituições que as sus-tentam. A linha do tempo revela a influência desse va-lor no movimento das normas, bem como dimensionaideologicamente seu enquadramento social.

ReferênciasBALANDIER, G. Anthropo-logiques. Paris: Le Livre de Poche, 1985.BOURDIEU, Pierre. Choses dites. Paris: Minuit,1987.BUENO, Eduardo. A carta magna do Brasil. Folha de São Paulo. São Paulo: Publifolha, 1999.CAMINHA, Pero Vaz de. A Carta de Pero Vaz de Caminha. Folha de São Paulo. São Paulo: Publifolha, 1999. p.7-19CARMELO, Armando. Terra e Gente. Jornal O progresso. Dourados, 1962.CORTESÃO, Jaime. A Carta de Pêro Vaz de Caminha – Adaptação à Linguagem Actual. Folha de São Paulo. São Paulo: Publifolha, 1999.FOUCAULT, Michel. Les mots et les choses. Paris: Gallimard,1966.VAMBREMEERSCH, M. Caroline.(coord.). De l’autre côté du social: cultures, représentations, identités. Paris: L’Harmattan, 1998.

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Dentre os múltiplos temas abordados pela Bíblia o referente àmulher é certamente prioritário. O conteúdo bíblico, no entan-to, chega a nós geralmente filtrado pelas diferentes igrejascristãs, algumas das quais pretendem possuir a chave mestrada interpretação. O presente trabalho é uma tentativa de abor-dar os principais textos bíblicos no que tange ao feminismo. Épropriamente um rápido percurso que parte do Antigo Testa-mento e passa logo ao Novo, dedicando especial atenção aostextos paulinos. Há também alusões à doutrina da Igreja Cató-lica cujas marcas são visíveis no mundo ocidental.

Palavras-chave:representação da mulher;

texto bíblico; estudos literários.

Among the many issues discussed in the Bible feminism isoutstanding. Yet the biblical teaching reach us by and largethough the various christian religions. This essay is an attemptto tackle the main biblical texts related to the women’s issue.The research sets out from the Old Testament and passes thento the New Testament. Special attention is devoted to thewrittings of S. Paul. The doctrine of the Roman CatholicChurch on the subject is also focussed.

Keywords:woman representation;

Bible texts; literary studies.

* Professor deLíngua Espanholae de LiteraturaHispano-Americanado Departamento deLetras da UniversidadeFederal de SantaCatarina.

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A mulher tem ocupado desde sempre um lugar im-portante na literatura, mas os estudos feministas sóganharam destaque em época recente. A vertente lite-rária do tema é objeto de freqüentes estudos e debates.Baste mencionar o espaço dedicado ao mesmo nos con-gressos da ABRALIC em Belo Horizonte e da ABH (As-sociação Brasileira de Hispanistas) em São Paulo, nasegunda metade de 2002. Nas discussões é comumreferir-se à religião como baluarte do anti-feminismo.O cristianismo, por sua vez, remete à Bíblia, na qualpretende basear seus ensinamentos. A leitura dos pró-prios textos bíblicos proposta neste ensaio poderá en-riquecer os debates.

O tema remete imediatamente à história da criaçãodo primeiro casal da humanidade, narrada nas primeiraspáginas da Escritura. Com efeito, Gn 1, 27 relata a cria-ção do homem, isto é, do ser humano, sem preconceitoalgum em relação ao sexo. No desenrolar da história dopovo judeo, embora as grandes gestas sejamprotagonizadas por homens (Moisés, Abraão, Davi, etc.),não faltam as heroínas (Sara, Rebeca, Miriam...) ou anti-heroinas (Dalila, Jezabel e outras cujos nomes não secitam) que desempenham papéis importantes. Isto fazcom que os exegetas de orientação católica vejam naBíblia, já desde o Antigo Testamento, uma valoração damulher, inexistente nos povos daquela época e região(Vocabulário de Teologia Bíblica (VTB), 500).

A FIGURADA MULHER NA BÍBLIA

NOVO TESTAMENTORafael Carmolinga Alcaraz*

Entretanto, o acúmulo de textos e passagensdesabonadores a respeito da mulher, encontrados noAntigo Testamento relativiza dito otimismo. A “NovaLei” proclamada por Jesus Cristo restitui à mulher par-te da dignidade que lhe fora tirada. No entanto, a práti-ca da Igreja primitiva, sob a liderança principalmentedo apóstolo Paulo, relegou a mulher a um segundo outerceiro plano. O preceito do Apóstolo, “a mulher deveficar calada”, concretiza-se atualmente na Igreja cató-lica na proibição de exercer funções tipicamente sacer-dotais. Foi-lhe permitido aproximar-se um pouco maisdo altar, mas sempre em atividades periféricas ou“ancilares”.

No presente ensaio, chega-se ao Novo Testamento(NT), mediante um rápido percurso pelo Antigo (AT),uma vez que a compreensão do primeiro seria comoque impossível sem levar em consideração o segundo.Dentro do NT dedica-se especial atenção aos escritosde S. Paulo, haja vista a sua relevância na Igreja primi-tiva e a influência na moral difundida pelo cristianismo.

As luzes e sombrasdo Antigo Testamento (AT)Nas primeiras páginas da Bíblia afirma-se laconica-

mente, num texto atribuído à tradição sacerdotal1: “Deuscriou o homem (o ser humano / a humanidade) à sua

1 Diferente da tradição yahvista, mais detalhista, à qual se atribui o outro relato da criação, em Gn 2, 18-25. Na elaboração do presentetrabalho utiliza-se a BÍBLIA – tradução ecuménica (TEB). Ediçoes Loyola, São Paulo, 1994.

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Segundo os textosbíblicos ... a unidade

do ser humano,na duplicidade

dos sexos,reflete a

Realidade Supremaque é Deus.

imagem, à imagem de Deus ele ocriou, criou-os macho e fêmea”(Gn 1, 27; Gal 3, 28). No seguintecapítulo do mesmo texto bíblico,ao mesmo tempo que se instaura aigualdade entre homem e mulher,enfatiza-se a reciprocidade. Adãovê em Eva “uma ajuda à altura delemesmo”(Gn 2, 18) e dá-lhe umnome condizente: se ele é is (va-rão), ela será issa (“varona”). Apresença da mulher provoca no ho-mem uma reação até então desco-nhecida: “Eis alguém que é osso dosmeus ossos e carne da minha carne” (Gn 2, 24). Aigualdade, por via da reciprocidade, é frisada tambémno Cântico dos Cânticos (2, 16): “Meu amado é paramim e eu sou para o meu amado”. Até S. Paulo, tãocontraditório em matéria de gênero como veremosposteriormente, afirma a reciprocidade entre homem emulher: “O marido cumpra o dever conjugal para coma mulher e, igualmente, a mulher para com o marido”(1Cor 7, 4).

Segundo os textos bíblicos, portanto, a unidade doser humano, na duplicidade dos sexos, reflete a Reali-dade Suprema que é Deus. Prender-se a um só deles,com menoscabo ou abandono do outro, seria quebraro espelho; este, então, não refletiria mais a imagemdivina e sim uma deformação idolátrica da mesma. “Seo homem e a mulher são imagem e semelhança de Deus,isto significa que Deus é encontrado neles.Aprofundando o conhecimento humano, do masculinoe feminino, surpreendemos Deus cuja natureza apre-senta as qualidades positivas de ambos os princípios –masculino e feminino” (Muraro - Boff, 2002: 106). Ointercâmbio solidário entre as duas “metades” do serhumano, uno e único a ser “imagem de Deus”, instau-ra outro tipo de relacionamento entre a imagem e oModelo. “Por isso masculino e feminino são importan-tes para Deus. Permitem que Deus se faça tambémmasculino e feminino” (Muraro - Boff., p. 110).

No entanto, o que permeou o imaginário coletivodo universo bíblico, e mediante ele o mundo ocidentaljudaico-cristão, não foi o texto de Gn 1, 27 que procla-ma a igualdade dos sexos, e sim Gn 2, 18-25, de claroviés anti-feminista. É o referente à criação da mulherde uma costela do homem. Objetivando originariamen-te a unidade homem/mulher e a monogamia, esse texto

tem sido utilizado para reforçar adiscriminação da mulher e sua sub-missão ao homem. Essa tendênciaé ulteriormente acentuada no rela-to da queda (Gn 3, 1-7). É a mu-lher que, dando ouvidos à voz daserpente, é seduzida e come do fru-to proibido. Ela, por sua vez, tor-na-se sedutora: oferece o fruto aohomem, que também come:Viu, pois, a mulher que o fruto da-quela árvore era bom para comer... tomou do fruto e comeu; deu-otambém ao seu marido e ele comeu;

imediatamente se abriram os olhos e se deram con-ta que estavam nus (Gn 3, 6-7).Assim, tendo sido a mulher a primeira a desacatar o

preceito divino e induzido o homem a cometer o mes-mo pecado, a punição será condizente com a falta: ga-nhará os filhos com dor e ficará submetida ao homem:“Estarás sob o poder de teu marido e ele te dominará”(Gn 3, 16).

A falta cometida pelo primeiro casal da humanidadenão é apenas a infração de um preceito – não comer dofruto proibido – é, antes bem, o primeiro pecado quevem a conspurcar a criação ainda “pura”; é o famigeradopecado original, isto é, o que desencadeia a avalanchede males que subverterá a harmonia dos seres huma-nos entre si e com a natureza. “A harmonia na qual(Adão e Eva) estavam, estabelecida graças à justiçaoriginal, é destruída ...; a união entre homem e mulheré submetida a tensões... A harmonia com a criaçãoestá rompida” (Catecismo da Igreja Católica, N º 400).Todos os males que atormentarão a humanidadedoravante decorrerão do ato praticado pelo primeirocasal no paraíso. “A partir do primeiro pecado, umaverdadeira ‘invasão’ do pecado inunda o mundo: o pri-meiro fratricídio cometido por Caim...” (Catecismo, Nº 401). Assim confirmará séculos mais tarde S. Paulo:“neles (Adão e Eva) todos pecaram” (Rm 5, 12).2

Vale ressaltar que quem propiciou a entrada de ta-manha devastação cósmica foi a mulher:

“No fundo compreende-se a mulher como sexo fra-co, por isso ela caiu e seduziu o homem. Daí arazão do seu submetimento histórico, agora ideo-logicamente justificado. ‘Estarás sob o poder doteu marido e ele te dominará’(Gn 3, 16). Eva será,para a cultura patriarcal, a grande sedutora e a

2 A “teologia do pecado original” é uma peça chave na doutrina católica. Assim como outros dogmas, esse tambem é passível de sériascríticas. “¿Cómo puede exigirse este rigor salvaje para una supuesta culpa contraida por herencia (friso no original), sin que losacusados ni siquiera la conozcan?... Ninguna mente sana puede dar una respuesta satisfactoria a esta soteriología cruel y mítica”(Puente Ojeda, 1997: 262).

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O relato doprimeiro pecado,“pecado original”

projeta asombra de culpasobre a atração

dos sexos.

fonte do mal” (Muraro – Boff,2002: 94).Baseada no texto vetero-testa-

mentário sobre a queda, bem comonas epístolas de S. Paulo que reto-mam o relato anti-feminista da cri-ação, a Igreja católica elaborou umacomplexa “teologia do pecado ori-ginal” (Catecismo N º 402-410).Daí o pessimismo da religião cató-lica em tudo o que concerne à se-xualidade e a desconfiança em re-lação a todo tipo de prazer (Ranke-Heinemann, 1988; Dietl-Zeiner,1996). O relato do primeiro pecado, “pecado original”projeta a sombra de culpa sobre a atração dos sexos. Amulher, “eternamente maldita, feita um ser inferior, ten-tadora e sedutora do homem” (Muraro – Boff, 2002:96), sente-se atraída pelo prazer sexual, mas o preçoque terá de pagar será a dominação exercida sobre elapelo marido, bem como os problemas inerentes à gra-videz. O convívio amoroso e prazeroso, torna-se ins-trumento de poder para o homem e motivo de sofri-mento para a mulher. O mesmo ocorrendo com o po-der de transmitir a vida; em vez de fonte de prazer, étransformado em maldição e realizado em sofrimento(Gn 3, 16).

O saldo do segundo relato patriarcal e misógino dasorigens será o que prevalece ao longo do Antigo Testa-mento, disseminando o pessimismo em relação à mu-lher (Jz 14, 15; Pr 5, 15-20; Ecl 25, 13-26, 18) e acen-tuando o domínio sobre ela por parte do homem. O de-voto judio, homem, dirige-se a Deus na sua oração ma-tutina agradecendo-lhe por não tê-lo feito pagão, igno-rante ou mulher (friso meu). Já a mulher simplesmenteagradece a Deus tê-la feito segundo a sua vontade (VTB,501). O NT apresenta importantes inovações quanto aotema aqui discutido. Na era inaugurada por Jesus Cristoobservam-se dois momentos: o primeiro marcado porseu exemplo e seus ensinamentos, o segundo caracteri-zado pela interpretação da sua doutrina na comunidadeque começará a chamar-se de cristã.

Jesus Cristoe o universo feminino

A novidade da mensagem anunciada por Jesus, oseu ewangelion, isto é, boa nova, caracteriza-se pela

nova maneira de encarar a vida,desconstruindo as estruturas ultra-passadas da Antiga Aliança. O “olhopor olho” é substituído pela atitudede perdão (Mt 5, 38-40), a ganân-cia pela generosidade altruísta (Mt5, 42), a intolerância fundamen-talista pela compreensão (Mc 10,43). Esse novo “jeito” de encarar avida não poderia deixar de lado ouniverso feminino.

A irrupção do Reino de Deus nomundo dos humanos na presençae na doutrina de Jesus Cristo acar-

reta a libertação de todas as opressões e a derrubada demuitos tabus, incluindo aqueles que pesavam sobre asmulheres. Assim, vemos que o Mestre de Galiléia man-tém uma verdadeira amizade com Marta e Maria (Lc10, 38), contrariando os costumes da época, conversapublicamente com uma samaritana, “herege”, segundoa ortodoxia judaica, provocando a perplexidade dos dis-cípulos (Jo 7, 53 – 8,10); deixa que uma mulher, reco-nhecida como prostituta, Madalena, o toque e unja ospés (Lc 7, 36-50). Entre as pessoas beneficiadas comos seus cuidados e objeto do seu carinho há váriasmulheres: curou a sogra de Pedro (Lc 4, 38-39), res-suscitou o filho de uma viúva e a filhinha de um oficialromano, Jairo (Mt 9, 18-29), atendeu aos apelos deuma mulher pagã siro-fenícia cuja filha estava psiqui-camente doente (Mc 7, 26). Jesus certamente não em-preendeu uma reforma que mudasse da noite para odia o status das mulheres do judaísmo vetero-testa-mentário; porém, mediante sua ação mostrou um grandeapreço pela mulher e uma profunda compreensão desuas aspirações religiosas, inexistentes no judaísmo daépoca (Schnackenburg, 1973: 133).

A sensibilidade de Jesus Cristo em relação às mu-lheres aparece também nos seus ensinamentos. Nasparábolas intervêm várias mulheres, geralmente pobres:uma delas, tendo perdido uma moeda, mostra a angús-tia da busca (Lc 15, 8-10), outra, viúva, deposita osúnicos trocados que tinha no cofre do templo (Mc 12,41-44), uma terceira, viúva também, enfrenta corajo-samente um juiz e não arreda pé enquanto não tem osseus direitos respeitados (Lc 18, 1-8).

A atitude simpática de Jesus em relação à causa damulher se manifesta também no concernente à práticasocial do divórcio, realizado pelos motivos mais fúteise sempre pela iniciativa do homem.3 É isso que se de-

3 A razão para o homem pedir ou exigir o divórcio podia ser “alguma impureza”(Dt 24, 1), entendendo por tal qualquer coisa queo homem não gostasse. Segundo alguns doutores da lei bastava a mulher deixar queimar a comida para poder ser despedida(Schnackenburg o. c., p. 135).

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Na primeiracarta do apóstolo

Pedro ... observam-sedetalhes em relação

às mulheres,inexistentesnos escritosdos outrosapóstolos.

duz da pergunta capciosa que lhedirigem os fariseus: “é lícito repu-diar a mulher por qualquer motivoque seja?” (Mt 19, 3). A respostado Mestre remete a Gn 2, 24 ondese atesta a igualdade de ambos ossexos perante o Criador e a vonta-de divina de ambos “se tornaremuma só carne” .

Em suma, Jesus, mediante osseus ensinamentos, corroboradoscom os fatos, mostra claramenteque Deus “não faz acepção de pes-soas” (At 10, 34). Assim comopara qualquer pai que se preze, para o Pai do céu nãohá filhos e filhas e sim crianças, com os mesmosdireitos e deveres. Se na era pré-cristã vigoravam asidéias de dominação machista, Jesus inaugura umanova era. “A mulher irrompe como pessoa, filha deDeus, destinatária do sonho de Jesus e convidada aser, como os homens, também discípula e membroda nova comunidade missiânico-libertadora” (MuraroBoff, 2002: 99).

A comunidade integrada pelos seguidores de Jesuscultua a memória do Mestre e pepetua a sua presençamediante a prática de seus ensinamentos. É assim queconsta dos “Atos dos Apóstolos”. No que tange às mu-lheres, a sua presença é destacada nas cenas das apari-ções do Ressuscitado (Jo 20, 11-18; Mc 16, 9-11; Mt28, 9-11). Elas desempenham também um papel rele-vante na administração da Igreja nascente, juntamentecom Maria, a mãe de Jesus (At 1, 14).

O status dos Apóstolos no concernente à vidaconjugal não sofreu mudança alguma. As mulheresos acompanhavam nas suas viagens missionárias epossivelmente colaboravam na difusão da nova dou-trina. Na primeira carta do apóstolo Pedro aos cris-tãos da época observam-se detalhes em relação àsmulheres, inexistentes nos escritos dos outros após-tolos. O “primeiro papa” da incipiente Igreja, seguindona esteira dos ensinamentos vetero-testamentários,recomenda a submissão das mulheres aos maridos(1Pd 3, 1). Contudo, as exorta a “não se deixaremdominar pelo medo” (3, 6). Aos maridos, por suavez, recomenda que “honrem as suas esposas”; acon-selha, além do mais, que, “sendo as mulheres seresdelicados”, (grifo meu) lhes dispensem um tratocondizente (3, 7).

A mulher nosescritos

de S. PauloA abordagem serena da sexua-

lidade e o trato delicado, eleganteaté, da mulher pregado e praticadopor Jesus e continuado por algunsdos seus seguidores, inova em re-lação aos ensinamentos de Moisés;e, vista à luz dos costumes dosoutros povos da região, a atitudedas comunidades cristãs deve ser

revolucionária. Contudo, se o cristianismo exerceu suainfluência entre os povos que o adotaram, não ficouimune às doutrinas seguidas por eles. Dita influênciase manifestou de maneira especial no que tange à se-xualidade, ao prazer sexual e até sensual em geral(Ranke-Heinemann, 1988: 16-17; Dietl-Zeiner, 1996:26-27).

O grande promotor do ascetismo cristão foi Paulode Tarso, tardiamente agregado ao número dos após-tolos. No item sexualidade, vida conjugal e política“feminista”, Paulo deixou marcas indeléveis na dou-trina, ferozmente impugnada por ele num primeiromomento, e pregada com idêntico zelo, posteriormen-te. A doutrina “paulina”, que em parte completa e atéchega propriamente a “corrigir” a mensagem cristã,conquistará perenidade e até se tornará “infalível” aoincorporar-se aos ensinamentos oficiais da Igreja ca-tólica.

Diferentemente dos outros Apóstolos, de quem sediz que tinham mulher e que eram acompanhados porelas, Paulo vangloria-se de ter dispensado a companhiafeminina (1Cor 9, 5).4 Não só isso. Ele aconselha oestado celibatário como “mais perfeito”. Em conseqü-ência, prescreve o casamento para aqueles que nãoconseguem controlar o impulso sexual.

Contudo digo às pessoas solteiras e às viúvas que ébom ficarem como eu. Mas, se não podem guardara continência, casem-se, pois é melhor casar-se doque arder em concupiscência. (1Cor 7, 8-10).Trocando em miúdos, o conselho de Paulo aos cris-

tãos de Corinto contradiz o texto de Gn 2, 18, “não ébom que o homem esteja só”. O convívio no casamen-to é visto por ele como um mal menor, ou seja, comomeio para evitar o “pecado de incontinência”. Em de-

4 Há várias especulações sobre o estado civil de S. Paulo. Nas epístolas aparece como solteiro, mas é improvável que o fosse antes daconversão. Supõe-se que, ao se tornar cristão, a esposa judia não o quisesse acompanhar. Por outro lado, a sua insistência na vidacelibatária dá lugar a outras especulações (Schnackenburg, o c. p. 250).

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corrência dessa asserção paulina, a teologia moral ca-tólica dos séculos vindouros considerará o casamentocomo remedium concupiscentiae.

Ainda que abolida pela fé (Gal 3, 28), a divisão dossexos renasce e se perpetua na vida da Igreja (VTB,503). E o promotor dessa separação é justamente oapóstolo Paulo. Baseando-se, supostamente, na ordemexistente na criação ele deduz os comportamentos quea mulher deve observar: em primeiro lugar, deve usarvéu nas assembléias de culto, como sinal de submis-são ao marido (1Cor 11, 7-8). Aqui o “Apóstolo dosgentios” faz uma exegese muito peculiar do texto doGênesis referente à criação do ser humano, para logoconcluir: “O homem não foi criado para a mulher, masa mulher para o homem. Sendo assim, a mulher devetrazer sobre a sua cabeça o sinal da sua dependência”(1Cor 11, 9). A Segunda conclusão é conseqüência daanterior e diz respeito à interdição para as mulheres defalarem na Igreja: “estejam caladas as mulheres nasassembléias ..., pois não lhes é permitido tomar a pala-vra. Devem ficar submissas, como diz também a Lei”(1Cor 14, 34). A proibição diz respeito ao ensino (1Tim2, 12), pois “orar e profetizar” é-lhes permitido (1Cor11, 5).

Chama a atenção a insistência de Paulo na submis-são da mulher ao homem (ver também Ef 5, 22). Nãoraro exige também a contrapartida do parceiro, implí-cita em “Sujeitai-vos uns aos outros” (Ef 5, 21). Con-

tudo, mais adiante na mesma epístola insiste, sem men-cionar a reciprocidade: “... as esposas sejam submis-sas em tudo a seus maridos”(v. 24). Esse desequilíbrioem favor do homem colocou a mulher cristã em situa-ção de desvantagem até mesmo em ralação às mulhe-res judias e pagãs do tempo de Jesus (Ranke-Heinemann, o. c., p. 139-140).

A Igreja patriarcal que se apossou da mensagemevangélica utilizou-se muito mais do acervo doutrinalpaulino, no seu viés anti-feminista, do que de outrostextos bíblicos que pregam a igualdade bem como acorresponsabilidade de homens e mulheres na práticae na transmissão dos ensinamentos de Jesus e dosApóstolos. Ancorada nos textos de Paulo, que exaltama virgindade e o celibato, em detrimento do casamen-to, a Igreja celibatária imprimiu no cristianismo a des-confiança do prazer, especialmente sexual, e o receioda mulher, seduzida pela serpente e sedutora do ho-mem. “Entre santa y santo, pared a cal y canto”, reza oditado espanhol. Diante dessas constatações não sur-preende a conclusão pessimista da teóloga alemã antescitada, vítima ela própria da política misógina da Igrejacatólica5: “A história do cristianismo é quase a históriade como as mulheres foram silenciadas e privadas dosseus direitos. E se esse processo não mais prossegueno Ocidente cristão, não é graças à Igreja, mas apesardela, e por certo ainda não foi detido na própria Igreja”(Ranke-Heinemann, o. c., p. 140-141).

5 Com efeito, a teóloga Uta Ranke-Heinemann foi proibida de lecionar nas universidades católicas de Europa após ter publicado seulivro. A tese mais controvertida e a que ela defende capítulo XXX, onde questiona seriamente a virgindade post partum de Maria. Caberessaltar que, às razões aduzidas por ela, a Igreja de Jõa Paulo II respondeu com a força inquisitorial. O mesmo fim teve o estudiosoaustríaco Dietl-Zeiner também citado neste trabalho. O seu “crime” consistiu em ter impugnado, com base em sérias pesquisas,algumas das traduções “doutrinárias” da Bíblia.

BibliografiaBIBLIA, Traducao Ecumenica (TEB). S. Paulo: Ed. Loyola, 1994.CATECISMO DE LA IGLESIA CATOLICA. S. Paulo: Editoras Vozes, Paulinas, Loyola, Ave Maria, 1993.DIETL-ZEINER, J. Das Kastrierte Evangelium – Die falsch ubersetzte Bibel und die Wiederendeckung der Lust. Ariston, Wien, 1996.LEON-DUFOUR, X. (Coord.). Vocabulario de teolgia biblica. Barcelona: Herder,: 1965.MURARO R. M. – BOFF, L. Feminino e masculino – Uma nova consciencia para o encontro das diferenças. Rio de Janeiro:Sextante, 2002 (2ª ed.).PUENTE O. G. Fe cristiana, Iglesia, poder. Madrid: Siglo XXI, Espana – Mexico, 1997 (3ª ed.).RANKE-HEINEMANN, U. Eunucos pelo reino de Deus – Mulheres, sexualidade e a Igreja católica. Trad. Paulo, Rio de Janeiro:Editora Rosa dos Tempos, 1988.SCHNACKENBURG, R. The moral teaching of the New Testament. Translated by Holland-Smith and W. J. O’Hara. New York: TheSeabury Press, 1973.

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Este trabalho pretende ler a poesia de Cecília Meireles, emSolombra, com base num dos quatro elementos primordiais.

Palavras-chave:elementos; terra; Solombra

This paper aims to read Cecília Meireles’ poetry, in Solombra,based on one of the four primordial elements.

Keywords:elements; earth; Solombra

* Professor doDepartamentode Letras doCentro Universitáriode Três Lagoas,da UniversidadeFederal deMato Grosso do Sul.Doutor emLiteratura Brasileira.

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1. Os elementosSelecionamos como objeto de leitura oito poemas,

de um conjunto de 28, da obra Solombra, de CecíliaMeireles, e os identificamos pelos primeiros versosaspeados, dada a ausência de títulos. Este artigo temcomo propósito pensar a matéria com base nos qua-tro elementos: os componentes primeiros de umacomposição; resultantes de um processo de análise,de acordo com Abbagnano (1982, p.291-2).Exemplificando: o que é pedra, em sua configuraçãoe concretização em lexemas será terra, se elemen-tarmente concebido. Assim, na descrição do percur-so dos lexemas aos temas, terra, água, ar e fogo apa-recem como as palavras-chave na organização deum inventário dos quatro elementos primordiais. Aseguir, recorta-se o elemento terra como objeto delevantamento, categorização e reflexão.

Como sujeito, potência, força, extensão, lei, mas-sa e densidade, a matéria, no universo, diversifica-sesem perder a sua unidade (Abbagnano, 1982, p.618-19). Os lexemas apreendem e nomeiam a substânciados seres e das coisas na multiplicidade de seus lu-gares e momentos, no concreto das circunstâncias eações. Os elementos asseguram a unidade de base eas suas combinações ao mundo na variação inume-rável de seus objetos. Generalidades e especificidadesinteragem em tensão permanente A exposição dasanálises dos poemas, segundo a ampla categorizaçãodos elementos, quer apreender os lexemas, as ima-

O ELEMENTO TERRAEM SOLOMBRA,

DE CECÍLIA MEIRELESAntonio Rodrigues Belon*

gens, os símbolos, os temas na condição de termosde relações, de estruturas do objeto em estudo.

2. TerraNas imagens relacionadas ao elemento terra en-

tram as rochas, as pedras, os objetos portadores desolidez e de inesgotáveis sugestões esculturais nomovimento que expressam pelas formas adquiridasem diferentes lugares e épocas, configurando o mundoonde a realidade humana entrega-se à travessia exis-tencial e constrói suas acomodações em sempre re-novadas atividades arquitetônicas.

Falo de ti como se um morto apaixonadofalasse ainda em seu amor, sobre a fronteiraonde as coroas desta vida se desmontam.Sem nada ver, sigo por mapas de esperança:vento sem braços, vou sonhando encontros certos,água caída, penso-me em cristal segura.Ah, meus caminhos, ah, meu rosto, audaz e grave!O claro sol, as altas sombras, a onda inquietae o vasto olhar das grandes noites acordadas!E abre-se o mundo por mil portas simultâneas.Quem aparece? E outras mil portas sobre o mundose fecham. Tudo se revela tão pereneque eu é que sou translúcida morta (1985, p.713)O décimo verso desse poema, “Falo de ti como

se um morto apaixonado”, e o 12º “E abre-se o mun-do por mil portas simultâneas”, no início do últimoterceto, ao começar pela conjunção aditiva e, funcio-

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O homem,a sociedade,

a natureza e o universo,incluindo a

transcendentalidade,passam a fazer

parte da esfera decogitaçõesda poesia...

na como um acréscimo aos ver-sos da estrofe antecedente. En-cerrado por um ponto, apresentaum sintagma nominal, um verbale um adverbial. No que concerneà organização da massa sonora, aconjunção e os dois primeirossintagmas apontados integram aprimeira parte do verso. A aber-tura ao mundo ocorre, efetiva-mente, na percepção dele. Este éo processo de construção da me-táfora. Na segunda parte do ver-so, a ênfase incide sobre a amplitude do arcoperceptual, o surgimento de um grande número deportas, as quais cabem, inteiramente, no tempo. Istotorna possível um inventário dos seres, das coisas, edos acontecimentos e relações do mundo. Assim ficaclaro porque o homem, a sociedade, a natureza e ouniverso, incluindo a transcendentalidade, passam afazer parte da esfera de cogitações da poesia, a co-meçar pela materialidade da terra e nela a ação dotempo.

As palavras estão com seus pulsos imóveis.Caminharia para a morte – e sempre o mesmo pesoe a mesma sombra fechariam meus pedidos.(...)Nada somos. No entanto, há força que prendeo instante da minha alma aos instantes da terra,como se os mundos dependessem desse encontro,desses prelúdios sobressaltados. (p.15)No 12º verso, “como se os mundos dependessem

desse encontro”, do 15º poema, “As palavras estãocom seus pulsos imóveis [.]”, passa-se da considera-ção da terra, um local particular, no discurso do poe-ma, para a apresentação dos “mundos”, umaconceituação mais genérica.

Ó luz da noite, descobrindo a cor submersaPelos caminhos onde o espaço é humano e obscuro,E a vida um sonho de futuros nascimentos.(...)Abro esta porta além do mundo, mas não posso.Basta-me o umbral, de onde se avista o ponto certo,O grande vértice a que sobe o olhar do mundo. (p.715)Numa fala, “Abro esta porta além do mundo, mas

não passo”, no sétimo verso do 16º poema, “Ó luz danoite, descobrindo a cor submersa”, em que o sujeitopoemático assume a primeira pessoa, aponta-se paraa abertura de uma “porta”, de uma passagemfronteiriça, em oposição a um percurso negado porrazões desveladas na seqüência. No verso seguinte,

“o umbral”, a soleira, o limite daporta, apresenta-se como o bas-tante. Não há a necessidade deultrapassá-lo. Dali é possível a vi-são do “ponto certo”, do mais ele-vado local, do vértice adjetivado“grande”. O mundo olha para adireção desta sua mais alta aspi-ração. O último verso do tercetovolta-se inteiramente para esteponto, alcançado pelos olhos, em-bora não atingido pelas mãos, masnem por isso menos perceptível e

satisfatório. Embora distante, é parte de uma vivência.Se agora me esquecer, nada que a vista al-cançaParecerá mudado. E a sombra, exata e móvelSeguirá com sossego o caminho dos vivos.A noite selará com minúcia meus olhosE à cinza de meu rosto o mais agudo sonhoVestígio não trará dos derrotados mitos.No meu dia seguinte encontrareis aquelaConseqüência de ser clarividente e pronta-livre continuação de destinos antigos.(Ah, mas se eu te esquecer ficará pelo mundo,morto e desenterrado, um vago prisioneiro,entregue à dúbia lei dos seus cinco sentidos!Amarga morte: suposta vida...) (p.716)No décimo verso, “... se eu te esquecer ficará

pelo mundo”, do 19º poema, “Se agora me esque-cer, nada que a vista alcança”, o esquecimento ga-nha maior nitidez. O pronome de tratamento dasegunda pessoa do singular põe em cena pela pri-meira vez, no poema, um interlocutor claramenteapontado. Este é o mesmo ser presente em todo opoemário, em Solombra, reaparecendo, poema apoema, nas cogitações do eu lírico. Nas três pri-meiras estrofes da pr imeira parte, se o eupoemático fosse o paciente, o objeto do esqueci-mento, sobre a sua presença no mundo sobrevi-veria a impossibilidade de encontrar-se em sua ple-nitude. Aqui, o esquecimento daquele ser, pelo su-jeito poemático, leva ao deslocamento em sua re-alidade definida em face do seu interlocutor. Acon-tece a sua precipitação no torvelinho do mundo.A persona titular do discurso poemático percorreo caminho do abandono ao vazio existencial, de-corrente do esquecimento. Torna-se morta e prisi-oneira, mas de um tipo que não recebe sepulturanem se cerca de grades. Introjeta a morte. Vive asua vagueza sobre a terra.

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A serenidadeno ser,

em visãoampliada,rompe a

estrutura dotempo.

Na sua condição de corpo duroe sólido do reino mineral, a pedracontrasta com as transformaçõesinerentes ao biológico nas suasetapas de crescimento, maturida-de, velhice e morte. Representa asolidez, a dureza, o volume, “a es-cultura do movimento essencial”(Cirlot, 1984, p.451).

Vens sobre noites sempre. E ondevives? Que flamapousa enigmas de olhar como,entre céus antigos,um outro Sol descendo horizontes marinhos?Jamais se pode ver teu rosto separadode tudo: mundo estranho a estas festas humanos,onde as palavras são conchas secas, bradandoa vida, a vida, a vida! E sendo apenas cinza.E sendo apenas longe. E sendo apenas essamemória indefinida e inconsolável. Pousateu nome aqui, na fina pedra do silênciono ar que freqüento, de caminhos extasiados,na água que leva cada encontro para a ausênciacom amorosa melancolia. (p. 709)No primeiro poema, “Vens sobre noite sempre

[.] E onde vives [?] Que flama”, o aparecimento dapalavra pedra, “[a] fina pedra do silêncio”, adjetivadacomo ocorre no décimo verso, mostra o processo detransferir para o silêncio em seu campo auditivo aspossibilidades arquitetônicas e esculturais do materi-al. Assim ocorre a possibilidade de ver o que é im-perceptível aos olhos como se fora uma esculturaessencial.

Do inventário realizado no primeiro terceto dosegundo poema, “Pelas ondas do mar, pelas ervas eas pedras,” (p.509) entre outros objetos naturais en-contra-se a “pedra”, ela mesma integrante na com-binação “arco de pedra” do verso inicial do oitavopoema do universo dos objetos culturais decorrentesda ação humana.

Teus olhos estarão sobre nós, infindáveis –ó túneis do universo, ó caminhos serenosque passaremos sem agoras e sem ontens? (p.713)O travessão que encerra esse décimo verso trans-

crito do décimo poema, “Só tu sabes usar tão diáfanomistério [:]”, passa por um desvio em relação a suafunção. O seu uso poético equivalente aos dois pon-tos, gera um efeito de estranheza de grande rendi-mento estético ao condensar aspectos arquitetônicos,espaciais, das imagens dos dois versos seguintes nosaspectos temporais dos advérbios, transformados em

substantivos e pluralizados: a es-trofe encerra-se pelos sintagmas“sem agoras e sem ontens [?]”.No verso seguinte, duas apóstro-fes instalam um tom emotivo, gra-maticalmente encarnado na orga-nização da frase. Nelas, “cami-nhos” e “túneis” valem por ins-trumentos de visão. Na primeira,o eu poemático dirige-se aos “tú-neis do universo”. Um túnel é umapassagem, uma travessia, com aangústia nela implicada, é o dese-

jo de tocar os fundamentos do universo. A noção detravessia corresponde à de existencialidade. Um la-birinto parece existir sem uma finalidade aparente,uma complicação irremediável. Na segunda apóstro-fe, a fala direciona-se para os caminhos. Eles articu-lam-se à serenidade. Do aprofundamento cognitivoda realidade propiciado pelos túneis, os caminhos tor-nam-se serenos, calmos, plenos. E indaga-se, decor-rência do redimensionamento da compreensão peloeu poético, sobre a perda da vigência do tempo e doespaço, no último verso da estrofe. A serenidade noser, em visão ampliada, rompe a estrutura do tempo.O ser conquista a onivisão. Numa síntese do espaço/tempo, indica um deslocamento, configurando-se ocaráter arquitetônico da espacialidade. A construção,torre ou labirinto, é pedra, é terra.

Confirmando a imagem de delicadeza, a noite éapresentada como jardim, um espaço vegetal, vivo,organizado pelas mãos do homem onde a atitude en-contra um escoadouro: tempo e silêncio. A uniãodos mundos, aqueles da poesia, ocorre nesta pers-pectiva de elaboração humana, encontrando um pontode partida, as raízes, no elemento terra. A noite é omomento de reflexão, de meditação, de sonhos, decuidados com esse jardim, de poesia.

O gosto da Beleza em meu lábio descansa:breve pólen que um vento próximo procura,bravo mar de vitória – ah, mas istmos de sal!Eu – fantasma – que deixo os litorais humanos,sinto o mundo chorar como em língua estrangeira:eu sei de outra esperança: eu conheço outra dor. (p.712)O movimento do sujeito é de abandono de uma

posição humana apresentada como litorânea, “sintoo mundo chorar como em língua estrangeira”, noquinto verso do nono poema, “O gosto da Beleza emmeu lábio descansa [:]”. O litoral é um ponto de re-ferência na concepção de outras terras acessíveis

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O movimentodo sujeito é deabandono deuma posição

humanaapresentada

como litorânea...

pelo mar de que ele é a margem,ou no entendimento dos interio-res de um lugar limitado pelooceano. Numa ou noutra esco-lha, trata-se de deslocamentopara uma realidade diferente. Odeslocamento, a partida, gera lá-grimas no e do “mundo” emabandono, revela o verso: lágri-mas e lamentações, numa mani-festação cujo sentido não secompreende. Uma língua es-trangeira para o ente em buscade outras possibilidades de percurso. O final destequinto verso ocorre pela presença de dois pontos,a mesma pontuação existente no interior do versoseguinte, assinalando uma pausa intraversal: nosdois casos, a tensão entre a interrupção e a conti-nuidade expressa-se no recurso gráfico adotado.

O espaço litorâneo apresenta-secomo a região limiar entre a terrae o mar, o sólido e o líquido emcontato.

O homem, no uso de sua ima-ginação, esculpe, arquiteta, elabo-ra formas no mundo, põe-se a agirsobre a terra, integrando a solidezelementar ao seu processo de so-nhar e viver, interior e exterior-mente, em função das palavras,das imagens e dos símbolos querespira.

O artigo termina na fixação de um pensar a ma-téria com base nos quatro elementos: os componen-tes primeiros de uma composição; resultantes de umprocesso de análise, conforme o pensamento já cita-do de Abbagnano, elegendo a terra e concebendo-acomo elemento prioritário.

1. BibliografiaABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia . São Paulo: Mestre Jou, 1982.AZEVEDO FILHO, L. A. de. Poesia e estilo de Cecília Meireles. Rio de Janeiro: José Olympio,1970. (Documentos brasileiros,149)BACHELARD, G. A terra e os devaneios da vontade: ensaio sobre a imaginação das forças. Tradução de Paulo Neves da Silva. SãoPaulo: Martins Fontes, 1991.CAVALIERI, R. V. Cecília Meireles: o ser e o tempo na imagem refletida. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.CIRLOT, J-E. Dicionário de símbolos. Tradução de Rubens Eduardo Ferreira Frias. São Paulo: Moraes, 1984.DAMASCENO, D. Cecília Meireles: o mundo contemplado. Rio de Janeiro: Orfeu, 1967.DANTAS, J. M. S. A consciência poética de uma viagem sem fim: a poética de Cecília Meireles. Rio de Janeiro: Eu e Você, 1984.MEIRELES, C. Poesia Completa. Organização e introdução Walmir Ayala. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.MEIRELES, Cecília. Obra poética em um volume. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985. p. 709-720.

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Teses e Dissertações

Segundo Jorge Luis Borges, “la poesía nace de laciudad y también la poesía que celebra los motivosdel campo”.1 A noção perspicaz de Borges de que aliteratura (ou a poesia) sempre teve como berço na-tural a cidade (em tempos modernos e mesmo pré-modernos), embora configure e traduza uma tradi-ção literária argentina específica (em que a lingua-gem da ficção, mesmo quando fala de temas rurais,é a linguagem da cidade), estende-se, de modo geral,a toda literatura moderna ocidental.2

A poesia, por natureza, é o resultado de uma cons-trução (seguindo pelo pensamento de Borges) inte-lectual-subjetiva; é um “Aleph” através do qual sepode ver e aproximar-se de tudo, das relações maiscomplexas e simples do ser humano consigo mesmo,com os outros e com a natureza, de espaços e tem-pos. Trabalha numa perspectiva infinita (“um infinitoem abismo”), em que a literatura se nutre da própria

JORGE LUIS BORGESE MÁRIO DE ANDRADE

POESIA E IMAGINÁRIO URBANO*

Ronaldo Assunção**

* Defendida em 24/05/2002, junto aoDepartamento de Letras Modernas da FFCH da USP.Orientador: Prof. Dr. Jorge Schwartz.**Departamento de Letras da UFMS, Campo Grande

1 BORGES, Jorge Luis. “Lugones, Herrera, Cartago”, in: Revistadel Colegio de Estudios Superiores, n° 268.V. XLVI, ano XXIV,março 1955, Buenos Aires, p. 3.2 Malcolm Bradbury aprofunda a idéia de que a literatura e asartes de modo geral foi “uma arte de cidades” em “As cidadesdo modernismo”, in: BRADBURY, Malcolm eMACFARLANE, James (orgs). Modernismo: guia geral 1890-1930. Trad. de Denise Bottmann, São Paulo: Companhia dasLetras, 1980, pp. 76-82.

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literatura, produzindo ficções de ficções, como fazPierre Menard com Don Quijote.

A poesia não nasce do alheamento de um eu po-ético no tempo e no espaço; não se alheia da históriae dos conflitos humanos mais comuns. Ao contrário,“la mayor parte de los sentimientos comunes, la mayorparte de los sentimientos humanos, han encontradoforma dentro de la poesía, y expresados una y otravez, como se debe ser, durante el último milenio”,observa Borges.3

Advoga-se, desse modo, ao artista a tarefa de vere anunciar, a partir dos mecanismos próprios da lin-guagem artística, as infinitas manifestações do serhumano, os limites do poder político e cultural queorganiza e dirige a sociedade, a sua comunidade, sema qual a liberdade artística faz-se vazia e inócua. Nãose reivindica aqui uma função puramente sociológica(ou pragmática) e política da literatura, descambandopara um determinismo e reducionismo realista de umespaço e de uma época. Esta tendência em reduzir otexto ao contexto há muito foi superada por uma tra-dição crítica brasileira já consolidada a partir dos es-tudos de Antonio Candido. Nessa linha, Alfredo Bosi,ao fazer uma auto-análise de seu percurso crítico,observa que a poesia, seja ela mística, intimista, satí-rica ou utópica, não o levou a vê-la como um mero“espelho da ideologia dominante, mas pode ser o seuavesso e contraponto (...). Tratava-se de entender ariqueza imanente do símbolo poético em uma pers-pectiva realista pela qual a poesia faz parte do movi-mento histórico, é um dos seus modos de manifestar-se, e não um seu epifenômeno”.4

Um dos temas ou umas das problemáticas pre-sente na poesia e na arte de maneira geral é a ques-tão da cidade (moderna sobretudo) e suas implica-ções na vida, na arte e na cultura, num sentido amploe específico. A presença da cidade como tema e ar-tefato conformou, na literatura ocidental, o que seconvencionou chamar de uma “estética urbana”, quefloresce de um modo mais arraigado a partir do sé-culo XIX, particularmente.

Os estudos em torno de uma estética urbana têmoferecido elementos chaves para se entender asmanifestações sociais e artísticas no contexto damodernidade e da cidade. “Objeto natural, ao passo

que sujeito cultural, a cidade é uma das formas emque indivíduo e massa, matéria e memória se articu-lam”, argumenta Raúl Antelo, e completa: “talvez sejapor isso que a ecologia urbana não pode pensar acidade sem a cidadania, assim como não pode con-ceber a modernidade sem a cidade”.5

A cidade que se projeta (se traduz) no fazer poé-tico não é um mero reflexo daquilo que “aparenta”ser. Não se trata de descrever, mas de traduzir. Emoutro termos, a poesia não configura uma experiên-cia mimética da cidade real, mas apreende-a por meiode figuras, de imagens que apenas cifram, insinuamos seus traços determinando uma iconografia da ci-dade. A cidade surge, assim, como resultado de umaconstrução imaginária. Mais que teorizar e definir acidade, o poeta parece que rompe constantemente odefinível, o controlável. Assim como a arte, a cidadecaracteriza-se por sua natureza inacabada e de de-sapropriação. Decorre daí a opção pelo detalhe emdetrimento do todo. É assim que a poesia se atém atraduzir, por meio de uma linguagem alegórica, sim-bólica e imagética, os elementos anônimos,descentrados, quase invisíveis, os espaços micros: acasa, o indivíduo, a rua, o bairro, o ônibus, o bandido,a prostituta, o vendedor sem carteira de trabalho, ocrepúsculo, os amanheceres, a mulher que passa...,enfim, o outro lado da rua, denunciando as suas con-tradições e os interesses antagônicos do poderhegemônico que tenta dominar e controlar a tudo e atodos.

A cidade simbólica ou imaginária, edificada à parteda cidade presente, concreta, não significa umalheamento da mesma, mas um modo específico (di-ferente) de aproximar-se dela. O processo de cons-trução imaginária articula-se, intimamente, com aquestão da memória. A memória enquanto resgatede fragmentos, índices, marcas de sentidos explícitose palpáveis de um passado ainda presente na geo-grafia da cidade moderna, caótica, que foge cons-tantemente de seu horizonte perceptivo.

É a partir destas premissas que se consolidou atese de Doutorado desenvolvida por mim na Univer-sidade de São Paulo, tendo como meta principal fa-zer o estudo crítico-comparativo entre a poética ur-bana de Mário de Andrade (em torno de São Paulo)

3 Entrevista a Richard Burgin, in: BURGIN, Richard. Conversaciones con Jorge Luis Borges. Madri : Taurus, 1974.4 BOSI, Alfredo. “Sobre alguns modos de ler a poesia: memórias e reflexões”, in: BOSI, Alfredo (org.). Leitura de poesia. São Paulo:Ática, 2001, p. 37.5 ANTELO, Raúl. “A matéria dura: terra roxa”, in: Revista da biblioteca Mário de Andrade, n° 52. São Paulo, 1994, p. 67. (Republicadoem ANTELO, Raúl. Transgressão &modernidade. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2001, pp.69-76.).

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e a de Jorge Luis Borges (em torno de Buenos Aires).Meta que está motivada, por um lado, pela forte rela-ção que ambos articulam entre a poesia e a cidade,e, por outro, pelo desejo de aproximar, através daleitura destes poetas, a tradição literária brasileira coma hispano-americana ou mais restritamente com aArgentina (em que pese as suas diferenças), acentu-ando a fluidez dialógica que deve ser a função maiorda arte.

A relação que se estabelece entre a poesia e acidade permitiu aflorar, no corpo do trabalho, proble-máticas importantes dentro do contexto damodernidade: a tradição, a memória, a identidadecultural e a questão da língua, particularmente no quetange à oralidade. O recorte temático revelou,subtilmente, que nem toda a obra de Mário e Borgespode oferecer possibilidades comparativas entre si.Como se sabe, a atividade literária de Mário é inter-rompida precocemente com sua morte já nos anosquarenta, enquanto Borges segue em atividade atéos anos oitenta. Daí que uma aproximação mais pro-dutiva entre os dois autores se potencialize particu-larmente em torno da poesia, sobretudo nos anos vintee trinta, que por sua vez está fortemente cruzada pelaquestão da cidade.

O levantamento, a seleção e a leitura de uma bi-bliografia crítica sobre a obra dos autores foi um de-safio tão trabalhoso (ainda que extremamenteenvolvente) quanto o estudo dos próprios textos se-lecionados. Frente a um manancial bibliográfico tãosignificativo e extenso, a escolha e a omissão não foium desejo, mas uma necessidade. Sobre esses tex-tos escolhidos me debrucei não sem ter tido surpre-sas agradáveis. Com eles capitalizei conhecimentospara meus próprios fins. A apologia à crítica se fazaqui porque essa se converte, entre os leitores, comoexercícios de leitura que ampliam e renovam umarede nunca terminada (e que talvez nunca tenha fim)e que coincide com o postulado hermenêutico queconcebe toda prática interpretativa como algo quedeve ser compartilhada, ratificando o valor da obra eestimulando o intercâmbio de pontos de vista análo-gos, diferentes e antagônicos. O desafio maior, en-

tão, ao enfrentar-se com uma crítica (ou parte dacrítica borgeana e marioandradina) de qualidade in-discutível, foi o de não se deixar levar pela pura esimples glosa ou tautologia.

Delimitei o corpus de análise em função muitomais da temática (poesia e cidade) que propriamentepor um critério cronológico, ainda que os principaistextos analisados, sobretudo os livros de poemas, sesituem na década de 20, com maior peso para Borges.Como se sabe, Mário desloca-se do urbano para umcontexto cultural mais amplo do universo brasileiro,embora encerre seu itinerário lírico justamente comuma obra centrada no urbano, a Lira paulistana(1945). No caso de Borges, depois da década de vin-te, a cidade volta em poemas espalhados aqui e ali aolongo de sua extensa obra. Quero frisar que, ao con-trário do que fazem muitos críticos, sobretudo em tornoda obra de Borges, não me ative a diferenciar etapasevolutivas em sua estética: ou seja, não busquei de-marcar as peculiaridades do que se convencionouchamar de um Borges “primeiro”, que iria até a dé-cada de 30 para uns, ou até a década de 40, paraoutros, e um Borges “segundo” (mais “maduro”) daíem diante. Tampouco ative-me nesse debateinfindável e com freqüência inócuo sobre um Borges“nacionalista” (“criollista”) e um Borges“universalista” ou “cosmopolita”; debate já superadopelo prisma de trabalhos mais recentes que se des-vencilharam destes lugares comuns. De modo que,sem estar preso a uma visão cronológica e evolutivados autores, me reportei a textos de diferentes perío-dos, ora dos anos 20, ora dos anos 30, ou 40, ora deoutros (no caso de Borges), sobretudo os que têmalgum vínculo, direto ou não, com a temática urbana.

A questão histórica ou contextual foi relevante,na medida em que ambos os poetas surgem no cená-rio literário e cultural de seus respectivos países numamesma época: início dos anos vinte. E vivem as mes-mas turbulências estéticas e políticas que abalaram omundo nesse período. Em outros termos, são poetasque surgem e vivem um mesmo momento históricoe, cada um a sua maneira, representam vozesdissonantes em seus respectivos contextos culturais.

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Teses e Dissertações

Vânia Maria de Vasconcelos

A POÉTICA IN-VERSODE MANOEL DE BARROSMETALINGUAGEM E PARADOXOS*

A Poesia é um fato lingüístico singular que secaracteriza como literatura, sendo assim, constitui-se como objeto de investigação da lingüística geral,ou seja, da ciência da linguagem como um todo. Oestudo da linguagem não estanca suas investigaçõesem si mesmo, ao contrário, pode e deve buscarproblematizações da literatura para conhecer os fe-nômenos lingüísticos. A literatura não pode e não deveser ignorada pelo lingüista, porque ela é a arte que seexpressa pela palavra. É ela que trabalha a línguaem todas as suas possibilidades e nela condensam-se as maneiras de ver, de pensar e de ouvir de umadada formação social numa determinada época. Oestudo da poética é indicado pelo grande lingüistaRoman Jakobson como um direito e um dever da Lin-güística, uma vez que a investigação da arte verbal,em toda sua abrangência, inclui também aconstatação de que a poesia é uma espécie de lin-guagem.

Dentro da concepção de diferentes tipos de lin-guagem consideramos de importância crucial o en-tendimento de suas funções. Segundo Chalhub, acomunicação se processa quando existe uma fontee um destino, sendo a primeira a produtora do pro-cesso comunicacional e a segunda o fim para o quala mensagem se dirige. A realização desse percursoda mensagem é feita pelo canal. O que transita poreste canal são sinais físicos, concretos, codificados.

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* Defendida em 26.06.02 junto ao Programa de Pós-graduaçãoem Comunicação e Semiótica da PUC de São Paulo.Orientadora: Drª Olga de Sá

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Por sua vez, a codificação necessita de leis, conven-ções, preestabelecidas entre a fonte e o destino. Ouseja, o código é a organização dos elementos quecompõem o conjunto de regras que determinam omodo da ocorrência da combinação desses sinais fí-sicos. É verdade que estes sinais físicos podemextrapolar o sistema lingüístico. Segundo McLuhan,teórico-poeta dos Meios de comunicação como ex-tensões do homem, “o meio é a mensagem”. Isto é, amensagem se caracteriza de acordo com o canal ondesão organizados os signos, como a visão de O Corti-ço de Aluísio de Azevedo da perspectiva do livro eda tela de cinema.

No âmbito da lingüística, a partir do ensaio “Lin-güística e poética” de Jakobson, conhecemos o pro-cesso da comunicação. Neste ensaio, Jakobson, des-creve as funções da linguagem centradas nesses pro-cessos comunicacionais (acima citados), suas arti-culações e hierarquias, seu modo de organização para,finalmente, apontar o ser poético de uma dada men-sagem. Aí se encontra a função metalingüística,contextualizada em articulação com as outras fun-ções de linguagem, principalmente com a função po-ética.

Na mensagem poética os signos são codificadosde maneira o mais singular possível, mas provoca umasurpresa no receptor, instigando o receptor adesautomatizar a sua sensibilidade. Visto que namensagem poética há o cuidado e consciência naemissão do código, introduzindo-se elementos ruido-sos no canal, com o pressuposto de que a recepçãotenha o mesmo cuidado e a mesma consciência nadecodificação.

Segundo Jakobson, numerosos traços poéticospertencem não apenas à ciência da linguagem, masa toda teoria dos signos. Modernamente, ametalinguagem tem sua origem nos estudos sobrepoética. No entanto, a reflexão sobre a linguagemvem desde a retórica de Aristóteles. O que é moder-no é a maneira interdisciplinar de sistematizar os fa-tos.

Devido a complexidade da obra de Manoel deBarros tanto no modo despojado de organização dossignos, de construção do material lingüístico, dosignificante, do aspecto sensível, quanto do leque deinformações que nos chegam a partir de temáticas,entendemos que a metalinguagem cumpre o seu pa-pel como instrumento do código. Poeta e leitor, nessecaso, precisam verificar se o código que utilizam é omesmo. O discurso desempenha a função de auto-

referencializar. São relações de substituições, no eixoparadigmático. Conforme nos aponta Chaulb, Peircejá nos informava do caráter de representação ede substituição do signo e a sua noção deinterpretante – um signo que substitui um signoanterior, ou o significado de um signo é outro sig-no – equivale a operação tradutora dametalinguagem.

São várias as posturas metalingüísticas encon-tradas na poesia de Manoel de Barros, desde aforma mais elaborada da expressão, como a in-venção gráfica – aquilo que percebemos comopoesia visual, em que se resgata o significante -até a pura e simples tradução da linguagem à ma-neira de verbete de dicionários, do tipo glossário.Há ainda formas de metalinguagem mais familia-rizadas ao grande público, que lembram os cartõestrocados pelos adolescentes, do tipo: amar é..., quenos remete ao verso de Manoel de Barros: poe-sia é...quando a tarde está competente paradálias.

Manoel de Barros (re)cria a função dametalinguagem em sua poesia, quando faz uma tra-dução do objeto real de modo icônico, o objeto sobreo qual o poema fala está na diagramação do texto, deforma que a materialidade em sua poesia é coerentecom os aspectos pragmáticos, ou seja, inseridas àscircunstâncias de modo, tempo e espaço dos elemen-tos naturais e psicossociais que se inserem em suaobra.

Em vista desses fatores, é natural que a recepçãoda poesia de Manoel de Barros tenha sido lenta, istoé, tenha demorado muito para que viesse a ser con-sagrada entre estudiosos e críticos literários. Logono início de sua carreira como poeta, quando aindaera adolescente, não teve muita aceitação. Portanto,não houve comunicação entre sua poesia e o públi-co. Talvez por falta de uma boa divulgação, ou porser mal publicado. O certo é que, mesmo após váriaspublicações permaneceu por muito tempo desconhe-cido da Crítica; somente quando completou sessentaanos é que teve seu trabalho reconhecido. MillôrFernandes foi o primeiro a recomendá-lo na décadade setenta. Apesar disso, até hoje, o grande público(a maioria dos leitores) não tem entendido essa poe-sia e menos ainda lido sobre ela .

Sabemos que a recepção de uma obra de artedepende do repertório – arquivo cultural de cadaleitor. Segundo Jakobson, se uma mensagem or-ganiza-se de modo a provocar reconhecimento deconceitos e formas já adquiridos pelo receptor por-

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que fazem parte da cultura, o público se amplia, namedida em que este conhecido repele o novo etraz à tona o velho. Se, inversamente, na organiza-ção da mensagem, os sinais forem manipulados inu-sitadamente, a forma nova provocará umestranhamento ao receptor. O público seráafunilado, porque sob o ponto de vista do repertó-rio, o que é claro é a dificuldade de reconhecer obelo no signo novo.

Para a semiótica muito interessa a questão da obrapoética em virtude de se apresentar como um signoartístico completo, compreendido como um amplo sis-tema de signos culturais, em relação ao contexto noqual estão inseridos o emissor, o autor e o receptor.

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A metalinguagem, entendida como a linguagem utili-zada para descrever outra linguagem ou qualquer sis-tema de significação, também assume seu papel decrítica estética em relação à linguagem-objeto (poe-ma).

Na realidade, a partir do exposto, entendemos queos paradoxos em Manoel de Barros contribuem maispara o entendimento dessa Poética do que confun-dem o leitor mais avisado. Esse uso de paradoxos, detransgressão das normas indica que o poeta questio-na sistemas ou pressupostos que se impõem comoinquestionáveis, formulando, assim, uma proposta dePoética que se situa no oposto, ou seja, como diz opróprio Manoel de Barros, que “desexplica”.

BibliografiaCHALHUB, Samira. Funções da Linguagem. 5 ed. São Paulo, Ática, 1991.––––––––. A metalinguagem. 2 ed., São Paulo, Ática, 1988JAKOBSON, Roman. Lingüística. Poética. Cinema. São Paulo, Perspectiva, 1970.

PEIRCE, C. S. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. São Paulo, Perspectiva, 1990.

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RESOLVE:

Art. 1º - A Revista de Letras Papéis, publicada pelaEditora UFMS, está aberta preferencialmente à comunidadeuniversitária e destina-se à publicação de matérias, que peloseu conteúdo, deverão tratar de temáticas, voltadas para otexto literário, para a lingüistica, para as questões culturais,para a arte de modo geral e outras em torno da área de Letras.

Art. 2º - A revista terá periodicidade semestral, po-dendo ter tiragem diferenciada, estabelecida no Plano Anualde Editoração.

Art. 3º - O calendário de publicação da revista deLetras Papéis, bem como as datas de fechamento de cadaedição, são definidas pelo Conselho Editorial, de acordo coma Editora da UFMS.

Art. 4º - A Revista é dirigida por uma Câmara Edito-rial, composta por, no mínimo, 3 (três) nomes ligados a áreade Letras, sob a presidência do seu representante no Conse-lho Editorial.

Art. 5º - Os membros da Câmara Editorial serão indi-cados pelo Conselhos Editorial, com periodicidade de 2 anos.

Art. 6º - A Editora UFMS publicará na Revista deLetras Papéis os seguintes trabalhos:

I – Artigos originais, com abordagens teórico-práticasreferentes à pesquisa, ensino e extensão, que contenham re-sultados conclusivos e relevantes. Não podendo ultrapassar15 páginas aproximadamente (formato A4), digitadas em es-paço duplo através de editor de texto compatível com WORD,fonte Times New Roman, corpo 12.

II – Artigos de revisão ou atualização, quecorrespondem a textos preparados por especialistas, a partirde uma análise crítica da literatura sobre assunto de interesseda comunidade universitária.

III – Comunicações, envolvendo textos curtos, nosquais são apresentados resultados preliminares de pesquisaem curso, ou recém concluídas.

Art. 7º - A entrega dos originais para a revista obede-cerá aos seguintes requisitos:

I – Em três vias impressas, com páginas numeradas.Duas delas não devem ter informação que identifique a auto-ria. Em folha separada, devem vir o título, além do endereçocompleto (inclusive fone, e-mail), bem como informação daárea em que se insere o trabalho, sua formação acadêmica e ainstituição a que está vinculado.

II – Em disquete, digitados em programa Word forWindows recente, sem formatação além de parágrafos. Deveser colada, no disquete, uma etiqueta contendo o nome do

autor, o título do trabalho e o programa utilizado. O disquetenão será devolvido, mas o autor deverá mantê-lo em seu arqui-vo para eventuais modificações sugeridas pelos consultores.

III – Os trabalhos devem ser precedidos por Resumo/Abstract: datilografados em itálico, precedidos pelas palavrasResumo ou Abstract, em duas versões de cerca de setenta(70) palavras; uma em português e outra em inglês. Recomen-da-se que sejam revistas por falantes proficientes dos respec-tivos idiomas. Devem ser fornecidas até quatro palavras-cha-ve em português ou Key Words, em inglês, precedidas pelostermos palavras-chave ou Key-Words.

IV – A bibliografia e as citações bibliográficas deverãoser elaboradas de acordo com as normas de referência da As-sociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)-6023.

V – As Notas devem ser digitadas em pé de página,numeradas a partir de 1. Para as notas de títulos devem-seusar asteriscos. As notas não devem servir como referênciabibliográfica e devem ser feitas no corpo do trabalho, entreparênteses, usando o sobrenome do autor, data de publicaçãoe página, para os casos de citação; para os casos de paráfrase,devem ser precedido de cf. Ex: Heidegger (1958:125) ou(Heidegger, 1958:125) e (cf Heidegger, 1958:125) ou (cfHeidegger:1958:125). Não se deve sublinhar para dar ênfase,e, sim, digitar em itálico.

Art. 8º - Para apreciação e parecer, o Conselho Edito-rial submete os trabalhos propostos à avaliação de consulto-res internos/externos.

Paragráfo Único: De posse dos pareceres dos consul-tores, o Conselho Editorial decide, em última instância, sobrea publicação ou não desses trabalhos.

Art. 9º – O (a/os/as) autor(a/as/es) será(ão)informado(a/os/as) sobre a avaliação do texto queencaminhou(ram) para publicação no prazo máximo de 3 (três)meses.

Art. 10 – Ao autor de trabalho aprovado e publicadoserão fornecidos, gratuitamente, dois exemplares do númerocorrespondente da Revista.

Art. 11 – Uma vez publicados os artigos e aprovadospelo Conselho Editorial, à Revista de Letras Papéis se reservatodos os direitos autorais, inclusive os de tradução, permitin-do, entretanto, a sua posterior reprodução como transcrição,e com a devida citação da fonte.

Art. 12 – Casos não previstos nesta norma serão ana-lisados e decididos soberanamente pelo Conselho Editorial.

Amaury de SouzaPresidente

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Estabelece normas para a Revista de Letras PapéisRESOLUÇÃO nº 045/02, de 12 de dezembro de 2002

O PRESIDENTE DO CONSELHO EDITORIAL da Editora da Universidade Federalde Mato Grosso do Sul, em reunião ordinária realizada no dia 12 de dezembro de 2.002,

no uso de suas atribuições regimentais contidas no Capitulo III, art. 15, inciso VI,anexo da resolução nº 016 de 16 de 2002/COUN;

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