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1 P o e s i a & Revolução De Rafael Rossi A vida é luta e é da luta que a vida nasce; o movimento das coisas que move a nossa consciência faz brotar do sentimento o futuro que irrompe do momento; e de tudo se faz poesia. Que essas palavras de dor, de amor de angústia signifiquem algo nas coisas que passam nesse mundo. Assim continuemos a caminhar, porque o caminho vale a pena, a esperança vale a pena, e tecendo as palavras colorimos nossos sonhos na aquarela do destino.

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Page 1: P o e s i a Revolução · 1 P o e s i a & Revolução De Rafael Rossi A vida é luta e é da luta que a vida nasce; o movimento das coisas que move a nossa consciência faz brotar

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P o e s i a

&

Revolução De Rafael Rossi

A vida é luta e é da luta que a vida nasce; o movimento das coisas que move a nossa consciência faz brotar do sentimento o futuro que irrompe do momento; e de tudo se faz poesia. Que essas palavras de dor, de amor de angústia signifiquem algo nas coisas que passam nesse mundo. Assim continuemos a caminhar, porque o caminho vale a pena, a esperança vale a pena, e tecendo as palavras colorimos nossos sonhos na aquarela do destino.

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Meus poemas, algumas palavras Versos de pétala e espinho O Cavaleiro da Triste Figura De como se perde a liberdade Caminhos e Destinos Contrastes da Cidade ou Casa dos Espelhos Sangue e Morte no ano de Marte Metáforas Pâmela Passo as tardes a te esperar Tudo ou nada Tempo perdido Carnaval Desertos de sal Claro como a noite Panis et circenses Não sou brasileiro Sociedade de consumo Sons da madrugada Já Esses olhos Socorro Haiti livre 23 Confissão em Terceira Pessoa ahmin temen Corpo e mente de Teles Cândido 764 Luz de Abajur 9 Velho Mundo Novo Queimo hoje esta bandeira Brasil Aquele poema que te recitei todos os dias de minha vida Realidade e Sonho Arte

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O Cavaleiro da Triste Figura De tão cheio chego a estar vazio De tão só, só a solidão me acompanha Neste inferno que já é quase gelo Nestes dias frios de verão. Águas que de escuras não se vê o fundo Um coração que não é raso, mas profundo, denso E que nem em estação de seca dorme O amargo que dá o gosto do açúcar. O sol ainda brilha à madrugada E eu que as dores do mundo sinto Sinto muito por mim mesmo Mesmo assim, assim mesmo.

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Eu ando, ando, ando, ando e nunca chego Num ponto, no ponto, naquele A pit stop eu que não tenho direito Vou seguindo sem saber bem por quê. Rimas que rimar, não sei; Notas que cantar, cantei; A morte precoce, a loucura e as enfermidades, Tudo o que compõe e comporá minha vida. E eu persisto em minha cruzada Faço da dor minha companheira Da paixão, a minha espada Vida, estrada que esta corta sem dar satisfação. Mas o pôr-do-sol não é mais tão bonito, Como era naquele céu poluído E venho eu, um rio que corre pro meu Rio, Buscando a felicidade de um cão no cio.

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De como se perde a liberdade Somos livres pra lutar por Liberdade! Somos livres pra lutar por Decidir! Somos livres pra deixar Que eles decidam! Que eles decidam se devemos Decidir! Decidir o que é bom, o que é seguro Seguro... Dentro de uma cela. Seguro... Como um animal na jaula. Seguro... Como um criminoso na prisão. Seguro... Como a segura vida de Ilusão! Pobres daqueles que concedem poderes, Porque quem concede tem poder, Mas o Ignorante ainda não o sabe, O Sem-Consciência não entende, E reproduz a letra de um jogral! Pobres deles... Pobres de nós! Livres aqueles, seguros de nós, Seguros de si, prisioneiros de ti. Segurança-Histeria-Histeria-Segurança!

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O caminho mais rápido Para a Escravidão! Mas... Silêncio! Tudo cala; e se quem cala, consente... Consinta; sinta; não minta. Apodreça... Na segurança do seu lar!

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Caminhos e Destinos A morte é esquecimento É fechar as cortinas do teatro É encerrar este triste espetáculo Morrer é como o apagar de uma estrela: Um dia brilha e outro é tudo vácuo, espaço, vazio, escuro e sozinho. Viver é lutar contra o esquecimento É a busca de um pouco da eternidade Num filho, numa obra, na amizade É a esperança na continuidade, Na perpetuação de si mesmo Pra além da morte, pra além da vida Por que o sofrimento é parte da vida? O sofrimento nos faz sentir a vida O que é viver sem sofrer? É morrer todo dia... O valor da comida está na fome E o valor da alegria está no sofrer O valor da vida, que coisa sombria! Está na morte, na dor, na casca da ferida!

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Contrastes da Cidade ou Casa dos Espelhos

Nossos olhos se tornaram insensíveis diante da miséria

O cotidiano cega, a rotina habitua

Habitua o nosso olhar aos contrastes da cidade:

A opulência dos prédios, a pobreza das ruas

Enquanto alguns comem, outros passam fome

Enquanto alguns sujam, outros limpam

Enquanto alguns estudam, outros não têm nem como

querer

Esse é o nosso mundo,

Esse é o reflexo de mim e de você.

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Sangue e Morte no ano de Marte

Ruas desertas no escuro da noite

É madrugada e sinto frio, porque faz sereno São três da manhã e o terror noturno Bate na porta um vento forte, que fala

E lembro de tudo, desde que era pequeno Paro e penso no que estou vivendo. Sangue e morte no ano de Marte

Mais uma guerra por petróleo e sem razão A justiça pede abrigo entre o Império e o fascismo Democracia é a desculpa desse mundo sem coração No deserto dos seus olhos são milhões em oração.

Lágrimas que secam antes de cair no chão A terra árida e dura como o nosso peito Somos máquinas movidas por dinheiro

Não sei mais o que pensar, só sei o que devo, O que quero e o que desejo está no seu beijo

É tudo tão rápido que quase me perco. Intenso e lento, a dor que vem antes da explosão

Mas no grito de milhões, a solução O sofrimento desse mundo é mais uma página do livro,

Uma pedra no caminho, um capítulo da História Da humanidade, que a cada instante proclama sua

vitória. Mas o dia nasce e já está tudo bem

O sol irá se pôr e trazer outra noite também E as horas, desse modo, correm na normalidade

E o sabor do teu beijo, o calor do teu corpo e os sonhos desfeitos

Tudo é passado, tudo é perfeito, na parede da memória

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Teu retrato toma um ar mais ameno. Não pense que tudo acabou, que a história encerrou No drama da vida, ainda não fecharam a cortina

Não fecharam a cortina sobre nós nessa tragédia, que enceno

Aceno, então, pro futuro, espero o amanhã Nos sonhos e na luta, na esperança de que um dia isso

tudo muda. É a hora da virada, vamos virar a mesa

O sol passa pelo teu signo e exige mudança O meu tempo é outro que não o seu Eu ando e o tempo passa mais veloz

E se tudo passa o tempo todo, o que será de nós? O rio nunca é o mesmo, porque a água que por ele passa

é diferente da que já passou E se a morte é tudo o que há nessa vida

Ela também é um novo começo, a nossa carta na mesa

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Metáforas

O sol sangra o horizonte ao que se estende Num céu deserto e incomplacente Vivendo um drama quase que vulgar Num entardecer sem hora e nem lugar

E já não há mais metáforas pra lhe dizer que estou só E já não há mais metáforas pra lhe dizer que estou só.

Já faz tempo que não reconheço A cor do meu reflexo no espelho As lágrimas mais amargas

São as que nascem do mais puro desespero Mas tenho orgulho dos meus erros

Pois quando o sol morre, eu continuo inteiro Mas tenho orgulho dos meus erros

Pois quando o sol morre, eu continuo inteiro.

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Pâmela

HOJE EU ACORDEI MEIO DESLIGADO E PROCURANDO POR ALGUÉM TE ESPEREI POR TODA A VIDA

AGORA NÃO QUERO MAIS NINGUÉM

JÁ NÃO VIVO SEM TER VOCÊ POR PERTO VOCÊ É A METADE QUE FALTAVA

TEU FOGO, AMOR, É O QUE ME AQUECE E SEM VOCÊ NÃO HÁ MAIS NADA

VOCÊ TEM TODAS AS ARMAS PRA ME

CONQUISTAR VOCÊ TEM TODAS AS ARMAS QUE PODE USAR

EU VOU LUTAR

NÃO VOU DEIXAR VOCÊ SAIR DE MIM NÃO VOU ME ENTREGAR

JÁ ENFRENTAMOS TUDO JUNTOS NÃO É JUSTO DESISTIR.

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PASSO AS TARDES A TE ESPERAR

Amanhã o dia vai correr depressa Mas por hoje eu fico com a lentidão da véspera E a angústia dos momentos que não chegam Eu fico prisioneiro neste quarto apertado

Eu olho as grades das janelas e tento tocar o que há lá fora

As paredes me sufocam Sou prisioneiro de mim.

Hoje não quero ler um livro nem ver TV O dia convida a sair

Eu ando de um lado pro outro e vejo o mundo girar Procuro um rosto conhecido

Na esperança de encontrar um pedaço de mim E eu espero te encontrar

Passo mais essa tarde a te esperar. O sol se põe

As horas voam E eu espero você chegar

Passo as tardes a te esperar Espero mais uma tarde chegar.

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Tudo ou nada

Invejo a quem dorme mais um pouco Não sei porque não aprendi um truque novo Se todas as ruas parecem iguais

Não vale a pena gritar jamais. Eu vou partir pro tudo ou nada Não me parece tão ruim O verbo do sujeito agora eu esqueci Eu vou partir pro tudo ou nada Seja o que Deus quiser Eu to ligado porque to vivo E seja o que for.

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Tempo perdido

Quantas vezes emudeci,

quando devia falar?

Quantas vezes calei,

quando devia gritar?

Quantas vezes fui tímido e tolo

vendo o trem passar?

Quantas vezes tive medo

e me envergonhei?

Quantas vezes sonhei acordado

sem uma atitude tomar?

Quantas vezes duvidei

do que era capaz?

Quantas vezes abdiquei

de cumprir o meu papel?

Quantas vezes fugi

das minhas responsabilidades?

Quantas vezes jurei pra mim mesmo

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tudo isso nunca mais repetir?

Quantas e quantas vezes

terei ainda disso escrever?

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Carnaval

Os revolucionários, os bêbados e os loucos

Façamos uma grande festa

Que espante essa Quarta-feira de Cinzas

Que reviva o Carnaval

Revolucionário, bêbado e louco

E cego...cego de prazer!

Faminto...com fome de viver!

Os jovens, as putas e os mendigos

Trabalhadores, donas-de-casa e os velhinhos

Todos crianças querendo brincar

Querendo mexer, querendo criar

Querendo fazer da vida um grande Carnaval!

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Desertos de sal

Nesses tempos sombrios,

tudo o que triunfa é a morte.

Nesses dias de fúria,

toda esperança está num pouco de sorte.

Nesses anos de crise,

toda força é o inverso da coragem.

Nesses eventos convulsivos,

toda cólera se desfaz como miragem.

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Claro como a noite

Na noite não tem sombra

À noite tudo é sombra

À noite tudo fica claro,

Porque a luz cega.

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Panis et circenses

Bolsa-família

E futebol domingo

Alegre estou e rio.

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Não sou brasileiro

mula-ta não

tupiorubá carioca

índio não

xinguano

do terreiro de jacarepaguá

i filhu seu

latinamericana

afro-suburbano

di todas ais cores

sem cana e café

colon-i-a-zado

canibalizo

aux sinhores i a sinhá

carioquês eu vô falá

não sô brasileiro

made in brazil

baiano da guanabarabaía

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muro-exposição

muro-livro

muro-tela

muro-protesto

canção subliminar

é isso aí, rapá

aí, mermão,

fika ispertu q o rapa

vai chegá

avisa a rapaziada

vlw p/ td

mais agora vô mi mandá.

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Sociedade de consumo

O mundo é um grande shopping center.

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Sons da madrugada

Ouça os sons da madrugada

Os que existem,

Os que existem e você não sabe,

Os que existem, você sabe, mas não vê,

E os que existem só em você.

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Você já sentiu vontade de chorar

Sem qualquer motivo?

Você já sentiu?

Você já pensou?

Você já sentiu vontade de chorar

Sem qualquer motivo?

Você já se sentiu assim tão sozinho?

Tão fora de contexto?

Já?

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Esses olhos

Esses olhos

Que olhos são esses

Que me olham

E me seguem

E me encaram

Quem é este estranho

Do outro lado do espelho?

Quem sou eu?

Serei uma sombra?

Só mais um na multidão?

Aquele que teme que a porta se abra

Aquele que teme que a porta se feche

Que cabelos escuros

E pele de índio

Brasileiro, talvez

Quem sabe

Quem sou?

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Socorro

Eu me sinto correndo numa esteira

E este futuro que nunca chega

É desesperador

Eu me sinto correndo numa esteira

Eu estou correndo numa esteira

E cadê o futuro que a cigana previu?

Cadê os grandes feitos?

Cadê o meu futuro glorioso?

Afinal, sou um grande cara

Correndo numa esteira

Uma esteira velha de uma academia

Sem valor onde ninguém vai

E a estrada é muito longa,

Mas não desisto de percorrê-la

Mas é preciso que se destrua

Esta coisa, esta esteira

O que me atrasa?

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O que me faz ficar pra trás?

Por que pecados eu estou pagando?

Por que meu mundo está desmoronando?

Serão os pecados de outra vida?

Pra quê tantos livros?

Pra quê tanto estudo?

Pra quê tanta vida?

Socorro! Me tirem desta esteira!

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Haiti Livre!

Sou imigrante, retirante nesse mundo E o mundo todo hoje é um Haiti

E não há lugar pra mim E não há lugar pra mim.

Sonhos e vidas despedaçados Capitães-do-mato à caça dos escravos Tropa de choque contra a multidão

De Toussaint a Zumbi e a João Cândido É a revolução negra contra a exploração Minustah no Alemão, BOPE no Haiti É navalha na carne, a marca da chibata! As mãos calejadas, as costas marcadas

E um rio de gente sai em marcha. Brasileiro da Bolívia, venezuelano da Argentina

Cidadão da América Latina. Mas atirem álcool no meu corpo; Joguem seu petróleo na Baía.

O Iraque é aqui O Haiti é aqui.

Quero uma dose de heroína na veia Quero deitar na cadeira do analista Que é pra ver se esqueço da vida!

No verde da cana me perco em pensamento No calor da fábrica, perco o pensamento.

Vou entrar no jogo pra ver se não fico tão sozinho Vou virar a mesa e abandonar a partida

Mas não jogo a toalha até que a batalha esteja vencida. Ocupar, resistir, produzir! Haiti livre, Brasil livre!

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Aqui é o Haiti! Aqui é o Haiti!

São várias vozes numa só Pelos cantos desse canto e eu canto Um deserto de sal ali, logo em frente

Um vermelho-sangue que cobre o céu ao poente Favela, gueto, prisão, senzala

Sangue índio, suor negro pela estrada Quero toda a liberdade que esse mundo não pode em dar

Quero lutar, subir pra respirar Haiti livre, mundo livre

Porque hoje o mundo inteiro é um Haiti Porque hoje o mundo inteiro é o Haiti

O Haiti é aqui O Haiti é aqui.

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23 Quanto mais eu exijo do mundo, Mais o mundo me exige de volta Uma luta em que a glória É sempre derrota. Sangue, suor e lágrimas É o preço da conquista. O que se conquista Não se abre mão e não se deve a ninguém. O muito nunca é o bastante Mas o desejo é de sempre chegar mais distante Em conflito com a cobrança e o descrédito E o provado, assim, é sempre posto à prova. É o desespero da auto-imagem É o espelho do meu rosto espelhado É o preço da busca da imortalidade É o preço da luta por felicidade. A luta é o resultado da liberdade conquistada A liberdade é o subproduto da luta Uma luta em que um são todos E todos somos um. Conquista e glória e a esperança no futuro A fé na vitória – filha da determinação A vida é uma estrada que caminhamos Quase sempre sem saber onde vai dar. O plano falhou e sempre vai falhar A vida é um caminho de pedras, espinhos E algumas flores pra alegrar Vida breve, imenso campo a conquistar.

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Confissão em Terceira Pessoa Ele era um sujeito átono. Seu nome era de tal atonia, que se perdia e não ecoava nem no seu pequeno quarto. Caminhando só na estrada, não viu as placas; não prestou atenção no que diziam e foi perdendo os acentos diferenciais. Um nome sem sílaba forte é como uma imagem do cotidiano. Passa despercebido. Depois de mil anos e mil léguas, andadas ou não, vividos ou não. Foi então e somente então que ele a achou. Ele achou o porquê da acentuação: era ela. Sim, era ela. Das palavras a mais bela, a mais doce, a mais sincera. Era bem mais que um acento ou um complemento nominal. Hoje ele caminha e ainda olha alguns sinais e se encanta com sua tonicidade,

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mas não há mais procura, porque uma palavra forte é toda uma frase e uma locução verbal é mais que uma oração

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Ahmin temen

ahmin temen átesadalhembara adot otrec êvoc átes ano ós raset aspen ottan sam átes ue otquan

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Corpo e mente de Teles Cândido 764 Luz de Abajur 9

Minha cabeça está dentro da gaiola E meus olhos vendados, fechados para o transcendental E minha boca de dentes afiados, pontudos, rasgantes

que dilaceram a carne E os ouvidos lacrados para o infinito Não sabem da sinusite, do olfato inútil

Completando e corroendo os meus sentidos Que compõem essa minha cara de pau

E expõem esse áspero inverno prometido.

Minha cabeça está dentro da gaiola Eu vejo um papel cair no chão do ônibus

É o jogo de luzes. Será ilusão? Eu desenho um símbolo que juro desconhecer

É o dia mais normal e mais estranho de minha vida Nada se compara; nada se equipara; nada remedeia.

Minha cabeça está dentro da gaiola

Meus pés inchados, estacionados na garagem Minhas mãos e meus dedos já calejados estão no varal

E meu corpo já todo tomado Ocupado ocupa o quintal

E o calabouço onde se encontra meu tronco É a jaula onde vive o leão.

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Velho Mundo Novo Este é o trabalhador ajoelhado no altar do Capitalismo Este é o ritual de sacrifício que exige o seu cinismo Estes somos nós rumo ao shopping center como cães babando pelo que não temos Estes somos nós comprando aquela televisão de cachorro Estes são os porcos capitalistas que nos exploram nos humilham Este é o cartel de carretéis de linhas alinhadas Esta é a massa que você come no almoço e na janta Este é o gado novo que atravessa o rio Este é o novo gado do qual de novo rio Este é o devoto-ateu do paradoxo da religião pagã-cristã Este é o escravo das correntes virtuais que acelera o passo da modernidade Este é um trabalhador ajoelhado no altar do Capitalismo Este é só mais um ritual de sacrifício

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Queimo hoje esta bandeira

Queimo hoje esta bandeira A cor da hipocrisia brasileira

O verde, o amarelo e o vermelho Dos grilhões nos quais escorre o sangue negro.

Queimo hoje esta bandeira As matas que são destruídas O ouro que nos foi roubado

O céu repleto de fumaça, poluído E a paz com tom de medo.

Queimo hoje esta bandeira

Queimo hoje a bandeira brasileira Queimo o sistema e a burguesia

Queimo um símbolo que não me representa.

Queimo hoje esta bandeira Queimo todas as leis impostas (Ao povo e a mim impostas)

E queimo a injustiça dessas leis Queimo hoje o símbolo burguês.

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Brasil

Terra adorada, És mãe gentil;

Espelha paz e glória Num futuro que demora

Pra chegar, Brasil de peito varonil.

És tu, Brasil, Ó Pátria amada,

Idolatrada, Salve!Salve!

Terra de indignidade.

Têm mais vida nossos bosques, Nossos campos, nossas flores,

Que risonho, ergues a clava forte Da justiça contra o injustiçado,

Provocando novas dores.

Deitado eternamente, não acordas Para a vida, pro futuro, pro agora

Ao som do mar e à luz do céu imundo De poluição, que envenena o corpo, alma e a mente Que leva à morte os trabalhadores, nossa gente.

Verás um filho teu que emprego não é pra todo mundo

E quem sabe essa nem seja a sua própria luta Não teme a própria morte, Mas teme sua conduta,

Pois será julgado, condenado e tirado da rua.

Pinta a cara com a miséria do teu próprio povo Verás que o que viste ainda verás de novo

E quando fores julgado por assassinato ou roubo

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E a fome e a seca dominarem o teu corpo Prostituído por teus próprios governantes.

És tu, Brasil,

Ó Pátria amada, Idolatrada mãe gentil, Salve Deus que o pariu

Tornando ainda mais pérfido e belo este meu pau-brasil.

És forte; És belo;

És impávido colosso; Gigante pela própria natureza

E rezando e sorrindo a contragosto.

És tu, Brasil, Terra de encantos mil,

Saudada pelo teu carnaval E futebol sem igual

De cruel semblante a brilhar a todo instante.

É tu, Brasil, É tu, poeta,

Em tua Constituição já não há nenhuma meta Que outrora Vossa Excelência escrevera

E a passos de tartaruga caminha a nação brasileira.

És tu, Brasil, Nosso País Tropical,

De luzes acesas na escuridão total, Que toma conta de tudo e já não há nem bem nem mal, Que arranquem os portões que nos aprisionam nesta

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prisão vital.

És tu, Brasil, Patriotismo,

Paixão nacional, És juventude rebelde

És velhice conformada.

És tu, Brasil, Tudo e nada, então.

E que me acorda toda noite com um grito de “É campeão!”

Votando errado e esperando uma nova eleição És tu, Brasil, Não és nação.

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Aquele poema que te recitei todos os dias de minha vida Tão inevitável quanto o pôr-do-sol Tão inevitável quanto o apagar de uma estrela Tão inevitável quanto o desabrochar de uma flor Assim é o nosso amor. Desde a primeira vez que te vi, eu soube que ia ser assim. É impossível não te amar É tolice resistir, relutar em se render. Como duas almas gêmeas que se encontram Mais raro do que os fenômenos que nos encantam Como os ventos que vindos do gelo eterno nos cantam Do alto da montanha há mais de mil anos.

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Foi quando o meu olhar cruzou com o teu olhar Que a flecha do Cupido me acertou assim de repente No meio da chuva, numa tarde de primavera E eis o amor que se sente. Mas o que é o amor? Essa força estranha que nos levanta e que nos faz cair O amor nos eleva às alturas e nos faz flutuar. Amar é saltar do alto de um arranha-céu sem saber o que tem lá embaixo É abrir suas asas para o infinito É ver um mundo mais bonito.

E tudo que desejo do fundo d'alma É nascer e morrer em ti

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Ser teu afluente e o oceano em que deságuas É me render como um soldado cansado e ferido em batalha É, simplesmente, amar e ser amado.

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Realidade e Sonho Já pensou que sua vida era o sonho de alguém? E se for, o que será do real, da realidade e o que é que tem? A realidade é o que é real pra mim ou o que posso compreender? É o que eu consigo descobrir ou o que não posso nem saber? Já pensou se sua vida fosse o sonho de alguém? E se ela é, o que será de nós e do que nos convém? O que planejamos, o que sonhamos, de nada serviu? E se eu descobrir que você é meu sonho também? E o que eu quero e que nem sempre posso ter, Será que eu consigo ter, se ao acaso nascer bem? O destino existe e está traçado ao nascer? Ou será que o fazemos no nosso próprio viver? No nosso triste sofrer? Seguir tudo o que o mestre mandar, Seguir tudo o que o mestre mandar, Seguir tudo o que o mestre mandar, Não seguir nunca o que o mestre mandar, Não seguir nunca o que o mestre mandar, Não seguir nunca o que o mestre mandar, Será que temos escolha, podemos optar? Já pensou que sua vida fosse o sonho de alguém? E se tudo o que toca não for nada além? Já pensou que sua vida é o sonho que sonhou? E se tudo é como sonho e quando sonho E como sei quem acordou? Como sabes que acordou?

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Quando estou dormindo e quando estou acordado? Se posso controlar o sonho e saber que estou sonhando, E acordado sonho, mesmo ainda andando, Como definir o que é o sonho e o que é a realidade? Você já pensou alguma vez que sua vida fosse o sonho de alguém? Você já sentiu frio, um calafrio, um assobio ao pé do ouvido, De que a morte é o fim de tudo E para onde vai sua consciência? E tudo o que você viveu? E pra quê viveu? O que faz sentido? E o que não faz? O que fazer, se nascer é começar a morrer, E se a morte não é o início de nada, A não ser aos vermes, talvez para eles, E a angústia que isso provoca Em saber que tudo o que aprendeu e que viveu, Que sorriu e que chorou e que tocou Tudo vira pó, tudo já virou E qual é o sentido disso tudo A não ser o sentido que damos a isso tudo O livro que escrevemos, A estrada que corremos e percorremos e voltamos, Pegamos o retorno, mas nada volta, É só uma outra saída ou uma nova entrada Depende de quem vem E você já sonhou que sua vida era o sonho de alguém? Já pensou que pensaram que tudo fosse sonho no sonho de alguém?

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Já pensou que a vida é um piscar de olhos na eternidade? E o que é eterno, o que é imortal? E o que perece e o que renasce e se renova? E o que renova já é o novo ou é o velho requentado? E a volta que o mundo dá sob o mesmo eixo, É sempre uma volta nova, em torno daquilo que retorna. E você já pensou alguma vez que estivesse vivendo o sonho de alguém?

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Arte

Se você não entendeu nada, então esqueça! não pode conceber Eu sou o impossível, aquilo que você De modo algum, de jeito nenhum Eu sou aquele que não se acovarda Aquilo que vem de dentro, o espontâneo Com as letras, palavras e frases embaralhadas Da esquerda pra direita, da direita pra esquerda De baixo pra cima, de cima pra baixo Leia-me de todos os lados A chama, o brilho do seu olhar Sonho e carne Amor e luxúria Charme e beleza Fogo e sangue E sei o que eu quero Mas eu sei quem sou Eu não sou Eu sou o oposto, Eu sou o contrário, Eu sou o inverso, Quem poderia? Quem poderia me entender? Eu estou a mil séculos na frente! Aqueles que não inovam... Me enojam aqueles que não se renovam Eu repudio os artistas que não se arriscam.