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Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-graduação em Sociologia Ouvidoria Hospitalar: disciplinamento e envolvimento como estratégias rumo à democratização Luiza Helena Pereira Orientadora: Profª Dra. Maria Assunta Campilongo Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutora em Sociologia Porto Alegre, dezembro de 2000

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-graduação em Sociologia

Ouvidoria Hospitalar: disciplinamento e envolvimento

como estratégias rumo à democratização

Luiza Helena Pereira

Orientadora: Profª Dra. Maria Assunta Campilongo

Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutora em Sociologia

Porto Alegre, dezembro de 2000

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Agradecimentos

Durante a realização deste trabalho contei com o apoio de várias pessoas.

Deixo público o reconhecimento à minha orientadora, Profª. Dra. Maria Assunta

Campilongo, com quem estabeleci importante discussão teórica e metodológica.

Acompanhou o desenvolvimento do tema da pesquisa e leu, cuidadosamente, todas

as versões esboçadas, comentando-as com cuidado e profundidade. Agradeço,

também, à Profª. Dra. Soraya Maria Vargas Cortes que contribuiu de forma

estimulante para desvendar as possibilidades de análise do tema estudado.

Discussões pontuais foram realizadas com a Profª. Dra. Graça Carapinheiro do

Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa-ISCTE, da Universidade de

Lisboa, que oportunizou-me preciosas contribuições sobre o conteúdo e método da

pesquisa. Considero relevantes as contribuições do Prof. Dr. Enno Dagoberto Liedke

Filho nas diversas vezes em que me socorreu, quando eu abordava dúvidas pontuais,

sobre o melhor encaminhamento do assunto e do Prof. Jacques Léon Marre, pela

discussão metodológica.

Aos professores, com os quais cursei disciplinas no doutorado, e aos meus

colegas de curso, que ouviram tantas versões quantas o amadurecimento de um

trabalho exige, meus agradecimentos.

Também considero importante a participação de Janete Cardoso Réos, Ângela

Paradiso, Marcos Benedetti, Fernanda Vali Nummer, Gisele Beretta Notti e Cíntia de

Oliveira Rukati, bolsistas de iniciação científica do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e da Pró-reitoria de Pesquisa da

UFRGS (Propesq), pela presteza e apoio na coleta de dados. Não poderia deixar de

mencionar o CNPQ e a Propesq pelo suporte financeiro, efetivado através das bolsas

de iniciação científica e de material de pesquisa.

Meu muito obrigado à Profª Dra. Ana Maria Netto Machado, pelas valiosas

sugestões na discussão do tema, e à Bibliotecária Maria Cristina Bürger, pela

orientação quanto às normas da ABNT.

Devo sobretudo um especial agradecimento aos entrevistados e a todos

aqueles que possibilitaram meu acesso aos documentos e informações, sem os quais

seria impossível a realização deste trabalho. Especialmente dirijo-me aqui aos que

trabalham e aos usuários dos Hospitais Fêmina e Clínicas de Porto Alegre.

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SUMÁRIO

Introdução...................................................................................................................9

Parte I

Uma análise sociológica de ouvidorias hospitalares

1 Desvendando o tema da investigação...............................................................................13

1.1 O hospital como instituição de saúde....................................................................14 1.2 O hospital e o Sistema de Saúde Brasileiro..........................................................17 1.3 Ouvidoria e sua implantação em hospitais no Brasil............................................22

2 Ouvidorias hospitalares como objeto de conhecimento sociológico: opções teórico-metodológicas...............................................................................................29

2.1 O significado da implantação de ouvidorias hospitalares.....................................31 2.2 Ouvidoria e estratégias de envolvimento..............................................................42 2.3 Ouvidoria e estratégias de disciplinamento...........................................................52 2.4 Ouvidoria e relações de poder: efeitos institucionais e sociais ..........................57 2.5 A escolha da metodologia.....................................................................................65

Parte II

As ouvidorias hospitalares

O Sistema Único de Saúde e os hospitais em Porto Alegre.......................................80

3 O serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina........................................................85

3.1 O Hospital voltado ao atendimento da mulher na conjuntura atual......................85 3.2 1990: o ineditismo da criação de um serviço de ouvidoria hospitalar..................92 3.3 A implantação do serviço de ouvidoria como micropolítica institucional...........97

3.3.1 A institucionalização do serviço de ouvidoria..............................................107 3.4 A caracterização do serviço de ouvidoria ..........................................................111

3.4.1 As reclamações dos usuários.........................................................................111 3.4.2 Os usuários reclamantes................................................................................120

3.5 A aplacação como estratégia de envolvimento e o disciplinamento dos usuários reclamantes...............................................................................................................125 3.6 A adesão como estratégia de envolvimento dos trabalhadores em saúde...........140

3.6.1 O envolvimento na implantação do programa..............................................140 3.6.2 O envolvimento com o trabalho do serviço de ouvidoria.............................144

3.7 O disciplinamento dos trabalhadores em saúde..................................................155 3.8 A atuação burocrática do serviço de ouvidoria ..................................................163

4 O sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre............................173

4.1 O Hospital universitário na conjuntura atual......................................................173

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4.2 1994: o contexto da decisão de centralizar o acolhimento aos usuários reclamantes...............................................................................................................181 4.3 A centralização do acolhimento das reclamações no Grupo de Pacientes Externos ...................................................................................................................................185

4.3.1 A institucionalização do sistema de ouvidoria .............................................192 4.4 A caracterização do sistema de ouvidoria ...................................... ...................197

4.4.1 As reclamações dos usuários.........................................................................197 4.4.2 Os usuários reclamantes ...............................................................................208

4.5 A informação e a aplacação como estratégias de envolvimento e o disciplinamento dos usuários reclamantes................................................................214 4.6 A integração passiva como estratégia de envolvimento dos trabalhadores em saúde.........................................................................................................................224

4.6.1 O envolvimento na organização do sistema..................................................225 4.6.2 O envolvimento com o trabalho do sistema de ouvidoria.............................229

4.7 O disciplinamento dos trabalhadores em saúde..................................................238 4.8 A atuação ineficiente e burocrática do sistema de ouvidoria...................................................................................................................247

Considerações finais: o impacto da opção por ouvidorias hospitalares.............259

ANEXO A - Metodologia da pesquisa.....................................................................270 ANEXO B - Hospitais de Porto Alegre....................................................................294 ANEXO C - Hospital Fêmina...................................................................................295 ANEXO D - Hospital de Clínicas de Porto Alegre...................................................302 ANEXO E - Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre...................................312

Referências Bibliográficas......................................................................................313

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Resumo

A criação de ouvidorias, em hospitais brasileiros, foi uma prática inovadora instituída

na década de noventa. Embora não tenha sido amplamente difundida, verificou-se

que alguns hospitais públicos a adotaram como um dispositivo capaz de melhorar a

gestão administrativa e, consequentemente, os serviços prestados aos usuários. Nos

últimos anos, no Brasil, foi implantada uma reforma na área da saúde que resultou na

instalação de um Sistema Único de Saúde (SUS). Foram definidos como seus

princípios básicos: a universalidade de acesso aos serviços de saúde, a integralidade

da assistência, a descentralização, a hierarquização da rede de serviços, a integração

das ações de saúde e a participação popular. As ouvidorias hospitalares foram criadas

no contexto desta reforma.

Em Porto Alegre, dois hospitais públicos são exemplos da implantação desse tipo de

serviço. Este estudo investiga a atuação destas duas ouvidorias hospitalares no

período de 1990 a 1998. Analisa os motivos que conduziram os hospitais a escolher

este dispositivo de gestão. Argumenta que a ação das ouvidorias caracteriza

estratégias de envolvimento e de disciplinamento dos usuários e dos trabalhadores

em saúde. Traz à tona o impacto propiciado por suas ações.

A metodologia escolhida consistiu em reconstruir, a partir do levantamento das

reclamações dos usuários, o processo de implantação e de funcionamento das

ouvidorias hospitalares. A literatura, as entrevistas e os documentos institucionais

foram também fontes de informações utilizadas para criar indicadores e demonstrar:

1) as razões que conduziram os hospitais a implantar as ouvidorias; 2) o

procedimento que resultou em estratégias de envolvimento e de disciplinamento,

tanto dos usuários como dos trabalhadores dos hospitais; e 3) os efeitos institucionais

e sociais desta política institucional. Criaram-se categorias para definir os tipos de

estratégias observadas.

No caso de dois hospitais públicos de Porto Alegre, é possível afirmar que os

motivos da opção por esse dispositivo indicaram: um alinhamento dos hospitais às

novas ideologias e técnicas de gerenciamento, uma forma de enfrentamento à crise

na área da saúde, e uma incorporação, mesmo que não tenha sido claramente

explicitada, das propostas liberais ou reformadoras, difundidas no período de

discussão da reformulação do sistema de saúde. As ouvidorias promoveram

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estratégias de informação, aplacação e consulta e o disciplinamento dos usuários

reclamantes. Promoveram, também, estratégias de integração passiva, adesão e

interação e o disciplinamento de seus trabalhadores. A partir da investigação dos dois

casos de ouvidorias e da comparação de suas atuações definiram-se três tipos

possíveis de ouvidorias hospitalares: ineficiente, burocrática e eficaz.

Analisando as ouvidorias sob o ângulo das relações de poder institucional, constatou-

se que atuaram propiciando a manutenção das relações institucionais vigentes, sendo,

porém, portadoras de um potencial de transformação da relação entre instituição,

usuários e trabalhadores em saúde. A transformação implicaria, principalmente, em

ampliar a voz do usuário, promovendo maior eqüidade nas relações que envolvem o

atendimento em saúde. Propiciaria, também, um maior controle dos usuários sobre a

qualidade da prestação destes serviços, por parte das instituições públicas.

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Abstract

The creation of ombudsman service in Brazilian hospitals is a novel practice

established in the 90’s. Although it hasn’t been broadly diffused, it was seen that

some public hospitals adopted it as a tool for improving the management, and, as a

consequence, the services provided to the users. In Brazil, during the last few years, a

reform in the health area has been implemented, leading to the creation of the Unique

Health System (SUS - Sistema Único de Saúde). As its basic principles, we have: the

universal access to health services, integrallity of the assistance; decentralization,

hierarchyzation of the service network, integration of actions on health, and the

public participation. The ombudsman service have been created within this reform

context.

In Porto Alegre two public hospitals are examples of the implementation of this kind

of service. This study investigates the performance of these two hospital ombudsman

service in the period from 1990 to 1998. It analyses the reasons that led these

hospitals to choose this type of management. It argues that the action of hospital

ombudsman service characterizes the strategies of involvement and disciplining of

the health service users and workers. It brings up the impact propitiated by its

actions.

Starting from the survey on the users complaints, the chosen methodology has

consisted of rebuilding the process of implementation and operation of the hospital

ombudsman service. The literature, interviews, and institutional documentation were

additional source of information, and have been used to generate indexes and

display: 1) the reasons that have led the hospitals to install the hospital ombudsman

service; 2) the procedure that has resulted in both health service users and workers

strategies of involvement and disciplining; and 3) the institutional and social effects

of this institutional policy. Categories were created to determine the patterns of the

observed strategies.

Concerning two public hospitals in Porto Alegre, it is possible to state that the

reasons for choosing this tool have directed attention to: an alignment of the hospitals

towards the new ideologies and management strategies, a manner of facing the crisis

in the health area, and an adoption of the liberal and reforming proposals that have

been propagated during the period of discussion and reformulation of the health

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system. The hospital ombudsman service have promoted information, appeasement

and consultation strategies, and the disciplining of the claimant users. They have

promoted strategies of passive integration, adhesion and interaction, and the

disciplining of the workers as well. From the investigation of these two cases, and

the comparison between their performances, three possible types of hospital

ombudsman service have been defined: inefficient, bureaucratic, and efficient.

Analyzing the hospital ombudsman service from the aspect of the relations of

institutional power it was seen that they had acted propitiating the maintenance of the

present institutional relations, although they carry the potential of transforming the

relation between institution, health service users, and health workers. The changes

would mainly enhance the user’s voice, promoting higher equivalence of the

relations that involve health providing. They would also propitiate a higher public

control over the quality of the service-providing from the public institutions.

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Introdução

Ao longo dos anos noventa, novas políticas gerenciais foram implantadas no

Brasil por alguns hospitais públicos, resultando na criação de serviços de ouvidoria.

A análise de sua instalação desperta vários questionamentos. Que fatos moveram as

instituições a criar um serviço deste tipo? Quais os impactos institucionais e sociais

do trabalho desencadeado pelo mesmo?

Nas duas últimas décadas, observou-se que o sistema de saúde brasileiro

passou por reformas que determinaram o redimensionamento das políticas públicas

no âmbito nacional, estadual e municipal, com repercussões nas instituições

prestadoras de serviços. Algumas dessas políticas resultaram na criação de serviços

de ouvidoria (SO), serviços de atendimento ao cliente (SAC) ou de centrais de

atendimento ao usuário (CAU), implantados em alguns órgãos governamentais e em

instituições públicas e privadas. Em órgãos governamentais da área da saúde foram

instalados em ministérios e secretarias estaduais e municipais. No caso de

instituições prestadoras de serviços, constatou-se que hospitais públicos e privados

estabeleceram suas próprias políticas gerenciais que, embora internamente definidas,

acompanharam as propostas nacionais para a área da saúde.

As ouvidorias hospitalares passaram a acolher as reclamações dos usuários

sobre o atendimento prestado. Estas tinham um caráter eminentemente social, pois

questionavam situações que remetiam ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao tipo de

serviço ofertado pelos hospitais e seus profissionais. Concebendo as reclamações

como resultantes de relações sociais, mesmo quando permeadas pela técnica, como é

o caso no âmbito médico-hospitalar, buscou-se compreender o significado dessas

relações.

Investigamos as repercussões da criação de ouvidorias no âmbito de dois

hospitais públicos. O exame dessa prática, a implantação de ouvidorias hospitalares,

revelou seu significado no quadro institucional ao estabelecer novas formas de

envolvimento e de disciplinamento de usuários e de trabalhadores em saúde.

Ao iniciar este trabalho sabíamos que seria explorado um território no qual se

mesclam vários tipos de conhecimento sobre a concepção das relações entre

instituição, usuários e trabalhadores em saúde, desde o conhecimento alicerçado na

evidência dos acontecimentos, no senso comum e nas racionalidades que fazem parte

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do discurso médico. Considerando-os formas específicas e legítimas de

conhecimento propôs-se construir mais uma explicação, de cunho sociológico, que

trouxesse à tona a inserção social do objeto investigado e as características sociais

das relações que permeiam a instalação e os processos desencadeados por ouvidorias

hospitalares.

A confrontação entre a realidade empírica e a teoria permitiu a construção de

explicações preliminares que passaram de provisórias a cada vez mais elaboradas e

articuladas com a realidade. A exposição escolhida apresenta o processo investigado

de uma forma lógica, através dos elementos que o compõem já organizados, pois a

intenção foi torná-lo compreensível ao leitor. A investigação ocorre, na realidade,

através de aproximações sucessivas entre a teoria e o empírico, num ir e vir

constante.

Dividimos este trabalho em duas partes. Na primeira - Uma análise

sociológica de ouvidorias hospitalares - expõe-se o objeto de investigação

tornando-o assunto de conhecimento sociológico. Sob o título Desvendando o tema

da investigação introduz-se a noção de hospital como instituição de saúde,

inserindo-o na realidade brasileira, buscando-se situar as inovações gerenciais

propostas por esta instituição, na década de noventa.

Em Ouvidorias hospitalares como objeto de conhecimento sociológico:

opções teórico-metodológicas apresentam-se as teorias e as hipóteses que nortearam

a investigação. As teorias com as quais dialogou-se contribuíram para elaborar um

quadro teórico a partir do qual pudesse ser explicado o fenômeno observado. À luz

do mesmo, delinearam-se as hipóteses de trabalho, proposições prováveis, que

permitiram o confronto da realidade com uma explicação capaz de sugerir uma visão

sociológica do problema investigado. Delineadas as hipóteses foi possível formular

as dimensões e as categorias analíticas do estudo. Indicamos, ainda, a metodologia

de pesquisa que conduziu a investigação.

Na segunda parte - Ouvidorias hospitalares - trazemos à público o resultado

da pesquisa, relacionando os hospitais e suas formas de implantar e gerenciar as

ouvidorias. Para efetivar esta análise, começa-se descrevendo um panorama do SUS

e dos hospitais em Porto Alegre, com o intuito de situar os dois hospitais

pesquisados num contexto mais amplo. No título O serviço de ouvidoria do

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Hospital Fêmina expomos a pesquisa realizada neste hospital, voltado ao

atendimento da mulher. No título O sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas de

Porto Alegre demonstramos a pesquisa efetuada no hospital universitário.

Sob estes títulos, narra-se a situação dos hospitais na conjuntura atual.

Explica-se o significado institucional da criação de ouvidorias e caracterizam-se os

sistemas implantados. Analisam-se as estratégias implementadas a partir da atuação

das ouvidorias e argumenta-se que estas constituíram-se em estratégias de

envolvimento e de disciplinamento dos usuários reclamantes e dos trabalhadores em

saúde. Desvendam-se ainda os efeitos institucionais, desencadeados através da

ouvidoria, enquanto estratégias de poder.

Nas considerações finais sobre - O impacto da opção por ouvidorias

hospitalares – argumentamos pelas implicações teóricas da opção pela implantação

das ouvidorias hospitalares e seus efeitos nas relações institucionais e sociais.

Sugerem-se, por fim, algumas proposições para repensar o trabalho de ouvidorias

hospitalares.

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Parte I

Uma análise sociológica de ouvidorias hospitalares

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1 Desvendando o tema da investigação

Em 1993 entrou-se em contato, pela primeira vez, com a realidade de uma

ouvidoria hospitalar quando o Hospital Fêmina solicitou ao Programa de Pós-

graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, uma análise sociológica

das reclamações registradas no serviço de ouvidoria, até então inédito no país. A

partir desse contato e aceitando realizar o trabalho, teve início a pesquisa (ainda não

definida como tese de doutorado). O interesse no tema ampliou-se.

No entanto, com as primeiras leituras teóricas, a intenção de realizar um

estudo que explicasse o processo instalado no Hospital Fêmina, a partir do

acolhimento de reclamações dos usuários sobre o tipo de atendimento prestado,

fortaleceu-se. A literatura mostrava-se portadora de possíveis explicações da

realidade experenciada pelos sujeitos envolvidos.

Mais tarde, em 1997, escolheu-se uma segunda instituição: o Hospital de

Clínicas de Porto Alegre que disponibilizava para os usuários um sistema de

ouvidoria, com o intuito de acolher suas queixas sobre os serviços prestados. Esta

escolha orientou-se pela possibilidade de realizar uma comparação entre as

ouvidorias dos dois hospitais.

O ponto de partida desta pesquisa foi, portanto, o conjunto de reclamações

existentes nos setores considerados como serviços ou sistemas1 de ouvidorias dos

hospitais selecionados.

Por outro lado, as leituras indicavam a abrangência e a diversidade do tema,

salientando a disseminação de ouvidorias em vários países, em vários campos da

sociedade, dentre os quais a saúde, e em várias instituições, no contexto atual.

Encontrou-se breves menções à existência de ouvidorias em hospitais na bibliografia

examinada.

Sendo um assunto inédito aumentou o interesse na pesquisa e indicou uma

primeira questão a ser desvendada: por que hospitais optaram por ouvidorias no

Brasil na década de noventa? Para respondê-la privilegiou-se, num primeiro

1 A denominação serviço de ouvidoria se aplica ao Hospital Fêmina e sistema de ouvidoria ao Hospital de Clínicas. A definição que os termos assumem no contexto dos hospitais será explicada mais adiante. Ao tratar-se o assunto genéricamente, ou para referir os dois hospitais, utilizou-se, preferencialmente, o termo ouvidorias hospitalares.

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momento, a reflexão sobre os temas: a instituição hospitalar, o sistema de saúde

brasileiro e a instituição ouvidoria, visando traçar os contornos dos quais emergiu a

situação concreta analisada.

A seguir trata-se da relação entre esses temas. A exposição foi desdobrada em

três partes. Na primeira apresentou-se a história de como o hospital passa a ser

concebido como instituição de saúde. Na segunda parte explicitou-se a inserção do

mesmo no sistema de saúde brasileiro. Finalmente, relacionou-se hospitais e

ouvidorias com as inovações organizacionais, no final deste século, no Brasil.

1.1 O hospital como instituição de saúde

Do ponto de vista da sociologia, argumenta-se que a concepção histórica e

social de medicina e de hospital orientam as práticas médicas e hospitalares. Buscar

as origens dessas práticas possibilita explicar as transformações pelas quais passou a

instituição hospitalar até tornar-se centro do atendimento em saúde, características

que assume plenamente nos dias de hoje.

Conforme narrado por Foucault no seu texto O nascimento do hospital

(1992), até o século XVIII o hospital e a medicina, na Europa, eram práticas

diferenciadas. O hospital do período não era uma instituição médica e a medicina não

era uma prática hospitalar. Isso ocorria devido à concepção de medicina e de hospital

da época. Era a medicina da crise e o hospital era destinado a dar os últimos cuidados

ao pobre que estava morrendo. O hospital geralmente era uma instituição de caridade

mantida por leigos e religiosos que nele trabalhavam.

A medicalização do hospital e a hospitalização da medicina ocorrem a partir

do século XVIII através de dois processos: a disciplinarização do espaço hospitalar e

o deslocamento da intervenção médica, do consultório para o hospital. Esses dois

processos estão na origem do hospital médico. Como observa Foucault, no mesmo

texto, o hospital se medicaliza através de uma tecnologia política e não médica: a

disciplina. Descreve, minuciosamente, como a aplicação da disciplina deu-se

inicialmente nos hospitais marítimos e nos hospitais militares, pois era preciso evitar

o tráfico de mercadorias e a deserção de soldados hospitalizados.

A medicina tornou-se hospitalar pela mudança de concepção sobre o seu

significado e pelo deslocamento da intervenção médica. A medicina da crise passa a

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ser entendida como medicina do meio, ou seja, uma ação do meio sobre o individuo,

“a doença passa a ser compreendida como um fenômeno natural. Ela terá espécies,

características observáveis, curso e desenvolvimento como toda planta” (p.107). Ao

mesmo tempo, passa do consultório para a clínica hospitalar. Clínica é o lugar de

formação e transmissão do saber médico, como afirma Foucault em O nascimento da

clínica (1994). Ocorre, ainda, a transformação no sistema de poder no âmbito do

hospital, do pessoal predominantemente religioso para o médico, que torna-se o

principal responsável pela organização hospitalar.

A formação de um hospital médico e de uma medicina hospitalar deve-se,

portanto, à disciplinarização do espaço hospitalar e também, à transformação do

saber e da prática médicas. O hospital vai sofrendo, desta forma, uma profunda

reorganização que implica fundamentalmente: 1) em transformá-lo em uma

instituição que promova a saúde; 2) na sua organização em um espaço disciplinado;

3) no deslocamento do centro do poder para o médico; 4) em modificá-lo para ser

lugar de ensino e aprendizagem da prática médica; e ainda 5) em torná-lo lugar de

difusão do discurso médico que fundamenta os saberes e a prática médica.

Prepara-se o hospital para sua inserção na sociedade moderna acompanhando

as transformações e as características desta sociedade, dentre as quais cita-se a

organização racional e científica que, segundo Weber (1967), penetra nas mais

diversas áreas e relações sociais.

Destaque-se que ocorre, paralelamente na sociedade, o avanço da medicina e

da administração científicas. Assim, do final do século XIX até a primeira década do

século XX configuraram-se as transformações que caracterizam o hospital atual.

Fruto da sociedade moderna, algumas características que passam a estruturar o

hospital são a industrialização, a racionalização burocrática e a despersonalização. O

hospital torna-se assim, progressivamente, uma instituição organizada em moldes

industriais, empresariais e burocráticos.

A industrialização e o desenvolvimento da medicina científica propiciaram o

surgimento de sofisticada tecnologia que, pelos seus altos custos, passa a ser

centralizada nos hospitais. Instituição diferenciada das demais da área da saúde, tanto

historicamente como na atualidade, o hospital constitui-se, cada vez mais, num

espaço privilegiado de atendimento ao concentrar práticas que favorecem o

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desenvolvimento de uma ideologia técnico-científica de assistência, ampliando a

industrialização na área da saúde. Desta maneira a hegemonia exercida pelo

consultório privado foi deslocada do estatuto de instituição básica desta área para a

instituição hospitalar, pela possibilidade de acentuar o processo de concentração e de

centralização próprios do capitalismo. Este processo permite a diminuição dos custos

de produção da saúde, favorecendo a acumulação capitalista no setor.

Essas transformações criaram a necessidade da administração hospitalar

racional fazendo surgir a profissão do administrador hospitalar. Em sua análise sobre

a administração hospitalar, Trevizan (1988) relembra que, no hospital moderno, o

cuidado médico prestado segue os parâmetros de uma instituição empresarial, tal

como a fábrica, norteado por normas técnico-científicas e requisitos de racionalidade

e de economia organizacional. Os hospitais passam a ser constituídos segundo os

princípios da administração, sob a orientação teórica de Taylor e, quanto ao

gerenciamento de recursos humanos, sob a orientação de Fayol2.

A configuração empresarial do hospital, com traços racionais-burocráticos,

leva à despersonalização do paciente, sendo este coisificado como produto final. O

hospital corresponde ao tipo racional-burocrático3, como foi definido por Weber

(1992), apenas parcialmente pois coexistem, neste, dois poderes: do administrador -

racional-burocrático - e do médico - carismático. Voltaremos a este assunto na

seqüência do trabalho.

Apresentando essas características o hospital mantém-se como espaço

privilegiado da disciplina médica, do aprendizado, do treinamento e do exercício da

prática médica. Importa ressaltar estes pontos pois a organização hospitalar moderna

diferencia-se, portanto, em algumas características fundamentais, de outras

instituições empresariais de nossa sociedade. Destaque-se a divisão do poder e o fato

2 Frederik W. Taylor escreveu seu tratado sobre os Princípios da Administração Científica no final do século XIX, nos Estados Unidos, propondo os princípios que deveriam nortear a administração de uma empresa, embasado na ciência positiva e racional. Henri Fayol, no começo do século XX na França, elaborou uma teoria para a Administração Industrial Geral com ênfase no gerenciamento de recursos humanos, também com base nesta ciência. 3 Remete-se aqui para a importância de contemplar, na discussão sobre a natureza do hospital enquanto organização burocrática, estudos recentes da sociologia das organizações que auxiliam a entender a natureza das ouvidorias a partir da natureza essencialmente conflituosa e negocial das organizações, como os trabalhos de Friedberg e Crozier apontam (1963, 1977). Na descrição da dinâmica de funcionamento das ouvidorias apontamos para conflitos, negociações, ganhos e perdas e indicamos, aqui, que esta análise será ampliada em trabalhos futuros.

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de atenderem seres humanos e não mercadorias, em situações que envolvem a

relação saúde-doença.

Ainda no decorrer do século XX, além das mudanças na estrutura

organizacional e funcional do hospital, transformações de ordem externa também

afetaram-no diretamente. Conforme Trevizan (1988) demonstrou em sua análise,

dentre as mudanças de ordem externa podemos enumerar o surgimento de planos de

pagamento antecipado pelos serviços hospitalares e maior preocupação dos governos

com a qualidade de atendimento, com o financiamento e com a construção de

hospitais.

Assim, verifica-se que na construção do hospital como promotor de saúde, a

disciplina teve um papel importante. Como instituição que concentra a educação

médica e a tecnologia ele passa a ser o local central na prestação de atendimento em

saúde, o que conduziu ao modelo hospitalocêntrico, caracterizando-se, também,

como um modelo estratificado de atenção à saúde.

Além das determinações mais gerais, acima salientadas, o hospital, como

instituição social, deve ser analisado através das especificidades da sociedade no qual

está inserido. O tema explanado a seguir situa o hospital no contexto das

transformações do sistema de saúde brasileiro, nas duas últimas décadas.

1.2 O hospital e o Sistema de Saúde Brasileiro

A área da saúde no Brasil, durante os anos oitenta e noventa, passou por

graves crises e por um processo de reformas que levou a alteração da sua estrutura e

funcionamento. A seguir apontam-se aspectos da crise e ressaltam-se propostas, da

sociedade política e civil, para a implementação de mudanças na área da saúde. A

crise e as propostas foram abordadas a partir de dois momentos: aquele do debate

para a transformação do sistema de saúde em um Sistema Único de Saúde (SUS),

bem como o momento de sua instalação e das formas de efetivar as diferentes

sugestões. A implantação das mesmas abarcam unidades gestoras, como o sistema

nacional, as secretarias estaduais e municipais e as instituições prestadoras de

serviços, como os hospitais, por exemplo. Esta última instituição é central, em

relação às demais e sobre ela a explanação será mais detalhada.

Em 1980, a crise da previdência social e do sistema de saúde indicava a

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necessidade de reformulação destas áreas. Em relação aos hospitais, a crise estava a

demonstrar a inviabilidade do modelo de saúde implantado a partir da década de

setenta, cuja característica marcante foi a afluência do capital privado na prestação de

serviços de saúde e a expansão da cobertura populacional. Ao analisar a

consolidação das formas capitalistas de produção dos serviços de saúde, verificada

no período 70-84, Campos (1988) salienta que o crescimento deste setor deu-se,

principalmente, através da contratação de serviços hospitalares privados, pela

Previdência Social. Gerou-se assim uma distorção no sistema, tendo em vista que

esta expansão não significou um modelo mais equânime de atendimento. Ao

contrário, predominava o setor hospitalar contratado pela Previdência, ou seja

privado, em detrimento do setor conveniado, público. Ainda segundo este autor,

naquele período, os hospitais contratados tornaram-se os principais produtores de

atendimento à saúde, tanto pelo volume de sua produção quanto pelo volume de

recursos públicos absorvidos. Em período mais recente, como é de conhecimento

público, evidenciou-se o peso das fraudes na desestruturação econômica do sistema

de saúde no Brasil.

Com a formulação do Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde

(PREV-SAÚDE), em 1980, e com a criação do Conselho Consultivo da

Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), em 1982, encontravam-se

delineados os princípios que orientariam as propostas de reformulação do sistema da

previdência e da saúde. Em relação à área da saúde esses dois programas

apresentavam, como sugestão básica, o saneamento e a expansão dos serviços

públicos.

Em relação aos hospitais, esses planos procuraram restringir a produção de

serviços de saúde por parte do setor contratado, privado, e a recuperação e

reestruturação do setor público. Conforme mencionado por Campos (1988), o PREV-

SAÚDE propôs limitar o número de consultas médicas no setor de pronto

atendimento dos hospitais. O CONASP, completando a intenção do PREV-SAÚDE,

indicou substituir o até então vigente sistema de pagamento a médicos e hospitais

contratados, realizado através da Unidade de Serviço, ou seja, segundo a produção de

atos médicos, pelo sistema de Autorização de Internação Hospitalar (AIH). Nesse

novo sistema, o pagamento se daria por patologia tratada ou por procedimento

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realizado.

A estratégia denominada Ações Integradas de Saúde (AIS), originada do

plano CONASP e formalizada em 1985 por portaria dos Ministérios da Saúde, da

Previdência e Assistência Social, e da Educação e Cultura, possibilitou a implantação

dos princípios: universalidade no atendimento, integração e eqüidade da atenção,

descentralização das decisões e das ações, regionalização e hierarquização dos

serviços e democratização, através da participação da sociedade civil e do controle

pelos usuários. Propiciou, também, a contenção dos custos hospitalares e a adoção de

medidas de desburocratização entre as instituições prestadoras de serviços de saúde e

o público. Para incrementar a participação do usuário é importante salientar, a partir

de informações sobre a estrutura funcional das AIS, colhidas na revista Espaço para

a Saúde, publicada pelo Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESCO, 1989), que

aquelas criaram as Comissões Interinstitucionais de Saúde, nos níveis estaduais

(CIS), regionais (CRIS), municipais (CIMS) e locais (CLIS). Destaque-se que estes

são os princípios que orientarão a criação do SUS, a ser posteriormente formalizada.

A crise que, como vimos, significou uma crise política, do modelo e das

políticas de saúde implantadas, econômica, de desequilíbrio financeiro do sistema de

saúde, e ético-social, de qualidade de atendimento, de ética profissional e de fraudes

no sistema, foi um dos fatores que conduziu a sociedade civil a lutar por reformas

mais profundas no sistema de saúde e a propor medidas racionalizadoras.

Delineiam-se claramente duas propostas, entre outras4, para alterar o sistema

então vigente. Uma, de caráter reformador-sanitarista, referindo racionalização

administrativa e eliminação do desperdício, democratização, eqüidade e

universalidade no atendimento à saúde. Outra, de caráter liberal indicando também a

racionalização, mas buscando atender à lógica do capital, do mercado e da fórmula

custo-benefício. De acordo com a literatura sobre o tema, representada pelos estudos

de Campos (1992), Melo (1993), Oliveira e Teixeira (1986), Paim (1989) e Teixeira

(1989), entre outros autores, considera-se, no presente trabalho, a primeira proposta

de projeto reformador e a segunda de projeto liberal.

4 Gastão Wagner de Sousa Campos (1992), por exemplo, aponta para a existência de três propostas: o projeto neoliberal, o projeto do SUS e o projeto racionalizador, este último originado nos quadros técnicos da administração pública. Nesta pesquisa considerou-se mais significativas as duas primeiras propostas.

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A luta político-ideológica de diferentes setores da sociedade, na área da

saúde, expressava-se na avaliação do PREV-SAÚDE, do CONASP e na Assembléia

Nacional Constituinte. Os produtores dos serviços de saúde: a Federação Brasileira

de Hospitais (FBH), a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE) e a

Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (ABIFARMA) defendiam o

projeto liberal, criticavam o caráter estatizante e integralizador das ações de saúde,

apontando para a marginalização da iniciativa privada e sugeriam medidas

racionalizadoras e liberais.

Setores dos trabalhadores e usuários da saúde defendiam a reforma sanitária.

Entre estes encontravam-se a Associação Médica Brasileira (AMB), na época

expressando o Movimento de Renovação Médica, o Departamento Intersindical de

Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT) e a

Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO).

Criticavam os planos afirmando que contemplavam apenas o aspecto de

racionalização do modelo vigente e não apresentavam políticas de saúde.

Salientavam ainda, a necessidade da participação do usuário, apontando criticamente

a contenção de gastos governamentais para os setores sociais e o privilegiamento do

grande capital na assistência médica.

Tratava-se, pois, de discutir como reverter o modelo de desenvolvimento

instaurado após 1964, que resultou em um sistema de saúde onde atuavam, de forma

desarticulada, os municípios, os estados, a União através do Ministério da Saúde e do

Ministério da Previdência Social. Esse modelo havia implantado um sistema nacional

de saúde que, como parte do modelo autoritário-burocrático instalado no País,

descrito por Gallo (1989) e Teixeira (1989), caracterizava-se por: ações sobrepostas e

desarticuladas, privatização dos cuidados médicos, centralização de ações; de

decisões e de recursos na esfera federal, desvinculação entre as ações preventivas e

as de caráter curativo e fragmentação institucional. Além disso como enfatizaram

Barros (1995) e Lucchesi (1996) a extrema centralização de decisões na esfera

federal havia imposto a exclusão dos usuários na gestão do sistema.

O projeto reformador do sistema de saúde trouxe à tona a rediscussão de

várias questões, presentes ao longo da história do setor da saúde no Brasil,

explicitadas por Luz em suas Notas sobre as políticas de saúde no Brasil de

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transição democrática (1991). Entre estas encontram-se as propostas que viriam a se

constituir nos princípios do SUS: a unificação institucional, a hierarquização, a

descentralização dos serviços de saúde e a participação popular. Incorporou a

reivindicação de medidas racionalizadoras, mas estas situavam-se na lógica

epidemiológica de atendimento das necessidades coletivas, portanto, sociais. Como

resultado desse debate emergiu uma indagação de caráter mais amplo sobre a

sociedade brasileira, em termos de democracia e de direitos humanos. Expandindo a

concepção de saúde enfatiza-se que esta deve contemplar as condições sociais de

existência como mencionaram Augusto e Costa (1993).

A proposta liberal procurou garantir a posição da iniciativa privada no

processo que implantava a reformulação do sistema. Enfatizava a racionalização,

mas dentro da lógica da lucratividade e do mercado. Argumentava pela redução dos

custos, no setor saúde, a partir do discurso neo-liberal da diminuição do tamanho do

Estado e da privatização das ações de saúde.

A polarização de interesses diversos das forças sociais havia confrontado,

também, os dois grupos na arena política da Assembléia Nacional Constituinte. De

um lado, encontravam-se as forças reunidas na luta pela reforma sanitária, que

apontavam para a democratização na área da saúde, expressão dos interesses dos

movimentos sociais e populares. De outro lado, estavam os interesses liberais dos

grupos empresariais.

O segundo momento compreendeu a instalação do SUS e as formas de

efetivar as diferentes propostas. Este momento, caracterizado por ações no sentido de

alterações no Sistema Nacional de Saúde, objetivou-se concretamente nas

Conferências Nacionais de Saúde (CNS) (a 8ª em 1986, a 9ª em 1992 e a 10ª CNS

em 1996), na Nova Constituição Brasileira, em 1988, e na Lei do SUS, em 1990. Na

Constituição Federal é aprovado o SUS, cujos princípios básicos, orientadores das

ações e dos serviços na área da saúde, são: a descentralização, o atendimento

integral, a hierarquização através de uma rede regionalizada, a universalidade do

atendimento e a participação da comunidade (Constituição Federal, 1995, seção II).

Estes princípios foram regulamentados em lei e a participação na gestão do SUS

passaria a efetivar-se através das Conferências e dos Conselhos de Saúde, estes com

poder deliberativo (Lei Nº 8.142 de 28 de dezembro de 1990).

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A partir dessa conjuntura, vêm à tona diferentes proposições para a

redefinição dos serviços de saúde com vistas à adequação ao novo processo.

Especificamente em relação ao hospital foi sugerido, na 9ª CNS em 1992, que o

mesmo passasse a ser “um centro de promoção das ações de saúde e não, apenas um

lugar de internação de pessoas doentes” (Czapski, 1992, p. 155). Surgem, também,

propostas inovadoras de gestão definidas internamente por alguns hospitais. Uma

delas foi a criação de serviços de ouvidoria. No próximo título apresenta-se

genericamente o tema ouvidoria para, então, relacioná-lo com as circunstâncias de

sua implantação nos hospitais no Brasil.

1.3 Ouvidoria e sua implantação em hospitais no Brasil

O termo ouvidoria é derivado de ombudsman, ouvidor. Como informam

Amaral Filho, em seu estudo sobre O ombudsman e o controle da administração

(1993) e Caio Túlio Costa em O relógio de Pascal (1991), ao narrar a sua

experiência como ombudsman da Folha de São Paulo, a origem do ombudsman

encontra-se no século XVI, na Suécia, tendo sido o cargo oficializado na reforma

constitucional de 1809. O termo significa “aquele que representa” (Costa, 1991, p.

15).

Segundo esses autores, a denominação definia o funcionário nomeado pelo

governo para exercer controle, inicialmente, sobre as autoridades judiciárias e,

posteriormente, sobre as administrativas. Atualmente é uma instituição com o

objetivo de ouvir as queixas dos cidadãos contra os servidores negligentes e os

desmandos da burocracia, sendo identificada com os direitos individuais, e incluída

em constituições de diversos países. A expansão dessa instituição foi mais acentuada

nas últimas décadas e ocorreu em vários países do mundo, como na própria Suécia,

Dinamarca, Noruega, Inglaterra, Canadá, Estados Unidos, França, Portugal, Espanha,

entre outros. Nesses países, o ombudman foi implantado em setores governamentais

e em instituições públicas e privadas.

A figura do Ombudsman alastrou-se, também, nos vários campos sociais

como o do direito, da administração, da comunicação e no campo da saúde. Na área

do Direito, o Ombudsman é analisado como um mecanismo democrático de controle

da administração, de acesso à justiça e de defensoria popular como mencionado nos

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estudos de Asper y Valdés (1990), Chrétien (1983), Edling (1988) e Rodriguez

(1982). Na área da Administração ele é salientado, por Amaral Filho (1993) e Leite e

Monteiro (1971a, 1971b), como uma forma de agilizar a administração,

flexibilizando a burocracia dos sistemas administrativos. Um dos exemplos da

prática nesta área, implantada na Prefeitura de Curitiba, encontra-se no artigo

Reclamar? Em Curitiba ficou mais fácil (1986). Na área da Comunicação, o

Ombudsman é visto como uma forma de crítica e de controle à atuação da imprensa.

Estes aspectos foram ressaltados por Caio Túlio Costa, no já referido livro O relógio

de Pascal de 1991 e em artigo publicado em 1994. Foram, ainda, mencionados no

artigo Ombudsmam: a crítica à atuação da imprensa no Cadernos de Comunicação

Proal (1977), sem autoria. A instituição foi difundida, também, na América Latina e

no Brasil.

No Brasil, há exemplos de ouvidorias em âmbito governamental e

institucional. Por ocasião da discussão da Nova Constituição, a Assembléia Nacional

Constituinte rejeitou a criação da figura do ouvidor brasileiro. Entretanto, verificou-

se a instalação de ouvidorias públicas, governamentais, e de ouvidorias em

instituições. Ressalte-se que há diferenças entre a figura jurídica do Ombudsman,

como é definido internacionalmente e o da Ouvidoria Pública, como foi implantada

no Brasil. Estas diferenças foram apontadas pelo primeiro ouvidor da cidade de

Curitiba, Manoel Eduardo Gomes (1997), em seu artigo sobre este tema. Dizem

respeito à vinculação formal do serviço ao poder legislativo ou executivo, à

autonomia funcional e à localização institucional na estrutura administrativa. No

Brasil, diferente dos países europeus, as ouvidorias públicas estão constituídas como

órgãos do poder executivo, com menos autonomia e criadas para exercer o controle

interno da administração pública.

Na década de noventa observou-se, também, que várias instituições

brasileiras implantaram o serviço como, por exemplo, universidades, companhias

jornalísticas, companhias telefônicas e hospitais. Aproximadamente 15 universidades

já haviam implantado o serviço ou estavam em vias de o fazer em 1997 (Lyra, 1997,

p. 52). Em companhias jornalísticas é de conhecimento de todos o exemplo da Folha

de São Paulo (Costa, 1991). Os exemplos de ouvidorias hoje poderiam ser

multiplicados, atestando que sua implantação perpassou as mais diversas áreas e

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instituições, de bancos (Pinto, 1998) a supermercados (Giangrande, Figueiredo,

1997) e hospitais (Pereira, 1995).

Na área da Saúde, o Ombudsman é compreendido como uma possibilidade de

defesa de direitos e de proteção administrativa para os pacientes. Esta concepção foi

expressa nos artigos de Netting (1992), Price (1993) e nas matérias De ouvidos

abertos e O sucesso do Ombudsman. As duas últimas, de 1991, encontram-se

publicadas no jornal O Grupo - Órgão Informativo do Grupo Hospitalar Conceição -

complexo do qual o Hospital Fêmina faz parte. Nesta área encontrou-se, também, a

existência de ouvidorias nos níveis governamentais e institucionais. Foi assim que

recorremos às informações existentes sobre ouvidorias governamentais e sobre

ouvidorias nas instituições, investigando a possibilidade de funcionar como uma

forma de envolvimento e de disciplinamento de usuários e de trabalhadores em

saúde.

A Inglaterra salienta-se como o exemplo clássico de Ombudsman em âmbito

governamental ligado à área da saúde. Este país, desde a década de 70, vem criando

canais participatórios no Sistema de Saúde, através dos Conselhos Comunitários de

Saúde (Community Health Councils) e da ampliação do instituto do Ombudsman. A

origem da idéia de criar um serviço de ouvidoria na área da saúde, na Inglaterra,

remonta a 1969. Conforme relatam Leite e Monteiro em Atenção ombudsman

(1971a), a formalização do cargo do ombudsman na administração pública inglesa

deu-se em 23 de março de 1967, pelo Parliamentary Comissioner Act que, em março

de 1969, também criou um comissário especial para a Irlanda do Norte. No mesmo

ano foi expresso o propósito de estender essa figura para os níveis locais da

administração pública e de incluir, na jurisdição do Comissário Parlamentar, o

serviço nacional de saúde.

Em 1973, a Inglaterra reorganizou seu sistema de saúde, introduzindo

mudanças - community health councils - que ampliaram a participação da população

na discussão dos problemas e soluções para a área da saúde. A criação de um canal

diferenciado, para receber reclamações dos pacientes, data do mesmo ano, quando da

implantação do British health service ombudsman, como foi explicitado por Ruth

Levitt em The people’s voice in the NHS-community health councils after five years

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(1980, p. 18, 28, 41) e citado na matéria Ombudsman in a white coat, publicada em

1995 pelo British Medical Journal.

Sua criação foi considerada, na época, medida de impacto, segundo

informação colhida em Ombudsman will rule on clinical complaints, matéria

publicada no mesmo jornal e ano acima citados, mesmo tendo o então Secretário de

Estado para Serviços Sociais Sir Keith Joseph, representante do Partido Conservador,

deixado fora do âmbito do novo serviço os médicos de família e as reclamações

sobre a prática médica. A matéria Ombudsman in a white coat relembra que Sir

Joseph justificou não incluir o recebimento de queixas sobre a prática médica,

declarando que seria intolerável para estes profissionais enfrentar uma multiplicidade

de reclamações, através do Conselho Geral de Medicina, sobre procedimentos

médicos considerados por eles satisfatórios. Em abril de 1995 novas medidas em

relação ao British health service ombudsman, adotadas pela Secretária de Saúde

Virginia Bottomley, foram consideradas a mais radical extensão do serviço, desde

sua implantação 23 anos antes. Estas medidas consistiram na inclusão dos médicos

de família e das reclamações médicas no âmbito de ação do ombudsman, que até

então estava limitado a investigar reclamações administrativas.

O caso da Inglaterra é um exemplo de um sistema de ouvidoria na área da

saúde e em âmbito governamental. Esta pesquisa, situando-se em âmbito

institucional, não dispensa, porém, este exemplo como apoio teórico, pois além de

destacarem-se os aspectos disciplinares e de participação dos usuários do serviço de

ouvidoria inglês, esse país apresenta um sistema de saúde universalizado e

considerado, internacionalmente, dos mais organizados.

No Brasil, a implantação de ouvidorias na área da saúde ocorreu em âmbito

governamental e também institucional. Está associada à crise e às transformações

verificadas nesta área na década de noventa, pois as circunstâncias tornaram

favoráveis, como vimos, propostas que indicaram a participação e o controle do

cidadão sobre as atividades de prestação de serviços de saúde, assim como medidas

de desburocratização. Estes princípios foram inseridos na Constituição Federal, em

1988, e na lei do SUS, em 1990. Em 1996, a 10ª CNS (Conferência Nacional de

Saúde, 1997) emitiu parecer favorável à implantação de Ouvidorias no SUS, parecer

que foi incluído no Relatório Final. Neste relatório lê-se que: “Os conselhos e

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Gestores do SUS devem constituir e implementar novos mecanismos de

participação”. Entre esses mecanismos incluem-se: “Ouvidorias e serviços Disque-

Saúde em todos os níveis do SUS, vinculados aos Conselhos de Saúde” (p. 35) e “Os

Gestores do SUS devem agilizar a criação das carreiras de Auditor em Saúde, bem

como de Ouvidor Público Hospitalar” (p. 56)5.

Nessa década, ouvidorias foram reativadas ou implantadas nas estruturas

administrativas públicas. Em âmbito do governo federal foi criado o programa

chamado Disque Saúde, junto ao Ministério da Saúde. Nos níveis estaduais e

municipais constatou-se serviços de ouvidoria na Prefeitura de Curitiba e no governo

do Estado do Paraná. Estes abarcaram as secretarias estaduais e municipais da saúde,

atingindo também as instituições prestadoras de serviços. Esse programa e serviços

foram criados para receber denúncias sobre problemas relativos ao atendimento à

saúde da população6.

Alguns hospitais redefiniram suas práticas institucionais adotando novas

formas de gerenciamento. Nas últimas décadas o hospital tornou-se, como vimos,

figura central no sistema de saúde brasileiro para a prestação de serviços de

atendimento à população, tanto que enfatizou-se o modelo hospitalocêntrico como

característica deste sistema. O atendimento hospitalar é realizado por dois tipos de

hospitais; os públicos e os privados, sendo estes últimos em grande maioria. Nos dois

tipos de hospitais verificou-se, na década de noventa, acentuarem-se as

características empresariais.

Observou-se, por exemplo, alguns hospitais privados assumirem

gradativamente formas de gestão similares as de uma empresa com fins lucrativos.

5 É importante definir o lugar da ouvidoria na proposta dos reformadores, de controle social sobre o SUS. Por estarem implantadas dentro da estrutura administrativa do hospital as ouvidorias têm como característica atender a demanda dos usuários. Nesse sentido são auxiliares na gestão de atenção à saúde. Tal mecanismo se diferencia dos conselhos - principal elemento estratégico de controle social para os reformistas - ao colaborar para a avaliação de serviços prestados, ao invés de atuar sobre o processo de decisão sobre como e qual tipo de atenção a ser oferecido. A ouvidoria não tem como pressuposto a organização prévia de usuários e a escolha de representantes que expressem sua discordância ou suas proposições. Por isso, nesses casos, não existe a possibilidade de participação do usuário, no sentido de tomar parte do processo de decisão política, como será argumentado ao definirmos, mais adiante, os conceitos de envolvimento e participação. No entanto eles podem vir a contemplar os setores mais frágeis da população, que sequer dispõe dos canais organizados de expressão política. 6 A primeira ouvidoria pública do país foi instituída em Curitiba, em 1986. Desativada após dois anos de funcionamento volta a ser ativada em nível estadual, no Paraná, em 1991. O projeto Disque-Saúde do governo federal, proposto em 1993, passa a funcionar, efetivamente, em 1997.

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As modificações que reorganizaram estes hospitais deram-se em termos de opção por

um modelo de autonomia de recursos, frente ao sistema de saúde, através da

utilização, em larga escala, de uma forma de assistência que proliferou, no Brasil,

nos últimos anos: os Planos de Assistência Privada. Os convênios, como são

chamados, tornaram-se uma opção para as camadas médias da população. Esta faixa

procurava não submeter-se à demora em conseguir atendimento através do SUS,

mas também não tinha condições de pagar pelo atendimento particular. Assim, os

hospitais privados passaram a oferecer atendimento, principalmente, através de

convênios e de pagamento direto. Embora muitos deles sejam cadastrados junto ao

SUS e ofereçam parte de seus leitos para o mesmo, atendem, principalmente, os

pacientes particulares e conveniados por outros planos de saúde. Porém, a maior

parte do financiamento desses hospitais continua vindo do SUS, como é o caso da

Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Ao mesmo tempo, os hospitais privados

implantam programas para a qualidade total e tornam-se exemplares na qualidade de

atendimento. Veja-se, em Porto Alegre, os exemplos dos Hospitais Moinhos de

Vento, Mãe de Deus e Santa Casa de Misericórdia.

Por sua vez, alguns hospitais públicos, devido às precárias condições em que

se encontravam passaram, também, a procurar alternativas para superar as

dificuldades econômicas e manter uma qualidade de atendimento compatível com

sua qualidade tecnológica, visto que alguns destes hospitais contam com a mais alta

tecnologia no campo da saúde. Para tanto, utilizaram fórmulas similares às da

iniciativa privada como a implantação de programas para a qualidade total.

Inovaram, porém, implantando outras estratégias, como os exemplos de

ouvidorias hospitalares indicam. Estas foram inseridas na estrutura hospitalar, em

alguns casos, ao mesmo tempo que os programas de qualidade total, mas não de

forma tão generalizada quanto os últimos. Em instituições de saúde, como hospitais,

um serviço de ouvidoria foi instalado, inicialmente no Hospital Fêmina de Porto

Alegre em 1990 e, mais tarde, estendido para todo o Grupo Hospitalar Conceição,

do qual o primeiro faz parte. Em Porto Alegre, também foi estruturado um sistema de

ouvidoria no Hospital de Clínicas, em 1994. Outros hospitais públicos do país

implantaram o serviço, como os hospitais de Clínicas de São Paulo, em 1994,

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universitário de Londrina, em 1992 e Municipal Odilon Behrens de Belo Horizonte,

em 1995, entre outros7.

Resumindo, ressalte-se que ouvidorias, na área da saúde e em hospitais,

relacionam-se com a defesa de direitos e de proteção administrativa para os

pacientes, mas as razões de sua implantação e as práticas desencadeadas variam a

partir de diferentes concepções.

Revelam-se, agora, os pressupostos mais gerais que a pergunta inicial

formulada, sob o título desvendando o objeto de investigação, indicou. A opção

dos hospitais em implantar ouvidorias, no Brasil, na década de noventa, foi originada

por, pelo menos, três motivos. Primeiro, como forma de enfrentar a crise da área da

saúde, que conduziu à reformulação nas relações entre o sistema de saúde então

vigente e os hospitais públicos e privados. Segundo, de forma não claramente

definida, como resposta às propostas liberais ou reformadoras, aos princípios

constitucionais e àqueles indicados pela reforma do SUS, visando tornar a gestão

mais flexível, menos formal e menos burocrática, voltada para a participação e o

controle dos usuários sobre o sistema. E terceiro, devido à incorporação de novas

ideologias e técnicas de gerenciamento, dentre as quais inclui-se a própria ouvidoria

hospitalar.

Esses pressupostos, de caráter mais geral, não informam, porém, sobre as

razões específicas pelas quais hospitais implantaram serviços de ouvidorias.

Tampouco indicam as potencialidades institucionais desses serviços. Como

determinações mais gerais, só podem ser vislumbradas através de suas múltiplas

relações e determinações concretas. Foi necessário, assim, pensar num quadro

teórico, que possibilitasse explicar questões mais específicas tais como os motivos

que levaram dois hospitais públicos a optarem por ouvidorias na década de noventa,

em Porto Alegre, e quais os impactos institucionais e sociais desta opção. Este

trabalho de construção das relações entre o teórico e o empírico é explanado a seguir.

7 Nestes hospitais, porém, os serviços de ouvidoria pararam de funcionar após breve período de atuação, ou não chegaram a ser implantados, apesar da intenção em fazê-lo, como o de Alagoas, em 1992. Este tema será novamente abordado mais adiante.

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2 Ouvidorias hospitalares como objeto de conhecimento sociológico: opções teórico-metodológicas

Tendo presente o contexto histórico e social em que ocorreu a instalação de

ouvidorias hospitalares no Brasil e informados de suas potencialidades mais gerais,

defesa dos direitos do cidadão, delineiam-se, a seguir, as determinações e relações

mais concretas que fizeram com que dois hospitais públicos portoalegrenses

decidissem por sua implantação. Pelo ineditismo na abordagem do tema foi

necessário estabelecer, inicialmente, duas premissas que orientaram a explicação do

fenômeno investigado.

Uma delas diz respeito à ouvidoria hospitalar como um dispositivo

institucional criado para acolher as reclamações dos usuários sobre o atendimento

prestado por uma instituição. O termo dispositivo é empregado de forma genérica

aplicado à criação de mecanismos através dos quais as instituições hospitalares

efetivam ações no intuito de redefinir, alterar ou reforçar aspectos da sua realidade

do dia-a-dia. De acordo com Foucault, dispositivo inclui “os discursos, as

instituições, as disposições arquitetônicas, os regulamentos, as leis, as medidas

administrativas, os enunciados científicos, as proposições filosóficas, a moralidade, a

filantropia”, ou seja, “trata das relações de força que suportam tipos de saber e vice-

versa”8.

Na área da saúde, se enquadram nesta definição medidas institucionais tais

como grupos de discussão de problemas, cursos, treinamentos, entre outros, como foi

salientado por Campos em seu ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde

(1998a). Sua utilização no SUS foi analisada em estudos concretos. Um deles,

Promovendo a eqüidade, realizado por Kadt e Tasca (1993) remete para a introdução

de um novo sistema de definição, delimitação geográfica e gerenciamento de um

distrito sanitário, em Pau da Lima, distrito de Salvador, na Bahia. Neste, o

dispositivo utilizado foi o envolvimento mais amplo possível de profissionais e da

comunidade na discussão dos problemas de saúde da área e o treinamento de agentes

de saúde: os visitadores sanitários (p. 65).

8 FOUCAULT apud DREYFUS, Hubert, RABINOW, Paul. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro, Forense Universitária, p. 134, 1995. 299 p.

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Outro exemplo é a experiência do município de Piracicaba, São Paulo,

relatada por Luiz Carlos Cecílio, quando a equipe do Laboratório de Planejamento e

Administração (LAPA) da Universidade de Campinas (Unicamp), com o objetivo de

avaliar a qualidade e a gestão descentralizada na rede básica de saúde daquele

município, utilizou como dispositivo uma intensa discussão com a gerência de suas

unidades. Em hospitais foi relatada, pelo mesmo autor, a experiência levada a efeito

pelo projeto em defesa da vida na Santa Casa de Misericórdia do Pará, cujo

dispositivo foi a construção conjunta de um modelo alternativo de gestão a ser

implantado (1994).

Constatando que em um dos hospitais pesquisados, o Hospital Fêmina, o

serviço de ouvidoria faz parte dos programas de fortalecimento intra-institucional,

sendo internamente denominado - Ouvidoria Hospitalar (Ombusdman) - considerou-

se que, como programa institucional, também é um exemplo de dispositivo, no

sentido recém definido.

A outra premissa estabelecida concebe as reclamações como resultantes de

relações sociais. Assim, buscou-se compreender o significado dessas relações.

Através de descobertas teóricas, verificaram-se as primeiras aproximações com uma

explicação sociológica capaz de juntar os sujeitos e suas histórias, mostrando que a

realidade de um é a realidade de muitos e, neste sentido, o problema de uma

reclamação, registrada em um serviço de ouvidoria hospitalar, deixa de ser um

problema pessoal e passa a ser um problema social.

Ao analisar as reclamações evidenciava-se que ali se instalava um processo

peculiar de relacionamento entre instituição, profissionais da saúde e usuários de

hospitais. Este relacionamento era conflitante e as formas que os conflitos assumiam

remetiam ao tipo e à qualidade de atendimento das áreas e dos profissionais do

hospital. Ao acolher as reclamações e ao encaminhá-las internamente as ouvidorias

hospitalares desencadeavam estratégias que caracterizaram-se, neste trabalho, como

sendo de envolvimento e de disciplinamento dos usuários e dos trabalhadores em

saúde, das instituições.

Buscou-se assim analisar a teia de relações sociais e institucionais que se

estabeleceram a partir da criação desse instrumento de gestão, tendo como pano de

fundo a adesão das instituições às políticas oficiais, constitucionais e de saúde, aos

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princípios de implantação do SUS, às propostas reformadora ou liberal e à programas

de gestão como os programas de qualidade. Para efetivar a investigação foram

construidas três dimensões de análise: 1) o interesse dos hospitais em implantar

ouvidorias; 2) o impacto de seu trabalho, destacando as relações institucionais

de envolvimento e disciplinamento de usuários e de trabalhadores em saúde; e

3) os efeitos institucionais e sociais provocados por sua ação. A partir destas

dimensões definiram-se as categorias analíticas que permitiram explicá-las de forma

concreta. Para tanto estabeleceram-se as hipóteses norteadoras do trabalho a ser

desenvolvido e construiu-se a metodologia para efetivar a pesquisa de campo. O

texto que segue trata destas questões.

2.1 O significado da implantação de ouvidorias hospitalares

Argumentou-se, anteriormente, que os parâmetros mais gerais que

implicaram na adoção de ouvidorias, por parte dos hospitais públicos, estão

relacionados à crise na área da saúde, à adesão a uma das propostas, reformadora ou

liberal e aos princípios do SUS, de democratização e de desburocratização

institucional, bem como ao alinhamento das instituições hospitalares brasileiras a

novas formas de gestão, como os programas de qualidade e as ouvidorias. Sendo um

programa diverso dos programas de qualidade, o conhecimento sobre o significado

da implantação de ouvidoria, em instituições hospitalares públicas, precisava ser

aprofundado.

Tratava-se de ver, agora, como os parâmetros mais gerais tornavam-se

parâmetros mais específicos, isto é, estratégias de gestão institucional. A primeira

dimensão de análise foi verificar o interesse das instituições em implantar as

ouvidorias. Para tal perguntou-se, inicialmente, quais as razões que levaram alguns

hospitais, principalmente os públicos, a implantar em sua estrutura um serviço que

ouvisse as reclamações dos usuários sobre o atendimento recebido. Estabeleceu-se,

como hipótese, que alguns hospitais públicos brasileiros optaram pela criação de

ouvidorias como dispositivo de gestão, para realizar uma melhor administração,

procurando tomar conhecimento das falhas institucionais e assim avaliar a qualidade

do atendimento. A prática desencadeada a partir desta opção vai estar marcada pelas

concepções que as instituições e seus profissionais têm sobre prestação dos serviços

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em saúde e resultam em ampliar ou minimizar a voz do usuário.

Para elucidar o significado da implantação de ouvidorias, no gerenciamento

do setor público hospitalar, recorreu-se à literatura sobre a administração pública em

geral e no campo da saúde. Nossa análise centrou-se em três aspectos: 1) as diversas

abordagens sobre a administração pública, com enfoque na administração hospitalar;

2) as formas através das quais as instituições podem constatar as suas falhas; e 3) os

motivos econômicos, políticos e ético-sociais da opção por ouvidorias. Explicitam-se

assim os contornos teóricos que auxiliaram a explicar os motivos específicos que

conduziram as instituições pesquisadas a realizar a opção por uma ouvidoria.

Em relação ao primeiro aspecto, Hambleton, analisando a Inglaterra, em

artigo de 1988, destacou, como temas de relevância nos debates atuais sobre o

gerenciamento do setor público, as noções de consumismo, descentralização e

democracia local. Estes temas implicavam em opções de reformas dos serviços

públicos e tornaram-se particularmente atrativos para os governos locais britânicos e

para o National Health Service.

Em relação ao consumismo, esse autor observou que a idéia de se aproximar

do consumidor foi enfatizada pelo setor privado, durante a década de 80. A

abordagem do consumismo foi a que recebeu, inicialmente, maior atenção do setor

público. Mas, como aproximar-se do consumidor implicava, neste setor, ofertar

serviços descentralizados, verificou-se que à aproximação do consumidor foram

associadas, em muitas localidades inglesas, ações no sentido de, também, estender a

democracia em nível local e ampliar o envolvimento dos cidadãos.

Os governos de muitas cidades, na Inglaterra, passaram a interessar-se, em

desenvolver novos caminhos para praticar a democracia local e o envolvimento dos

cidadãos na tomada de decisão sobre os serviços públicos. De fato a experiência

inglesa assim o demonstra, pois inúmeras autoridades municipais combinaram e

implementaram as três medidas (Hambleton, 1988).

A contribuição de Hambleton evidencia que o enfoque do consumismo

encerra a idéia de “aproximar-se do consumidor”, da “busca da excelência” (p. 126)

e foi difundida no setor privado da economia, em nível mundial, nos últimos anos

permeando, posteriormente, o setor público. A incorporação dessas idéias, por este

setor, deve ser situada no contexto de privatização do setor público, verificado em

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vários países, nas últimas décadas.

Essa abordagem propõe como objetivo central a satisfação do cliente,

realizando um processo de consulta ao mesmo, através das chamadas pesquisas de

mercado, elaboradas com a intenção de conhecer sua opinião. Como resultado há

redefinições de práticas empresariais visando a satisfação do cliente. Assim, para

averiguar como os serviços são prestados é fundamental, nesta abordagem, obter

informações de experiências e percepções dos consumidores. Este processo ocorreu,

também, com variantes especifícas na sociedade brasileira9, quando empresas dos

mais diversos ramos de atividade implantaram os programas de qualidade.

Para ilustrar o enfoque do consumismo na área da saúde, Hambleton, no

mesmo artigo, cita o relatório do National Health Service Management Inquiry, de

1983, presidido por Sir Roy Griffiths, demonstrando interesse na “satisfação do

paciente” e na “qualidade do atendimento” (p.127). Esse relatório seria um exemplo

da mudança de enfoque: de um, centrado na mobilização do consenso, para outro,

baseado no gerenciamento do conflito. Como forma de contrabalançar as pressões do

governo central, a população é incentivada a manifestar seu ponto de vista sobre

serviços públicos inadequados.

No Brasil, a área da saúde, também foi impregnada por esse pensamento e,

em alguns hospitais, está associada à experiência dos programas de qualidade. No

que se refere à administração da instituição hospitalar, salienta-se que,

historicamente, algumas análises e práticas buscaram inspiração nas Teorias

Clássicas da Administração, incorporando, como vimos, os princípios propostos por

Taylor e Fayol para efetivar a administração gerencial.

Atualmente, técnicas da qualidade total (QT) e círculos de controle de

qualidade (CCQ) são implantados em hospitais e em outras instituições de saúde.

Argumentos em favor desta prática foram apresentados no artigo Os círculos de

controle de qualidade e sua utilização em hospitais, de Rigon (1993) e no seminário,

realizado pelo setor hospitalar em Porto Alegre, no ano de 1993, onde foi discutida a

qualidade dos hospitais e sugerida, também, a qualidade total. Estas propostas foram

9 Este trabalho analisa dois exemplos de consulta ao usuário realizada, no âmbito hospitalar, através das ouvidorias. Para aprofundamento das especificidades do caso brasileiro, sobre o tema ouvidoria, recomenda-se a leitura de Amaral Filho, 1993; Costa, 1991, 1994; Leite, 1971a, 1971b; Giangrande, 1997; Lyra, 1997 e Ruas, 1993.

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divulgadas na imprensa local sob a manchete: Seminário discute a qualidade dos

hospitais.

As análises que fundamentam estas práticas colocam o indivíduo como

cliente e buscam a reorganização da instituição, como se fosse um sistema, a partir

da correção de seus pontos de estrangulamento como são, por exemplo, as propostas

da Total Quality Management (TQM), explicitadas por Sashkin e Kiser no livro

Gestão da qualidade total na prática (1994). Pautando-se pelo enfoque do

consumismo, visam a satisfação do cliente, e as mudanças nos processos

organizacionais têm esse objetivo como fim máximo. Através de pesquisas de

opinião são detectadas falhas nos serviços e revistos seus mecanismos de

ajustamento. Como decorrência, os hospitais passaram a utilizar o termo cliente, para

seus usuários, e a buscar alcançar a sua satisfação nos serviços prestados.

Essa abordagem corresponde, em nosso entender, ao que Winkler, citado por

Hambleton, apontou como “modelo de consumismo do tipo supermercado” (p.

128)10 e se relaciona, em nosso país, ao projeto liberal para a área da saúde. Alguns

hospitais que, após passarem por uma crise institucional e aderirem ao Programa da

Qualidade Total, argumentaram ser esta uma forma encontrada para melhorar a

qualidade e ampliar a assistência e, assim, competir e atuar num mercado

diferenciado, de convênios e particular, onde o cliente tem a chance de escolher o

serviço11.

O modelo do tipo supermercado é fortemente criticado, por alguns autores,

dentre os quais Winkler, pois provocaria mudanças na aparência e não na substância

da prestação de serviços, afastando o conhecimento da situação real e da estrutura de

poder vigente. A crítica de Winkler remete ao fato de que, numa relação de mercado,

o consumidor tem, realmente, poder de escolha e esta é pessoal. No caso dos serviços

públicos, ao contrário, como prestam atendimento de caráter coletivo, devem prever,

10 A expressão utilizada é “the supermarket model of consumerism”, a qual expressa melhor a noção explicitada por WINKLER, F. Consumerism in health care: beyond the supermarket model. Policy and Politics. September 1-8, 1987 apud HAMBLETON, Robin. Consumerism, decentralization and local democracy. Public Administration. London, The Royal Institute of Public Administration, v. 66, p. 125-147, summer 1988. 11 Esta afirmação foi feita pelo Sr. Minotto, coordenador do Programa Qualidade Total (PQT), da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, durante sua explanação, por ocasião do 23º “Benchmarking Concedido”, em 26 de novembro de 1997. O “Benchmarking Concedido” é a apresentação ao público interessado do trabalho realizado e dos resultados alcançados, como forma de divulgar e ganhar a adesão ao programa de qualidade.

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em sua estrutura, mecanismos de envolvimento dos seus usuários. Este modelo pode

trazer contribuições se adaptado para o setor público. Porém, suas falhas ficaram

demonstradas, segundo esse autor, no que diz respeito à redução da disparidade de

poder entre usuários e provedores dos serviços públicos, fracassando ao tentar

fortalecer a cidadania e o controle local, quanto à tomada de decisão sobre a provisão

coletiva dos serviços. A principal objeção à adesão a este enfoque, no setor da saúde,

além das acima citadas, é que o enfoque do consumismo trata de relações entre

empresas e consumidores e não de direitos dos pacientes.

Temos no Brasil, como alternativa de gerenciamento público, propostas

diferentes das recém referidas, apresentando outra concepção de gestão dos serviços

de saúde, que também devem ser consideradas. Trabalham com a idéia de radicalizar

o processo de descentralização até cada unidade de saúde e até cada equipe

multiprofissional, e procuram ampliar a democratização gerencial através da gestão

coletiva dos serviços de saúde, com a participação direta da comunidade.

Estas concepções vêm sendo desenvolvidas pela equipe do Laboratório de

Planejamento e Administração (LAPA), e encontram-se reunidas nos vários

trabalhos do professor e médico sanitarista Gastão Wagner de Sousa Campos, citados

na bibliografia, entre outras publicações. Estão sendo implantadas, através de

experiências concretas com assessoria do LAPA, conforme narrado em Inventando a

mudança na saúde, livro organizado por Luiz Carlos Cecílio (1994). Na mesma

concepção insere-se o trabalho descrito em Promovendo a eqüidade: um novo

enfoque com base no setor saúde, de Emanuel de Kadt e Renato Tasca (1993).

Essa abordagem, segundo nosso entender, compreende o processo de gestão

como forma de descentralização administrativa e possibilidade de desenvolver a

democracia local, de acordo com as noções expressas por Hambleton (1988), e se

relaciona ao projeto sanitarista de reforma da área da saúde, no período da discussão

desta reforma.

O quadro teórico acima detalhado foi construído no intuito de explicar, se a

opção dos hospitais por ouvidorias relacionou-se ao enfoque do consumismo e à

proposta liberal ou, ao enfoque da descentralização e da democratização e à proposta

reformadora.

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O segundo aspecto, sobre o qual centramos nossa análise para desvendar os

motivos da opção por ouvidorias hospitalares, trata das formas através das quais as

instituições podem constatar as suas falhas. Então, qual pode ser a iniciativa da

instituição para verificar suas falhas? Compartilha-se com Hirschman, como exposto

em seu livro Saída, voz e lealdade, escrito em 1973, a idéia de que, independente do

sistema econômico-social em vigor, as instituições estão sujeitas a falhas que podem

ser de eficiência, de racionalidade, de legalidade, de ética ou de comportamento

funcional. As sociedades podem conviver com uma certa parcela desse

funcionamento deficiente mas, para que o mesmo não se amplie, levando à

deterioração geral, é preciso forçar os agentes econômicos e sociais a restaurarem seu

bom funcionamento.

Segundo esse autor, tratam-se de falhas reparáveis que possibilitam dois tipos

de mecanismos de recuperação: um através da concorrência e outro através de

mecanismos alternativos. A recuperação através da concorrência é usada em situação

de mercado onde há diversidade de preço e qualidade do produto. O cliente pode

trocar de empresa e procurar aquela que lhe ofereça mais vantagem. Neste caso, a

empresa é obrigada a procurar uma forma de corrigir as causas desta saída. Essa é a

opção de saída vista pelo lado do cliente. Os clientes de uma empresa podem também

expressar sua insatisfação, diretamente, à direção ou a uma autoridade que a

represente ou através de protestos gerais, dirigidos a quem estiver interessado em

ouvi-los. Em nosso estudo constatou-se que o canal utilizado pelos usuários dos

hospitais para manifestarem sua insatisfação foi, muitas vezes, a imprensa. Mas deste

assunto trataremos mais adiante.

Hirschman considera que a instituição, quando não dispõe de mecanismos

competitivos ou para complementá-los, pode optar por mecanismos alternativos,

como o dar voz ao usuário. Esta escolha é definida como tentativa de modificação da

instituição e não de fuga. É utilizada como forma de minimizar o descontentamento

de seus usuários. Está relacionada com a tentativa da empresa em articular os

diversos interesses, presentes em seu âmbito. Existem situações em que as duas

opções podem ser conciliadas. A opção de saída é um mecanismo da economia

enquanto a opção pela voz é essencialmente um mecanismo político: “voz é ação

política por excelência” (p. 26).

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A opção pela voz ocorre, ainda, por vários outros motivos dentre os quais

destacam-se, resumindo Hirschman: administrar a incompetência de direções, o

abuso de poder e a inépcia burocrática. Atualmente enfatiza-se uma mudança do

principal propósito da instituição que procura promover uma melhor administração e

corrigir práticas incorretas.

No presente trabalho argumentamos que, quando empresas públicas e

privadas optam pela instalação de ouvidorias, o significado desta criação e a forma

de atuação dos serviços variam de acordo com as características e os objetivos das

instituições. Estes conduzirão a empresa a ampliar ou diminuir a voz dos seus

usuários.

Entendemos que minimizar a voz do cliente não se adequaria à prática de uma

ouvidoria, quando instalada numa instituição privada e liberal. Isso porque seus

princípios orientam-se em função do negócio, da produtividade, do mercado e da

competitividade entre as empresas. Devido à livre-concorrência, há a possibilidade

do cliente sair em busca de uma empresa com produtos ou atendimento de melhor

qualidade.

Estas empresas consideram fundamental não deixar nenhum cliente sem

resposta e manter um sistema de controle e acompanhamento dos problemas

resolvidos e não resolvidos. A idéia de sempre responder ao cliente foi expressa por

Vera Giangrande, a ouvidora do grupo Pão de Açúcar, ao escrever, em 1997,

juntamente com José Carlos Figueiredo, O cliente tem mais do que razão (p. 69 e

94).

O consumidor é fundamental, do ponto de vista da empresa liberal pois é ele

que reativa o ciclo da acumulação capitalista. A relação entre a empresa e seus

clientes é baseada numa relação de mercado. A produtividade e a qualidade são os

termos norteadores destas empresas. A produtividade é trabalho que deve se efetuar

com menores custos, sem retrabalho e sem desperdício. A qualidade é entendida,

portanto, como a produção realizada com menos custos e de acordo com o grau de

exigência dos clientes da empresa.

Estes princípios estão presentes nos programas de qualidade total. Estes

programas prevêem, em seus fundamentos teóricos, que as empresas devem ter um

sistema para conhecer as opiniões e as reclamações dos clientes. Segundo o

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pensamento empresarial, esta prática - de consulta - seria uma eficiente forma de

conhecer seu cliente. Como resultado desta concepção, os cargos de ombudsman nas

empresas privadas proliferaram nos últimos anos, em muitos casos como

conseqüência da implantação dos programas de qualidade total. Nestas empresas, o

ombudsman é um dispositivo criado para manter a lealdade e evitar a saída do

consumidor.

Para as instituições públicas, a opção por uma política de dar voz ao usuário

tem objetivos diferentes daqueles em funcionamento na iniciativa privada. Voltando

às contribuições de Hirschman, as instituições públicas, sendo bens públicos,

apresentam como características não só o fato de suas atividades estarem à

disposição de todos os membros de uma comunidade mas, principalmente, ser a

única alternativa de serviços disponível para uma camada da população.

Como não há possibilidade de saída, para parte da população através de

mecanismos de mercado, a opção das instituições públicas em abrir um canal para

ouvir a voz do usuário é baseado, exclusivamente, em mecanismos políticos e não

naqueles associados às leis do mercado. Segundo esse autor, como falar dos bens

públicos é falar dos males públicos, a opção por dar voz é um mecanismo político,

pois é uma das formas de evitar a deterioração destes serviços, casos em que se

incluem a saúde e a educação públicas. Pode acontecer, porém, a voz ficar

minimizada, isto é, não se ampliar. Segundo Hirschman “em contraste com a opção

de saída, a voz tem um custo e está condicionada ao poder de negociação e à

influência de que gozam os fregueses e membros dentro da firma ou da organização”

(p. 47). Estas duas características definem que a voz tem papel mais importante em

organizações, do que em firmas, já que nas primeiras os membros estão mais

substancialmente envolvidos. Definem também que o mecanismo da voz funciona

melhor em mercados com poucos compradores, pois estes poderiam se organizar

mais facilmente. A combinação não opção de saída e muitos consumidores - como os

usuários do SUS - resultaria em enfraquecimento da possibilidade da voz ser ouvida.

O quadro teórico, acima explicitado, sustenta nossas afirmações de que

ouvidorias hospitalares são dispositivos que permitem melhorar a gestão

administrativa, ao possibilitar o conhecimento das falhas institucionais, e que, sendo

públicas, podem atuar de forma mais ou menos democrática, ampliando ou

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diminuindo o espaço para a voz dos usuários. Esta atuação encontra-se relacionada

ao contexto de não opção de saída e muitos consumidores e com a concepção

institucional sobre atendimento em saúde (liberal ou reformadora), na qual a

ouvidoria está inserida.

As ouvidorias hospitalares públicas poderão distinguir-se, umas das outras,

pela atuação no sentido de ampliar ou minimizar a voz do usuário. Já que para este

não há opção de saída e sendo muitos consumidores, a ouvidoria pode, dentro dos

limites que as relações institucionais lhe impõem, funcionar de forma a ampliar a voz

do usuário e, nesse caso terá um caráter mais democratizante; pode também

minimizar sua voz, apenas contemporizando suas reclamações tendo, nesse caso um

caráter mais liberal e autoritário. Os limites institucionais dizem respeito às relações

internas, entre as quais destacou-se o respaldo institucional à ouvidoria, à opção

institucional, explícita ou implícita, a uma das propostas para a área da saúde, e à

implantação dos princípios do SUS. É sob este ângulo que relacionou-se, neste

trabalho, as propostas, liberal ou reformadora, os princípios do SUS e as ouvidorias

hospitalares.

Partimos, assim, da concepção de que eleger ouvidorias, como forma de

melhorar a gestão administrativa pública, é um mecanismo em princípio

democrático, principalmente em se tratando de hospitais públicos onde o usuário não

tem condições de saída. Considerou-se necessário, para averiguar este princípio,

observar se esta escolha ampliou ou diminuiu, efetivamente, a voz dos usuários

destes hospitais.

Para tanto, como terceiro aspecto de nossa análise sobre o porquê da

instalação de ouvidorias, como estratégia de gestão hospitalar pública, buscou-se

conhecer os motivos ventilados nos argumentos que justificaram a decisão pela

instalação das mesmas. Os motivos foram agrupados em econômicos, políticos e

ético-sociais12. Desta forma, ampliou-se a análise sobre o interesse dos hospitais

públicos na adoção de ouvidorias A especificação destas razões teve como alvo

12 Para definir as noções explicativas de ordem política, ético-social e econômica apoiamo-nos em Cecílio e Melo, (Cecílio, 1994, p. 318 e Melo, 1984, p. 14). Estas foram, porém, repensadas e redefinidas para este trabalho. Melo expressa que os diferentes objetivos das instituições, em oportunizar a participação, estão ligados às categorias ética, político-social e econômica, definidos em âmbito internacional, expresso pelo BIT-Bureau International du Travail. La participation des travailleurs aux décisions dans l’entreprise. Genève, BIT, 1981. apud: MELO, 1984.

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sustentar as hipóteses de trabalho pois unificaram os parâmetros mais gerais e os

objetivos específicos institucionais. Estes objetivos não se excluem uns aos outros,

encontrando-se mesclados na realidade.

Os motivos de ordem econômica remeteram à indagação sobre as formas que

os hospitais buscaram para estabilizar economicamente a instituição e racionalizar os

custos com a produção de serviços em saúde. Os argumentos, indicando motivos

econômicos, em favor da criação das ouvidorias, mencionaram-nas como alternativa

para fazer frente à crise na área da saúde, ao possibilitar avaliar a qualidade sem

grandes custos ou para aumentar a produtividade. Este objetivo está relacionado à

crise nesta área, no nosso país, ocasionando a necessidade dos hospitais públicos

procurarem alternativas de adequação ao processo de mudança sem onerar ainda

mais essas instituições. As justificativas econômicas foram observadas através das

entrevistas e da política de captação de recursos.

Como razões políticas agruparam-se aquelas que relacionaram a criação da

ouvidoria com: as políticas nacionais de saúde, as propostas para a área e, as políticas

institucionais. No primeiro caso os argumentos enfatizaram os princípios do SUS,

principalmente de desburocratização e de democratização. No segundo ressaltaram

as propostas liberal ou reformadora. Em terceiro lugar explicitaram os serviços de

ouvidoria como um programa institucional criado para aumentar a qualidade, a

democratização, a desburocratização, como marketing de relacionamento e como

forma de representar o cliente. Estas razões estão relacionadas com as políticas

nacionais e também com as políticas institucionais, de reavaliar a gestão

administrativa, verificando as falhas institucionais.

Verificar estas falhas, através da implantação de medidas democráticas como

o “dar voz ao usuário ou cliente”, implica também em desburocratização

institucional, pois deve propiciar que o acolhimento das reclamações e a resolução

dos problemas relatados seja feito de forma mais ágil. Os motivos políticos foram

investigados a partir da implementação, por parte dos hospitais, das propostas

reformadora ou liberal, de políticas nacionais de saúde e de políticas institucionais

específicas, dentro das quais o próprio programa de ouvidoria se encaixa.

Os motivos ético-sociais, presentes nos argumentos que justificaram a

importância da instalação das ouvidorias, relacionaram como objetivo desta

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implantação os usuários, os clientes, os trabalhadores em saúde e os colaboradores da

empresa. Ressaltaram a ouvidoria como um canal aberto para as reclamações ou

como um canal de comunicação. Enfatizaram a importância da voz do usuário e do

cliente-consumidor e a ouvidoria, como um meio para atingir a satisfação da

clientela. Salientaram, ainda, a busca de um trabalho ético-profissional, ao proporem

a ouvidoria como forma de avaliar o comportamento funcional dos trabalhadores dos

hospitais e para evitar processos judiciais.

Os objetivos de ordem ético-social relacionam-se com as noções de eqüidade

no atendimento às diferentes classes sociais, melhoria do atendimento à população e,

em relação aos trabalhadores dos hospitais, controle da ética profissional. Permitem

indagar se os hospitais, ao adotarem as ouvidorias, visavam a qualificar o

atendimento melhorando a relação entre a instituição e os usuários, entre os

empregadores e os trabalhadores da instituição, a diminuir zonas de conflito e

qualificar as relações de trabalho.

Estes objetivos foram investigados através do tipo de atendimento ofertado

aos usuários resultando em: acesso facilitado, bom acolhimento, presteza e rapidez

na execução dos trabalhos, resolução de problemas manifestados pelos usuários e

trabalhadores, detectados a partir das entrevistas e das reclamações registradas junto

à ouvidoria.

Os motivos de ordem econômica, política e ético-social, apontados nos textos

institucionais e nas entrevistas com os profissionais dos hospitais pesquisados, foram

analisados a partir deste quadro teórico e das categorias selecionadas.

Agregou-se às informações sobre os motivos da opção pela voz, colhidas na

literatura e mencionadas nos documentos e entrevistas, a análise das estratégias

institucionais promovidas pelas ouvidorias. Esta adição permitiu passarmos da

análise das causas de implantação de ouvidorias hospitalares públicas, para a análise

das relações institucionais desencadeadas através deste dispositivo institucional.

Passou-se assim da primeira para a segunda dimensão de análise.

Definimos dois tipos de estratégias: aquelas que caracterizaram relações de

envolvimento e aquelas que implicaram em relações de disciplinamento

institucional. Definimos como hipótese central, as ouvidorias hospitalares como

estratégias institucionais que conduzem ao envolvimento e ao disciplinamento dos

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usuários e dos trabalhadores em saúde em hospitais. Argumentamos que quando a

ouvidoria foi criada com base na proposta reformadora, explicitando os princípios de

democratização institucional, oportunizou a ampliação da voz e o efetivo

envolvimento dos usuários e dos trabalhadores dos hospitais, mesmo no contexto de

não opção de saída e muitos consumidores. Reforçou as estratégias disciplinares no

sentido de enfatizar as noções de eqüidade e qualidade de atendimento às diferentes

classes sociais.

Ao contrário, quando a opção pela ouvidoria se efetivou a partir da proposta e

de princípios liberais e autoritários, promoveu estratégias de envolvimento que

minimizaram a voz do usuário. No que tange à disciplina atuou como um sistema de

poder discreto, invisível, suscetível de controlar os indivíduos, reforçando a

disciplina, no sentido de conformação da identidade13 dos indivíduos aos fins e

interesses da instituição. Nesse caso, como observa Maria Assunta Campilongo ao

escrever sobre A noção de sujeito em Michel Foucault: “o sujeito emerge nas

instituições como sujeito de identidades e subjetivações, que passam a atuar sobre o

corpo e sua subjetividade, tornando-o um corpo dócil” (1999).

A segunda dimensão da análise, explicitada a seguir, consistiu em explicar

as implicações das ouvidorias hospitalares como estratégia de gestão que propiciam

relações institucionais de envolvimento e de disciplinamento de usuários e de

trabalhadores em saúde. Perguntou-se como a mesma está inserida na realidade

hospitalar, quais as relações institucionais que desencadeia e quais são as estratégias

que desenvolve. Buscou-se, assim, as contribuições teóricas que fornecessem um

quadro de análise para estas questões e a definição das categorias analíticas capazes

de dar visibilidade a estas práticas. É o que demonstraremos nos próximos títulos.

2.2 Ouvidoria e estratégias de envolvimento

Neste título trabalhamos com a noção de envolvimento. Inicialmente

apresenta-se um histórico do tema. A seguir explicitam-se as diferentes abordagens

sobre esta noção e as diversas concepções sobre “quem participa”. Assim, definimos

13 A noção de identidade é aqui utilizada no sentido mais genérico do termo, estando mais próximo, porém, da noção de identidade proposta por Foucault que implicam modos de objetivação, tecnologias de poder e de subjetivação, tecnologias de si, possibilitando a transformação dos seres humanos em sujeitos. Ela remete, portanto, à uma concepção mais objetiva e institucional (FOUCAULT apud DREYFUS, 1995. p. 231 e segs).

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e justificamos os termos escolhidos para compor este trabalho. Na seqüência

estabelecemos as categorias analíticas para verificar como ocorre este envolvimento.

O tema do envolvimento trata dos níveis de participação de cidadãos, de

usuários e de trabalhadores nos planos, nas estratégias de desenvolvimento e em

instituições. Internacionalmente a discussão, sobre envolvimento do cidadão, ganhou

contornos mais definidos durante os anos 50 e 60, quando foi expresso que

desenvolvimento significaria mudanças em direção ao Estado do bem-estar social.

Para atingir tal meta, os Estados nacionais deveriam conduzir o

desenvolvimento e estimulá-lo através do planejamento, prevendo, inicialmente a

participação das massas como produtores e consumidores. O conceito de “massa” foi

amplamante utilizado pelas chamadas teorias do desenvolvimento. A idéia de

participação em instituições ou projetos era, porém, rejeitada, como informa

Marshrall Wolfe ao explanar sobre participação da população no desenvolvimento

econômico dos países. Esta análise encontra-se explícita em Participation in

economic development. A conceptual framework (1982).

Segundo esse autor, nos anos 70 emergiram duas concepções opostas de

desenvolvimento sugerindo diferentes formas para alcançá-lo. Uma delas enfatizava

a participação popular como fundamental para a incorporação de valores como:

direitos sociais, eqüidade, solidariedade humana, criatividade e também para que

fossem atingidos procedimentos políticos mais democráticos. A outra concepção

reafirmava que o mercado e a lei das vantagens comparativas deveriam determinar a

alocação de recursos; o Estado deveria limitar-se a salvaguardar as regras do jogo

econômico, tornando possível ao mercado cumprir eficientemente sua função.

Wolfe explicita que na América Latina, no início dos anos 70, um projeto

conduzido pelo Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento Social das Nações

Unidas e a Comissão Econômica para América Latina destacou a participação como

central na escolha de um novo estilo de desenvolvimento. Porém, o significado de

participação assumiu diferentes ênfases.

Na década de 80, afirma Wolfe, evidenciaram-se os obstáculos aos diferentes

estilos e estratégias de desenvolvimento em muitos países, bem como a dificuldade

em expandí-lo ao resto do mundo. Com o agravamento da crise econômica e a

impossibilidade de promoção do desenvolvimento em muitos países pobres, novas

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alternativas de desenvolvimento foram propostas, algumas das quais reafirmaram a

participação popular como central nesse processo.

O tema foi colocado na pauta das discussões com maior vigor nos anos

recentes, quando foram feitas propostas alternativas de desenvolvimento em âmbito

internacional e também no Brasil. A literatura sobre o envolvimento do cidadão

enfatiza que essa é uma questão crucial para as democracias modernas.

Em termos internacionais foi decisiva, para a democratização social na área

da saúde, a realização da Terceira Conferência Internacional de Saúde, em 1977, em

Alma Ata na Rússia. Nesta foi proclamada “saúde para todos no ano 2000 (Thirtieth

World Assembly: Health for All by the year 2000). Esta democratização repercutiu,

também, no Brasil.

Em uma análise sobre o tema da participação, especificamente em relação à

esta área, Madel Luz, no já citado artigo de 1991, salienta que, já se falava em

participação comunitária, no Brasil, desde os anos 50, estando o tema presente na

reforma institucional do setor na década de 60. Atualmente, porém, há um aspecto

que diferencia a prática e a conceitualização do fenômeno. A participação popular,

proposta por parte do movimento social partidário do projeto reformador, explicitado

neste trabalho quando da discussão do SUS, supera a categoria de participação

comunitária, própria dos discursos desenvolvimentistas e populistas, apresentando

medidas que visem garantir, na prática, a democratização das decisões em termos de

planejamento, gestão, execução e avaliação dos programas e serviços de saúde (Luz,

1991).

Na literatura específica, destacam-se os temas envolvimento, participação e

participante, constatando-se grande diversidade de conceitos. Uma primeira

discussão explicitava diferentes concepções entre as noções de envolvimento e de

participação, apontando para diferentes graus e tipos de envolvimento. Outra

discussão se estabelecia em torno de “quem participa”. Estes poderiam ser os

consumidores, os cidadãos e os usuários. Muitas vezes era referida a participação

popular ou da comunidade14.

Definimos o termo envolvimento e quem são os sujeitos participantes do

14 Um trabalho que apresenta um resumo e comentário crítico dessas concepções é Participação na área da saúde: o conceito, suas origens e seu papel em diferentes projetos de reforma do Estado, de Soraya Cortes (1996).

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processo de instalação de ouvidorias hospitalares, para então, estabelecermos as

categorias analíticas e os indicadores a fim de demonstrar como ocorre o

envolvimento, através das ouvidorias. Deixa-se claro, desde já, que optou-se pelos

conceitos de usuário e de trabalhador em saúde, para definir quem são os sujeitos

implicados nas ações desencadeadas por serviços de ouvidorias hospitalares e, de

envolvimento, para explicar as relações que se estabelecem entre as instituições, os

usuários e os trabalhadores dos hospitais. Esta eleição não foi casual. Seus motivos

são apresentados a seguir.

Nesta pesquisa, a abordagem sobre envolvimento inclui instituições, usuários

e trabalhadores em hospitais. Foi necessário recorrer à temas específicos que

tratassem desses atores, pois pretendia-se explicar como as instituições hospitalares

promovem o envolvimento de usuários e de trabalhadores através de ouvidorias.

Assim, para explicar o envolvimento dos usuários, procurou-se conhecer os estudos

sobre participação e envolvimento, que tratam do tema tendo como referência os

cidadãos. Já a análise do envolvimento dos trabalhadores nas instituições,

fundamentou-se, criticamente, nas teorias da administração.

Para analisar o envolvimento do cidadão, conta-se com a contribuição de

vários autores que discutem teoricamente e definem o significado e limites deste

envolvimento, abordando-o, também, na área e no planejamento em saúde. Alguns

deles apontam as dificuldades em definir os termos envolvimento e participação.

Utilizam-nos de forma diferenciada, ou como sinônimos15.

Discutindo sobre envolvimento e participação de cidadãos, alguns autores,

como Langton (1979), afirmam que envolvimento é um tipo de participação do

cidadão16, enquanto outros, como Lee e Mills, afirmam que participação é uma forma

15 Nos Estados Unidos, alguns desses estudos foram realizados com o objetivo, de discutir teoricamente e explicar a participação do cidadão em programas sociais, como renovação urbana, modelos de cidades e anti-pobreza, a partir dos quais foi construída uma tipologia da participação, como, por exemplo, os trabalhos de Arnstein, A ladder of citizen participation, 1969 e de Langton, Citizen participation in America, em 1979. Estes temas foram, também discutidos em Consumer attitudes and participation in state welfare, pesquisa nacional sobre satisfação, atitudes dos consumidores e participação nas áreas de saúde, educação e previdência concretizada na Austrália por Papadakis e Taylor-Gooby em 1987. Sobre envolvimento na área da saúde, na Inglaterra, referimos Policy-making and planning in the health sector, trabalho de Lee e Mills escrito em 1985. 16 “Citizen participation includes a variety of activities in which control may rest with either citizens ou state, or it may be equally shared. Citizen involvement can be considered as a variety of citizen participation characterized by state control of the process of participation” (Langton 1979, p. 21).

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de envolvimento17. Para Langton o termo genérico é participação; para Lee e Mills, o

termo genérico é envolvimento.

Em nosso estudo optamos pelo conceito de envolvimento, e não de

participação, diferenciando-se estes termos, para explicar as relações institucionais

que envolvem os hospitais e os usuários. O termo envolvimento foi considerado

mais genérico que o de participação, pois este inclui uma variedade de formas de

relacionamento entre instituições e usuários que podem ser de consulta, informação,

negociação e participação, entre outras. No estudo de ouvidorias o conceito de

envolvimento é mais adequado, pois participação é uma forma específica de

envolvimento. Esta consiste em que representantes de grupos de interesses diversos

tomem parte ativamente no processo de decisão sobre ações que vão afetá-los

diretamente (Lee e Mills, 1985). A participação não se aplica nos casos de ouvidorias

hospitalares, pois como foi argumentado anteriormente, há muitos consumidores,

estes não estão organizados e não há um representante de seus interesses junto a um

fórum instuído para fazer valer esta representação.

No que se refere aos trabalhadores em instituições, embora o termo

envolvimento seja utilizado por teóricos da administração e por empresários, nesse

campo o conceito comumente empregado é o de participação18.

Em relação aos trabalhadores assumiu-se a mesma concepção genérica do

termo envolvimento para analisar as relações entre as instituições e os

trabalhadores em saúde. Justifica-se essa escolha através de dois argumentos:

primeiro, por considerar, concordando com Cecílio (1994, p. 311) e Melo (1984, p.

17), que muitas das formas que as teorias da administração chama de participação

ocorrem sem a efetiva distribuição de poder. Em segundo lugar, optou-se em manter

a mesma categoria e a mesma denominação - envolvimento - para analisar a relação

dos hospitais pesquisados com os seus trabalhadores e com os usuários.

A discussão sobre “quem” são aqueles que participam, em fóruns instituídos

na área da saúde (governos, ministérios, secretarias, conselhos, comissões, comitês,

17 “It should be noted that this terminology does not follow those writes for whom, for instance, participation is the generic term, and consultation a form of participation. Rather, both are used in this chapter as forms of involvement” (Lee e Mills, 1985, p. 129). 18 Para conhecer o emprego do conceito de participação nas empresas, indicamos os trabalhos de Melo (1984), Mendonça (1987) e Motta (1981, 1991).

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diretorias de hospitais), aponta para grupos de interesses diversos. Estes grupos

seriam compostos por um lado, pelas autoridades da área, a quem compete a

elaboração e a implantação das políticas de saúde, como governo, ministros,

administradores de serviços públicos e de serviços privados e diretores das áreas

administrativa e médica de hospitais. Por outro lado os grupos representariam a

comunidade, os profissionais de saúde e os trabalhadores auxiliares. Estes foram os

grupos referidos por Lee e Mills em seu estudo sobre Policy-making and planning in

the health sector, realizado na Inglaterra.

Em nosso trabalho destacamos, como grupos com interesses diversos, embora

complementares, as instituições, os usuários e os trabalhadores em saúde. Sobre

estes centramos nossa análise para estudar os processos de envolvimento e de

disciplinamento desencadeados através de uma ouvidoria hospitalar.

Em relação aos usuários, estudos distinguem os conceitos de participação

popular, da comunidade, do cidadão, do consumidor e do usuário, para definir “quem

participa” ou é envolvido como foi destacado por Soraya Cortes (1996) e Hambleton,

(1988). Isto deve-se ao fato de que diferentes orientações teórico-políticas criam

propostas de participação e concebem o participante de formas diversas. O termo

usuário foi escolhido neste trabalho, pois é comumente referido a um grupo

particular de pessoas que usam algum serviço específico (Cortes, 1996).

Quanto aos trabalhadores, autores das teorias da administração diferenciam

níveis, graus, atores, formas e tipos de participação. Ao definirem os atores da

participação utilizam como sinônimos, ou não, os termos trabalhadores, empregados,

funcionários, e mais recentemente colaboradores. O termo trabalhador em saúde

foi selecionado a partir da concepção de sua inserção no processo de trabalho e nas

relações de produção que caracterizam o trabalho no hospital19. Este processo, à

semelhança da fábrica, rotiniza a produção visando à produtividade, divide o trabalho

e hierarquiza o poder. Os profissionais nos hospitais estão distribuídos em vários

níveis hierárquicos tais como médicos-professores, contratados e residentes. Médicos

em geral estão em hierarquia superior aos demais profissionais. Há ainda enfermeiros

professores, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Funcionários

administrativos estão hierarquizados através de cargos de chefias e postos de

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trabalho. Afirma-se que não há um hospital, mas vários hospitais: o hospital dos

médicos, o hospital da equipe de enfermagem, o hospital dos administrativos

(Carapinheiro, 1998; Goffman, 1987).

Como forma de envolvimento do cidadão, é importante ressaltar que serviços

de ouvidoria foram mencionados, na literatura internacional, como uma possibilidade

de o cidadão ser ouvido em suas reclamações acerca dos serviços prestados nos, já

referidos, estudos de Arnstein (1969), Langton (1979), Papadakis e Taylor-Gooby

(1987). Foram citados, como forma de envolvimento do cidadão, pois são canais que

oportunizam ouvir sua voz sobre a qualidade dos serviços prestados. Papadakis e

Taylor-Gooby salientam ombudsman como exemplo de canal de reclamação, ao lado

de outros, como quadro de queixas e departamento de informação ao cidadão.

Langton, analisando este tema nos Estados Unidos, observa que algumas centenas de

comunidades utilizam diferentes tipos de ombudsmen programs para assistir e

envolver os cidadãos.

No Brasil contam-se com várias discussões sobre participação na área da

saúde20. Os estudos recentemente realizados pelo Laboratório de Planejamento e

Administração-LAPA, da Unicamp, debatem o tema, incluindo estudos em hospitais,

Cecílio (1994). Estes estudos não abordam o tema ouvidoria. Também não há

referências que aproximem ouvidorias a hospitais e a estratégias de envolvimento e

disciplinamento. Tampouco elaboram, com exceção de Cortes, tipologias sobre

participação. Fornecem, entretanto, elementos para refletir e construir categorias de

análise que permitam explicar a ouvidoria como possibilidade de envolvimento de

usuários e de trabalhadores em serviços de saúde.

Destacando portanto, como envolvidos nas estratégias de ação das ouvidorias,

os usuários e os trabalhadores em saúde, trata-se, a seguir, de explicitar a construção

das categorias analíticas21 para explicar, depois, como se efetiva o envolvimento

sobre estes sujeitos sociais.

19 Para aprofundamento do tema sugere-se as leituras de Carapinheiro (1998), Pires (1988), Pitta (1991) e Trevizan (1988). 20 Indica-se como exemplos dessa discussão Campos (1992), Cecílio (1994), Cortes (1995), Giacomini (1992), Jacobi (1992), Kadt e Tasca (1993) e Santos e Carvalho (1992). 21 As tipologias que permitiram pensar esta construção são originárias dos temas de participação do cidadão e de participação dos trabalhadores (a última tipologia, no caso das teorias da administração). Foram, porém, repensadas criticamente e reconstruídas em termos de envolvimento de usuários e de trabalhadores, a partir de ouvidorias hospitalares.

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Argumentamos que as ouvidorias propiciam uma ação de envolvimento, isto

é, potencializam as relações institucionais entre usuários e os serviços hospitalares e

entre os hospitais e os trabalhadores em saúde. Ao acolher as reclamações, os

hospitais passam a envolver os reclamantes oportunizando que, através de sua voz,

exerça-se um controle público da qualidade dos serviços prestados. Envolver, aqui,

significa ouvir o interesse dos diversos grupos sociais, em inter-relação no espaço

hospitalar, quando a instituição recebe reclamações de usuários. O serviço de

ouvidoria é um dispositivo que favorece este envolvimento.

Nesta pesquisa foi considerado que houve envolvimento quando a partir do

acolhimento das reclamações dos usuários é tecida, pela instituição através da

ouvidoria, uma rede de relacionamentos que implicam, em relação aos usuários,

ouvir sua voz com o sentido de informação, aplacação ou consulta e em relação aos

trabalhadores em saúde, implementar estratégias que favoreçam sua integração

passiva, adesão ou interação em relação aos projetos institucionais que criaram este

serviço. Estas foram as categorias definidas, como passaremos a descrever.

Para explicar a relação entre ouvidorias e níveis de envolvimento de

usuários, definiram-se como explicativas as categorias de informação, aplacação e

consulta22. Estas tratam da acolhida ao usuário e da resposta institucional ao

reclamante. Nestes casos a instituição recebe o usuário e suas queixas e opiniões são

ouvidas.

A informação se efetiva quando a instituição absorve as reclamações como

forma de ter ciência dos problemas e falhas, consideradas como eventuais. Estas

falhas são explicadas ao usuário na tentativa de desestimulá-lo de registrar sua

queixa. Informa, também, os usuários sobre seus direitos, responsabilidades e opções

em fazer uma reclamação. Quando registradas, as mesmas são encaminhadas, mas

22 Categorias elaboradas com base em Arnstein (1969), Cortes (1995) e Lee, Mills (1985). Arnstein define os graus de envolvimento do cidadão, classificando-os em termos de não-participação (manipulação e terapia); tokenism (informação, consulta e aplacação) e poder do cidadão ( parceria, delegação de poder e controle do cidadão) (Arnstein, 1969, p. 217). No Brasil, conta-se, com o estudo de Cortes (1995) propondo uma tipologia das formas de participação do usuário no SUS. O estudo versa sobre a participação do usuário nas Comissões Municipais de Saúde, na cidade de Porto Alegre. Embora tratando de outro fórum de análise, a participação do usuário na rede municipal de serviços, e não em instituições hospitalares, permite um contraponto com o presente trabalho. A tipologia proposta é de não-participação, manipulação, delegação, negociação e participação (Cortes, 1995, p. 45). Lee e Mills explicitam tipos de envolvimento, sendo estes de colaboração, participação, consulta e negociação (Lee, Mills, 1985, p. 129).

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nem sempre são investigadas. Não há respostas ao usuário.

O envolvimento se realiza sob a forma de aplacação quando o usuário é

ouvido e as reclamações são investigadas. Porém, o encaminhamento das

investigações e das respostas é realizado de forma burocrática. Para as chefias são

repassadas fotocópias das reclamações dos usuários e solicitadas investigações. As

respostas dos profissionais, à ouvidoria, tratam da justificativa dos procedimentos

técnicos e do relato da aplicação de dispositivos legais disciplinares, no caso de

condutas dos profissionais. Ao usuário, são repassadas, de forma burocrática, cópias

das respostas das chefias e dos profissionais23.

O envolvimento é do tipo consulta quando a instituição assegura aos usuários

o direito à voz. Neste caso, as reclamações e opiniões dos usuários são ouvidas e

investigadas. Agindo com a intenção de consulta a ouvidoria amplia realmente a voz

do usuário, pois suas reclamações resultam em efetivas modificações nas formas de

relacionamento, nas rotinas e procedimentos institucionais, quando constatada a falha

no atendimento ao usuário. As reclamações são, também, levadas em conta nas

decisões administrativas no que se refere à melhoria da prestação dos serviços

ofertados pela instituição. Há resposta qualificada ao usuário e esta consiste em

informá-lo sobre as providências tomadas para solucionar os problemas detectados,

reafirmando que o serviço de ouvidoria existe para defender seus direitos de cidadão.

As estratégias de envolvimento dos trabalhadores em saúde24, pelas

ouvidorias dos hospitais pesquisados, foram analisados em dois níveis. No primeiro,

23 A atividade burocrática, em si mesma necessária para o funcionamento das instituições, torna-se um impecilho quando burocratizada em excesso. No caso das ouvidorias hospitalares receber e encaminhar as reclamações foi considerada uma atividade negativamente burocrática quando aquelas foram repassadas mecanicamente, sem serem avaliadas e analisadas pelas ouvidorias. 24 Quanto ao envolvimento de trabalhadores em instituições, pode-se dizer que as instituições, ao adotarem determinadas teorias da administração, estão, também, concebendo formas específicas de relação com os trabalhadores. A concepção que a instituição tem de participação vai explicar o processo por ela desencadeado, evidenciando quem são os sujeitos e as formas de interação (Mendonça,1987). Segundo Melo (1984), há formas institucionalizadas e não-institucionalizadas através das quais as instituições procuram regular conflitos. Nesta última, a regulação de conflitos é feita através de procedimentos cujos objetivos nem sempre estão explícitos, sendo empregada, comumente por empresas brasileiras e traduzidas em diversos mecanismos de participação, incluindo exemplos da gerência participativa (Melo, 1984, Ruas, 1993). Há consenso, na área da administração, sobre dois tipos de participação: direta e indireta. A participação direta é a democratização da gerência em nível da tarefa. Nesta estão incluídas técnicas do “modelo japonês”, como os círculos de controle de qualidade. A participação indireta contempla a democratização da organização, manifestando-se nas formas de co-gestão e auto-gestão (Motta, 1981 e 1991; Mendonça, 1987). Nesta área, contam-se com tipologias genéricas, construídas pelas teorias da administração referidas por Melo (1984), Mendonça (1987) e Motta (1991).

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verificou-se o envolvimento dos trabalhadores e chefias25 na implantação do

programa - ouvidoria hospitalar. No segundo, indagou-se sobre o envolvimento dos

trabalhadores e chefias no processo de investigação, análise e resposta às

reclamações, desencadeado pelas ouvidorias hospitalares.

Para explicar a relação entre ouvidorias e envolvimento de trabalhadores, nos

dois níveis, explicitaram-se as categorias de integração passiva, adesão e

interação26. A integração se verifica quando os trabalhadores são envolvidos de

forma passiva e não crítica nos objetivos da instituição, ao implantar uma ouvidoria

hospitalar, conformando-se às normas e valores propostos pelo grupo que detém o

poder. Esse nível de envolvimento ocorre quando os trabalhadores e chefias, dos

hospitais pesquisados, apenas recebem uma comunicação, por parte da instituição, de

que foi criada uma ouvidoria. Ocorre, também, quando os trabalhadores, e chefias,

não cumprem as normas de investigação e respostas solicitadas pelo serviço de

ouvidoria.

O envolvimento se processa sob a forma de adesão quando os indivíduos

unem-se aos objetivos institucionais com o sentimento de estarem engajados em uma

ação estimulante. Nesse caso, os trabalhadores dos hospitais foram envolvidos na

discussão de criação da ouvidoria e posteriormente aprovaram os objetivos propostos

pela instituição. Ao aderir, respondem à ouvidoria, relatando as investigações e os

procedimentos adotados.

25 Ressalte-se que as chefias foram incluídas como trabalhadores em saúde e suas ações e discursos analisados a partir das mesmas categorias que definem os tipos de envolvimento. Realizou-se uma análise diferenciada, porém, apenas quanto aos temas em que representavam as formas de atuação e de pensamento da instituição e como posicionavam-se em relação aos demais trabalhadores. 26 Considerou-se importante conhecer as diversas tipologias de participação, segundo as teorias da administração, para entender os mecanismos que os administradores, em particular de hospitais, desenvolvem como práticas gerenciais (Melo, 1984; Mendonça, 1987; Motta, 1981 e 1991). Melo analisa algumas formas de participação como meios institucionalizados e não-institucionalizados de regulação de conflitos e refere quatro significações de participação: ativista, integrativa, manipulação e mobilização ideológica, e divisão de poder, distinguidas por Fortin (FORTIN, G. Participation et société. Economie et Société, Genève, v. 4, n. 9, p. 1.575-1.613, sept. 1979. apud: MELO, 1984). Mendonça e Motta explicitam as tipologias clássicas destas teorias, como participação direta e indireta (Mendonça, 1987; Motta, 1981 e 1991). Porém, outros estudos, com os quais este trabalho está alinhado, discutem formas alternativas de gestão descentralizada, envolvendo os trabalhadores e os usuários, na área da saúde (Campos, 1992; Cecílio, 1994; Cortes, 1995; Kadt, Tasca; 1993). Assim sendo, para verificar como ocorre o envolvimento em relação aos trabalhadores dos hospitais, selecionou-se categorias mais próximas a este pensamento de gestão democrática, na área da saúde. As categorias foram elaboradas a partir de Cecílio (1994), Melo (1984) e Mendonça (1987). Cecílio não elabora uma tipologia de envolvimento, mas os comentários que desenvolve sobre as tipologias empregadas pelas teorias da administração auxiliou a definí-las.

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O envolvimento é do tipo interação quando os valores, sobre o significado e

a importância de um serviço de ouvidoria, são compartilhados por todos. As

reclamações são investigadas. Os problemas são discutidos e resolvidos. As respostas

são qualificadas.

As categorias construídas, para explicar o envolvimento de usuários

reclamantes e de trabalhadores em saúde encontram-se, na íntegra, na matriz de

análise, no quadro 2 do anexo A . A seguir são apresentadas resumidamente:

Estratégias de envolvimento dos usuários reclamantes dos trabalhadores em saúde

Informação Integração passiva

Aplacação Adesão Consulta Interação

Delineadas as potencialidades de uma ouvidoria hospitalar como

desencadeadora de estratégias de envolvimento de usuários e de trabalhadores em

saúde, o próximo item explicita as categorias analíticas construídas para demonstrar

seu impacto no disciplinamento institucional.

2.3 Ouvidoria e estratégias de disciplinamento

O tema do disciplinamento nas instituições foi encontrado, na literatura

internacional, em vários campos sociais, incluindo o da saúde. A organização da

disciplina foi estudada por diversos autores. Alguns enfatizaram sua aplicação em

prisões como Foucault (1996) e Goffman (1987), que também, estudou-a em

manicômios e conventos. A conformação de comportamentos também é salientada

por Boltanski (1989) e, de um ponto de vista funcionalista, por Parsons (1966), ao

definir, por exemplo, os “papéis sociais” explícitos na relação médico-paciente,

(Parsons, 1966, especialmente o capítulo 10).

Na área da saúde e em hospitais distinguem-se, principalmente, os trabalhos

de Foucault (1992, 1994). Foi salientada, também, pela literatura, a medicalização da

vida social promovida por instituições e práticas médicas. A medicina fez esse papel

ao medicalizar o espaço urbano e as instituições. A relação entre medicina e

medicalização da sociedade foi expressa por Foucault, quando analisou o nascimento

da medicina social, do hospital e da clínica.

Ao relatar a emergência da medicina social, no século XIX no Brasil, Roberto

Machado, em Danação da norma, explicitou que a medicina, “normaliza”,

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“esquadrinha”, “totaliza” e “possibilita planejar a ordenação racional de uma

população...” (1978, p. 262-264). A medicina pensa a relação entre espaço urbano e

espaço institucional e penetra nas instituições propondo a ordenação de seu interior.

Para a medicina, à cidade, como corpo macrossocial, corresponde a tematização

microssocial da instituição também como um corpo que produz cidadãos - isto é -

homens urbanizados, integrados à cidade, ordenados em relação ao todo urbano.

No Brasil, o estudo do disciplinamento encontra referência no trabalho de

Jurandir Freire Costa, Ordem médica e norma familiar (1979), na análise das

instituições médicas, realizada por Madel Luz (1979), das instituições psiquiátricas

feita por Roberto Machado (1978) e sobre a medicina social e a questão feminina de

Sílvia Alexim Nunes (1991), entre outros.

Na área da saúde, lembrando mais uma vez o exemplo da Inglaterra, saliente-

se que a criação do British health service ombudsman e as medidas adotadas

recentemente, pela Secretária de Saúde Virginia Bottomley, apontaram para a

potencialidade disciplinar desse serviço. Nesse país, segundo Levitt, relatórios de

Ombudsmen dão bons exemplos de partes vulneráveis do serviço de saúde (1980, p.

36). Estes exemplos permitem destacar o caráter disciplinatório que envolve a função

do ouvidor do sistema público de saúde da Inglaterra. Concluiu-se que possibilita o

conhecimento, por parte do Serviço Nacional de Saúde, dos problemas que obstruem

seu funcionamento e oportuniza desenvolver ações no sentido de disciplinamento de

médicos e de serviços.

Os estudos acima referidos, embora decorrentes de investigações específicas,

contribuem para a reflexão sobre a ouvidoria hospitalar como forma de

disciplinamento das relações que se estabelecem no âmbito dos hospitais

pesquisados.

O estudo do disciplinamento nas instituições tem em Vigiar e punir, de

Foucault (1996), um dos mais importantes referenciais teóricos. Ao estudar a

disciplina como dispositivo, em Tecnologias del Yo (1990), Foucault destacou quatro

tipos de tecnologias de si, isto é, técnicas que o homem utiliza para entender a si

próprio. Estas implicam formas de aprendizagem e de modificação dos indivíduos no

sentido de aquisição de certas habilidades e atitudes. Estas tecnologias representam

“matrizes da razão prática” (p. 48-49), constituindo-se em tecnologias de produção,

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tecnologias de signos, tecnologias de poder e tecnologias de si, propriamente ditas.

Para esse autor, as quatro tecnologias quase nunca funcionam separadas, embora

estejam associadas a um tipo particular de dominação.

Nesta pesquisa exploraram-se, particularmente, as tecnologias de poder e as

tecnologias de si, ou seja, a constituição da dominação e do sujeito. As tecnologias

de poder são aquelas “que determinam a conduta dos indivíduos, os submetem a

certos tipos de fins ou de dominação, e consistem em uma objetivação do sujeito”

(Foucault, 1990, p. 48). Para este autor, a partir do século XVIII, o poder disciplinar

foi transformado em uma nova arte do corpo, constituindo-se em novas tecnologias

de poder sobre os homens (1996). Trata-se da invenção técnica de uma nova maneira

de gerir os homens, controlar suas multiplicidades, serializá-los, graças a um sistema

de poder discreto, invisível, capaz de controlá-los. O exército, a escola, o hospital são

exemplos da implantação dessas novas técnicas de poder.

No caso do hospital as novas tecnologias de poder também foram

introduzidas implicando: 1) a reorganização do espaço hospitalar; 2) a

transformação do sistema de poder no interior do hospital, do pessoal religioso para o

médico, que passará a ser o responsável pela organização hospitalar; e 3) a

organização de um sistema de registro permanente, “anotação do indivíduo e

transferência da informação de baixo para cima, de modo que, no cume da pirâmide

disciplinar, nenhum detalhe, acontecimento ou elemento disciplinar escape a esse

saber” (Foucault, 1992, p. 106; 1996).

As tecnologias de si são aquelas “que permitem aos indivíduos efetuar, por

conta própria ou com a ajuda de outros, certo número de operações sobre seu corpo e

sua alma, pensamentos, conduta ou qualquer forma de ser, obtendo assim uma

transformação de si mesmos com o fim de alcançar certo estado de felicidade,

pureza, sabedoria ou imortalidade” (Foucault, 1990, p. 48). O poder disciplinar, por

exemplo, enquanto discurso e prática, vai atuar sobre a singularidade e a

individualização dos sujeitos, possibilitando o exercício do poder (Foucault, 1992,

p.107).

Ao analisar A noção de sujeito em Foucault, Campilongo observa que “o

sujeito de identidades é constituído por disciplinas e regimes específicos, ligados aos

vários campos da existência, os quais engendram, historicamente, uma arte do corpo,

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fazendo das relações de poder as predominantes na definição dessas identidades,

configurando seus modos de subjetivação” (1999, p. 64). O poder disciplinar torna-

se, desta forma, técnica de um processo de subjetivação, visto que o sujeito é

subjetivado para desenvolver identidades e enquadrar-se nas diversas formas de

relações sociais, que podem ser de força, consenso ou exclusão.

Assim, as noções de tecnologias de poder e de tecnologias de si permitem a

compreensão dos processos de objetivação e de subjetivação dos sujeitos.

Tecnologias de poder, isto é, objetivação, referem-se ao processo de conformação

dos indivíduos aos fins e interesses das instituições. Tecnologias de si, ou

subjetivação, compreendem a noção de identidade que os indivíduos estabelecem

com os processos institucionais instaurados sobre seus corpos (Foucault, 1990, p.

58).

As noções de tecnologias de poder e de tecnologias de si permitem explicar se

o disciplinamento instituído nos hospitais conforma a conduta dos indivíduos aos

interesses das instituições ou possibilita o desenvolvimento da identidade dos

sujeitos, em outras palavras, como os sujeitos vêem sua inserção nos referidos

processos.

Para analisar a ouvidoria hospitalar, como estratégia de gestão que propicia

disciplinamento, este deve ser aqui compreendido, como disciplinamento

institucional. Nesse sentido, o sujeito não seria o “ponto de partida no processo de

deciframento, senão o ponto onde as regras de conduta se reagrupam na memória. O

sujeito constitui a intersecção entre os atos que hão de ser regulados e as regras sobre

o que há de fazer-se”(Foucault, 1990, p. 72).

O disciplinamento institucional abarca, neste trabalho, tanto os usuários,

quando a instituição organiza o recebimento de suas reclamações, como os

trabalhadores em saúde, quando aplica dispositivos disciplinares de rotina. O

disciplinamento faz parte da rotina de uma instituição. É uma forma de intensificar a

medicalização, ou seja, a reorganização das instituições em um espaço racionalizado.

Medicalizar significa, no âmbito desta pesquisa, disciplinar, normatizar.

Argumenta-se que a ouvidoria, como prática, fortalece uma ação

disciplinadora, isto é, normatizadora e normalizadora (Foucault, 1996) das relações

institucionais entre usuários e os serviços hospitalares, bem como entre os hospitais e

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os trabalhadores em saúde. Disciplinar, aqui, significa que através do acolhimento

das reclamações dos usuários a ouvidoria detecta problemas institucionais, investiga-

os e sugere medidas para solucioná-los. A ouvidoria é um dispositivo que propicia

este disciplinamento.

Há disciplinamento quando as ouvidorias dos hospitais atuam organizando o

recebimento das reclamações e orientando as condutas de reclamantes e reclamados.

Atuam, também, organizando o encaminhamento, a investigação e a solução dos

problemas reclamados. Nesta tese considerou-se que o disciplinamento institucional

é fundamental para garantir os direitos tanto dos usuários como dos trabalhadores em

saúde. As instituições já têm definidas normas a serem aplicadas para normalizar seu

funcionamento. Aponta-se aqui, porém, para a diferença entre normas apenas

punitivas e normas negociadas entre as partes: a instituição, os trabalhadores e os

usuários.

Em relação aos usuários, o disciplinamento significa organizar o

acolhimento, a investigação e a resposta às reclamações. O poder disciplinar

implicou, no caso da ouvidoria, na orientação, por parte do ouvidor, da conduta do

reclamante, quanto aos procedimentos a serem adotados em relação aos processos

institucionais. Ouvir, investigar e responder foram indicadores para verificar este

disciplinamento.

Em relação aos trabalhadores em saúde o disciplinamento significa tanto,

não disciplinar ignorando o fato, como disciplinar através da justificativa de

procedimentos profissionais ou da adoção de medidas punitivas. Para explicar como

se efetivaram as relações de disciplinamento estabeleceu-se, como categorias capazes

de dar visibilidade à essas estratégias, as ações de identificar o trabalhador reclamado

e de aplicar as normas e dispositivos institucionais disciplinares, tais como

advertência verbal, escrita, suspensão, punição e demissão.

Outra forma de disciplinamento é constituída pelas justificativas dos

procedimentos dos serviços, dos setores ou de profissionais. Nestes casos, o

disciplinamento consistiu em orientar as condutas que se desviaram das práticas

preconizadas pelo discurso médico, normatizando e normalizando os

comportamentos e as práticas profissionais.

Disciplinamento significa, ainda, orientar através de treinamento e de um

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processo de educação Para disciplinar a conduta dos profissionais reclamados,

através das queixas registradas na ouvidoria, o ouvidor e as chefias desenvolveram,

ainda, estratégias de treinamento, visando a orientação dos trabalhadores quanto a

condutas específicas e de educação, tais como cursos, seminários e outros. A

experiência é percebida como forma de aprendizagem. As categorias, construídas

para analisar o disciplinamento estão resumidas na matriz de análise, no quadro 2 do

anexo A.

Para examinar as formas de disciplinamento, verificou-se quais os

procedimentos determinados por ouvidores e chefias para normatizar e normalizar a

conduta de usuários e de trabalhadores reclamantes. Para tanto, recorreu-se à análise

das reclamações e das entrevistas realizadas junto à instituição e usuários.

Buscou-se verificar também, como terceira dimensão de análise, os efeitos

institucionais e sociais da opção por ouvidorias pelos hospitais públicos. Estes efeitos

foram analisados a partir das relações de poder, existentes nos hospitais.

2.4 Ouvidoria e relações de poder: efeitos institucionais e sociais

O impacto da ouvidoria hospitalar foi analisado a partir de seus efeitos

institucionais e sociais. Estes estão relacionados com as causas que determinaram a

implantação desses serviços e com as relações institucionais desencadeadas pelos

mesmos, destacando-se as relações de envolvimento, de disciplinamento de usuários

e de trabalhadores em saúde e as relações de poder. Assim, no que tange as relações

de poder, instituiu-se como hipótese que as ouvidorias hospitalares, dadas as

características de sua atuação, propiciam efeitos institucionais de manutenção ou

alteração das relações institucionais vigentes. Estas relações garantem aos médicos o

poder nos hospitais. Propiciam efeitos sociais de divulgação dos projetos reformador

ou liberal e de seus princípios e favorecem a melhoria da prestação dos serviços,

porque ao dar voz ao usuário, oportunizam o controle destes, através da ouvidoria,

sobre a prestação do atendimento.

Como veremos, a implantação de ouvidorias hospitalares foi uma estratégia

gerencial. A escolha de determinadas estratégias, neste caso os serviços de ouvidoria,

e a forma como foram concebidos contribui para transformar, ou manter e ampliar, a

direção e a dominação de forças em correlação na sociedade e na instituição.

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Concebemos as instituições como relativamente autônomas, para implantar as

ouvidorias. Para tal, apoiamo-nos nas análises de Bourdieu e de Foucault. Para o

primeiro há uma relativa autonomia dos campos, intelectual, por exemplo, em

relação aos demais campos, econômico e de poder, por exemplo. A autonomia

relativa implica em dependência estrutural como lê-se em a economia das trocas

simbólicas (1992, p. 103).

Para Foucault a autonomia relativa das instituições fica explícita nas suas

análise sobre as relações de poder. Assim afirma em o sujeito e o poder que “não se

trata de negar a importância das instituições na organização das relações de poder.

Mas de sugerir que é necessário, antes, analisar as instituições a partir das relações de

poder, e não o inverso; e que o ponto de apoio fundamental destas, mesmo que elas

se incorporem e se cristalizem numa instituição, deve ser buscado aquém”.

Indica-se, assim, que as instituições são capazes de fazer suas próprias

escolhas e opções teóricas e implantá-las. Os hospitais decidem, de forma

independente, pela criação de ouvidorias. Estas constituem-se em micropolíticas e,

como tal, podem ficar restritas às instituições, sem que ocorram, necessariamente,

transformações macroestruturais. A noção de micropolítica é aqui empregada em seu

sentido genérico, como política institucional, indicando as relações sociais e políticas

que se estabelecem em micronível, assinalando a autonomia institucional em defini-

las. Ao serem criadas institucionalmente não são, necessariamente, induzidas pelas

políticas macroestruturais. Porém, a escolha pela instalação de ouvidorias

hospitalares, mesmo quando trata-se de uma opção assumida de forma autônoma, por

parte de hospitais públicos, caracteriza uma estratégia impregnada de relações e

forças sociais e institucionais.

Assim, poder é a iniciativa política para escolher, implementar e conduzir

determinados projetos sociais e institucionais, em determinadas circunstâncias. Diz

respeito às relações de força, às contradições existentes na sociedade e à capacidade

de direção e de dominação de grupos sociais, uns em relação a outros. O poder, além

de político é também, moral, intelectual, e implica em concepções de mundo. O

efeito de generalização destas diferentes concepções se materializa nas instituições,

como explicita Foucault na Microfísica do poder (1992, p. 252). É sob este ângulo

que este conceito será considerado.

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Na área da saúde observou-se que a escolha desta forma de gestão e sua

implantação, por parte de hospitais públicos, foi feita de forma autônoma e teve

implicações sociais e institucionais pois se constituiu em estratégia que redefiniu

práticas concretas, expressando relações de força. Assim, as ouvidorias destacam-se

como estratégia de poder. A ouvidoria é um dispositivo que contribui para reforçar

ou alterar o poder de determinadas forças sociais e institucionais.

Poder significa, aqui, a potencialidade da ouvidoria em conduzir, ampliar, ou

alterar o projeto que a implantou. Investigaram-se os efeitos da criação de ouvidorias

hospitalares em termos de relações de força e poder para implementar esses projetos

sociais e institucionais. Os projetos sociais referem-se às propostas reformadora e

liberal, apontados anteriormente. Os projetos institucionais referem-se à implantação

da ouvidoria, como micropolítica de condução das relações internas, afinadas com

estes projetos sociais mais amplos.

A análise do poder remete à compreensão da manutenção e das possíveis

mudanças institucionais e sociais. Juntamente com a noção de ouvidoria, como

estratégia de hegemonia, analisou-se a sua implicação nas formas de reprodução

social e institucional.

Para explicitar as formas de reprodução social recorreu-se ao conceito de

campo desenvolvido por Bourdieu, ao longo de mais de uma década e em diversas

obras: 1988,1989, 1992, 1994, 1996. A compreensão das instituições inseridas num

espaço de relações e de posições estruturais e estruturadas (dominantes-dominados)

permite explicar as estratégias das mesmas para assegurar formas de dominação e,

assim, de reprodução social. No campo se definem forças econômicas, políticas e

sociais.

A relação entre as estratégias de poder, escolhidas pelas instituições, e os

projetos e forças sociais presentes, na sociedade, é explicada através da posição e das

relações estruturais dos hospitais no sistema de saúde. Através desse conceito

verifica-se a relação entre a opção de gestão, ao criar um serviço de ouvidoria, e os

projetos reformador e liberal, existentes para a área da saúde em nossa sociedade,

como anteriormente explicitado. Por serem hospitais públicos e atenderem quase

exclusivamente os usuários do SUS, a escolha de determinadas estratégias gerenciais

significa, também, a opção em colocar à disposição da população usuária

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mecanismos mais, ou menos, democráticos e, desta forma, disseminar estes projetos

sociais.

Os efeitos sociais das ouvidorias estão relacionados com as circunstâncias que

os tornaram possíveis. Foi uma forma de fazer frente à crise na área da saúde, pois,

com um mínimo de custo, possibilitou avaliar a qualidade de atendimento oferecido

pelas instituições, revertendo-se em melhoria social da prestação de serviços.

Decorreu, também, da incorporação, das propostas reformadora ou liberal, em jogo na

disputa pela hegemonia na área da saúde, dos princípios do SUS, e de novas

ideologias e práticas gerenciais. Teve impacto social, ainda, ao oportunizar ouvir a

voz do usuário, tornando a instituição permeável aos princípios de democratização e

desburocratização, e voltada para a participação e o controle dos usuários sobre a

prestação do atendimento.

Para analisar as formas de reprodução institucional recorreu-se às

contribuições teóricas de Foucault e Bourdieu. O conceito de reprodução de Foucault

(1992, 1996) foi incorporado, na pesquisa, pois permitiu verificar de que forma o

disciplinamento das condutas e rotinas hospitalares - a partir dos serviços de

ouvidoria - pode assegurar a reprodução ou alteração das relações institucionais. Em

Foucault a disciplina assegura a reprodução das relações institucionais e possibilita a

generalização de um modo de funcionamento institucional, conduzindo à reprodução,

como informa na Microfísica do poder (1992, p. 252) e em Vigiar e punir (1996, p.

184). A reprodução deve aqui ser compreendida como reprodução das relações de

força, e não apenas manutenção ou reprodução das relações econômicas. Assim, a

estratégia que reproduz e acentua as relações de força e fortalece a classe dominante

deve ser compreendida como uma relação recíproca de produção entre, relações de

poder e estratégias de luta.

A noção de campo, de Bourdieu, cuja definição encontra-se em várias de suas

obras, permite a compreensão das formas de reprodução institucionais, pois abarca

não só as instituições mas, também, os indivíduos ou grupos, inseridos no espaço de

relações e de posições que hierarquizam os diversos grupos sociais, em dominantes e

dominados. Em Bourdieu o conceito de campo foi elaborado para explicar a função

do sistema educacional na reprodução social. Ao propor os conceitos de violência

simbólica, capital cultural e estratégia de reprodução, esse autor analisou as múltiplas

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estratégias, as práticas que asseguram a reprodução. Essas se efetivam no campo do

simbólico e dos vínculos culturais, possibilitando a reprodução das relações de

classe. Por meio de múltiplas distinções, a reprodução se dará através dos conflitos

simbólicos (Bourdieu, 1975, 1988,1992, 1996).

O conceito de campo serviu de aproximação para explicar as funções das

ouvidoria na reprodução institucional, isto é, como uma instituição se reproduz

através de modificações em sua organização interna. Neste caso a criação de

ouvidorias hospitalares tem essa função implícita. Este conceito foi destacado,

também, para compreender as relações e a posição estrutural em que os sujeitos,

confrontados na experiência dos serviços de ouvidorias, se encontram. Pode ser

aplicado na análise das instituições pois elucida como, internamente, se efetivam as

diversas formas simbólicas de distinção, como indica Bourdieu em A economia das

trocas simbólicas (1992, p. 14-25).

A noção refere-se, ainda, à estratégias de poder, pois há relações de conflito

se efetivando no interior destas unidades hospitalares, caracterizando interesses

específicos, tais como os interesses da instituição, dos médicos, dos funcionários e

dos usuários. Esses conflitos efetivam, ou não, formas de exclusão social: questiona-

se quais as chances que a população usuária dos hospitais públicos tem de escolher

entre os serviços públicos do SUS e os serviços privados.

Quanto aos serviços médicos, a noção de campo possibilitou verificar a

dificuldade de os usuários do SUS escolherem o médico que os atenderá,

encontrando-se aí um dos focos, talvez o principal, da tensão no relacionamento

entre médicos e pacientes, motivo de inúmeras queixas encaminhadas às ouvidorias.

Esta noção permitiu visualizar as diferentes posições de classe do usuário-reclamante

e do ouvidor, representando a instituição, expressas pela linguagem escrita nos

registros das queixas. Permitiu desvendar as estratégias de subversão da classe

dominada para manifestar sua inconformidade que, neste caso, implicou em recorrer

à ouvidoria para registrar uma reclamação sobre a qualidade dos serviços prestados

pela instituição. Esse conceito possibilitou evidenciar, também, como os sujeitos

sociais, médicos, enfermeiros, funcionários e usuários, reproduzem as relações entre

classes sociais, inclusive a exclusão social.

Os efeitos institucionais das ouvidorias relacionaram-se com a manutenção ou

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a alteração das relações internas e de poder, e com os efeitos disciplinares e de

envolvimento desencadeados sobre os usuários e os trabalhadores em saúde.

Internamente, o exercício do poder se efetiva em termos moleculares, nas instituições,

através de micropolíticas específicas. No caso dos hospitais verificou-se se as

ouvidorias, como micropolíticas, desenvolveram micropoderes específicos. Quanto às

relações internas de poder averiguou-se, ainda, se as ouvidorias se constituíram em

mecanismos atuais de manutenção ou ampliação de certos grupos no poder ou, de

efetiva democratização da instituição.

O significado deste dispositivo como forma de manutenção, ampliação ou

renovação de grupos no poder, fica evidenciado pois a criação, a reformulação ou o

fechamento27 de serviços de ouvidoria, por diferentes gestões, pode estar relacionada

à disputa de interesses e de poder. As ouvidorias contribuem, ainda, internamente

para manter ou atenuar as relações desiguais existentes na sociedade, estabelecidas

fora do âmbito institucional, mas que estão presentes no seu interior.

Os efeitos institucionais propiciaram, além de interferir nas relações de poder,

o surgimento de estratégias de disciplinamento e de envolvimento de usuários e de

trabalhadores em saúde. As implicações sociais e institucionais da implantação de

ouvidorias hospitalares convergem: como micropolítica institucional, relaciona-se

aos projetos sociais mais amplos, liberal ou reformador e, internamente, promove

estratégias de poder, de disciplinamento e de envolvimento institucionais. A opção

pelos projetos sociais mais amplos indicam a sua filiação à concepções que as

caracterizam. De acordo com essas concepções as ouvidorias hospitalares estarão

desenvolvendo estratégias mais, ou menos, democratizantes.

Argumentou-se assim, que a potência da ouvidoria hospitalar, a sua força em

alterar as relações institucionais e entre os usuários depende de seu poder em exercer

plenamente suas funções e obter resposta às suas ações. Depende, portanto, dos

fatores em jogo e dos limites estruturais que a própria instituição lhe impõe. Esses se

expressam, basicamente, através de apoio e respaldo institucional por parte das

27 No Hospital de Clínicas de São Paulo, o serviço de ouvidoria durou três anos e deixou de existir. Em seu lugar foi criada a Central de Atendimento ao Usuário (CAU). No município de Curitiba, o serviço parou de funcionar após dois anos de atuação. Foi posteriormente reativado e transformado em CAU. O serviço de ouvidoria do Hospital Odilon Behrens, de Belo Horizonte, durou doze meses, em 1991. Na Universidade de Londrina, o serviço, envolvendo o Hospital Universitário, durou aproximadamente cinco anos. Estas informações foram colhidas junto a ex-ouvidores, às direções das instituições citadas e à Secretaria de Saúde de Curitiba.

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direções, chefias e profissionais. Se expressam através de resposta ao trabalho da

ouvidoria.

Embora não haja uma correspondência direta, relacionou-se a adoção da

ouvidoria como forma de gerenciamento com as políticas sociais mais amplas.

Quando as micropolíticas denominadas ouvidorias estão em consonância com o

projeto que propõe as idéias liberais de alteração do sistema de saúde, significa a

criação de ouvidorias, como forma de gerenciamento, com vistas a otimizar a relação

custo-benefício da instituição no setor saúde, inserido numa lógica de mercado. O

envolvimento é de clientes e trabalhadores e o disciplinamento das relações

institucionais é realizado para gerenciar o conflito entre instituição-cliente e

instituição-profissionais da saúde.

No caso de um serviço público, a ouvidoria acolhe as reclamações como fonte

de informação sobre os serviços prestados e envolve o usuário ao informá-lo de

seus direitos. Envolve, também, os trabalhadores dos hospitais propiciando a sua

integração passiva ao trabalho desenvolvido pelas ouvidorias hospitalares. Não

disciplina os trabalhadores, ignorando o fato, motivo da reclamação. Agindo assim

caracteriza-se por ser uma ouvidoria ineficiente.

A ouvidoria recebe as reclamações, ainda, no sentido de envolver os

usuários para aplacar os problemas institucionais. Em relação aos trabalhadores da

instituição, envolve desencadeando ações para promover sua adesão ao trabalho que

a ouvidoria realiza. Neste caso, a ouvidoria atua de forma burocrática.

Se, ao contrário, a micropolítica, ouvidoria, está mais próxima do conteúdo

do projeto reformador do sistema de saúde, então significa a criação de ouvidorias

como forma de gerenciamento, envolvendo usuários e trabalhadores, porém, dentro

de outra lógica: oportunizando um canal que assegura aos usuários o direito de serem

ouvidos e de terem voz. Há o disciplinamento das relações institucionais para que os

profissionais tornem-se permeáveis aos princípios que orientam as instituições

hospitalares afinadas com a lógica epidemiológica do SUS. Essa lógica propõe

medidas de democratização e de desburocratização entre as instituições de saúde e os

usuários.

Quando a ouvidoria é criada num clima institucional, embasado na proposta

reformadora, enfatiza os princípios de democratização institucional, impacta

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oportunizando a ampliação da voz e o efetivo envolvimento dos usuários, através da

análise e das respostas as reclamações. Reforça, ainda, as estratégias de

envolvimento e de disciplinamento internas. Envolvimento, no sentido de acolher as

reclamações como forma de consulta, aos usuários, sobre os problemas e a

qualidade do atendimento prestado pela instituição.

A ouvidoria desenvolve estratégias de interação dos trabalhadores com o

programa implantado. Junto à administração, representa a voz dos usuários e estas

pesam nas decisões que dizem respeito a situações de trabalho e de conflito, no

espaço hospitalar, e sobre os objetivos sociais da instituição. Disciplinamento, no

sentido de aplicar as normas institucionais cabíveis, ao investigar as reclamações.

Neste caso a ouvidoria é do tipo eficaz.

As ouvidorias hospitalares, quando em relação com a proposta reformadora

do sistema de saúde, têm como principal efeito alterar algumas das relações

institucionais. Quando se encontram em consonância com o projeto liberal

contribuem para manter as relações institucionais nos padrões anteriores a sua

implantação.

A tipologia de atuação de uma ouvidoria hospitalar foi construída com o

intuito de compreender a realidade que é composta, efetivamente, da mistura desses

três tipos: ineficiente, burocrática e eficaz. A concepção de que a realidade é

composta pela mistura de vários tipos e não apenas de um tipo-ideal encontra-se

amparada em Weber (1992) que assim o demonstrou ao analisar os tipos de ação

social, bem como os tipos de dominação.

Para observar as estratégias de envolvimento e de disciplinamento dos

usuários e dos trabalhadores nos hospitais, recorreu-se à análise das reclamações e,

das entrevistas, realizadas junto à instituição e usuários. As categorias construídas,

para tipificar a atuação das ouvidorias no envolvimento e no disciplinamento de

usuários reclamantes e de trabalhadores em saúde encontram-se, na íntegra, na matriz

de análise, no quadro 2 do anexo A, e são a seguir apresentadas resumidamente:

Tipos de ouvidoria

Projetos sociais

Estratégias de envolvimento e de disciplinamento dos usuários

reclamantes

Estratégias de envolvimento e de disciplinamento dos trabalhadores em saúde

Ineficiente Liberal Informação Disciplina o recebimento das reclamações

Integração passiva

Não disciplina o reclamado

Burocrática Liberal Aplacação Disciplina a investigação das reclamações

Adesão Disciplina punindo e justificando procedimentos

Eficaz Reformador Consulta Disciplina a solução dos problemas reclamados

Interação Disciplina, treinando e educando o reclamado

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A metodologia escolhida para evidenciar estas afirmações será indicada a

seguir para, posteriormente, apresentar-se a análise concreta das ouvidorias

hospitalares pesquisadas.

2.5 A escolha da metodologia

Entendendo metodologia como o conjunto de princípios científicos que

orientam a investigação, neste caso sociológica, combinando indagação teórica e

empírica, ressalte-se que ela engloba a reflexão epistemológica, a escolha das teorias,

das estratégias e das técnicas de pesquisa. Resulta num processo interdependente

entre epistemologia, teoria e técnica como ressaltou Bulmer em Problems, Theories

and Methods in Sociology (1984). A reflexão epistemológica encontra-se presente

durante todo o texto e impregnou todas as atividades de pesquisa. Ela parte da

concepção de que, devido à complexidade do objeto de pesquisa em ciências sociais

há um ir e vir constante entre epistemologia, teorias e modos de investigação. Como

relembra Maria Assunta Campilongo em Questões epistemológicas nas disciplinas

da saúde: “o objeto define o método e o método recria o objeto. Nas Ciências

Humanas onde não se trabalha com certezas, mas com ‘tendências’ e probabilidades,

o método tem que pressupor a natureza de ‘mutabilidade’ constante dos fenômenos;

quando se observa um fenômeno ele já se modificou no instante seguinte” (1995,

p. 8).

Esta reflexão orientou a formulação das hipóteses, a construção dos

conceitos da pesquisa e o quadro de análise, até aqui apresentados. A seguir detalha-

se com mais acuidade a lógica do procedimento que consistiu em delimitar e

investigar o objeto deste estudo e expôr os resultados da pesquisa.

Em 1993 ao chegarmos ao Hospital Fêmina de Porto Alegre para fazer uma

análise das reclamações de usuários, registradas junto ao recém criado serviço de

ouvidoria do Hospital, deparamo-nos com um problema social de relevância:

usuários procuravam o serviço de ouvidoria para manifestarem sua inconformidade

com a prestação do serviço realizada pelo Hospital. Posteriormente, verificou-se que

outro hospital público, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, oferecia aos usuários

um sistema de ouvidoria. O que teria levado estas instituições a criarem as ouvidorias

hospitalares? Qual o impacto e os resultados da ação desencadeada a partir do

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acolhimento das reclamações? A transformação desta questão social em um

problema sociológico foi realizada com a definição do quadro teórico e das hipóteses

de trabalho, já explicitados no decorrer deste texto e resumidos no Quadro 1 do

Anexo A.

A expressão serviço de ouvidoria é o nome oficial do serviço no Hospital

Fêmina (trata-se de um setor criado especialmente para este fim). Nesta pesquisa essa

terminologia refere-se a este Hospital. A expressão sistema de ouvidoria é usado

informalmente, no Hospital de Clínicas, para denominar um sistema instalado dentro

de um setor já existente. Aqui foi empregada para referir-se a este Hospital. O termo

ouvidorias hospitalares foi empregado de forma genérica, para referir aos dois

hospitais.

De acordo com a natureza do objeto definiu-se que a pesquisa seria efetuada

através do estudo de dois casos de ouvidoria comparando os resultados obtidos no

levantamento de dados, extrapolando os limites de cada um e ampliando o

conhecimento do problema.

A opção por esta estratégia metodológica decorreu da hipótese central da

pesquisa, que pretendeu verificar se ouvidorias hospitalares constituem-se em

estratégias institucionais que conduzem ao envolvimento e ao disciplinamento dos

usuários e dos trabalhadores em saúde dos hospitais e como tais processos se dão.

Para ampliar a investigação definiram-se ainda duas questões, que auxiliaram na

explicação do tema, tornando-se as hipóteses da pesquisa. Estas referiram-se às

causas e aos efeitos da instalação de ouvidorias por parte dos hospitais, já

apresentadas na definição do quadro teórico e expressas no Quadro 1 do Anexo A.

A escolha de duas ouvidorias, a do Hospital Fêmina e a do Hospital de

Clínicas, orientou-se pela idéia de que forneceriam à esta pesquisa, um campo de

observação mais amplo para testar as hipóteses de trabalho. Visto que pretendia-se

verificar se a prática de uma ouvidoria hospitalar propiciava estratégias de

envolvimento e disciplinamento internas, o estudo de dois casos concretos

fortaleceria as evidências empíricas e teóricas.

A escolha de dois hospitais públicos, com características de prestação de

atendimento diversas, orientou-se pela idéia de verificar se ouvidorias, incrustadas

em instituições distintas, conduziriam ao estabelecimento de relações semelhantes ou

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diferenciadas entre instituição, usuários e profissionais. Permitiria evidenciar, com

maior clareza, as regularidades das ações de ouvidorias hospitalares. Partiu-se, assim

de um elemento comum: o fato dos hospitais serem públicos e atenderem,

predominantemente, os usuários do SUS. Os hospitais foram selecionados devido à

sua importância no cenário da área hospitalar em saúde de Porto Alegre.

Os dois hospitais foram escolhidos, também, por apresentarem características

diversas. Com várias especialidades, porém, todas elas direcionadas ao atendimento

da mulher, o Hospital Fêmina, e sua situação institucional, faz com que possa ser

visto como um hospital quase especializado e de menor porte. Embora faça parte de

um complexo hospitalar, pode ser observado como uma unidade autônoma, pelo fato

dos prédios do Grupo Hospitalar Conceição, do qual faz parte, estarem espacialmente

localizados distantes uns dos outros. No Hospital Fêmina, o número de atendimentos

(aproximadamente 300 atendimentos por dia, considerando somente as consultas

ambulatoriais) e de profissionais (532) é bem menor, se comparado ao Hospital de

Clínicas. Quase todos os profissionais se conhecem, como se trabalhassem numa

pequena instituição, resultando em relações profissionais mais próximas.

A seleção de um hospital universitário, o Hospital de Clínicas, foi

determinada pela sua diferença em relação ao Hospital Fêmina. É um hospital que

presta atendimento nas mais diversas especialidades e a todos os usuários do SUS,

não apenas mulheres. É um complexo hospitalar espacialmente centralizado pois está

localizado num único prédio, atendendo a um volume imenso de usuários (só nas

consultas ambulatoriais atendem, aproximadamente, 1.500 usuários por dia). Neste,

os profissionais nem sempre se conhecem, pois são em grande número (4.248),

resultando em relações profissionais e institucionais mais distantes. A opção por dois

hospitais diferentes foi uma forma de verificar se o tipo de hospital determina a

atuação de ouvidorias hospitalares.

Para atingir os objetivos da pesquisa28 era necessário apreender a organização

das ouvidorias para, então, analisar as relações de envolvimento e de disciplinamento

28 No momento de formulação do projeto de pesquisa os objetivos foram assim definidos: 1) analisar por que os hospitais Fêmina e Clínicas implantaram ouvidorias; 2) investigar o feixe de relações institucionais que se estabelece com a instalação de ouvidorias: se possibilitam o efetivo envolvimento e se exercem um disciplinamento das condutas e das rotinas de usuários e de trabalhadores em saúde; e 3) verificar os efeitos institucionais e sociais da instalação de ouvidorias hospitalares.

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desencadeadas por elas. Isso só seria possível com o estudo de cada caso29. Esta

opção metodológica deu ao trabalho uma perspectiva intensiva, com menor número

de casos em maior profundidade, e não extensiva, maior número de casos

investigados de forma mais ampla. Este método foi utilizado por Barrington Moore

Jr. ao analisar As origens sociais da ditadura e da democracia (1975); comentado

por Bruyne ao tratar da Dinâmica da pesquisa em ciências sociais (1991) e aplicado

por Graça Carapinheiro em Saberes e poderes no hospital (1998). Assim, no

primeiro momento da pesquisa foi feito o estudo intensivo de cada caso de ouvidoria.

A comparação, entre os dois casos estudados, foi realizada na busca de

evidências que permitissem explicitar as diferenças ou semelhanças na atuação das

ouvidorias. Ao compreender como atua uma ouvidoria hospitalar, numa perspectiva

de comparação, ultrapassou-se a unicidade e evidenciaram-se as regularidades

(Bruyne, 1991; Schneider, 1998). Concebendo que a comparação é realizada durante

todo o processo de pesquisa, a opção por dois casos permitiu aprofundar as

observações.

A comparação intensiva é essencialmente qualitativa e contribuiu, para a

elaboração de tipologias que contemplaram, ao mesmo tempo, a realidade empírica e

a explicação teórica. Foi auxiliar, também, na formulação de novas indagações e para

refinar as conclusões obtidas. Porém, como a análise comparativa não substitui a

investigação pormenorizada dos casos específicos, como atestou Barrington Moore

Jr. na sua conhecida obra, a interpretação sobre o trabalho das ouvidorias, em cada

hospital, ocupa a maior parte deste trabalho.

Este estudo examinou, portanto, as ouvidorias de dois hospitais públicos de

Porto Alegre, entre 1990 e 1998. O Hospital Fêmina criou, em 1990, um serviço de

ouvidoria. O Hospital de Clínicas de Porto Alegre organizou, em 1994, um sistema

de ouvidoria.

O período investigado começa com a criação desses serviços e termina no ano

anterior ao término da pesquisa de campo. O estudo centrou-se, assim, na

investigação dos acontecimentos ocorridos no período de 1990 a 1998. O trabalho de

campo foi efetuado em 1998 e 1999. Em 1998 realizou-se o levantamento das

29 Para aprofundar o conhecimento sobre estudo de caso indica-se, especialmente: YIN, Robert. Case study research: Design and methods. Newbury Park: Sage Publications, 1991.

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reclamações registradas nas ouvidorias. Em 1999 fez-se as entrevistas com os

agentes envolvidos no processo.

A forma de exposição escolhida para relatar os resultados da pesquisa foi a

de, inicialmente, apresentar-se a história das instituições e descrever-se a situação

dos hospitais pesquisados na conjuntura da realização da pesquisa, ou seja, no

período de 1997 a 1999.

Esta situação foi analisada a partir de dados considerados como indicadores

da estrutura de atendimento e do funcionamento dos dois hospitais30. Os primeiros

referiram-se ao número de consultas ambulatoriais programadas e de emergência,

número de leitos, de consultórios, de trabalhadores, de internações e de

procedimentos realizados, bem como do tipo de usuário atendido no hospital. Estes

elementos foram explicitados para que as reclamações, registradas no serviço de

ouvidoria, pudessem ser compreendidas na situação institucional de cada hospital.

Pela dinamicidade dos dados, que variam com muita rapidez, embora mantendo-se

dentro de um patamar quantitativo estável, estes foram apresentados através da

média mensal do ano correspondente. Desta forma foi possível realizar a comparação

entre os períodos analisados. O segundo tipo de indicadores atestaram o tipo de

trabalho que estava sendo realizado nos hospitais.

A seguir, buscou-se captar a organização de cada ouvidoria. Para tanto, foi

efetuado, inicialmente, o levantamento de todas as reclamações, registradas nas duas

ouvidorias (268 no Hospital Fêmina e 849 no Hospital de Clínicas). Esta estratégia se

impôs pelo fato de que, através da análise de todas as reclamações foi possível

30 Os dados sobre a situação dos hospitais, no momento da pesquisa, e o tipo de reclamações, acolhidas pelas ouvidorias, foram classificados como referindo aspectos da estrutura e do funcionamento dessas instituições. Utilizou-se o termo estrutura para agrupar os dados e as reclamações que indicaram como os hospitais estavam constituídos, tendo em vista seus objetivos (Durkheim, 1983). Sob essa classificação foram incluídos os dados que demonstravam a capacidade de atendimento. Quanto ao tipo de problemas reclamados as relações que se estabeleceram a partir desta estrutura, diziam respeito a relações mais cristalizadas, pouco flexíveis, no sentido de modificação dos mesmos. Estes problemas, por sua vez, resultaram em reclamações quanto ao funcionamento dos hospitais. Utilizou-se o termo funcionamento para agrupar os dados e as reclamações que indicaram como estava sendo realizado o trabalho, no interior dos hospitais, envolvendo as relações sociais que os fazem funcionar (Durkheim, 1983). As reclamações relatavam problemas que envolviam relações sociais mais flexíveis e dinâmicas e, por terem estas características, apontaram para soluções que estão mais diretamente afetas ao âmbito dos hospitais. As reclamações indicavam as condições de atendimento nos hospitais, ou seja, como o mesmo se realizava e qual a qualidade deste atendimento. A classificação das reclamações em estruturais e funcionais e sua distribuição pelas áreas e profissionais permitiu constatar os problemas extrapolando tempo e espaço e realizar a comparação entre os hospitais pesquisados.

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mapear as áreas, os profissionais e os tipos de problema que levaram os usuários a

registrarem uma queixa na ouvidoria. Para a pesquisa, este mapeamento foi

fundamental, pois através dele pode-se: 1) conhecer os usuários reclamantes e assim

verificar quais as estratégias de envolvimento e de disciplinamento desencadeadas

em relação aos mesmos; 2) conhecer os trabalhadores em saúde reclamados e

evidenciar as estratégias de disciplinamento e de envolvimento a que foram

submetidos; e 3) acompanhar o percurso institucional das reclamações. As

reclamações indicavam as relações que se estabeleceram entre instituição, usuários e

trabalhadores em saúde.

Para atender às tarefas teórico-metodológicas, as principais fontes de

informação foram: a literatura, os documentos institucionais, os registros das

reclamações de usuários, feitas pelos hospitais e seus ouvidores, e as entrevistas com

os sujeitos envolvidos no trabalho das ouvidorias.

Consultou-se a literatura disponível buscando informações sobre o hospital

como instituição de saúde, sobre as formas de gerenciamento, no setor,

principalmente quanto às inovações gerenciais da última década, sobre o sistema de

saúde no Brasil e sobre ouvidorias hospitalares. Esta forneceu a base para propor o

estudo teórico do tema. Especificamente sobre ouvidorias hospitalares para obter

informações mais amplas, recorreu-se à consulta sobre o tema, no campo da

sociologia e da medicina nos programas sociofile e medline.

Os documentos institucionais (relatórios das administrações e relatórios de

dados organizados pelos setores do arquivo médico-estatístico dos hospitais)

forneceram informações sobre as ouvidorias e sobre a estrutura dos hospitais e

serviram para situá-las num quadro explicativo mais vasto. No Hospital Fêmina os

dados foram obtidos através de relatório de gestão (1997), junto ao Serviço de

Arquivo Médico-Estatístico (HF, SAME, 1999b), ao setor de Freqüência e

Disciplina-Recursos Humanos (HF, RH, 1999a), à Gerência de Informática do

Centro de Processamento de Dados do Grupo Hospitalar Conceição (GHC, 1999a) e

na Home-page do Grupo (GHC, Home-page 1999b). No Hospital de Clínicas foram

coletados no Serviço de Arquivo Médico e Informações em Saúde (HCPA, SAMIS,

1999b), junto à Gerência do Grupo de Recursos Humanos (HCPA, GRH, 1999a) e na

Home-page do Hospital (HCPA, Home-page, 1998).

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Os documentos com o registro das reclamações de usuários foram

compilados, pela pesquisadora e seis alunos do Curso de Ciências Sociais da

UFRGS, bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico-CNPq e da Pró-Reitoria de Pesquisa-Propesq desta Universidade. Este

trabalho contribuiu, também, para ensinar a quatro destes alunos como se realiza um

processo de investigação científica, desde o levantamento dos dados, a formulação

das hipóteses, o enquadramento teórico, a redação e a apresentação das conclusões.

Este trabalho foi desenvolvido no Hospital Fêmina, ao longo de quatro anos. Os

trabalhos foram apresentados em Salões de Iniciação Científica da UFRGS, em 1994

e 1995. Mais dois bolsistas trabalharam no levantamento dos dados do Hospital de

Clínicas e na transcrição das gravações das entrevistas. Todos os bolsistas estavam

afetos ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Saúde Coletiva-NIPESC, vinculado

ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas desta Universidade e do qual a autora

deste trabalho faz parte como pesquisadora.

Em relação às reclamações, efetuou-se uma “leitura flutuante” para conhecer

o material. Esta técnica teve como referência o método da Análise de conteúdo,

descrito por Laurence Bardin em 1979 (p. 94, 102). Em nossa pesquisa a técnica foi

utilizada como uma forma de vigilância epistemológica, conforme concebida em

Análise de conteúdo: um Approach do Social (Pereira, 1998). Não foi utilizada para a

seleção dos documentos, visto que o objetivo foi analisar todas as reclamações, mas

sim para verificar o que o material informava e descobrir conteúdos e estruturas nos

textos das reclamações.

Para padronizar a coleta dos dados e obter as mesmas informações, nas duas

ouvidorias, foram elaboradas grades especialmente projetadas para este fim. Assim,

as reclamações foram resumidas uma a uma. Os dados foram coletados,

inicialmente, através da Grade 1 (anexo A). Foram tabulados e organizados de forma

a possibilitar a comparação entre eles

A partir desta leitura realizaram-se as primeiras classificações, agrupando as

reclamações: 1) pelas especialidades médicas; 2) pelas áreas que compõem os

hospitais (ambulatório, emergência, marcação de consultas, recepção, internação e

outras áreas); e 3) pelos profissionais (médicos, equipe de enfermagem,

recepcionista, telefonista, secretários e administrativos em geral e outros). Registrou-

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se, também se houve resposta das chefias ou dos profissionais às ouvidorias (Grade 2

e 3 do Anexo A). Na seqüência os dados coletados foram totalizados com o objetivo

de caracterizar cada ano em estudo (Grade 4 e 5 do Anexo A).

Para conhecer quem foi o usuário reclamante agruparam-se as informações

encontradas nas reclamações. Verificou-se quem registrou a queixa: o próprio

usuário, seu familiar ou outros; o sexo do reclamante e a localidade de procedência:

Porto Alegre, Região Metropolitana e Interior do Rio Grande do Sul. Estes dados

foram colhidos através da Grade 1 e totalizados ano a ano, a partir da Grade 6 do

Anexo A.

As reclamações foram também classificadas de forma qualitativa, segundo o

tipo de problema relatado na queixa. Estes problemas referiam aspectos relacionados

à estrutura ou ao funcionamento do hospital. A partir desta primeira classificação

criaram-se as subdivisões indicativas dos tipos de problemas reclamados. Em relação

à estrutura relatavam tempo de espera para conseguir consulta, reconsulta, baixa

hospitalar, e procedimentos que envolviam exames. Especificavam ainda o

encaminhamento a outro hospital, a capacidade operacional, tais como quantidade de

funcionários e leitos, e casos de não atendimento. Em relação ao funcionamento, os

problemas foram agrupados em falhas de comunicação, falhas de relacionamento

humano, falhas nos procedimentos técnicos e na presteza do serviço.

Esta tipologia foi elaborada pela autora, tendo em vista o teor das

reclamações (Grade 7 do Anexo A). Os dados resultantes desta análise foram

agrupados segundo o modelo das Grade 8 e 9 do Anexo A.

Após o levantamento de todas as reclamações verificou-se que, quando

analisadas, demonstraram ser indicadoras, do tipo de acolhimento e de

encaminhamento da reclamação da ouvidoria às chefias (Grade 10 do Anexo A).

Assinalavam a investigação realizada, se houve retorno das respostas das chefias e

dos profissionais (Grade 11 do Anexo A) e o tempo que estes demoraram para

responderem às ouvidorias (Grade 12 do Anexo A). Indicavam, também, quando

houve retorno, o tipo de resposta institucional ao usuário (Grade 13 do Anexo A).

Estes dados, demonstrativos de todo o processo efetivado nas ouvidorias, serviram de

base para as tabelas e gráficos apresentados em anexo e na análise de cada caso

estudado.

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Finda esta parte do trabalho, definiram-se os critérios para a seleção de

algumas reclamações que permitissem aprofundar o conhecimento das estratégias

promovidas pelas ouvidorias hospitalares e, ao mesmo tempo, fossem representativas

dos fatos ocorridos. A partir daí procedeu-se à seleção dos entrevistados. As

entrevistas foram realizadas para obter e confirmar informações capazes de tecer a

rede cujos pontos entrelaçaram os sujeitos desta história e, assim, encaminhar para as

conclusões.

Para escolher os entrevistados, buscou-se compatibilizar a diversidade das

informações resultantes do heterogêneo universo hospitalar (diferentes áreas,

serviços, setores, especialidades e tipos de profissões), com a homogeneidade

necessária para garantir o controle das informações. Sabe-se que a homogeneidade

garante maior precisão nos resultados, mas torna-os menos generalizáveis. O

contrário acontece com a heterogeneidade. Para atender ao critério da

heterogeneidade entrevistou-se diferentes tipos de respondentes, através de roteiros

adaptados ao tipo de entrevistado. Manteve-se, porém, homogêneo o teor das

questões formuladas Os diferentes roteiros de entrevistas (em número de 5)

encontram-se no Anexo A.

Para definir o número de entrevistados partiu-se do princípio que o trabalho

não procurava a representatividade estatística do fenômeno, mas sua

representatividade significativa31 (Hirano, 1979, p. 51). Esta reflexão apoia-se em

autores que propõem substituir a noção de representatividade pela noção de objetivos

estabelecidos na pesquisa, mais adequada para verificar hipóteses envolvendo

relações entre fenômenos (Ghiglione, 1997, p. 58). Como o objetivo desta pesquisa

foi capturar a organização dos dois serviços, a partir das relações de envolvimento e

de disciplinamento estabelecidas, observa-se que a certeza na pergunta: quais os

objetivos em entrevistar cada grupo, é fundamental para nortear a escolha dos

entrevistados. Do ponto de vista da interpretação sociológica os dados são

representativos se traduzem as diversidades e as nuances sociais, sustentadas por

uma hipótese teórica. Não há necessidade da escolha dos entrevistados ser aleatória

(Silva, Pinto, p. 121, 175 e 186).

31 A diferença entre o representativo (que representa, é próprio para representar, que envolve representação) e o significativo (que significa, que exprime com clareza, expressivo, que contém revelação interessante) foi referida em Hirano (Hirano, 1979).

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Embora tenha-se definido anteriormente o número de entrevistados, em 48,

manteve-se constante a reflexão sobre os critérios de diversificação e de saturação. A

diversificação foi contemplada pela heterogeneidade do campo de pesquisa. A

saturação foi verificada quando as afirmações dos entrevistados começaram a repetir

as mesmas informações, evidenciando que um maior números de entrevistas pouco

acrescentaria no conhecimento já obtido.

Em primeiro lugar foram selecionados, para entrevista, os indivíduos cuja

posição no quadro institucional tornava-os pessoas-chaves (keyinformants) por terem

o domínio de informações mais específicas sobre o objeto de estudo. Foram eles: 1)

as diretorias clínicas, (em exercício no cargo na época de implantação das ouvidorias

e no momento de realização da pesquisa) e as diretorias administrativas (no cargo no

momento de realização da pesquisa (modelos 1 de entrevista); e 2) os ouvidores, que

atuaram nas ouvidorias de 1990 a 1999 (modelos 2 de entrevista). Esta seleção

resultou num número de cinco entrevistados no Hospital Fêmina e sete no Hospital

de Clínicas. A diferença no número de entrevistados, neste grupo, deveu-se ao fato

de que, no Hospital Fêmina, três médicos ocuparam o cargo de ouvidores e um

diretor administrativo não aceitou realizar a entrevista. No Hospital de Clínicas

entrevistou-se dois coordenadores do Grupo de Pacientes Externos (GPE) e dois

assessores, considerados como ouvidores, além dos administradores.

Em segundo lugar, para a escolha dos demais entrevistados tomou-se como

ponto de partida as reclamações. De posse dos dados, já organizados, em áreas,

profissionais e tipos de reclamações, escolheram-se as reclamações típicas de cada

caso. Para que o panorama ficasse completo escolheu-se a reclamação e, a partir

dela, todos os sujeitos envolvidos na mesma queixa. Foram selecionados, desta

forma, os trabalhadores em saúde reclamados, as chefias envolvidas em tais

reclamações e os usuários reclamantes. Este critério foi definido, mas não pode ser

absolutamente rigoroso, pois muitos selecionados não puderam ser encontrados.

Foram, então substituídos por outros atendendo às mesmas condições.

Inicialmente fez-se uma classificação das reclamações, dirigidas às três

grandes divisões que caracterizam a estrutura e o funcionamento hospitalar: médica,

técnica e administrativa. Em seguida escolheram-se os sujeitos envolvidos. Da área

médica foi selecionado o serviço de ginecologia e obstetrícia, da área técnica o

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serviço de enfermagem e, da administrativa o setor da recepção.

Decidiu-se centrar as entrevistas na especialidade de ginecologia e obstetrícia

pois esta é característica do atendimento do Hospital Fêmina e por sua vez, no

Hospital de Clínicas, foi a especialidade mais reclamada (ver tabela 24 do Anexo D).

Um dos parâmetros norteadores da seleção dos entrevistados, foram as reclamações

dirigidas à esta especialidade. Além disso, o serviço de ginecologia e obstetrícia

abrange um grande número de consultas ambulatoriais e, em grande parte,

internações, bem como apresenta uma dinamicidade bastante intensa, englobando o

trabalho de vários setores dos hospitais. Os médicos selecionados estavam afetos a

esta especialidade.

O serviço de enfermagem, representando a área técnica, foi escolhido pois

atua em, praticamente, todas as áreas dos hospitais, junto a um número bastante

diversificado de serviços, setores e no atendimento direto ao usuário. Nos dois

hospitais, os enfermeiros ou auxiliares de enfermagem, selecionados, atuavam,

preferencialmente junto ao serviço de ginecologia e obstetrícia.

Da área administrativa, a escolha recaiu sobre o setor da recepção porque

também está envolvido em várias áreas, especialidades e serviços e porque mantém

contato direto com os usuários. Assim, selecionaram-se, recepcionistas que atuavam,

diretamente, junto ao usuário, no ambulatório ou na internação da ginecologia e

obstetrícia.

A escolha das chefias se deu de forma mais ampla. Estas estavam afetas às

suas áreas de atuação. No intuito de confirmar informações foram selecionadas

chefias médicas da especialidade citada, bem como de outras especialidades, e

chefias da equipe de enfermagem e da recepção.

Este grupo heterogêneo, por sua natureza, foi composto por: 3) chefias, as

quais foram encaminhadas as reclamações por parte da ouvidoria (modelo 3 de

entrevista; 4) trabalhadores em saúde reclamados, médicos, trabalhadores da equipe

de enfermagem e recepcionistas (modelo 4 de entrevista). O primeiro grupo foi

formado por cinco chefias em cada hospital. O segundo abrangeu oito profissionais

no Hospital Fêmina e seis no Hospital de Clínicas.

Por fim, selecionaram-se; 5) os usuários reclamantes dos hospitais (modelo 5

de entrevista) que encaminharam sua queixa, principalmente, às áreas, setores,

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serviços e profissionais mais diretamente afetos à referida especialidade.

O terceiro grupo foi composto por cinco usuários no Hospital Fêmina e sete

no Hospital de Clínicas. As diferenças no número de respondentes deveu-se à

disponibilidade maior de alguns entrevistados para responder às questões ou à

necessidade de substituir aqueles que não foram encontrados. Os usuários foram

contatados por telefone ou procurados diretamente em seus locais de moradia onde

foram entrevistados, o que possibilitou conhecer suas condições de vida, ampliando a

explicação dos fatos. O quadro 3 do Anexo A resume e apresenta o número de

entrevistados nos dois hospitais pesquisados, definidos em 48.

Esta metodologia possibilitou estabelecer comparações entre as três áreas

quanto às estratégias de envolvimento e de disciplinamento e acerca dos

procedimentos e rotinas hospitalares, resultantes da interferência da ouvidoria.

Os roteiros, das entrevistas, foram feitos depois de um conhecimento da

realidade e das reclamações existentes nas ouvidorias. Apresentam, assim, questões

semi-estruturadas, gerais e específicas, de acordo com cada tipo de respondente.

Foram elaborados cinco modelos de entrevistas conforme demonstrado no Anexo A.

As questões versaram sobre as hipóteses de trabalho. Todas as entrevistas foram

feitas pela pesquisadora, no primeiro semestre de 1999.

As entrevistas foram gravadas para manter maior exatidão quanto à exposição

do entrevistado e não perder informações importantes, nem sempre possíveis de

serem anotadas no transcorrer do encontro. Transcreveram-se todas as entrevistas

para o computador, trabalho realizados por duas bolsistas. Foram, depois, revisadas

uma a uma pela pesquisadora e impressas. Este procedimento possibilitou ler

exaustivamente as entrevistas, tanto cada uma na sua integralidade, como

comparando respostas entre os vários tipos de entrevistados. O controle sobre a

veracidade das informações foi contemplado quando se analisou a coerência das

mesmas com os dados colhidos nas reclamações e com as respostas dos demais

entrevistados (Colognese, 1998).

Trabalhou-se, também, com um diário de campo onde foram anotadas

informações, fruto de observações espontâneas, consideradas importantes para

fornecer maior poder explicativo à pesquisa.

A análise dos dados, colhidos nos documentos institucionais, nas reclamações

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e nas entrevistas foi realizada de acordo com as características de cada tipo de

documento. Estes, em conjunto com a literatura sobre o tema, foram as principais

fontes utilizadas para construir a discussão sobre ouvidorias hospitalares,

envolvimento e disciplinamento. Tendo como foco do trabalho os hospitais Fêmina e

Clínicas a análise consistiu em descobrir caminhos para responder às questões da

pesquisa: o porquê, o impacto e os efeitos da instalação e do funcionamento de

ouvidorias hospitalares.

Para tanto, as estratégias analíticas utilizadas foram: 1) reconstruir o processo

de implantação das ouvidorias; 2) analisar como foram envolvidos os usuários e os

trabalhadores em saúde no trabalho institucional realizado pelas mesmas e 3)

verificar as principais conseqüências deste trabalho. Considerando que um maior

número de fontes de informação possibilita um maior quantidade e variedade de

evidências e que muitos tipos de evidências garantem maior validade à uma

conclusão (Becker, 1993; Yin, 1991), foi desencadeada a estratégia de confronto

entre as informações, colhidas nos documentos institucionais e prestadas pelos

entrevistados, e os dados levantados nas reclamações.

A reconstrução do processo de implantação das ouvidorias foi investigada a

partir dos seguintes indicadores: 1) a data de instalação da ouvidoria; 2) as

justificativas institucionais e dos entrevistados para este acontecimento; e 3) a

maneira como eram recebidas as reclamações, pela instituição, antes e depois do

advento das ouvidorias.

Os tipos de estratégia de envolvimento e de disciplinamento, desencadeadas

em relação aos usuários reclamantes e aos trabalhadores reclamados, foram

analisadas com base numa matriz teórica. Esta foi construída pela pesquisadora, a

partir da literatura e da investigação dos indicadores de envolvimento e de

disciplinamento dos sujeitos, após o registro de uma reclamação. Com base na matriz

teórica, definiu-se três tipos de ouvidorias de acordo com as estratégias promovidas:

ineficiente, burocrática e eficaz (quadro 2, Anexo A).

Em relação aos usuários, a pesquisa identificou como indicador de

disciplinamento o caminho percorrido, por estes, para o registro das reclamações

antes e depois da instalação das ouvidorias. Foram estabelecidos como indicadores

de disciplinamento, as ações promovidas pelas ouvidorias organizando o

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recebimento, o encaminhamento, a investigação e a solução dos problemas

reclamados. Como indicadores dos tipos de envolvimento explicitou-se o porquê e o

como as reclamações foram acolhidas e quais as formas de respostas providenciadas,

pela instituição, ao usuário. As estratégias de envolvimento foram explicadas à luz

das categorias de informação, aplacação e consulta.

Em relação aos trabalhadores, a pesquisa considerou como indicadores de

disciplinamento a ausência de punição, a punição institucional legal, a orientação da

conduta dos reclamados e o treinamento ou a educação dos mesmos. Foram

analisadas as estratégias de envolvimento dos trabalhadores, na implantação do

programa e no decorrer do trabalho da ouvidoria. Os indicadores de envolvimento,

na implantação do programa, foram a comunicação, a justificativa ou a discussão do

projeto de ouvidoria. Os indicadores de envolvimento, com o trabalho da ouvidoria,

foram as formas como as estas encaminharam as reclamações e solicitaram

investigações e a maneira como as chefias e os profissionais responderam à

ouvidoria. As estratégias de envolvimento foram explicadas através das categorias de

integração passiva, adesão e interação.

De posse das informações colhidas pela pesquisa de campo, e a partir do

enquadramento teórico das questões, acima expostas, montou-se tabelas e gráficos e

analisou-se o trabalho das ouvidorias dos dois hospitais. A explanação das categorias

teóricas foi realizada no início deste capítulo e o exame sistemático destas questões

encontram-se no título As ouvidorias hospitalares que introduz a análise sobre O

serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina e O sistema de ouvidoria do Hospital

de Clínicas de Porto Alegre.

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Parte II

As ouvidorias hospitalares

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O Sistema Único de Saúde e os hospitais em Porto Alegre

A exposição a seguir versa, inicialmente, sobre a inserção dos hospitais

pesquisados no SUS, em Porto Alegre, para depois, analisar a implantação e os

impactos das ouvidorias em cada hospital.

Porto Alegre conta com um total de 27, hospitais dos quais 21 estão

vinculados ao SUS para prestar atendimento à população, oferecendo serviços

ambulatoriais e de internação. Seguindo a classificação do Ministério da Saúde há

três tipos de hospitais, em Porto Alegre: hospitais gerais, com especialidades e

especializados. Os primeiros atendem pacientes nas especialidades básicas de clínica

médica, cirúrgica, gineco-obstetrícia e pediatria. Os segundos atendem outras

especialidades, além das consideradas básicas. Os hospitais do terceiro tipo atendem

apenas uma especialidade, como por exemplo, psiquiatria. Este tipo de hospital só

poderá cadastrar leitos, no SUS, na especialidade referida. Em Porto Alegre os

hospitais com especialidades são em maior número. Quanto à sua natureza jurídica

os hospitais podem ser de administração direta da saúde, administração indireta,

empresa, entidade filantrópica ou de economia mista. Quanto à administração,

podem estar vinculados aos níveis federal, estadual ou municipal da administração

pública, ou serem de caráter privado. A classificação dos hospitais, em Porto Alegre,

encontra-se no Quadro 1 do Anexo B.

Os dois hospitais pesquisados são classificados, quanto ao tipo, como

hospitais com especialidades, vinculados à administração federal. Diferenciam-se,

porém, quanto à sua natureza jurídica e outras características. O Hospital Fêmina é

um hospital não universitário, de economia mista, vinculado ao Ministério da Saúde,

enquanto que o Hospital de Clínicas é universitário, de administração indireta,

vinculado ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Educação.

Os hospitais prestam atendimento nas áreas de internação e de consultas

ambulatoriais, sendo estas programadas ou de emergência. Todos os 21 hospitais,

conveniados com o SUS em Porto Alegre, realizam internações e somente quatorze

oferecem consultas ambulatoriais programadas. O atendimento ambulatorial de

emergência é, teoricamente, realizado por todos os hospitais.

Quanto ao atendimento ambulatorial programado, os hospitais de Porto

Alegre têm suas primeiras consultas ambulatoriais agendadas pela Central de

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Marcação de Consultas (CMC), criada em fevereiro de 1997, pela Secretaria

Municipal de Saúde (SMS), para regular o acesso às consultas, com especialistas, nos

serviços próprios ou credenciados ao SUS, visando garantir desta forma, o acesso às

consultas especializadas a todos os usuários do SUS. A Central faz a marcação

somente das primeiras consultas, atendendo as unidades de saúde de Porto Alegre e

as secretarias de saúde de todos os municípios do Rio Grande do Sul. O número do

telefone da Central é de uso exclusivo dos postos de saúde de Porto Alegre e das

secretarias de saúde do interior.

A nova forma de agendamento das primeiras consultas ambulatoriais

programadas, realizada agora pela Central de Marcação, foi decisiva para redefinir a

relação entre os hospitais pesquisados, o sistema de saúde e os usuários. Isto porque

algumas das reclamações, acolhidas antes da implantação das ouvidorias

hospitalares, eram dirigidas aos setores de marcação de consultas dos hospitais e

relatavam as dificuldades em conseguir agendá-las, conforme veremos nas próximas

seções deste trabalho.

Os dois hospitais estudados estão conveniados ao SUS para prestar

atendimento ambulatorial, através de consultas programadas e de emergências, e

atendimento em internação. Com o intuito de constatar-se a participação destes

hospitais no atendimento à população usuária do SUS, em Porto Alegre, salienta-se,

a seguir, o atendimento ambulatorial, programado e de emergência, e o número de

leitos disponíveis para internação, ofertados pelos mesmos, em março de 1999.

Quanto às primeiras consultas ambulatoriais programadas, considerando o

mês de março de 1999, verificou-se que os dois hospitais disponibilizaram,

aproximadamente, 13% do total ofertado pelo SUS em Porto Alegre. O Hospital

Fêmina realizou, aproximadamente, 3% (789 de 33.296) e o Hospital de Clínicas,

aproximadamente, 10% (3.144 de 33.296) do atendimento deste tipo de consulta 32

(Secretaria Municipal da Saúde, 1999). Estes dados são diferentes do número total de

atendimentos realizados pelos hospitais, mais adiante citados, pois nestes últimos

estão incluídas as reconsultas, que não passam pela Central.

32 Estes dados foram coletados no relatório de março de 1999, da Secretaria de Saúde de Porto Alegre. Quando comparados entre si, em períodos diversos, através de relatórios anuais e semestrais de 1998, as percentagens se mostraram constantes, indicando que a tendência, na quantidade deste tipo de atendimento, se manteve estável nestes dois hospitais (SMS-Central de Marcação de Consultas, relatórios semestrais de 1998 e março de 1999).

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Para este tipo de consulta, a população atendida não se originou apenas do

município de Porto Alegre, mas de todo o estado do Rio Grande do Sul. Foram

estabelecidas, pela Central de Marcação, cotas de consultas, ficando as mesmas

assim distribuídas: 55% para Porto Alegre, 30% para a Região Metropolitana de

Porto Alegre e 15% para o interior do Estado. O relatório da Central, elaborado em

março de 1999, informa que, no ano de 1998, foram agendadas 54,1% de consultas

para Porto Alegre e 45,9% de consultas para o Interior e Região Metropolitana de

Porto Alegre.

Estes dados foram explicitados para permitir comparar a procedência dos

usuários encaminhados através da Central, com a procedência dos usuários e, dos

usuários reclamantes, dos hospitais pesquisados. Conforme verificou-se, os dados

sobre a procedência dos usuários, encaminhados pela Central, aproximam-se aos

dados sobre a procedência dos usuários atendidos no Hospital Fêmina e no Hospital

de Clínicas. Quando analisada a procedência dos usuários reclamantes, verificou-se

que estes dados correspondem, excetuando-se dois aspectos: 1) o Hospital Fêmina

atende uma proporção mais elevada de usuários da Região Metropolitana, do que as

estabelecidas pela Central; e 2) no Hospital de Clínicas há uma predominância de

reclamações por parte dos usuários de Porto Alegre, como veremos no transcorrer

deste trabalho.

Se o encaminhamento para a primeira consulta ambulatorial programada, em

um hospital, deve ser feito através da Central de Marcação de Consultas da

Secretaria Municipal da Saúde, para as consultas ambulatoriais de emergência o

usuário procura diretamente os setores de pronto atendimento dos hospitais, onde o

atendimento é realizado. Este fato ocasiona a superlotação dos hospitais e a falta de

controle operacional e financeiro sobre a demanda pela emergência, visto a crescente

procura por esse serviço, gerando muitos dos problemas de atendimento nesta área.

Estes problemas foram encontrados, também, em reclamações de usuários acolhidas

pelas ouvidorias.

Os dois hospitais têm suas folhas de pagamento cobertas pelos Ministérios da

Saúde e, no caso do Hospital de Clínicas, também da Educação. Entretanto os

hospitais universitários, enfrentam uma particular crise pelo corte no orçamento do

Ministério da Educação, concentrado nestes hospitais, em 1999 (InformAndes,

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dez/98). Os hospitais universitários estão em crise, e atribuem esta situação à falta de

recursos oficiais, à baixa remuneração destinada aos procedimentos médico-

hospitalares, cujos custos são superiores aos pagos pelo sistema, e à crescente

demanda popular por esses serviços (SUS, 1999).

No período da pesquisa era freqüente os meios de comunicação veicularem

notícias sobre a situação do atendimento de emergência nos hospitais públicos. Eram

destaque, principalmente, a situação dos hospitais pesquisados neste trabalho, devido

ao volume de atendimento prestado pelos mesmos. Para estes hospitais, em sua

grande maioria, dirige-se a população que necessita de serviços de urgência. As

notícias exemplificavam a situação dos hospitais públicos em Porto Alegre:

“Uma pesquisa realizada pelo Hospital Conceição, em Porto Alegre, apontou que 44% dos pacientes que procuram a emergência poderiam ter sido atendidos em postos de saúde ou ambulatórios. [...] Os que mais sofrem são os estabelecimentos de saúde da Capital. Ontem à tarde, o Hospital de Clínicas retomou o atendimento que estava restrito aos casos graves desde a última terça-feira” (Bach, 1999).

Analisando o atendimento hospitalar de internação, verificou-se que os 21

hospitais conveniados ao SUS diponibilizavam, no período da pesquisa,

aproximadamente, 5.700 leitos33 e 543 leitos de tratamento intensivo (UTI), aos

usuários do sistema em Porto Alegre. Os dois hospitais pesquisados ofertavam,

aproximadamente, 13% do total de leitos em Porto Alegre e 17% dos leitos de UTI.

(Secretaria Municipal da Saúde, 1999).

Neste período, o Hospital de Clínicas disponibilizava 573 de seus 725 leitos

para o SUS correspondendo, aproximadamente, a 10% (573 de 5700) do total leitos

de Porto Alegre, nas várias especialidades. Ofertava, também, 66 leitos de UTI

correspondendo, aproximadamente, a 12% (66 de 543) deste tipo de leito, no

município (Hospital de Clínicas de Porto Alegre, 1998).

Já o Hospital Fêmina, com 158 leitos, atendeu, aproximadamente, a 3% (158

de 5700) do total de leitos do sistema, em Porto Alegre. Os 30 leitos de UTI

Neonatal representaram 5% (30 de 543) deste tipo de leitos nesta cidade (Grupo

Hospitalar Conceição, 1999).

Conforme pode-se depreender dos dados recém apresentados o Hospital

33 São classificados como leitos cirúrgicos, obstétricos, clínicos, fora de possibilidade terapêutica (FTP), psiquátricos, para tisiologia, pediátricos e hospital-dia (Secretaria Municipal da Saúde, 1999).

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Fêmina e o Hospital de Clínicas têm uma participação importante, quer se trate de

consultas ambulatoriais, programadas e de emergência, ou de internações,

contribuindo assim com uma parcela significativa de atendimento aos usuários do

SUS de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul.

Constatou-se, também, que os hospitais estudados passaram a ter, a partir da

década de 90, uma preocupação mais explícita com a busca da qualidade de

atendimento. Essa preocupação estava inserida num contexto mais amplo de crises e

de transformações, pelas quais passou a sociedade brasileira e a área da saúde em

particular, a partir dos anos 80, a par das transformações ocorridas em nível mundial,

conforme já comentado anteriormente.

Na seqüência do trabalho apresenta-se a pesquisa levada a termo para

evidenciar e comprovar que ouvidorias hospitalares propiciam envolvimento e

disciplinamento de usuários e de trabalhadores em saúde. Em cada uma das partes,

sob os títulos O serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina e O sistema de

ouvidoria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre expõe-se a história da

instituição e a situação em que cada hospital se encontrava, no momento da pesquisa,

no que se refere, principalmente, às suas condições de atendimento. Este item foi

construído para que se conhecesse mais da estrutura e da capacidade de cada

hospital, na prestação de serviços, e para situar as reclamações registradas nas

ouvidorias dentro dessa estrutura.

Apresentam-se, logo a seguir, os resultados da pesquisa de campo no que se

refere aos motivos da implantação de ouvidorias por parte dos hospitais estudados

ouvidorias. Caracterizam-se os tipos de reclamação acolhidas, o impacto das

ouvidorias ao promover estratégias de envolvimento e de disciplinamento, bem como

os efeitos destas estratégias em termos institucionais e sociais.

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3 O serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina

3.1 O Hospital voltado ao atendimento da mulher na conjuntura atual

O Hospital Fêmina (HF) foi fundado em 1954, como sociedade anônima, com

o objetivo de prestar atendimento à mulher, denominando-se Hospital Fêmina S.A.

Ao longo de sua história, o Hospital passou de privado para público pois, em

fevereiro de 1975, através do decreto 75.403, suas ações foram declaradas de

utilidade pública para fins de desapropriação. Com as ações do Hospital Fêmina,

também foram desapropriadas as ações dos Hospitais Nossa Senhora Conceição, da

Criança Conceição, e do Hospital Cristo Redentor. Estes atos deram origem ao

denominado Grupo Hospitalar Conceição (GHC), que passou a subordinar-se à

Presidência da República, através da sua Casa Civil (Lamb, 1994).

Com quatro prédios, localizados em pontos distantes uns dos outros, em

termos geográficos, a área total do Grupo é de 75.307m2 (Lamb, 1994). Ao longo do

período (1983-2000) o GHC organizou uma rede de contava com treze postos de

saúde (GRUPO, 1996). Em maio de 1990, pelo Decreto 99.244 o Hospital Fêmina e

o GHC, tornam-se vinculados ao Ministério da Saúde e passam a ser geridos como

empresa pública, com o controle acionário da União mantendo, porém, sua

identidade de sociedade anônima (daí suas características de hospital de economia

mista com administração federal).

O Grupo atende basicamente os usuários do SUS, sendo que os recursos para

a manutenção dos hospitais e para cobrir sua folha de pagamento são oriundos desse

Ministério. O objetivo do Hospital Fêmina, a exemplo do Grupo, é “desenvolver

ações de atenção integral à saúde para a população, com a excelência e eficácia

organizacional, através de seus recursos tecnológicos e humanos, programas de

ensino e pesquisa, atuando em parceria com outras entidades, fortalecendo o Sistema

Único de Saúde e cumprindo, assim, a sua função social”34.

O Hospital Fêmina está classificado como hospital com especialidades pelo

Ministério da Saúde e propõe atenção básica em tocoginecologia, neonatologia,

cirurgia geral e clínica, oferecendo ainda clínicas de apoio em mastologia, oncologia,

34 Este objetivo está definido como a “missão” do Grupo Hospitalar Conceição e encontra-se afixado nas paredes de setores e serviços e nos crachás dos funcionários.

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psiquiatria, endocrinologia e cardiologia. Sua especificidade está no fato de ser um

hospital que atende exclusivamente a mulher, reestruturando-se ao longo de sua

história para se adequar às mudanças no perfil epidemiológico da saúde da mulher.

A seguir apresentam-se alguns indicadores da estrutura de atendimento do

Hospital Fêmina, na conjuntura atual, que demonstram a capacidade de seu

atendimento. Estes tratam do número de leitos e de consultórios, de trabalhadores, de

internações e de procedimentos realizados, bem como do tipo de usuário atendido no

Hospital. Esses dados foram aqui mencionados para que as reclamações, registradas

no serviço de ouvidoria, possam ser compreendidas e inseridas na sua situação

institucional35.

O Hospital Fêmina tem uma área de 8.827 m2 contando, no primeiro

semestre de 1999, com uma capacidade média mensal de 158 leitos e 15 consultórios

para consultas ambulatoriais programadas. Contava com 511 funcionários e 21

médicos residentes, que totalizavam 532 profissionais em saúde trabalhando no

Hospital, naquele semestre (GHC-Home Page, 1999 e GHC-Gerência de

Informática, 1999a). Nos últimos anos constatou-se, a diminuição de leitos e de

funcionários. Consultando o Serviço de Arquivo Médico e Estatístico (SAME,

1999b) e os dados veiculados na home page da instituição observou-se que esta

tendência persiste. O número de leitos, em sua capacidade operacional, era de 153

em julho e de 148 em outubro de 1999. Em outubro de 1999 constatou-se ainda, na

home page do GHC, um total de 505 funcionários. Os dados sobre o Hospital

Fêmina podem ser visualizados nas tabelas a seguir apresentadas.

TABELA 1 - Estrutura de atendimento do Hospital Fêmina - 1997-1999

Leitos e consultórios 1997

Média mensal jan-dez

1998 Média mensal

jan-dez

1999 Média mensal

jan-jun Leitos-capacidade instalada 167 159 158 Leitos-capacidade operacional 160 159 158 UTI-Neonatal 31 30 31 Consultórios 15 15 15

Fonte: HF-Relatório de gestão, 1997; HF-SAME, 1999b; GHC-Home Page, 1999; GHC-Gerência de Informática, 1999.

35 Como referiu-se na metodologia desta pesquisa, os dados sobre a estrutura, demonstrando a capacidade de atendimento, pela sua dinamicidade, são apresentados através de sua média mensal, para permitir a comparação entre os períodos analisados.

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TABELA 2 - Estrutura de recursos humanos do Hospital Fêmina - 1997-1999

Trabalhadores em saúde 1997

Média mensal jan-dez

1998 Média mensal

jan-dez

1999 Média mensal

jan-jun Funcionários (méd.enf.recep) 541 516 511 Médicos residentes 20 22 21

Total de trabalhadores em saúde 561 538 532 Fonte: HF-Relatório de gestão, 1997; HF-SAME, 1999b; GHC-Home Page, 1999b; GHC-Gerência de Informática, 1999a.

Dada a situação de superlotação dos hospitais em Porto Alegre, considera-se

significativa e registra-se a repercussão da diminuição de funcionários e de leitos

ofertados pelo Hospital Fêmina às usuárias do SUS, pois a procura pelos serviços

hospitalares vem se intensificando, enquanto ocorre diminuição na capacidade de

atendimento a essa população. Porém, surpreendentemente, a quantidade de

atendimentos às usuárias do SUS não diminuiu.

Conforme já foi mencionado, a relação dos hospitais com o SUS realiza-se

através de duas formas de atendimento: consultas ambulatoriais, programadas ou de

emergência, e internações. Constatando-se o atendimento do Hospital Fêmina nessas

modalidades, e também as cirurgias, internações e partos - indicadores do

atendimento prestado pelo hospital - tem-se o seguinte quadro, comprovando o

aumento da quantidade de serviços prestados, excetuando-se as cirurgias.

TABELA 3- Atendimento do Hospital Fêmina - 1997-1999

Atendimento nas várias modalidades 1997

Média mensal jan-dez

1998 Média mensal

jan-dez

1999 Média mensal

jan-jun Consultas ambulatoriais programadas 5.701 6.697 6.976 Consultas ambulatoriais de emergência 3.692 3.107 3.371

Total de consultas de ambulatório: 9.393 9.804 10.347 Internações 874 830 1.070 Cirurgias 441 411 364 Partos 537 471 569 Exames 14.552 15.213 16.578

Fonte: HF- Relatório de gestão, 1997; HF-SAME, 1999b; GHC-Gerência de Informática, 1999a.

Em 1999 o Hospital atendeu, em média, dez mil usuárias por mês em suas

consultas ambulatoriais sendo, aproximadamente, 70% nas consultas programadas e

30% no setor de emergência. As consultas de emergência, no caso do Hospital

Fêmina, atingiram este elevado percentual pelo tipo de atendimento prestado, que

concentra-se na especialidade de obstetrícia. Considerou-se este percentual elevado

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pois no Hospital de Clínicas, por exemplo, as consultas ambulatoriais de emergência

representam 10% do total de consultas ambulatoriais.

Quanto à internação verificou-se que o Hospital Fêmina internou, em média,

mil usuárias por mês, prestando 98% de seu atendimento às usuárias do SUS.

Levando-se em conta que o Hospital realiza principalmente internações obstétricas, a

importância do mesmo na prestação de serviços às usuárias do SUS, de Porto Alegre

e do interior do Estado, se eleva consideravelmente.

TABELA 4 - Internação segundo tipo de convênio no Hospital Fêmina-1997-1999 Usuárias do Hospital 1997 1998

Ingressos % Ingressos % SUS 10.291 98.10 9.763 98.02 Convênios 147 1.40 157 1.57 Particulares 52 0.49 40 0.40

Total 10.490 99.99 9.960 99.99 Fonte: HF-SAME, 1999b.

Em 1999, a usuária do Hospital Fêmina era proveniente, em sua maioria, de

Porto Alegre, 54%, enquanto que 38% originou-se da região metropolitana e quase

8% das usuárias eram residentes no interior do Estado e vieram ao Hospital Fêmina

em busca de atendimento. Estes dados referem-se tanto às internações, como às

consultas ambulatoriais programadas e de emergência.

Estes dados se aproximam, no que tange as consultas ambulatoriais

programadas, às cotas definidas pela Central de Marcação de Consultas da Secretaria

Municipal da Saúde, respectivamente 55%, 30% e 15%, observando-se, porém, que a

região metropolitana absorveu a metade das cotas do interior. Os dados aproximam-

se também, particularmente em relação à Porto Alegre, àqueles que indicaram a

procedência do usuário reclamante do Hospital Fêmina, colhidos nesta pesquisa,

como veremos mais adiante.

TABELA 5- Procedência da usuária do Hospital Fêmina-1999

Localidade de procedência da usuária 1999 %

Porto Alegre 54.0

Grande Porto Alegre 38.0

Interior Rio Grande do Sul 7.8

Outros estados 0.2

Total 100.0 Fonte: GHC-Gerência de Informática, 1999a.

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O Hospital Fêmina desenvolve ainda, como atividades complementares,

Programas de fortalecimento intra-institucional, de fortalecimento inter-institucional,

de ensino e pesquisa, e de eventos. Os Programas de fortalecimento intra-

institucional são aqueles que visam envolver os usuários e funcionários, fortalecendo

sua relação com a instituição e propiciando atendimentos complementares às

atividades básicas. Entre eles encontra-se a Ouvidoria Hospitalar (ombudsman)36.

Através dos Programas de fortalecimento inter-institucional, a instituição estabelece

relações com outras instituições de saúde, no sentido de tornar o hospital mais visível

no meio científico nessa área37. Os dados acima demonstram a importância do

Hospital no atendimento às usuárias do SUS de Porto Alegre e de todo o Rio Grande

do Sul mas, sem dúvida, sua relevância está na característica de seu atendimento pré-

natal, obstétrico e de atenção à saúde da mulher e, por extensão, da criança

neonatal38.

Os problemas estruturais como a diminuição da capacidade de atendimento,

de pessoal e de leitos disponíveis, e o aumento da quantidade de serviços prestados

pelo Hospital Fêmina nos últimos anos, geraram problemas internos. Dentre eles

destaque-se a sobrecarga de tarefas dos trabalhadores em saúde e a superlotação.

Estes problemas resultaram, também, em reclamações quanto ao funcionamento do

Hospital. Problemas relativos à estrutura e ao funcionamento do Hospital Fêmina

foram motivos de reclamações, registradas no serviço de ouvidoria, conforme

36 Os demais são: Seguimento de Recém Nascidos de Risco, Atenção à Diabete na Gestação, Assistência Integral a Filhos de Servidores, Tratamento das Neoplasias Intra-Epiteliais Cervicais, Programas da Unidade da Mama, Ambulatório de Oncologia Clínica, Cursos de Preparação ao Parto, Atenção à Jovem Mãe e Teste Metabólico do Recém Nascido -Teste do Pezinho - (Lamb, 1994). 37 São eles: Colaboração Internacional no Estudo de Neoplasias de Ovário e Programa de Referência e Contra-Referência. Os Programas de ensino e pesquisa são os de Residência Médica, envolvendo os residentes em processo de formação, e Programa do Lanche Científico oportunizando palestras e discussões sobre os avanços científicos nas especialidades de ginecologia, obstetrícia e neonatologia. O Programa de Eventos realiza atividades de discussão de assuntos da área médica como o Primeiro Fórum de Idéias sobre Assistência Médico-Hospitalar, realizado em 1992 e atividades envolvendo a população em geral, como os Briques da Saúde realizados a partir de 1994, com o objetivo de aproximar a equipe de saúde da população. Nesse dia a instituição abre suas portas ao público e em clima de festa presta serviços preventivos e expõe trabalhos artesanais de pacientes (Lamb, 1994). 38 Em 1996 recebeu o Mérito em Saúde, concedido pelo Governo do Estado e Secretaria do Meio Ambiente. Em 1998 o Hospital Fêmina recebeu o prêmio Hospital Amigo da Criança, da UNICEF-Fundo das Nações Unidas para a Infância e Organização Mundial da Saúde-OMS, por trabalho realizado no Programa de Aleitamento Materno e o Prêmio do Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade. As placas indicativas destes prêmios encontravam-se no saguão do Hospital, na época da pesquisa.

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veremos no decorrer deste trabalho.

Estes problemas, a diminuição no número de trabalhadores em saúde

associada ao aumento no volume de trabalho, devido à crescente demanda por

serviços hospitalares e a falta de leitos, foram também mencionados, por chefias e

trabalhadores em saúde, médicos, enfermeiros e recepcionistas, como as principais

dificuldades do Hospital Fêmina. Foram citados como causas dos maiores problemas

com os quais os profissionais da saúde se deparavam no dia a dia de seu trabalho. A

falta de pessoal causava a necessidade de mais plantões e de horas-extras, fazendo

com que os trabalhadores cumprissem mais do que sua jornada de trabalho, gerando

estresse.

Alguns profissionais médicos, entrevistados, citaram ainda, outros problemas

como a dificuldade do paciente em chegar até o hospital, os setores do Hospital

lotados e a falta de UTI adulto, pois o hospital estava atendendo cada vez mais

pacientes de alto risco. Os problemas do Hospital Fêmina exemplificam a realidade

brasileira na área da saúde.

Pode-se observar os problemas acima mencionados relatados por

profissionais do Hospital quando estes, médicos e enfermeiros, afirmam:

“Alguns dos problemas na equipe de enfermagem é que tu não tens capacidade de exceder muito o teu horário da jornada de trabalho. Tu produzes seis horas, se ainda tens que fazer mais seis horas, isso não é produtivo. Acho que esse é o maior problema que nós temos aqui no Hospital, infelizmente tem falta de recurso, o pessoal não é reposto e a gente está trabalhando muito com horas extraordinárias e, isso não é bom em serviço nenhum, principalmente no serviço de enfermagem, que a gente tem que estar sempre alerta. Tu não podes te enganar, tu não podes errar, ou é ou não é” (HF-chefia, equipe de enfermagem, com nove anos no Hospital, entrevista 8/99). “A gente trabalha assim sob um grande estresse porque está sempre com o hospital lotado e está sempre com a neonatologia lotada. Às vezes tem que baixar paciente mas tu sabes que a paciente não vai ter leito. [...]Talvez tu não consigas dar a atenção necessária pois num plantão tu atendes centenas de pacientes” (HF-médico residente, com três anos no Hospital, entrevista 12/99). “A sobrecarga de trabalho, o estresse, uma CTI para adultos, não temos” (HF-chefia, médica, com 22 anos no Hospital, entrevista 7/99). “A falta de uma UTI adulto que a gente está cada vez mais atendendo paciente de alto risco. Tem uma UTI toda pronta, a área física, mas tem esse impedimento da contratação de novos profissionais” (HF-médico com 14 anos no Hospital, entrevista 13/99).

Outro problema, mencionado em âmbito administrativo, foi o escasso recurso

disponibilizado pelo Governo Federal com que a instituição conta, para manter os

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serviços, necessários ao atendimento da população que recorre ao SUS (HF-chefia

divisão médica, entrevista 1/99).

Ressalte-se, porém, que todos os trabalhadores em saúde do Hospital Fêmina,

quando foram entrevistados, afirmaram estar satisfeitos com as condições de trabalho

no mesmo, comparando com outros hospitais privados em Porto Alegre, ou com os

próprios hospitais do Grupo Hospitalar Conceição. “Trabalhar no Hospital Fêmina é

um paraíso, quando comparado com...”, era a expressão comumente ouvida.

Freqüentemente era feita referência, como fator positivo, o padrão salarial dos

trabalhadores do Hospital.

Os entrevistados afirmaram, com unanimidade, considerar o tipo de

atendimento ofertado às usuárias do SUS como excelente, da mais alta qualidade,

melhor que hospitais particulares de referência em Porto Alegre, principalmente

quando citados os procedimentos técnicos que envolvem um atendimento hospitalar.

O mesmo elogio era feito às condições do prédio, como posição solar e estrutura

arquitetônica. O mesmo não pode ser dito, entretanto, em relação às condições de

hotelaria. Muitas vezes se ouvia também a afirmação de que “para um hospital

público, que atende pacientes do SUS, as condições são as melhores” (HF-

ouvidores, entrevistas 4/99; 5/99).

A situação observada no Hospital Fêmina, aqui descrita, foi noticiada pela

mídia, durante o período da pesquisa. A notícia, abaixo transcrita, está sendo aqui

citada para exemplificar as evidências colhidas na pesquisa, sobre os principais

problemas que afetavam a instituição. Foi veiculada pela imprensa local, em 26 de

junho de 1999, matéria sobre o impacto, no Grupo Hospitalar Conceição e também

no Hospital Fêmina, da falta de funcionários e das condições de trabalho, situação

esta denunciada pelos próprios funcionários:

“Os funcionários do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) realizaram protesto, ontem, nas proximidades dos hospitais Fêmina, Cristo Redentor e Nossa Senhora da Conceição. Nos manifestos entregues à população, eles denunciaram a carência de funcionários na rede hospitalar, redução e morosidade na compra de materiais, bem como a substituição de mão-de-obra qualificada por estagiários e a má qualidade dos serviços prestados por empresas terceirizadas. As denúncias foram desmentidas pelo diretor-superindentente do GHC. Explicou que o GHC só compra materiais que têm parecer favorável de uma comissão técnica e afirmou que os estagiários que atuam nos hospitais do grupo, através de parceria firmada com as universidades, não exercem atividades fins. Os únicos serviços terceirizados

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são os de vigilância e de limpeza na área externa, salientou. Garantiu, ainda, que a defasagem de 383 funcionários será equacionada por intermédio de concurso público. A contratação deverá ser autorizada pelo Ministério da Saúde, salientou.” (Funcionários, 1999).

A situação aqui narrada e as entrevistas realizadas permitem concluir que o

Hospital Fêmina, como os demais hospitais públicos, passa por dificuldades que

acabam resultando em problemas estruturais e funcionais, muitos dos quais foram

motivos de reclamações registradas no serviço de ouvidoria do Hospital. É o que

veremos a seguir.

Na seção acima, para situar a realidade do Hospital na conjuntura atual,

utilizou-se o termo usuária tendo em vista a caraterística feminina de seu

atendimento. Como as reclamações, registradas no serviço de ouvidoria, foram feitas

por homens e mulheres, passa-se a usar o termo usuário para referir os reclamantes

do Hospital Fêmina39. O termo usuária foi também utilizado, porém, em situação

específica.

3.2 1990: o ineditismo da criação de um serviço de ouvidoria hospitalar

A partir da década de 90, o Hospital Fêmina passou a demonstrar,

explicitamente, sua preocupação com a qualidade de atendimento. O serviço de

ouvidoria foi criado em setembro de 1990, entrando em funcionamento a partir de

outubro. Em março de 1992 foi realizada a pesquisa "Satisfação da Clientela e dos

Funcionários do Hospital Fêmina". No segundo semestre de 1993, o Hospital

participou do Fórum de Democratização do Grupo Hospitalar Conceição. Em 1996

adotou como forma de gestão o Programa de Qualidade Total.

O Hospital Fêmina criou, portanto, o seu serviço de ouvidoria em fins de

1990. Inédito no país em instituições hospitalares, a criação desse serviço foi motivo

de divulgação na imprensa nacional e local. Em entrevista concedida para

reportagem em jornal local, em fevereiro de 1991, o ouvidor instituído comenta o

fato, salientando seu ineditismo e a intenção de estender a experiência para os demais

hospitais do Grupo Conceição, caso a experiência desse certo (Brum, 1991). Este

39 Nas anotações das reclamações na ouvidoria, foi utilizado o termo o reclamante ou a reclamante, conforme o sexo do mesmo. Porém, nos documentos e artigos escritos pelo ouvidor e administradores foi usado, com mais freqüência, o termo o paciente e não a paciente, quando referida a usuária do Hospital Fêmina.

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serviço foi citado, também, na Folha de São Paulo em maio de 1991, como um dos

poucos existentes no Brasil até aquele momento (Folha de São Paulo, 1991).

No serviço de ouvidoria foram encontrados vários documentos, além das

reclamações. Alguns eram correspondências informando sobre a criação e o trabalho

efetuado pelo serviço. De fato, imediatamente após a veiculação do acontecimento

em âmbito nacional, entraram em contato com o ouvidor do Hospital Fêmina

médicos de dois hospitais, interessados em implantar o serviço e ou trocar

informações sobre as experiências de ouvidorias hospitalares.

Denotando o interesse que despertou a sua criação e a possibilidade de

implantação desse tipo de serviço em hospitais públicos, no Brasil, o ouvidor do

Hospital Fêmina recebeu e enviou correspondências para dois médicos. Um, ouvidor

do Hospital Municipal Odilon Behrens40, de Belo Horizonte, em 1991, e o outro do

Hospital Universitário de Alagoas41, em 1992. O primeiro manifestou que ficou

sabendo da criação do serviço no Hospital Fêmina, através da Folha de São Paulo,

confirmando a repercussão nacional do fato (Ferreira, 1991). O segundo solicitou

informações sobre o trabalho do ombudsman (Cavalcante, 1992). Nas

correspondências o ouvidor do Hospital Fêmina relatou como era realizado seu

trabalho e enviou seu primeiro relatório (Zylbersztejn, 1991, 1992).

Encontrou-se, ainda, correspondência do ouvidor da Companhia

Riograndense de Telecomunicações-CRT, em 1991, acusando o recebimento do

relatório anual do serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina. Dizia da satisfação em

saber que este último atingiu seus objetivos e que manteria contato pessoal para

visitas e troca de experiências sobre a prática de funcionamento, a estrutura, o

atendimento ao público e os objetivos do serviço (De Marco, 1991). Por fim, foi

encontrada, também, uma correspondência do ouvidor do Hospital Fêmina

informando à chefia da divisão médica ter recebido a visita de profissionais do

Hospital de Pronto Socorro do Porto Alegre para conhecer o serviço. Isto ocorreu em

1995, ainda na gestão do primeiro ouvidor.

40 Esse Hospital implantou o serviço de ouvidoria em 1991, funcionando durante doze meses, após o que foi extinto. O Hospital tem, agora, um Conselho de Usuário, norteando-se pelos princípios do SUS. Informações colhidas em agosto de 1999, junto ao signatário da correspondência e ouvidor quando da implantação do programa. 41 Este serviço não chegou a ser implantado. Informações colhidas em abril de 2000, junto ao signatário da correspondência enviada ao Hospital Fêmina.

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Estas correspondências e as notícias veiculadas na imprensa escrita

evidenciaram que a criação deste serviço em um hospital público teve repercussão,

na época, inclusive nacionalmente. Atestaram que na gestão do primeiro ouvidor do

Hospital Fêmina foi realizado, também, um trabalho de divulgação externa do

serviço recentemente implantado. Houve uma tentativa de articulação com práticas

semelhantes, como no caso da CRT, e a possibilidade de servir de exemplo e

contribuir para normatizar outras práticas que contemplassem a criação de um

serviço de ouvidoria hospitalar, como no caso dos dois hospitais citados. Um serviço

que, por ser inédito nas instituições hospitalares públicas no Brasil, causou impacto

na época.

Não há documentos oficiais do Hospital Fêmina implantando o serviço de

ouvidoria. Não há ato jurídico normatizador do serviço pois, apesar de ser um

hospital público, é um hospital com personalidade jurídica de sociedade anônima, o

que dispensa tal ato. Atestando, porém, a oficialidade com que o serviço foi instalado

encontrou-se o termo de responsabilidade de bens patrimoniais colocados à sua

disposição, tendo o mesmo sido locado em sala específica. Este fato indicou que,

neste Hospital, o serviço passa a ter vida própria, independente de outros setores. Foi

pensada, portanto, como uma micropolítica institucional. Assim, o Serviço de

Ouvidoria do Hospital Fêmina, locado em sala específica e com um médico como

primeiro ouvidor, entrou imediatamente em atividade. O serviço passou a funcionar

duas horas, durante duas tardes por semana, atendendo os usuários reclamantes que

tivessem agendado a entrevista.

No Hospital Fêmina, a escolha do ouvidor foi, tradicionalmente, realizada

pelos diretores, especialmente da área médica, através de um convite a um colega

ocupar o cargo. A influência do diretor da área médica fica visível nas entrevistas,

pois estes diretores foram os únicos mencionados pelos ouvidores, quando indagados

de como vieram a ocupar o cargo.

Quando inquiridos sobre o processo de escolha do ouvidor, os mesmos

responderam que esta escolha é realizada da mesma forma que outra chefia do

Hospital, ou seja, alguém que, a convite do diretor, aceite exercer o cargo. Ao

questionar-se a possibilidade de outro profissional, não médico, ser ouvidor, foi

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argumentado que um médico tem mais condições de explicar os procedimentos aos

pacientes ou familiares reclamantes.

Este fato remete à relação intrínseca entre poder-saber, existente na área

médica, como vimos com Graça Carapinheiro em Saberes e poderes no hospital. No

Hospital Fêmina isso é ainda mais relevante pois muitas queixas, conforme veremos,

foram decorrentes de falhas nos procedimentos técnicos, neste caso, procedimentos

médicos. Quando aventada a possibilidade de a escolha se dar através de eleição, foi

argumentado que esta prática não seria viável, nem desejável, pois é necessário

alguém de confiança do diretor para exercer o cargo:

“Porque é um cargo que é vinculado à direção do Hospital. E a direção quer escolher alguém em quem confia, que ele acha que não vai mascarar ou tentar maquiar as reclamações. Tem que ser uma pessoa que eles acreditam que vai trazer fielmente, registrar fielmente as reclamações. Não estou dizendo que todos não façam isso. Pode acontecer que alguém ache que a ouvidoria poderia ter outro tipo de conduta. Então por isso é um cargo de confiança da direção” (HF-ouvidor, entrevista 3/99).

Os dois primeiros ouvidores foram médicos designados pela área médica.

Este aspecto indica a importância da área médica nas decisões administrativas, em

hospitais. O terceiro mandato de ouvidor coube a um técnico administrativo, médico,

porém, com função administrativa no Hospital.

No Hospital Fêmina, a escolha de um ouvidor com perfil de administrador42,

mesmo tendo sido indicado pela divisão médica, remete para à divisão de poder nos

hospitais. Os exemplos demonstraram, também, a forma de escolha do ouvidor que

nesse caso, fica atrelado ao poder médico e administrativo do Hospital43. Mostra que

houve alguma ruptura no poder médico pois, após sete anos, durante os quais o

serviço foi coordenado por médicos atuantes na profissão, em 1998 foi designado,

para a chefia do serviço de ouvidoria, um representante da área administrativa. A

questão da divisão de poder entre administradores em saúde e médicos é

42 Foi mencionada, em entrevista com esse ouvidor, a sua experiência administrativa anterior, por treze anos como diretor de outro hospital público, em Porto Alegre. Foi destacado, também, o corporativismo na área médica como limitador do trabalho da ouvidoria. Foi um dos poucos que não considerou necessário o ouvidor ser médico (HF-ouvidor, médico com função administrativa, entrevista 5/99). 43 Este fato ficou explícito no depoimento do ouvidor do Hospital Municipal Odilon Behrens, de Belo Horizonte, serviço que, como vimos, durou doze meses. A diretoria do Hospital foi mudando sua disposição com a ouvidoria, passando a exigir que a instituição fosse defendida frente aos usuários. O ouvidor deveria, assim, procurar uma explicação para o fato que gerou a reclamação e dar uma resposta ao usuário, passou a ser “goleiro da instituição”, segundo suas palavras. Entrevista realizada em agosto de 1999.

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preocupação de alguns setores médicos e ultrapassa os limites desse Hospital44.

A literatura sobre a instalação de ouvidorias, em âmbito internacional

(Amaral Fº, 1993), e também no Brasil (Lyra, 1997), aponta a autonomia do ouvidor

como uma das mais importantes características do cargo. Embora refiram-se,

principalmente, à implantação de ouvidorias em instituições governamentais,

salientam que a indicação ou vinculação do ouvidor ao poder executivo dificulta a

sua ação, impedindo-o de levar a bom termo seu trabalho.

Os documentos que nos permitiram as conclusões que seguem são aqueles de

conhecimento público, ou seja, entrevistas em jornais da imprensa local, em revista

técnico-científica e em jornal do próprio Grupo Hospitalar Conceição. As

correspondências mantidas pelo primeiro ouvidor com outras instituições, sobre o

serviço de ouvidoria, bem como as entrevistas forneceram preciosas informações

para desvendar a experiência da criação de ouvidoria no Hospital Fêmina de Porto

Alegre.

A partir de 1993 foram entrevistadas várias pessoas que ocupavam posições

estratégicas no hospital como diretoria técnica e administrativa, ouvidor, chefias e

trabalhadores em saúde. Estas entrevistas não foram computadas na definição final

do número de entrevistados, mas as informações foram consideradas nesta pesquisa,

dada a sua relevância. Importa ressaltar aqui, que o contato inicial com a instituição e

as primeiras pesquisas, referentes ao serviço de ouvidoria, foram realizadas na gestão

do diretor que implantou o serviço e do primeiro ouvidor. Na época colheram-se

várias informações entre as quais o interesse da instituição em criar a ouvidoria.

As mesmas informações também foram coletadas em 1999, a fim de

relacionar os motivos alegados pela instituição com os motivos verbalizados pelos

44 Demonstrando claramente esta disputa, manifestou-se a este respeito o diretor médico do Hospital Mãe de Deus, no artigo, Medicina e tecnologia, publicado na Revista Mãe de Deus declarando, que “a exemplo do que ocorreu em outras profissões, a atividade médica tem sido sistematicamente envolvida pela onda de progresso tecnológico, que, a um só tempo, conseguiu ajudar o médico no diagnóstico e tratamento e elevar de maneira desordenada os custos, de modo a inviabilizar o sistema de saúde público e colocar em alerta máximo o sistema privado. Os médicos que deveriam ser os principais beneficiados com as facilidades e eficiência das inovações tecnológicas, vêm perdendo, rápida e progressivamente o poder decisório que sempre foi o principal diferencial com as outras profissões. A tendência de perda da autonomia profissional pode ser explicada de várias maneiras”. Entre quatro aspectos elencados foi citado aquele que remete para a administração: “despreparo do médico em assuntos gerenciais, facilitando a ação de gerentes e administradores de saúde” (Kaemmerer, 2.000, p. 7). Ressalte-se que o Hospital Mãe de Deus é um hospital privado.

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trabalhadores em saúde, que foram submetidos à experiência desta nova estratégia de

gestão hospitalar.

3.3 A implantação do serviço de ouvidoria como micropolítica institucional

Neste tópico analisa-se a opção do Hospital Fêmina pela criação de um

serviço de ouvidoria como micropolítica institucional. Em âmbito macrossocial,

relacionou-se esta criação com a crise na área da saúde e nos hospitais. Explicitou-se

a adesão do Hospital, através da implantação deste serviço, a uma das propostas para

a área da saúde, reformadora ou liberal, e aos princípios do SUS, de democratização

e de desburocratização institucional.

Em âmbito microssocial, relacionou-se a instalação do serviço com o

alinhamento institucional a novas ideologias, que indicavam novas estratégias de

gestão como os programas de qualidade e as próprias ouvidorias. Verificou-se ainda

esta opção como dispositivo de gestão que possibilitou, à administração, realizar uma

melhor gestão ao procurar tomar conhecimento das falhas institucionais e assim

avaliar a qualidade do atendimento. Explicitaram-se, também, as razões econômicas,

políticas e ético-sociais que justificaram a implantação deste serviço, neste Hospital.

No Brasil, o início da década de noventa caracterizou-se pela redefinição do

sistema de saúde, na tentativa de superação da crise em que se encontrava. No

Hospital Fêmina, a criação de um serviço de ouvidoria estava relacionada com a

crise na área da saúde pois, como observamos, o sistema de saúde, vigente até a

década de oitenta, levou à deterioração dos hospitais públicos pelo direcionamento

dos recursos públicos, prioritariamente, para o setor privado. Esta política afetou a

relação oferta e demanda dos serviços públicos, pondo em risco a qualidade de

atendimento aos usuários do sistema.

Em correspondência enviada a seu colega do Hospital Universitário de

Alagoas, em 1992, o ouvidor do Hospital Fêmina expressou claramente razões

institucionais, de ordem econômica, para a escolha da estratégia implantada,

relacionadas também à crise em que se encontravam os hospitais públicos, no início

da década de noventa. A ouvidoria permitiria, ao Hospital, manter “um canal aberto

para as reclamações sem grandes custos e dimensionado para as suas necessidades”

(Zylbersztejn, 1992).

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Explicitando o aspecto econômico da crise constatou-se, ainda, que no

Hospital Fêmina havia muitas reclamações feitas pelos usuários antes da implantação

de um serviço de ouvidoria. Estas apontavam para a qualidade e o tipo de

atendimento realizado pelo Hospital, aspectos políticos e ético-sociais da crise.

Estão conectados, assim, os motivos de ordem econômica, política e ético-social: a

crise afetando a qualidade da prestação dos serviços públicos e o tipo de atendimento

realizado no Hospital, em particular.

Quando o serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina foi criado, em setembro

de 1990, sopravam, na época, os ventos da nova Constituição Brasileira de 1988, da

Lei do SUS a ser promulgada em dezembro de 1990, e da redemocratização da

sociedade. Novas políticas nacionais, e também institucionais se instalavam, na área

da saúde. Em setembro de 1990 foi lançado, no Brasil, o Código de Defesa do

Consumidor. No mesmo mês e ano foi criado o serviço de ouvidoria do Hospital

Fêmina. Entretanto, o Hospital não criou o serviço em decorrência deste código ou

da imposição de políticas e propostas sociais mais amplas, embora estejam

relacionadas.

O Código expõe como política nacional de relações de consumo a

"racionalização e melhoria dos serviços públicos" e afirma como direito básico do

consumidor "a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral" (Lei

8.078, de 11.09.1990). Algumas empresas, que mais tarde implantaram um serviço

de ouvidoria, relacionaram a sua criação ao Código (Giangrande, Figueiredo, 1997).

Ainda que a intenção do Hospital Fêmina, ao criar uma ouvidoria hospitalar

teve como um dos objetivos melhorar a prestação dos serviços públicos e, este seja

equivalente às intenções do Código, a simultaneidade dos fatos permite concluir pela

autonomia do mesmo em implantar suas próprias micropolíticas institucionais.

Implantar ouvidorias não estava expresso nas políticas oficiais

macroestruturais, pela reforma que implantou o SUS. Sua criação foi cogitada

somente em 1996, por ocasião da 10ª Conferência Nacional de Saúde, como vimos

anteriormente. Concluiu-se que a escolha pela instalação da ouvidoria, por parte do

Hospital Fêmina, foi tomada de forma autônoma. Essa autonomia foi confirmada,

também, pelo ineditismo desta ação na área da saúde e em hospitais.

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A autonomia implica, porém em dependência Bourdieu (1992) e remete para

a necessidade de analisar as instituições a partir das relações de poder e não o

contrário Foucault (1995). A autonomia é, portanto, relativa pois, caracteriza uma

estratégia que expressa relações de forças sociais mais amplas, como será

demonstrado no decorrer desta explanação.

A decisão em criar a ouvidoria como uma estratégia de gestão, uma

micropolítica, foi tomada em âmbito gerencial, que a instituiu como um programa

institucional passando a fazer parte dos “Programas de fortalecimento intra-

institucional”. Estes, como vimos, destinavam-se aos usuários e funcionários

fortalecendo a relação dos mesmos com o Hospital. A ouvidoria foi criada para

receber reclamações dos usuários e também dos trabalhadores da instituição45.

A criação da ouvidoria como um de seus programas institucionais,

fortalecendo a relação entre a instituição, seus usuários e trabalhadores, indicou os

motivos políticos institucionais que conduziram o Hospital Fêmina à escolha deste

tipo de estratégia: a melhoria da gestão administrativa e da qualidade dos serviços

públicos.

Na justificativa que remete para a melhoria da gestão nesse Hospital,

categorizada como política, observaram-se os princípios políticos nacionais mais

amplos, de desburocratização e de democratização expressos na reformulação do

SUS. Entretanto, a relação direta com a política de saúde recém implantada na época,

no Brasil, não foi abordada pelos fundadores, levando à conclusão de que estes

princípios não estavam presentes na intenção prática de instalar o serviço. Estes

princípios, quando mencionados, foram vinculados à noção de empresa moderna. O

discurso, dos fundadores, mescla razões, para a implantação do serviço, que

relacionam os aspectos de desburocratização e de democratização institucional.

45 As reclamações dos trabalhadores nunca foram em grande número, mas com o passar dos anos elas praticamente deixaram de ser registradas na ouvidoria. A justificativa para tal foi a não transgressão ao princípio da hierarquia. Segundo depoimento de um ouvidor: “Não deu certo por causa do problema da hierarquia. O problema, não é problema pelo fato de existir hierarquia. Se um funcionário viesse fazer uma reclamação na ouvidoria, ele achava que o chefe dele poderia ficar magoado, porque ele pulou uma escala hierárquica. Ele tem que reclamar para o seu chefe. Mas a ouvidoria em princípio estava aberta ao funcionário. Era essa a proposta. Se alguém tivesse alguma coisa a colaborar com o hospital podia vir até a ouvidoria. Isso criou um problema de choque de hierarquia, não é? Primeira coisa, tem que falar com o chefe. Satisfeito ou insatisfeito, tem que se dirigir ao chefe. Apesar de que a ouvidoria estava aberta para eles, não deu certo” (HF-ouvidor, entrevista 3/99).

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Estas razões conectam instituição e usuário. O serviço de ouvidoria foi

instalado para viabilizar uma maior desburocratização institucional. A ouvidoria

possibilitaria acolher e investigar as falhas apontadas pelos usuários sem processos

burocráticos. O ouvidor buscaria uma solução administrativa para os reclamantes “a

idéia básica é diminuir o peso da burocracia” (Chaves, Zylbersztejn, 1993).

Observou-se que o ouvidor era concebido como um “agente independente, que

receberia as queixas do cidadão sobre as falhas da administração pública ou privada e

prestaria informações sobre elas”, seria um “agente administrativo”, com amplos

poderes para investigar, sem processos burocráticos, as falhas da administração e da

prestação de serviços (Chaves, Zylbersztejn, 1993).

“Verificar a satisfação da clientela sem entraves burocráticos. Seria somente um dos aspectos da garantia da qualidade” (HF-chefia da divisão médica, entrevista 1/95).

Esta noção esteve claramente expressa nos artigos e entrevistas concedidas

pelos fundadores da ouvidoria, no momento de sua implantação. Ao analisar-se,

porém, os discursos dos demais entrevistados, verificou-se que o aspecto

desburocratização não foi citado pelas chefias, nem pelos trabalhadores da

instituição e tampouco pelos usuários. Estes não associaram a criação do serviço de

ouvidoria com a intenção de evitar um sistema burocrático de atendimento ao usuário

reclamante.

Em relação à democratização institucional, o discurso dos fundadores da

ouvidoria enfatizaram aspectos que podem ser considerados como uma forma de o

serviço de ouvidoria vir a propiciá-la. O serviço seria um canal para que os pacientes,

classificados pela instituição como “extremamente insatisfeitos”, pudessem exprimir

suas reclamações. A existência deste canal seria uma condição da empresa moderna:

“Por outro lado, existe um grupo de indivíduos que caracterizamos como os extremamente insatisfeitos e que procuram maneiras de expressar-se seja á imprensa, por telefone à instituição ou uma queixa interpessoal para os quais um hospital moderno deve oferecer ou deve oportunizar um canal de expressão” (Chaves, Zylbersztejn, 1993).

A idéia de democratização institucional não foi, porém, mencionada por

parte dos entrevistados. Utilizaram outras expressões que foram categorizadas como

indicativas da idéia de democratização. Para as chefias, o serviço é visto como uma

porta de comunicação, um canal com o usuário, pois permite-lhe expressar suas

queixas e sugestões (HF-chefias médicas, entrevistas 6/99 e 7/99). Para os

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trabalhadores em saúde, médicos, enfermeiros e recepcionistas, as razões,

caracterizadas como democratizantes, dizem respeito ao fato de o serviço de

ouvidoria permitir ouvir o “cliente” ou o “paciente” (HF-trabalhadores em saúde,

entrevistas 10/99, 12/99, 16/99).

Alguns mencionam aspectos amplos como a satisfação do público em geral

(HF-equipe de enfermagem, entrevista 14/99). Apenas uma entrevistada, da equipe

de enfermagem ressaltou, explicitamente, as características democratizantes do

serviço. Neste caso, foi salientado o direito do paciente de ser ouvido e a liberdade

para manifestar sua opinião através de queixas na ouvidoria (HF-equipe de

enfermagem, entrevista 15/99). Esta idéia não foi expressa por usuários do Hospital

(HF-usuários, entrevistas 23/99, 26/99, 25/99 e 27/99).

Como política institucional, a criação da ouvidoria, foi relacionada com a

busca da qualidade dos serviços prestados. Este motivo foi ressaltado em trechos

discursivos do primeiro ouvidor e do diretor médico que implantou a ouvidoria. A

qualidade foi mencionada por alguns entrevistados (HF-chefia área administrativa,

entrevista 9/99), referida, porém, como resposta a outras questões, e não aos motivos

que levaram à implantação da ouvidoria. Uma, a propósito da relação entre o serviço

de ouvidoria e o programa de qualidade, e outra por ocasião da avaliação dos

resultados de instalação desse serviço. Quando argüidos sobre estas questões, parte

dos entrevistados expressaram claramente a relação entre ouvidoria e a noção de

qualidade, principalmente os administradores, ouvidores e chefias (HF-chefia divisão

médica, entrevista 1/99; ouvidores, entrevistas 3/99, 4/99, 5/99 e chefias, entrevistas

6/99, 7/99, 8/99).

Embora alguns dos trabalhadores em saúde entrevistados afirmarem que o

programa da ouvidoria e o programa da qualidade total estão relacionados (HF-

entrevistas (HF-entrevistas médico, 13/99; equipe de enfermagem, 15/99 e

recepcionista, 16/99); outros não souberam estabelecer esta relação, mas afirmaram

que eles deveriam estar relacionados (HF-entrevistas médico, 12/99; equipe de

enfermagem, 8/99; 14/99 e recepcionista, 17/99). Alguns, manifestaram que a

ouvidoria usa outros meios para conseguir a qualidade (HF-ouvidores, entrevistas

3/99 e 4/99) bem como mencionaram que a proposta da qualidade total, de ouvir o

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cliente, já estava contemplada pela ouvidoria, no Hospital Fêmina, antes mesmo da

implantação daquele programa.

Já os trabalhadores em saúde manifestaram, com mais ênfase, objetivos de

caráter ético-social, ao relacionar a implantação do serviço ao objetivo de verificar o

funcionamento da instituição. Este funcionamento afetava diretamente os

trabalhadores em saúde do Hospital. Parte dos mesmos, porém, não reconheceu a

relação entre ouvidoria e qualidade, nem mesmo quando questionados diretamente a

respeito (HF-trabalhadores em saúde, entrevistas 12/99, 12b/99, 14/99, 17/99).

Usuários entrevistados também relacionaram a implantação do serviço com a

intenção da instituição em “botar qualidade no hospital” (HF-usuária, entrevista

25/99).

A escolha por este tipo de estratégia de gestão - ouvidoria hospitalar - esteve

mais fortemente associada, no Hospital Fêmina, à concepção da ouvidoria como uma

solução administrativa, como uma nova técnica de gerenciamento. A existência das

reclamações e o fato dos reclamantes procurarem, diretamente, o gabinete do diretor

técnico, cargo do administrador médico do Hospital, foram aspectos que

impulsionaram a escolha pelo serviço de ouvidoria. Face ao número de usuários que

se dirigia ao diretor do Hospital para reclamar, o que na prática, dificultava o

trabalho do administrador, houve necessidade de uma solução institucional que lhe

permitisse tomar conhecimento das queixas através de um documento explanando, de

forma já elaborada, incluindo o fato e suas circunstâncias, caso contrário “acontece

que o diretor, ou ele fica escutando reclamação, ou ele vai gerenciar o hospital” (HF-

ouvidor, entrevista 3/99). Conforme salientou o diretor médico da época:

“Naquele momento já havia queixas que justificassem a implantação de um serviço de ouvidoria. Eram muitas as queixas, as pessoas se queixavam para qualquer um e cada um fazia uma coisa, ou dizia o que lhe era conveniente” (HF-chefia divisão médica, entrevista 1/95).

Antes da ouvidoria, os usuários reclamantes encaminhavam-se, na maioria

das vezes, até a sala da direção para reclamações sobre o atendimento recebido no

Hospital. A existência das reclamações foi mencionada por muitos entrevistados

como administradores, ouvidores, chefias e, inclusive, usuários (HF-ouvidor,

entrevista 3/99; chefias entrevistas 6/99, 7/99 e 8/99; usuárias, entrevistas 23/99;

26/99 e 27/99). Destaque-se que este aspecto não foi citado pelos trabalhadores em

saúde entrevistados, o que demonstra seu pouco conhecimento da história da

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instituição e da criação do serviço. Porém, os usuários do Hospital, mesmo

desconhecendo a história institucional, afirmaram intuitivamente, respaldados pela

experiência concreta, por sofrerem os problemas que resultaram nas reclamações,

que a instalação do serviço de ouvidoria estava relacionada com o fato de já

existirem muitas queixas, o que teria conduzido o Hospital a tomar alguma

providência em relação às mesmas.

A criação de um serviço de ouvidoria no Hospital Fêmina resultou da

incorporação de novas ideologias gerenciais, razão que aponta para o aspecto

político desta eleição. Como demonstra a origem do pensamento que embasou a

decisão da diretoria do Hospital, a concepção de ouvidoria hospitalar foi uma

adaptação do enfoque, vigente nos Estados Unidos da América, sobre ouvidoria

como parte da moderna administração, cuja característica dirige-se cada vez mais

pela busca da satisfação do cliente e do conhecimento sobre o National Health

Service, vigente na Inglaterra.

Há, assim, a unificação das duas concepções na adoção do serviço de

ouvidoria: uma institucional, da empresa moderna e da satisfação do cliente,

relacionado ao projeto liberal. A outra, menos explícita, pelo fato do Hospital fazer

parte do SUS, aponta para as possibilidades promissoras deste tipo de serviço no

sistema público, no Brasil, vinculando o programa institucional com a proposta

reformadora para a área da saúde:

“Quando foi implantada, a ouvidoria foi pensada como garantia da qualidade como os americanos estão enfocando. Da satisfação da clientela. Um pensamento bem administrativo, de resolver problemas administrativos. [...] Na Inglaterra o sistema não é burocratizado e não há necessidade de ter ouvidoria” (HF-chefia divisão médica, entrevista 1/95).

Este fato é reconhecido pelos trabalhadores mais antigos da instituição,

ouvidores, chefias e trabalhadores em saúde (HF-ouvidores, entrevistas 3/99, 4/99;

chefias, entrevistas 6/99, 7/99, 9/99; trabalhador em saúde, entrevista 13/99). Ao

responderem sobre o porquê da instalação da ouvidoria, as idéias expressas por eles

indicavam, como motivo, a experiência que o diretor da época havia colhido na

Inglaterra, onde vivera alguns anos. A instalação desse serviço decorreu, assim, de

sua concepção como uma estratégia de gerenciamento, inserido numa política

institucional de reavaliar a gestão administrativa e de tomar conhecimento das falhas

da instituição. Este objetivo político mais amplo desdobra-se em dois motivos ético-

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sociais convergentes: um destaca o trabalho interno da instituição e outro o usuário.

Internamente, a ouvidoria contribuiria para promover uma melhor

administração, pois teria amplos poderes para investigar "eventuais falhas ou

omissões" administrativas e da prestação de serviços do Hospital. Os propósitos que

impulsionaram a criação do serviço estão mais claramente evidenciados nas palavras

de seus fundadores. Segundo estes, a ouvidoria auxiliaria a promover uma melhor

administração e corrigir práticas incorretas.

As circunstâncias institucionais, da época, confirmaram que a opção pela

criação do serviço de ouvidoria, como dispositivo de gestão, deu-se no intuito de

realizar uma melhor administração. Esta visão empresarial foi verbalizada por

entrevistados da equipe de enfermagem e médicos, ao afirmarem que, no momento

de implantação do serviço, era preciso centralizar as reclamações (HF-chefia, equipe

de enfermagem, entrevista 8/99) e que o serviço foi criado como parte de uma

administração “moderna e com objetivos” (HF-médico, entrevista 13/99).

Ao instalar um serviço de ouvidoria, o Hospital Fêmina objetivou tomar

conhecimento de suas falhas e apurar erros e faltas cometidas pelos trabalhadores,

avaliando, assim o tipo do atendimento prestado. Este fato é reconhecido

institucionalmente pois foi citada, nas entrevistas, ao ser referida a necessidade da

instituição mensurar o tipo de atendimento para: constatar falhas, diminuir o ímpeto

das reclamações, saber como está o funcionamento da instituição e a prestação do

serviço (HF-chefias, entrevistas 8/99, 9/99; trabalhadores em saúde, entrevistas

10/98, 12/99, 12b/99, 13/99, 14/99, 15/99, 16/99, 17/99). Neste caso, o serviço foi

instalado para resolver ou mediar conflitos entre usuário e profissional e foi

explicitado pelas diversas categorias de entrevistados: ouvidores, chefias,

trabalhadores em saúde e usuários (HF-ouvidores, entrevistas 3/99, 5/99; chefias,

entrevistas 6/99, 7/99, 9/99, trabalhadores em saúde, entrevistas 14/99 e usuários,

entrevistas 22/99, 23/99, 26/99).

Em 1998, em correspondência do novo ouvidor que assumiu o cargo, ao

chefe da divisão médica e ao corpo clínico do Hospital (Lamb, 1998), foram

explicitados, mais uma vez, os objetivos do serviço. Entre estes aparece, como

primeiro objetivo o usuário: “dar uma resposta procurando resolver o problema do

reclamante”. Este objetivo, porém, não foí explicitado a partir dos princípios do SUS

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e da concepção democratizante. Em segundo lugar, confirmou-se a idéia do serviço

como forma de melhorar a qualidade dos serviços prestados, corrigindo "eventuais"

falhas ou omissões dos serviços prestados. Em terceiro lugar, é citado o objetivo, que

a nosso ver é o prioritário: "principalmente, procurar auxiliar aos colegas no sentido

de serem evitadas possíveis demandas judiciais". Internamente, o serviço se

destinaria a aplacar as reclamações dos usuários, ao tentar evitar que ocorressem

demandas judiciais, fatos freqüentes. Demandas essas que são dirigidas ao Hospital,

que por sua vez, aciona o envolvido, quase sempre médico, para a defesa.

A importância desse objetivo ficou evidenciada pois ele foi reiterada e

exaustivamente citado, na história da ouvidoria, por ouvidores e médicos, atestando a

preocupação dos mesmos com as demandas judiciais. Este aspecto foi mencionado,

também, pela comissão de ética do Hospital, em entrevista realizada, pela

pesquisadora, em 1993. Nas entrevistas mais recentes, o objetivo da ouvidoria, de

evitar possíveis demandas judiciais dos reclamantes contra o Hospital e seu corpo

clínico, foi enfatizado por ouvidores, por médicos e residentes reclamados. Esta

ênfase demonstrou, claramente, a preocupação da área médica quanto aos processos

judiciais por erros médicos. As ações judiciais eram bastante freqüentes, antes da

implantação do serviço de ouvidoria, fato confirmado por vários profissionais

entrevistados e muitas vezes, também, divulgado na imprensa local. Após a criação

desse serviço estas demandas diminuíram (HF-ouvidor, entrevista 4/99).

Resumindo, o interesse do Hospital Fêmina em implantar um serviço de

ouvidoria apontou para razões que estão relacionadas tanto com a proposta

reformadora como com a proposta liberal, vigentes em nosso País, para a área da

saúde. Isso porque, mesmo que o serviço de ouvidoria tenha sido concebido como

uma política institucional autônoma, não foi claramente definida a opção por um

destes projetos sociais mais amplos. E é exatamente por isso que os discursos

institucionais apontam para os dois projetos simultâneamente. Esse argumento pode

ser verificado quando analisou-se o uso de determinados termos, nas narrativas dos

entrevistados, que indicam a adesão à determinadas ideológicas correntes de

pensamento.

As razões para a implantação do serviço de ouvidoria no Hospital Fêmina

foram relacionadas com a proposta reformadora pois incluiu medidas de

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desburocratização e de democratização institucional. A opção pela voz, como canal

de expressão do usuário, é um mecanismo político de recuperação de instituições e,

portanto, democratizante, como já expressamos citando Hirschman (1973). Medidas

de desburocratização também foram enfatizadas, pela vertente reformadora do

sistema de saúde e incluídas na legislação que implantou o SUS no Brasil, conforme

vimos anteriormente.

Porém, no Hospital Fêmina, verificou-se que o princípio de dar voz ao

usuário e de desburocratização foi advogado quando salientadas as características do

mesmo como as de um hospital moderno, aproximando a instituição da proposta

liberal para a área da saúde. As razões salientadas para a criação da ouvidoria

aproximaram-se do discurso e das propostas liberais ao serem enfatizadas as

características do Hospital como as de uma empresa moderna, quando denominado o

usuário e quando citadas as questões de qualidade. Quanto à primeira característica

foi advogada a necessidade da modernização, para a segunda foi utilizado o termo

cliente e na terceira foi enfatizada a melhoria da qualidade próxima as idéias da

qualidade total, amplamente disseminadas mais tarde, no Brasil, quando foram

enfatizados os programas de qualidade como estratégia de gestão.

A satisfação do cliente e a melhoria da qualidade, pensada em moldes

empresariais, foram ressaltadas como justificativas institucionais para a implantação

da ouvidoria hospitalar, em um período (1990) em que os programas de qualidade

ainda não haviam sido divulgados em número significativo, no Brasil. Esta

observação é pertinente, principalmente em relação a hospitais que passam a

incorporar as idéias de satisfação da clientela e da qualidade total em torno da década

de 1990.

Nessa condição, como empresa moderna, o Hospital deveria oferecer um

canal que possibilitasse a expressão da clientela e deveria criar uma fórmula, através

da qual as queixas individuais pudessem ser ouvidas. Como tal, a administração

pensou em implantar uma estratégia de gestão que permitisse diminuir a tensão

criada entre uma estrutura burocrática, própria das estruturas modernas, e o

indivíduo, já que este poderia ter seus direitos pessoais atingidos, ou não

considerados pela estrutura burocrática. A compreensão da instituição como empresa

moderna e a necessidade de acolher reclamações, sem entraves burocráticos,

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demonstrou a concepção de sua inserção no sistema de saúde. É uma empresa que

deveria adequar-se às regras da modernidade e, ao mesmo tempo, é uma empresa

pública onde estavam acontecendo entraves burocráticos na recepção das

reclamações dos usuários. A análise que efetuamos, para compreender porque os

profissionais do Hospital Fêmina o pensaram como uma instituição pública moderna

e, como tal, com entraves burocráticos apoiou-se nos estudos de Weber, sobre a

burocracia na sociedade moderna (1992).

Porém, se a idéia de desburocratização estava mais clara no pensamento dos

propositores da criação deste serviço e dos trabalhadores na instituição, as medidas

de democratização não estavam definidas com a mesma visibilidade. Assim,

verificou-se que não foi claramente expresso o pensamento que relacionava a criação

do serviço com direitos dos usuários e como forma de democratização institucional,

explícitos na proposta reformadora do SUS. Estes aspectos não foram citados, pelos

trabalhadores da instituição, nem por usuários. Como já vimos, apenas uma

enfermeira argumentou no sentido de direitos e da liberdade dos pacientes. A

expressão democracia ou democratização institucional não foi utilizada pelos

entrevistados.

A palavra democratização não apareceu nem nos documentos consultados,

nem nas entrevistas realizadas, o que nos levou a concluir que este princípio não

estava incorporado no trabalho cotidiano da instituição ou de seus trabalhadores. Não

estava presente, tampouco, na percepção que os usuários têm de um serviço de

ouvidoria. Em relação aos usuários, isso denotou a ausência de informação sobre

seus direitos e sobre o exercício da cidadania, que inclui a possibilidade de ser

ouvido em suas reclamações.

3.3.1 A institucionalização do serviço de ouvidoria

Para a institucionalização do serviço de ouvidoria, no Hospital Fêmina não

houve uma normatização escrita, no que se refere à competência e aos procedimentos

que orientariam a ação do ouvidor. Porém, alguns procedimentos considerados como

normatização do serviço foram definidos: receber a reclamação, identificar o

reclamante, registrar por escrito a queixa e marcar uma segunda entrevista com o

reclamante, para dar ciência do resultado da investigação.

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Havia normas básicas para o registro das ocorrências. Em todas as

reclamações foram anotados o nome, o endereço e alguma forma de contato

telefônico, embora, em muitas delas estes dados não estavam completos. No início o

reclamante não precisava assinar a reclamação, mas no decorrer do tempo esta norma

foi modificada, exigindo-se a assinatura.

Em 1994 foi realizada uma reunião de ouvidores do Grupo Hospitalar

Conceição, cuja pauta era a discussão e o estabelecimento da rotina do serviço de

ouvidoria e a sua uniformização em todas as unidades hospitalares do Grupo. Esta

reunião ocorreu quatro anos após a implantação do serviço pelo Hospital Fêmina e,

naquele momento, este serviço já havia sido criado em mais dois hospitais do GHC,

o Hospital Nossa Senhora Conceição e o Hospital Cristo Redentor. O texto final

apresentava seis itens de normatização, referentes às rotinas de acolhimento e de

encaminhamento das reclamações.

Para receber as reclamações ficou estabelecida a padronização da folha de

registro, a qual passaria a chamar-se Registro de Ocorrência e deveria ser numerada e

datada, incluir o nome do paciente ou familiar, o número do leito, a unidade de

internação, número de registro no hospital, profissão, número de telefone comercial e

residencial, endereço, bairro, cidade, assunto, a assinatura do reclamante e a

assinatura do ouvidor. Analisando as reclamações daquele período em diante,

constatou-se que algumas destas informações nem sempre constavam, tais como

número do leito, a unidade de internação e a assinatura do reclamante, embora este

estivesse sempre identificado. Observou-se que a norma da assinatura do reclamante

só foi plenamente implantada a partir de 1998.

Como segundo item da padronização da rotina, foi instituída a adoção de um

livro próprio para o registro das pessoas atendidas na ouvidoria, o assunto e o

número do registro da Ocorrência. O terceiro aspecto salientado foi a decisão de

encaminhar cópia da Ocorrência para a Comissão de Ética de cada hospital, para que

pudesse tomar conhecimento e tomar as providências que julgasse necessárias,

dependendo da natureza e da gravidade do assunto.

A rotina de encaminhamento do boletim de ocorrências deveria ser a mesma

em cada hospital do GHC e seguiria os passos: anotação da ocorrência, parecer do

chefe de serviço ou setor envolvido; retorno para a ouvidoria, envio para o chefe da

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divisão responsável pelo serviço ou setor para providências que julgasse cabíveis.

Posteriormente, seria dada ciência para a chefia da divisão médica, representante da

área médica e técnica, incluindo, esta última, os serviços de enfermagem, nutrição,

assistência social, análises clínicas e laboratório. A seguir, o documento retornaria

para a ouvidoria para arquivamento. O horário de atendimento e a definição de

agendar ou não as entrevistas ficariam a critério de cada serviço de ouvidoria.

Comparando essa normatização com o procedimento efetivamente praticado

pelo ouvidor do Hospital Fêmina, verificou-se que esta rotina já estava sendo seguida

pelo mesmo e a única alteração substancial foi que os demais ouvidores exigiram que

a reclamação passasse a ser assinada. O aspecto que gerou mais polêmica, entre os

ouvidores do Grupo Hospitalar, foi a respeito da assinatura do usuário. O ouvidor do

Hospital Fêmina, desde o início de seu trabalho, facultava ao reclamante a sua

identificação e não concordava com essa medida, visando resguardar o usuário. O

argumento utilizado foi que a finalidade da ouvidoria não era punitiva, mas sim de

melhorar os serviços de atendimento. Seu parecer não foi aceito, na época, porque:

“Nos outros hospitais muitos médicos talvez entenderam que essa reclamação poderia ter um aspecto punitivo para eles e queriam ter o direito de se defender judicialmente” (HF-ouvidor, entrevista 3/99).

Esta incipiente normatização dos serviços de ouvidoria do Grupo Hospitalar

Conceição, do qual o Hospital Fêmina faz parte, não tocava, porém, num dos

aspectos fundamentais do exercício deste serviço, qual seja, a competência do

ouvidor.

Em junho de 1998, assumiu o serviço o terceiro ouvidor do Hospital. Após ter

experenciado os dez primeiros processos de reclamação, o novo ouvidor, médico,

porém representante da área administrativa, enviou correspondência ao chefe da

divisão médica e aos integrantes do corpo clínico do Hospital, no sentido de

normatizar as ações do serviço. O documento basicamente tratava da rotina de

serviço. As entrevistas poderiam ser agendadas para o dia seguinte. O ouvidor

passava a atender todos os dias, e não duas vezes por semana como ocorria

anteriromente. Abria a oportunidade, para o reclamante, de ser atendido na mesma

hora, quando ocorresse caso grave e urgente. Explicava os termos do boletim de

ocorrência e como se processaria o trabalho da ouvidoria, a partir de então.

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Dependendo do tipo de reclamação, sobre mau atendimento ou procedimento

técnico, tomar-se-iam algumas medidas comuns e outras diferenciadas para a

pesquisa do caso. Em ambos os casos seria realizada uma entrevista com os

envolvidos nas reclamações e uma revisão dos elementos colhidos para apreciação

final. A investigação culminaria em dois tipos de ações: no caso de mau atendimento,

o processo seguiria para o chefe da divisão correspondente, médica ou

administrativa, acompanhado de um parecer. No caso de possível erro técnico seria

realizada uma consulta, ao chefe do respectivo serviço ou setor. Neste caso, o

ouvidor redigiria uma resposta e a submeteria ao chefe do serviço, antes de

encaminhá-la ao reclamante.

Na correspondência enviada ao corpo clínico o novo ouvidor reitera

afirmações sobre a função da ouvidoria das rotinas do serviço e solicita,

especificamente que sejam cuidados os procedimentos de preenchimento dos

prontuários, pois havia constatado falhas e dificuldades nas leituras dos mesmos

(Lamb, 1998).

Concluiu-se portanto que, dentre os motivos diretamente relacionados com o

cotidiano do Hospital, acolher as reclamações resultaria numa forma de melhorar a

gestão administrativa e, desta forma, avaliar a qualidade dos serviços prestados pela

instituição.

Durante a trajetória deste serviço foram acolhidas reclamações das usuárias e

de seus representantes, aqui também chamados de usuários por reclamarem em nome

de uma usuária, esposa, mãe, filha, sobrinha ou outro grau de parentesco; ou de seu

próprio filho, recém-nascido. Estas reclamações foram endereçadas às áreas do

Hospital e à alguns de seus profissionais, narrando eventos ocorridos no atendimento

prestado.

As reclamações ao serem acolhidas pela ouvidoria desencadearam processos

internos de disciplinamento e de envolvimento institucionais. A seguir caracterizam-

se os tipos de reclamações endereçadas às áreas e a profissionais do HospitalFêmina,

para depois narrarem-se as relações de envolvimento e de disciplinamento de

usuários e de trabalhadores em saúde, desencadeadas a partir da implantação deste

serviço.

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3.4 A caracterização do serviço de ouvidoria

3.4.1 As reclamações dos usuários

No serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina foram encontrados 358

documentos, de 1990 a 1998. Estes documentos foram classificados como:

reclamações de usuários, reclamações de funcionários, elogios e “outros”. Os

documentos classificados como “outros” eram correspondências recebidas e enviadas

pelo ouvidor e comunicações internas. Os elogios foram dirigidos tanto a

profissionais como a setores. As reclamações de funcionários referiam-se a

problemas internos da instituição. O total de documentos referidos podem ser vistos

na Tabela 1 do Anexo C.

Nesta pesquisa privilegiou-se a análise das reclamações dos usuários para

explicar as relações que se estabelecem entre estes, os hospitais e os trabalhadores

em saúde, através do serviço de ouvidoria.

Na ouvidoria do Hospital Fêmina foram acolhidas 268 reclamações de

usuários, no período analisado. Constatou-se que o número destas reclamações

apresentou pequena oscilação ao longo do período. Em 1990 foi registrado um

pequeno número de ocorrências pois o serviço foi implantado em outubro. Ressalte-

se que as reclamações decaíram no ano de implantação do programa de qualidade

total pelo Hospital (1996) voltando a elevar-se nos anos seguintes, conforme

demonstrado no Gráfico 1 e na Tabela 1 do Anexo C.

GRÁFICO 1- Reclamações de usuários registradas no serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina-1990-1998

Legenda: 1=1990 4=1993 7=1996 2=1991 5=1994 8=1997 3=1992 6=1995 9=1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

6

4 0

3 1

4 34 0 3 9

1 6

2 92 4

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

1 2 3 4 5 6 7 8 9

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112

As diversas áreas do Hospital, ambulatório, emergência, marcação de

consultas, recepção e internação receberam 278 do total das reclamações registradas

por usuários no serviço de ouvidoria. As reclamações dirigidas aos trabalhadores em

saúde do Hospital Fêmina, médicos, equipe de enfermagem, recepcionistas e os

demais profissionais, foram em número de 255.

Quando foram especificadas por tipos de problema, encontrou-se um numero

mais elevado de situações, aproximadamente 300 reclamações para as áreas e 330

para os profissionais, conforme veremos a seguir. As diferenças no número de

queixas encaminhadas para as áreas, para os profissionais e segundo o tipo de

problemas relatados, em relação ao total de reclamações registradas, deve-se ao fato

de que o usuário podia, ao fazer sua queixa, envolver mais de uma área, profissional

e situação na descrição do acontecimento, como por exemplo internação e recepção,

enfermeiros e médicos, falhas no relacionamento humano e suspeita de erro médico.

A especificação das queixas considerando o tipo de problema reclamado estão nas

Tabelas 2 a 11 do Anexo C.

A internação foi a área que recebeu maior número de reclamações no

Hospital Fêmina. Absorveu 43% do total de queixas do período analisado. A segunda

área mais reclamada foi a emergência (18% das reclamações), seguida da área da

recepção (12%).

Sob a denominação “outras áreas”, absorvendo 15% das queixas, agrupou-se

as reclamações dirigidas ao Centro Cirúrgico, à Clínica Cirúrgica, à Neonatologia e,

ainda, ao Serviço de Apoio no Diagnóstico de Tratamento (SADT). Este inclui o

laboratório, que presta atendimento em patologia clínica e o serviço de radiologia.

Foram agrupados pois tratam-se de setores e serviços do Hospital, e não áreas. O

ambulatório e a marcação de consultas foram as áreas sobre as quais incidiu um

menor número de reclamações, respectivamente 9% e 3% das mesmas, conforme

mostrou a análise das reclamações.

Ressalte-se que a marcação de consultas, após 1997, passa a ser agendada

pela Central de Marcação de Consultas do Porto Alegre. No Hospital, a reconsulta é

realizada junto aos ambulatórios, e não mais pela recepção geral do Hospital. Este

fato foi muito recente para ser avaliada a sua repercussão junto ao Hospital Fêmina,

mas a análise qualitativa das reclamações indicou que este problema emerge, agora,

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113

como dificuldade em remarcar consulta. A tabulação das reclamações, que citaram

problemas relacionados às áreas do Hospital, pode ser visualizada no Gráfico 2 e nas

Tabelas 2 e 3 do Anexo C.

GRÁFICO 2- Distribuição das reclamações por área - Hospital Fêmina-1990-1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

Quando as reclamações referiram os trabalhadores em saúde do Hospital

Fêmina, a categoria profissional mais reclamada, junto ao serviço de ouvidoria, foi a

dos médicos. Sobre estes incidiram 67% das reclamações registradas no serviço.

Ressalte-se, porém, que a maioria dessas reclamações envolveram médicos

residentes, isto é, ainda em treinamento. Isso não justifica, porém, os fatos ocorridos,

já que deveria haver um sistema mais integrado de assistência a esses jovens

profissionais.

A equipe de enfermagem foi a segunda categoria de profissionais mais

reclamada, recebendo 14% do total de queixas do período. O terceiro grupo de

profissionais reclamados correspondeu àqueles que trabalham junto à área recepção

do Hospital (recepcionistas e telefonistas), com 12% das queixas.

A categoria “outros profissionais”, com 7% das reclamações, abrangeu os

vigilantes, seguranças, coletadores, funcionários da limpeza, escriturários de posto e

quando a queixa referia-se simplesmente a funcionário. Os dados sobre as

reclamações dirigidas aos profissionais do Hospital Fêmina estão expressos no

Gráfico 3 e nas Tabelas 4 e 5 do Anexo C.

26

9%

51

18%7

3%34

12%

118

43%

42

15%

0

20

40

60

80

100

120

Ambulatório Emergência Marcação deConsultas

Recepção Internação OutrasÁreas

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114

GRÁFICO 3- Distribuição das reclamações por profissional-Hospital Fêmina-1990-1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

Quando as reclamações foram classificadas de forma qualitativa, assinalando

problemas de estrutura e funcionamento do Hospital e de acordo com o tipo de

problema relatado na queixa, verificou-se que detalharam um maior número deles, se

comparados àquelas remetidas às áreas e aos profissionais. Somaram quase 350

informações, relatando as dificuldades encontradas no atendimento hospitalar. Isto

decorreu do fato de o usuário citar um ou mais problemas, áreas e profissionais na

descrição do acontecimento.

O cruzamento dos dados, que constavam nas reclamações, envolvendo as

áreas, os profissionais, a estrutura e o funcionamento do Hospital Fêmina permitiu

detectar quais os principais problemas que afetaram os usuários, decorrentes do

atendimento prestado pela instituição e seus profissionais, levando-os a procurar o

serviço de ouvidoria para relatá-los. Os problemas estruturais e de funcionamento

distribuíram-se por todas as áreas e profissionais do Hospital.

As reclamações sobre os problemas estruturais foram encaminhadas em maior

número para as áreas do que para os profissionais. No caso do Hospital Fêmina, o

principal problema estrutural reclamado foi a espera para conseguir a primeira

consulta e a reconsulta. As áreas foram mencionadas em 25% das reclamações sobre

este tipo de problema. Dentre estas, a marcação de consulta, o ambulatório e a

emergência.

O setor de marcação de consultas, o mais reclamado em relação a este

problema, foi citado no período de 1990 a 1994, deixando de figurar a partir desta

data, o que vem a corroborar a afirmação de que a regulação da marcação de

170

67%

37

14%

31

12%

17

7%0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

Médicos Equipe deEnfermagem

Recepcionistas etelefonistas

Outros profissionais

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115

consultas realizada pela Central de Marcação, da Secretária de Saúde de Porto

Alegre, foi decisiva, aliviando os hospitais deste encargo46. Quando mencionados os

profissionais, as reclamações, sobre a dificuldade em conseguir consulta se dirigiram,

principalmente, aos médicos, 29%.

O segundo tipo de problema, remetendo para a estrutura do Hospital relatava,

como dificuldade, o encaminhamento a outro hospital. Neste caso as reclamações

foram dirigidas, mais frequentemente aos trabalhadores, 41%, do que às áreas, 14%.

Dentre os profissionais, foi nomeada, especialmente, a equipe de enfermagem. No

caso particular do Hospital Fêmina, tendo em vista o tipo de usuária - gestante - são

estes profissionais que recebem a paciente, e o avaliam-na antes da internação.

Informam, muitas vezes, quando não há leitos no Hospital.

No que se refere às áreas, as reclamações sobre este problema mencionaram,

principalmente, a área da internação, o que também se explica pelo tipo de usuária

que procura o Hospital Fêmina que, para ser atendida deve ter, quase sempre, vaga

na internação hospitalar. Não havendo esta vaga, a usuária é encaminhada para outro

hospital. Esta informação pode ser fornecida, também, pelo setor de recepção,

incluindo aqui a portaria. O encaminhamento a outro hospital é um problema que

atesta, claramente, a relação entre a excessiva demanda e a insuficiente oferta pelos

serviços hospitalares do SUS em nosso País47.

Destacaram-se ainda, como significativas as queixas acolhidas pela ouvidoria

relatando as dificuldades em realizar exames, as dificuldades oriundas da capacidade

operacional do Hospital e as que mencionaram o tempo de espera para conseguir

baixa hospitalar. O Serviço de Apoio e Diagnóstico (SADT) foi mencionado, devido

ao tempo de espera para conseguir marcar e obter resultado de exames. As queixas

referiam, também, a falta de funcionários para realizarem os procedimentos, número

de leitos e a quantidade e qualidade de equipamentos para exames. Quando citada a

46 Esta experiência é recente para mostrar seus resultados, como já referimos. Seria importante verificar se a pressão por novas consultas não foi transferida dos hospitais para a Secretaria de Saúde do Município, o que provavelmente ocorreu. Este seria um bom tema a ser explorado por novas pesquisas. 47 Em Porto Alegre ficou famoso “O caso Anita”, uma mãe que teve seu bebê no saguão do Hospital Fêmina, após ter passado por dois outros hospitais da cidade e recebido a informação de que não havia leito. A situação denota a acentuada demanda e escassez de serviços, por parte do SUS e extrapola os limites do Hospital Fêmina. Em São Paulo o mesmo fato aconteceu, como foi noticiado em 15 de outubro de 2000 (GRÁVIDA, 2000).

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116

baixa hospitalar foi indicada a emergência como a área mais problemática.

Lembremo-nos novamente do tipo de usuária deste Hospital, que procura a

internação através da urgência.

Os dados relativos aos problemas de estrutura do Hospital Fêmina

encaminhados, através das reclamações, para as áreas e profissionais deste Hospital,

encontram-se especificados no Gráfico 4 e nas Tabelas 6, 7 e 8 do Anexo C.

GRÁFICO 4- Distribuição das reclamações por estrutura, área e profissional do Hospital Fêmina-1990-1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

Verificando como se distribuem os problemas de funcionamento do Hospital

Fêmina constatou-se, em primeiro lugar, que estes ultrapassaram, e muito, o número

de reclamações relativas aos problemas de estrutura. Este tipo de reclamações

citaram mais os trabalhadores em saúde do que as áreas.

O principal problema apontado versou sobre falhas nos procedimentos

técnicos. Estas foram salientadas em, aproximadamente, 46% das queixas

encaminhadas às áreas e em 42% dirigidas aos trabalhadores em saúde do Hospital.

Em relação aos profissionais, a maioria das reclamações, 78%, mencionou os

médicos como responsáveis pelas falhas nos procedimentos técnicos (110 de 140).

Este tipo de reclamação representou 49% (110 de 223) do total de queixas de

funcionamento dirigidas aos médicos. Quanto às áreas, estas reclamações

relacionaram, principalmente, a internação e, em menor número, a emergência.

As queixas sobre falhas nos procedimentos técnicos, no Hospital Fêmina,

referiram a qualidade do atendimento, principalmente, os procedimentos técnicos

9

55

7 7

1

5

2

4

1

2

1

4

0

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

Con

s. e

rec

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outr

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l

Exa

mes

Cap

acid

ade

oper

acio

nal

Bai

xa

Não

ate

ndim

ento

Out

ros

área

profissional

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117

resultantes de atos médicos, no qual estão incluídas tanto queixas de infecção

puerperal, como pós operatória em caso de cesareana, ou de recém-nascidos na UTI,

com diagnóstico de aspiração meconial.

Estas reclamações foram feitas, muitas vezes, quando a usuária ainda estava

internada, ou quando houve necessidade de reinternar o que ocorreu na maioria dos

casos:

“O reclamante relata que a esposa fez o pré-natal no HF sendo bem atendida. Dia X internou com contrações. Médico solicitou ecografia e após 4h a paciente observou médicos discutindo conduta a seguir: cesárea ou parto normal. Colocaram na sala da cesárea, reavaliaram e decidiram fazer o parto, trocaram de sala. Após o parto o pediatra informou que a criança aspirou mecônio e houve sofrimento fetal. Paciente internada dez dias com infecção puerperal. Indaga se diagnóstico [...]” (HF-reclamação 38/91). “O reclamante é esposo da paciente que foi submetida a parto normal no dia X. No dia Y o marido retirou uma “bucha de gaze” do útero de sua esposa. Trouxe a bucha para o ouvidor ver. Pede providências” (HF-reclamação 05/95).

As queixas mencionaram também, em menor proporção, a falta de

pontualidade, ou o não comparecimento do profissional no dia e hora agendada para

consulta. Aludiram problemas de ética médica, como a tentativa de cobrança, por

parte do profissional, para realizar seus serviços, o que ocorreu em alguns casos.

Nesta categoria situaram-se, ainda, as reclamações que referiram perdas de

documentos ou pertences de pacientes e procedimentos técnicos de limpeza do

Hospital.

O segundo problema de funcionamento, narrado pelos reclamantes do

Hospital Fêmina, era relativo à falhas no relacionamento humano, tendo sido citado

em aproximadamente 30% das reclamações. As reclamações apontaram, em primeiro

lugar, para os trabalhadores em saúde e, dentre estes, os médicos remetendo para o

relacionamento, muitas vezes problemático, que se estabelece entre estes e os

usuários do SUS.

Sobre falhas no relacionamento humano o segundo e terceiro grupos de

profissionais mais reclamados foram, respectivamente, a equipe de enfermagem e os

recepcionistas. Quanto às áreas, este tipo de problema incidiu principalmente sobre a

internação, tendo sido também relacionado, em menor número, à emergência, à

recepção e ao ambulatório.

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118

As falhas de relacionamento humano são aquelas que acontecem entre os

profissionais de saúde e os usuários quando o profissional é agressivo, descortês,

zomba da usuária, desconsidera a informação fornecida pelo paciente, o paciente

discorda do diagnóstico do médico ou o paciente solicita a troca de médico.

Referem-se, também, ao relacionamento entre membros da mesma equipe de

trabalho:

“A paciente queixa-se de mau atendimento por residente X nas horas que antecederam o parto. Foi obrigada a caminhar exaustivamente para dilatar o colo, sendo ela portadora de seqüelas de poliomielite no membro inferior direito. Por não ter condições físicas foi taxada de ‘fiteira’ ” (HF-reclamação 19/96). “Durante o trabalho de parto uma enfermeira chamou-a de ‘fiasquenta’. Ao longo do trabalho de parto foi diagnosticada posição pélvica e indicada cesareana. O recém-nascido foi para a UTI com problemas respiratórios” (HF-reclamação 01/95).

Destacam-se, ainda, as queixas que apontaram, como problemas recorrentes,

para as falhas de comunicação (observado em 20% das reclamações). Os usuários

concentraram suas reclamações nos profissionais, em primeiro lugar. Dentre estes

principalmente os médicos e, depois, os recepcionistas foram apontados como os

profissionais com os quais tiveram mais dificuldade de comunicação.

As reclamações sobre as falhas de comunicação, quando dirigidas às áreas,

citaram em sua maioria a internação e, em menor número a recepção, como as áreas

onde ocorreu este tipo de acontecimento. As queixas citaram falhas de informação

aos usuários, entre serviços e no mesmo setor. Ocorreu também quando os usuários

não foram informados sobre custos dos procedimentos que seriam adotados:

“A reclamante é irmã da paciente X, que internou no dia X para atendimento obstétrico. A reclamante esteve no HF várias vezes, nos horários previstos para a visita e não conseguiu visitar a irmã e nem obter informações sobre a mesma, pois a paciente estava internada no pré-parto no 7º andar. Solicita uma solução” (HF-reclamação 22/94). “A reclamante esteve internada três dias em quarto coletivo. O médico cobrou duzentos mil como honorários médicos e sessenta mil por duas diárias. Não deu recibo, queria cobrar trezentos mil dizendo que cem mil era para os demais integrantes da equipe” (HF-reclamação 05/92).

As falhas nos procedimentos técnicos médicos totalizaram de 42% a 46% de

queixas registradas na ouvidoria. Já as falhas de relacionamento humano e as falhas

de comunicação representaram, aproximadamente, de 50% a 55% dos problemas

relatados nas reclamações que desaguaram no serviço de ouvidoria do Hospital

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119

Fêmina, de 1990 a 1998. Os dados demonstrativos das afirmações sobre as falhas no

funcionamento do Hospital Fêmina podem ser verificados no Gráfico 5 e nas Tabelas

9, 10 e 11 do Anexo C.

GRÁFICO 5- Distribuição das reclamações por funcionamento, área e profissional - Hospital Fêmina-1990-1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

Resumindo, verificou-se que os principais problemas reclamados pelas

usuárias do Hospital Fêmina indicaram dificuldades de estrutura e de funcionamento,

assinalando falhas recorrentes no tipo de atendimento prestado pela instituição e seus

profissionais. Em relação à estrutura, os principais problemas foram as dificuldades

em conseguir consulta e reconsulta, encaminhamento a outro hospital, e demora para

conseguir marcar e obter resultados de exames. Em relação aos problemas de

funcionamento, foram apontadas falhas nos procedimentos técnicos médicos, falhas

de relacionamento humano e de comunicação. Foram mencionadas, principalmente,

a internação, a emergência e outras áreas (SADT). Quanto aos profissionais de saúde

os médicos foram citados em primeiro lugar.

Observando as três grandes áreas que compõem um hospital: médica, técnica

e administrativa e com base nos dados referentes aos profissionais, encontrou-se a

área médica como a mais reclamada, junto ao serviço de ouvidoria do Hospital

Fêmina, com 67% das reclamações. A segunda área mais reclamada foi a técnica,

onde inserem-se os profissionais da enfermagem, com 14% das reclamações. A área

administrativa, que inclui a recepção, absorveu 12% das mesmas. As reclamações

que não especificaram os profissionais foram em torno de 7%. Os dados agrupados

133

140

86

108

5965

12 11

16

0

20

40

60

80

100

120

140

Pro

cedi

men

tos

Téc

nico

s

Rel

acio

nam

ento

Hum

ano

Com

unic

ação

Pre

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a do

Ser

viço

Out

ros

área

profissional

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120

pelas áreas do Hospital Fêmina estão apresentados no Gráfico 6 e na Tabela 12 do

Anexo C.

GRÁFICO 6- Distribuição das reclamações pelas áreas médica, técnica e administrativa do Hospital Fêmina-1990-1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

A seguir caracteriza-se o usuário reclamante do Hospital Fêmina. Os dados

foram coletados através dos dados encontrados nas reclamações, através da grade 1 e

totalizados na grade 6 (Anexo A), como já especificamos na metodologia, e

referiram-se a quem efetivou a reclamação, qual o sexo e a procedência do

reclamante.

3.4.2 Os usuários reclamantes

Pode-se afirmar que a existência do serviço de ouvidoria é desconhecida para

a maioria dos usuários do Hospital Fêmina, apesar do serviço estar anunciado no

quadro de sinalização do Hospital. Este informa os setores e respectivos andares e,

dentre eles, lê-se “ouvidoria”. Porém, através de um questionário aplicado no 4º

Brique da Saúde, realizado pelo Hospital Fêmina em 1995, detectou-se que 75% das

entrevistadas, escolhidas aleatoriamente, não sabiam o que é um serviço de

ouvidoria. Do total de entrevistadas, 51% não havia lido a placa de sinalização,

afixada ao lado da recepção do Hospital. Das entrevistadas que haviam lido a placa,

31% não identificaram nela o serviço de ouvidoria. Em questionários aplicados em

1998, em usuárias internadas neste Hospital, constatou-se que não conheciam a

ouvidoria. Não tinham informação geral sobre o assunto nem sabiam que havia este

serviço no Hospital. Porém, quando questionadas sobre a validade do mesmo

Outras áreas7%

Área Técnica 14% Área Médica

67%

Área Administrativa

12%

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121

reconheciam, em tese, sua importância inclusive, como um direito de cidadania e a

manifestavam:

"Sim é importante, pois às vezes a gente é mal atendido e no caso de querer reclamar tem um lugar". "Acho importante”. “A gente reclamando eles vão resolver alguma coisa". “Sim é importante”. “As pessoas vão ter mais direito em reclamar" (HF-usuárias, entrevistas 2/98, 3/98, 4/98, 5/98 e 6/98).

Concluiu-se assim que os usuários, em sua maioria, desconhecem o que é um

serviço de ouvidoria, não sabem da existência deste serviço no Hospital Fêmina e só

ficam sabendo do mesmo no momento em que desejam registrar sua reclamação.

Destaque-se que esse desconhecimento é proveniente do ainda acanhado espaço que

ocupa esse tipo de serviço, na sociedade brasileira e na área da saúde, em particular.

Também deve-se levar em conta a falta de informação do usuário, mas,

principalmente deve-se à falta de divulgação do serviço por parte do Hospital.

As usuárias do Hospital Fêmina foram as principais reclamantes junto ao

serviço de ouvidoria. Elas formalizaram 51% das queixas. Observou-se, também,

uma preocupação quase equivalente de seu familiar, que relatou 46% das situações

problemáticas. Este familiar era, predominantemente o esposo da usuária,

característica representativa do Hospital Fêmina, dada a situação de gestante das

usuárias, as quais não compareciam ao serviço, mas relatavam os acontecimentos ao

familiar e este se dirigia à ouvidoria, para registrar as ocorrências, conforme pode ser

constatado no Gráfico 7 e na Tabela 13 do Anexo C.

GRÁFICO 7- Distribuição das reclamações pelo tipo do usuário reclamante do Hospital Fêmina-1990-1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

139

51%122

46%

5

2%

2

1%

0

20

40

60

80

100

120

140

Usuário Familiar Outros NãoIdentificado

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122

Quanto à distribuição dos reclamantes por sexo, observou-se que, na maioria

das vezes foi a mulher, que fez a reclamação. Em 65% dos casos, esta dirigiu-se ao

serviço de ouvidoria em busca de alguém que a escutasse em suas queixas sobre o

tipo de atendimento prestado, pelo hospital a ela, ou a alguma familiar, em nome de

quem falavam por serem mães ou filhas das pacientes. Falavam, também, em nome

de seus filhos, recém-nascidos. Quanto aos homens: esposos, pais, tios, estes foram

ao serviço de ouvidoria e registraram 32% dos relatos lá encontrados. Houve casos

em que um casal, pai e mãe por exemplo, fizeram a reclamação, mas estes são em

número pouco expressivo. Os dados, sobre a distribuição dos reclamantes por sexo

são apresentados no Gráfico 8 e na Tabela 14 do Anexo C.

GRÁFICO 8-Distribuição das reclamações por sexo do usuário reclamante do Hospital Fêmina -1990-1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

Quanto a sua procedência, o reclamante Hospital Fêmina é oriundo de Porto

Alegre em 56% dos casos. Provenientes da Grande Porto Alegre encontrou-se 33%

dos reclamantes, e do interior do Rio Grande do Sul, 2%. Verificou-se, ainda, que em

9% dos casos não foi possível detectar a procedência. Podem ser usuários do interior

do Estado bem como da Região Metropolitana e esta percentagem pode ser atribuída

ao fato de que alguns usuários destas regiões não informarem sua origem, com receio

de não serem atendidos pelo SUS fora de seus municípios. A procedência do usuário

reclamante do Hospital Fêmina é apresentada no Gráfico 9 e na Tabela 15 do Anexo

C.

86

32%

173

65%

3

1%

6

2%

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

Masculino Feminino Duas pessoas Não identificado

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123

GRÁFICO 9-Procedência do reclamante do Hospital Fêmina-1990-1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

Como pode-se verificar os dados sobre a procedência dos usuários

reclamantes são semelhantes aos das cotas distribuídas pela Central de Marcação de

Consultas para Porto Alegre (55%) e Região Metropolitana (30%). São similares,

também, aos dados de atendimento do Hospital para as usuárias de Porto Alegre,

54%, e um pouco mais baixa em relação às usuárias da Região Metropolitana, 38%.

O fato deste Hospital atender uma proporção mais elevada de pacientes da Região

Metropolitana decorre do fato de ser um hospital com capacidade de atender

situações de risco em ginecologia e obstetrícia e receber maior número de pacientes,

oriundas de outras localidades.

A proporção de 2% de usuários reclamantes, procedentes do interior do

Estado, difere da proporção de cotas estabelecidas pela Central, (15%) e do

atendimento efetivamente realizado pelo Hospital (7%). A diferença de percentual

foi atribuída ao percentual de não respondentes. Na pesquisa para uma parte dos

usuários reclamantes, embora pequena, não foi possível a identificação quanto à

origem, o que não acontece no Hospital e na Central.

Destaque-se que a percentagem de usuários reclamantes oriundos de Porto

Alegre, é apenas ligeiramente mais elevada, quando comparada com a percentagem

de usuárias atendidas no Hospital, demonstrando que não há predomínio da usuária

que mora na capital em dirigir-se ao serviço de ouvidoria. A comparação entre a

origem dos usuários do Hospital e dos usuários reclamantes é apresentada no Gráfico

10.

150

56% 89

33%6

2%

23

9%

0

20

40

60

80

100

120

140

160

Porto Alegre Grande PoA Interior RS Não Identificado

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124

GRÁFICO 10-Procedência do usuário e do usuário reclamante do Hospital Fêmina-1990-1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

Através das entrevistas foi possível conhecer um pouco melhor o usuário

reclamante do Hospital Fêmina. Dividiu-se as usuárias em três grupos, conforme as

características sócio-econômicas coletadas: 1) nas reclamações, 2) através de

questões incluídas nas entrevistas e 3) nas observações realizadas durante as

entrevistas, nas casas das usuárias. O primeiro grupo apresentava um nível de renda

mais baixo, de dois a três salários mínimos, com primeiro grau incompleto.

Dependiam totalmente do SUS para receber atendimento hospitalar. Este tipo de

usuário é a maioria no Hospital.

Como exemplo cita-se a entrevista com uma família, nesta faixa de renda,

morando em casa de madeira de um só ambiente, sem banheiro no corpo da casa, na

qual viviam o casal e cinco filhos. A casa foi construída na Vila Tronco, na parte

elevada do morro, sendo o terreno ocupado e a rua sem calçamento. O casal, ambos

desempregados no momento, e sem conseguirem trabalhos esporádicos,

mencionaram como uma das causas da falta de trabalho o acontecimento ocorrido no

Hospital Fêmina. Argumentaram que a esposa não poderia mais trabalhar como

diarista em faxina doméstica, devido às seqüelas do último parto, que por sinal

motivaram a reclamação no Hospital Fêmina. O marido afirmou que não pode mais

trabalhar pois teve de acompanhar a esposa no tratamento e no cuidado dos filhos. O

caso desta senhora foi de falha no procedimento médico e descortesia por parte de

médicos e funcionários da recepção (HF-usuária, reclamação 17/97 e entrevista

22/99).

54%

56%

38%

33%

7.8%

2%

0.2%

9%

0

10

20

30

40

50

60

Porto Alegre Grande PortoAlegre

Interior RioGrande do Sul

Outros Estados Não Identificado

usuários

usuários reclamantes

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125

Um outro grupo é constituído de famílias com renda entre 10 a 15 salários

mínimos e segundo grau completo. Alguns moram em condomínios de habitação

popular, construídos pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), localizados em ruas

calçadas, com saneamento básico, como por exemplo aqueles situados na Vila Sesc

(Serviço Social do Comércio) (HF-usuária, entrevista 23/99). Encontrou-se também,

entre os usuários, funcionários públicos e pequenos comerciantes, com o terceiro ou

segundo graus completos e com renda de 15 a 20 ou mais de 20 salários mínimos

(HF-usuário, entrevista 27/99). Moravam em casas de dois pisos, amplas, localizadas

em bairros com infraestrutura completa.

Os usuários do SUS atendidos no Hospital Fêmina, com exceção daqueles

que apresentam a característica de trabalho temporário, como é o exemplo do

primeiro casal citado, apresentaram vínculos empregatícios, com ou sem carteira

assinada. Nesta última situação encontraram-se funcionários públicos. Alguns, ainda,

gerenciavam seus próprios negócios, como o pequeno comerciante, morador de

Cachoeirinha, uma das cidades da região metropolitana de Porto Alegre.

O fato de o segundo e terceiro grupo de reclamantes ter uma renda um pouco

mais elevada não lhes possibilita, no entanto, procurar atendimento hospitalar

particular. Embora alguns até tenham procurado o atendimento do Hospital Fêmina

de forma particular com o objetivo de “ter o melhor atendimento para sua esposa”

(como o pequeno comerciante de Cachoeirinha; HF-usuário, entrevista 27/99), o que

unifica a procura pelo Hospital é o atendimento através do SUS.

Os dados acima expostos foram evidenciados para conhecer-se o cenário no

qual moveu-se o serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina, ao realizar a acolhida, a

investigação, a solução e as respostas às reclamações. Este cenário permitiu

acompanhar a trajetória da ação da ouvidoria, verificando as características e os

efeitos de sua atuação ao desenvolver relações de disciplinamento e de envolvimento

dos usuários e dos trabalhadores em saúde, demonstradas a seguir.

3.5 A aplacação como estratégia de envolvimento e o disciplinamento dos usuários reclamantes

O envolvimento dos usuários do Hospital Fêmina, através do serviço de

ouvidoria, começou quando o Hospital decidiu criá-lo. Para o usuário, este

envolvimento iniciou quando ele sentiu-se lesado em seus direitos e procurou

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alguém, ou algum setor no Hospital, para efetuar sua reclamação, narrando: 1)

problemas estruturais (encaminhamento a outro hospital e dificuldade em marcar

consulta e reconsulta); e 2) problemas funcionais (falhas nos procedimentos técnicos

médicos, no relacionamento humano ou na comunicação), problemas estes

recorrentes no Hospital. Começava, então, o disciplinamento da conduta dos

reclamantes, pois orientando-os na formalização das reclamações, a ouvidoria

organizou o recebimento das mesmas.

Como vimos, um dos objetivos de criação do serviço de ouvidoria foi

melhorar a gestão administrativa, verificando as falhas na prestação dos serviços em

saúde, através da criação de um canal para que o usuário pudesse se expressar. Este

canal foi aberto no momento da criação do serviço de ouvidoria.

Neste tópico, abordam-se as estratégias de envolvimento e de disciplinamento

dos usuários reclamantes do Hospital Fêmina. Relembrando, o disciplinamento foi

estudado a partir das formas com que a ouvidoria organizou o recebimento das

reclamações, orientando a conduta dos reclamantes e disciplinou a investigação e a

solução dos problemas reclamados. O envolvimento foi analisado a partir da

investigação das formas como a instituição acolheu as reclamações e respondeu aos

usuários. As estratégias de envolvimento dos usuários reclamantes, definidas nesta

pesquisa, foram a informação, a aplacação e a consulta. Envolver e disciplinar os

usuários reclamantes foi uma das maneiras de organizar o seu acolhimento e tomar

conhecimento das falhas resultantes do atendimento hospitalar melhorando, assim, a

gestão administrativa.

A intenção de criar o serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina como forma de

disciplinar os reclamantes, isto é, organizar suas condutas, evidenciou-se no

discurso de seus fundadores e na prática desencadeada pelo ouvidores. Como

observamos, o serviço foi criado porque as reclamações, antes da sua implantação,

eram dirigidas ao diretor ou a qualquer pessoa no Hospital e não havia um

procedimento unificado e institucionalizado no recebimento, no tratamento e na

resposta aos usuários.

Após a implantação do serviço de ouvidoria, foi uniformizada uma linguagem

e um procedimento institucional para acolher os reclamantes quando estes

manifestavam seu descontentamento: os trabalhadores em saúde foram orientados a

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encaminhá-los para o serviço de ouvidoria ou para a sala da direção, quando assim o

desejassem. Lá eram também encaminhados, pelas secretárias, para o serviço. A

partir de sua instalação, os trabalhadores em saúde não falariam mais de acordo com

suas posições pessoais, mas de acordo com a linguagem institucional, veiculada

através do serviço de ouvidoria. O serviço possibilitou a ordenação racional dos

reclamantes, através da instauração do disciplinamento de suas condutas:

“Quem me encaminhou para lá foi uma moça do 7º andar. Ela era enfermeira, era recepcionista. Ela que encaminhou, disse que eu tinha que ir para a ouvidoria. Eu fui guiado por um guarda, também” (HF-usuário, entrevista 22/99).

Quando a instituição cria a ouvidoria, com o propósito de envolver os

usuários reclamantes, ouvindo-os apenas para saber dos problemas institucionais, ao

disciplinar o recebimento das reclamações atua, algumas vezes, selecionando e

desestimulando o usuário a registrar sua queixa. De acordo com esse objetivo o

acolhimento por amostragem é suficiente. No caso do Hospital Fêmina a estratégia

de agendar a entrevista com os usuários reclamantes foi uma evidência deste tipo de

atuação. Se antes dissemos que, após a implantação do serviço todos os reclamantes

foram encaminhados à ouvidoria do Hospital, ao chegarem lá nem todos registravam

sua queixa. Isso porquê teriam que voltar em outro momento ou dia para assim fazê-

lo.

Quando procurava o serviço de ouvidoria pela primeira vez, ao chegar na sala

onde este estava instalado, o usuário era recebido pela secretária que agendava a

entrevista para outro dia. O ouvidor ficava à disposição, para ouvir as reclamações

dos usuários, durante duas tardes por semana. Lembremos que um dos objetivos do

Hospital era ouvir os usuários para tomar conhecimento das falhas de atendimento e,

segundo os ouvidores, uma amostragem da situação era suficiente. Porém, a

limitação no atendimento ao usuário teve implicações que resultaram na desistência,

de alguns, em levar a termo a queixa.

O agendamento foi, neste caso, uma das formas utilizadas para selecionar os

usuários reclamantes. Reconhecida pelo próprio ouvidor, na época da implantação do

serviço, o agendamento era uma limitação do serviço, pois muitos que batiam às

portas da ouvidoria não retornavam para realizar sua reclamação:

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“Esta limitação tem impedido o registro de todas as reclamações que podem existir, mas para a identificação de áreas e serviços deficientes basta a amostragem que o atual sistema proporciona” (Zylbersztejn, 1992).

Segundo a mesma fonte, o agendamento, além de diminuir o passionalismo

contribuiria, também, para um compromisso maior do usuário com a verdade dos

fatos, pois se ele estivesse realmente empenhado em solicitar averiguações voltaria

ao setor para registrar a queixa. Em verdade a literatura internacional, ao analisar

ouvidorias, no âmbito governamental, salienta que existem condições para uma

reclamação ser aceita pelo ombudsman. Uma delas é o real interesse, direto ou

indireto, do queixoso (Amaral Fº, 1993, p. 58). Mas, argumenta-se que o fato do

usuário não retornar, não necessariamente é por desinteresse no caso, mas por outras

dificuldades, e uma delas pode estar sendo imposta pelo própria instituição.

Como sabemos, 98% dos usuários do Hospital Fêmina são do Sistema Único

de Saúde. Por um lado, o aspecto econômico é um componente muito importante no

sentido de impossibilitar um retorno do usuário ao Hospital. No dia em que ele

procurou a ouvidoria ele já se encontrava nas dependências do Hospital. Voltar em

outro dia poderia ser um transtorno para ele. Além do mais, o próprio serviço se

constituiu em um empecilho para que o usuário fizesse sua queixa, restringindo o

horário de atendimento, ficando assim a real situação do hospital desconhecida pelos

seus administradores. Como afirmou um dos ouvidores é feita uma amostragem da

situação, no seu entendimento, suficiente para o conhecimento da realidade.

Este fato pode não ser um obstáculo quando a própria usuária está internada e

ela ou seu familiar têm mais facilidade de acesso ao serviço. Porém, foi constatado

que muitas reclamações foram encaminhadas depois da alta das pacientes e levaram

o reclamante a retornar ao Hospital, mais de uma vez, para relatar problemas,

principalmente, de procedimentos técnicos médicos, os mais reclamados como

vimos, como por exemplo, suspeita de infecção puerperal ou pós-operatória (HF-

reclamações 16/91, 36/91, 28/92, 48/93, 24/94, 28/95, 22/96, 17/97, entre outras e

entrevistas com usuárias 22/99, 26/99).

Durante a gestão de dois ouvidores, a estratégia do agendamento foi mantida.

Mesmo tendo sido relatado que, em caso de grande emergência, poderiam atender o

usuário reclamante no momento em que o mesmo dirigia-se ao setor, na prática, isto

era mais difícil. Essa dificuldade advinha do fato de que eles acumulavam, na época,

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seu trabalho profissional, como médicos do Hospital, e o cargo de ouvidor. Com o

terceiro ouvidor, pelo fato de ocupar cargo administrativo, a possibilidade do usuário

ser recebido imediatamente foi mais enfatizada, embora ainda permaneça a mesma

reserva “quando constatado caso de reclamação grave” (HF-ouvidor, entrevista 5/99).

Nestes casos, em que a ouvidoria do Hospital Fêmina agiu, considerando a

amostragem como indicativa dos problemas institucionais, sua ação resultou apenas

em disciplinar o recebimento das reclamações, organizando o fluxo de percurso do

usuário. O envolvimento do usuário estabeleceu-se porque este procurou o serviço

de ouvidoria para reclamar e foi informado de seus direitos em agendar uma

entrevista para registrar a queixa. Não retornando, porém, foram eliminadas

antecipadamente algumas reclamações e o acolhimento do reclamante não se

efetivou plenamente, pois a ouvidoria não conseguiu envolver o usuário reclamante

em sua proposta de constituir-se em um canal aberto para ouvir reclamações. Nos

casos em que isso ocorreu, sua atuação foi a de uma ouvidoria ineficiente.

O agendamento foi um dos elementos que permitiu fazer a ligação entre as

estratégias de disciplinamento e de envolvimento dos usuários, explicitados até agora

como típicas da ouvidoria ineficiente, e aquelas características da ouvidoria

burocrática. O atuação da ouvidoria burocrática se estabelece no sentido de

aplacação da relação instituição-usuário por parte do serviço.

Esta atuação predominou no caso do Hospital Fêmina e expressou-se,

também, no acolhimento do usuário, através do agendamento. Foi evidenciada a

partir de dois aspectos: o da burocratização-desburocratização e o da tentativa de

aplacar os ânimos dos reclamantes, apaziguando a relação instituição-usuário.

O agendamento, além dos aspectos já mencionados, não significou a

desburocratização das relações entre a instituição e seus usuários, um dos objetivos

de sua criação, como vimos. A evidência da burocratização encontra-se na forma

como foi organizada a acolhida ao reclamante.

Isso porque foram criadas normas que atestaram a organização burocrática do

serviço. O tipo de disciplinamento do usuário e o percurso que deveria fazer, para

registrar uma reclamação, é indicativo desta organização. O usuário encaminhava-se

à direção, de lá dirigia-se ao serviço de ouvidoria. Ao chegar encontrava uma

secretária que agendava sua entrevista. Não encontrando o ouvidor disponível para

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ouvi-lo, imediatamente, voltava ao Hospital em outro dia, para efetuar sua

reclamação. Muitas vezes ficava esperando para ser atendido:

“É, eu fui encaminhado através dessa encarregada que tinha lá, que, que foi a que descobriu que a minha entrada no hospital foi particular, não foi pelo SUS. Aí sim, aí me indicaram para ir no outro dia para falar com o ouvidor do hospital, aí me deixaram esperar lá. Não é um setor, eles simplesmente chamaram um médico lá que estava encarregado de ser o ouvidor lá e tal, me deixaram lá uma hora, uma hora e pouca esperando o doutor esse. E aí chegou lá, ele me ouviu, eu vi que ele escreveu, escreveu e escreveu e disse: ‘eu vou mandar um relatório para isso aí’ e não recebi mais notícia nenhuma" (HF-familiar de usuária, entrevista 27/99).

Observou-se que o agendamento teve diferentes significados conforme é

olhado pela instituição ou pelo usuário. Se para o Hospital ocorreu a

desburocratização da relação instituição-usuário, pois este não precisava mais ficar à

espera que o administrador do Hospital o recebesse, para o usuário não se pode

afirmar o mesmo. O usuário sentia, ainda, as dificuldades em ser recebido para

reclamar, pois tinha de voltar em outro momento, ficar à espera que o recebessem e

não obter resposta as suas reclamações.

O agendamento teve como objetivo a aplacação do usuário já que esse

significou uma estratégia de desarmar o reclamante no momento em que ele estava

impactado e queria fazer uma denúncia. A referência a esta estratégia foi feita em

dois trechos discursivos, um de autoria do primeiro ouvidor (Zylbersztejn, 1992) e

outro, num artigo deste, em conjunto com o chefe da divisão técnica, que implantou

o serviço durante sua gestão (Chaves, Zylbersztejn, 1993). Na primeira narrativa, em

correspondência datada de 1992 e enviada ao colega do Hospital Universitário de

Alagoas, afirmou o primeiro ouvidor do Hospital Fêmina:

“O Serviço de Ouvidoria funciona duas tardes por semana atendendo reclamantes que tenham agendado a entrevista. [...] Os reclamantes passionais que desejam pronto acesso a ouvidoria ficam decepcionados com a limitação a duas tardes por semana, mas se o mesmo tem real interesse em se manifestar existe a possibilidade de um dia e hora marcada” (Zylbersztejn, 1992).

A opção pelo agendamento foi com a intenção de “esfriar” a animosidade dos

usuários reclamantes, pois conforme pode-se perceber, por documentos e entrevistas,

os reclamantes eram considerados “extremamente insatisfeitos” ou “reclamantes

passionais” e era necessário amenizar o ímpeto com que se dirigiam para reclamar do

atendimento prestado. Estes aspectos ficam evidentes no artigo escrito em 1993,

quando foi explicitada a necessidade de normatizar a relação instituição e usuário

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reclamante, para diminuir a carga emocional existente nas reclamações. Nas palavras

do administrador da divisão médica e do ouvidor:

“Devido as características da prestação de serviços que se tem em um hospital, as reclamações dos extremamente insatisfeitos trazem consigo grande carga emocional, exigindo para isto rotinas para neutralizá-las ou diminuí-las” (Chaves, Zylbersztejn, 1993).

Decidido realmente a levar a termo sua reclamação, o usuário, em dia e hora

marcada, retornava ao serviço de ouvidoria, onde era recebido pelo ouvidor que o

escutava em suas reclamações. Após prestar as primeiras informações o ouvidor

escutava sua narrativa sobre o fato ocorrido. Mesmo quando recebido, nem sempre o

usuário registrou sua queixa. Isso porque, ao ouvir seu relato sobre o problema, o

ouvidor explicou os procedimentos médico-hospitalares. Assim procedendo

conduziu-os, algumas vezes, a desistirem de levar adiante sua reclamação. Houve

casos em que o usuário encaminhou-se até o serviço e desistiu de registrar sua

reclamação após a primeira conversa com o ouvidor:

"Muitas vezes a primeira entrevista resolve a questão. Tem pessoas que vão lá reclamar, chegam assim acintosamente, até agressivamente e saem, às vezes, pedindo desculpas por ter ocupado meu tempo. Porque a pessoa não conhecia nada dos procedimentos que envolveu o familiar [...] Mas, aí, a gente dando uma boa explicação, como é conduzido o ato, porque foi tomada esta decisão, é aquele negócio, às vezes saem até se desculpando" (HF-ouvidor, entrevista 4/99).

Ressalte-se neste trecho da entrevista dois aspectos: um é que a forma de

receber o usuário, o agendamento, constituir-se em um empecilho para o retorno do

reclamante ao serviço de ouvidoria. O próprio serviço contribuiu diretamente em

determinados casos, para dissuadir o usuário de registrar a reclamação que o levou

até suas dependências. Este tipo de ação, já encontrada na estratégia de envolvimento

do usuário com o objetivo de informação, é acentuada quando a ouvidoria propõe-se

a aplacar a relação entre a instituição e o usuário.

O outro aspecto é que este tipo de ação evidencia o poder médico no hospital,

frente ao qual o usuário acaba tendo a sensação de ser culpado por estar querendo

uma explicação sobre problemas decorrentes do atendimento, o que é um direito seu.

Segundo a literatura consultada, o tipo de envolvimento de usuários permanece no

nível tipificado como de informação, quando intimidado por jargão legal e prestígio

do representante oficial da instituição o usuário aceita a informação e endossa os

propósitos da instituição (Arnstein, 1969).

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No serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina o ouvidor é o representante da

instituição frente ao usuário e, ao conversar com ele, pode intimidá-lo pela sua

qualificação profissional e utilização de jargão médico, com termos

incompreensíveis para muitos. Foi assim que, embora atuando predominantemente

como uma ouvidoria burocrática, ao prestar os primeiros esclarecimentos ao usuário

e ao registrar, por escrito, a reclamação, a ouvidoria do Hospital desencadeou,

algumas vezes, uma estratégia caracterizada como de informação e, portanto uma

ineficiente forma de envolvimento.

Mantida a intenção do reclamante em registrar a ocorrência, o ouvidor redigia

o texto da reclamação. O aspecto burocrático e contemporizador do envolvimento

dos usuários estava expresso, também, neste registro. No texto da maioria das

queixas, após os dados de identificação do usuário segue-se o relato do evento que a

originou.

Embora tenha sido salientado que as reclamações eram registradas "bem

objetivamente, anoto todas as suas declarações, com as suas palavras, com as

palavras do reclamante" (HF-ouvidores, entrevistas 3/99 e 5/99), constatou-se que

eram anotadas sob a forma de ocorrência: "o reclamante declarou que... o reclamante

relatou que..., o reclamante afirma que..., segundo a percepção do reclamante....". As

queixas eram redigidas com termos técnicos que, como já foi expresso, são de difícil

compreensão para os leigos e indicam formas simbólicas de dominação48:

"Hipertemia, abscesso da parede abdominal, foi tratado com corticóides, soluções parentais, dores na incisão cirúrgica, parto pélvico com mecônio, hiperparatireodismo, cirurgia de colpoperineoplastia, aspiração de grande quantidade de mecônio, insuficiência cardio-respiratória” (HF-reclamações 29/97 e 6/98, entre outras).

O registro finalizava com o encaminhamento dado pelo ouvidor e sua

assinatura: “Conduta da ouvidoria: solicita parecer da chefia X”. O ouvidor

disciplinou, portanto, o encaminhamento da investigação enviando as reclamações

para as chefias e profissionais envolvidos nestas. Após o registro da reclamação o

ouvidor desencadeava um processo interno de investigação dos fatos narrados na

ocorrência registrada. Nas palavras do primeiro ouvidor do Hospital, em entrevista à

48 As formas simbólicas de dominação foram estudadas por Bourdieu, tendo como campo de investigação a França. Encontram-se relatadas em suas várias obras e serviram de suporte teórico para esta análise (1975, 1988, 1989, 1992, 1996).

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imprensa escrita, por ocasião da criação do serviço, “o ombudsman dá uma de

detetive”, o que significa que vai investigar o caso e conversar com os funcionários

envolvidos (Brum, 1991).

A estratégia de envolvimento de usuários considerada aplacação foi

característica da atuação do serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina, durante o

período estudado, pois as queixas foram ouvidas e as opiniões dos usuários

encaminhadas para as chefias apurarem os fatos e responderem ao serviço. Dos

documentos foram tiradas fotocópias e enviadas às chefias. Destas foram solicitadas

explicações sobre o fato que gerou a reclamação. As chefias realizavam as

investigações e devolviam os documentos ao ouvidor, justificando os fatos apurados

nas investigações.

Este tipo de encaminhamento e de investigação das reclamações,

característico de um serviço burocrático, implicou em que as respostas das chefias e

dos profissionais ao serviço de ouvidoria ficassem, na sua maioria, restritas a

justificar o atendimento prestado com pareceres técnicos médicos, ou, em casos não-

médicos, relatando a aplicação dos dispositivos legais, medidas punitivas de rotina,

ou respostas evasivas. Esta última é exemplificada pelo caso de médico residente

que, ao faltar à consulta agendada, tem sua conduta justificada pela chefia,

preceptoria de residência médica, alegando que o mesmo estava liberado para

rematrícula em sua universidade, no interior do Estado.

As justificativas, por parte das chefias e dos profissionais sobre os atos

resultantes da reclamação, são relevantes para que a ouvidoria possa desempenhar a

contento o seu trabalho. Mas tendo em vista que a ouvidoria foi criada, também,

como uma forma de evitar demandas judiciais contra o Hospital, e por sua vez contra

os médicos, verificou-se que este objetivo acabou predominando sobre os demais,

tanto que ele foi um dos poucos objetivos citados, reiteradamente, pelos médicos,

tanto no momento inicial, de instalação do serviço, como no momento atual.

Daí os pareceres técnicos médicos amplamente utilizados para fornecer

resposta à ouvidoria. Esta ao repassar as respostas aos reclamantes, propôs-se a

aplaca-los individualmente e, ao fazê-lo, acabou também aplacando a solução dos

problemas estruturais e funcionais da instituição: “Levando a resposta para o

reclamante nós conseguimos apaziguar, levar a um entendimento mútuo" (HF-

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ouvidor, entrevista 3/99). Verificou-se que como as respostas, na maioria das vezes,

não chegaram aos usuários ficou confirmada a estratégia da aplacação e a expressão

do ouvidor deve ser considerada nesse contexto.

Finda a entrevista com o usuário reclamante era freqüente a ouvidoria, no seu

primeiro exercício, agendar uma segunda entrevista para comunicar a resposta ao

mesmo, ou dizer-lhe que a resposta estaria à sua disposição no setor quando por ela

procurasse. Nos primeiros anos de atuação, o ouvidor agendou uma segunda

entrevista com os usuários ou, em alguns casos, mandou telegrama para que o

reclamante fosse até o serviço em busca da resposta. No texto de algumas

reclamações verificaram-se anotações tais como "não retornou para a segunda

entrevista".

Explanando sobre as formas de resposta ao usuário, os ouvidores,

principalmente nas duas últimas gestões, argumentaram que respondiam “sempre que

possível, quando necessário, desde que não envolvesse sigilo profissional” (HF-

ouvidores, entrevistas 4/99, 5/99). Durante as três gestões, algumas vezes foi usado o

telegrama e o telefone para contatar o reclamante (HF-ouvidores, entrevistas 3/99 e

5/99).

Com o segundo e terceiro ouvidores, um dos critérios para responder ou não

aos usuários foi o tipo de reclamação. Aquelas que envolvessem falhas nos

procedimentos técnicos e, portanto, sigilo profissional e aquelas, classificadas nesta

pesquisa como resultantes de falhas de relacionamento, não foram consideradas com

a mesma importância para merecerem respostas aos usuários.

As reclamações envolvendo sigilo profissional deveriam ser respondidas mas

não divulgadas. Aquelas que envolvessem falhas de relacionamento não

necessitavam de resposta formal, por escrito. Para os que reclamavam do

relacionamento, os ouvidores diziam, no ato da entrevista, que se fosse constatada

alguma falha do funcionário, algum problema, ele seria punido. Mas não houve,

nestes casos, uma resposta escrita, formal.

O envolvimento dos usuários pelo serviço de ouvidoria caracterizou-se como

de aplacação, também, pelo tipo de respostas fornecidas pelas chefias ao serviço e

deste ao usuário, levantamento realizado através da análise qualitativa e quantitativa

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das respostas. As respostas das chefias ao serviço estavam registravas e, portanto,

foram de fácil visibilidade para contagem.

Através da análise quantitativa foi possível constatar que a maioria

reclamações existentes, no arquivo da ouvidoria, continham respostas das chefias ao

serviço de ouvidoria, com exceção de 17% das mesmas. Estas encontravam-se sem

encaminhamento e sem resposta com justificativa das chefias ao serviço. Quando não

houve encaminhamento, investigação ou resposta, a ouvidoria desencadeou

estratégias de envolvimento dos usuários caracterizadas como sendo do tipo

informação.

Isso porque acolheu as reclamações destes usuários para saber dos problemas

institucionais. Informou-os sobre seus direitos de registrar a reclamação. Não houve

anotações que indicassem se houve encaminhamento para investigação, nem

respostas institucionais que comprovassem a investigação. Também, como era de se

esperar, não havia indícios de resposta ao reclamante. Agindo assim, concluiu-se

que, nestes casos, a atuação do serviço de ouvidoria foi ineficiente, pois implicou em

que a reclamação estancasse ali, indicando a minimização da voz dos usuários.

Mas, na maioria dos casos, como afirmamos, a estratégia de envolvimento

dos usuários do Hospital Fêmina foi de aplacação. O serviço de ouvidoria ouviu

para contemporizar os problemas institucionais, organizando, de forma burocrática, o

encaminhamento e a investigação das reclamações. As respostas aos usuários

continham justificativas das chefias e dos profissionais envolvidos nas queixas e

ficaram arquivadas no serviço, não chegando, na maioria das vezes aos primeiros.

Este tipo de ação caracterizou a maior parte da atuação do serviço de ouvidoria do

Hospital Fêmina, pois 83% das estratégias de envolvimento dos usuários reclamantes

foram desse tipo.

Observe-se no Gráfico 11 e na Tabela 16 do Anexo C as estratégias de

envolvimento do tipo aplacação e informação, consideradas a partir da resposta

institucional ao reclamante.

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GRÁFICO 11- Resposta Institucional ao reclamante do Hospital Fêmina-1990-1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

A qualidade das respostas fornecidas pelo serviço de ouvidoria do Hospital

Fêmina correspondeu ao tipo de atuação da ouvidoria burocrática, envolvendo os

usuários sob a forma de aplacação, porque justificavam os procedimentos técnicos

médicos adotados e a aplicação de medidas punitivas de rotina, ou foram repassadas

aos usuários cópias dos relatórios fornecidos por chefias e profissionais ao serviço de

ouvidoria. Ao informarem apenas sobre os procedimentos adotados na investigação

e, em casos não médicos, sobre a aplicação dos dispositivos legais, não explicitaram

os resultados e soluções adotadas para melhorar a qualidade do atendimento do

Hospital.

No primeiro caso, a linguagem técnica foi utilizada para demonstrar os atos

médicos estabelecendo-se, de imediato, o poder médico sobre os usuários. Embora a

linguagem expresse conhecimento técnico sobre o qual os usuários não têm,

aparentemente, condições de opinar, principalmente se olhado pelo ponto de vista

dos médicos, pode-se observar que os reclamantes sabiam sobre o que estavam

falando ao fazer sua reclamação. Falavam da dificuldade em conseguir consultas e

internação, de falhas nos procedimentos técnicos, em sua maioria médicos, e de

relacionamentos conflituosos que se estabeleciam no interior do Hospital.

No caso da aplicação dos dispositivos disciplinares aos trabalhadores, as

respostas informavam que a instituição tratou de submetê-los às normas e a revisar

suas condutas, explicitando o comportamento ético que os trabalhadores em saúde

deveriam ter com os usuários do sistema de saúde.

A possibilidade da ouvidoria disciplinar a solução dos problemas reclamados

dependeu do tipo de problema narrado pelos usuários reclamantes. Em alguns casos,

221

83 %

47

17%

0

50

100

150

200

250

Com justificativa do setor/serviço Sem justificativa do setor/serviço

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que ocorreram nos anos iniciais de atuação do serviço, a ouvidoria conseguiu

solucionar problemas como o agendamento de consultas ou exames extras, conseguir

internação e troca de médico por solicitação da usuária.

Não foi possível obter a informação exata do número de respostas que foram

realmente enviadas aos reclamantes. Os ouvidores argumentaram que chamavam ou

agendavam, antecipadamente, uma segunda entrevista na qual dariam ciência, ao

usuário, dos procedimentos adotados a partir de sua reclamação. Dois ouvidores

afirmaram que davam resposta ao usuário “sempre que possível”, evidenciando,

desta forma, que nem sempre elas eram efetivadas (HF-ouvidores, entrevistas 3/99;

4/99).

Porém, todos os reclamantes entrevistados afirmaram que não haviam

recebido resposta do serviço de ouvidoria após o registro da reclamação. Uma

usuária reclamante explicitou que o ouvidor afirmou que a resposta estaria à sua

disposição no serviço, mas ela não quis buscá-la, devido ao trauma sofrido com a

experiência. Outro entrevistado declarou que procurou o relatório porque precisava e

não o conseguiu. O fato do serviço de ouvidoria não procurar o usuário, com mais

dedicação, para comunicar-lhe a resposta, não informando que a mesma encontrava-

se disponível nem as soluções tomadas para resolver os problemas, evidencia o

caráter de aplacação do serviço. Estas afirmações foram confirmadas quando

constatou-se que as respostas aos usuários reclamantes ficaram, em sua maioria

arquivadas no serviço, sob a forma de relatórios das chefias e dos profissionais,

nunca chegando aos mesmos.

Como foi expresso anteriormente definiu-se, como tipos de ouvidoria a

ineficiente, a burocrática e a eficaz. A atuação do serviço de ouvidoria do Hospital

Fêmina, ao desenvolver relações institucionais com os usuários, apresentou nuances

dos três tipos ouvidoria. Caracterizou-se porém, principalmente, pelo tipo

burocrático e com menos ênfase pelos tipos ineficiente e eficaz.

Foi burocrática na acolhida ao reclamante, na intenção de aplacar sua

insatisfação com o atendimento recebido e nas formas de resposta às reclamações.

Foi ineficiente porque não se empenhou em fazer a resposta chegar ao usuário,

mantendo-a arquivada. Quase inexistente a atuação do serviço de ouvidoria do tipo

eficaz, esta esboçou-se quando o ouvidor conseguia resolver o problema da usuária,

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agendando consultas, trocando a paciente de médico, quando solicitado. Também

quando, em raras ocasiões, sugeriu e conseguiu mudanças nos procedimentos e

rotinas para a melhoria do atendimento à usuária. Estes aspectos foram encontrados

de forma mais evidente nos primeiros anos de implantação da ouvidoria.

A partir de 1998, o tratamento da ouvidoria à algumas reclamações, àquelas

referentes à suspeitas de falhas nos procedimentos técnicos médicos, esboçou uma

estratégia de envolvimento do usuário que poderia indicar um processo de

intermediação, realizado pelo ouvidor, entre a instituição, seus trabalhadores e os

usuários reclamantes. A ouvidoria passou a encaminhar algumas reclamações, com

comentários, para a administração, para as chefias, para os médicos. Requisitou

prontuários para auxiliar nas investigações. Teceu considerações sobre os mesmos.

Aos reclamantes enviou correspondências onde foram relatados os procedimentos

adotados pelo serviço e, resumidamente, o depoimento dos médicos envolvidos.

Explicitava a conduta médica investigada mantendo, porém, os termos técnicos

médicos para explicar a ocorrência.

Mais uma vez, porém, a justificativa foi o tipo de resposta ao reclamante e os

termos técnicos só foram empregados em situações de queixas sobre suspeita de

falhas nos procedimentos médicos. Explica-se a preocupação com queixas desse tipo,

relacionando-a com o objetivo do Hospital em implantar a ouvidoria como forma de

evitar processos judiciais. De fato o Hospital Fêmina foi alvo de críticas, por parte da

sociedade, quando do “Caso Anita”, em 1998. Este acontecimento, foi apontado

como exemplo da situação de saúde no País pois resultou no nascimento de um bebê

na saguão do Hospital49.

A forma de atuação do serviço de ouvidoria, narrada até aqui, indica que este

serviço desenvolveu estratégias de envolvimento e de disciplinamento dos usuários

reclamantes. O serviço instalou-se como tecnologia de poder disciplinar, ao

possibilitar a organização espacial dos usuários reclamantes no âmbito do Hospital.

O serviço de ouvidoria atuou como tecnologia de si quando procurou desenvolver a

49 Este caso, também chamado pela imprensa como “O bebê de Anita”, foi reportagem de capa estampada na imprensa local com a manchete: “O nascimento de um brasileiro”. A usuária chegou ao Hospital Fêmina, após ser recusada em dois outros hospitais de Porto Alegre, a Santa Casa de Misericórdia e o Hospital Presidente Vargas. Nesses hospitais, e também no Hospital Fêmina, recebeu a mesma informação de que não havia leitos. Neste último foi orientada a esperar, quando, então, nasceu o bebê. O parto foi feito por outras usuárias, no saguão (O NASCIMENTO, 7 março 1998).

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identidade dos reclamantes com o serviço e com o Hospital, bem como com as

práticas dos profissionais em saúde. Para tal, o serviço de ouvidoria propiciou que a

maioria daqueles que o procuraram fossem ouvidos, pessoalmente, pelo ouvidor. É

uma forma de fazer com que haja a identidade do usuário com o serviço e com o

Hospital.

O fato de ouvir não significou, entretanto, que o serviço de ouvidoria

promoveu, efetivamente, o desenvolvimento da identidade do usuário com o serviço.

Alguns entrevistados indicaram que perceberam um desinteresse da ouvidoria em

recebê-los para registrar a reclamação: “Ah! Vamos passar para a chefia, para ver

porque que está acontecendo isso aí!” (HF-usuárias, entrevistas 22 e 26/99).

Tampouco desenvolveu, plenamente, a identidade dos usuários com o serviço e com

o Hospital, pois não manteve um sistema de resposta ao usuário, que funcionasse

adequadamente. Assim verificou-se que a experiência vivenciada pelos reclamantes,

que foram entrevistados, no Hospital Fêmina e junto ao serviço de ouvidoria foi vista

como negativa pelos primeiros.

No caso do Hospital Fêmina, verificou-se, através das entrevistas, que a

ouvidoria propiciou, de uma certa forma, a subjetivação do sujeito. Por um lado,

contribuiu para enquadrar o reclamante nas relações sociais de consenso, ao

possibilitar que as reclamações fossem canalizadas internamente. Evitou, por

exemplo, processos judiciais contra o Hospital e, por conseqüência, contra alguns de

seus profissionais, além de evitar rumores na imprensa. Por outro lado, atuando

assim evidenciou que o serviço cumpriu a função principal de aplacar o usuário, e

não procurou ampliar sua voz em relação aos problemas institucionais detectados,

através de suas reclamações.

Desta forma verificou-se que a atuação do serviço de ouvidoria do Hospital

Fêmina configura-se, predominantemente, como sendo do tipo burocrático, pois

concentrou a maioria de suas ações no desenvolvimento de estratégias que

possibilitaram a aplacação dos problemas institucionais. O atuação da ouvidoria

como ineficiente, promovendo estratégias de envolvimento que escutam o usuário

para obter informação dos problemas institucionais foi menos acentuada, e o tipo de

ouvidoria eficaz, aquela que recebe as reclamações como consulta ao usuário foi

quase inexistente.

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Após analisar as estratégias de envolvimento e de disciplinamento dos

usuários reclamantes aborda-se, a seguir, as relações institucionais do serviço de

ouvidoria que implicaram em envolvimento e em disciplinamento dos trabalhadores

em saúde da instituição.

3.6 A adesão como estratégia de envolvimento dos trabalhadores em saúde

Neste tópico apontam-se as estratégias desencadeadas pelo serviço de

ouvidoria que resultaram no envolvimento dos trabalhadores em saúde do Hospital

Fêmina. A intenção de envolver os trabalhadores não estava expressa claramente,

como objetivo institucional, quando da criação do serviço. Estas relações foram

resultado da ação desencadeada para alcançar os objetivos que visavam acolher as

reclamações como forma de melhorar a gestão administrativa e avaliar a qualidade

dos serviços prestados pelo Hospital evitando, ao responder ao usuário, possíveis

demandas judiciais.

O envolvimento dos trabalhadores do Hospital Fêmina com o serviço de

ouvidoria foi avaliado a partir de dois aspectos: a maneira como foram envolvidos,

quando o serviço foi implantado e o modo como foram envolvidos nos

procedimentos, de investigação, de análise e de resposta às reclamações, efetuados

pelo serviço para levar a termo seu trabalho. Para explicar a relação entre o serviço

de ouvidoria e o envolvimento dos trabalhadores, nos dois níveis, explicitaram-se as

categorias de integração passiva, adesão e interação

3.6.1 O envolvimento na implantação do programa

Quando a administração do Hospital Fêmina, particularmente o administrador

médico, decidiu criar um serviço de ouvidoria desencadeou diferentes estratégias de

envolvimento dos trabalhadores. Para a divulgação do mesmo a administração

utilizou as estratégias de discussão e de comunicação sobre sua implantação. Foi

observado que as estratégias se diferenciaram, conforme o tipo de profissional e a

hierarquia existente no Hospital. A administração e a ouvidoria, a ser implantada,

envolveram as chefias médicas promovendo relações de interação. Com os médicos

o envolvimento foi no sentido de conseguir sua adesão ao propósito institucional. As

demais chefias e trabalhadores em saúde, das áreas técnica e administrativa, foram

integrados passivamente na implantação e divulgação do programa.

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A decisão de criar o serviço foi tomada em nível gerencial. Porém, para

investigar a receptividade que o mesmo teria, sua implantação foi discutida com

algumas chefias médicas da época. Como havia muitas queixas de usuários e

pensando na ouvidoria como solução administrativa, o administrador, médico,

discute com as chefias médicas a possibilidade de adotar esta prática gerencial. As

chefias concordaram em implantar a ouvidoria pois muitos dos problemas eram

canalizados para os serviços, dos quais eram responsáveis (HF-ouvidores, entrevistas

3/99; 4/99; médico, entrevista 13/99).

A discussão foi feita, também, para saber quem teria o perfil de ouvidor entre

os membros do corpo clínico do Hospital (HF-ouvidores, entrevistas 3/99; 4/99;

médico, entrevista 13/99). Numa reunião com as chefias médicas, dentre as quais

encontrava-se o futuro ouvidor, foi designado seu nome, pelo diretor, que:

"Achava que eu teria as características para tal, pela respeitabilidade suficiente frente aos colegas e para que os mesmos aceitassem que eu viesse a intermediar as reclamações e levá-las até eles. Este trabalho exige muito cuidado para não criar atritos desnecessários, pois este tipo de assunto era tabu. Na época reclamação de paciente era tabu" (HF-ouvidor, entrevista 3/99).

O médico indicado para exercer o cargo, na época, ocupava também o cargo

de chefe do corpo clínico e era plantonista da clínica anestesiológica. O primeiro

cargo existe, nos hospitais, por exigência do Conselho Regional de Medicina

(CREMERS) e quem o ocupa é eleito pelos médicos. A respeitabilidade que o

médico possuía, devido ao primeiro cargo, foi um dos fatores levados em conta para

indicar o médico para intermediar as reclamações entre os usuários e os demais

profissionais médicos. Porém, o fato de ter sido escolhido um médico que acumulava

outras funções no Hospital, é um dos indicadores do caráter burocrático do serviço,

já que este não estaria sempre aberto para receber as denúncias e queixas sobre os

serviços prestados pelo Hospital.

A discussão com as chefias médicas explicita relações de interação entre a

administração e estas chefias. Buscava-se, assim, sensibilizá-las para o projeto e,

através destas, ganhar a adesão dos profissionais médicos para sua implantação. A

discussão era para que "as pessoas não sofressem paranóia quando da sua

implantação, e houve paranóia" (HF- chefia divisão médica, entrevista 1/95).

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Decidida a implantação do serviço, verificou-se que, inicialmente, foi feita

uma reunião com os médicos. O próprio ouvidor escolhido, como chefe do corpo

clínico, comunicou aos médicos a instalação do serviço. Teve o cuidado de afirmar

que a proposta do trabalho da ouvidoria não era a de punir ninguém e sim a de

melhorar o Hospital (HF-ouvidor, entrevista 3/99).

Era importante a adesão dos médicos pois sabe-se que a maioria das

reclamações, antes ou mesmo depois do serviço ter sido implantado, era sobre o

atendimento médico. De fato, como vimos anteriormente, a maioria das reclamações,

67%, registradas no serviço e que nomeavam os trabalhadores em saúde do Hospital

Fêmina, eram dirigidas aos médicos (170 de 255). Dentre os profissionais estes

foram questionados sobre 78% das falhas nos procedimentos técnicos (110 de 140),

sobre 56% (61 de 108) das falhas de relacionamento humano e sobre 58% dos

problemas de comunicação (38 de 65), conforme os dados expressos nas tabelas 4 e

10 do Anexo C. Esta reunião atesta, também, a intenção de criar a ouvidoria para

proteger os médicos em caso de demandas judiciais ou em caso de encontrarem seus

nomes expostos na imprensa, questionando falhas cometidas nos procedimentos

técnicos.

Explica-se assim, porque o ouvidor, ao apresentar o projeto para seus colegas

médicos, enfatizou o caráter não punitivo do serviço. A adesão dos médicos ao

serviço foi evidenciada no depoimento de um médico mais antigo no Hospital que,

quando perguntado sobre os benefícios do serviço de ouvidoria, para os médicos,

afirmou:

"...porque ele ao mesmo tempo que ele sabe que se alguém fizer alguma queixa a respeito dele, ele vai ter a oportunidade de se defender de forma adequada. Sabe que provavelmente o nome dele não vai ser posto no meio da rua, por um equívoco qualquer que, a pessoa vai poder encaminhar isso e aí ele vai ser ouvido, vai dar a explicação, e as coisas vão se resolver aqui dentro entre os interessados que é o Hospital e o cliente. Porque antes acontecia assim, qualquer coisa que ocorria a pessoa aparecia lá embaixo: “Ah! vou para a Zero Hora”. E efetivamente ia, porque queria reclamar para alguém. Então, a gente sabendo que se houver algum conflito na nossa atividade médica aqui, o pessoal vai reclamar no lugar certo. E a gente vai poder ter oportunidade de se defender, de explicar" (HF-médico, entrevista 13/99).

Ao explicitarem como ficaram sabendo da criação de um serviço de ouvidoria

no Hospital Fêmina, questão formulada como um dos indicadores do envolvimento

na implantação ou na divulgação do serviço, alguns dos médicos mais antigos

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afirmaram que a implantação do serviço foi divulgada, na época. Efetivamente isso

ocorreu, na forma da busca de adesão dos médicos ao projeto de ouvidoria hospitalar,

como demonstramos acima.

Com as chefias das demais áreas, técnica e administrativa e, com o corpo de

profissionais destas áreas as estratégias foram outras. Não houve discussão com as

chefias dessas áreas sobre a instalação do novo serviço. Elas foram comunicadas.

Não foi o ouvidor nem a administração médica quem informou, aos demais

profissionais dessas áreas, sobre a criação da ouvidoria. O comunicado foi feito pelas

respectivas chefias. Estas estratégias indicaram que esses profissionais foram

integrados de forma passiva na instalação do serviço.

Os profissionais médicos ou os funcionários que ingressaram no Hospital

mais recentemente, também foram integrados passivamente na divulgação do

trabalho realizado pelo serviço. Se, no início do processo, a ouvidoria buscou a

adesão dos médicos, mais recentemente isso não ocorreu. Alguns médicos residentes,

reclamados, que ingressaram no Hospital quando o serviço já estava instalado,

indicaram que ficaram sabendo por acaso da existência da ouvidoria, através de

conversa entre colegas, ou quando houve reclamação a seu respeito.

O mesmo ocorreu com profissionais da equipe de enfermagem e da recepção,

que ingressaram mais recentemente no Hospital. Ficaram sabendo do serviço

passando pelo corredor e vendo, em uma porta, a placa “ouvidoria”, sinalizando que,

ali, funcionava o serviço de ouvidoria. Alguns destes entrevistados, principalmente

da área da recepção, foram informados da sua existência quando ingressaram para

trabalhar no Hospital. Não receberam, porém, qualquer explanação sobre seus

objetivos ou o tipo de trabalho desenvolvido pelo serviço de ouvidoria (HF-

trabalhadores em saúde, entrevistas 12/99, 12b/99, 13/99, 14/99, 16/99 e 17/99).

Estes profissionais tinham, como uma de suas funções o encaminhamento de

reclamantes para o serviço.

Ao explicar as diferentes estratégias de envolvimento dos trabalhadores em

saúde, por parte da ouvidoria do Hospital Fêmina, o ouvidor-médico argumentou:

"Eu me dirigi aos médicos, que seriam meus colegas. Aos demais têm hierarquias que devem ser respeitadas. Eu falei para as chefias de enfermagem e administrativas o que ia acontecer e eles levaram aos seus subalternos que existiria um serviço que seria feito por mim com a finalidade

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de detectar as reclamações dos usuários do serviço" (HF-ouvidor, entrevista 3/99).

As diferenças de envolvimento dos profissionais, na tomada de decisão da

implantação do serviço de ouvidoria, são explicadas pelo princípio da hierarquia e

atestam, por sua vez, o poder médico nos hospitais (Carapinheiro, 1998). Atestam,

também, este poder médico em relação ao usuário, ao salientar que reclamação de

paciente era tabu na época.

Os fatos narrados, contando a forma de envolvimento dos profissionais em

saúde do Hospital Fêmina, levam-nos a concluir que, no início da atuação da

ouvidoria, ela desenvolveu relações de envolvimento interativas com as chefias

médicas. Com os médicos, a estratégia de envolvimento foi buscar sua adesão aos

propósitos da ouvidoria. Porém, com o passar do tempo, as estratégias foram

passando, da adesão para a integração passiva. O mesmo ocorreu com as demais

chefias e trabalhadores em saúde. Na época da criação do serviço de ouvidoria, o

envolvimento resultou em integrá-los passivamente, pois foram apenas comunicados,

quando o foram, da existência do serviço de ouvidoria, o mesmo ocorrendo mais

recentemente.

3.6.2 O envolvimento com o trabalho do serviço de ouvidoria

Para analisar o envolvimento das chefias e dos profissionais reclamados, com

o trabalho realizado pelo serviço de ouvidoria, considerou-se como indicadores

empíricos os relativos aos procedimentos institucionais desencadeados tais como: o

encaminhamento das reclamações e as respostas institucionais, considerando o tempo

de retorno e a qualidade das respostas das chefias e dos profissionais ao serviço.

No encaminhamento das reclamações, o ouvidor seguia as normas de rotina

do serviço. Após o registro da reclamação, tirava várias fotocópias do documento e

enviava-o às respectivas chefias ou aos profissionais envolvidos, solicitando

providências. Ao final da reclamatória, anotava o encaminhamento com o seguinte

texto: "conduta da ouvidoria: solicita parecer da(s) chefia(s) X, ou do(s) médico(s)

X...". Segundo um dos ouvidores “ o processo era desencadeado de forma a sempre

respeitar a hierarquia” (HF-ouvidor, entrevista 3/99). Era comum a mesma

reclamação envolver vários profissionais e ser encaminhada, portanto, para várias

chefias, para chefias e profissionais ao mesmo tempo ou, vários profissionais.

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Através da análise do procedimento institucional, desencadeado pelo serviço

de ouvidoria do Hospital Fêmina, para levar a termo seu trabalho, verificou-se que

este procurou a adesão, das chefias e dos profissionais reclamados, nas suas

investigações sobre os fatos narrados e registrados no serviço. Isso porque a grande

maioria das reclamações, 82%, foram encaminhadas, pelo ouvidor, às chefias dos

serviços para realização das investigações. As demais reclamações foram enviadas

somente ao profissional, 9%, ou à chefia e ao profissional em conjunto, 6%.

Somando estas três categorias, obtém-se um total de 97% (259 de 268) das

reclamações encaminhadas, a partir do qual pode-se deduzir que a intenção do

serviço de ouvidoria foi a de envolver, de fato, os trabalhadores em saúde do

Hospital, na averiguação dos casos de queixas e na resposta a ser dada ao usuário.

Em 3% das mesmas não foi encontrado o registro de encaminhamento por parte do

serviço. Estes dados estão demonstrados no Gráfico 12, adiante apresentado, e

detalhados nas Tabelas 17 e 18 do Anexo C.

Porém, o encaminhamento assumiu uma forma burocrática, pois a reclamação

era enviada para as chefias de serviço de forma quase automática, como mais um

“papel” burocrático, do qual se faziam reproduções e ao qual se deveria dar o devido

destino:

"Ela mesma (a secretária-LHP) me fazia os xerox, eu assinava todos os xerox. Eu dizia oh: manda essa cópia para fulana, essa para beltrana, essa para ciclana e cobra o retorno. Cobra o retorno porque eu preciso em cinco dias, uma semana, ter o retorno dessa coisa toda aqui" (HF-ouvidor, entrevista 4/99).

Embora tenha sido argumentado que os mesmos procedimentos de

encaminhamento e de investigação das reclamações eram desencadeados em relação

aos profissionais das áreas médica, técnica e administrativa do Hospital, observou-se

que isso nem sempre aconteceu. No início do processo de ajustamento do serviço à

realidade do hospital, era comum o ouvidor misturar suas funções como tal e como

chefe do corpo clínico, cargo que também ocupava.

O ouvidor pronunciava-se, diretamente, no documento das reclamações

através de "recomendações da chefia do corpo clínico". Nesta condição ele dirigia-se

aos médicos de acordo com a função do cargo. O acúmulo de funções de chefia do

corpo clínico e de ouvidor, refletindo-se no relacionamento do ouvidor junto aos

médicos, se desfaz a partir de 1992, quando o ouvidor não mais ocupa aquele cargo.

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A partir desse momento o serviço atinge, mais plenamente as suas características

burocráticas.

Observou-se que, em muitos casos, mesmo não mais acumulando a função de

chefe do corpo clínico, o ouvidor ainda manteve relacionamento direto com os

profissionais da área médica. Assim, foi freqüente o ouvidor solicitar parecer do

profissional médico, diretamente, enquanto o mesmo não aconteceu com

profissionais da área técnica e administrativa. Isso decorreu, com certeza, do tipo de

reclamação dirigida aos médicos, na sua maioria sobre procedimentos técnicos, como

vimos, mas também pelo fato do ouvidor ser um médico em pleno exercício

profissional.

Com relação às chefias e aos profissionais da área técnica e administrativa, o

ouvidor realizava um trabalho de cunho mais burocrático ao repassar as reclamações

para as chefias se pronunciarem. Não encaminhava reclamações diretamente aos

profissionais dessas áreas. Estes procedimentos levaram à conclusão de que, no

Hospital Fêmina, no que tange ao encaminhamento das reclamações a hierarquia foi

seguida.

A resposta institucional das chefias e dos trabalhadores em saúde, do Hospital

Fêmina ao serviço de ouvidoria, demonstrou uma elevada adesão por parte das

chefias e dos profissionais às investigações e às solicitações de resposta do ouvidor.

Após o encaminhamento, realizado pelo serviço de ouvidoria, as chefias

responderam 66% das reclamações e os profissionais responderam diretamente 7%

das mesmas, sem qualquer documento da chefia acompanhando a justificativa. As

reclamações traziam respostas da chefia e, também, do profissional em 10% dos

casos.

Portanto, verificou-se que o percentual total de respostas à solicitação do

serviço de ouvidoria para averiguação das reclamações, foi de 83% (221 de 268), o

que pode ser considerada uma forte adesão dos profissionais ao trabalho

desencadeado pelo serviço. As solicitações de investigação por parte do serviço de

ouvidoria, no período de 1990 a 1998, ficaram sem resposta das chefias e

profissionais em 14%. Encontrou-se, ainda, 3% para as quais não havia registro de

encaminhamento nos arquivos da ouvidoria, não sendo possível rastrear seu

percurso. Indicaram um total de 17% de reclamações para as quais não houve

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resposta arquivada no serviço de ouvidoria. Os dados sobre encaminhamento das

reclamações da ouvidoria para as chefias e para os profissionais e as respostas destes

à ouvidoria encontram-se expostos no Gráfico 12 e nas Tabelas 17 a 20 do Anexo C.

GRÁFICO 12-Procedimento Institucional: encaminhamento das reclamações e respostas das chefias ao Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina-1990-1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

Estes dados permitem concluir que, se na implantação do serviço de

ouvidoria não houve uma estratégia explícita para envolver todos os profissionais

buscando sua adesão, fato este que ocorreu em particular com os médicos, durante o

procedimento desencadeado pelo serviço, foi alta a adesão dos demais profissionais a

este trabalho. O comportamento padrão das chefias e dos profissionais em responder

às reclamações não foi, entretanto, linear. A média de 83% com resposta e de 14%

“sem resposta ao SO”, referente a todo o período investigado, como indicadores da

adesão ao trabalho desencadeado pelo ouvidor não permitia, porém, a análise de

diferenças conjunturais nesta adesão. Assim, buscou-se verificar esse comportamento

em cada ano de atuação do serviço.

Quando analisou-se, ano a ano, o comportamento das chefias e dos

profissionais em fornecer respostas ao serviço de ouvidoria, observou-se que, nos

três meses iniciais de sua criação (1990) a adesão dos profissionais foi de 100%. Em

1991, primeiro ano de funcionamento do serviço, a receptividade em relação ao

serviço foi, ainda elevada, e as chefias aderiram, ao seu propósito inicial,

respondendo 97% e deixando de responder apenas 3% das solicitações de

investigação. A percentagem típica de “sem resposta ao SO” foi de 19% e

219

176

23 1917

26

0 09 9

38

0

50

100

150

200

250

Che

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Quem responde

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148

correspondeu aos anos de 1992, 1993, 1995 e 1997, como pode-se observar na

Tabela 20 do Anexo C.

Há momentos em que a adesão ficou mais fraca, quando, então, o ouvidor

agiu no sentido de voltar a envolver mais intensamente as chefias e os profissionais,

particularmente os médicos. Em 1993 uma correspondência foi emitida pelo ouvidor,

solicitando agilidade e efetiva resposta das chefias as suas solicitações.

Neste ano, o ouvidor do Fêmina procurou envolver mais intensamente o

corpo clínico e, através de correspondência, dirigiu-se ao mesmo com o objetivo de

intensificar a adesão das chefias médicas e dos médicos para que respondessem as

suas solicitações de investigação. O serviço de ouvidoria procurou, assim, normatizar

sua relação com as chefias.

Explicando novamente que a meta do serviço era "intermediar as reclamações

de pessoas extremamente descontentes com o atendimento no Hospital Fêmina",

relembrou a rotina do serviço, "as reclamações dão origem a registros de ocorrências,

encaminhadas aos chefes de serviço, que identificam os profissionais envolvidos e

pedem relatórios para responderem à ouvidoria" (Zylbersztejn, 1993).

Manifestou a dificuldade de obtenção de respostas e, em função, disso

disciplinou os médicos para que respondessem às reclamações, normatizando o prazo

de retorno das mesmas à ouvidoria, e estabelecendo o que aconteceria, caso o

profissional não cumprisse o prazo estipulado:

"Em função das dificuldades em obter as respostas necessárias para retorno às partes reclamantes, a ouvidoria dará um prazo de dez dias, findo os quais será agendado uma reunião entre os reclamantes e os médicos envolvidos" (Zylbersztejn, 1993).

A razão para esta medida ter sido tomada foi o decréscimo na adesão, das

chefias e dos profissionais, ao trabalho desenvolvido pelo serviço de ouvidoria. A

dificuldade em manter a adesão se expressava na falta de resposta e na demora com

que as chefias e os profissionais passaram a atender à solicitação do serviço.

Segundo o ouvidor da época, foi necessário pressionar, através da direção médica do

Hospital, para que respondessem porque não estavam valorizando as reclamações.

Achavam que eram muito ingênuas e também não queriam, no caso das chefias, se

atritar com o colega subordinado.

Alguns serviços entraram numa certa habitualidade, algumas pessoas

achavam que a ouvidoria estava caindo em desuso, que o serviço estava morrendo,

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que era uma espécie de modismo. Então começou o problema da demora nas

respostas. Foi necessário "mobilizar" os reclamados e fazer um chamamento para que

eles fornecessem os meios para que o ouvidor pudesse completar seu trabalho,

fornecendo uma explicação aos usuários.

A correspondência foi emitida neste contexto. Como ela estava datada de

junho de 1993, e no ano de 1994 a percentagem de “sem resposta ao SO” caiu para

10% pode-se considerar que a correspondência do ouvidor teve o efeito desejado

envolvendo as chefias na busca de resposta para as reclamações registradas no

serviço. Com tal correspondência houve mais empenho em enviar as respostas ao

serviço e algumas chefias começaram a pressionar seus colegas para que

respondessem e pudessem ser defendidos, pela ouvidoria frente ao usuário (HF-

ouvidor, entrevista 3/99).

Porém, no ano de 1996, o percentual de “sem resposta ao SO” eleva-se para

31%, indicando novamente um atuação menos intensa da ouvidoria e menor adesão

dos profissionais ao serviço. Em 1998, quando assumiu um novo ouvidor, esta

percentagem decaiu sensivelmente, para 4%, voltando a assemelhar-se ao patamar

do primeiro ano. Os dados sobre a resposta das chefias e dos profissionais ao

encaminhamento do serviço de ouvidoria podem ser analisados na Tabela 20 do

Anexo C.

Em 1998, houve novamente, ação mais efetiva do ouvidor, no sentido de

envolver os profissionais, normatizar e disciplinar o funcionamento do serviço. Isso

ficou evidenciado em duas correspondências enviadas, em meados de julho de 1998,

pelo novo ouvidor. Uma foi encaminhada ao diretor médico com uma proposta de

normatização do serviço.

A outra foi dirigida ao corpo clínico relembrando a função, os objetivos e os

procedimentos de rotina da ouvidoria. Reafirmou as normas que os médicos

deveriam cumprir, quanto aos aspectos formais de preenchimento do boletim de

atendimento e do prontuário, peças fundamentais para o bom desempenho do serviço

de ouvidoria, que delas se valia para dar resposta aos reclamantes (Lamb, 1998).

As intervenções dos dois ouvidores junto às chefias e ao corpo clínico, em

1993 e em 1998, ocorreram, conforme explicitou-se acima, porque havia demora em

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150

devolver a resposta ao serviço e, no entender dos ouvidores, o tempo de resposta

deveria ser agilizado, daí sua solicitação por escrito.

Embora tenham sido lidas e tabuladas todas as reclamações (268) do período

de existência da ouvidoria do Hospital Fêmina (1990-1998), pelo tipo de

arquivamento dos documentos mais antigos, em 1998 não foi mais possível obter

acesso aos documentos originais das reclamações de 1990 a 1994. O objetivo era

verificar o “tempo de resposta” das chefias e dos profissionais ao serviço de

ouvidoria, já que este foi utilizado como um dos indicadores de adesão ao seu

trabalho. Foi possível, entretanto, fazer este levantamento para o período de 1995 a

1998, trabalhando-se, portanto, com 108 e não 268 reclamações.

Isto posto, em relação ao “tempo de resposta”, que chefias e profissionais

levaram para atender às solicitações do serviço de ouvidoria, verificou-se que, no

período de 1995 a 1998, 32 respostas foram devolvidas ao serviço em “1-15 dias”,

indicando 29% de concentração, neste prazo. Encontrou-se 15 reclamações que

foram “resolvidas na hora” correspondendo ao percentual de 14%. A primeira

categoria indicou que a adesão em responder, à ouvidoria, em um curto período de

tempo, foi de 29%, já que as queixas “resolvidas na hora” ficaram à cargo do próprio

serviço resolver.

Uma parte significativa das reclamações (14), representando 13%, foi

respondida em “15-30 dias”, ou levou “mais de 30 dias” para ser respondida.

Destaque-se, ainda, que nesse período, 19 reclamações não foram respondidas por

parte das chefias e dos profissionais indicando o percentual de 18% “sem resposta ao

SO”. Os dados que permitem verificar o “tempo de resposta” dos profissionais do

Hospital Fêmina ao serviço de ouvidoria estão demonstrados no Gráfico 13 e nas

Tabelas 21 e 22 do Anexo C.

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151

GRÁFICO 13- Procedimento Institucional: tempo de resposta das chefias e profissionais ao Serviço de Ouvidoria-Hospital Fêmina-1995 a 1998

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

A maior rapidez na solução do problema foi fruto da atuação do próprio

serviço de ouvidoria e estava relacionado, também, ao tipo de problema apresentado.

A concentração de respostas sob o rótulo “resolvido na hora”, significou, em sua

maioria, o agendamento de consultas extras. Este procedimento de agilizar a

marcação de consultas, quando este foi o problema referido, acompanhou a ação do

ouvidor desde o início de implantação do serviço, e denotou o seu maior impacto.

Algumas das reclamações classificadas como “sem registro da data” também eram

consultas extras, agendadas pelo ouvidor. O expediente de solicitar, à chefia do setor

ou serviço, uma consulta extra foi mais marcante no início das atividades da

ouvidoria e dizia respeito à quantidade de consultas disponíveis.

Em 1997, as três intervenções do serviço de ouvidoria registradas sob rótulo

“resolvido na hora”, foram ainda relativas à "consulta extra". Duas, por falta de

consultas disponíveis e uma, por não comparecimento do profissional para cumprir

sua agenda e a reclamante manifestar urgência no atendimento. Em 1998, houve

apenas uma reclamação resolvida na hora em que a solução foi “consulta extra”. Esta

reclamação não foi registrada pela dificuldade em marcar consulta, mas para resolver

problemas de relacionamento entre usuário e médico, quando, então, a ouvidoria

solicitou à chefia competente que transferisse o paciente para os cuidados de outro

médico.

Lembremos, que em 1997, a Secretaria Municipal da Saúde assume o

agendamento das consultas ambulatoriais hospitalares, daí a diminuição da ação do

ouvidor nesse sentido. As chefias, quando responderam imediatamente, foi para

4

11

32

0

9

0 23

15

5

8

19

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152

solucionar problemas de transferência de pacientes ou explicar extravios de laudos,

por exemplo.

Verificando o tipo e a qualidade das respostas às reclamações observou-se

que as chefias averiguavam o teor das reclamações, e ao responderem, em sua

maioria justificaram os atos questionados pelos reclamantes. As justificativas dos

procedimentos adotados foram feitas, principalmente, para os tipos de queixas que

referiram dúvidas sobre os procedimentos técnicos, envolvendo a equipe médica e de

enfermagem, embora também ocorreram, em menor número, em relação as falhas de

comunicação e de relacionamento humano.

A justificativa sobre os procedimentos adotados visava, em muitos casos, a

confirmação das rotinas médico-institucionais. Observou-se assim muitos textos de

reclamações onde constava a seguinte frase: “no caso de...a conduta é...”, exemplar

da área médica, ou “a rotina da unidade é...”, exemplar da área da enfermagem (HF-

reclamações 5/96 e 10/96). Porém, relatório dos procedimentos com justificativas

dos atos efetuados foram encontrados em maior número em reclamações que

envolveram os médicos (HF-reclamações 8/96; 26/97).

Observou-se que, na maioria das vezes, as chefias responderam ao serviço de

ouvidoria justificando o caso em questão. Analisadas 51 reclamações respondidas,

em 1995, 1996 e 1997, verificou-se que em 74% delas, as chefias responderam na

forma de justificativa. Em 15%, as chefias identificaram os profissionais e

justificaram os procedimentos praticados por estes. Em 8%, as chefias advertiram os

profissionais e em um caso houve revisão das normas de rotina. Esta última

evidenciou-se quando as chefias fizeram uma reavaliação de rotinas, no sentido de

confirmá-las ou ajustá-las, com o intuito de minimizar os problemas reclamados.

O exemplo concreto, deste caso, foi aquele em que, após a investigação de

um fato, o ouvidor chegou à conclusão que o problema havia sido gerado por

manifestações verbais e extemporâneas de médicos e profissionais da equipe de

enfermagem, gerando mal entendido no paciente e nos seus familiares. Indicou às

chefias médicas e da enfermagem que orientassem os profissionais no cuidado em

expressar-se, sobre casos clínicos, para evitar estas falhas de comunicação. Foi

enunciado, no documento da resposta à reclamação, que as chefias iriam reavaliar as

rotinas a este respeito.

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Este exemplo foi trazido à tona por ser ilustrativo de outros, do mesmo tipo,

indicando a atuação da ouvidoria sobre o ajustamento de normas de rotina,

reforçando-as, neste caso. Em vários casos, porém, agregaram-se aspectos de

orientação de condutas específicas, como será visto quando tratarmos do

disciplinamento dos trabalhadores. Os dados acima descritos podem ser visualizados

no Gráfico 14 e Tabela 23 do Anexo C.

GRÁFICO 14-Qualidade das respostas ao Serviço de Ouvidoria-Hospital Fêmina-1995 a 1997

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

Se pode-se afirmar que a adesão, das chefias e profissionais do Hospital

Fêmina, em responder à ouvidoria foi alta, pois 83% das reclamações foram

respondidas, considerando a qualidade e o tempo das respostas verificou-se que esta

adesão remete ao caráter burocrático de seus procedimentos. Esse foi constatado

pela demora no retorno das respostas ao serviço, e por estas conterem apenas

justificativas das ações praticadas ou informarem a aplicação de medidas

disciplinares.

O tempo de resposta institucional ao serviço de ouvidoria, levou-nos a

concluir que a adesão em responder, dentro do prazo estipulado pelo ouvidor não foi

satisfatória. Como o prazo foi definido em 10 dias (Zylbersztejn, 1993) e a

concentração das respostas que retornaram ao serviço, no prazo de 1-15 dias, foi de

apenas 29% afirma-se que a adesão das chefias e profissionais em responder de

forma mais ágil não se verificou.

38

8

41

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Justificativa Identificação ejustificativa

Advertência Reforço, revisãoou reavaliação das normas de

rotina

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Considerando a qualidade das respostas, chega-se à mesma conclusão pois a

maioria, 74%, responde ao serviço sob a forma de justificativa dos procedimentos

adotados para averiguar o problema. As respostas qualificadas, explicitando os

resultados e soluções adotadas, pela instituição, a partir das reclamações dos usuários

- com vistas a melhorar a qualidade do atendimento do Hospital - foram levemente

esboçadas em casos de ocorrências mais graves.

Em relação à interação, dos trabalhadores em saúde com o serviço de

ouvidoria, verificou-se que entrevistados, chefias e profissionais, principalmente

médicos, afirmaram ter participado de reuniões, onde foram tratados assuntos sobre

procedimentos e rotinas de trabalho, inclusive aquelas detectadas através das

reclamações dos usuários. Chefias médicas disseram também que, quando alguma

rotina foi alterada, foi comunicada, "nada direto, de cima para baixo" e que a

participação dos profissionais, junto aos serviços a que estavam afetos, era de

colaboração e de envolvimento50. Alguns profissionais em saúde, das diversas áreas,

disseram que muitas vezes dão idéias para melhorar o serviço onde atuam (HF-

entrevistas com médicos 7/99, 12b/99; equipe de enfermagem 14/99 e recepcionista

16/99).

No entanto, encontrou-se profissionais das três áreas que afirmaram que,

nestas reuniões, não foram discutidos problemas oriundos de reclamações registradas

na ouvidoria. Alguns chegaram a afirmar que não são consultados nem para discutir

procedimentos e rotinas e que "as rotinas são implantadas e colocadas por eles

(referindo-se às chefias) ali no posto, as rotinas tais vão ser assim, assim e assim",

afirmação relatada por profissional da equipe de enfermagem e por recepcionista,

trabalhando em postos nos andares e também na recepção geral do Hospital (HF-

entrevistas com médico 12/99; equipe de enfermagem 14/99 e recepcionista 17/99).

De acordo com a categoria de interação definida neste trabalho, considerou-se

que a partir do trabalho desencadeado pela ouvidoria, não há uma efetiva interação

entre este serviço e os trabalhadores do Hospital Fêmina, pois os valores

disseminados pelo serviço de ouvidoria não estão sendo compartilhados por todos os

profissionais, e o serviço envolve mais as chefias do que os profissionais.

Confirmando essa conclusão foi observado que não há a sistemática de reuniões da

50 Os termos participação, colaboração e envolvimento foram utilizados pela própria entrevistada.

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ouvidoria e da direção com os trabalhadores em saúde ou com suas entidades

associativas, existentes no Hospital, como a Associação dos Médicos do Hospital

Fêmina-AMEHF, ou Associação dos Funcionários do Hospital Fêmina-AFHF (HF-

diretor médico, entrevista 1/99).

3.7 O disciplinamento dos trabalhadores em saúde

O serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina instalou-se, também, como uma

estratégia de disciplinamento dos trabalhadores da instituição. Este serviço

contemplaria dois aspectos do disciplinamento interno. O primeiro seria unificar a

linguagem institucional em termos, de atendimento ao usuário reclamante, conforme

narrou-se anteriormente, e o outro seria, principalmente, verificar o cumprimento das

normas institucionais por parte dos trabalhadores.

Em relação aos trabalhadores em saúde, considerou-se que o disciplinamento

significou tanto, não aplicar medidas disciplinares ignorando o fato causador da

reclamação, como também, disciplinar através de medidas punitivas ou disciplinar

através de treinamento e de um processo de educação.

Visando a unificação da linguagem institucional, os trabalhadores em saúde

do Hospital Fêmina foram orientados, como vimos, quanto ao comportamento que

deveriam ter quando um usuário manifestasse uma reclamação verbal diante deles:

encaminhá-los para o serviço de ouvidoria. Os funcionários foram instruídos para

seguir este procedimento, quando os usuários quisessem manifestar seu

descontentamento.

Uma entrevistada da área administrativa trabalhando num posto de

enfermagem em um dos andares do Hospital, observou que ao chegar para trabalhar

no Hospital recebeu essa instrução, mesmo que não lhe tenha sido explicado o que

era o serviço de ouvidoria (HF-recepcionista, entrevista 17/99). Ao instruir os

trabalhadores para encaminhar reclamantes à ouvidoria, estava sendo desenvolvida

uma estratégia de orientação da conduta e do comportamento institucional sobre o

que fazer, em caso de queixa dos usuários.

Ao ser instalado o serviço de ouvidoria, ele foi pensado, também, como uma

das formas de detectar as falhas institucionais, que incluíam não só as falhas da

administração, mas também as de seus trabalhadores. No artigo escrito pelos

fundadores e publicado na revista técnico-científica do Grupo Hospitalar Conceição

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a estratégia de disciplinamento, para verificar as falhas dos prestadores de serviço, já

se encontrava esboçada:

“Outra conseqüência é que, dada a massificação dos serviços e a inevitável rotina administrativa, os erros e faltas cometidos pelos prestadores de serviços passam desapercebidos, o que os torna dificilmente detectáveis e corrigíveis pela estrutura administrativa” (Chaves, Zylbersztejn, 1993).

A afirmação não enuncia claramente se está fazendo referência à instituição

ou aos seus trabalhadores. Porém, a referência a estes últimos foi expressa de forma

precisa, em entrevista com um dos ouvidores, caracterizando a atuação do serviço no

sentido do disciplinamento dos trabalhadores. Sobre isso declarou o ouvidor:

“E é impressionante, a ouvidoria permite isso aí: identificar o ‘olho do furacão’. É a grande vantagem: a administração pode identificar aonde, se tiver uma estatística bem elaborada, tiver uma ouvidoria bem esquematizada e que detecta tudo, eles identificam que tem um funcionário no setor tal, no dia tal, na hora tal que tá perturbando, que tá agindo de maneira, não de acordo com a norma do hospital. E ali a gente pode corrigir. E aquilo que era uma norma de todo o serviço se vê que num certo momento não tá sendo obedecida ou não tá sendo seguida” (HF-ouvidor, entrevista 3/99).

O acolhimento das reclamações de usuários foi uma estratégia de

disciplinamento pois, permitiu verificar se os trabalhadores do Hospital estavam

cumprindo as normas da instituição, e também permitiu adotar medidas corretivas,

ou punitivas, quando se confirmaram as queixas registradas pelos usuários. Nestes

casos, através do serviço de ouvidoria foi possível identificar os reclamados e aplicar

os dispositivos legais disciplinares, praticados no Hospital Fêmina.

Esses dispositivos foram a punição através da advertência oral e escrita,

suspensão ou demissão e, ainda, a justificativa e orientação das condutas específicas

dos funcionários. Foram desenvolvidas, também, algumas estratégias de treinamento

e de educação dos trabalhadores. Estas evidências conduzem à conclusão de que, a

partir da instalação do serviço de ouvidoria, o poder disciplinar foi reforçado, através

da organização de um sistema de registro, anotando o desempenho dos indivíduos e

atuando no sentido de corrigi-lo, normatizá-lo e normalizá-lo. A disciplina como um

tipo de poder foi demonstrado por Foucault em Vigiar e punir (1996).

As estratégias de disciplinamento dos trabalhadores em saúde ficaram

explícitas ao serem analisados os procedimentos do serviço de ouvidoria para

detectar as falhas e orientar a conduta dos profissionais. A ouvidoria enviava as

reclamações para as chefias e solicitava providências. As chefias verificavam o teor

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das reclamações, identificavam os profissionais reclamados e desenvolveram três

estratégias de disciplinamento: não disciplinar, disciplinar de forma punitiva ou

disciplinar, treinando e educando os trabalhadores.

Quanto à identificação do reclamado, observou-se que muitas vezes o

trabalhador em saúde não era identificado pelo reclamante, que desconhecia o cargo,

a função e o nome do reclamado. Nesse caso, o serviço de ouvidoria registrava a

reclamação e encaminhava-a para a chefia correspondente que, tratava de identificá-

lo.

Vários casos em que as chefias identificaram o reclamado puderam ser

observados no transcorrer da análise das ocorrências registradas no serviço de

ouvidoria. Como exemplos citam-se algumas dessas reclamações: Um usuário

reclamou que ficou 21 minutos à espera para ser atendido no telefone, quando ligou

ao Hospital em busca de informações. A chefia da recepção identificou a telefonista.

Neste caso, o problema era de defeito no ramal (HF-reclamação 14/91). Em

reclamação de mau atendimento, por parte de auxiliar de enfermagem, a profissional

foi identificada pela chefia. O argumento, utilizado na resposta, foi de que a mesma

apresentava antecedentes de agressividade. Para este caso, a chefia do corpo clínico

sugeriu avaliação psiquiátrica da profissional e a chefia da divisão técnica puniu a

auxiliar (HF-reclamação 10/91).

Como exemplos das reclamações em que não houve disciplinamento dos

trabalhadores em saúde foram consideradas aquelas, já mencionadas, para as quais

não foi possível detectar o encaminhamento.

O disciplinamento punitivo resultou na aplicação de medidas legais. Os tipos

de punição encontrados foram a advertência verbal e/ou escrita, a suspensão e a

demissão. Estas foram aplicadas em maior número no caso de condutas inadequadas

de relacionamento humano mas envolveram, em menor dimensão, casos de

procedimentos técnicos incorretos.

Exemplos de advertência verbal e escrita foram reclamações sobre a

recepção, quando prestadas informações incorretas aos familiares de pacientes: “a

funcionária foi advertida oralmente e/ou por escrito por essa chefia” (HF-

reclamações 4/92, 43/93, 54/93, 37/95). Reclamações sobre a conduta de

funcionários de outras áreas, como do laboratório (HF-reclamações 23/98, 17/92),

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também resultaram em advertências. Algumas das quais com suspensão de um dia

(HF-reclamação 23/98).

Também em relação aos médicos foram aplicados os dispositivos legais

institucionais, pois ocorreram fatos que geraram medidas tais como “um colega foi

suspenso por sete dias, dois por trinta dias, um demitido e outro afastado para outro

Hospital do Grupo” (HF-ouvidor, entrevista 5/99)51. Profissionais da equipe de

enfermagem também receberam advertência oral ou escrita e suspensão (HF-

reclamações 44/91, 29/92, 54/93, 26/97, 19/98 e entrevista 14/99).

As reclamações exigiram revisão e orientação das condutas quando trataram

tanto de aspectos que podem ser considerados mais corriqueiros como daqueles que

decorreram de maior gravidade de comportamento dos funcionários. Foi assim que,

no início da criação do serviço, verificou-se a minuciosa atenção com que a

ouvidoria passou a observar os trabalhadores do Hospital.

Esta minuciosa atenção evidenciou-se através de um registro de ocorrência,

encaminhado ao diretor médico pelo próprio ouvidor, informando que funcionária do

Hospital dirigiu-se ao comércio próximo com o avental de trabalho. Há orientação,

anotada na ocorrência, de que o uso de uniformes e aventais devem ser restritos ao

local de trabalho e que as chefias deveriam observar a correta utilização dos mesmos.

Outro exemplo da atuação da ouvidoria no sentido de orientar a conduta dos

indivíduos pode ser relatada quando, em 1991, em um caso de mau atendimento no

laboratório, foi sugerido pelo ouvidor, que fosse transferida a área do laboratório e

que fosse feita a supervisão do comportamento dos recepcionistas desse setor. Foram

constatados problemas, na época, tais como falta de ventilação no laboratório, falta

de uso de uniformes por parte dos funcionários, desorganização do serviço, exames

não localizados, não identificação correta dos pacientes nos exames, entre outros.

Lembre-se que ainda não havia sido implantado o programa de qualidade

total, no Hospital, e a ouvidoria detectou falhas que, mais tarde, serão alvo deste

programa. Para corrigir os aspectos falhos foram sugeridos, pelo serviço de

ouvidoria: o uso de uniformes, a transferência da área do laboratório e

51 Médicos de plantão no “Caso Anita” foram suspensos por 30 dias demonstrando que punições deste tipo são medidas de disciplinamento institucionais aplicadas a todos os trabalhadores. No entanto observou-se que no caso dos médicos as supensões foram aplicadas em casos extremos, como o acima citado (MÉDICOS, 1998).

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comportamento discreto por parte de seus funcionários.

Várias vezes, durante a trajetória do serviço de ouvidoria, foram encontradas

anotações, nas ocorrências, que o serviço “notificou a enfermeira-chefe para orientar

quanto a atitude das enfermeiras” (HF-reclamações 4/91; 13/96; 20/97).

O mesmo procedimento disciplinar, de orientação de conduta, foi encontrado

em relação aos médicos: “os médicos deveriam cuidar com comentários que podem

dar origem a reclamações justificadas ou não” (HF-reclamação 30/91), “é inaceitável

que médicos se manifestem de maneira desatenciosa para com pacientes” (HF-

reclamação 34/91). Esta orientação consistiu, muitas vezes, em reforçar normas que

envolviam procedimentos técnicos: “a reclamação serviu para que todos os médicos

do serviço recebessem orientação de reforçar a revisão placentária nas pacientes”

(HF-reclamação 8/96).

No caso de uma reclamação que envolveu vários profissionais observou-se o

mesmo padrão de orientação na conduta destes profissionais. A reclamação

registrava agressividade de funcionário da segurança e mau atendimento, gerado

também por agressividade, na recepção. O familiar do paciente aguardava o médico

em um dos andares de internação do Hospital quando foi intimado a retirar-se, de

maneira agressiva, por um segurança. Reclamou, também, que observou

discriminação contra um jovem na recepção.

Em relação ao segurança, seu supervisor afirmou que sempre recomendou a

não utilização da força para o cumprimento das ordens e que não mais ocorrerá tal

fato. A chefia da recepção respondeu que iria orientar as funcionárias para dar

informações. A chefia do corpo clínico salientou que era necessário orientar os

médicos para comunicar aos familiares de pacientes que o local de espera é no

saguão do Hospital (HF-reclamação 26/91).

Constatou-se vários casos em que, a partir de uma reclamação, o serviço de

ouvidoria propôs orientação, ao mesmo tempo, a todos os funcionários do Hospital,

indicando formas de conduta de caráter geral. A orientação consistiu em

recomendação, emitida pela chefia do corpo clínico, cargo ocupado pelo ouvidor,

para as chefias reavaliarem (normalizar) a conduta dos reclamados. Esta medida foi

tomada a partir de uma reclamação sobre comentário inoportuno de funcionária do

laboratório, diante dos pacientes: “Convém alertar todos os funcionários do HF:

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funcionários estão permanentemente sendo observados pelos usuários” (HF-

reclamação 47/91).

A reafirmação de rotinas também ocorreu, como fruto da ação da ouvidoria.

Aconteceu quando o ouvidor lembrou aos médicos da necessidade de preenchimento

completo, correto e legível, inclusive a assinatura, dos boletins de atendimento (HF-

reclamações 14/92 e 88/90). Oito anos depois, quando assume o terceiro ouvidor do

Hospital, esta rotina teve de ser reforçada (Lamb, 1998).

Bem menor foi a atuação da ouvidoria em criar novas rotinas. Quando a

reclamação envolveu fatos sobre os quais não havia normatização, o ouvidor sugeriu

ao chefe da divisão técnica que estabelecesse normas, regulamentando-os. Referiam-

se, por exemplo, à permissão para o médico visitar a paciente na sala de recuperação.

Havia ocorrido o fato de a supervisora da sala de recuperação não ter permitido a

entrada de um médico argumentando não ter recebido ordens para tal (HF-reclamação

25/91).

As reclamações indicavam, também, a necessidade de criar rotina para

comunicação entre médico assistente e familiares (HF-reclamação 43/91); criar cargo

de coordenação médica de plantão para horários noturnos, fins de semana e feriados,

devido a incidentes ocorridos nestes turnos (HF-reclamação 30/92) e normatizar a

recepção (HF-reclamação 26/98).

Verificou-se, porém, através das reclamações, que se existiu orientação de

conduta para todos os profissionais, as estratégias implantadas, para orientar as

condutas, foram diferenciadas, quando tratou-se de funcionários da recepção, área

administrativa, da equipe de enfermagem, área técnica ou do corpo clínico, área

médica.

Nas recomendações feitas pela chefia do corpo clínico, cargo ocupado na

ocasião pelo próprio ouvidor, constatou-se diferentes orientações para os

profissionais médicos e administrativos: no caso de médicos, o ouvidor sugeriu

orientá-los para informar aos familiares de pacientes que o local de espera é no

saguão. Para vigilantes e recepcionistas, a orientação foi de treinamento em relações

humanas.

Como resultado direto da ação desencadeada pela ouvidoria o

disciplinamento dos profissionais das três áreas, médica, técnica e administrativa

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resultou, em sua maioria, em medidas punitivas e de orientação da conduta. Em

menor escala houve treinamento e educação dos trabalhadores. A aplicação de

punições e as diferentes propostas de orientação de conduta informaram sobre as

estratégias de disciplinamento diferenciadas segundo a categoria profissional a que

pertenciam os trabalhadores em saúde do Hospital.

As estratégias de disciplinamento observadas, de treinamento ou discussão de

casos clínicos, foram detectadas nas recomendações, anexadas aos registros das

reclamações. Foram também relatadas em entrevistas, tanto com chefias (HF-

entrevista 8/99) como com outros profissionais em saúde (HF-entrevistas 12b; 15/99;

16/99).

Em relação ao corpo clínico, a ouvidoria propiciou estratégias que

conduziram, ao disciplinamento, através de discussões dos casos reclamados, em

seminários e em cursos de atualização científica. Para a equipe de enfermagem e para

os funcionários administrativos da recepção, verificou-se que foram aplicados, em

maior número, os dispositivos legais de advertência oral, escrita e punições, bem

como foram feitos, em menor número, treinamentos para qualificar o pessoal.

Pode-se compreender porque as discussões sobre rotinas e procedimentos

técnicos envolveram mais os médicos, pois tratava-se de como executar mais

adequadamente os procedimentos médicos, já que a maioria das reclamações, 78%,

mencionavam estes procedimentos (110 de 140) e envolviam, em maior número, os

médicos residentes. Para estes, a ouvidoria enfatizou, reiteradamente, que o serviço

não tinha caráter punitivo mas sim a finalidade de melhorar o atendimento: “O

objetivo não é punir, mas corrigir as distorções de atendimento de um serviço que já

é bom” (Brum, 1991 e HF-ouvidor, entrevista 3/99).

As discussões efetivaram-se pois envolveram suspeitas de falhas nos

procedimentos técnicos, no caso dos médicos. A discussão e a avaliação clínica

desses procedimentos foram as estratégias encontradas para contemplar a reflexão

sobre o atendimento prestado. Esta reflexão conduziu, em alguns casos, ao reforço ou

à alteração das normas que orientavam esses procedimentos.

O exemplo típico de reforço das normas foi o já mencionado caso do

preenchimento do Boletim de Atendimento, por parte dos médicos. Em diversos

momentos do período analisado, observou-se a interferência do ouvidor lembrando a

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norma de preenchimento correto e legível do Boletim (HF-reclamações 88/90, 14/92

e Lamb, 1998).

Para os demais profissionais em saúde, a estratégia de disciplinamento

efetuada foi a aplicação dos dispositivos legais institucionais. Em menor medida

ocorreram reuniões e treinamento.

Nas reuniões, oportunizadas pelas próprias chefias, eram discutidos os

procedimentos realizados e reclamados no serviço de ouvidoria. Em âmbito

institucional ocorreram sessões de treinamento profissional, associadas aos

programas de qualidade, implantados em 1996, como forma de qualificar os

profissionais do Hospital. Houve processos avaliativos e educativos dentro da equipe

de enfermagem, também.

Verificou-se que, a partir de casos específicos detectados nas reclamações,

gerou-se: 1) um processo de avaliação de serviços e setores; 2) discussão com todos

os envolvidos; 3) crítica construtiva (HF-reclamações 32/91; 49/91; 30/95; 16/97); 4)

discussão clínica dos casos reclamados (HF-reclamações 45/91; 18/92); e 5) foram

sugeridas campanhas, como as contra o fumo, por exemplo (HF-reclamação 50/93).

Para os trabalhadores reclamados, o serviço oportunizou uma forma de

reavaliar seu comportamento, por exemplo os médicos passaram a dialogar mais com

as pacientes (HF-entrevistas 1/98, 12/99, 12b/99) e os trabalhadores, da equipe de

enfermagem e da recepção, puderam saber da qualidade da prestação de seu trabalho

e da necessidade de reavaliar seu desempenho (HF-entrevistas 14/99, 16/99 e 17/99).

Segundo a percepção dos mesmos, o trabalho realizado pela ouvidoria do

Hospital Fêmina possibilitou, em alguns casos, o disciplinamento, através do

treinamento e de processos de educação. O disciplinamento dos trabalhadores,

através desses processos, foi verificado quando manifestaram que houve mudanças

nas suas práticas profissionais, depois de terem sido reclamados.

De acordo com o depoimento de uma médica, reclamada no serviço, houve

mudança pessoal. Segundo ela, com o advento da ouvidoria percebeu que "as queixas

eram por coisas pequenas", como por exemplo a falta de informação ao paciente. A

partir do evento, a médica passou sempre a se identificar e a explicar para pacientes e

para familiares os procedimentos a serem tomados e as possíveis conseqüências dos

mesmos (HF-médica, entrevista 1/98).

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Através do depoimento da mesma entrevistada pode-se perceber, porém, que

a concepção que ela tem de ouvidoria seria a de uma interação mais intensa entre os

indivíduos envolvidos nas reclamações. Ao relatar os procedimentos adotados, para a

investigação de atos médicos reclamados afetos ao seu serviço, quando ocupava um

cargo de chefia, menciona que gostaria de participar como ouvidora. Ou seja,

menciona que gostaria de escutar os reclamantes, também, já que os médicos ela

ouvia:

"Como chefe de serviço recebia as reclamações. Fazia levantamento de dados, chamava as pessoas para responder. Nunca fui escutar ninguém, não participei como ouvidora" (HF-médica, entrevista 1/98).

Resumindo, as narrativas acima conduziram à conclusão de que se efetivaram

diferentes estratégias de disciplinamento no interior do Hospital Fêmina.

Compreendendo que diferentes áreas devam ter diferentes normas disciplinares para

os funcionários, devido a situações de desempenho específicas de cada área, chama a

atenção que, para um mesmo tipo de reclamação, por exemplo, a falha no

relacionamento decorrente de mau atendimento do médico ou da recepcionista, o

disciplinamento tomou a forma de estratégias punitivas e, em menor número, de

treinamento, para os recepcionistas, afetos à área administrativa e de justificativas de

procedimentos, revisão de condutas e processos de educação, para os médicos, afetos

à área médica. Este aspecto ressalta a estrutura de poder médico existente no

Hospital, que voltaremos a abordar no próximo item.

3.8 A atuação burocrática do serviço de ouvidoria

Os efeitos desencadeados pela implantação do serviço de ouvidoria do

Hospital Fêmina foram analisados a partir de seu impacto, dentro da instituição e na

sociedade, verificando a contribuição do serviço em reforçar ou alterar o poder de

determinadas forças sociais e institucionais. Os efeitos estão relacionados com as

causas que o implantaram e com as relações desencadeadas pelo mesmo,

especificamente de envolvimento e de disciplinamento dos usuários reclamantes e

dos trabalhadores do Hospital.

O fato do Hospital Fêmina ter criado um serviço de ouvidoria em 1990, uma

política e uma prática institucional peculiar na área da saúde - ouvidoria hospitalar -

e a repercussão deste acontecimento, evidenciou sua importância social. Tanto que

foi exemplo nacionalmente, como já vimos. Mas, como todo processo é em si mesmo

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contraditório, a ouvidoria também apresentou contradições na realização e nos

resultados de seu trabalho. Os efeitos contribuíram para divulgar projetos sociais

mais amplos e para manter ou alterar as relações de força e poder institucionais.

Os efeitos sociais afetaram tanto os usuários como os trabalhadores da

instituição, como um todo, independente de sua qualificação de reclamantes ou

reclamados. Os efeitos são sociais, também, pois há repercussão deste serviço na

sociedade.

Um dos efeitos sociais, verificados com a implantação da ouvidoria

hospitalar no Hospital Fêmina foi, embora de forma incipiente, a divulgação de

idéias e a implantação de estratégias relacionadas aos projetos sociais, reformador

e liberal, na área da saúde. A data de implantação da ouvidoria, setembro de 1990 e

de publicação da Lei do SUS, dezembro do mesmo ano, demonstrou que esta relação

não se estabeleceu de forma imediata. Demonstrou, sim, que esteve mais diretamente

referida à necessidade de novas formas de gestão administrativa, sob influência do

clima da época, de crise dos hospitais públicos.

Como o Hospital não se posicionou claramente em favor de um destes

projetos sociais, impactou disseminando idéias dos dois projetos. O trabalho do

serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina relacionou-se ao projeto reformador e aos

princípios do SUS, através das medidas de democratização e de desburocratização

de acolhimento ao reclamante.

Ao oportunizar ao usuário um canal para ouvir sua voz, a instituição tornou-

se permeável aos princípios de democratização e desburocratização e aberta à

participação e controle dos usuários sobre a prestação do atendimento. Lembremos

que, na época, os hospitais públicos repensavam alternativas para manter a qualidade

de atendimento e as soluções do tipo programas de qualidade ainda não estavam

muito difundidas, principalmente na área da saúde e particularmente em hospitais.

Ao optar por ouvir a voz do usuário como mecanismo político de recuperação

da instituição, o Hospital Fêmina tomou medidas democratizantes, embora este não

tenha sido uma meta claramente definido por seus propositores. Entretanto, pelo fato

de ser um hospital público, a adoção desta medida é democratizante, pois, para os

seus usuários, diferentemente dos usuários de um hospital particular, não há opções

de buscar um atendimento alternativo.

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A criação do serviço de ouvidoria, como forma de desburocratizar a relação

instituição-usuário, oportunizando um canal mais ágil para o usuário reclamar, estava

expressa nos textos que fundamentaram a criação deste serviço, ao contrário do

princípio democratizante, que não fazia parte das metas explícitas. Ressalte-se

todavia que, se a intenção do Hospital era criar um serviço de ouvidoria como

medida de desburocratização institucional, o efeito de sua criação deu-se no sentido

contrário. O procedimento de não receber o usuário reclamante, no primeiro

momento, mas agendar a realização de uma entrevista, burocratizou ainda mais as

relações entre a instituição e o usuário.

O serviço de ouvidoria relacionou-se ao projeto liberal, na área da saúde,

pois divulgou a prática e as idéias de empresa moderna, da satisfação da clientela, da

necessidade de modernização e da garantia da qualidade. Estas foram as idéias

veiculadas mais tarde pelos programas de qualidade total. Neste caso, a ouvidoria

atuou, abrindo caminho para a implantação deste último.

Verificou-se que o serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina não foi instalado

como um projeto de poder médico-hospitalar, explicitamente definido. Porém, ao ser

criado, pelos médicos, como um programa de fortalecimento intra-institucional,

caracterizou-se como uma micropolítica relativamente autônoma dos projetos sociais

mais amplos, resultando na ampliação desse poder. Também a forma como conduziu

seu trabalho fez com que o mesmo fosse fortalecido.

Os efeitos institucionais da criação do serviço de ouvidoria foram resultado

de ações que, em alguns casos, contribuíram para manter e, em outros, para alterar a

correlação de forças existentes no Hospital. Esta correlação diz respeito as relações

que se estabelecem entre os sujeitos sociais, com interesses diversos. Neste caso, são

eles o hospital, os usuários e os trabalhadores em saúde. Remetem para relações de

poder e de exclusão social, vigentes na sociedade e presentes no âmbito hospitalar.

O resultado mais significativo da implantação do serviço de ouvidoria,

contribuindo para alterar as relações institucionais, expressou-se na difusão de uma

cultura de aceitação de reclamações, por parte do corpo clínico do Hospital. Era

difícil, para os médicos, aceitarem reclamações de pacientes antes do serviço ser

instalado. Alterou algumas das relações institucionais vigentes, porque atuou

envolvendo e disciplinando os usuários e os trabalhadores em saúde.

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Entretanto, considerando o tipo de envolvimento que caracterizou sua ação -

aplacação -, e o tipo de disciplinamento das relações institucionais, a ouvidoria

contribuiu para manter e não para alterar as relações institucionais reforçando o

poder de determinadas forças, no caso, médico-hospitalar.

O envolvimento dos usuários teve como característica principal a atuação do

tipo aplacação e o disciplinamento efetivou-se no sentido de orientar a conduta dos

reclamantes e encaminhar a investigação das reclamações. Ao ouvir o usuário,

contemporizou problemas institucionais, aplacando a relação desigual e de conflito

entre a instituição, os profissionais de saúde e os usuários. O conflito se instalou na

medida em que os sujeitos que se defrontaram no serviço de ouvidoria tinham

expectativas diversas em relação ao atendimento hospitalar e ao tipo de trabalho que

deve ser realizado por um serviço de ouvidoria.

Quando o serviço de ouvidoria orientou e disciplinou os usuários no

encaminhamento de suas reclamações sobre os serviços ofertados pelo Hospital,

contribuiu para assegurar a reprodução das relações institucionais, pois a disciplina é

uma das formas de assegurar esta reprodução (Foucault, 1992). As respostas ao

usuário foram, também indicativas da aplacação, pois ficaram arquivadas no setor,

não chegando ao interessado.

O envolvimento dos trabalhadores em saúde teve como característica o

desenvolvimento de relações de integração passiva, bem como de adesão. Ao

envolver os trabalhadores em saúde na implantação do programa, a direção do

Hospital apenas comunicou a decisão à maioria dos mesmos, envolvendo-os

passivamente nesta decisão. Mas, quando a administração justificou a implantação

do serviço às chefias médicas e aos médicos, envolveu-os de forma a conquistar sua

adesão ao projeto.

Durante o desenrolar do trabalho da ouvidoria a adesão foi mantida mas de

forma burocrática, como pode observar-se pelos procedimentos de encaminhamento

e de resposta às solicitações do ouvidor. A ação praticada com mais freqüência pela

ouvidoria, envolvendo os profissionais em seu trabalho, foi o procedimento de enviar

e solicitar as investigações de forma burocrática, através de um “papel” ao qual

deveria ser dado o devido encaminhamento. As chefias, ao receberem as

reclamações, investigaram e responderam burocraticamente ao serviço. A grande

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maioria delas assim o fez, demonstrando a adesão às investigações. Responderam

justificando os procedimentos adotados pelos profissionais que resultaram na queixa,

bem como informando a aplicação dos dispositivos legais institucionais.

A ouvidoria propiciou que as chefias disciplinassem os reclamados através da

punição ou da justificativa de seus atos. Oportunizou, ainda, que a orientação da

conduta dos mesmos se efetivasse. Após o disciplinamento do seu comportamento

passaram a ter mais cuidado em suas condutas profissionais:

"Eu acho que é um benefício indireto, porque à medida em que eles sabem que existe um serviço de ouvidoria, eles procuram se comportar de uma maneira mais correta, não é. E isso de uma forma indireta o beneficia, porque ele está sendo melhor visto dentro do contexto da Instituição" (HF-ouvidor, entrevista 5/99).

Os efeitos da atuação do serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina foram

avaliados diferentemente por usuários, pela instituição e por seus profissionais,

demonstrando interesses e conflitos divergentes, segundo a posição em que os

sujeitos, confrontados nessa relação, ocupam na estrutura institucional e social. Para

a instituição, nas palavras de ouvidores e administradores, foi considerado que os

benefícios da atuação do serviço foram "enormes, porque, levando a resposta para o

reclamante nós conseguimos apaziguar, levar a um entendimento mútuo" (HF-

ouvidor, entrevista 3/99). Ressalte-se aqui a estratégia de aplacação.

Para os usuários entrevistados, buscar o serviço significou uma forma de

diminuir a irresponsabilidade da medicina, desde que houvesse punição. A punição

deveria ser aplicada, tanto no caso de falhas nos procedimentos técnicos médicos

como no relacionamento humano. Estes usuários demonstraram desconfiança na

efetiva punição dos médicos responsáveis pelos procedimentos técnicos, que

causaram danos reais, como, por exemplo, infecção puerperal. (HF-usuários,

entrevistas 22/99, 25/99, 26/99, 27/99).

Destaque-se que, no momento da criação do serviço de ouvidoria, para

conquistar a adesão dos médicos, foi enfatizado que o objetivo do serviço não era

punir. Assim comprova-se a diferença de objetivos com que usuários e médicos

concebem um serviço de ouvidoria, demonstrando interesses diversos destes grupos

sociais. Como os usuários não tiveram retorno e não souberam se as normas

disciplinares de rotina foram aplicadas, mais uma vez evidencia-se o caráter

aplacador e burocrático do serviço.

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No interior da instituição hospitalar reproduziram-se as relações desiguais e

de poder que se originam na sociedade, e que se manifestaram nos conflitos de

relacionamento humano, como as relações estabelecidas entre médicos e usuários,

por exemplo. Mas, como toda relação de força é uma relação recíproca entre

estratégias de poder e estratégias de luta (Foucault, 1992) verificou-se, por outro

lado, que a estratégia de luta dos usuários do Hospital foi realizar reclamações sobre

o atendimento prestado pelos profissionais em saúde. Mesmo não sendo uma

estratégia de luta organizada, ela teve como um de seus resultados que o trabalho da

ouvidoria fosse desenvolvido no sentido da conscientização dos médicos sobre o

direito do paciente de ser ouvido: "Na época reclamação de paciente era tabu" (HF-

ouvidor, entrevista 3/99).

Assim, no caso em análise, como a relação entre médicos e usuários é

intermediada pelo SUS, acontece, muitas vezes discriminação social dos pacientes.

Esta foi vislumbrada, tanto em relação ao atendimento médico, como em relação ao

tratamento recebido no próprio serviço de ouvidoria.

O atendimento médico discriminatório foi motivo de várias reclamações e

também relatado em entrevistas, quando usuárias afirmaram que os médicos "ficaram

naquela função deles ali, rindo e gozando", ou "me deixaram duas horas esperando

na mesa da cirurgia com um simples avental, gelada" (HF-usuárias entrevistas 22/99,

23/99 e 26/99). Em diversas reclamações as usuárias queixaram-se do

comportamento agressivo dos médicos, ao chamá-las de “gordas” “magrelas”,

“fiteiras” e em fazer deboche (HF-reclamações 03/91, 20/91, 04/94, 15/94, 30/94,

19/96, entre outras).

Esses relatos demonstraram que são múltiplas as práticas que asseguram a

reprodução das relações de classe. Essas se efetivam no campo do simbólico e dos

vínculos culturais, como o demonstrou Bourdieu, em seus trabalhos sobre a

reprodução social e as práticas simbólicas de distinção (1975, 1988, 1989, 1992,

1996). No caso estudado, através do deboche, os médicos discriminaram as

pacientes, ainda que para eles possa representar uma forma jocosa de conduzir o

relacionamento com as mesmas. Por meio desta desvalorização da paciente

demonstraram uma forma de distinção, a ponto de levá-las a registrar uma

reclamação. Ao reclamarem na ouvidoria, ficou evidente, pelos seus relatos que se

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efetivaram os conflitos simbólicos que conduzem à reprodução das relações de

classe.

É por isso que, para usuários e instituição, as reclamações têm importância

diferenciada. Para os primeiros, as reclamações são uma forma do Hospital e dos

médicos terem mais responsabilidade e melhorar a qualidade de atendimento (HF-

usuárias e familiares, entrevistas 22/99, 25/99, 26/99, 27/99). Para alguns

representantes do Hospital as reclamações são de pequena monta, são sobre coisas

simples, pequenos problemas como falta de informação ao usuário (HF-ouvidor e

médica, entrevistas 4/99, 1/98). Lembremos, contudo, que as reclamações relatavam,

também, problemas mais graves como os de suspeita de falhas nos procedimentos

técnicos, principalmente, médicos.

Junto ao serviço de ouvidoria, os usuários sentiram a discriminação devido à

dificuldade em ter alguém para atendê-los quando foram registrar a reclamação:

"Não é possível que a pessoa não tenha a quem recorrer e um passa para o outro e

não é comigo, não é comigo e a pessoa fique lá dentro feito um, um animal. Eu fiquei

jogado feito um animal lá" (HF-familiar de usuária, entrevista 27/99).

No serviço de ouvidoria os reclamantes, algumas vezes, sentiram,

desinteresse por parte do mesmo e falta de resolutividade, imputando as causas desta

atuação ao fato de serem usuários do SUS. Destaque-se que, na entrevista com os

usuários, foi solicitada a avaliação do trabalho realizado pelo serviço de ouvidoria,

no seu caso. A atribuição de uma nota numérica foi feita espontaneamente por quase

todos os usuários:

"Olha, avaliação nenhuma. Eu dou nota zero porque a partir dali eu não soube de mais nada. Eu acho que eu deveria ter sido procurado pelo Hospital, para, para dar um fim nisso, achar justificativas, que não teria, eles não teriam justificativas e eles também reconhecessem o erro deles né? Mas o reconhecimento do erro deles, deviam de me ressarcir desses problemas que eu tive lá" (HF-familiar de usuária, entrevista 27/99). "Então, para o desempenho do responsável (pela ouvidoria-LHP), eu não daria. Olha! Daria 40% e ainda era o bastante" (HF-usuária, entrevista 22/99).

Uma usuária, entretanto manifestou uma avaliação positiva do serviço, com

ressalvas, pelo fato de não obter resposta:

“Da ouvidoria, no Hospital Fêmina, nota dez. No meu caso, nota dez. Agora só uma ressalva. Eles não me deram retorno. Eles não se interessaram em me dar o retorno. Não sei se eu esperei por eles ou eles esperaram por mim, mas não houve ali um acordo de ambas as partes. Ali não ficou definido” (HF-

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usuária, entrevista 23/99).

O sentimento que os usuários manifestaram reforça a conclusão de que, para

eles, o serviço de ouvidoria apresentou pouca resolutividade e atuou no sentido

discriminatório, pelo fato de serem usuários do SUS. Essa certeza na avaliação da

ouvidoria derivou da característica de sua ação ser de aplacação. Esta avaliação foi

resultado não só da falta de resposta ao usuário reclamante, mas também, em relação

a todo o processo desencadeado pelo serviço:

"É. Então, é aquele negócio, lidar com o público particular, que vai pagar particular, a coisa muda. Eles têm um nível de maior respeito. Também de certo a ouvidoria, mesmo os responsáveis, acham que podem ser tratados diferente, porque o SUS, o INPS paga pouco" (HF-usuária, entrevista 22/99).

De fato, entrevistados reclamantes, esposos de usuárias, afirmaram que pela

forma como foram atendidos pelo ouvidor, concluíram que ele não estaria

empenhado em levar adiante a investigação e resolver o problema. Levar adiante

aqui não significa que não tenham sidos apurados os fatos e ouvidos os reclamados,

mas sim, que os entrevistados reclamantes ficaram com a sensação, de que não seria

dada solução efetiva ou alteração real dos fatos que geraram a reclamação (HF-

usuários, entrevistas 22/99, 26/99, 27/99).

Estas observações evidenciam que dentro da estrutura hospitalar é

reproduzida, pela instituição e seus profissionais de saúde, a exclusão social a que

estão submetidos os usuários do Hospital Fêmina enquanto cidadãos também

excluídos na sociedade. Os usuários relataram ainda que, apesar da situação precária

e de miséria em que eles, muitas vezes, vivem, médicos tiveram a coragem de propor

a cobrança por seus honorários e sugerirem que os usuários vendessem sua casa para

pagar os procedimentos médicos. Estes fatos foram motivos de várias reclamações,

algumas das quais geraram pareceres da comissão de ética médica do Hospital, e

foram mencionados, também, em entrevistas.

A diferença entre os objetivos dos usuários, ao procurar a ouvidoria, e os

objetivos da instituição, dentre os quais a intenção em aplacar os reclamantes, ficou

clara nas palavras de ouvidor entrevistado, quando explanou sobre as formas de

respostas que ele buscava junto às chefias:

"Sempre respondiam (as chefias-LHP), às vezes no tempo pedido, às vezes fora do tempo, mas respondiam, porque eu ficava em cima, eu digo, olha aqui oh, cobra do fulano a resposta da, seja qual for a justificativa dele, eu preciso porque eu tenho que completar tudo aqui, porque eventualmente

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pode isso aí evoluir para uma outra coisa, eu tenho que ter toda, não é" (HF-ouvidor, entrevista 4/99).

Esta afirmação possibilitou duas observações. Uma delas é que, se a resposta

institucional foi efetiva, demonstrando a adesão das chefias ao serviço de ouvidoria,

percebe-se que a resposta foi buscada pela resposta em si mesma: "seja qual for a

justificativa" e não pela qualidade da mesma, o que seria atingido se o usuário fosse

ouvido e a ele fosse, realmente, dado o direito à voz. Verificou-se ainda, nas

entrelinhas, a preocupação dos médicos em evitar processos judiciais.

Assim, os efeitos do serviço de ouvidoria foram de propiciar, a reprodução

das relações institucionais que dão aos médicos o poder na instituição. O fato do

serviço ter sido pensado e implantado por gestores da área médica, bem como

divulgada de forma a ganhar, em especial, a adesão dos médicos para o projeto,

confirma o poder médico nos hospitais. O fato do ouvidor ser tradicionalmente da

área médica indicou, também, este poder.

Os médicos aderiram ao serviço porque seria uma forma de proteção contra

ações judiciais. Segundo os depoimentos colhidos, os processos judiciais

continuaram a acontecer após a criação do serviço, mas em menor número. Já os

demais trabalhadores aceitaram a implantação e consideram válido o trabalho

desenvolvido (HF-médicos, equipe de enfermagem e recepcionistas, entrevistas

12/99, 12b/99, 14/99, 16/99 e 17/99).

Os resultados da ação da ouvidoria, na melhoria da qualidade dos serviços do

Hospital, foram detectados como positivos nos raros casos em que a instituição

tomou-as como forma de consulta aos usuários. Nestes casos desencadeou mudanças

institucionais e desenvolveu estratégias de interação que envolveram os

profissionais de saúde do Hospital.

No primeiro caso, o Hospital Fêmina implantou modificações que

melhoraram o desempenho institucional e trouxeram solução ao usuário. As

respostas para as quais vê-se, com mais facilidade, as soluções são as que tratavam

de problemas menos complexos, mas não menos importantes. São as reclamações

cujas respostas resultaram, principalmente, em: marcação de consultas ou exames

extras, no caso de falha da instituição; conseguir internação e troca de médico por

solicitação da usuária; entre outras. Este tipo de problema, em que foi possível à

ouvidoria dar um retorno imediato ao reclamante, demonstrou em que casos o

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serviço atuou de forma resolutiva e teve mais força institucional. O impacto foi

verificado através das respostas efetivamente dadas aos usuários que foram quase

imediatas nestes casos.

O impacto institucional e social do serviço de ouvidoria foi mais efetivo,

portanto, nos casos em que houve a intermediação do ouvidor, relatando ao usuário o

resultado, em termos institucionais, de sua reclamação. Isto ocorreu quando efetivou-

se uma segunda entrevista com o usuário ou na redação da resposta, pelo ouvidor,

relatando os procedimentos institucionais gerados pela reclamação. Este tipo de

resposta foi dada em menor proporção, relativamente ao todo das reclamações

registradas no serviço, e dependeu do tipo de reclamação registrada.

Daí confirmar-se que, através das reclamações, é possível identificar

problemas estruturais e funcionais que afetam a relação entre os usuários e o

Hospital. Por um lado, indicam se os problemas existentes são estruturais e

necessitam de medidas mais amplas e de políticas de saúde para superar tais

problemas. Por outro lado se são problemas funcionais e se está ao alcance do

Hospital diminuir seu impacto sobre os usuários.

Resumindo, a partir dos dados pesquisados e da análise realizada afirma-se

que os resultados até agora alcançados pelo serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina

foram de promover estratégias de aplacação e não ampliar a voz do usuário. Dar

voz ao usuário ocorreria no caso das reclamações serem levadas em conta, pela

instituição, como uma forma de consulta dos serviços prestados por seus

profissionais. Em relação aos trabalhadores em saúde as estratégias de envolvimento

foram desenvolvidas buscando a sua adesão e o disciplinamento foi punitivo ou

justificativo. Agindo assim, o serviço de ouvidoria caracterizou-se por uma ação

burocrática.

Evidenciou-se que as reclamações registradas no serviço de ouvidoria do

Hospital Fêmina apresentam características institucionais e sociais. Embora elas

sejam visualizadas pela instituição como resultantes de problemas individuais são,

intrinsecamente, sociais, pois apontam para problemas que se repetiram e indicam

formas constantes de interação social entre a instituição hospitalar, seus

trabalhadores em saúde e os usuários que buscaram o serviço.

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4 O sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

4.1 O Hospital universitário na conjuntura atual

Desde 1931, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul pensava na construção de um hospital universitário. A pedra

fundamental foi lançada em 1943, sendo que a construção do Hospital de Clínicas de

Porto Alegre (HCPA) foi iniciada no final dos anos 40. Devido à diversos problemas,

que retardaram as obras, estas se estenderam pelas décadas de 40, 50 e 60. Em

setembro de 1970, com o prédio já praticamente concluído, foi assinada, em âmbito

Federal, a Lei 5.604, tornando o Hospital de Clínicas uma Empresa Pública de

Direito Privado, vinculada ao Ministério da Educação.

No início de 1971, começaram a entrar em funcionamento alguns serviços

assistenciais. Em julho do mesmo ano, o estatuto do Hospital foi aprovado e

publicado no Diário Oficial da União. Em fevereiro de 1972, o ambulatório abriu as

portas, com 43 consultórios e, em maio, foi inaugurada a unidade de internação do

quarto andar, ala norte. A integração com a Universidade foi ampliada quando, em

1974, a Direção e a Biblioteca da Faculdade de Medicina foram transferidas para o

prédio do Hospital de Clínicas. Pouco a pouco, as atividades de ensino e pesquisa

foram sendo expandidas, com a abertura de novos espaços para a atuação de

docentes, acadêmicos e pesquisadores.

Ao longo dos anos o Hospital de Clínicas de Porto Alegre conquistou o

reconhecimento como centro de excelência e referência em saúde. Desenvolve,

prioritariamente, atividades de assistência à saúde, ensino e pesquisa. Além dessas o

Hospital realiza diversas atividades que o caracterizam pela preocupação em

contribuir para o bem-estar e a qualidade de vida da comunidade. Este conjunto de

características gerou o conceito de Hospital Universitário de Atenção Múltipla.

O objetivo do Hospital de Clínicas é “formar recursos humanos, gerar

conhecimentos, prestar assistência de excelência e referência e através da

maximização do aproveitamento da infra-estrutura instalada, transpor seus objetivos

próprios, atuando decisivamente na transformação de realidades e no

desenvolvimento pleno da cidadania, qualificando-se, desta forma, como Hospital

Universitário de Atenção Múltipla” (Hospital de Clínicas, 1998a).

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174

O Hospital de Clínicas está classificado como hospital universitário, de

administração federal indireta, vinculado ao Ministério da Saúde e ao Ministério da

Educação. Atende as mais diversas especialidades de tratamento, aspecto intrínseco à

sua condição de hospital com especialidades. As mesmas encontram-se relacionadas

na Quadro1 do Anexo D.

Os dados considerados relevantes para mostrar a situação do Hospital de

Clínicas de Porto Alegre, na conjuntura atual, referem-se à capacidade de seu

atendimento quanto ao número de leitos, de consultórios, de trabalhadores, de

internações e de procedimentos realizados. Indicam, também, a procedência do

usuário atendido no Hospital. Lembrando a dinamicidade dos dados sobre a estrutura

dos hospitais (capacidade de atendimento) eles foram apresentados através da média

mensal demonstrando o número de funcionários e a variação conjuntural de

atendimento verificada. Isso permitiu a comparação entre os períodos analisados.

Esses dados foram aqui explicitados para que as reclamações possam ser

compreendidas e inseridas na situação institucional do Hospital.

A área física do Hospital de Clínicas é de 92.132m2 contando, no primeiro

semestre de 1999, com uma capacidade operacional média mensal de 725 leitos e de

66 leitos de UTI. Para as consultas ambulatoriais programadas havia um total de 129

consultórios e dez consultórios para as consultas ambulatoriais de emergência

(SAMIS, 1999b). O quadro de pessoal do Hospital de Clínicas era, em média, de

3.688 (GRH, 1999a) funcionários, dos quais 239 professores da faculdade de

medicina, 20 professores da faculdade de enfermagem e 300 residentes, somando

4.248 trabalhadores em saúde no Hospital (GRH, 1999a).

TABELA 1- Estrutura de atendimento do Hospital de Clínicas– 1997-1999

Leitos e consultórios 1997

Média mensal jan-dez

1998 Média mensal

jan-dez

1999 Média mensal

jan-jun Leitos-capacidade instalada 751 751 751 Leitos-capacidade operacional 725 725 725 UTIs 66 66 66 Consultórios do ambulatório 114 107 129 Consultórios da emergência 13 10 10

Fonte: HCPA-Relatórios de gestão 1997, 1998d; HCPA-SAMIS, 1999b; HCPA-GRH, 1999a.

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TABELA 2 - Estrutura de recursos humanos do Hospital de Clínicas – 1997-1999

Trabalhadores em saúde 1997

Média mensal jan-dez

1998 Média mensal

jan-dez

1999 Média mensal

jan-jun Professores Fac. Medicina 233 237 239 Professores Fac. Enfermagem 18 20 20 Médicos residentes 300 300 300 Funcionários 3.690 3.685 3.688

Total de trabalhadores em saúde 4.241 4.243 4.248 Fonte: HCPA-Relatórios de gestão 1997, 1998d; HCPA-SAMIS, 1999b; HCPA-GRH, 1999a.

No Hospital de Clínicas verificou-se que não houve diminuição na sua

capacidade instalada: número de leitos, de consultórios, de trabalhadores, como

ocorreu no Hospital Fêmina. No Hospital de Clínicas estes indicadores sofreram

apenas pequenas variações no decorrer do período, mantendo-se dentro de uma

lógica de recuperação desta capacidade e do número de trabalhadores do Hospital.

Saliente-se o significativo aumento no número de consultórios do

ambulatório, pois o atendimento nas consultas ambulatoriais diminuiu, nestes últimos

três anos, tanto no que se refere a consultas programadas, que realizam-se nos

consultórios do ambulatório, como na emergência. Em contrapartida, houve um

acréscimo no número de internações, de cirurgias e de partos. Para ter-se uma idéia

das dimensões de atendimento do Hospital de Clínicas salienta-se o atendimento

ofertado pelo mesmo de 1997 a 1999.

TABELA 3- Atendimento do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - 1997-1999

Atendimento nas várias modalidades 1997

Média mensal jan-dez

1998 Média mensal

jan-dez

1999 Média mensal

jan-jun Consultas ambulatoriais programadas 42.558 42.516 41.108 Consultas ambulatoriais de emergência 6.289 5.670 5.459

Total de consultas ambulatoriais: 48.847 48.186 46.567 Internações 2.096 2.239 2.217 Cirurgias 2.256 2.280 2.339 Partos 312 375 394

Exames 173.511 174.651 173.733 Fonte: HCPA-Relatórios de gestão, 1997, 1998d; HCPA- SAMIS, 1999b.

O aumento no número de ambulatórios do Hospital não foi suficiente, porém,

para responder à procura por estes serviços especializados e a diminuição no

atendimento de emergência gerou problemas. Assim, constatou-se grande demanda

por atendimento nos consultórios do ambulatório e superlotação na emergência, fatos

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176

que ocasionaram, muitas vezes, reclamações registradas por usuários junto ao

sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas.

O Hospital de Clínicas atendeu, em 1999, um número significativo de

usuários do SUS, recebendo, em média no período, 47.000 usuários em suas

consultas ambulatoriais, sendo, aproximadamente, 90% nas consultas programadas e

10% no setor de emergência. Lembremos de que, no Hospital Fêmina, por ser um

Hospital que realiza grande número de partos, este percentual chegou a 30%.

Quanto à internação, verificou-se que o Hospital de Clínicas atendeu, em

1998, em média, quase 25 mil usuários por ano, disponibilizando 91% da mesma

para os usuários do SUS. Os dados sobre a internação, no Hospital de Clínicas, estão

ilustrados na Tabela 4.

TABELA 4- Internação segundo tipo de convênio no Hospital de Clínicas-1997-1998

Usuários do Hospital 1997 1998 Ingressos % Ingressos %

SUS 20.830 91.47 24.497 91.18 Convênios 1.559 6.84 2.019 7.51 Particulares 382 1.67 350 1.30

Total 22. 771 99.98 26.866 99.99 Fonte: HCPA-Relatórios de gestão, 1997, 1998d, HCPA-SAMIS, 1999b.

Em 1998, o usuário do Hospital de Clínicas era proveniente em sua maioria,

de Porto Alegre, 54%, enquanto que 31% originou-se da Região Metropolitana e

15% dos usuários eram residentes no Interior do Estado. Os dados sobre a

procedência do usuário referem-se às internações, às consultas ambulatoriais

programadas e às consultas de emergência.

Tomando como parâmetro as cotas de consultas ambulatoriais programadas,

definidas pela Central de Marcação de Consultas da Secretaria Municipal da Saúde,

de 55% para Porto Alegre, de 30% para a Região Metropolitana e de 15% para o

Interior, verificou-se que há uma correspondência entre estas e as do Hospital. Há

uma maior similitude do que no caso do Hospital Fêmina, referido anteriormente.

Entretanto, diferenciam-se, particularmente em relação à Porto Alegre, aos

indicadores da procedência do usuário reclamante do Hospital de Clínicas, colhidos

por esta pesquisa conforme será demonstrado mais adiante. A procedência do usuário

do Hospital de Clínicas é apresentada na Tabela abaixo.

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TABELA 5 - Procedência do usuário do Hospital de Clínicas-1998

Localidade de procedência do usuário 1998 %

Porto Alegre 53.6

Grande Porto Alegre 31.1

Interior Rio Grande do Sul 15.0

Outros estados 0.30

Total 100.00 Fonte: HCPA-Relatórios de gestão, 1997, 1998d, HCPA-SAMIS, 1999b.

Além da prestação de serviços na área de assistência à saúde, o Hospital de

Clínicas, sendo um hospital universitário, desenvolve intenso trabalho nas áreas de

ensino e pesquisa. Serve de campo de ensino para alunos de graduação, residência

médica, pós-graduação, em nível de especialização, mestrado e doutorado,

possibilitando ainda a realização de estágios e intercâmbios internacionais. A

atividade de pesquisa é coordenada pelo Grupo de Pesquisa e Pós-graduação, que

recebe e avalia projetos de pesquisa. São realizadas consultorias e programas de

iniciação científica com alunos de graduação. O Hospital conta, ainda, com uma

revista, um centro de pesquisas biomédicas e uma biblioteca setorial de medicina.

Complementa suas atividades oferecendo Programas de Atenção Comunitária

dentre os quais destacam-se: Programa de Apoio Pedagógico aos Pacientes

Pediátricos com Longo Período de Permanência ou Internações Múltiplas e os

Grupos de Auto-Ajuda, estes abrangendo áreas como transtornos de humor,

preparação para parto, cardiopatias e pneumopatias, aleitamento, mulheres com

HIV+, gestante diabética, gestante adolescente, mães adolescentes, mastectomizados,

fumantes, mastologia, futuros pais, psiquiatria, psicologia, neuro memória, clínica

para adolescente, criança asmática e nutrição, entre outros (HCPA, 1998d). Os dados

acima evidenciados demonstram a importância do Hospital de Clínicas no

atendimento aos usuários do sistema único de saúde de Porto Alegre e de todo o Rio

Grande do Sul, mas, sem dúvida, sua relevância está na ampla gama de

especialidades oferecidas e no atendimento da mais alta complexidade, nessas

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especialidades52.

A intensa procura por atendimento programado, de emergência e de

internação, e o fato da capacidade estrutural (número de leitos e de funcionários, por

exemplo) continuar a mesma, no período analisado, ocasionaram dificuldades para

aumentar a quantidade de serviços prestados, gerando problemas funcionais internos,

como a sobrecarga de trabalho dos funcionários e a superlotação do Hospital.

Problemas relativos à estrutura e ao funcionamento do Hospital de Clínicas foram

motivos de reclamações, registradas no sistema de ouvidoria, conforme veremos a

seguir.

Dificuldades como a excessiva demanda de atendimento nos ambulatórios, a

superlotação na emergência e a falta de leitos foram, também, relatados, pelos

profissionais que trabalham no Hospital de Clínicas, como os maiores problemas do

Hospital em 1999, época da realização da pesquisa. Estes foram decorrentes de

problemas estruturais e geraram problemas funcionais. Como problemas estruturais

foram citados a limitada capacidade física, número de salas, consultórios e leitos, por

exemplo, e a escassez de recursos humanos do Hospital.

Muitos problemas funcionais foram, também, mencionados. Os entrevistados,

chefias, médicos, enfermeiros e recepcionistas, afirmaram que a excessiva demanda

pelos serviços hospitalares, ambulatoriais, de emergência e de internação,

aumentaram a carga de trabalho dos profissionais, sendo uma das causas dos maiores

problemas com os quais eles precisam lidar no cotidiano de seu trabalho. A situação

gerava sobrecarga de trabalho e conseqüentemente estresse.

A capacidade limitada do serviço se refletia na necessidade de rapidez de

atendimento. Foi assim que alguns profissionais entrevistados citaram, como

problema, a morosidade de atendimento nos ambulatórios, relacionada ao

treinamento de acadêmicos, mestrandos e doutorandos e à falhas da recepção no

encaminhamento de pacientes. A excessiva demanda, na emergência, gerava o

52 Em 1997 o HCPA recebeu o prêmio de Hospital Amigo da Criança da UNICEF-Fundo das Nações Unidas para a Infância e Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 1998 recebeu certificação de adesão ao Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade. A adesão se deu para possibilitar um processo de auto-avaliação da instituição, segundo os critérios deste Programa. O Hospital não concorre a prêmios neste Programa. Em 1998, foi a única instituição brasileira, da área da saúde, a ganhar o Prêmio Qualidade do Governo Federal, em avaliação feita pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) (HCPA, 1998d).

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cancelamento de cirurgias eletivas, em decorrência da necessidade de internação a

partir da emergência (HCPA- trabalhadores em saúde, entrevistas 7/99, 8/99, 10/99,

11/99, 14/99, 16/99, 17/99; entre outras).

Os problemas listados pelos trabalhadores em saúde do Hospital de Clínicas

evidenciam a situação que enfrenta o Hospital. Observe-se estes problemas citados

nas palavras de alguns dos profissionais entrevistados, médicos, enfermeiros e

recepcionistas, quando afirmaram:

“Olha! Eu diria assim que os, os principais problemas são aspectos funcionais. Nós temos um serviço muito bom, ele atende adequadamente, atende, corretamente, se faz uma boa medicina, mas existem dificuldades funcionais, assim que a demanda é muito grande, há dificuldades em realização de procedimentos cirúrgicos, muitas vezes por falta de leitos, como por exemplo, temos cirurgias marcadas, eletivas, marcadas com antecedência, e no dia anterior à cirurgia o paciente não pode baixar porque houve muitos casos de emergência que devem ser hospitalizados, ocupam os leitos, então isso, essa é uma grande dificuldade, assim, funcional. Eu acho que outra questão que eu sinto é em relação aos recursos humanos, principalmente da área de enfermagem. As demandas são muitas” (HCPA-equipe de enfermagem, entrevista 7/99). “Ah! pois é. É uma agenda puxada, é que é assim, a agenda nossa, dos contratados que atendem esse tipo de ambulatório, é uma agenda independente. De repente tu chega ali, tu vais ver paciente que era para ser atendida há uma hora e são quatro horas da tarde e ela ainda não foi atendida, e aí, existe uma série de coisas. Elas esqueceram de passar o nome da paciente. É uma morosidade do atendimento, de quem está atendendo, o treinamento de acadêmicos, doutorandos, residentes” (HCPA-médica, entrevista 11/99). “Olha, na minha área, eu acho assim, é uma área muito, como é que eu vou te explicar, como todas as áreas, tem bastante demanda de paciente. Acho que a grande causa assim de muita reclamatória, até de falta de consulta, eu acho que é o próprio sistema” (HCPA-recepcionista, entrevista 17/99). “Eu acho assim que a equipe é boa, apesar de estar meio estressada, mas eu não noto falta de educação. O que as pessoas queixam muito é que levam muito tempo para internar. Isso é uma coisa estrutural” (HCPA-chefia recepção-entrevista 10/99).

Todos os entrevistados foram unânimes em afirmar que, apesar do estresse

resultante do tipo de trabalho e das condições atuais já mencionadas, gostam de

trabalhar no Hospital e apontam o atendimento do mesmo como dos melhores.

Consideram o Hospital de Clínicas como “uma ótima instituição”. Aquela médica

entrevistada, que citou a morosidade, relacionando-a com o fato do Hospital de

Clínicas ser um hospital escola, não questiona este aspecto, mas a demora associada à

necessidade de formação profissional, onde o trabalho a ser realizado é mais discutido,

explicado, orientado. Por outro lado, a mesma afirma "acho que o Hospital ainda se

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torna um local diferenciado de atendimento e de aprendizado” (HCPA-médica,

entrevista 11/99).

Problemas relacionados com a escassez de recursos como, por exemplo, o

teto financeiro estimado pela Secretaria Municipal da Saúde não ser suficiente para

pagar as despesas com os usuários do SUS, bem como a necessidade de pensar

alternativas para diminuir os custos com os serviços hospitalares, foram citados por

entrevistados mais diretamente ligados à administração do Hospital (HCPA-vice-

presidência médica, entrevista 1/99).

A situação observada no Hospital de Clínicas e relatada nas entrevistas por

seus trabalhadores é notícia na imprensa local, divulgada em 11 de março de 1999

com o seguinte texto:

“Emergência do Clínicas superlotada. A situação do setor de emergência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre é caótica. Na manhã de ontem havia 26 pacientes na sala de observação de adultos aguardando internação. Ao menos 10 esperavam vagar um leito há quatro dias. Na sala de procedimentos, com capacidade para 13 pacientes, havia 31, sentados em cadeiras nos corredores” (Emergência, 1999).

A situação aqui descrita, observada no Hospital e confirmada nas entrevistas

realizadas, permite concluir que também o Hospital de Clínicas, assim como já foi

constatado no caso do Hospital Fêmina, passa pelas mesmas dificuldades que

atingem os hospitais públicos no Brasil. Os problemas de superlotação, falta de

recursos para contemplar os custos efetivos com atendimento, entre outros, são

agravantes que podem por em risco a qualidade de atendimento, tão buscada por seus

profissionais.

Destaque-se ainda o fato de que, sendo um hospital universitário, está

dependente do Ministério da Educação e da Saúde. O governo federal propôs, em

1999, uma política de cortes orçamentários para as áreas da saúde e da educação,

exatamente as áreas às quais os hospitais universitários estão vinculados, podendo a

mesma implicar em redução nos patamares de atendimento deste tipo de hospital aos

usuários do SUS (InformAndes, 1998, p. 2; SUS, 1999, p. 19). Demonstrando como

a política é instável em relação aos mesmos em outubro de 2000, porém, o Ministério

da Educação desmentiu a notícia de cortes para estes hospitias e garantiu que os

recursos para o Programa Interministerial de Apoio à Manutenção dos Hospitais

Universitários estão previstos no Orçamento Geral da União para 2001, conforme

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noticiado, pelo jornal Adverso, sob a manchete Recursos de hospitais estão mantidos

em 2001 (Recursos, 2000). Estas dificuldades resultaram, muitas vezes, em

problemas estruturais e funcionais, motivos de reclamações registradas no sistema de

ouvidoria do Hospital. É o que veremos no decorrer da explanação.

4.2 1994: o contexto da decisão de centralizar o acolhimento aos usuários reclamantes

Segundo o histórico da implantação da qualidade, divulgado pelo Ambiente

de Qualidade do Hospital de Clínicas, a preocupação com a qualidade sempre esteve

presente nessa instituição. O Hospital iniciou, em 1984, o planejamento estratégico,

marco do que posteriormente viria a ser chamado de um “Programa de Qualidade”.

Conforme o documento a “metodologia foi encarada como uma adaptação dos

conceitos já utilizados no âmbito da instituição”. Durante os anos que se seguiram o

Hospital, “com a participação de segmentos internos representativos, definiu o

negócio, a missão, os princípios e as políticas institucionais” (HCPA, 1998b).

A partir de 1993, houve a consolidação de um programa de qualidade

buscando adequar-se às características da instituição. Para tanto, foram definidas

metas institucionais e a formação de grupos para Solução de Problemas. Em 1996, a

partir da Proposta de Sistematização das Ações da Qualidade, o Programa foi

reformulado passando a ser denominado de Programa de Melhoria da Qualidade. A

estrutura do Programa é composta por um Comitê Diretivo, formado por membros da

Alta Direção; Comitê Executivo, constituído de Assessores com dedicação exclusiva

ao Programa, e Grupos de Trabalho e subgrupos, compostos por professores e por

funcionários da instituição (HCPA, 1997; 1998a).

Fala-se, no Hospital de Clínicas, em promover um ambiente de qualidade.

Observa-se, nos documentos e em entrevistas com os coordenadores do ambiente de

qualidade, o que pode caracterizar a atitude crítica do Hospital com relação aos

chamados Programas de Qualidade Total, adaptando-os à realidade institucional.

Fala-se em programa de qualidade, ambiente de qualidade, programa de melhoria da

qualidade, mas não foi constatado o uso da denominação: programa de qualidade

total. São utilizadas algumas das técnicas do referido programa como o programa

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5S53, por exemplo, mas enfatiza-se que este é uma meta institucional, dentro do

Programa de Melhoria da Qualidade (HCPA, 1998b).

Não há, no Hospital de Clínicas, documentos escritos registrando a história da

criação de um sistema de ouvidoria. Esta foi reconstruída a partir de documentos

disponíveis e da história narrada por aqueles que acompanharam sua implantação.

Através das informações colhidas, verificou-se que a criação de um sistema

organizado, para receber as reclamações dos usuários, não encontrava-se claramente

vinculado à idéia da criação de uma ouvidoria hospitalar, nem ao Programa de

Qualidade. Este sistema foi concebido como uma estratégia de gerenciamento.

Antes de 1994 havia um grande volume de queixas o que implicava na

movimentação da imprensa. Estas queixas diziam respeito às consultas

ambulatoriais, principalmente à marcação de consultas, ao serviço de emergência, ao

pronto atendimento e à transferência de pacientes para outros hospitais. Existiam

algumas reclamações de pacientes internados, mas estas eram em menor número e

podiam ser administradas caso a caso (HCPA-vice-presidência médica, entrevista

1b/99).

Um dos principais problemas reclamados era a marcação de consultas. Até

setembro de 1993, no Hospital de Clínicas, para marcar consultas os usuários faziam

fila em frente ao Hospital. Os pacientes aguardavam na fila e, freqüentemente, era

comunicado, pelo Hospital, o número de consultas ainda disponíveis nas diversas

especialidades. Os usuários esperavam, ou não, de acordo com as informações

divulgadas. Como a procura era cada vez maior, indivíduos aproveitavam para tirar

proveito da situação, vendendo lugares nas filas para aqueles que não podiam chegar

mais cedo, fatos amplamente noticiados pela imprensa, na época e, relatados pelos

profissionais do Hospital (HCPA-chefia trabalhador em saúde, entrevista 3/99).

Tentando acabar com as filas e com a comercialização de vagas, em setembro de

1993, o Hospital implantou um novo sistema de marcação de consultas, por telefone:

" O clima era este e mais ainda, decidiu-se na época fazer uma modificação na marcação de consultas, passando-as para marcação por telefone, e essa

53 O nome 5S vem de termos japoneses que iniciam com “S”: Seiri (seleção), Seiton (ordenação), Seisoh (limpeza), Seiketsu (saúde) e Shitsuke (auto). No Hospital de Clínicas o Programa 5S foi definido como “um conjunto de atividades que abrange todos os setores do Hospital e visa, basicamente, à adoção de uma nova postura diante do ambiente e das rotinas de trabalho, incluindo: senso de utilização, senso de ordenação, senso de limpeza, senso de bem-estar e senso de melhoria contínua” (HCPA, 1998b).

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marcação por telefone criou uma situação que fugiu um pouco do nosso controle, no que se refere a pacientes de todo Estado telefonando para cá. Parece que o Hospital ia abrir um novo tipo de consulta, quando na verdade era o mesmo número de consultas diárias, apenas para se acabar com as filas e com a comercialização de vagas nas filas. O Hospital decidiu ir mantendo as mesmas consultas, porque não tinha como aumentá-las e passar a marcação para telefone. Então o mesmo número diário de consultas que se ofereciam nas filas se oferecia por telefone. Mas isso implicou numa procura exagerada de todo o Estado, até de fora do Estado para as nossas consultas, já que era fácil pegar o telefone, pelo menos tentar, às vezes caía a ligação, mas uma boa parte das vezes, não caía e esse problema das ligações também, segundo os pacientes, os telefones nunca estavam disponíveis, foi outro motivo que nós resolvemos concentrar então no Grupo de Pacientes Externos" (HCPA-vice-presidência médica, entrevista 1b/99).

Antes de ter sido pensado um sistema que organizasse as reclamações, já

havia muitas reclamações dos usuários sobre o Hospital de Clínicas. O Hospital

sempre preocupou-se no sentido de atender esses usuários e de ouvi-los. Porém, as

reclamações eram feitas de forma dispersa, para diversos setores e profissionais do

Hospital, antes do sistema ter sido instalado. Eram feitas no serviço social, na

secretaria geral, no Grupo de Pacientes Externos (GPE) e através de cartas ou,

pessoalmente, na vice-presidência médica ou administrativa (HCPA-vice-presidência

médica, entrevista 1b/99; coordenador do GPE, entrevista 5/99 e chefia trabalhador

em saúde, entrevista 3/99). As pessoas não sabiam onde reclamar:

"Se cada reclamação era feita em cada serviço, então fica uma entidade muito abstrata assim. Aonde reclamar? No serviço tal. Sabe onde é que fica o serviço tal aqui no Hospital?" (HCPA-coordenador do GPE, entrevista 5/99).

As reclamações eram encaminhadas sem uma sistematização. E às vezes o

paciente conseguia ser ouvido, mas às vezes a queixa ia adiante ou não, dependendo

do interesse da pessoa que ouvia, se a pessoa era a pessoa mais adequada. Não havia

uma sistematização e a resolutividade dessas queixas eram bem baixas (HCPA-

chefia equipe de enfermagem, entrevista 8/99).

Demonstrando o procedimento anteriormente realizado, para receber as

reclamações, tomou-se como exemplo o serviço social. Os pacientes procuravam

muitas vezes o serviço social para fazer reclamações. Ouvi-las e encaminhá-las para

a Administração Central era uma das atividades do serviço, embora não fosse sua

função oficial. As reclamações dos usuários seguiam um trajeto que ia do serviço

social do Hospital para a vice-presidência médica (VPM). As reclamações eram

acolhidas pelo serviço social, mediante um procedimento que incluía a anotação da

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reclamação, porém, o setor não analisava as reclamações para verificar seu teor e não

fazia a estatística das mesmas, porque não era sua atribuição realizar esta tarefa. A

seguir, enviava as reclamações para a vice-presidência médica. Ao recebê-las o

diretor encaminhava-as para as chefias dos setores ou dos profissionais envolvidos.

Os problemas, portanto, se avolumavam e muitas vezes eram motivos de

reclamações que caíam na Administração Central, no serviço social, no Grupo de

Pacientes Externos (GPE). Muitas vezes os usuários se manifestavam sob a forma,

apontada por Hirschman como sendo, de “protestos gerais” (1973, p. 16) que iam

parar em lugares “menos adequados”, como por exemplo a imprensa (HCPA-vice-

presidência médica, entrevista 1b/99). Desse modo, antes de 1994, as reclamações,

embora dirigidas para vários setores, convergiam para a administração central que

era composta pelos dois vice-presidentes e pelo presidente do Hospital.

Em 1993, este fato e a produtividade do ambulatório preocupavam a direção

do Hospital de Clínicas. Na ocasião, momento de implantação do programa de

qualidade, a Administração Central solicitou ao GPE um estudo sobre o absenteísmo

e o aproveitamento do potencial ocioso, que aparecia nas estatísticas sobre a

produção ambulatorial. O documento, datado de dezembro daquele ano, versava

sobre a Reestruturação Ambulatorial no HCPA. Era composto de dois tópicos:

Levantamento de Problemas e, Propostas. Em relação ao usuário, o principal

problema relatado, no documento, foi a dificuldade de marcação de consultas e o

absenteísmo às mesmas.

Os demais aspectos mencionados remetiam à problemas internos. Entre estes,

foram citados como principais: a sub-ocupação de determinadas agendas, faltas dos

profissionais ao trabalho, atrasos, licenças, férias, licenças para congressos, horas-

extras, entre outros. Alguns poderiam ser resolvidos no âmbito dos serviços médicos

especializados, outros necessitavam ser encaminhados à Administração Central

como, por exemplo, quando referiam à tentativa de cobrança do atendimento médico.

Foram salientados, também, a falta de indicadores estatísticos e de integração entre o

Grupo de Pacientes Externos (GPE), a gerência de Recursos Humanos (GRH) e a

Administração Central, para resolver problemas.

Este estudo refletia o conteúdo expresso nas reclamações e a realidade do

trabalho hospitalar realizado, na época. Nesse estudo, encontravam-se implícitos os

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motivos econômicos, políticos e ético-sociais que conduziram à organização de um

sistema de ouvidoria pelo Hospital de Clínicas. Os problemas apontavam a

capacidade de atendimento ofertada pelo Hospital, a dificuldade em atender à

demanda crescente por consultas (econômico), para a qualidade do atendimento

(político) e para questões funcionais (ético-sociais) (HCPA, 1993).

4.3 A centralização do acolhimento das reclamações no Grupo de Pacientes Externos

As circunstâncias e a solicitação do estudo, ao Grupo de Pacientes Externos,

evidenciaram a intenção do Hospital em melhorar a gestão, reavaliando as falhas

institucionais. Criar um sistema que centralizasse as reclamações dos usuários foi a

forma encontrada, pela administração do período, para atingir esses objetivos

(HCPA-vice-presidência médica, entrevista 1b/99). O sistema de ouvidoria do

Hospital de Clínicas de Porto Alegre foi implantado, em 1994, em decorrência dessa

intenção. Foi decidido que, a partir de então, o setor denominado Grupo de Pacientes

Externos acolhesse os usuários reclamantes. A reconstrução da história deste sistema

revelou que ele foi, na verdade, organizado naquela data.

Relembrando, para verificar os motivos que conduziram o Hospital de

Clínicas a organizar um sistema de ouvidoria, relacionamos sua criação, em âmbito

macrossocial, com a crise na área da saúde, que repercutiu nos hospitais públicos, no

final da década de 80. Esta criação foi relacionada, também, com a adesão do

Hospital a uma das propostas nacionais para a área da saúde, reformadora ou

liberal e aos princípios do SUS, que enfatizam a democratização e a

desburocratização institucional.

No âmbito institucional, isto é microssocial, salientou-se a relação entre a

adoção deste sistema e o alinhamento do Hospital com as novas ideologias de

administração de empresas, que indicavam estratégias de gestão, tais como os

programas de qualidade e as ouvidorias. Analisou-se a implantação deste sistema

como um dispositivo criado para que a administração pudesse realizar uma melhor

gestão. Ao tomar conhecimento das falhas institucionais, de forma organizada, a

administração poderia avaliar a qualidade do atendimento. Explicitaram-se, ainda, as

razões econômicas, políticas e ético-sociais que conduziram à organização deste

sistema, neste Hospital público.

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A organização de um sistema de ouvidoria, no Hospital de Clínicas,

relacionava-se à crise na área da saúde pois verificou-se, como vimos, que, antes dele

ter sido organizado, havia problemas indicativos dessa crise, como os de

produtividade no ambulatório e queixas de usuários em relação à capacidade e à

qualidade do atendimento hospitalar.

As reclamações revelavam aspectos econômicos da crise, pois indicavam, a

necessidade de maior número de consultas públicas para atendimento aos usuários do

SUS. Estes motivos, além de serem expressos nas reclamações, foram relatados por

administradores e coordenadores do Grupo de Pacientes Externos (GPE), da época.

Porém, os motivos econômicos não foram, explicitados por administradores,

chefias, trabalhadores em saúde da instituição, que ocupavam esses cargos no

momento da realização da pesquisa. Tampouco foram citados por usuários

entrevistados. Esses relacionaram, principalmente, razões políticas e ético-sociais

para que o sistema de ouvidoria fosse organizado no Hospital de Clínicas. As razões

apresentadas derivaram-se do tipo de problema resultante das reclamações.

As reclamações apontavam problemas de ordem funcional como, por

exemplo, o mau relacionamento dos recepcionistas com os pacientes, a má

disposição dos médicos em atender o paciente que chegou um pouco atrasado, ou o

não comparecimento do médico para cumprir sua agenda (HCPA-coordenador do

GPE, entrevista 4b/99). Havia questões mais problemáticas como queixas, em função

de cobranças indevidas de alguns profissionais do Hospital (HCPA-chefia de

trabalhador em saúde e coordenador do GPE, entrevistas 3/99 e 4b/99). As

reclamações apontavam para a qualidade e o tipo de atendimento realizado pelo

Hospital, aspectos políticos e ético-sociais da crise.

Não há documento ou discurso justificando ou argumentando em favor da

organização do sistema de ouvidoria, indicando adesão a propostas sociais mais

amplas. Pela análise dos documentos e pelas entrevistas verificou-se, que as razões

políticas, que levaram o Hospital a organizar a acolhida das reclamações dos

usuários, estavam relacionadas a propostas de âmbito macrossocial. Tendo sido

criado como um dispositivo de gestão administrativa, o sistema foi respaldado,

também, por ações e programas institucionais, entre os quais destaque-se o programa

de qualidade, em implantação no Hospital.

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Como estratégia de gestão, o sistema de ouvidoria foi organizado a partir de

objetivos internos e externos confluentes. Os primeiros revelam as estratégias de

desburocratização e de democratização, os outros reforçam as estratégias de

melhoria da qualidade. Porém, como não foi efetivada a criação de um setor

específico para ouvir as reclamações, com objetivos claramente definidos, em favor

da democratização institucional, argumenta-se que, o sistema incorporou e divulgou

idéias dos dois projetos em disputa na área da saúde: liberal e reformador.

O Hospital de Clínicas, sendo um hospital público, com 91% do atendimento

disponibilizado ao SUS, e tendo como um de seus objetivos prestar assistência de

excelência e referência e atuar no desenvolvimento da cidadania, ao instalar o

sistema de ouvidoria, abrindo um canal para ouvir os usuários contemplou, ainda que

de forma incipiente, idéias do projeto reformador, na área da saúde. Para melhorar

a qualidade, ao tomar como parâmetro, ainda que crítico, as estratégias qualidade

total permaneceu mais próximo do projeto liberal.

No que se refere à incorporação de novas ideologias gerenciais, a organização

do sistema estava mais fortemente relacionada ao projeto liberal que propõe, com

ênfase, os programas de qualidade. Assim verificou-se que, quando referido o

sistema de ouvidoria, foram empregados termos e conceitos que o associavam à

satisfação do cliente e à opinião do cliente como medida de qualidade. No caso do

Hospital de Clínicas, diferente do Hospital Fêmina, o Programa de Qualidade

antecedeu e indicou a necessidade de organizar um sistema de ouvidoria.

A opção por uma política de dar voz ao usuário (Hirschman, 1973) está

relacionada com a proposta social reformadora, pois propagou o princípio de

democratização institucional expresso, na reformulação do SUS. Expressou,

também, o princípio de desburocratização, ao propor a organização da acolhida ao

reclamante. Estes princípios não estavam evidentes, no período da organização do

sistema, nem quando foram feitas as entrevistas, em 1999. Foram observados nos

argumentos que enfatizavam a melhoria da gestão como objetivo desta organização.

Foi assim que, embora citadas a melhoria da gestão e da qualidade, pouco foi dito

sobre a relação entre ouvidoria, democratização e desburocratização.

Internamente, a acolhida organizada ao reclamante ajudaria a melhorar a

administração gerencial, ao atribuir a um único setor a responsabilidade pela

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recepção das reclamações dos usuários. O sistema de ouvidoria foi concebido como

um dispositivo que poderia dar uma idéia das falhas e do tipo de atendimento que

estava sendo prestado, verificar as causas dos problemas e avaliar se era da alçada da

instituição resolvê-los (HCPA-vice-presidência administrativa, chefia trabalhador em

saúde e coordenador do GPE, entrevistas 2/99, 3/99, 4/99). Organizando a acolhida

aos reclamantes o Hospital, através do setor encarregado de receber este usuário,

conseguiria detectar mais rapidamente os vários focos de problemas e agilizar ações

para que as falhas pudessem ser corrigidas.

Depreende-se daí a intenção de desburocratizar a relação entre o Hospital e

o usuário reclamante, facilitando sua acolhida pela Instituição. Para exemplificar a

possibilidade da ouvidoria, em agilizar a resolução dos problemas relatados pelos

usuários, cita-se a ausência de um profissional em seu posto de trabalho. No Hospital

de Clínicas, atualmente, os serviços especializados têm o controle das suas agendas.

No momento em que um profissional falte ao trabalho, seja ele contratado ou não, é

da responsabilidade do serviço colocar um profissional substituto para atender aquela

agenda. Este seria, portanto, um problema de resolução do próprio serviço e não

necessitaria passar pela vice-presidência médica ou administrativa para ser

equacionado. O direcionamento dos reclamantes para um único setor propiciou,

assim, a desburocratização do acolhimento e do encaminhamento das reclamações e

da solução dos problemas.

A administração central ficava com a resolução dos problemas que exigissem

decisão sobre um número grande de reclamações formalizadas, a fim de que pudesse

ser constatado o que estava ocorrendo e, então, tomar as medidas no sentido de sanar

as dificuldades. A intenção de detectar as falhas da prestação de serviços e corrigi-las

associa os objetivos institucionais internos e externos:

"Então uma decisão mais de fundo assim dependeu da reunião de um número grande de reclamações mais formalizadas, a fim de que pudéssemos ver o que estava ocorrendo e nós procurarmos então, aqui resolver" (HCPA-vice-presidência médica, entrevista 1b/99).

Para atingir os objetivos externos, junto ao usuário, o setor destacado teria a

responsabilidade de ouvir e encaminhar os problemas manifestados por eles. A

centralização das reclamações num só setor seria uma forma de ouvir a voz do

usuário. O sistema de ouvidoria constituir-se-ia, portanto, na abertura de um canal de

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expressão do usuário, um local onde o mesmo teria a oportunidade de reclamar e de

registrar a sua insatisfação.

Esse motivo, ouvir as reclamações dos usuários para detectar falhas, foi

citado por vários profissionais mas a sua relação com o princípio, de democratização,

proposto pelo SUS, foi salientada por apenas dois dos entrevistados, evidenciando

que a intenção de implantar estes princípios, através de um sistema de ouvidoria, não

estava plenamente configurada quando a administração optou pela centralização das

reclamações. Ficou claro, também que, até o momento do término da pesquisa, não

estava evidente, para alguns dos sujeitos que trabalham no Hospital de Clínicas, a

possiblidade da ouvidoria relacionar-se com o princípio de democratização

institucional, (HCPA-vice-presidência médica e administrativa, coordenadores do

GPE e chefias de: trabalhadores em saúde, recepção e equipe de enfermagem,

entrevistas 1/99, 1b/99, 2/99, 3/99, 4/99, 8/99):

“Eu não sei bem se isso vem do SUS ou de onde vem, eu não sei te dizer, mas existe uma exigência a ser cumprida aí à nível empresarial que implica em ter uma ouvidoria. De maneira que é um tipo de serviço que uma empresa teria vantagens pecuniárias inclusive, de dispor desse serviço, porque isso conta ponto aí” (HCPA- coordenadores do GPE, entrevista 4/99). “A mola mestra da ouvidoria é atender uma demanda legítima do usuário estabelecida por lei, dos direitos do cidadão usuário do SUS, que é o de ser ouvido, encaminhadas as suas inquietações, as suas angústias, as suas reclamatórias em relação ao atendimento” (HCPA-chefia equipe de enfermagem, entrevista 8/99).

Atualmente, os sujeitos envolvidos na experiência com o sistema de ouvidoria

apontaram diferentes objetivos, como sendo os motivos para sua organização,

deixando claros os interesses diversos, existentes no âmbito hospitalar. As chefias

mais próximas da administração central manifestaram, de forma mais evidente, que

os demais entrevistados, razões de ordem política para a centralização das

reclamações dos usuários do Hospital de Clínicas, em um sistema de ouvidoria.

As razões políticas mencionadas foram relacionadas, em primeiro lugar, à

melhoria da qualidade de atendimento prestado pelo Hospital e à realização de uma

melhor gestão administrativa e, em segundo lugar pouco mencionada, à

democratização institucional (HCPA-vice-presidência médica e chefia equipe de

enfermagem, entrevistas 1b/99 e 8/99). O primeiro objetivo relaciona-se com a

política institucional de gestão e o segundo, com as políticas sociais na área da saúde

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que sugerem a democratização através da participação do usuário, no controle dos

serviços prestados.

As razões de ordem ético-sociais permitem agrupar os argumentos que

relacionaram o sistema de ouvidoria à abertura de um canal para as reclamações e

destacaram-no como uma forma de ouvir e dar voz ao usuário. Tornaram visível,

também, o objetivo de disciplinar os trabalhadores em saúde, buscando controlar a

ética profissional para um melhor atendimento ao usuário. Estas razões foram

mencionadas por administradores da área médica e chefias (HCPA-vice-presidência

médica, chefias de: trabalhadores em saúde, recepção e equipe de enfermagem,

entrevistas 1b/99, 3/99, 8/99, 10/99). A relação da ouvidoria como um direito de

cidadania, foi pouco mencionada, como já destacamos

Para os trabalhadores em saúde reclamados, os objetivos de criação de um

sistema de ouvidoria por parte do Hospital foram, principalmente, de ordem ético-

social: para melhorar a qualidade do atendimento ao usuário (HCPA-equipe de

enfermagem e recepcionista, entrevistas, 15/99 e 17/99) e pelo fato de já existirem

reclamações (HCPA-médica e recepcionista, entrevistas, 11/99, 16/99).

Já para os usuários, a implantação de um sistema de ouvidoria foi atribuído ao

fato de existirem muitas reclamações sobre o atendimento prestado ao público. Foi

considerada também, como decorrente deste motivo, a busca da melhoria de

atendimento por parte do Hospital (HCPA-usuários, entrevistas 21/99, 22/99, 26/99,

27/99). Estas razões foram classificadas, nesta pesquisa, como sendo de caráter ético-

social.

Não foram ventilados motivos políticos, pelos usuários, como os de

oportunizar-lhes voz como um direito de cidadania. A procura da melhoraria da

gestão administrativa foi citada por uma usuária entrevistada, ao mencionar que

muita coisa que acontece no Hospital não chega aos ouvidos da direção e, desta

forma, a ouvidoria poderia propiciar, aos administradores, um conhecimento mais

preciso da realidade dos serviços prestados (HCPA-usuária, entrevista, 22/99). Não

foram salientados princípios de ordem econômica nas falas do usuários.

A criação de um serviço de ouvidoria que tivesse unicamente a atribuição de

ouvir os usuários do Hospital de Clínicas chegou a ser cogitada, pela direção,

naquele momento. Porém, essa possibilidade foi considerada mais complexa, devido

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ao tipo de Hospital. Segundo depoimentos de chefias da época, a implantação de um

serviço de ouvidoria implicaria em mudança no organograma, abertura de postos de

trabalho, de cargos, ou seja, um conjunto de procedimentos que não estava na alçada

do Hospital decidir e teriam que ser aprovados em Brasília. O fato de ser um hospital

de administração federal indireta, vinculado ao Ministério da Saúde e ao Ministério

da Educação atrela-o a esses órgãos quanto à tomada de decisões que impliquem

mudança de organograma e aumento de pessoal:

"Sim, foi pensado, mas tinha que abrir concurso, tinha que contratar pessoas, tinha que botar no organograma do Hospital e isso aí não dependia só do Hospital. É a estatal que dependia de decisão mais centralizada, não é, e o Hospital tem uma área de atuação, uma área de ação, de competência, mas nesse plano o Hospital não tem competência de decidir sozinho. O organograma do Hospital é aprovado em vários níveis, inclusive lá no Ministério da Educação, onde uma comissão inter-ministerial aprova. O Hospital de Clínicas de certa forma é uma estatal ainda, não é, portanto existe um nível de competência aqui e outro lá em cima" (HCPA-vice-presidência médica, entrevista 1b/99).

O sistema de ouvidoria Hospital de Clínicas foi instalado como uma

micropolítica institucional, porém o fato de não ter sido criado como um serviço que

funcionasse de forma autônoma, independente de outros setores do Hospital

conferiu-lhe um caráter dependente deste, em relação ao governo federal. A

abordagem sobre a autonomia relativa das instituições, relativa pois implica em

dependência, foi desenvolvida por Bourdieu (1992). No caso do Hospital de Clínicas

esta dependência resultou na dificuldade em implantar uma micropolítica que

envolvesse modificações organizacionais (organograma) e econômicas, como novas

contratações ou o deslocamento funcional de profissionais de que devem cumprir

determinadas funções para outras.

O atrelamento do Hospital de Clínicas, ao governo federal, mostrou como é

relativa a autonomia das instituições em implantar micropolíticas institucionais.

Neste caso ficou clara a correlação de forças a que a instituição está submetida. Esta

correlação implica em relações de poder, como demonstrou Foucault (1995).

Indicou, também, a pouca intenção política da administração do Hospital, da época,

em instituir esta micropolítica de forma autônoma, para a qual poderia deslocar

recursos humanos internos.

Enfim, a análise dos argumentos explicitados pelos trabalhadores do Hospital

de Clínicas, incluindo-se diretores, ex-diretores, chefias e demais profissionais, como

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sendo os motivos que conduziram o Hospital de Clínicas a instituir um sistema de

ouvidoria apontam, ainda que de forma não explícita, para os dois projetos existentes

na área da saúde. Correspondem tanto aos princípios democráticos, relacionados ao

projeto reformador, como também à utilização, no discurso, do jargão neo-liberal.

O primeiro projeto é expresso em termos de princípios do SUS, cidadania, direitos de

usuários e a melhoria da qualidade de atendimento - já que trata-se de uma

instituição pública.

O discurso liberal é representado pela adoção do programa de qualidade pela

instituição, mesmo que seja com reservas. O uso freqüente de termos e conceitos

disseminados por este programa, como os da satisfação da clientela e os termos

cliente, para os usuários, e colaboradores ou clientes internos, para os trabalhadores

em saúde do Hospital indicou, a adesão a estas novas ideologias e técnicas de

gerenciamento. No caso da ouvidoria constatou-se que o termo utilizado para nomear

os trabalhadores do Hospital e os usuários foi "cliente", como é próprio do programa

de qualidade. A adoção deste conceito indica um tipo de pensamento mais

identificado com uma noção empresarial, no sentido proposto, pelo projeto liberal,

para o campo da saúde.

Na verdade, o Hospital de Clínicas incorporou, em primeiro lugar, as

ideologias e novas propostas de gerenciamento que caracterizam o pensamento

liberal, como os programas da qualidade total. Mesmo que, nesta instituição, este

programa tenha sido implantado de forma cautelosa, o clima de crise da época e a

difusão das idéias destes programas, fez com que se pensasse na busca e garantia da

qualidade. As circunstâncias colocaram, porém, concretamente, a necessidade de

acolher de forma mais organizada as reclamações dos usuários. Assim, no Hospital

de Clínicas de Porto Alegre, o programa para a qualidade conduziu à organização do

sistema de ouvidoria.

4.3.1 A institucionalização do sistema de ouvidoria

Foi assim que, em 1994, a administração central do Hospital de Clínicas

decidiu que o Grupo de Pacientes Externos (GPE), setor em funcionamento no

Hospital desde 1987, passasse a centralizar o recebimento e o encaminhamento

interno das reclamações verbais e por escrito, dos usuários, criando assim um sistema

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de ouvidoria. Daquele momento em diante, o GPE passou a acolher as reclamações

dos usuários externos, (aqueles que procuravam o ambulatório e a emergência), e dos

usuários internos, afetos à área da internação do Hospital de Clínicas.

Ressalte-se que o GPE sempre coordenou setores e serviços ligados aos

pacientes externos, daí sua denominação: Grupo de Paciente Externos. Estes serviços

atendem os pacientes externos do Hospital, assim chamados para serem

diferenciados dos pacientes internos.

O setor escolhido foi o GPE, porque a maior parte das reclamações eram

oriundas do atendimento ambulatorial e da emergência, que está dentro da área de

abrangência administrativa do GPE (HCPA-vice-presidência médica, entrevista

1b/99). De 1987 até 1990, o GPE, era responsável pelo ambulatório, pela emergência

geral (cirúrgica, ginecológica, clínica e pediátrica) e pelo Centro Cirúrgico

Ambulatorial (CCA). Depois de 1990 passa a ser responsável pelo ambulatório e pela

emergência em clínica médica e clínica pediátrica. É responsável pelos médicos

contratados do ambulatório e da emergência.

Em relação ao ambulatório, as atribuições do GPE são, atualmente, de

"planejar, coordenar e supervisionar a distribuição e a ocupação dos consultórios e a

adequação das normas gerenciais do HCPA, em consonância com as chefias de

serviço", bem como coordenar o agendamento das consultas (HCPA, 1990). Há um

coordenador, médico, responsável pelo GPE e auxiliado, em suas atividades, por um

assessor que, na maioria das vezes, é contratado e pode ser ou não da área médica,

conforme constatado.

De 1994 em diante o GPE passa a ter a incubência de receber, também, as

reclamações dos pacientes, externos e internos. Sem mudar a estrutura do serviço,

passou a acumular um trabalho que exigia uma atenção especial e para a qual ele não

estava, e até hoje não está, em condições de realizar: um verdadeiro serviço de

ouvidoria. Este fato é reconhecido institucionalmente e sobre ele voltaremos a falar a

seguir.

Após a decisão de centralização das reclamações no GPE, em 1994, os

trabalhadores em saúde do Hospital foram instruídos para encaminhar os usuários a

esse setor. Assim, o usuário, quando manifestava o desejo de fazer uma reclamação,

era encaminhado, muitas vezes pelo próprio reclamado, para o GPE. Como o sistema

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de ouvidoria foi inserido no GPE, um setor com uma estrutura e atribuições já

definidas, pouco foi feito em termos de normatização do serviço.

Entretanto, algumas medidas foram tomadas, no que diz respeito aos

procedimentos que deveriam ser seguidos, para o acolhimento das reclamações.

Referem-se ao formulário e à rotina de trabalho a ser levado a termo pelos

coordenadores do GPE. Na ocasião foi instituído um formulário próprio para as

reclamações (reproduzido no Quadro 2 do Anexo D), no qual o usuário registrava

sua queixa e assinava. Neste, que permanece o mesmo até a realização desta

pesquisa, constam: a data e o número da ocorrência; dados pessoais do paciente

como nome, endereço, telefone, idade. Especifica as áreas, ambulatório, emergência,

internação e os profissionais, médicos, equipe de enfermagem, recepcionistas aos

quais se dirige a reclamação. Indaga o nome do profissional, o nome do reclamante e

o seu grau de parentesco com o paciente. Há ainda um espaço em branco onde é

solicitada a descrição da reclamação.

Na época de implantação do sistema de ouvidoria, foi instituída uma rotina de

trabalho para acolher as reclamações dos usuários do Hospital. Esta não foi

formalizada por escrito e manteve-se inalterada até o momento da realização desta

pesquisa. A rotina de trabalho seguida pelo coordenador do GPE foi encontrada no

primeiro e único relatório, datado de 1994, e também foi descrita por entrevistados

(HCPA-coordenadores do GPE, entrevistas 4/99, 4b/99, 5/99, 5b/99).

Como procedimento foi adotado que, quando o usuário reclamante chegasse

ao GPE, a secretaria apresentasse ao mesmo o formulário O usuário, algumas vezes,

não quis deixar escrita sua reclamação. Com o intuito de explicar porque isso ocorria,

verificou-se que estes usuários ficaram, e até hoje alguns ficam, receosos de

registrarem sua queixa e não serem mais atendidos ou sofrerem tratamento

discriminatório no Hospital.

A seguir, cabia à coordenação do GPE enviar uma cópia da reclamação

escrita para a chefia responsável pelos setores e profissionais envolvidos para

conhecimento e providências cabíveis. Até 1995 as reclamações seguiam seu curso

com a assinatura do coordenador do GPE na própria reclamação. Já a partir de 1995,

observou-se que foi introduzida a comunicação interna (CI) que passou a ser anexada

na frente da reclamação. Os coordenadores do GPE, ou seus assessores, assinavam a

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comunicação interna solicitando às chefias que se manifestassem quanto às mesmas,

estabelecendo um prazo de 15 dias para as respostas.

Observou-se que o fato dos assessores serem contratados causou, algumas

vezes, dificuldades de relacionamento junto a algumas chefias médicas. Estas

dificuldades resultaram da hierarquia baseada na autoridade e no poder médico,

conforme foi ressaltado por mais de um entrevistado e sobre a qual voltaremos a

falar (HCPA-coordenadores do GPE, entrevistas 4b/99; 5b/99).

A secretária ficou encarregada de devolver as respostas aos usuários

reclamantes. No caso em que a resposta, da chefia ao sistema de ouvidoria,

contivesse um parecer difícil de comunicar ao usuário, como por exemplo, quando

chefias afirmaram que o paciente deveria ser submetido à avaliação psiquiátrica, a

secretária passava a resposta para a coordenação do GPE ou para seu assessor. Estes

encarregavam-se de dar o retorno ao reclamante.

Este foi o envolvimento mais próximo ao que poderia ser considerado como a

relação entre usuário e ouvidor: alguém, em nível de chefia, que justificasse o

acontecimento vivido pelo primeiro. Os procedimentos aqui narrados conduziram à

evidência de que, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, não existe a figura do

ouvidor.

O sistema de ouvidoria, como chamaremos neste trabalho, não é reconhecido

no Clínicas com esta denominação. Verificou-se que utilizando o termo ouvidoria, a

maior parte dos entrevistados, trabalhadores do Hospital, inclusive em nível de

chefia, afirmou não reconhecer o trabalho realizado pelo GPE como um sistema de

ouvidoria. Afirmaram não ter conhecimento que o Hospital tivesse implantado esse

serviço ou não o identificaram com esse nome.

O sistema é conhecido informalmente. Sabem que existe um local para o qual

eles podem encaminhar os usuários que apresentam alguma queixa sobre seu

atendimento no Hospital. O GPE é o setor das reclamações, um lugar onde as

pessoas vão para se queixar: “Nunca disseram, definidamente, que dentro do GPE

tem uma ouvidoria. Diziam assim: ‘vai no GPE te queixar’” (HCPA-chefia recepção,

entrevista 10/99).

Chefias também manifestaram que não reconhecem, não caracterizam o

sistema como um serviço de ouvidoria ou que este não existe no Hospital de Clínicas

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(HCPA-chefias de trabalhadores em saúde, da recepção e da equipe de enfermagem

entrevistas 3/99, 8/99, 10/99).

Nas entrevistas com os profissionais reclamados a frase mais comumente

ouvida foi "eu não conheço o sistema de ouvidoria, não com esse nome". Alguns

trabalhadores reclamados, médicos e enfermeiros, não tinham conhecimento do

serviço e nem mesmo sabiam que havia sido registrado queixa sobre seu desempenho

(HCPA-trabalhadores em saúde, entrevistas 11/99, 12/99, 14/99, 15/99 17/99).

Algumas recepcionistas afirmaram que, entre elas, denominam esta parte do GPE

como o “local das reclamatórias” (HCPA-trabalhadores em saúde, entrevistas 16/99 e

17/99).

A primeira vez que foi detectado o uso do termo ouvidor, associado à função

do coordenador do GPE, foi no, já citado, primeiro e único relatório, de 1994. Nas

conclusões do relatório o coordenador utilizou o termo ombudsman, para argumentar

pela necessidade de reforçar a estrutura administrativa do setor. A segunda vez, que

encontrou-se a utilização do termo ouvidoria, foi em 1997.

Neste ano, o Relatório sobre a Gestão da Qualidade citou a ouvidoria como

forma de obter resultados relativos à “satisfação dos clientes”. O relatório referia-se

à um levantamento das reclamações, registradas no GPE naquele ano, indicando a

incidência de reclamações pelas especialidades médicas. Este relatório expressava as

primeiras relações mais diretas entre o sistema de ouvidoria, o programa de

qualidade e a ideologia liberal de pensar a ouvidoria (HCPA, 1997).

No Hospital de Clínicas, a ouvidoria passou a ser claramente definida, como

uma das metas do Programa de Melhoria da Qualidade, em abril de 1998. O início

desta pesquisa de campo, neste Hospital, coincidiu com o momento em que a

instituição estava pensando em redefinir as metas institucionais destacando, em uma

delas, o sistema de ouvidoria.

A meta institucional número 4, daquele Programa, propôs então: “aprimorar o

sistema de registros da avaliação dos ‘clientes’ quanto aos serviços prestados”

(HCPA 1998c). Como indicador de cumprimento da meta foi destacado o percentual

de respostas satisfatórias, para o cliente, em relação ao total das reclamações.

Registre-se que esta pesquisa contribuiu para que o Hospital tivesse um levantamento

completo de todas as reclamações, até então arquivadas no sistema.

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197

Ações deveriam ser estabelecidas no sentido de “consolidar os mecanismos

de Ouvidoria, difundir os novos mecanismos de registros de reclamações e sugestões

dos clientes e sistematizar o processo de acompanhamento das melhorias

evidenciadas, através das reclamações e sugestões” (HCPA, 1998c). Os responsáveis

por essas ações seriam a administração central e níveis gerenciais do Hospital

(HCPA, 1997).

Observou-se que a meta institucional número 5 visava desenvolver pesquisa

de opinião com abrangência institucional, para detectar a satisfação da clientela

(pacientes, pesquisadores e alunos). Aqui trata-se das pesquisas de opinião,

instrumento diferente e com objetivos distintos dos de um serviço de ouvidoria. Nas

pesquisas de opinião busca-se medir o nível de satisfação do cliente. A ouvidoria é a

forma de registrar a avaliação dos usuários, e não apenas a opinião sobre os serviços

prestados. Depreende-se que implica, portanto, em uma forma mais aprofundada de

verificação dos problemas da instituição, argumento levantado nessa pesquisa e

confirmado através da análise realizada.

A inserção do sistema de ouvidoria, que por si só se constitui na prestação de

um serviço diferenciado, no GPE, fez com que a atividade de ouvidoria hospitalar

ficasse minimizada. Conforme as palavras de uma chefia a ouvidoria é “um primo

pobre” do sistema de qualidade dentro do Hospital (HCPA-chefia recepção,

entrevista 10/99). A ouvidoria comportaria um setor próprio, não só pelo volume de

reclamações, dado o porte do Hospital de Clínicas mas, principalmente, pelo tipo de

ofício que deveria ser desencadeado a partir da ação do ouvidor.

Para esta pesquisa realizou-se o levantamento das informações constantes nos

formulários das reclamações de usuários, acolhidas pelo Hospital de Clínicas de

1994 a 1998, sistematizando-as a partir das categorias pré-estabelecidas no

formulário e daquelas definidas especificamente para a pesquisa. É o que veremos a

seguir.

4.4 A caracterização do sistema de ouvidoria

4.4.1 As reclamações dos usuários

No Grupo de Pacientes Externos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, de

1994 a 1998, foram encontrados um total de 856 documentos, sendo 849

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198

reclamações e sete elogios. Os elogios foram dirigidos tanto a setores do Hospital,

como a profissionais de várias especialidades. Estes dados são mostrados na Tabela 1

do Anexo D.

Lembrando os objetivos deste trabalho, concentrou-se a atenção na análise

das 849 reclamações dos usuários, sobre os serviços do Hospital, com foco no

impacto do sistema de ouvidoria nas relações institucionais, destacando as relações

de envolvimento e de disciplinamento. Constatou-se que o número destas

reclamações foram elevadas nos dois primeiros anos, diminuindo sensivelmente de

1996 em diante. No último ano, entretanto, o número de reclamações aumentou 9%

em relação ao ano anterior como pode ser visto através do Gráfico 1 e Tabela 1 do

Anexo D.

GRÁFICO 1- Reclamações de usuários registradas no GPE do HCPA-1994-1998

Legenda: 1= 1994 3=1996 5= 1998 2=1995 4=1997

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA,1998.

As reclamações registradas no sistema de ouvidoria foram inicialmente

reunidas em três grupos. Algumas identificavam a área e o profissional, por serem

ambos o motivo da reclamação. Outras foram endereçadas somente à área. E

finalmente, havia reclamações que se dirigiam somente a profissionais. Nos três

grupos, mais de uma área e mais de um profissional poderiam ser citados num único

documento. Neste caso foram computados separadamente, pois considerou-se cada

área e cada profissional citado como um único caso, mesmo se a reclamação

estivesse registrada num mesmo formulário.

251 249

119 110 120

0

50

100

150

200

250

300

1 2 3 4 5

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199

A seguir processou-se a análise detalhada das reclamações por áreas, por

profissionais, por especialidades e por tipos de queixa. Esta segunda classificação fez

com que o número inicial encontrado, de 849 reclamações, aumentasse e se

diferenciasse em cada uma das categorias acima referidas. Convém observar que isso

se deve ao fato de que o reclamante pode marcar mais de uma área, ou mais de um

profissional no formulário oferecido pelo sistema de ouvidoria. Ao ler-se a

reclamação é possível detectar, também, mais de uma especialidade ou tipo de

queixa no documento.

Destaque-se que 881 reclamações foram dirigidas às diversas áreas do

Hospital, ambulatório, emergência, marcação de consultas, recepção e internação e

671 encaminhadas aos diversos trabalhadores em saúde, médicos, equipe de

enfermagem, recepcionistas e demais profissionais. Observou-se neste caso, assim

como no Hospital Fêmina, uma tendência a maior concentração de reclamações nas

áreas do que nos profissionais. Quando analisadas pelo tipo de problema narrado,

estrutural ou de funcionamento, as reclamações elevaram-se, sobremaneira chegando

há mais de mil para as áreas e ultrapassaram o número de oitocentas reclamações

relativas a profissionais, conforme veremos a seguir.

O ambulatório foi a área que recebeu maior número de reclamações, com

36% das mesmas. Cabe ressaltar que as reclamações sobre o ambulatório foram

crescendo ao longo do período. No primeiro ano de organização do sistema de

ouvidoria a área abarcava 20% do total de reclamações, passando a mais de 50% em

1997 e 1998.

Encontrou-se, também, um expressivo número de reclamações dirigidas à

área de marcação de consultas, que totalizou 29%. Mas esta área, ao contrário do

ambulatório, diminuiu seu percentual no total das reclamações. Em 1994, a área

atingiu o índice máximo de reclamações, com mais de 50% das mesmas.

Lembremos que, em 1993, a Administração Central do Hospital de Clínicas

solicitou, ao Grupo de Pacientes Externos, o já referido estudo visando a

reestruturação do ambulatório e, em 1994 centralizou o acolhimento das reclamações

dos usuários no GPE. Este fato indica o clima da época, de muitas reclamações sobre

a marcação de consultas, fato denunciado pelo alto índice referido. Este percentual

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200

foi decaindo nos anos subseqüentes, com diminuição significativa a partir de 1997,

quando alcançou apenas de 3% a 4%.

Este fato deve ser explicado à luz da mudança na política de marcação de

consultas, instalada pela Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre em 1997,

quando foi criada a Central de Marcação de Consultas, conforme mencionado

anteriormente e o setor deixou de existir no Hospital. As queixas que continuaram

assinalando marcação de consultas passaram a referir-se, na verdade, à dificuldade

em remarcar a consulta. Passaram a ser dirigidas, também, para o ambulatório.

Voltaremos a este aspecto mais adiante.

A emergência, internação e “outras áreas” receberam de 8% a 12% das

reclamações cada uma delas. Nesta última categoria foram agrupadas as queixas que

citaram marcação de exames, laboratório, higienização, serviço social e diversas

especialidades médicas, correspondendo a setores e serviços do Hospital e não à

áreas básicas do mesmo.

A recepção foi a área que apresentou menor índice de reclamações do

período, 5%. Destaque-se que houve dois períodos críticos para esta área, 1996 e

1998, quando os percentuais de reclamações encaminhadas à mesma chegaram a

10%. Cruzando este dado com o número de reclamações dirigidas ao profissional

recepcionista, verificou-se que esta informação deve ser relativizada, pois este

profissional recebeu um número expressivo de queixas, 22%, indicando que as

reclamações sobre este setor tendem a se concentrar mais nos profissionais do que na

área. Os dados mencionados acima podem ser visualizados no Gráfico 2 e nas

Tabelas 2 e 3 do Anexo D.

GRÁFICO 2- Distribuição das reclamações por área - HCPA-1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

319

36%

88

10%

252

29%42

5%

69

8%

111

12%

0

50

100

150

200

250

300

350

Ambulatório Emergência Marcação deConsultas

Recepção Internação Outras Áreas

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201

As reclamações dirigidas aos profissionais do Hospital de Clínicas somaram

um total de 671. Conforme salientamos anteriormente, comparando com o total de

reclamações, por área, constatou-se que as queixas dirigidas aos profissionais foram

em menor número do que as queixas em relação às áreas.

A categoria profissional mais reclamada junto ao sistema de ouvidoria do

Hospital de Clínicas foi a dos médicos. Esta categoria foi citada em 325 reclamações

o que, no conjunto dos casos analisados, equivaleu a um percentual de 49%.

Lembremos que os médicos também foram os profissionais mais reclamados no

Hospital Fêmina mas, neste, o percentual atinge o elevado índice de 67%.

O segundo tipo de profissional mais reclamado foi o de recepcionista.

Anteriormente observou-se que o setor de recepção apresentou um baixo número de

reclamações. Porém, detalhando a informação em relação aos profissionais,

verificou-se que 22% de todas as reclamações do período foram dirigidas aos

recepcionistas. A maioria dos profissionais recepcionistas reclamados estavam afetos

ao ambulatório, daí explicar-se, também, a concentração de reclamações nesta área, e

não na área da recepção. Constatou-se, com mais freqüência, os usuários reclamantes

assinalarem a área do ambulatório e a recepcionista. Com menos freqüência

assinalaram a recepção e a recepcionista, mas podia-se observar, na descrição da

queixa, que relatavam fatos ocorridos no ambulatório.

A terceira categoria de profissional mais reclamada, com 14% das queixas,

foi a de secretários e administrativos, destacando-se maior concentração em 1994.

Observou-se que, quando foram citados estes profissionais, os reclamantes o fizeram

intencionalmente, dirigindo-se aos administradores do Hospital, a quem

encaminhavam sugestões ou solicitavam providências. Geralmente envolviam

dificuldades em marcar consulta. Lembremos do clima, da época, de redefinição no

sistema de marcação de consultas no Hospital de Clínicas. Estas reclamações,

dirigidas aos secretários e administrativos, aconteceram quando usuários tentavam

marcar consulta há muito tempo (por exemplo, há seis meses sem sucesso),

recorrendo assim à instâncias superiores, na esperança de que a administração geral

resolvesse o problema.

Exemplos de reclamações, citando os últimos profissionais mencionados,

ocorreram quando usuários, em 1994, pediram a volta do sistema antigo de marcação

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202

de consulta, logo após a mudança para o sistema de marcação por telefone (HCPA-

reclamações 63/94 e 84/94, ambas de julho do ano referido, entre outras). Há

também relatos de relacionamentos conflituosos e suspeitas de procedimentos

técnicos incorretos, mas em menor proporção. Uma reclamante, ao registrar a

reclamação, dirigida à administração, lembrou a população usuária do Hospital, que

é de periferia, explanando problemas como se fosse porta-voz dessa população,

lembrando as desigualdades de atendimento em saúde a que está submetida sua

classe social.

Destaque-se o pequeno número de reclamações, 7%, dirigidas à equipe de

enfermagem. Quando comparada com o Fêmina, onde esta equipe recebeu

percentualmente o dobro de reclamações, isto pode ser explicado pela qualificação

profissional desta equipe, pois há a atuação direta dos professores da Faculdade de

Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em nível de chefia e,

portanto, na orientação dos profissionais e dos alunos que fazem parte de sua

formação neste Hospital. A diferença pode também dever-se ao fato de que, no

Hospital de Clínicas há maior número de profissionais enfermeiros, enquanto que no

Hospital Fêmina este o número é menor, encontrando-se um grupo maior de técnicos

e auxiliares de enfermagem.

O grupo com menor proporção de reclamações, 5%, foi o de telefonistas. As

reclamações sobre estes profissionais concentraram-se nos três primeiros anos do

período analisado. De fato, esta era a categoria mais exposta na tarefa de marcação

de consultas por telefone e o elevado número de reclamações nesta área atingiu

também este profissional. A partir de 1997 as reclamações dirigidas a estes

profissionais diminuíram, pois a Secretaria da Saúde do Município passou a agendar

a primeira consulta e as reconsultas são feitas através de encaminhamento efetivado

pelos serviços.

Na categoria “outros profissionais” encontram-se as reclamações nas quais os

usuários citaram: segurança, supervisor de baixa, ascensorista, funcionário de

limpeza, fisioterapeuta, coletador, entre outros, ou mencionaram simplesmente

funcionário, sem discriminar a função. As referências a esses profissionais estão

pulverizadas nas reclamações, não apresentando uma freqüência maior que imponha

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203

uma categorização separada. Os dados comentados estão expressos no Gráfico 3 e

nas Tabelas 4 e 5 do Anexo D.

GRÁFICO 3-Distribuição das reclamações por profissional – HCPA-1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

Analisou-se, também, as reclamações pelo tipo de problema narrado. Estas

foram classificadas conforme denunciassem problemas referentes à estrutura e ao

funcionamento do Hospital e foram distribuídas pelas diversas áreas e por seus

profissionais. Como já dissemos, as reclamações elevaram-se, consideravelmente,

quando especificadas de acordo com esta tipologia. Cruzar os dados referentes à

estrutura, funcionamento, áreas e profissionais do Hospital de Clínicas possibilitou

ampliar a explicação sobre os problemas decorrentes do tipo de atendimento, que fez

com que os usuários se dirigissem ao GPE para registrar reclamações, bem como

acompanhar os procedimentos internos de ação do sistema de ouvidoria.

Em relação à estrutura de atendimento do Hospital de Clínicas as reclamações

referiram, como principal queixa, o tempo de espera para conseguir a primeira

consulta e a reconsulta. Verificou-se que as reclamações, foram encaminhadas em

maior número às áreas das quais, principalmente à marcação de consultas. Este

problema ocorreu, com mais freqüência, nos três primeiros anos de funcionamento

do sistema de ouvidoria e praticamente desapareceu no final do período devido à

interferência da Central de Marcação de Consultas da Secretaria de Saúde de Porto

Alegre.

A análise mais cuidadosa dos fatos demonstrou, que este problema tornou-se

interno ao Hospital, pois a demora em conseguir consulta expressa-se, agora, na

demora em conseguir uma reconsulta. Explica, também, o deslocamento das

325

49%

48

7%

147

22%

35

5%

96

14%

20

3%

0

50

100

150

200

250

300

350

Méd

icos

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Out

ros

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204

reclamações que, inicialmente incidiam sobre a área da marcação de consultas, para a

área do ambulatório. Estes fatos foram destacados nas reclamações e nas narrativas

de usuários reclamantes do Hospital. Como exemplo, cita-se uma reclamação que

informa sobre este problema estrutural, pois há um longo tempo de espera, 3 meses,

para conseguir a reconsulta:

“Pacientes com solicitação de EN (Encaminhamento-LHP) para PROTHUM-Tratamento do Humor-, desde 18.8 foram informados que viessem em data de 29.9 para marcar. No dia receberam a informação que seriam liberados 10 atendimentos, sendo que foram liberados só 6. Hoje, dia 27.10 retornaram para tentar marcar ficando desde às 7 horas e 30 minutos para aguardar na fila. Às 16 horas e 30 minutos foram informadas que seriam liberadas 8 fichas. Solicitam o número de fichas marcadas hoje e providências para que consigam marcar direto, uma vez que o médico que as encaminhou é da psiquiatria” (HCPA-reclamação 86/97; 2 usuárias assinam).

Este exemplo é ilustrativo, também, do problema funcional de falhas na

presteza da prestação dos serviços. Este problema foi reclamado, quando o usuário

permanecia longo tempo esperando para ser atendido no Hospital, neste caso, das

7h30min da manhã até 16h 30min da tarde.

O segundo tipo de problema estrutural destacado é o não atendimento ao

usuário. Neste caso, conforme foi observado, as reclamações foram dirigidas tanto

aos profissionais como às áreas. Isto porque, nesta categoria, foram computados o

não atendimento por atraso do paciente ou atraso por motivo que fugia à alçada do

profissional evitar, como um procedimento técnico mais demorado que o previsto,

impossibilitando, assim, o atendimento ao paciente nesse dia e horário.

Este problema remeteu para a questão estrutural da elevada demanda por

serviços de atendimento médico no Hospital de Clínicas. No caso de atraso de

pacientes, estes relataram, muitas vezes, que chegaram de 5 a 15 minutos de atraso e

não foram mais atendidos. Este ponto foi motivo de recorrentes reclamações sobre

determinada especialidade do Hospital (a fisiatria), principalmente nos últimos anos,

pois o serviço passou a não tolerar mais atrasos de pacientes, decorrente da excessiva

procura por esta especialidade. O usuário, por sua vez, expressa suas dificuldades, no

sistema de ouvidoria, com esperança de ser atendido enquanto ainda está dentro do

Hospital:

“Paciente com cinco minutos de atraso não sendo atendido. Aguarda providências pois vem com a filha em cadeiras de rodas” (HCPA-reclamação 82/98).

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205

Os demais problemas estruturais, reclamados no sistema de ouvidoria, em

menor proporção, foram resultantes do tempo de espera para realizar e obter

resultados de exames e para conseguir baixa hospitalar. Os dados referidos acima

podem ser vistos no Gráfico 4 e nas Tabelas 6, 7 e 8 do Anexo D.

GRÁFICO 4- Distribuição das reclamações por estrutura, área e profissional do HCPA -1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

As reclamações relatando problemas de funcionamento do Hospital de

Clínicas foram em número bem mais elevado, quando comparadas às reclamações

que descreviam problemas do tipo estruturais. Constatou-se que áreas e profissionais

apresentaram, praticamente, o mesmo tipo e quantidade de reclamações, com leve

tendência das áreas serem mais citadas. Três problemas foram igualmente apontados,

pelos usuários do Hospital de Clínicas, como recorrentes e mencionados, cada um

deles, em aproximadamente, 30% das reclamações: falhas nos procedimentos

técnicos, falhas no relacionamento humano e falhas na presteza dos serviços.

Os problemas apontados pelas reclamações de usuários do Hospital de

Clínicas, relativos à falhas nos procedimentos técnicos, indicaram a área do

ambulatório como a mais reclamada, seguida da emergência e da internação. Os

profissionais mais reclamados foram os médicos, que tiveram 66% (123 de 185) de

reclamações nesta categoria. Diferente do Hospital Fêmina, no qual este tipo de

reclamação remetia a problemas de procedimentos médicos, no Hospital de Clínicas

as queixas, sobre as falhas nos procedimentos técnicos, referiram-se a qualidade do

atendimento sobretudo no que diz respeito à pontualidade ou ao não comparecimento

do profissional no dia e hora agendada para consulta incidindo, desta forma, em

245

105

2417

3123

7 310

7

44 4122

16

0

50

100

150

200

250

área

profissional

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206

maior número sobre o ambulatório e os médicos, conforme o exemplo narrado por

um usuário:

“Foi marcada uma consulta para o dia 01.12. e não fui atendido. Foi remarcada esta consulta e novamente não fui atendido por não comparecimento do médico. Aguardo providências” (HCPA-reclamação 112/98).

O segundo problema de funcionamento do Hospital de Clínicas remeteu à

falhas no relacionamento humano. Neste, caso o ambulatório, os médicos e os

recepcionistas receberam maior número de reclamações. Estas dizem respeito,

principalmente, à falhas no relacionamento profissional-paciente. Algumas vezes os

usuários relataram que sentiram-se humilhados pelo tratamento recebido dos

médicos.

Em relação aos recepcionistas, relataram tratamento agressivo, grosseiro,

descortês, como é o caso exemplificado a seguir. Cabe destacar que a maior

freqüência deste tipo de reclamação, principalmente em relação aos recepcionistas,

foi recorrente na especialidade de fisiatria.:

“Quero por meio desta demonstrar minha indignação contra a forma de tratamento aos pacientes, utilizado pelas moças da recepção, que ao invés de tratar com carinho as pessoas, mesmo por essas estarem enfermas, tratam de forma rude e agressiva deixando transparecer toda a sua limitação como profissional e ser humano demonstrando o seu baixo nível de instrução” (HCPA-reclamação 93/98).

As reclamações decorrentes de falhas na presteza dos serviços também foram

mais concentradas no ambulatório e com relação aos médicos. Relatavam situações

do tempo de espera para os usuários serem atendidos ou referiam-se, em menor

número de casos, à cirurgias agendadas e desmarcadas. Conforme exemplo já citado

anteriormente, foi comum observar casos em que os usuários do Hospital de Clínicas

relataram que aguardaram consultas por turnos inteiros, manhãs ou tardes ou, ainda,

durante todo o dia, sem que fossem informados do que estava acontecendo. Às vezes

saíam, sem consultar, após a longa espera:

“No dia 18 de junho nos dirigimos até a zona X no ambulatório. [...] Aguardamos a tarde inteira e não fomos atendidas. Pedimos explicação e fomos informadas que o nome de minha mãe, Cecília, havia sido anotado, no prontuário de atendimento, como Terezinha. Remarcamos a consulta para 07 de agosto, viemos na hora marcada e às 17 horas disseram que não seriamos mais atendidas” (HCPA-reclamação 71/98).

Problemas funcionais semelhantes aos três descritos acima representaram

90% das reclamações, registradas pelos usuários do Hospital de Clínicas no sistema

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207

de ouvidoria. Em menor número registrou-se reclamações sobre falhas de

comunicação. Estes dados são apresentados no Gráfico 5 e nas Tabelas 9, 10 e 11 do

Anexo D.

GRÁFICO 5- Distribuição das reclamações por funcionamento, área e profissional do HCPA -1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

Os dados da pesquisa revelaram que os principais problemas de estrutura e

funcionamento, reclamados pelos usuários do Hospital de Clínicas, no sistema de

ouvidoria, indicaram dificuldades estruturais decorrentes da capacidade de

atendimento, isto é, elevada demanda, bem como dificuldades funcionais,

decorrentes de falhas no atendimento prestado pela instituição e seus profissionais.

As queixas concentraram-se no ambulatório, nos médicos e nos recepcionistas.

Em relação à estrutura, os principais problemas foram as dificuldades em

conseguir consulta e reconsulta, bem como aqueles decorrentes do não atendimento

ao usuário. Os problemas de funcionamento foram resultantes de falhas nos

procedimentos técnicos operacionais, de falhas de relacionamento humano e de falta

de agilidade na prestação dos serviços.

A especialidade mais reclamada foi a ginecologia e obstetríca. A segunda

especialidade mais reclamada foi a oftalmologia (ver Tabela 24 do Anexo D). A

concentração das reclamações na especialidade de ginecologia e obstetrícia permite

deduzir que esta é uma especialidade com características particulares de alta

demanda, atendimento, relacionamento e conflitos, gerando, por isso, um maior

número de reclamações. Este dado é confirmado na comparação com o Hospital

Fêmina, destinado ao público feminino.

202185

170 176

89 82

172162

7 9

0

50

100

150

200

250

Pro

cedi

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área

profissional

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208

Comentando as três grandes áreas que compõem um hospital: médica, técnica

e administrativa, e tomando como base de referência as reclamações encaminhadas

aos profissionais que atuam nas mesmas, verificou-se que a área médica é a mais

citada nas reclamações encontradas no sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas,

concentrando 49% das queixas. Este aspecto é coincidente com as reclamações

analisadas no Hospital Fêmina, porém, neste último atinge o elevado percentual de

67%.

A área administrativa, onde estão incluídos os profissionais recepcionistas,

secretários, administrativos em geral e telefonistas apresentou também elevado

índice de reclamações, absorvendo 41% das mesmas. Registre-se ainda o diminuto

número de reclamações dirigidas à área técnica do Hospital, onde está incluída a

equipe de enfermagem, que recebeu, em todo o período, apenas 7% do total das

reclamações.

Destaque-se, também, que, no caso do Hospital de Clínicas, diferente do caso

do Hospital Fêmina, a área médica e a área administrativa dividem entre si a

concentração das reclamações. Os dados mencionados podem ser observados no

Gráfico 6 e na Tabela 12 do Anexo D.

GRÁFICO 6- Distribuição das reclamações pelas áreas médica, técnica e administrativa do HCPA -1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

4.4.2 Os usuários reclamantes

Neste tópico caracteriza-se o usuário reclamante do Hospital de Clínicas.

Através das entrevistas verificou-se que ele não reconhece o sistema de ouvidoria

como um serviço específico, criado com a finalidade de acolher suas queixas. Os

Área Médica49%

Outras áreas3%

Área Administrativa41%

Área Técnica 7%

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209

usuários só descobrem a possibilidade de registrar uma reclamação quando, sentindo-

se prejudicados com o serviço prestado pelo Hospital, procuram alguém para

manifestar sua inconformidade e são então informados de que existe um local para

receber estas reclamações. Os usuários reclamantes chamaram-no de setor, seção ou

local de reclamações.

Aqueles que desejaram registrar uma reclamação foram encaminhados pelo

setor de informações do Hospital ou por profissionais, como recepcionistas ou

médicos. Muitas vezes, os próprios recepcionistas reclamados encaminharam os

usuários para que pudessem manifestar o descontentamento. Este assunto voltará a

ser abordado quando mostrarmos o envolvimento e o disciplinamento dos usuários,

através do sistema de ouvidoria.

O usuário do Hospital de Clínicas, em proporção de 49%, registrou uma

reclamação no sistema de ouvidoria em seu próprio nome. Dividiu, porém, essa

preocupação com seus familiares, pois foi constatado que 44% dos reclamantes eram

familiares do usuário e registraram a queixa em nome daquele. Como o formulário,

formatado pelo Grupo de Pacientes Externos em 1994, prevê a informação “grau de

parentesco” com o paciente, verificou-se quem falou em nome do paciente quando o

mesmo não pode fazê-lo. Estes dados são apresentados no Gráfico 7 e na Tabela 13

do Anexo D.

GRÁFICO 7- Distribuição das reclamações pelo tipo de usuário reclamante do HCPA-1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

422

49%

373

44%

22

3%

32

4%

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

Usuário Familiar Outros Não Identificado

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210

Os dados demonstraram que, em sua maioria, 64%, foram mulheres a

registrar a reclamação, enquanto 32% dos homens assim o fizeram. As mulheres

dirigiram-se com mais freqüência ao sistema de ouvidoria para reclamar de fatos

decorrentes da capacidade e do tipo de atendimento do Hospital, conforme observado

no Gráfico 8 e na Tabela 14 do Anexo D. As mulheres reclamantes foram

principalmente a própria usuária, bem como as mães de pacientes, suas filhas e, em

menor proporção, a nora dos pacientes. Os homens que reclamaram foram o usuário,

o pai de pacientes, o esposo ou o noivo de pacientes.

GRÁFICO 8-Distribuição das reclamações por sexo do usuário reclamante do HCPA-1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA,1998.

276

32%

540

64%

8

1%

25

3%

0

100

200

300

400

500

600

Masculino Feminino Duas pessoas Não identificado

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211

Quanto a sua origem, o reclamante era oriundo de Porto Alegre em 62% dos

casos. Em 22% das reclamações os usuários eram provenientes da Grande Porto

Alegre. Dos usuários vindos do interior do Estado, para receber atendimento no

Hospital de Clínicas, 9% registraram queixas. Com origem em outros estados do

Brasil, encontrou-se 1% dos usuários, e em 6% dos casos não foi possível detectar a

procedência dos mesmos. Os dados referidos encontram-se explicitados no Gráfico 9

e na Tabela 15 do Anexo D.

GRÁFICO 9-Procedência do reclamante do HCPA-1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

Destaque-se que os dados da procedência do usuário reclamante do Hospital

de Clínicas diferenciaram-se das cotas de consultas ambulatoriais programadas,

definidas pela Central de Marcação de Consultas da Secretaria Municipal da Saúde,

que são de 55% para Porto Alegre, de 30% para a região metropolitana e de 15%

para o interior. Comparando estes dados com os dados da procedência dos usuários

do Hospital de Clínicas, 53%, 31% e 15% respectivamente, observou-se que os

usuários de Porto Alegre dirigiram-se com mais freqüência ao sistema de ouvidoria

para registrar sua reclamação, enquanto que, o usuário da grande Porto Alegre e do

interior do estado foram os que menos registraram reclamações.

Como é o usuário de Porto Alegre que costuma procurar mais os serviços do

Hospital, poderia parecer “natural” que este também, em proporção bem mais

elevada que os usuários de outras localidades, se dirigisse ao sistema de ouvidoria

para registrar suas reclamações. Porém, este fato não foi confirmado pelo caso do

Hospital Fêmina, onde 54% dos usuários são de Porto Alegre e 56% dos usuários

reclamantes também o são. A comparação entre o usuário do Hospital de Clínicas e o

usuário que registrou reclamações no sistema de ouvidoria é demonstrada no Gráfico

que segue.

526

62%

188

22%

79

9%6

1%

50

6%

0

100

200

300

400

500

600

Porto Alegre Grande PoA Interior RS Outros Estados NãoIdentificado

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212

GRÁFICO 10-Procedência do usuário e do usuário reclamante do HCPA-1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

Através das entrevistas, realizadas nas casas dos usuários, foi possível

conhecer e descrever, com mais riqueza de detalhes, as características do usuário

reclamante do Hospital de Clínicas. Segundo as características sócio econômicas

colhidas, nas entrevistas e observadas nos locais de moradia, foi possível agrupá-los

em quatro tipos de usuários. Um grupo situava-se na faixa de renda entre 2 a 3

salários mínimos, com primeiro grau incompleto. Pelo texto da reclamação,

verificou-se, em alguns casos, condições de escrita quase de analfabetismo.

Moravam em condições de habitabilidade bastante precárias, pois a casas eram de

madeira de sobras de outras construções, com um só ambiente, localizadas em

estradas sem calçamento. Algumas não possuíam rede de saneamento básico, como é

o caso da usuária residente na Estrada do Lami, ou moravam em lugares de difícil

acesso como a usuária da Lomba do Pinheiro.

O segundo grupo de reclamantes, situou-se numa faixa de renda entre 7 e 9

salários mínimos. Neste caso, incluíam-se aposentados e funcionários públicos

estaduais como, por exemplo, professores estaduais. Estas características variadas

fizeram com que, neste grupo, fossem encontrados usuários com primeiro grau

incompleto, no caso de aposentados, e com terceiro grau completo. É a situação de

professores da rede pública do Estado. Estes usuários moravam em apartamentos em

bairros centrais e bem localizados na cidade como, por exemplo, Jardim Botânico e

Santa Cecília. Alguns eram alugados e bastante modestos, expressando maiores

dificuldades econômicas, como a habitação de uma professora da rede estadual.

53.6%

62%

31.1% 22

% 15%

9%

0.3% 1

%

6%

0

10

20

30

40

50

60

70

Porto Alegre Grande PortoAlegre

Interior RioGrande do Sul

Outros Estados Não Identificado

usuários

usuários reclamantes

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213

Outros, no entanto eram amplos, fruto da situação anterior, quando morava com o

cônjuge, como o exemplo de uma senhora aposentada.

Outro grupo apresentou uma renda entre 10 a 15 salários mínimos. Neste

grupo todos declararam ter o segundo grau completo e profissões que incluíram

técnico administrativo, auxiliar de enfermagem e técnica em enfermagem. Esta

última era trabalhadora em saúde do próprio Hospital de Clínicas e registrou sua

reclamação como usuária, já que era atendida através do convênio para funcionários.

Os usuários entrevistados, deste grupo, moravam em blocos de apartamentos de

habitação popular, construídos segundo o modelo do Banco Nacional da Habitação.

Alguns moravam em casas construídas em vilas populares, com condições de infra-

estrutura básica, porém, casas, pequenas, escuras e úmidas.

Um quarto grupo declarou situar-se na faixa de renda entre 15 e 20 salários

mínimos. Com curso superior incompleto ou completo trabalhavam como técnicos

em empresas particulares. Residiam em bairros centrais, como por exemplo Azenha e

em apartamentos com condições de infraestrutura completa.

Todos os entrevistados trabalhavam, com exceção de uma senhora aposentada

e de uma dona-de-casa. Possuíam, também, vínculo empregatício com carteira

assinada, com exceção de professor estadual, onde não há carteira de trabalho.

O que unificou as diferentes categorias sócio-econômicas, de usuários do

Hospital de Clínicas de Porto Alegre, foi o fato de buscarem atendimento como

pacientes do SUS, com exceção da funcionária do próprio Hospital. Estes dados

foram trazidos à tona e comentados para que se pudesse conhecer os usuários do

Hospital, fora do âmbito hospitalar, em suas condições econômicas e sociais, como

local de moradia, renda e vínculo empregatício.

Pode-se assim, conhecer o cenário mais amplo, a partir do qual o sistema de

ouvidoria do Hospital de Clínicas acolheu as reclamações de usuários sobre

qualidade da prestação de seu atendimento. Os próximos tópicos versarão sobre o

impacto desta acolhida aos usuários e o registro de suas reclamações pelo sistema de

ouvidoria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O impacto será avaliado em

termos de envolvimento e de disciplinamento dos usuários e dos trabalhadores em

saúde da instituição, analisado a seguir.

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214

4.5 A informação e a aplacação como estratégias de envolvimento e o disciplinamento dos usuários reclamantes

O envolvimento dos usuários reclamantes do Hospital de Clínicas, através do

sistema de ouvidoria, foi desencadeado quando a administração central decidiu

acolher suas reclamações, organizando um sistema de recepção centralizado no GPE.

A centralização significou, também, o disciplinamento da conduta dos reclamantes

pois, a partir daí, o sistema de ouvidoria passou a orientá-los na formalização de suas

queixas. Para o usuário, o envolvimento começou quando sentiu-se atingido na

qualidade de seu atendimento e procurou um local para ser ouvido e manifestar suas

dificuldades: em agendar consultas; em não ser atendido devido à ausência do

profissional, principalmente dos médicos, no local e hora da consulta agendada; na

demora em ser atendido, após passar o turno ou o dia inteiro sentado nos bancos de

espera, existentes nos corredores, em frente aos ambulatórios e na descortesia de

atendimento, por parte de recepcionistas e médicos. O disciplinamento começou

quando o usuário buscou este canal institucional aberto para ouvi-lo e foi orientado

quanto ao registro da reclamação.

O acolhimento dos usuários reclamantes, por parte do Hospital de Clínicas,

foi analisado a partir das estratégias de envolvimento e de disciplinamento

anteriormente descritas. Relembrando, o disciplinamento foi estudado verificando-

se como o sistema de ouvidoria organizou o recebimento das reclamações,

orientando a conduta dos reclamantes, de que forma organizou a investigação das

reclamações e a solução dos problemas reclamados. O envolvimento foi analisado

tendo em vista as formas como a instituição acolheu as reclamações e respondeu aos

usuários. Os tipos de envolvimento definidos foram a informação, a aplacação e a

consulta. As categorias de disciplinamento e de envolvimento foram apresentadas na

metodologia deste trabalho.

Como vimos, a intenção do Hospital de Clínicas de organizar o recebimento

das reclamações, centralizando a recepção aos usuários em um só setor, deveu-se ao

desordenado trânsito que os reclamantes percorriam antes de 1994, para se fazer

ouvir dentro da instituição. Até 1994, as queixas eram feitas de forma dispersa no

âmbito do Hospital, em qualquer setor, e dirigidas a qualquer profissional, mas, em

geral, eram encaminhadas, pessoalmente, pelos usuários, ao diretor médico do

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215

Hospital. Não havia uma sistemática unificada no recebimento, encaminhamento e

solução dos problemas trazidos pelos reclamantes. Naquela data, o elevado número

de reclamações, que atingia, como verificamos, principalmente o setor de marcação

de consultas e dificultava a gestão administrativa, fez com que a direção decidisse

organizar, racionalmente, o recebimento das reclamações e a reação institucional às

mesmas.

No Hospital de Clínicas, observou-se que uma das estratégias de

disciplinamento, instituída a partir da organização do sistema de ouvidoria, se

manifestou na orientação da conduta dos reclamantes. A estratégia utilizada foi

encaminhá-los ao Grupo de Pacientes Externos. O encaminhamento se efetivou,

muitas vezes, através dos próprios trabalhadores em saúde da instituição. O usuário

foi orientado a procurar o GPE para fazer sua reclamação por recepcionistas do

ambulatório, alguns envolvidos na reclamação, ou por pessoas encontradas no

corredor, como médicos e seguranças:

“Quem me encaminhou foi um médico. Uma pessoa vestida de branco. É, eu reconheci que era médico. Eu disse assim ‘sabe aconteceu um negócio assim, assim e eu quero fazer uma reclamação’. Aí ele me levou, me levou até a porta do local” (HCPA-usuária, entrevista 25/99).

Uma reclamação, relatando falhas no relacionamento humano, exemplifica o

encaminhamento feito pela própria reclamada. A usuária queixou-se que a

recepcionista estava nervosa e tratava mal as pessoas. O que teria levado a usuária a

dirigir-se ao setor de reclamações foi uma atitude desta recepcionista, com relação a

um senhor do interior, a quem dirigiu-se usando palavras ásperas, dizendo: “será que

tu não está entendendo, vou ter que te explicar de novo”. A recepcionista já tinha

usado o mesmo tipo de procedimento com a filha da reclamante. Através de

entrevista, verificou-se que esta foi uma das situações em que a própria recepcionista

encaminhou a reclamante:

“Ela, ela mesma, a própria moça, quando eu pedi para ela que fosse um pouquinho mais paciente com esse senhor, uma pessoa do interior, ele não tinha condições de entender as palavras dela. E ela disse: ‘se tu não está satisfeita, tu vai até o setor tal e reclama’. E aí que eu descobri até que se podia reclamar e fui para lá” (HCPA- reclamação 91/98 e entrevista 26/99).

Evidenciando a unificação da ação institucional de encaminhamento dos

reclamantes estes foram, também, instruídos a ir ao GPE, após dirigirem-se até o

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216

setor de informações, na entrada do Hospital, e lá receberem a orientação sobre o

local de acolhimento das reclamações:

“Eu perguntei na entrada. Perguntei nas informações se existe um local para reclamar. Onde tem aquele guichêzinho ali, tem um cantinho. É, lá na frente. Aí ele me disse, ‘pegue ali, dobre a primeira, em frente tem uma porta e ali se reclama’. O próprio setor de recepção do hospital” (HCPA-usuária, entrevista 22/99).

Caracterizando o pouco envolvimento dos usuários do Hospital de Clínicas

com o sistema, verificou-se que eles não reconheceram o serviço prestado, no

momento da reclamação, como um serviço de ouvidoria. Este fato não é de se

estranhar, pois, como vimos, há o próprio desconhecimento interno do serviço como

tal. Os usuários não sabem o nome do setor para onde foram encaminhados, quando

solicitaram a alguém informações sobre a possibilidade de reclamar. Não

reconheceram o GPE como um sistema de ouvidoria e nem mesmo como “Grupo de

Pacientes Externos”. Fizeram a reclamação no que consideraram ser o “local, a

seção, o setor das reclamações”. Descreveram-no e indicaram sua localização como

uma sala no canto do corredor sem lembrar, porém, o nome:

“Eu não me lembro. Eu entro assim pelo ambulatório, passo naqueles guichês de vidro, em seguida que termina aquele guichê, tinha um guichezinho assim para dentro, tem uma porta e dentro dessa porta tem um guichezinho. Tem uma porta e tem um guichê assim para dentro. A gente passando por ali não reconhece. Eu reconheço, hoje reconheço porque aquela pessoa me encaminhou até ali dentro” (HCPA-entrevista 25/99).

No GPE, os reclamantes são recebidos pela secretária. É praxe o reclamante

relatar, para a secretaria, o que o levou ali. Em algumas ocasiões alguém, que os

reclamantes identificaram como uma supervisora, ouviu-os e encaminhou-os para a

secretária. Também foram relatadas situações em que os usuários reclamantes

chegaram ao setor, bastante agressivos, atemorizando os profissionais que os

acolheram.

Houve casos em que o usuário, ao chegar no GPE para reclamar, pensasse em

desistir de fazê-lo por escrito. Mas, após relatar verbalmente o ocorrido para a

secretária, esta incentivou-o a registrar sua queixa. A tentativa de desistência foi

gerada por medo de represálias, conforme observou-se no texto de uma reclamação,

escrita pela secretária do GPE, onde estava anotado que a reclamante, uma senhora

de 75 anos, “pede providências, no sentido do atendimento melhorar e que ela não

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217

seja prejudicada no atendimento” (HCPA-reclamação 7/98). Segundo relato da

própria reclamante:

“Aí quando eu cheguei lá, eu disse, acho que eu vou deixar. Diz ela: ‘não, mas o que houve’? Aí eu falei para ela. E ela disse: ‘não senhora, vamos fazer, sim’ ” (HCPA-entrevista 27/99).

Esta situação foi trazida à tona pois permitiu concluir que, diferente do

Hospital Fêmina, o Hospital de Clínicas não implantou o agendamento como forma

de dissuadir os usuários de efetivarem suas reclamações. Ao contrário, não só

recebeu todos aqueles que procuraram o sistema de ouvidoria, como incentivou-os a

narrar a queixa e anotou todas as reclamações. Agindo assim, e somente em relação a

esta forma de tratamento do usuário, esteve mais próximo da atuação de uma

ouvidoria do tipo eficaz, pois estimulou o usuário a deixar registrada a sua

reclamação. Porém, esta atuação não foi característica predominante do sistema de

ouvidoria.

Ao contrário, as estratégias institucionais de envolvimento dos usuários com

o Hospital, a partir do sistema de ouvidoria, caracterizaram-se principalmente, por

relações de envolvimento do tipo informação e aplacação, caracterizando a atuação

da ouvidoria do tipo ineficiente e burocrática, respectivamente.

Na primeira estratégia de envolvimento, a de informação, verificou-se que a

acolhida aos usuários, pelo sistema de ouvidoria, foi uma forma da instituição

informar-se e procurar minimizar alguns dos problemas decorrentes da estrutura e de

problemas funcionais que estavam ocorrendo no Hospital. Embora a estatística das

reclamações registradas não tenha sido realizada pelo sistema de ouvidoria, a

acolhida às mesmas forneceu, ao Hospital, uma noção aproximada dos problemas

recorrentes. Possibilitou, também, algumas soluções pontuais, dependendo do tipo de

problema apontado nas reclamações. Esta pesquisa, porém, realizou o detalhamento

estatístico para o conhecimento da situação e foram estes dados empíricos que

serviram de suporte concreto para as afirmações que seguem.

Ao chegarem no Grupo de Pacientes Externos, os usuários foram orientados

em suas condutas para preencherem o formulário de reclamações. A secretária

apresentava aos reclamantes o formulário criado para a anotação das informações.

Eles preenchiam o formulário ou, caso solicitassem, a secretária anotava sua

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reclamação. Como vimos, o formulário foi padronizado quando foi instalada a

centralização do recebimento das reclamações.

A atuação burocrática, no acolhimento ao usuário é reconhecida

institucionalmente:

“Essa pessoa é encaminhada para a secretária. As pessoas chegam e a secretária oferece um papel, no geral eles ficam bastante irritados. Eu sinto isso. Eles não gostam disso. Eles sentem a coisa, bom, mais uma burocracia. Isso não vai dar em nada. A secretária fica sabendo, que a pessoa quer fazer uma reclamação. A secretária solicita: ‘o senhor vai fazer por escrito?’ Fornece o papel para a pessoa, a pessoa tem que descrever qual é o problema, se identificar, identificar a área ou a pessoa de quem esta reclamando e escrever ali o acontecido. Depois se informa para a pessoa que o reclamado tem 15 dias de prazo, para responder” (HCPA-chefia, entrevista 5b/99).

Notou-se que a acolhida das reclamações, através de um sistema organizado

de recebimento, não implicou, no Hospital de Clínicas, em apagar as impressões e

manifestações que foram verbalizadas pelos próprios usuários. Quando não foram

estes que fizeram a redação da reclamação de próprio punho, ela foi anotada pela

secretária, também à mão, e era fiel à narrativa feita pelo usuário. Desta forma, foram

encontrados textos com redações simples, com menos termos do jargão médico.

Estes foram mais utilizados nas respostas.

Isto deveu-se, também, ao tipo de reclamações, que no Hospital de Clínicas,

versaram, em sua maioria, sobre dificuldades em conseguir consulta e reconsulta e

falhas nos procedimentos técnicos. Estas últimas, como vimos, referiam-se com mais

freqüência à ausência do profissional em seu posto de trabalho, do que a possíveis

erros médicos. Em relação a este procedimento afirma-se que o Grupo de Pacientes

Externos, agindo enquanto sistema de ouvidoria, respeitou a identidade dos

reclamantes, deixando que eles relatassem com suas palavras a situação

problemática.

Findo esse procedimento, o usuário era informado de que seria dado um

encaminhamento a sua queixa e um retorno, a ele, sobre a investigação realizada.

Iniciava-se, nesse momento, a estratégia de disciplinar o encaminhamento da

investigação das reclamações.

Após receber o usuário e anotar sua reclamação, a secretária informava a

coordenação do GPE de seu teor. A seguir tirava fotocópia da mesma e a enviava ao

serviço mencionado na reclamação, precedida de uma Comunicação Interna (CI),

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219

assinada pela coordenação do GPE. Se todos os usuários reclamantes foram

recebidos pelo sistema de ouvidoria, nem todas as reclamações foram encaminhadas

para investigação.

Este fato ocorreu com maior intensidade em 1994, no início de implantação

do sistema, quando o principal problema era a marcação de consultas ambulatoriais

programadas. Naquele ano, 20% das ocorrências registradas tiveram o

encaminhamento de “arquivar a reclamação”. Não encaminhando as reclamações, o

sistema de ouvidoria atuou, nestes casos, reforçando unicamente, a estratégia de

disciplinamento de seu recebimento. A estratégia de envolvimento dos reclamantes

desencadeada, com o arquivamento da reclamação foi do tipo informação. O

Hospital, ao ouvir os usuários com o objetivo apenas de informar-se dos problemas

institucionais, não encaminhou as reclamações pois não havia solução possível frente

à elevada demanda por consultas.

O arquivamento ocorreu em menor número, em relação ao total das

reclamações, mas agindo assim o sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas atuou

de forma ineficiente. Esta forma de atuação foi verificada, também, em relação às

respostas aos usuários. Desta questão trataremos a seguir.

As estratégias de envolvimento, consideradas como aplacação,

evidenciaram-se no início da organização do sistema pois, ao acolher as reclamações,

a instituição pretendeu evitar que fossem parar em lugares “menos adequados”, como

por exemplo a imprensa, conforme vimos anteriormente em narrativa de gestores do

sistema. No decorrer do trabalho do sistema de ouvidoria, o envolvimento do tipo

aplacação foi mantido, devido à sua atuação, com baixo poder de resolução e pouca

força institucional.

Pode-se afirmar que o sistema de ouvidoria disciplinou a investigação das

reclamações porque a maioria delas foram encaminhadas para averiguação, por parte

das chefias. A forma de encaminhamento, porém, foi típica da atuação de uma

ouvidoria burocrática, pois o repasse de “papéis” marcou fortemente sua

performance. O sistema de ouvidoria recebeu as reclamações, tirou fotocópias das

mesmas, anexou uma CI, encaminhou o documento para as chefias apurarem os fatos

e solicitou que respondessem ao serviço. Algumas chefias corresponderam às

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220

expectativas do sistema de ouvidoria, outras não, conforme veremos ao analisarmos a

receptividade das mesmas ao sistema.

As estratégias de envolvimento dos reclamantes, no sentido da informação e

da aplacação, evidenciaram-se, também, nas respostas a estes usuários. A análise

quantitativa e qualitativa das respostas, fornecidas pelas chefias ao sistema de

ouvidoria e deste ao usuário, permitiram reafirmar esta argumentação. Após o

encaminhamento das reclamações para que as chefias dos serviços e os profissionais

envolvidos tomassem conhecimento e realizassem averiguações, a não devolução dos

documentos, por parte das chefias ao sistema, foi maior do que sua devolução.

Encontrou-se 58% de documentos “sem resposta” do setor ou serviço

reclamado à ouvidoria. Como não continham explicações, sobre os procedimentos

tomados a partir das reclamações, caracterizaram estratégias de envolvimento do tipo

informação. Este item agrupa as reclamações arquivadas, as sem registro de

encaminhamento, por parte do sistema de ouvidoria, e aquelas sem resposta das

chefias às solicitações do sistema de ouvidoria (47%).

A falta de resposta dos setores e serviços, ao sistema de ouvidoria e deste ao

usuário reclamante, possibilitou-nos afirmar que a ouvidoria atuou como uma

ouvidoria ineficiente em 58% dos casos. Nesses casos, envolveu o usuário ouvindo-o

e acolhendo a reclamação, apenas para informar-se dos problemas institucionais.

Nas demais reclamações, 42%, em que as chefias ou profissionais

responderam à ouvidoria, esta, por sua vez, repassou ao usuário a resposta recebida

das chefias, agindo de forma burocrática. A expressão destas conclusões está no

Gráfico 11 e na Tabela 16 do Anexo D.

GRÁFICO 11- Resposta Institucional ao reclamante do HCPA-1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos, 1998.

360

42%

489

58%

0

100

200

300

400

500

Com justificativa do setor/serviço Sem justificativa do setor/serviço

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221

Quando houve respostas aos usuários, verificou-se que eram fotocópias das

respostas das chefias ou profissionais e, limitavam-se a reproduzir os procedimentos

internos desencadeados a partir da reclamação. As respostas aos usuários indicaram

estratégias de aplacação, pois continham justificativas do ocorrido ou informavam a

aplicação de normas disciplinares de rotina.

Quando analisou-se a qualidade das respostas que foram encaminhadas pela

ouvidoria para os usuários reclamantes, foi possível comprovar a atuação

burocrática do sistema. Isso porque, exceto em 4% das reclamações, para as quais a

ouvidoria deu resposta na hora, com relação às demais, o sistema cumpriu a tarefa

principal de encaminhar a reclamação para as chefias, solicitar a investigação dos

problemas registrados e repassar as informações aos usuários, sem intermediá-las.

Avaliando a qualidade das respostas, verificou-se que estas relatavam justificativas

dos procedimentos que envolveram a reclamação ou a aplicação dos dispositivos

disciplinares de rotina na instituição.

Estes dados não comprovam porém, com precisão, qual a proporção de

respostas efetivamente encaminhadas aos usuários. O sistema de ouvidoria informou

que sempre respondeu ao usuário, mesmo quando não recebeu resposta das chefias.

Ao concluir o registro da reclamação, a ouvidoria comunicava ao usuário que a

resposta estaria a sua disposição dentro de quinze ou vinte dias.

O retorno da resposta ao usuário ocorreu de várias formas: por telefone,

correio ou pessoalmente. O telefone foi utilizado para comunicar o teor da resposta

ou informá-lo de que a mesma já estava a sua disposição. Foram também enviadas

fotocópias das respostas, através do correio ou repassadas diretamente, no caso do

usuário voltar ao serviço em busca da solução.

Estes procedimentos foram confirmados em entrevistas com usuários (HCPA-

usuários, entrevistas 21/99, 22/99, 25/99, 26/99). Como nem todas as respostas

ficaram registradas e como alguns usuários reclamantes, quando entrevistados,

afirmaram que não a haviam recebido (HCPA-usuários, entrevistas 24/99, 27/99),

não há como avaliar este dado de forma mais conclusiva. Ele serve, porém, para uma

reflexão por parte do serviço e da instituição sobre o trabalho já realizado feito e

aquele que será ainda.

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222

A estratégia de envolvimento, através da resposta burocrática, ficou evidente

nas palavras de uma usuária reclamante e é exemplar desta situação. A reclamação

foi sobre a ida da usuária até o ambulatório do Hospital, por três vezes consecutivas,

não conseguindo consultar pelo não comparecimento do médico residente, ao local

de trabalho. Relatou que, após esperar mais de três horas, foi avisada que o médico

não se encontrava. Assim como ela, várias pessoas aguardavam para consultar com o

mesmo. Sentindo-se desrespeitada a usuária foi fazer a reclamação. Considerou-se

injustiçada, pois afirmou que as regras, para a instituição e para os usuários, não são

iguais, tendo em vista que ela, se necessitar faltar, deve avisar o Hospital com 24

horas de antecedência.

A resposta - uma justificativa escrita - que lhe foi posteriormente remetida

por correio continha um atestado de freqüência do médico a um curso de

aperfeiçoamento. A usuária, mesmo tendo recebido a resposta declarou-se insatisfeita

com a mesma, pois afirmou que seu problema não fora resolvido. Ela não era contra

o fato do médico fazer um curso, ao contrário, reconhecia a importância da

atualização profissional. Queria, porém uma solução, como o cumprimento da

agenda por outro profissional, quando um médico não pudesse comparecer ao

trabalho, principalmente em se tratando de uma falta programada como a

exemplificada. Ao ouvir a usuária comentar as formas de resposta percebe-se como

ela sentiu-se e como supôs que seria consultada podendo dar opinião para a solução

do problema:

“ Eu acho que foi uma forma debochada deles entrarem em contato comigo. Eles deveriam, eu acho que eles deveriam ter entrado em contato comigo, pedir para eu comparecer lá e discutir. Tipo assim, então vamos te trocar de equipe. Só que eu acho que eles simplesmente me deram um atestado de que o rapaz estava num curso. Eu não estou questionando fazer curso ou não fazer curso, se especializar ou não se especializar. Eu estou questionando que eu assumi um compromisso com a entidade Hospital de Clínicas e eu cumpro com isso aí e eu sou responsável e eu quero ter uma contrapartida nisso aí também” (HCPA-usuária, reclamação 53/98 e entrevista 25/99).

A usuária manifestou, embora de forma inconsciente, o que poderia ser

considerado como tarefa de um serviço de ouvidoria eficaz. Ouvir o usuário como

um cidadão, respeitá-lo em seu direito de ter um atendimento qualificado

investigando, com maior eficiência, as suas reclamações e, principalmente,

incorporando sua contribuição para a solução dos problemas institucionais.

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223

Do ponto de vista desta análise, importa ressaltar que, em relação às

reclamações que não foram respondidas pelas chefias, não houve empenho da

ouvidoria em buscar a explicação dos acontecimentos. Assim, é possível afirmar que,

neste caso, a ação desencadeada pelo sistema de ouvidoria foi, principalmente, de

informação já que não buscou respostas para 58% das queixas e deixou de

encaminhá-las, com explanação dos acontecimentos, ao usuário.

Porém, no que tange às respostas ao usuários, a atuação do sistema de

ouvidoria, foi considerada, também, de aplacação dos problemas institucionais pois

os ouvidores manifestaram que o sistema sempre respondeu ao reclamante, mesmo

sem respostas das chefias. Neste caso, a resposta foi de que “não havia, ainda,

resposta”.

Quando recebeu resposta das chefias ou profissionais e no intuito de dar

retorno ao reclamante, o sistema de ouvidoria envolveu o usuário de forma

burocrática, ao repassar a cópia das respostas formuladas. Ao obter resposta das

chefias o sistema simplesmente repassou-as ao reclamante. Agiu de forma

burocrática aplacando mais uma vez a voz do usuário, o que ficou demonstrado pela

qualidade das respostas as suas reclamações.

Isso indicou a estratégia de aplacação dos conflitos institucionais pois

fornecendo resposta ao usuário, a instituição demonstrava sua preocupação em

apaziguar sua relação de conflito com o Hospital. Agindo desta forma, não envolveu

os usuários através das estratégias de consulta. Não tomando suas reclamações como

consulta, não ampliou sua voz e não oportunizou, através desse dispositivo, as

soluções de seus problemas.

Resumindo, verificou-se que o sistema de ouvidoria disciplinou, de forma

burocrática, o encaminhamento e a investigação das reclamações dos usuários,

estruturando as formas de repasse e solicitação de investigações, por parte das

chefias envolvidas. O serviço instalou-se como tecnologia de poder disciplinar pois

organizou, espacialmente, os usuários reclamantes no âmbito do Hospital de

Clínicas.

Atuou como tecnologia de si ao aplacar os reclamantes com relação aos

serviços e normas do Hospital, procurando desenvolver a identidade dos usuários

com o atendimento prestado pela Instituição e com as práticas dos profissionais em

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224

saúde. Isso se concretizou quando recebeu todos os usuários, anotando todas suas

reclamações e comunicando-lhes as respostas institucionais recebidas. Foi assim que

os entrevistados afirmaram a boa acolhida no sistema.

Mas como a ouvidoria não organizou um sistema mais eficaz de resposta aos

usuários reclamantes, e não realizou a intermediação entre a voz institucional e a voz

dos usuários, não conseguiu atingir plenamente esta identidade, tornando-se

ineficiente. Daí resultou que alguns usuários não receberam as respostas ou sentiram-

se desrespeitados com as mesmas.

Destaque-se, portanto que, quanto ao envolvimento dos usuários, verificou-se

que o sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas atuou, principalmente, de forma

ineficiente e burocrática. Ineficiente quando não buscou responder, aos usuários,

àquelas reclamações que não retornaram dos serviços e setores, ou o fez de forma

precária. Burocrática quando não intermediou as investigações e não devolveu aos

usuários respostas qualitativas, limitando-se a repassar os documentos como “papéis”

burocráticos.

A atuação deste sistema, envolvendo os usuários sob a forma de consulta, foi

apenas verificada pontualmente, quando resolveu os problemas registrados, agindo

assim como uma ouvidoria do tipo eficaz. Este tipo de ação se efetivou,

principalmente, quando a ouvidoria providenciou consultas extras e reuniões com as

chefias dos serviços reclamados, para discutirem o problema e acharem, juntos, uma

solução.

Desta forma, pode-se concluir que o sistema de ouvidoria do Hospital de

Clínicas desenvolveu estratégias de disciplinamento e de envolvimento dos usuários

reclamantes. Após analisá-las, apresenta-se, a seguir, as relações de envolvimento e

de disciplinamento institucionais, isto é, àquelas desencadeadas entre a instituição e

seus profissionais em saúde.

4.6 A integração passiva como estratégia de envolvimento dos trabalhadores em saúde

Estratégias de envolvimento dos trabalhadores em saúde do Hospital de

Clínicas não foram formuladas, como objetivo institucional, quando foi organizado o

sistema de ouvidoria. Elas foram desencadeadas no decorrer do trabalho levado a

cabo pelo sistema. Resultaram de ações que visavam atingir os objetivos de acolher

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225

as reclamações como forma de melhorar a gestão administrativa e avaliar a qualidade

dos serviços prestados pela instituição.

O envolvimento do trabalhadores do Hospital de Clínicas com o sistema

implantado para organizar as reclamações de usuários, e que chamamos de sistema

de ouvidoria, foi avaliado em dois aspectos: como os trabalhadores foram envolvidos

na comunicação da decisão de organizar o sistema de reclamações e, após a

instalação do sistema, como foram envolvidos nos procedimentos de investigação e

respostas solicitadas pelo mesmo para efetivar seu trabalho. Para compreender o

envolvimento dos trabalhadores utilizamos as categorias de integração passiva,

adesão e interação.

4.6.1 O envolvimento na organização do sistema

Como não foi criado oficialmente um serviço de ouvidoria, a decisão de

centralizar as reclamações também não foi amplamente divulgada entre os

trabalhadores do Hospital de Clínicas, em 1994. Os profissionais que se envolveram

diretamente na tarefa de pensar a centralização das reclamações, que já ocorriam em

número considerável no Hospital, foram, como vimos, as chefias da administração

central. A partir do documento solicitado ao Grupo de Pacientes Externos, sobre a

Reestruturação Ambulatorial no HCPA, a administração central foi envolvendo

chefias médicas, principalmente os coordenadores do GPE, para verificar a

possibilidade de assumirem a tarefa de receberem as reclamações.

O GPE foi escolhido, como anteriormente narramos, por ser o setor que

coordenava às áreas envolvendo pacientes externos. Estava afeto, portanto, às àreas

mais reclamadas, na época, a marcação de consultas e o ambulatório. A primeira era

reclamada em relação à dificuldade, dos usuários, em marcar as consultas

ambulatoriais programadas e, a segunda envolvia, além desses, outros tipos de

problemas, como os de relacionamento, por exemplo.

Foi levantado também, como argumento, para que acolhesse os reclamantes,

o fato de seu coordenador estar acostumado a ouvir, por ser proveniente da

especialidade em psiquiatria. A comunicação de que o GPE deveria acolher as

reclamantes foi feita, de forma direta, pela vice-presidência médica ao coordenador

do setor, indicando-o como o local para onde seriam encaminhadas as reclamações:

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226

“Não, não sei se outros profissionais foram consultados, eu acho que foram, alguns que se recusaram e a coisa acabou lá no GPE por uma solicitação direta do vice presidente médico ao coordenador do grupo, acertando a passagem para lá” (HCPA-chefia, entrevista 4/99). “Então, não foi uma coisa muito difícil assim, acho que a tomada de decisão da vice-presidência: o GPE está implantado dentro do ambulatório, tinha um coordenador que era uma pessoa acostumada a ouvir. Fui comunicado de que a direção estava pensando em colocar ali o recebimento das reclamações e achei bom, achei que fosse mesmo a função” (HCPA-chefia, entrevista 4b/99).

Verificando o envolvimento das chefias no novo processo, constatou-se que o

documento de Reestruturação Ambulatorial no HCPA referiu a necessidade de maior

integração dos serviços e das chefias para um melhor funcionamento do ambulatório

ressaltando, que muitos serviços médicos não conheciam o GPE. Falava-se da

importância da participação das chefias e em co-gestão do ambulatório:

“A participação dos serviços é fundamental na co-gestão do Ambulatório. Deverá ocorrer um acompanhamento gerencial constante e permanente: assim se poderá minimizar os diferentes problemas que aparecem nas estatísticas de produtividade” (HCPA, 1993).

Percebeu-se, porém, que a integração das chefias, no que concerne ao novo

sistema implantado, não foi feita. Algumas chefias da área da recepção, que

trabalhavam mais próximas ao GPE, foram comunicadas, na época, da decisão de

centralização das reclamações nesse setor. Esta comunicação foi feita apenas para

informá-las e aponta para um envolvimento que se dá sob a forma de integração

passiva de seus profissionais, neste programa institucional.

Entretanto, a maioria das chefias entrevistadas, dos serviços afetos ao

ambulatório, não chegou a ser comunicada. Algumas ficaram sabendo apenas quando

receberam, pela primeira vez, a Comunicação Interna (CI) informando que havia

reclamações sobre o serviço. Ao serem indagados de como tomaram conhecimento

do sistema de ouvidoria afirmaram:

“Através de comunicação interna, que são os sistemas normalmente utilizados no hospital. Todas as chefias do serviço recebem comunicação interna” (HCPA- chefia, entrevista 7/99).

Os depoimentos colhidos nesta pesquisa reforçam a conclusão de que a

decisão de organizar o sistema de ouvidoria, foi gerencial e poucos foram envolvidos

nela. A estratégia, no sentido de buscar a adesão de profissionais à implantação do

sistema envolveu, talvez, umas cinco ou seis pessoas. Neste caso, podemos

considerar que a administração comunicou e justificou a implantação do novo

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227

processo. Não houve, portanto, uma estratégia planejada de envolvimento de todos

os trabalhadores na decisão de centralização das reclamações no GPE.

Em relação aos trabalhadores em saúde do Hospital, apenas alguns deles,

principalmente seguranças e aqueles que trabalhavam na recepção do Hospital, foram

comunicados pelas respectivas chefias sobre a nova sistemática relativa ao

acolhimento das reclamações. Isso porque orientariam usuários reclamantes e como

setores estratégicos foram comunicados, na época, no sentido do novo

encaminhamento dos mesmos. A comunicação a estes setores e trabalhadores

efetivou-se sob a forma de integração passiva, pois não houve justificativa

informando o porquê da decisão de encaminhar os reclamantes ao GPE:

“Olha eu tenho a impressão que assim formalização interna não deve ter havido. O que havia é uma informação assim informal, para todo mundo, o setor de segurança que também era o alvo de reclamações e era um local em que as pessoas iam reclamar, foi informado. Então o setor administrativo, de segurança, os porteiros, a gerência do Hospital foi informada para canalizar para o GPE as reclamações” (HCPA- chefia, entrevista 1b/99).

Para os demais trabalhadores em saúde não houve comunicação interna,

formal, participando a decisão de padronizar o encaminhamento dos usuários

reclamantes. Este aspecto evidencia que, do ponto de vista institucional, não ocorreu

nem mesmo uma integração passiva destes trabalhadores. Não havia necessidade de

informar aos demais profissionais o que estava acontecendo, já que apenas o

direcionamento dos reclamantes estava mudando.

As chefias e os trabalhadores em saúde do Hospital ficaram sabendo, do novo

encaminhamento dos reclamantes, através de uma divulgação que se processou de

forma “natural”. Segundo alguns dos entrevistados o encaminhamento das

reclamações revelava, por si só, de onde vinham as solicitações de investigação - do

GPE. O trabalho se divulgava pela sua própria natureza (HCPA-entrevistas 4/99,

4b/99, 7/99, 8/99, 10/99). Não foi pensada, portanto, a necessidade de envolver mais

intensamente as chefias e os trabalhadores na nova proposta de ouvir as reclamações

dos usuários:

“Olha eu acho que do ponto de vista de comunicação, eu acho que não foi feita. Mas a própria natureza desse tipo de serviço fez com que imediatamente houvesse uma divulgação sabe, a coisa se divulga por si mesma, na medida em que havia um certo número de reclamações diárias que nunca diminuiu assim de meia dúzia todo dia, por escrito. De maneira que rapidamente a divulgação se fez por si mesma, em pouco tempo todo mundo sabia da onde vinham as reclamações que eram enviadas para os

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228

outros serviços” (HCPA-chefia, entrevista 4/99).

Alguns dos profissionais em saúde reclamados e entrevistados,

recepcionistas, médicos e enfermeiros, não reconheciam o GPE como uma ouvidoria,

embora soubessem que funcionava como um local para receber reclamações (HCPA-

entrevistas, 11/99, 14/99, 17/99). Outros trabalhadores, também recepcionistas,

médicos e enfermeiros reclamados e entrevistados desconheciam o próprio fato do

GPE ser um setor de acolhimento das queixas dos usuários:

“Olha, eu conhecia já o Grupo de Pacientes Externos e depois fiquei sabendo também do serviço, que a gente diz das reclamatórias, nunca de ouvidoria. E depois a gente ficou sabendo, pela chefia, que existia o serviço. Chegou na reunião e a gente ficou sabendo do serviço” (HCPA-recepcionista, entrevista 17/99).

Alguns não sabiam, nem mesmo, que havia sido registrada uma reclamação

contra sua atuação profissional (HCPA-médica e enfermeiro, entrevistas 12/99 e

15/99). Ficaram sabendo no momento da entrevista. Ao mostrar desconhecimento

reforçam o argumento de que muitos profissionais não conhecem o sistema de

ouvidoria do seu próprio local de trabalho:

“Não sabia de nada, nunca fui comunicada” (de que havia reclamação em seu nome-LHP) (HCPA-médica, entrevista 12/99). “E se existe esse serviço e se chama Ouvidoria, acho uma falha que o retorno não venha prá nós. Então, se foi, se bem que essa situação eu conhecia assim, não sei como é que funciona com os demais, com as demais queixas, se tem um retorno até, a pessoa né, teria tido alguma atitude inadequada assim. A mim nunca chegou nada (HCPA-enfermeiro, entrevista 15/99).

A análise das formas de envolvimento das chefias e dos profissionais em

saúde do Hospital de Clínicas permitiu-nos concluir que a administração central do

Hospital e o GPE não envolveram os trabalhadores em saúde em seu trabalho, no que

diz respeito ao sistema de ouvidoria aos usuários reclamantes. Nos casos em que o

fez, isso ocorreu através de uma integração passiva. Esta estratégia de envolvimento

foi desencadeada em relação aos trabalhadores do serviço de recepção,

comunicando-os, pois encaminhariam os reclamantes ao setor. Porém a maioria dos

trabalhadores do Hospital ficou sabendo do sistema quando ocorreu uma reclamação

que envolvia seu serviço, no caso das chefias, ou seu desempenho, no caso dos

profissionais. Alguns, mesmo reclamados, desconheciam a existência da reclamação

e do serviço prestado pelo GPE.

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Isso é explicado, em grande parte, porque a centralização das reclamações

não se constituiu em um projeto claramente pensado e implantado com fins de

democratização tanto em relação aos trabalhadores quanto aos usuários. Permite-nos

compreender, também, a pouca força institucional que o sistema de ouvidoria tem no

Hospital de Clínicas, verificado através do escasso envolvimento das chefias e dos

profissionais no trabalho realizado pelo sistema, como veremos a seguir.

4.6.2 O envolvimento com o trabalho do sistema de ouvidoria

Para analisar o envolvimento dos trabalhadores em saúde com o trabalho

desencadeado pelo sistema de ouvidoria tomou-se como parâmetro, como já

mencionamos anteriormente, dois aspectos a serem desvelados no processo. De um

lado, buscou-se entender como a ouvidoria realizou seu trabalho, ou seja, quais os

dispositivos que utilizou para encaminhar, solicitar investigações para as

reclamações e discutir soluções com as chefias e profissionais.

Por outro lado, analisou-se como repercutiram as solicitações de investigação

da ouvidoria, ou seja, como foram envolvidos chefias e profissionais: se as

reclamações foram consideradas pertinentes, se resultaram em mudança de

comportamentos profissionais e se as respostas foram qualificadas. Considerou-se

como indicadores empíricos os procedimentos desencadeados pelo sistema de

ouvidoria, tais como o encaminhamento das reclamações, o tempo de resposta à

solicitação da ouvidoria e a qualidade das respostas institucionais.

No momento em que foi organizado o sistema de recebimento das

reclamações no GPE, foi definido o formulário para o usuário preencher com sua

queixa. Fotocópias das queixas passaram a ser encaminhadas para as chefias,

precedidas de uma CI onde lia-se: DE: GPE - PARA: ...(setor ou serviço reclamado)

e a data seguida do texto: “solicitamos a gentileza de esclarecer a reclamação em

anexo, incluindo a gentileza de nos enviar o devido esclarecimento num prazo de até

15 dias. Atenciosamente, (assinatura e carimbo)”. As CIs eram assinadas pelo

coordenador do GPE ou por seu assessor. Seguir o percurso do encaminhamento e

das respostas possibilitou a apreensão das formas como a ouvidoria envolveu os

profissionais do Hospital em seu trabalho, bem como, se estes foram efetivamente

envolvidos pelo sistema.

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230

Constatou-se que, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o sistema de

ouvidoria procurou envolver diretamente, em seu trabalho, principalmente as chefias

e em menor grau os profissionais. A estratégia de envolvimento foi a de encaminhar

as reclamações para esses profissionais. Do total de reclamações registradas na

ouvidoria, a grande maioria, 88%, foi encaminhada para as chefias dos serviços aos

quais se relacionavam as queixas. Este alto percentual denota a estratégia da

ouvidoria em envolver as chefias, buscando sua adesão ao trabalho realizado

encaminhadas ou, em conjunto, ao profissional e à chefia. O encaminhamento de

reclamações diretamente ao profissional ou envolvendo, conjuntamente, chefias e

profissionais foi inexpressivo.

Isso não significa que a chefia não solicitou que o profissional justificasse o

acontecimento para ela. Significou sim que, em alguns casos, mais exatamente em

6% das reclamações, as chefias fizeram o próprio profissional justificar, por escrito,

suas explicações sobre o acontecimento. Estes dados demonstraram a modalidade

como o sistema envolveu e disciplinou os trabalhadores em saúde do Hospital,

através das chefias. Reforçam a conclusão de que, segundo o entendimento do

sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas, a responsabilidade de justificar os

procedimentos investigados e tomar as medidas cabíveis, para o disciplinamento dos

trabalhadores, ficou, realmente, à cargo das chefias. Permitem, também, afirmar que

a hierarquia foi seguida.

Algumas reclamações ficaram a cargo do próprio sistema, que teve de

resolver seu destino. Assim, verificou-se que 6,5% destas foram arquivadas pelo

responsável pelo sistema de ouvidoria e 4,5% não apresentavam registro de

encaminhamento. Somadas as duas categorias, constatou-se um percentual não

desprezível, 11%, de reclamações não encaminhadas. Estas corresponderam, na sua

maior parte, ao problema de marcação de consultas, verificado de forma acentuada

nos primeiros anos de funcionamento do sistema. Ao analisar as queixas daquele

período constatou-se que, devido à repetição do teor das queixas e frente à

incapacidade do Hospital de resolver o problema, o representante da ouvidoria

indicava, imediatamente, o arquivamento, ou, não mais as encaminhava ao

respectivo serviço. Estes dados estão explicitados no Gráfico 12, adiante

apresentado, e nas Tabelas 17 e 18 do Anexo D.

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231

O encaminhamento das reclamações, para as chefias, foi feito de forma

burocrática e o envolvimento das chefias, pelo sistema, foi ineficiente. Uma das

evidências do caráter burocrático do trabalho realizado e da ineficiência em

conseguir envolver as chefias em seu trabalho foi a resposta destas ao sistema.

Quando se analisou o envolvimento das chefias com o trabalho realizado pelo

sistema de ouvidoria, constatou-se que apenas 36% destas responderam à solicitação

de investigação por parte do sistema. Somando este percentual com as respostas que

envolveram o profissional e a chefia, 6%, o mesmo elevou-se para 42%. Deste fato

podemos extrair duas conclusões. Uma delas é que houve pouca adesão das chefias

ao trabalho desenvolvido pela ouvidoria. Elas foram envolvidas de forma passiva.

A outra é que embora, tenha sido constatado um número inexpressivo de

encaminhamentos dirigidos, ao mesmo tempo, para a chefia e para o profissional as

respostas, dos serviços ao sistema de ouvidoria, evidenciaram que 6% das chefias

fizeram o profissional justificar seus atos, por escrito. Encaminharam a resposta do

profissional e a sua resposta - como chefia - para o sistema de ouvidoria. Fizeram

assim com que o profissional fosse envolvido também, publicamente, na

responsabilidade pelo problema que gerou a reclamação, junto ao sistema.

Caracterizando o envolvimento das chefias com o trabalho realizado pelo

sistema de ouvidoria, definido como de integração passiva, verificou-se que um total

de 47% não respondeu à solicitação, de investigação, encaminhada pelo sistema.

Apenas receberam as reclamações e informaram-se dos problemas institucionais.

Este percentual foi acrescido em 11% quando se agregou a ele as reclamações cujo

destino foi assumido pelo próprio sistema. São aquelas reclamações anteriormente já

apontadas sob os rótulos de “arquivamento” e “sem registro de encaminhamento”.

Assim, o percentual de reclamações catalogadas como “sem resposta” apresenta o

elevado percentual de 58%. Os dados comentados acima constam do Gráfico 12 e

das Tabelas 17 a 20 do Anexo D.

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GRÁFICO 12 - Procedimento Institucional: encaminhamento das reclamações e respostas das chefias ao Sistema de Ouvidoria do HCPA -1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

O tempo que as chefias e os profissionais levaram para dar resposta, ao

sistema de ouvidoria, foi mais uma evidência da integração passiva com que foram

envolvidos os trabalhadores em saúde do Hospital, neste trabalho, atestando, mais

uma vez, a sua atuação ineficiente para envolvê-los em sua proposta. Reafirma,

ainda o encaminhamento burocrático das reclamações.

Estas, ao serem enviadas para as chefias eram acompanhadas da

Comunicação Interna (CI) que estabelecia o prazo de 15 dias para o retorno das

respostas. Analisando este indicador, nos documentos reclamatórios, verificou-se

que, considerando todo o período analisado, 26% do total de reclamações foram

respondidas dentro desse prazo. Estas representaram 4% dos casos que tiveram uma

solução quase imediata através da atuação, principalmente, da própria ouvidoria e

22% de respostas que retornaram das chefias e dos profissionais.

É assim que, tomando como parâmetro as 273 reclamações respondidas pelas

chefias, das quais foram excluídas aquelas respondidas pelo próprio sistema,

observou-se que 58% das mesmas, 159 reclamações, foram resolvidas na hora ou

retornaram dentro do prazo normatizado pelo sistema de ouvidoria. Este dado

permitiu concluir que aquelas chefias que encontravam-se mais receptivas ao

trabalho de ouvidoria procuraram cumprir as normas estipuladas pelo sistema, como

pode-se ver no Gráfico 13 e nas Tabelas 21 e 22 do Anexo D.

746

303

9 5 1

52 55 5538

38

396

0

100

200

300

400

500

600

700

800

Che

fia

Pro

fissi

onal

Che

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Arq

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SO

SO encaminha para

Quem responde

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233

GRÁFICO 13- Procedimento Institucional: tempo de resposta das chefias e profissionais ao Sistema de Ouvidoria do Hospital de Clínicas-1994-1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

Analisando-se a atuação da própria ouvidoria, na resolução dos problemas

trazidos pelos usuários, verificou-se que esta foi mais intensa no início de

organização do sistema e dependeu do tipo de problema para o qual pode dar

resposta quase imediata e satisfatória. Este aspecto foi evidenciado cruzando os

indicadores do tipo de problema reclamado, o prazo de resposta do sistema ao

reclamante e o ano em que o sistema de ouvidoria teve maior poder de resolvê-los. O

ano de maior ação institucional da ouvidoria foi 1994 quando solucionou, de forma

quase imediata, o problema de marcação de consultas, conseguindo uma consulta

extra.

Lembremos que este foi um ano de mudança na rotina de marcação de

consultas no Hospital de Clínicas, para o sistema de agendamento da consulta por

telefone. Esse foi um período de redefinição não só institucional como de

implantação do SUS, implicando na transição para novas formas de marcação de

consulta e gerou, naquele ano, um grande número de reclamações. Este fato, pela sua

indefinição, possibilitou ao sistema de ouvidoria dar resposta mais resolutiva ao

usuário.

Esta consistiu em conseguir consulta-extra, quase imediata para 8% dos

casos. A resposta a essas reclamações expressavam, textualmente, que havia sido

“marcada uma consulta-extra”, e as datas das reclamações e das respostas indicaram

a presteza na resolução do problema.

4

27

155

36 39

317

1

58

20

0

93

396

0

50

100

150

200

250

300

350

400

Resolvidona hora

1-15 dias 16-30 dias + de 30dias

Semregistro da

data

Arq. es/reg. do

enc.

Semrespostaao SO

Chefias

SO

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234

Importa ressaltar que, mesmo sendo um percentual baixo de resolução, frente

ao grande número de reclamações do período, este foi o ano de maior impacto do

sistema, quanto à solução do problema, durante todo o período analisado. Em

contrapartida foi o ano, também, em que o sistema arquivou 22% das reclamações

índice muito mais elevado do que sua capacidade de resolver esse tipo de questão

(ver Tabela 22 do Anexo D).

A conclusão sobre o impacto da atuação da ouvidoria, quanto ao período e o

tipo de problema, foi reforçada quando se analisou a categoria “resolvido de 1-15

dias”. Verificou-se uma forte tendência da ouvidoria tentar resolver e dar uma

resposta de forma autônoma ao usuário. Isso ocorreu no primeiro ano de implantação

do sistema, quando a ouvidoria e as chefias resolveram o mesmo número de

reclamações neste prazo.

Quando analisou-se o tipo de reclamações, para as quais o sistema respondeu

neste prazo, encontrou-se queixas relatando as dificuldades em marcar consultas,

como já vimos e, também, falhas nos procedimentos técnicos, devido à ausência do

profissional ao trabalho ou na presteza do atendimento. Assim, o sistema

basicamente agendou consultas-extra e encaminhou para atendimento em

determinada área do Hospital, principalmente quando a falha foi reconhecidamente

institucional, como no caso do não comparecimento do profissional ao seu posto de

trabalho.

Em relação ao tipo e à qualidade das respostas devolvidas ao sistema de

ouvidoria pelas chefias, observou-se que a maioria justificava o acontecimento. As

justificativas foram feitas quando os fatos narrados remeteram a problemas

estruturais e funcionais decorrentes, da capacidade e das falhas de atendimento.

As respostas davam explicações relatando, por exemplo, o número

insuficiente de consultas ambulatoriais, o tempo de espera para marcar cirurgias,

devido à falta de leitos para internação ou o tempo de espera para realizar exames,

devido a problemas técnicos dos equipamentos. Esclareciam, também sobre os

atendimentos não efetivados pela ausência de profissionais no local de trabalho e

sobre falhas no relacionamento entre profissional e usuário.

Os problemas de relacionamento entre profissionais e usuários, justificados

pelas chefias, ocorreram entre recepcionistas, em maior número, mas também entre

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235

médicos e equipe de enfermagem. O profissional foi identificado e foi justificado o

problema relatado na reclamação. Muitas vezes, nestes casos, foi o profissional que

justificou sua atuação e não raro estabeleceu-se um diálogo, mesmo que por escrito,

bastante contundente entre profissionais, principalmente médicos e usuários,

relacionando o sistema de saúde.

Como exemplo desse diálogo cita-se uma queixa que referia uma forma

deseducada do médico dirigir-se aos familiares do paciente para prestar informações

sobre a sua saúde. O médico respondeu dizendo que o familiar foi grosseiro também.

Contextualizando, verificou-se que este fato ocorreu na área da emergência e que o

médico justificou o incidente, atribuindo a responsabilidade à falência do sistema de

saúde.

Esta queixa é exemplar quanto a outro aspecto importante a ser ressaltado,

observado em diversas reclamações: ao ler as reclamações e as respostas percebe-se

que é freqüente apontarem para situações “ beco sem saída” pois praticamente fica a

palavra de um contra a palavra do outro, a do reclamante e a do profissional (HCPA-

reclamação 51/98).

Foram também justificadas a atuação de profissionais, principalmente da área

médica e de enfermagem, no caso, por exemplo, de faltas ao trabalho. Muitas delas

traziam, anexado, um atestado através do qual o profissional justificava sua ausência.

Lembremos de que uma justificativa deste tipo, falta de um profissional ao trabalho

por estar participando de congresso, foi comentada por uma usuária reclamante como

sendo insatisfatória.

Em menor número as respostas informavam sobre a aplicação de medidas

disciplinares legais, tais como a advertência. Esta forma de disciplinamento punitivo,

a advertência, foi mais freqüentemente utilizada pelas chefias da recepção,

especialmente quando se tratou de mau atendimento, por parte de profissionais

recepcionistas, aos usuários. As estratégias de disciplinamento dos trabalhadores em

saúde serão abordadas no próximo tópico.

As justificativas, que invocaram mais diretamente o cumprimento das normas

de rotina, ocorreram em menor número e foram utilizadas para responder às

reclamações que envolveram procedimentos técnicos, quando esses referiram a

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236

qualidade de atendimento. Foram encaminhadas, em maior número, pelas chefias de

serviços das especialidades médicas e de enfermagem.

As normas foram salientadas, principalmente, quando questionados os

procedimentos técnicos médicos ou da equipe de enfermagem. Nestes casos, as

justificativas descreviam os procedimentos adotados, sendo anexados os boletins de

atendimento dos pacientes. Esses procedimentos foram mais praticados pelo setor da

emergência, dado o caráter de rapidez no atendimento prestado por este setor e de

desconhecimento entre profissional e paciente, envolvidos na situação. Em caso de

dúvida, o usuários reclamavam e eram esclarecidos:

“Os atendimentos do serviço [...] conforme rotina estabelecida era de [...]” (HCPA-reclamação 54/98). “O paciente [...] foi submetido à cirurgia e quando de sua avaliação [...]” (HCPA-reclamação 62/98). “A paciente [...] está no Hospital desde [...] para tratamento de [...] acontecendo múltiplas recidivas.” (HCPA-reclamação 78/98).

As diferentes formas de respostas devolvidas pelas chefias ao sistema de

ouvidoria e indicadoras do tipo de envolvimento dos profissionais com o sistema,

foram evidenciadas a partir da análise de todas as reclamações, mas para expressá-las

recorreu-se à contagem das 120 reclamações, referentes ao ano de 1998. Assim,

constatou-se que foram justificadas 82,5% das reclamações 63 respondidas neste

ano. Em 13,0% delas foram identificados os profissionais e justificadas as

reclamações, em 3,0% houve advertência ao profissional e em 1,5% houve revisão,

reavaliação ou foram reforçadas as normas de rotina. Estes dados estão expressos no

Gráfico 14 e na Tabela 23 do Anexo D.

GRÁFICO 14 - Qualidade das respostas ao Sistema de Ouvidoria do Hospital de Clínicas – 1998

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

52

8

2 1

0

10

20

30

40

50

60

Justificativa Identificação ejustificativa

Advertênc ia Reforço, revisãoou reavaliação dasnormas de rotina

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237

O procedimento institucional descrito acima permitiu afirmar que, quanto ao

envolvimento dos trabalhadores em saúde do Hospital, a ouvidoria caracterizou-se

por ser do tipo ineficiente, já que 58% das reclamações permaneceram sem resposta

institucional. Tal fato ocorreu devido à falta de adesão das chefias e profissionais ao

processo de ouvir as reclamações dos usuários. A ouvidoria não promoveu

estratégias de adesão das chefias e profissionais, mesmo porque não havia um projeto

para tal. Atuou, assim, de forma ineficiente.

O primeiro ano de organização do sistema de ouvidoria foi o ano em que

impactou de forma mais decisiva na resolução de problemas explanados pelos

usuários. Nos anos seguintes, não ampliou sua capacidade de atuação, mas

restringiu-a ainda mais. Atuou de forma cada vez mais burocrática, apenas

repassando as reclamações. Em 42% dos casos recebeu respostas, mas as repassou

burocraticamente aos usuários, através de fotocópias e, na maioria das vezes, as

respostas não eram qualificadas, no sentido da resolução dos problemas

apresentados.

A falta de resposta ao sistema de ouvidoria é reconhecida por algumas das

chefias e explicada, por uma delas a partir das características burocráticas do trabalho

desenvolvido pelo setor encarregado das reclamações:

“Algum caso eu demorei, perdi o papel e como ninguém me cobrou, eu não achei nada; eu não achei grave; então, não deixaram claro se era da minha equipe ou não, e aí extraviou, porque veio assim um papelzinho, um xerox, à mão, que é o que eles fazem e vem essa CI, amarelinha, e aí quando eu me lembrei já tinha passado de 15 dias, mas aí eu achei e respondi. Mas não existe um controle, um protocolo de entrega e um protocolo de recebimento de entrega. Então, faz com que o chefe até incida em inadimplência na entrega” (HCPA-chefia, entrevista 10/99).

Nestes casos, como a ouvidoria esperou pela resposta das chefias e dos

profissionais e não interferiu mais energicamente para recebê-la e acompanhar a

solução dos casos narrados pelos usuários, seu trabalho permaneceu no limiar da

ineficiência e da burocracia.

A falta de adesão ao trabalho realizado pelo sistema de ouvidoria foi causado,

por um lado, pelo fato de o sistema de ouvidoria não promover estratégias que

envolvessem, nos seus propósitos, os trabalhadores em saúde do Hospital, incluindo

as chefias. Por outro lado indicou o caráter burocrático do sistema, pois foram

respondidas apenas 42% das reclamações. Destas, 26% foram “resolvidas na hora ou

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num prazo de “1 a 15 dias”, sendo que 82% foram respondidas sob a forma de

justificativa do problema ocorrido.

O relato desta situação se faz necessário para respaldar a afirmativa de que

há uma maior autonomia e poder das chefias em relação ao setor administrativo do

hospital, representado pelo sistema de ouvidoria. Atestou, também, o poder que os

chefes de serviço, professores, têm na instituição, tema que voltaremos a abordar ao

analisarmos os efeitos institucionais do sistema de ouvidoria.

Os dados demonstraram que há pouca valorização do trabalho desempenhado

pelo sistema, fato que fica evidenciado pelo baixo número e pela escassa qualidade

das respostas devolvidas ao mesmo. Contradizendo as práticas acima desvendadas,

as chefias afirmaram considerar as reclamações pertinentes e declararam sempre

responder ao sistema de ouvidoria, com exceção da chefia da área da recepção, na

entrevista acima transcrita. Porém, os entrevistados mais diretamente ligados ao

sistema de ouvidoria, isto é, os coordenadores deste sistema, confirmaram a falta de

respostas das chefias às solicitações de investigação.

4.7 O disciplinamento dos trabalhadores em saúde

A organização do recebimento das reclamações dos usuários em um sistema

de ouvidoria, por parte do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, funcionou como um

dispositivo disciplinar, embora não tenha sido planejado como tal. Ao acolher as

queixas, o sistema unificou a linguagem institucional, propiciando o disciplinamento

do encaminhamento do usuário.

O sistema de ouvidoria localizou, também, os serviços e setores

problemáticos do Hospital e identificou e disciplinou os trabalhadores em saúde,

envolvidos em prováveis falhas, decorrentes do atendimento prestado. O

disciplinamento dos trabalhadores reclamados foi analisado através de três formas de

ação institucional: não aplicar medidas disciplinares ignorando o fato que causou a

reclamação, disciplinar através de medidas punitivas e disciplinar através de

treinamento ou de um processo de educação.

A uniformização da linguagem institucional foi instituída, como vimos, para

disciplinar os trabalhadores no sentido de encaminharem os usuários reclamantes ao

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Grupo de Pacientes Externos, quando quisessem manifestar uma queixa. Esta

uniformização, não atingiu, na época, todos os trabalhadores.

O disciplinamento iniciou, para alguns deles, quando foram comunicados de

que haveria um local específico para receber os usuários reclamantes. Estes

funcionários, da recepção e da segurança do Hospital, eram pessoas fundamentais no

encaminhamento desses usuários e, portanto, era necessário disciplinar suas condutas

para que realizassem corretamente esta nova forma de encaminhamento. Estava

sendo traçado um procedimento institucional unificado:

“Então o setor administrativo, de segurança, os porteiros, etc. a gerência do Hospital foi informada para canalizar para o GPE as reclamações” (HCPA-chefia, entrevista 1b/99).

No decorrer do período analisado o disciplinamento dos trabalhadores, no

sentido do encaminhamento do usuário, foi efetivado. Muitas vezes foi o próprio

reclamado que orientou o reclamante a procurar o GPE. Verificou-se que os

diferentes tipos de profissionais do Hospital, principalmente recepcionistas, assim o

fizeram. Como exemplo cita-se o caso, narrado anteriormente, de uma recepcionista

que, quando reclamada, encaminhou a usuária ao GPE. Relembrando, a reclamação

era sobre falhas no relacionamento humano e a usuária, quando entrevistada,

explicitou que a recepcionista indicou-lhe que deveria procurar o GPE.

Em relação ao conflituoso relacionamento humano, as recepcionistas

reclamadas, ao serem entrevistadas, disseram que, muitas vezes, sentem-se

pressionadas pela excessiva demanda de consultas no ambulatório conjugado com

um atendimento mais lento, pela característica de hospital-escola, do Hospital de

Clínicas. Analisando as circunstâncias que envolveram reclamante e reclamada, na

situação descrita, verificou-se que a consulta estava três horas atrasada e havia

pressão psicológica no ambiente, fato corroborado por ambas:

“E, algumas vezes, eu tenho acho que umas 60 pessoas em minha volta querendo informações, todos perguntando a mesma coisa, assim que tenho de atender os médicos, a recepção, o telefone, e estava sobrecarregada mesmo. E o atendimento foi lento, realmente, o pessoal lá de dentro não estava atendendo rápido e, porque claro, tinha muita gente mesmo” (HCPA-recepcionista, entrevista 16/99).

O fato de ter sido a própria reclamada a encaminhar a usuária não indicou,

porém, uma conscientização da importância da reclamação como possibilidade de

democratização institucional. A maneira como se dirigiu à usuária: “E ela disse: ‘se

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tu não estás satisfeita, tu vais até o setor tal e reclama’” (HCPA-usuária, reclamação

91/98 e entrevista 26/99), explicita os conflitos e as formas simbólicas indicativas de

distinção e de exclusão social, desveladas à luz da análise teórica proposta por

Bourdieu (1989,1992, 1996).

Os conflitos discriminatórios se manifestam em relação aos usuários do SUS,

devido ao fato da usuária ser atendida pelo sistema público, portanto, sem ônus para

o paciente. O comentário da recepcionista insinua que este usuário não teria o direito

de reclamar. A situação estava tensa pois era agravada pela quantidade de pacientes a

serem atendidos. Mesmo que praticar a exclusão não seja intenção deliberada de seus

protagonistas, o fato foi evidenciado, também, em outras reclamações, a ponto de ser

mencionado em resposta de uma chefia:

“[...] Outrossim, informamos que os funcionários administrativos não fazem qualquer distinção entre as pessoas” (HCPA-chefia recepção, resposta à reclamação 12/98).

A relação de conflito se efetivou, como outras tantas ocorridas no Hospital,

caracterizando interesses específicos. A usuária esperava um atendimento cortês e

com presteza. Já a funcionária sentia-se sobrecarregada, tratando a usuária de forma

grosseira, não só no atendimento como também no encaminhamento que fez ao GPE.

Registra-se que este procedimento não corresponde à intenção de instalar um sistema

de ouvidoria para dar voz ao usuário e buscar, assim, soluções para a melhoria da

qualidade de atendimento do Hospital.

Organizar o sistema de ouvidoria foi, também, uma estratégia de

disciplinamento dos trabalhadores em saúde, no sentido da adequação de suas

condutas às normas e rotinas do Hospital. O documento de dezembro de 1993,

elaborado pelo GPE, sobre a Reestruturação Ambulatorial no Hospital de Clínicas,

foi revelador no sentido de deixar em evidência a necessidade de disciplinamento dos

trabalhadores em saúde, decorrente da perspectiva de reestruturação do ambulatório.

Como vimos o documento tratava de problemas e apresentava propostas.

Um dos problemas mencionados foi o da produtividade do ambulatório. Para

alterar a situação, o documento referiu a necessidade de uma “profunda mudança de

comportamento e de comprometimento” que deveria partir dos próprios serviços. Foi

enfatizada a necessidade de revisar os níveis de produtividade e, para tal, uma das

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medidas sugeridas foi que as chefias dos serviços participassem, através um de

acompanhamento gerencial constante e permanente, da gestão do Ambulatório:

“Embora existindo uma boa dose de receio, até porque não conhecemos os problemas e os detalhes minuciosos que envolvem cada serviço que atua no ambulatório, mesmo assim gostaríamos de salientar e enfatizar que uma profunda mudança de comportamento e de comprometimento deverá partir dos próprios serviços que são na verdade o elo principal e a peça fundamental da cadeia que envolve todo o sistema assistencial” (HCPA, 1993).

As propostas reivindicavam a atuação mais decisiva das chefias na solução

dos problemas do ambulatório porque parte deles, citados no documento, eram,

como vimos, problemas internos que envolviam os trabalhadores em saúde, tais

como falta ao trabalho, atrasos, licenças, férias, licenças para congressos e horas-

extras (HCPA, 1993). Esses problemas eram reclamados pelos usuários e exigiam

uma atuação mais decisiva dos serviços, pois a eles competia responder pela

“realização das agendas marcadas” (HCPA, 1990).

Foi lembrada, na ocasião, a necessidade de “retomar as advertências, por

escrito, aos pacientes e funcionários que não comparecem às consultas ou estudar

outras formas de limitar os faltosos” (HCPA, 1993). Um sistema de ouvidoria

auxiliaria na retomada das advertências pois o acolhimento centralizado das

reclamações facilitaria, para as chefias, a identificação dos profissionais reclamados

e o ajustamento de suas condutas às rotinas do Hospital.

De fato, ao ser formalizado o acolhimento das reclamações no GPE, foi

instituído o formulário para ser preenchido por parte do reclamante. Ao solicitar que

este preenchesse o nome da área reclamada, o tipo de profissional e, ainda, o nome

do mesmo, tornava mais fácil a sua identificação. Quando não diretamente nomeados

na reclamação, muitos profissionais foram identificados pelas chefias, quando estas

desencadeavam o processo de investigação. O sistema de ouvidoria propiciou, às

chefias dos serviços, um documento escrito que lhes dava maior poder de prova

sobre determinados comportamentos inadequados de funcionários, como os da

recepção por exemplo:

“Eu acho válido que o paciente, que o familiar, se expresse. Eu estimulo que ele faça isso, porque é um aprendizado. E é muito mais fácil eu conversar com meu funcionário com algum documento do que eu conversar de boca, parece que a gente está inventando. Então, eles se queixam, eu oriento a fazer por escrito, que eu mesmo vou receber e vou tratar de resolver a justificativa, porque, daí, desencadeia um processo interno, na minha área,

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não sei como funciona nas outras. Eu recebo a CI, eu converso ou já conversei com o paciente, ou senão só estou com o documento. Se eu converso com o paciente antes, eu peço para o paciente registrar que é um documento que eu tenho contra o funcionário. Se não quer registrar, ou não tive a oportunidade de falar com ele, eu recebo o documento, converso com o funcionário igual, e uso aquele documento como um indicador de que a coisa não tá bem e aí dou o retorno. Então, é assim que eu faço” (HCPA-chefia recepção, entrevista 10/99).

Mesmo sem ter se constituído em um projeto elaborado deliberadamente com

objetivos disciplinares, estavam dadas as condições concretas para que a

centralização das reclamações no GPE funcionasse como estratégia de

disciplinamento dos trabalhadores. O sistema de ouvidoria permitiria, como de fato o

fez, o conhecimento e o exame minucioso dos problemas que envolviam o

ambulatório e seus trabalhadores.

Ao localizar, a partir das reclamações, os serviços e setores problemáticos e

identificar os envolvidos em prováveis falhas, decorrentes do atendimento prestado,

o sistema de ouvidoria forneceu base para as chefias aplicarem os dispositivos

disciplinares legais de rotina no Hospital de Clínicas. Possibilitou, assim, a

organização de um sistema de registro permanente, “anotação do indivíduo e

transferência da informação de baixo para cima, de modo que, no cume da pirâmide

disciplinar, nenhum detalhe, acontecimento ou elemento disciplinar escape a esse

saber” (Foucault, 1992, p. 106).

A forma como foi feito o encaminhamento das reclamações é indicadora das

possibilidades disciplinares, a partir do sistema. O GPE, ao receber uma reclamação,

remetia-a para as chefias dos serviços para que elas procedessem às investigações e

relatassem os resultados:

“Sempre (investigávamos as reclamações-LHP), a gente saía atrás do profissional ou do serviço ao qual se referia à reclamação, a gente sempre encaminhava uma CI, relatando e encaminhando ao serviço a reclamação. A gente fazia uma CI expondo à chefia do serviço e ela depois reencaminhava a solução ou explicação, a justificativa do que tinha ocorrido” (HCPA-chefia, entrevista 4b/99).

As estratégias de disciplinamento dos trabalhadores em saúde ficaram

explícitas quando se acompanhou o resultado do procedimento do sistema de

ouvidoria, ao encaminhar os documentos reclamatórios para as chefias. Estas

verificavam o teor das reclamações, identificavam os profissionais reclamados e

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desenvolveram três estratégias de disciplinamento: não disciplinar, disciplinar de

forma punitiva e justificativa ou disciplinar, treinando e educando os trabalhadores.

Considerou-se que não houve a ação de disciplinamento, aos trabalhadores

reclamados, em 58% das reclamações para as quais não houve respostas por parte

das chefias à ouvidoria. Saliente-se que é um percentual elevado se considerarmos os

objetivos de acolher as reclamações dos usuários com a intenção de melhorar a

qualidade de atendimento. Isso reafirma, mais uma vez, o trabalho ineficiente e

contemporizador do sistema implantado.

Com relação àquelas reclamações, para as quais o sistema obteve respostas,

encontrou-se indicativos de que foram aplicadas medidas de disciplinamento sobre

trabalhadores em saúde. A principal medida de disciplinamento adotada foi a

aplicação do dispositivo disciplinar de advertência verbal. Os trabalhadores foram,

também, orientados em relação à condutas específicas para os cargos que ocupavam.

Foi constatado que os funcionários da recepção foram os mais atingidos por tais

medidas.

A advertência verbal foi evidenciada em respostas das chefias sobre as

medidas tomadas no caso de mau relacionamento entre usuários e profissional,

decorrente de atrito entre ambos. Para ilustrar cita-se o exemplo de resposta da

chefia:

“Comunicamos que a funcionária X foi advertida verbalmente quanto à reclamação enviada, pois não é este o perfil de funcionário que desejamos em nossa Instituição”(HCPA-chefia recepção, resposta à reclamação 90/98).

A aplicação de advertência escrita e as punições disciplinares, como

suspensão e demissão foram mencionadas pelas chefias, quando entrevistadas, como

dispositivos disciplinares legais e utilizados institucionalmente, porém, com menos

freqüência:

“Então, sempre atendo as duas partes, converso e se eu achar que tem alguma coisa séria a gente acaba advertindo verbalmente. Isso se for algo grave, ou alguma reincidência. Por escrito também é comum. Se a gente sabe que a pessoa tem um problema e muitas vezes foi transferido de uma área para outra e continua apresentando, a gente adverte a primeira vez, a segunda vez, até dar uma suspensão, ou demitir. Essas medidas são mais ou menos o padrão do Hospital. Tu adverte uma vez, adverte duas, tenta descobrir, tenta investigar. A pessoa, a gente tenta encaminhar para outra área para ajudar. Mas tem pessoas, assim, que não estão motivadas para o trabalho. Então, a gente acaba demitindo mesmo” (HCPA-chefia recepção, entrevista 10/99).

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Entretanto, nos arquivos do sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas, não

foi constatada nenhuma ação disciplinar que envolvesse suspensão ou demissão, a

partir das reclamações efetuadas pelos usuários. Os entrevistadas reclamados não

narraram, também, a aplicação deste tipo de disciplinamento.

Verificou-se que, a partir da investigação desencadeada pelo sistema de

ouvidoria do Hospital de Clínicas, ocorreu a orientação dos funcionários da recepção

quanto a condutas específicas. Esta orientação deu-se no sentido de reforçar o

cumprimento das normas por parte desses funcionários. A prática de orientar o

trabalhador foi narrada nas entrevistas tanto por chefias como por reclamados. Foi

evidenciada, também, nas respostas anexadas pelas chefias às reclamações, que

foram devolvidas ao sistema de ouvidoria:

“Salientamos que os funcionários administrativos são treinados em técnicas de atendimento ao público, bem como possuem conhecimento das rotinas e fluxo do hospital. [...] De qualquer forma, a funcionária foi reorientada e acompanhada nas suas rotinas” (HCPA-chefia recepção, resposta à reclamação 12/98). “Não, não nenhuma área que eu trabalhei. Eu nunca tive assim, uma advertência, nunca tive punição, nada. Claro, elas sempre conversam com a gente: ‘Ah! vocês procuram isso e tal’, o melhor. Inclusive, a gente está fazendo umas reuniões de atendimento ao paciente. Então, isso a gente faz em torno de melhorar, mas nem sempre a gente consegue” (HCPA-recepcionista, entrevista 17/99).

O depoimento da recepcionista remete para outra prática disciplinar

institucional promovida em menor escala: as estratégias de treinamento e de

educação dos trabalhadores em saúde. Estas práticas são corriqueiras na instituição.

Com a pesquisa evidenciou-se, porém, que algumas foram desencadeadas a partir do

acolhimento das reclamações. Também verificou-se que estratégias de treinamento

foram mais comuns na área administrativa, principalmente na recepção, enquanto as

de educação caracterizaram a área médica.

Em reuniões dos funcionários com as chefias da recepção, foram analisadas

as práticas que resultaram em reclamações, algumas das quais acolhidas pelo sistema

de ouvidoria. Casos mais graves, de relacionamento, eram comentados, mas os

envolvidos não eram mencionados. Se fosse um caso mais rotineiro comentavam a

reclamação, referiam a pessoa envolvida, explicitavam as rotinas e as formas de

tratamento ao paciente:

“Na maioria das vezes, na sexta-feira a gente tem reunião, reunião entre a turma do ambulatório para discutir o que aconteceu, quais são os pontos

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positivos e negativos o que foi mudado, o que vai ser mudado, a rotina, essas coisas assim” (HCPA-recepcionista, entrevista 16/99).

Os fatos narrados acima indicaram que houve treinamento, para os

funcionários do setor da recepção, no qual foram incluídos comentários sobre as

formas de tratamento reclamadas por usuários. Em relação aos médicos, evidenciou-

se que as reclamações foram encaradas como forma de orientação de condutas e de

aprendizagem.

A orientação de condutas ocorreu de forma mais individual, quando tratou-se

de procedimentos técnicos médicos decorrentes da qualidade de atendimento. Neste

caso o médico foi chamado, geralmente era residente, e a ele foi explicado o

procedimento a ser adotado.

A aprendizagem foi coletiva quando envolveu a discussão de casos clínicos.

Como as reclamações sobre procedimentos técnicos, dirigidas aos médicos, pouco

referiram dúvidas dos reclamantes sobre casos clínicos esta estratégia, embora

habitual na instituição, foi menos utilizada como decorrência de reclamações

acolhidas na ouvidoria.

Isto porque, como vimos, os reclamantes referiram problemas de dificuldade

em conseguir consultas, de pontualidade ou de não comparecimento do profissional

no dia e hora agendados para a consulta e, para estes casos, não houve um processo

de educação coletiva dos médicos. A repercussão do trabalho da ouvidoria em seu

caráter educativo mostra-se no depoimento a seguir:

“Nós temos é discussão de casos médicos em que entram esses problemas também, tipos de reclamações. Mas não que haja uma reunião específica para tratar desse tipo de problema, até porque eles são eventuais, eles não são tão freqüentes. Mas como eu te disse isso aqui é um aprendizado. No momento que se chama um residente, coloca o tipo de reclamação, se discute, representa uma maneira de se corrigir para o futuro diante de situações semelhantes” (HCPA-chefia médica, entrevista 9/99).

As estratégias de disciplinamento dos médicos deixaram à mostra a

desigualdade de tratamento em relação aos funcionários da recepção. Em relação aos

médicos a aplicação das normas disciplinares de punição, através da advertência

verbal, escrita ou da suspensão, praticamente não figurou. Reconhecendo a diferença

do tipo de problemas reclamados, conforme a categoria profissional, o

disciplinamento desigual quando tratou-se de um mesmo tipo de problema, causa

inquietação. Esta estranheza justifica-se nos casos de falta de pontualidade, da

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ausência do profissional médico no local de trabalho ou de problemas de

relacionamento médico-paciente. As chefias médicas argumentaram em favor de

outro disciplinamento, o de orientação e de educação, e não através das formas

punitivas:

“Não é que nós fazemos aqui uma, uma coisa no aspecto de punição, absolutamente não, não é por isso. Nós orientamos, chamamos a atenção, poderia ter sido feito assim, saber ouvir as pessoas e nesses hospitais como o nosso em que há muito trabalho, há muita solicitação, às vezes, fica difícil a pessoa assoberbada de trabalho ter uma resposta adequada. Então essa reflexão de sentimentos, a pessoa ouvir a reclamação ou da maneira que responde é extremamente importante. Então essa é, é um ato assim, é uma coisa que nós sempre chamamos a atenção que é um, tipo assim, é um procedimento médico: entender as dificuldades, é o paciente que está doente, é o familiar que tá preocupado. O médico tem os seus problemas, tem as suas, situações emocionais, mas nesse momento ele tem que ser especialmente médico e entender, e procurar assim, de uma maneira adequada, assim social, procurar responder às questões ou às indagações das pessoas” (HCPA-chefia médica, entrevista 9/99).

Resumindo, a partir das respostas devolvidas ao sistema de ouvidoria e

anexadas nas reclamações, foi possível distinguir os diferentes tipos de

disciplinamento existentes no âmbito Hospitalar. Constatou-se que, as formas de

resposta características da área médica e da equipe de enfermagem, foram as

justificativas. A aplicação dos dispositivos disciplinares de rotina foi praticada mais

freqüentemente pelas chefias da recepção, portanto, afeto à área administrativa.

É compreensível que diferentes serviços e setores tenham normas e

orientações de condutas específicas. Porém, um mesmo tipo de reclamação, como

por exemplo, a de agressividade ou grosseria no tratamento dado ao usuário, recebeu

dispositivos disciplinares distintos, quando dirigidos a um profissional da área

médica ou a um trabalhador da área administrativa.

O profissional da área médica foi aconselhado a ouvir os pacientes. O

profissional da recepção recebeu advertências. O disciplinamento, nestas duas áreas,

levou a estratégias diferenciadas de treinamento e educação. O treinamento foi

característico da área da administração, enquanto que os processos de educação

foram mais característicos da área médica e de enfermagem.

Confirma-se que os trabalhadores ligados à hierarquia médica e à hierarquia

administrativa são submetidos a formas diferenciadas de disciplinamento. Estas

indicam estruturas diferentes de poder e revelam o poder médico existente no

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Hospital.

4.8 A atuação ineficiente e burocrática do sistema de ouvidoria

Os efeitos do sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas foram analisados a

partir de seu impacto institucional e social. Relembrando, verificou-se sua

contribuição em reforçar ou alterar o poder de forças sociais e institucionais, na área

da saúde. Para tanto, os efeitos do sistema foram analisados a partir dos objetivos de

sua implantação e da promoção de estratégias de envolvimento e de disciplinamento

de seus trabalhadores e usuários reclamantes.

Um dos objetivos de implantação do sistema de ouvidoria foi o de organizar o

acolhimento das reclamações do Hospital. A decisão de implantação desse sistema

foi tomada e efetivada pela Administração Central do Hospital não decorrendo da

imposição de políticas oficiais. Tampouco foi instalado a partir de um projeto de

poder claramente definido, embora caracterizando-se como uma micropolítica

institucional.

Isto fica às claras quando entrevistados recorreram ao argumento da

dependência do Hospital, em relação ao Governo Federal, como justificativa para

não ter sido criado um setor específico para o recebimento das reclamações.

Tratando-se de uma empresa pública de administração indireta, com capital

exclusivo da União, a administração central do Hospital de Clínicas argumentou pela

dependência do Governo Federal para implantar um novo serviço que constasse do

organograma e que implicasse na criação de novos cargos e funções.

A opção do Hospital de Clínicas pela implantação do sistema em um setor

que já tinha outras atribuições fez com que ele apresentasse aspectos controversos na

realização de seu trabalho e atuasse de forma pouco consistente, gerando efeitos

sociais e institucionais também contraditórios.

Um dos efeitos sociais, aquele que afetou ao mesmo tempo usuários e

trabalhadores em saúde, independente de serem reclamantes ou reclamados, foi a

divulgação de idéias e a promoção de estratégias relacionadas aos projetos sociais,

reformador e liberal, na área da saúde. Como o Hospital não se posicionou por um

destes projetos sociais mais amplos, não disseminou apenas um dos dois. Divulgou

algumas das idéias e práticas dos dois projetos, ainda que de forma inexpresssiva.

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As idéias e práticas do projeto liberal estavam presentes, na instituição, antes

da implantação do sistema de ouvidoria. Se efetivaram através da adoção do

programa de qualidade, em 1993. Estes programas indicam, como vimos, colher a

opinião dos cliente para satisfazê-los. Apontam, também, para a possibilidade de

implantar ouvidorias ou serviços de atendimento ao consumidor (SAC), como

efetivamente ocorreu em empresas privadas, no Brasil. O programa de qualidade do

Hospital foi implantado sob a denominação de Programa de Melhoria da Qualidade

mostrando a tentativa de adequar esse programa à realidade institucional.

Porém, o programa de qualidade foi de tal forma absorvido que, quando

referido o sistema de ouvidoria, a utilização de expressões como “a satisfação do

cliente”, que caracterizam a ideologia liberal desses programas, indicou a

ambigüidade do posicionamento do Hospital em aderir a apenas um dos projetos.

Tanto foi assim que, muitas vezes, programa de qualidade e ouvidoria não foram

relacionados ou, quando o foram, este chegou a ser caracterizado como o primo

pobre do programa de qualidade:

“Não vejo. Acho que são duas coisas individuais. Mas eu não vejo como uma coisa planejada, mentalizada para isso. Acho que acabou servindo durante um tempo, foi a única alternativa, e agora faz parte do Programa de Qualidade, mas não, não vejo. Sabe porque eu digo isso? Porque é muito, como eu falei, é um rascunho, é muito amador, amadora a questão da Ouvidoria, e se tentasse um Programa de Qualidade, tem que ser uma coisa mais... Até pelo próprio documento. Como eles encaminham para nós e como eles encaminham para o paciente, então, é muito amador. Já os outros Programas de Qualidade são mais elaborados, há equipes que coordenam, e folders, e uma estrutura e eu acho que ele é um primo pobre do programa” (HCPA-chefia recepção, entrevista 10/99).

O Hospital de Clínicas organizou a acolhida aos reclamantes em 1994 quando

a agenda, na área da saúde, era a implantação plena dos princípios do SUS. O fato de

ser um hospital público, atendendo os usuários do SUS, fez com que o Hospital de

Clínicas também procurasse adequar-se a esses princípios. Ter oportunizado, ao

usuário, um canal para ouvir sua voz e sistematizar sua acolhida trouxe uma abertura

do Hospital aos princípios de democratização e de desburocratização, presentes no

projeto reformador e na Lei do SUS.

Dar voz ao usuário reclamante, democratizando as relações entre estes e a

instituição, propiciou ao Hospital tomar conhecimento de suas falhas e verificar a

qualidade do atendimento realizado por seus profissionais. Possibilitou tomar

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conhecimento dos setores e serviços mais problemáticos do Hospital e dos

profissionais que não cumpriam as normas de rotina ou não apresentavam conduta de

acordo com o perfil de profissional pautado pelo Hospital:

“Salientamos que a funcionária está ciente do perfil do funcionário para o nosso serviço, que não se enquadra dentro de sua conduta” (HCPA, chefia recepção, resposta à reclamação 91/98).

Organizando o sistema de ouvidoria o Hospital propiciou, também, um

acolhimento menos burocratizado ao reclamante, visto que ele passou a ser

orientado, no encaminhamento de suas reclamações, de forma mais unificada,

institucionalmente. Contribuiu, dessa forma, para melhorar a gestão administrativa

pois desafogou a direção do Hospital do encargo de receber reclamações de

problemas que poderiam ser resolvidos de forma descentralizada. Como exemplo

citam-se a marcação de consultas, o cumprimento das agendas e o acompanhamento

das atividades funcionais dos trabalhadores em saúde, como faltas, atrasos, entre

outros.

O sistema permitiu mais agilidade no recebimento e encaminhamento dos

usuários reclamantes. Esta afirmação tem como parâmetro o que acontecia antes do

sistema ter sido organizado. Comparativamente com o período em que não havia sido

implantado esse sistema, a ouvidoria agilizou a investigação das reclamações e

possibilitou, também, mais transparência interna sobre alguns dos problemas

existentes no Hospital. A narrativa abaixo ilustra essa comparação:

“Passou a existir mais agilidade. Porque antes o paciente reclamava tanto no GPE, que eles também reclamavam ou na Vice Presidência Médica, para onde ia a maioria das reclamações mas, na maioria delas, não havia solução, eram perdidas as reclamações. No momento em que começou a, começou a funcionar esse sistema de ouvidoria, as soluções começaram a ser encaminhadas e lógico, que o paciente se beneficiou disso aí” (HCPA-chefia, entrevista 4b/99).

A democratização e a desburocratização, embora não explicitamente

definidos como princípios institucionais, relacionaram a implantação do sistema de

ouvidoria do Hospital de Clínicas ao projeto reformador e aos princípios

disseminados pelo SUS. Caracterizaram a importância social da ação de organização

do sistema de ouvidoria, pois propiciou maior participação e controle dos usuários

sobre a qualidade do atendimento prestado.

O fato de ter desburocratizado a acolhida ao reclamante não significou,

porém, que a ouvidoria não tenha desenvolvido um trabalho internamente

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burocratizado, como de fato aconteceu. Analisando o trabalho atual do sistema de

ouvidoria, alguns trabalhadores em saúde, hoje nos cargos de chefias, caracterizam-

no pela falta de agilidade e pelo excesso de burocracia (HCPA-chefias, entrevistas

5/99, 5b/99, 10/99).

Os efeitos institucionais da organização do sistema de ouvidoria resultaram

das relações que se estabeleceram entre o Hospital, os usuários e os trabalhadores em

saúde. Estas relações contribuíram, muitas vezes, para manter e, em outras, para

questionar a estrutura de poder existente no Hospital, demonstrando a existência de

interesses diferenciados por parte desses agentes sociais. Indicaram relações de poder

e de exclusão social, que vigoram na sociedade e estão presentes no âmbito

hospitalar.

Um dos resultados significativos da implantação do sistema de ouvidoria, no

que concerne à estrutura de poder existente no Hospital, foi sua contribuição para um

questionamento e não propriamente para uma alteração desta. Ao propiciar maior

participação e controle do usuário sobre o atendimento hospitalar, comparado com o

período anterior a 1994, o sistema de ouvidoria contribuiu para tornar exposta,

embora de forma muito incipiente, a correlação de forças existentes no Hospital.

Ao viabilizar um canal para a expressão destes interesses, foi aberta a

oportunidade de democratização de poder. Este aspecto foi evidenciado na narrativa

de entrevistados quando afirmaram que, antes do sistema, os usuários tinham receio

de reclamar, com medo de sofrerem represálias e não serem mais atendidos no

Hospital.

A organização do sistema afetou as relações institucionais vigentes porque

atuou envolvendo e disciplinando os usuários e os trabalhadores em saúde, nos

quais incluem-se as próprias chefias. Em relação a estas, constatou-se que a

ouvidoria questionou a estrutura de poder pois algumas reclamações e o envio, por

parte da ouvidoria, da solicitação de investigação gerou constrangimentos. Estes

foram relatados por mais de um entrevistado:

“Ah, muitas vezes eu fui abordada por pessoas que haviam sido reclamadas, que havia queixas contra elas, seu procedimento, seu serviço etc. ‘Ah, porque tu fizestes, porque tu me mandasses essa carta, porque tu fizestes isso comigo?’" (HCPA-chefia, entrevista 5b/99).

Internamente o sistema de ouvidoria, mexeu na estrutura de poder, pois

intimou chefias e profissionais a responderem justificando suas ações. Muitas vezes,

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a ouvidoria recebeu reclamações relacionadas a pessoas que eram hierarquicamente

superiores aos seus. Este aspecto é reconhecido institucionalmente:

“[...] o Hospital lida com a Universidade, com o professor da Universidade. Então é muito difícil o encaminhamento de algumas questões, um contratado bater de frente com um professor. Mas na maioria dos casos assim, a gente tinha um convívio muito cordial com os professores da faculdade, com os chefes de serviço, que é o que a gente mais lida lá, e são a maioria deles” (HCPA-chefia, entrevista 4b/99).

Porém, como o sistema não atuou mais eficazmente, na prática, o

questionamento à estrutura de poder foi pouco efetivo. As chefias que não se

submeteram a este questionamento responderam de uma forma muda: não enviando

respostas ao sistema de ouvidoria. Faltou respaldo institucional para que a ouvidoria

se impusesse como um poder junto a outros poderes, dentro do Hospital.

Considerando o tipo de atuação, ineficiente e burocrática, que caracterizou o

sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas, ao promover as estratégias de

envolvimento e de disciplinamento, verificou-se que a maior parte de suas ações

contribuiu para manter inalteradas muitas das relações institucionais vigentes.

Contribuiu para reforçar o poder de forças já existentes no Hospital, no caso, poder

médico-hospitalar.

Isso porque a estratégia de disciplinamento dos usuários reclamantes

consistiu em organizar a sua acolhida, orientando-os quanto à conduta para

concretizar sua queixa contra o Hospital. Promoveu estratégias para disciplinar o

encaminhamento das reclamações fazendo-as chegar até as chefias.

Em relação às estratégias de envolvimento dos usuários, estas consistiram na

informação e na aplacação. No primeiro caso, acolheu o reclamante para informar-

se dos problemas do Hospital. Como esta era a meta principal, a informação bastava

e não atuou de forma mais decisiva na busca da resposta ao problema relatado.

O envolvimento dos usuários com o trabalho realizado foi pouco efetivo e

apontou formas de exclusão social, vigentes na sociedade e reproduzidas no âmbito

hospitalar. Realmente, o indicador mais sensível deste envolvimento, a resposta às

reclamações, demonstrou que a maioria destas, 58%, não foram respondidas. A

ouvidoria alegou, como motivo para isso, a falta de resposta das chefias. Este tipo de

atuação da ouvidoria foi classificada como permanecendo no nível de informação. O

sistema ouviu as reclamações dos usuários basicamente para tomar conhecimento das

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falhas institucionais.

O sistema de ouvidoria atuou de forma a aplacar a relação entre a instituição e

os usuários nas demais reclamações. As estratégias de aplacação consistiram em

ouvir os usuários reclamantes, repassar para as chefias os documentos com o registro

das reclamações e enviar as respostas das chefias para os usuários. Não se empenhou

em verificar se a resposta estava de acordo com as expectativas do usuário.

O envolvimento dos trabalhadores em saúde caracterizou-se pela promoção

de estratégias de integração passiva e de adesão. A direção do Hospital não

envolveu os trabalhadores em saúde na implantação do programa, pois não

comunicou-os da mesma. Integrou passivamente apenas aqueles que informou sobre

a nova rotina relativa ao encaminhamento dos reclamantes.

No desempenho de seu trabalho, a ação mais freqüente do sistema de

ouvidoria, envolvendo os profissionais em seu trabalho, foi o procedimento de enviar

e solicitar investigações. Este procedimento, porém, foi feito de forma burocrática,

através de uma CI de encaminhamento de um setor do Hospital para outro.

Encaminhou 89% das reclamações (88% para as chefias e 1% diretamente para os

profissionais) para averiguação, tentando, através desse procedimento conquistar a

adesão dos trabalhadores da instituição.

Assim procedendo, conseguiu a adesão de apenas 42% das chefias e dos

profissionais. Estes foram receptivos ao sistema de ouvidoria. Chegou-se a esta

conclusão quando analisadas as respostas que retornaram e o tempo que demoraram

para este retorno, incluídas aquelas investigadas e respondidas pelo próprio sistema.

Em relação aqueles profissionais dos quais conseguiu a adesão, esta foi

mantida de forma burocrática, como pode observar-se pelos procedimentos de

encaminhamento e de resposta às solicitações do sistema. As chefias, ao receberem

as reclamações, investigaram e responderam burocraticamente. As respostas

continham justificativas dos procedimentos adotados pelos serviços, setores e

profissionais reclamados, que resultaram na queixa. Informaram, também, a

aplicação dos dispositivos legais institucionais.

A ouvidoria conseguiu integrar, de forma passiva, 47% dos profissionais de

saúde do Hospital. Para estes, receber a CI significou apenas serem comunicados do

problema reclamado, já que os mesmos não responderam à investigação solicitada. A

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falta de respostas ao sistema exemplificou o trabalho ineficiente da ouvidoria em

conseguir a adesão da maioria dos profissionais ao seu trabalho.

As estratégias de disciplinamento dos trabalhadores reclamados se

efetivaram pois, através do acolhimento das queixas, foi possível verificar setores e

serviços problemáticos identificar os profissionais que incorreram em problemas de

conduta. A partir dessa identificação foram desencadeadas ações de orientar a

conduta dos reclamados punindo-os ou justificando os procedimentos. Em relação

aos trabalhadores o sistema propiciou, também, um disciplinamento do seu

comportamento. Estes profissionais relataram que, depois de terem recebido a

primeira reclamação passaram a ter mais cuidado em suas condutas profissionais:

“A gente sempre muda, não é. Eu acho que a gente sempre aprende, seja com uma reclamação, seja com, qualquer outra coisa, uma situação diferente que aconteça. Eu acho que a gente sempre aprende e às vezes assim, até porque de repente eu estou lá sozinha, um monte de paciente, um monte de coisa para fazer ao mesmo tempo e, lá, às vezes sem querer a gente é seco demais com o paciente ou sei lá, rude até demais com eles, mas, nada assim que, eu pelo menos, da minha parte, nunca fiz nada que pudesse prejudicar um paciente. Isso aí não, mas a gente sempre aprende sim, aprendi. Eu espero que sempre para melhor” (HCPA-recepcionista, entrevista 17/99).

Concluiu-se assim, que, no que se refere à promoção de estratégias de

disciplinamento e de envolvimento dos usuários reclamantes e dos trabalhadores em

saúde, o sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas atuou como uma ouvidoria

ineficiente e burocrática.

Dentro da instituição, um número significativo de chefias também considerou

o trabalho da ouvidoria ineficiente e burocrático. Quando avaliaram seu desempenho

ou quando sugeriram mudanças na sua forma de atuação, foram utilizados termos

indicando que a ouvidoria “não deveria varrer a sujeira para debaixo do tapete,

acomodar a situação, ser válvula de escape, aliviar pressão, enviar CIs

mecanicamente, tipo faz-de-conta, e atuar como colchão d’água ou como uma forma

de dissimular problemas” (entrevistas 1b/99, 2/99, 3/99, 4/99, 5/99, 10/99).

Falávamos, no início deste trabalho que o poder da ouvidoria estaria, entre

outros fatores, associado aos limites que a instituição, na qual está inserida, lhe

impõe. Um deles expressa-se na dificuldade em obter resposta às suas ações. No caso

do Hospital de Clínicas isso ficou evidente. A ponto da instituição, através da fala de

seus sujeitos, reconhecer os limites que estabeleceu para seu próprio sistema de

ouvidoria.

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Os efeitos do sistema de ouvidoria foram percebidos de formas diversas pela

instituição, pelos trabalhadores em saúde e pelos usuários, indicando os interesses e

conflitos divergentes que se estabeleceram no âmbito hospitalar, e a posição

estrutural a que os diversos grupos pertencem. Do ponto de vista do Hospital,

representado pelas falas das direções e ouvidores, ouvir os usuários possibilitou

detectar falhas institucionais que afetavam o seu atendimento e trabalhar no sentido

de saná-las.

A implantação de um sistema de ouvidoria teve, porém, efeitos positivos e

negativos, os quais se manifestaram no trabalho desenvolvido pelos profissionais que

atuaram no sistema. Um dos aspectos positivos foi a concentração do recebimento

das reclamações em um só setor, o Grupo de Pacientes Externos. Esta medida foi

importante, tanto para a instituição como para os usuários, pois organizou o

acolhimento das queixas. Outro aspecto positivo a ser salientado é que o GPE passou

a ter um maior reconhecimento institucional dentro do Hospital.

Saliente-se, do ponto de vista deste trabalho, que foi o GPE que se fortaleceu

e não um sistema de ouvidoria. Cabe fazer esta ressalva pois o GPE tem funções

internas, como coordenar o ambulatório e a emergência, mais amplas, não sendo um

setor do tipo serviço de atendimento ao consumidor (SAC) ou uma central de

atendimento ao consumidor (CAC), que outras empresas tem. O GPE se fortaleceu

pois ficou mais conhecido internamente:

"Eu acho que foi uma vantagem concentrar num setor também por vários motivos, num sentido, do lado dos pacientes reclamantes, sabendo que tinham um lugar para reclamar. E, por outro, do lado do Hospital ter pessoas que iam se tornando experientes no trato dessas coisas para tentar dar uma satisfação emocional para o paciente" (HCPA-chefia, entrevista 1b/99).

Outra evidência positiva da organização do sistema de ouvidoria foi que a

centralização das reclamações, no GPE, propiciou a melhoria da prestação de

serviços dos setores sob sua coordenação, principalmente do ambulatório. Esta

melhoria foi decorrente, muitas vezes, da constatação de problemas, trazidos pelos

usuários. Lembre-se que a emergência, também coordenada pelo GPE, caracteriza-se

pela dificuldade de previsibilidade, e que a internação foi pouco afetada por

reclamações registradas pelos usuários no sistema de ouvidoria:

“Além da gente conseguir encaminhar várias soluções, conseguir detectar vários focos, porque existiam serviços-problema dentro do Hospital e que eu acredito que hoje não existam mais. Então, eu acho que tudo isso foi muito

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bom e o ambulatório começou a funcionar bem melhor, depois disso aí” (HCPA-chefia, entrevista 4b/99).

Se, por um lado, divulgou o trabalho do GPE, por outro lado, este setor ainda

assim, permanece desconhecido internamente como o local que se caracteriza por um

sistema de ouvidoria e, externamente, não é reconhecido como local de reclamações.

Este fato é reconhecido institucionalmente e foi manifestado em várias entrevistas:

“Na verdade, não existe a ouvidoria, não é, não existe a ouvidoria. É um rascunho de ouvidoria” (HCPA-chefia recepção, entrevista 10/99). “A resposta que veio para mim foi a seguinte. Veio lá da, ah, eu não sei o que é GPE” (HCPA-usuária reclamante, entrevista 25/99).

A influência do sistema de ouvidoria na melhoria do atendimento

ambulatorial foi importante mas não suficiente. Os dados empíricos mostraram que

ainda há problemas a serem resolvidos nos serviços ambulatoriais. Se, por um lado,

verificou-se que o número de reclamações registradas pelo GPE diminuiu ao longo

dos anos, por outro lado as queixas, em relação ao ambulatório, aumentaram.

O impacto positivo do acolhimento centralizado das reclamações, quando

confrontado com os dados levantados na pesquisa, permitiu salientar aspectos

contraditórios no trabalho desencadeado pelo sistema de ouvidoria. Um deles

remeteu ao fato de que a melhoria do relacionamento com as chefias não significou o

desaparecimento das dificuldades atestado pela falta de resposta, das chefias, para

grande parte das reclamações.

A falta de resposta das chefias remeteu à estrutura de poder existente no

Hospital. Esta, distribuindo os profissionais em vários níveis hierárquicos, conforme

as profissões, cargos e funções faz com que as competências sejam bem definidas.

Há ainda a hierarquização de profissões, típica na área da saúde, onde médicos,

equipe de enfermagem e profissionais administrativos têm poderes diferenciados.

Nesta área, o saber soma-se ao poder. O saber-poder cria uma hierarquização dentro

da mesma categoria e entre elas (Carapinheiro, 1998). É assim que médicos

professores, diferenciam-se dos demais, contratados e residentes. Médicos em geral

estão em hierarquia superior aos demais profissionais. Enfermeiros-professores estão

em escala superior aos demais profissionais da equipe de enfermagem. Esta equipe

divide-se ainda em enfermeiros, técnicos e auxiliares.

Este sistema de poder foi expresso na relação com os usuários e trabalhadores

em saúde, bem como em relação à hierarquia funcional e profissional existente

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dentro do Hospital. Em relação aos trabalhadores em saúde, a hierarquia aparece em

estratégias de disciplinamento diferenciadas. Para os profissionais administrativos a

disciplina se efetivou sob a forma de advertências. Para os profissionais da área

médica as estratégias contemplaram justificativas dos fatos ocorridos. Em relação a

algumas chefias o poder manifestou-se ao não responder ao sistema de ouvidoria.

Expressou o poder do silêncio e a impotência da ouvidoria em exigir respostas.

Em relação aos usuários a concentração do poder em determinadas categorias

profissionais materializou-se na desvalorização da reclamação. Ao não respondê-la

ficou reforçada a exclusão social a que estão submetidos a maioria dos usuários do

SUS. Notou-se em algumas respostas, com as quais as chefias justificam

procedimentos, a referência aos pacientes como tendo problemas psicológicos e

sendo agressivos (reclamação 25/97). Neste caso, como ocorreu também no Hospital

Fêmina, a chefia sugere avaliação psicológica do paciente.

Realmente uma dose de agressividade, por parte dos usuários, foi constatada

através da análise da descrição de muitos dos acontecimentos. Porém, a referência ao

estado emocional dos pacientes é uma forma de tentar desqualificar reclamações e

justificar a falta de resposta, por parte das chefias. O sistema de ouvidoria nada fez

nesses casos e agindo assim atuou como um sistema ineficiente, não se constituindo

em um canal para ouvir o usuário e democratizar as relações no âmbito hospitalar:

“Daí então eu acho que isso é um veículo, necessidade psicológica que os usuários devem ter. Mas não pode ficar só nisso, porque aí pode parecer cínico, não, não é só isso. Isso aí, uma parte dessas reclamações também são aceitas e podem ser depois analisadas e servindo de estímulo para modificações no atendimento” (HCPA-chefia, entrevista 1b /99).

Algumas chefias, porém, aderiram mais fortemente à proposta de ouvir o

usuário. Para elas, e isso foi expresso em uma resposta a um usuário reclamante,

ouvi-lo foi importante, institucionalmente. Pode-se caracterizar esta reclamação

como um exemplo de consulta da instituição aos usuários. No entanto, elas são

quantitativamente pouco expressivas em relação ao universo das reclamações. Após

comunicar o resultado da investigação a chefia expressou:

“Agradecemos a informação, pois através dela podemos avaliar funcionários que não estão respondendo ao padrão de atendimento exigido por este serviço” (HCPA-chefia recepção, resposta à reclamação 90/98).

Os usuários avaliaram o sistema de ouvidoria afirmando sua importância para

melhorar o atendimento e para agilizar consultas. Afirmaram que é uma forma de

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resolver algumas questões que parecem pequenas. Enfatizando sua importância os

usuários salientaram, porém, a qualidade da resposta como um dos pontos críticos de

atuação do sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas (HCPA-usuários, entrevistas

21/99, 22/99, 25/99). A qualidade significava a explicitação da resolução dos

problemas mencionados:

“Para mim foi excelente, só faltando assim, foi ótimo o atendimento, só faltando uma resposta” (HCPA-usuária reclamante, entrevista 21/99). “Quanto a questão do serviço de ouvidoria eu acho que é eficiente. Funcionou, eu recebi resposta. Mas o problema, que era o que tinha que ser resolvido, não o papel. Isso aí não interessa. o que não funcionou foi a resolução do problema” (HCPA- usuária reclamante, entrevista 25/99).

Conforme vimos, o sistema de ouvidoria relatou que sempre responde ao

usuário sobre o resultado da reclamação, mesmo em caso de silêncio das chefias em

responderem às suas solicitações. Porém, para o usuário uma resposta relatando as

dificuldades do Hospital e das providências tomadas não é eficaz, pois não

demonstra a resolução do problema. Ele não quer a resposta no papel, quer a resposta

em atos. Com a primeira forma de resposta, seria apenas respeitada a condição básica

do cidadão em ser ouvido e em ficar sabendo que sua reclamação foi tomada, pela

instituição, como fonte de informação sobre os problemas institucionais. A qualidade

da resposta, que é um fator determinante, na atuação do sistema de ouvidoria deixou,

como vimos, a desejar.

Esta pesquisa contribuiu para materializar o que era reivindicado por chefias,

trabalhadores e usuários: ouvir os sujeitos inseridos na história da ouvidoria do

Hospital de Clinicas, evidenciando sua concepção do que seria uma ouvidoria eficaz.

A pesquisa demonstrou uma realidade que todos desconheciam na sua integralidade,

constituindo-se num canal de expressão dos conflitos e interesses diversos existentes

na instituição. Na concepção destes:

“Na ouvidoria, não tá definido o papel, não tá definido o responsável, a qualidade do trabalho da ouvidoria. Então a Ouvidoria é um rascunho de uma Ouvidoria. Então, eu acho que falta nessa Ouvidoria, uma orientação melhor. As pessoas têm que, antes de escrever no papel, têm que ser ouvidas, para que possam ter uma idéia clara do que elas vão se queixar e ver se a coisa é fruto, é necessário, é objeto de uma reclamação ou não” (HCPA- chefia recepção, entrevista 10/99).

A reivindicação de uma atuação mais efetiva, por parte do sistema de

ouvidoria, unificou a linguagem de chefias, trabalhadores em saúde e usuários.

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Acolhendo as reclamações como forma de consulta o sistema deveria ouvir para

solucionar os problemas institucionais.

Na percepção dos envolvidos com o sistema, este teria de ter autonomia e ser

uma presença forte dentro da instituição. O ouvidor teria de ser alguém que faz uma

crítica interna. Teria de ser autônomo, independente, com mandato e não sujeito a

represálias (HCPA- adminisrtradores, coordenadores do GPE, entrevistas 1/99, 5/99;

5b/99). Foi sugerido, também que este passasse pelos serviços do Hospital, que

sentasse e conversasse com as pessoas para sentir, de perto, os problemas

institucionais (HCPA-chefia, trabalhadores em saúde e usuário, entrevistas 5b/99,

12/99, 22/99). Ressalte-se que esta foi, também, uma sugestão manifestada em

entrevistas feitas no Hospital Fêmina.

A partir dos dados pesquisados e da análise realizada, pode-se afirmar que os

resultados, até agora alcançados pelo sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas se

efetivaram no sentido de informação e da aplacação dos usuários reclamantes.

Possibilitou à instituição ouvir o usuário, mas não ampliou sua voz, o que ocorreria

no caso das reclamações serem levadas em conta como uma forma de consulta dos

serviços prestados pela instituição, através de seus profissionais. Em relação aos

trabalhadores em saúde o envolvimento foi de buscar sua adesão, mas apenas

integrou-os passivamente pois não obteve sucesso em conseguir a adesão da

maioria dos trabalhadores em saúde. As chefias que tiveram seus serviços ou

profissionais reclamados abstiveram-se de responder ao sistema, em grande parte.

Desta forma, o sistema de ouvidoria caracterizou-se por uma ação ineficiente e

burocrática.

Com esta pesquisa foi possível mostrar, que as reclamações, registradas no

sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas, têm relevância institucional e social.

Embora apareçam e sejam tratadas, muitas vezes, como problemas individuais e até

psicológicos são, na sua essência, sociais. Relataram problemas que continuaram, ao

longo dos anos, mantendo formas recorrentes de interação social entre a instituição

hospitalar, seus trabalhadores em saúde e os usuários que buscaram a ouvidoria

hospitalar.

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Considerações finais: o impacto da opção por ouvidorias hospitalares

Se ao encerrarmos este trabalho elucidamos o tema que nos propusemos a

estudar e assim compreendemos uma prática, significa que atingimos nosso objetivo.

Significa, por outro lado, que a meditação sobre o tema recomeçará, no momento de

apresentá-lo ao público. A partir desse instante, novas reflexões se agregarão e irão

enriquecer as práticas que explicamos sob determinada ótica.

O tema ouvidorias hospitalares, que ora trouxemos à tona, foi analisado a

partir de um olhar e um ouvir sociológicos que indicaram formas possíveis de

interpretação da realidade. A pesquisa sobre o impacto da instalação de ouvidorias

em dois hospitais públicos de Porto Alegre permitiu ligar os elos de uma prática que,

à luz de interpretações teóricas especialmente construídas para tal, possibilitou uma

explicação sociológica. Esta entende as reclamações como sociais e não individuais

e, portanto, relaciona o indivíduo ao social e liga os sujeitos à suas histórias.

A atual realidade na área da saúde, no Brasil, exacerbou o modelo

hospitalocêntrico. Em decorrência, o hospital, como centro deste modelo, constitui-se

em um local privilegiado para o estudo de relações institucionais que se efetivam

nesta área. O final da década de oitenta caracterizou-se por uma ampliação no

patamar democrático, com a nova Constituição e, na área da saúde, com a lei que

implantou o SUS. Os hospitais, devido à crise pela qual passavam e frente aos novos

ventos que sopravam, passaram a adotar novas formas de gerenciamento. Constituir

ouvidorias hospitalares foi uma delas.

Neste estudo, o olhar sobre ouvidorias hospitalares focalizou-as como

dispositivos institucionais, isto é, micropolíticas, ponderando sobre seu impacto nas

dimensões individual, institucional e social. Cogitamos que ouvidoria, mais do que

uma simples medida gerencial, implicava em novas formas de envolvimento e de

disciplinamento dos usuários e dos trabalhadores em saúde.

Desvelamos que a opção pela voz, ouvir é dar voz, poderia ter, entre outras,

duas concepções: uma liberal e outra reformadora. Devido ao caráter

mercadológico, a proposta liberal entende as relações sociais como relações entre

mercadorias, pois seu objetivo é o lucro e a produtividade. Estas idéias, próprias das

empresas liberais, fizeram com que algumas aderissem à implantação de ouvidorias

como parte dos programas de qualidade total. Adotaram mecanismos de consulta ao

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“cliente” para que pudessem, a partir de suas opiniões, pensar medidas que visassem

à sua satisfação. Associando a implantação de ouvidorias na área da saúde à esta

concepção liberal argumentou-se que, dar voz permite um controle individual dos

serviços prestados, uma forma de gerenciamento do conflito, visando a satisfação

individual e qualificando os procedimentos institucionais.

A segunda concepção, reformadora e democratizante, ganhou contornos

mais definidos na época de discussão da reformulação do sistema de saúde. Foi

defendida pelo projeto da reforma sanitária, daí seu nome. Indicou princípios,

posteriormente incorporados pelo SUS, que implicaram em avanços democratizantes

na área da saúde. Associando a implantação de ouvidorias à esta concepção pensou-

se que dar voz seria permitir exercer um direito de cidadania, um controle social, na

direção da igualdade e da eqüidade no que tange à distribuição e à qualidade dos

serviços em saúde. Mais tarde, a implantação da proposta reformadora indicou a

necessidade de sua própria radicalização, como expresso em Reforma da reforma de

Gastão Wagner de Sousa Campos (1992).

Estas concepções estavam presentes em muitos hospitais, em particular nos

hospitais públicos estudados. Por um lado, adotavam a ideologia liberal, fruto do

pensamento predominante no campo médico, oriundo das concepções do modelo

médico (Menendez, 1978). Este modelo, fundado na concepção de medicina clínica

curativa difunde a lógica de mercado de distribuição e oferta dos serviços de saúde.

Por outro lado, enquanto instituições públicas os hospitais estudados

apresentavam em alguns momentos um funcionamento burocrático, característica

cunhada historicamente nos serviços públicos de saúde no Brasil. Deveriam, porém,

adequar-se aos princípios do SUS: democratização, desburocratização e participação

popular.

Verificamos que ao implantar a ouvidoria os hospitais não optaram

claramente por uma das concepções e demonstraram uma ambigüidade de atuação,

no que diz respeito à relação instituição-usuário. A aplicação dos princípios do SUS

se efetivou, porém, associada ao pensamento liberal.

A predominância do modelo liberal manifestou-se nos dois casos estudados.

Num deles a ouvidoria favoreceu a implantação do programa de qualidade total

(Hospital Fêmina). No outro, foi o programa de qualidade instalado que acenou para

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a necessidade da ouvidoria (Hospital de Clínicas). Em ambos a ouvidoria

permaneceu subsumida a estes programas, a ponto de ser considerada “o primo

pobre” do programa para a qualidade.

Dentro de princípios mais liberais que democratizantes as ouvidorias

deixaram as reclamações dos usuários ficar empoeirando nas prateleiras, até que esta

pesquisadora, alguém de fora da instituição, resolveu tirar a poeira dos arquivos e

colocar esta prática em observação. Assim, fizemos um mapeamento das

reclamações e seguimos o percurso que indicava o impacto das ouvidorias nas

relações institucionais.

Descobrimos que as ouvidorias hospitalares foram implantadas como uma das

formas com que os hospitais podiam auscultar os “dizeres” sobre a qualidade de seu

atendimento. Constituíam-se, portanto, em modalidades instituicionais para verificar

as suas falhas. Estas falhas indicavam problemas estruturais e de funcionamento. Os

primeiros apontavam para dificuldades em conseguir a primeira consulta e a

reconsulta, cuja solução não estava na alçada da instituição. Este aspecto ultrapassa

os limites dos hospitais, denotando a dificuldade de acesso ao sistema de saúde por

parte dos usuários do SUS, dada à elevada demanda por esses serviços e a limitada

capacidade de oferta instalada.

Os problemas de funcionamento remetiam para os procedimentos técnicos,

principalmente médicos, de relacionamento e de comunicação. Assim, a ouvidoria

hospitalar indicava formas institucionais possíveis de regulação de conflitos.

Para obter-se um parâmetro indicativo da universalidade dos problemas

reclamados, nos dois hospitais, comparou-se as queixas registradas nas ouvidorias

com as reclamações encaminhadas ao Conselho Municipal de Saúde (CMS), afeto à

Secretaria de Saúde de Porto Alegre. Embora se tratando de outro fórum, é possível

estabelecer a comparação, pois o Conselho acolhe reclamações que indicam

problemas em unidades de saúde (US) e serviços credenciados ao SUS, entre os

quais encontram-se os hospitais. As reclamações encaminhadas ao Conselho podem

ser vistas, na íntegra, no Anexo E.

No Conselho Municipal, o principal problema reclamado também foi, como

nos hospitais, dificuldades em conseguir a marcação de consultas. Neste caso as

reclamações eram dirigidas à Central de Marcação de Consultas e Exames

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Especializados (CMCE), setor da Secretaria responsável pelo agendamento de

consultas em âmbito municipal e estadual. Este indicador atesta, mais uma vez, a

carência de serviços ofertados à população frente à demanda por consultas.

O problema de mau atendimento nas unidades municipalizadas da Secretaria

e nos serviços credenciados também foram citados em número expressivo. Este foi o

segundo tipo de problema mais reclamado nos hospitais.

No Conselho Municipal de Saúde, o segundo tipo de problema reclamado foi

a dificuldade de comunicação entre os serviços e os usuários, no que diz respeito a

orientações, solicitações e encaminhamentos. Corresponde aqueles classificados

nesta pesquisa como problemas de comunicação, terceiro tipo de problema mais

referido no Hospital Fêmina e quarto no Hospital de Clínicas.

No Hospital Fêmina, as reclamações referiram-se, logicamente, às

especialidades médicas de ginecologia e obstetrícia. O fato de, no Hospital de

Clínicas, ter sido esta também a especialidade mais reclamada remeteu à dificuldade

em conseguir atender à demanda por esse serviço, bem como aos problemas de

qualidade de atendimento e relacionamento entre profissionais e usuários. Como

parâmetro de comparação, destaca-se que esta é, também, a especialidade mais

reclamada no âmbito da Associação de Vítimas de Erros Médicos, conforme notícia

veiculada na imprensa (Rede Globo), no segundo semestre de 1999.

Desvelamos que as ouvidorias ataram e desataram amarras de envolvimento

e de disciplinamento que entrelaçaram a instituição, os usuários e os trabalhadores

em saúde. Envolveram os usuários informando-os ou aplacando o seu

descontentamento. Envolveram os trabalhadores, integrando-os ou buscando sua

adesão ao trabalho das ouvidorias.

Informando os usuários e integrando os trabalhadores as ouvidorias

caracterizaram-se como ineficientes. Aplacando os usuários e buscando a adesão dos

trabalhadores agiram como burocráticas. Um dos indicadores da prática ineficiente

foi não obter resposta das chefias e não responder qualificadamente aos usuários.

As ouvidorias falaram em desburocratização do acolhimento ao reclamante,

mas imprimiram um cunho burocrático em seus trabalhos. Um dos indicadores da

prática burocrática foi a predominância da estratégia de envolvimento de aplacação

e de contemporização da voz do usuário.

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Disciplinaram os usuários organizando seu acolhimento. Disciplinaram os

trabalhadores através de estratégias de justificar suas falhas ou de puni-los com

advertências e suspensões.

Com esta atuação, mesmo que não fosse ação deliberada de seus

protagonistas, as ouvidorias não consideraram os usuários como sujeitos de uma

história de vida e morte. Presos às concepções liberais do modelo médico que tem

embasamento também no positivismo, os pacientes foram vistos, algumas vezes,

como corpos sem alma, sujeitos a-históricos, a-sociais, apenas portadores de doença.

Dentro dessa concepção, em alguns casos, entenderam as reclamações como

corriqueiras e oriundas de pessoas “extremamente insatisfeitas”, “passionais”,

agressivas, com “problemas psicológicos”.

Nos dois hospitais o acolhimento das reclamações foi visto como uma forma

de “dar uma satisfação emocional”, fruto de uma “necessidade psicológica que os

usuários devem ter”. Atuavam, no calor da reclamação, embora tenham dito que

agendar uma entrevista, para ouvir os pacientes, como ocorrido no Hospital Fêmina,

era uma forma de “esfriar seus ânimos”.

As respostas foram de aplacação e burocráticas. O caráter contemporizador

foi expresso por uma usuária quando manifestou: “da ouvidoria, no Hospital Fêmina,

nota dez. No meu caso, nota dez. Agora só uma ressalva. Eles não me deram retorno.

Eles não se interessaram em me dar o retorno”.

As ouvidorias resolveram questões pontuais e evitaram que os “diz que diz

que” se amplificassem e fossem cair na imprensa prejudicando a imagem da

instituição e seus profissionais. Agindo desta forma, porém, não amplificaram a voz

do usuário e não deram resposta nem solução efetiva aos seus questionamentos.

A importância de uma resposta que indicasse solução para os problemas foi

mencionada, por uma das usuárias entrevistadas, ao afirmar que a resposta no papel

não era satisfatória. Deveria ser materializada em atitudes concretas: “Funcionou, eu

recebi resposta. Mas é o problema que tinha que ser resolvido, não o papel. Isso aí

não interessa. O que não funcionou foi a resolução do problema”.

A forma com que foram tratados os “pacientes”, manifestou-se na conduta de

uma recepcionista ao dizer ao usuário reclamante: “se tu não estás satisfeita, tu vais

até o setor tal e reclama”, e indicou que, invisível aos olhos, as práticas de exclusão

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se efetivaram. Para a concepção positivista o paciente não é sujeito de sua própria

história, não tem voz e sofre a ação daqueles que detêm, no caso, o poder do

conhecimento. O tratamento dado ao usuário teve, em determinadas ocasiões, o

significado de que os excluídos, ganhando um “presente” - atendimento médico

aparentemente sem custo para eles - teriam de ser gratos. Sem direito à voz, portanto,

reclamar jamais.

Mesmo assim os usuários ousaram desafiar a ordem estabelecida e foram

reclamar do atendimento recebido. Destaque-se que os dados que caracterizaram o

perfil do usuário reclamante foram coincidentes nos dois hospitais pesquisados. O

reclamante foi o próprio usuário, residente em Porto Alegre e, em sua grande

maioria, foram as mulheres as que registraram a reclamação. A mulher reclamou

enquanto usuária, mãe ou filha de pacientes, o que é importante ressaltar.

No caso do Hospital Fêmina, especializado no atendimento à mulher este fato

poderia ser considerado “normal”. Mas, como os dois hospitais têm características

diferenciadas, o fato da mulher ter sido a reclamante, também no Hospital de

Clínicas, traz à tona outro aspecto: que a mulher desempenha um papel

preponderante no cuidado com a saúde. Esta evidência encontra respaldo teórico na

literatura, que ressalta este fato em diferentes sociedades e culturas, e foi explícito

nas análise de Helman (1994) e Abel-Smith (1994).

Podemos concluir que o principal efeito institucional das ouvidorias

hospitalares foi desencadear estratégias de envolvimento e de disciplinamento dos

usuários reclamantes e dos trabalhadores em saúde reclamados. Considerando o tipo

de atuação das ouvidorias, ineficiente e burocrático, argumenta-se que suas ações

contribuíram, em maior medida, para manter e não para alterar as relações

institucionais vigentes, reforçando o poder médico-hospitalar. Contribuíram, mesmo

que apenas em parte, para questionar esta estrutura de poder, pois intimaram chefias

e profissionais a justificarem procedimentos e ações que desqualificavam o

atendimento dos hospitais. Nos dois hospitais, a ouvidoria contribuiu para alterar, em

parte, estas relações, ao tornar as reclamações de usuários aceitas pelos médicos.

As ouvidorias dos hospitais investigados promoveram estratégias que

conduziram ao envolvimento e ao disciplinamento dos usuários reclamantes e dos

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trabalhadores em saúde das instituições. Pode-se afirmar, porém, que as ouvidorias

não foram eficazes.

Os hospitais, através dos sujeitos entrevistados, reconheceram os próprios

limites institucionais impostos às ouvidorias. Argumentaram que a ouvidoria não

deveria “varrer a sujeira para debaixo do tapete, acomodar a situação, ser válvula de

escape, aliviar a pressão, enviar CIs mecanicamente, tipo faz-de-conta, e atuar como

colchão d’água ou como uma forma de dissimular problemas”.

Muitas vezes, um trabalho ou um profissional pode ser eficiente mas não ser

eficaz. A eficiência se restringe em cumprir adequadamente as funções e as rotinas.

Entende-se como eficácia o desejável do ponto de vista social, aquele que produz

bons resultados em termos sociais (Pereira, 1995).

Quando se fala em eficácia, argumenta-se pelo tipo de ouvidoria que, em

relação aos usuários, acolheria a reclamação como uma forma de consulta. Neste

caso, ouviria os usuários para solucionar os problemas institucionais, incentivando-os

a registrar sua reclamação e respondendo qualificadamente ao reclamante.

Disciplinar significaria a solução dos problemas reclamados e não apenas normatizar

o recebimento, o encaminhamento e a investigação das reclamações.

Em relação aos trabalhadores em saúde, a ouvidoria eficaz seria aquela que

promoveria a sua interação com a instituição. Quando uma micropolítica

institucional como a ouvidoria é planejada, a sua implantação não seria apenas

comunicada mas amplamente discutida. No processo interno desencadeado pela

ouvidoria encaminharia as reclamações e discutiria a solução de problemas. As

chefias e os profissionais responderiam qualificadamente. A disciplina do reclamado

se efetivaria sob a forma de treinamento e de processos educativos, e não apenas sob

a forma de punição ou justificativa dos problemas verificados. Estes últimos

procedimentos são necessários para corrigir atos indesejados e fortalecem o

comportamento ético por parte dos trabalhadores em saúde. Mas não são por si só

suficientes.

A situação acima descrita está longe de ser consolidada. Mas nesta pesquisa

argumentou-se que, optar por ouvidorias em serviços públicos já é, em si, uma

medida democrática. O que diferenciaria as ouvidorias umas das outras seria sua

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eficácia em ampliar ou diminuir a voz dos usuários, conforme a concepção

institucional de ouvidoria e de atendimento em saúde, na qual está inserida.

Nos dois hospitais estudados, as ouvidorias não ampliaram a voz dos usuários

de forma impactante. Isto se deve ao fato de os hospitiais não estarem claramente

posicionados pelo tipo de ouvidoria que queriam implantar. Ao acolher as

reclamações, os hospitais envolveram os reclamantes, oportunizando que, através

deste canal, as relações institucionais fossem democratizadas. Possibilitaram que os

usuários exercessem um maior controle público da qualidade dos serviços prestados,

inclusive em hospitais, instituições que até então não concebiam como possível ou

desejável a participação dos usuários.

Inúmeras vezes foi indagado como seria possível a participação de usuários

em hospitais, quando apresentava-se o projeto desta pesquisa. A dificuldade em

aceitar a participação dos usuários ficou evidenciada, nos dois hospitais, pela

necessidade de desenvolver uma cultura de aceitação das reclamações de pacientes,

por parte dos médicos.

A concepção de uma ouvidoria eficaz apoiou-se na literatura na qual é

identificada com os direitos individuais, considerada um mecanismo democrático de

controle da administração, de acesso à justiça e de defensoria popular.

Exemplos neste sentido podem ser reconhecidos nos depoimentos de

usuários, ao manifestar que deveria haver direitos e deveres iguais entre a instituição

e seus profissionais, e entre a instituição e seus usuários. No Hospital de Clínicas,

quando o usuário não pode comparecer à consulta, é “solicitada a gentileza que avise

a instituição no mínimo com 24 horas de antecedência”. Uma usuária que reclamou

do não comparecimento do médico ao posto de trabalho, reivindicou o direito de ser

comunicada de que a consulta não se realizaria pois esta significava a solicitação de

dispensa em seu trabalho e, neste caso, a falta do profissional não foi inesperada, mas

resultante de ida à Congresso, ou seja, planejada.

Também nos depoimentos de usuários como de trabalhadores podemos

observar uma consciência incipiente da necessidade do ouvidor ter uma postura ativa

e não restrita à função de gabinete, isto é, observar diretamente o funcionamento

hospitalar.

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Entrevistados dos dois hospitais, usuários e trabalhadores, disseram que o

ouvidor deveria, além de ouvir, percorrer os corredores, sentar nos bancos ao lado

dos usuários, observar o atendimento prestado pela instituição. Sugeriram que o

ouvidor fosse até os quartos de internação perguntar aos usuários se havia problemas

de atendimento. Insinuaram que o ouvidor conversasse com os usuários quando

recebesse a reclamação e, quando terminada a investigação, informasse aos mesmos

os resultados conseguidos para a resolução do problema.

Foi sugerido ainda, por trabalhadores em saúde, que a ouvidoria fosse

exercida por vários profissionais, de áreas diferentes, que fizessem um trabalho mais

coletivo. No Hospital de Clínicas foi destacada a necessidade de uma infra-estrutura

mais adequada para a realização de um efetivo trabalho de ouvidoria. Neste hospital,

entrevistados afirmaram que o trabalho da ouvidoria nunca foi valorizado

adequadamente pelo contexto geral da instituição.

Propostas de informatização da tarefa da ouvidoria foram, também,

mencionadas por profissionais de ambos hospitais. Argumenta-se ser provável que a

informatização auxiliaria, mas desde que o trabalho não permanecesse burocrático, à

semelhança do que é hoje praticado. Que não servisse apenas para digitar

reclamações no computador ou para escaneá-las, como foi sugerido por um

profissional médico, para facilitar o encaminhamento interno, para as chefias.

Escanear seria uma forma, também, de manter a redação do paciente. Quando as

respostas retornassem dos serviços ou setores, que não fossem apenas tiradas cópias

das mesmas para serem encaminhadas aos reclamantes. Estes procedimentos já são

realizados, sem o uso do computador.

Um envolvimento mais intenso dos profissionais das instituições foi sugerido

por alguns dos próprios trabalhadores em saúde reclamados, quando entrevistados.

Uma das médicas ressaltou que sua participação na ouvidoria deu-se quando era

chefe de serviço e foi solicitada a responder às queixas, porém afirmou: “nunca fui

escutar ninguém, nunca participei como ouvidora”. Nota-se que esta profissional

manifesta um desejo frustrado de ouvir as reclamações pessoalmente.

Acreditamos que para uma ouvidoria atingir plenamente seus objetivos, de ser

um canal para ouvir a voz do cidadão, é necessário que tenha uma estrutura onde a

pessoa que é a responsável tenha respaldo institucional e não apenas da direção. Que

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a comunidade hospitalar toda assuma a ouvidoria como um projeto institucional e a

reclamação como uma questão eminentemente social e não apenas individual. Isto

porque, como afirmou-se anteriormente, as reclamações apontam para relações

sociais que se repetem e são, muitas vezes, imperceptíveis aos olhos de quem as

experiencia.

Ao término deste estudo podemos dizer que os usuários foram ouvidos, mas

calaram-se as ouvidorias. Porém, ao autorizar que esta pesquisa se efetivasse, as

instituições possibilitaram o início de um processo de reflexão sobre as práticas

instaladas. A escuta da ouvidoria foi realizada, mesmo quando agendada, ainda no

momento e na razão direta da crise que gerou a reclamação. Os ouvidores foram os

receptores imediatos das queixas, realizando uma escuta de primeiro grau, aquela que

se efetivou ainda no calor dos acontecimentos, envolvendo passionalismo e

sofrimento.

A cientista social escutou não mais no calor dos acontecimentos. Investigou o

trabalho das ouvidorias e olhou as relações de envolvimento e de disciplinamento do

ponto de vista de alguém que, de fora da instituição, se debruça sobre ela e a analisa.

Explicou os fatos depois de ocorridos, de forma reflexiva e racional.

Esta pesquisa, ao refletir sobre uma prática social, reúne os princípios da

sociologia aplicada e da extensão universitária resultando numa possibilidade de

intervenção na realidade. Assim, uma das usuárias entrevistadas, que se sentiu

desrespeitada com a resposta obtida, cópia de atestado da freqüência de um médico a

Congresso justificando a sua falta na consulta, disse, ao receber a pesquisadora para

entrevistá-la: “agora eu sei que a ouvidoria está funcionando. A prova é que tu estás

aqui para me ouvir” (HCPA-usuária, entrevista 25/99). E me apresentou para pessoa

de sua família como sendo a “ouvidora” do Hospital de Clínicas. Mesmo esclarecida

de que a pesquisa não era para a instituição, ela assim mesmo reforçou a idéia.

Estas considerações indicam que, esta pesquisa serviu, desta forma, para

amplificar não só a voz dos usuários, mas também a voz da instituição e dos

trabalhadores, isto é, dos protagonistas da história das ouvidorias hospitalares

estudadas. Realizou uma meta-ouvidoria: ouvimos a ouvidoria e seus

acontecimentos. Registramos, analisamos e explicamos.

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Mais do que sofrer a influência da pesquisa, evidencia-se, neste caso, a

inseparável relação entre sujeito pesquisador e objeto de pesquisa. Ao torná-la

pública, o processo de reflexão, sobre o tema e as práticas instauradas, levado a

termo por esta pesquisadora termina. Termina, entretanto, na hora de recomeçar.

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ANEXO A - Metodologia da pesquisa

QUADRO 1- O problema da pesquisa 1- Por que ouvidorias hospitalares? Hipótese: alguns hospitais públicos, no Brasil, optaram pela criação de ouvidorias como dispositivo de gestão a partir de concepções vigentes na sociedade, sendo estas:

1.a- Projeto reformador para o Sistema de Saúde ⇒ propostas de mudança: democratização e eqüidade 1.b- Projeto liberal para o Sistema de Saúde ⇒ propostas de mudança: mercado e produto clínico 2- Como ouvidorias hospitalares impactam nas relações institucionais?

Hipótese central: ouvidorias hospitalares são estratégias institucionais que conduzem ao envolvimento e ao disciplinamento dos usuários e dos trabalhadores em saúde dos hospitais. 2.a- envolvimento e disciplinamento do usuário ⇒ informação, aplacação e consulta

2.b- envolvimento e disciplinamento dos trabalhadores em saúde⇒ integração passiva, adesão e interação 3- Quais os efeitos institucionais e sociais? Hipótese: as ouvidorias hospitalares, dadas as características de sua atuação, propiciam a manutenção e/ou alteração das relações institucionais vigentes. 3.a- efeitos institucionais ⇒ usuários e trabalhadores nos hospitais, hegemonia institucional 3.b- efeitos sociais ⇒ divulgação dos projetos reformador ou liberal e de seus princípios ⇒ melhoria social da prestação de serviços ao dar voz ao usuário,

oportunizando o controle deste sobre a prestação do atendimento

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Quadro 2-Matriz de Análise

Tipos de ouvidoria

Estratégias de envolvimento e de disciplinamento dos usuários reclamantes Envolvimento Disciplinamento

Ineficiente Informação Envolve acolhendo a reclamação ouvindo apenas para informar-se dos problemas institucionais. O acolhimento pôr amostragem é suficiente. Informa aos usuários seus direitos, responsabilidades e opções em registrar a reclamação. Agenda a entrevista. Não responde ao reclamante.

Disciplina, organizando apenas o recebimento das reclamações, orientando a conduta dos reclamantes.

Burocrática Aplacação Envolve acolhendo a reclamação ouvindo para contemporizar os problemas institucionais. Recebe todos os reclamantes, tenta ou não, dissuadir os usuários de registrar sua reclamação. As respostas são para contemporizar a relação instituição-usuário e ficam arquivadas no setor, nem sempre chegando ao usuário.

Disciplina, organizando o encaminhamento da investigação das reclamações.

Eficaz Consulta Envolve acolhendo a reclamação ouvindo para solucionar os problemas institucionais. Incentiva o usuário a registrar sua reclamação. Responde qualificadamente ao reclamante.

Disciplina, organizando a solução dos problemas reclamados.

Tipos de ouvidoria

Estratégias de envolvimento e de disciplinamento das chefias e dos trabalhadores em saúde

Envolvimento Disciplinamento

Ineficiente Integração passiva

A implantação de SO é comunicada. O SO unifica a linguagem institucional e encaminha as reclamações para conhecimento das chefias e dos profissionais, porém estes não respondem, não consideram pertinentes as reclamações, não mudam comportamentos.

Não disciplina o reclamado.

Burocrática Adesão

A implantação de SO é comunicada e justificada. O SO encaminha as reclamações e solicita investigações. As chefias e os profissionais respondem burocraticamente.

Disciplina punindo, justificando procedimentos, revisando e orientando a conduta do reclamado.

Eficaz Interação A implantação de SO é comunicada e discutida. O SO encaminha as reclamações e discute a solução de problemas. As chefias e os profissionais respondem qualificadamente.

Disciplina, treinando e educando o reclamado.

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QUADRO 3– Entrevistas realizadas nos hospitais HF e HCPA Hospitais Entrevistados Total

1. e 2. 1. Diretoria Clínica e Diretoria Administrativa 2. ouvidores HF 2 - 3 5

HCPA 2 1 4 7 Total 4 1 7 12

Hospitais Entrevistados Total 3. 4. e 5.

Total geral 3. chefias 4. trabalhadores

reclamados 5. usuários

reclamantes Méd. Enf. Recep. Outras Méd. Enf. Recep.

HF 1 1 1 2 4 2 2 5 18 23 HCPA 1 1 2 1 2 2 2 7 18 25 Total 2 2 3 3 6 4 4 12 36 48

GRADE 1- Anotação individual das reclamações-HF e HCPA Reclamação nº: Área: Especialidade: Profissional: Especialidade: Reclamante: Sexo: Procedência: SO encaminha para: Quem responde: Tempo de resposta: Resposta: Tipo de reclamação por área: Tipo de reclamação por profissional:

Data da coleta da informação: Informação coletada por:

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273

GRADE 2- Anotação das reclamações por especialidade e área-HF e HCPA Área/ Especialidade Total registrado Total respondido Total não respondido

Anestesiologia Cardiologia Cirurgia Cardiotorácica Cirurgia Gastroenterológica Cirurgia Geral Cirurgia Oncológica Cirurgia Pediátrica Cirurgia Plástica Cirurgia Vascular Citopatologia Clínica para Adolescentes Colo-proctologia Dermatologia Endocrinologia Enfermagem em Saúde Pública Epidemiologia Clínica Farmacologia Clínica Fisiatria e Reabilitação Gastroenterologia e Obstetrícia Gastroenterologia Pediátrica Genética Médica Ginecologia e Obstetrícia Hematologia Clínica Hemoterapia/Banco de Sangue Imunologia e Alergia Mastologia Medicina Interna Medicina Nuclear Medicina Ocupacional Nefrologia Nefrologia Pediátrica Neonatologia Neurologia Neurologia Pediátrica Nutrição Odontologia Oftalmologia Oncologia Oncologia Pediátrica Ortopedia e Traumatologia Otorrinolaringologia Patologia Patologia Clínica - laboratório Pediatria Pneumologia Pneumologia Pediátrica Psicologia Psiquiatria Psiquiatria Infantil Quimioterapia Radiologia Recreação Terapêutica Reumatologia Serviço Social Sexologia Terapia Intensiva Tratamento da Dor Urologia Áreas: Emergência Marcação de Consultas Recepção Internação Ambulatório CCA Serviços Gerais Limpeza e Higienização GAO * Não Identificado

Data da coleta da informação: Informação coletada por:

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274

GRADE 3- Anotação das reclamações por especialidade e profissional-HF e HCPA Profissional/Especialidade Total registrado Total respondido Total não respondido

Anestesiologia Cardiologia Cirurgia Cardiotorácica Cirurgia Gastroenterológica Cirurgia Geral Cirurgia Oncológica Cirurgia Pediátrica Cirurgia Plástica Cirurgia Vascular Citopatologia Clínica para Adolescentes Colo-proctologia Dermatologia Endocrinologia Enfermagem em Saúde Pública Epidemiologia Clínica Farmacologia Clínica Fisiatria e Reabilitação Gastroenterologia e Obstetrícia Gastroenterologia Pediátrica Genética Médica Ginecologia e Obstetrícia Hematologia Clínica Hemoterapia/Banco de Sangue Imunologia e Alergia Mastologia Medicina Interna Medicina Nuclear Medicina Ocupacional Nefrologia Nefrologia Pediátrica Neonatologia Neurologia Neurologia Pediátrica Nutrição Odontologia Oftalmologia Oncologia Oncologia Pediátrica Ortopedia e Traumatologia Otorrinolaringologia Patologia Patologia Clínica - laboratório Pediatria Pneumologia Pneumologia Pediátrica Psicologia Psiquiatria Psiquiatria Infantil Quimioterapia Radiologia Recreação Terapêutica Reumatologia Serviço Social Sexologia Terapia Intensiva Tratamento da Dor Urologia Áreas: Emergência Marcação de Consultas Recepção Internação Ambulatório CCA Serviços Gerais Limpeza e Higienização GAO * Não Identificado

Data da coleta da informação: Informação coletada por:

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275

GRADE 4-Resumo das reclamações por ano e área -HF e HCPA

Ano Reclamações Elogios Total

Área Nº da Reclamação Total Ambulatório Emergência Marcação de Consultas Recepção Internação Outras Áreas Não Identificada

Total

GRADE 5-Resumo das reclamações por ano e profissional-HF e HCPA Ano

Reclamações Elogios Total

Profissional Nº da Reclamação Total Médicos Equipe de Enfermagem Recepcionista Telefonista Secretários e Administrativos em geral Outros profissionais Não identificado

Total

GRADE 6-Características do Reclamante-HF e HCPA Reclamante Nº da Reclamação Total

Quem : Usuário Familiar Outros: amigos... Não Identificado

Total Sexo: Masculino Feminino Não identificado Duas pessoas (F e M)

Total Procedência: Porto Alegre Grande PoA Interior RS Outros Estados Não Identificado

Total

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276

GRADE 7-Tipo de reclamação registrada nas ouvidorias-HF e HCPA I. Estrutura: capacidade de atendimento engloba: 1. Tempo de espera para conseguir a 1ª consulta e a reconsulta. 2. Tempo de espera para conseguir baixa. 3. Tempo de espera para realizar e obter resultado de exames. 4. Encaminhamento a outro hospital. 5. Quantidade de funcionários, de leitos, quantidade e qualidade de equipamentos para exames. 6. Não atendimento: por atraso do paciente, por procedimento técnico mais demorado que o previsto 7. Outros: (discriminar a categoria): horário de visitas 8. Não especificado na reclamação II. Funcionamento: 1. Falhas de Comunicação: falha de informação ao usuário, entre serviços e na comunicação dentro de mesmo setor, não informação sobre custos dos procedimentos 2. Falhas de Relacionamento Humano: relacionamento profissional-paciente, entre os membros da equipe de trabalho, profissional desconsidera informação fornecida pelo paciente, paciente discorda do diagnóstico do médico, troca de médico 3. Falhas nos Procedimentos Técnicos: qualidade do atendimento, pontualidade do profissional, não comparecimento do profissional, perda de documentos; exames e pertences dos pacientes, ética médica, cobrança extra por parte do médico, limpeza. 4. Falhas na Presteza do Serviço: consultas e cirurgias agendadas e desmarcadas, repetição de exames, tempo de espera para ser atendido. 5. Outros (discriminar a categoria): demora para receber xerox, reclamações de profissionais de outras instituições. 6. Não especificado na reclamação

GRADE 8-Tipo de reclamação por área, estrutura e funcionamento-HF e HCPA Área:________________ Nº da Reclamação Total

I. Estrutura: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. II. Funcionamento: 1. 2. 3. 4. 5. 6.

GRADE 9-Tipo de reclamação por profissional, estrutura e funcionamento-HF e HCPA

Profissional:_______________ Nº da Reclamação Total I. Estrutura : 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. II. Funcionamento: 1. 2. 3. 4. 5. 6.

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277

GRADE 10-Procedimento Institucional:encaminhamento interno das reclamações-HF e HCPA

SO encaminha para:

Área técnica: Equipe de

Enfermagem

Área médica: Ginecologia e

obstetrícia

Área administrat.:

Recepção

Chefias: DT (HF)

VPM (HCPA)

SO Outros: Setores/serviços

Total

Chefia Profissional Chefia e Profissional Arquivamento Sem registro do encaminhamento

Outros Total

GRADE 11-Procedimento Institucional: resposta das chefias e profissionais ao encaminhamento do SO-HF e HCPA

Quem responde: Área técnica: Equipe de

Enfermagem

Área médica: Ginecologia e

obstetrícia

Área administrat.:

Recepção

Chefias: DT (HF)

VPM (HCPA)

SO Outros: Setores/serviços

Total

Chefia Profissional Chefia e Profissional

Total com resposta Arquivamento Sem registro do encaminhamento

Sem Resposta ao SO Total sem resposta

Total

GRADE 12-Procedimento Institucional: tempo de resposta das chefias e profissionais ao SO-HF e HCPA

Tempo de resposta Ano Chefias-nº SO-nº Total %

Resolvido na hora 1-15 dias 16-30 dias + de 30 dias Sem registro da data

Total c/resposta Arq. e s/reg. do enc. Sem resposta ao SO

Total s/em resposta

Total

GRADE 13- Resposta Institucional ao reclamante-HF e HCPA Respostas Total %

Com justificativa do setor/serviço Sem justificativa do setor/serviço

Total

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Modelos de Entrevistas (construídos especialmente para a pesquisa)

Modelo 1-Diretorias Clínicas e Administrativas HF e HCPA

Diretorias clínica e administrativa do HF - (no momento da pesquisa) (com o diretor administrativo não foi realizada)

Há quanto tempo o Sr. trabalha no Hospital Fêmina? Há quanto tempo ocupa o cargo de diretor da divisão técnica/administrativa do Hospital?

1. O que a direção da divisão técnica/administrativa do Hospital Fêmina faz no sentido de manter o compromisso da instituição, como instituição de excelência cumprindo sua função social, face às pressões que sofrem os hospitais decorrentes da crise na área da saúde no Brasil?

2. Como é de conhecimento público, atualmente ocorrem muitos murmúrios e rumores sobre o atendimento nos hospitais públicos. O Sr. poderia comentar, específicamente em relação ao Hospital Fêmina, porque e como se constituem estes dizeres?

3. Como o Hospital toma conhecimento e o que faz em relação aos comentários sobre o atendimento prestado?

4. Estes comentários refletem os problemas institucionais de atendimento hospitalar? Quais os principais problemas do Hospital Fêmina, atualmente?

5. Por que o Hospital Fêmina decidiu, em 1990, implantar um serviço de ouvidoria? Qual o clima institucional da época?

6. Por que em 1993 o Grupo Hospitalar Conceição decidiu constituir um Fórum de Democratização?

7. Este Fórum, proposto como órgão permanente, funciona até hoje? Se sim, Explique. Se não, Por quê? E no HF? Relate seu funcionamento.

8. Que modificações ocorreram, no acolhimento das reclamações dos usuários do hospital Fêmina, após a implantação do serviço de ouvidoria?

9. Como o Sr. toma conhecimento das reclamações registradas por usuários no serviço de ouvidoria? (Reclamações de relacionamento, de procedimentos técnicos e outros).

10. O Sr. considera pertinentes as reclamações dos usuários sobre o atendimento do Hospital Fêmina?

11. Como se realiza o trabalho do serviço de ouvidoria no hospital? (o SO investiga, as chefias e profissionais respondem, o serviço responde aos usuários)?

12. Houve alterações no funcionamento do hospital com a implantação do serviço de ouvidoria? Exemplifique.

13. As queixas dos usuários têm ajudado as chefias da divisão técnica/administrativa do Hospital Fêmina no desempenho de suas funções? (Como, exemplifique?)

14. Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelo serviço de ouvidoria, desde sua implantação até o momento atual?

15. Qual a relação entre o serviço de ouvidoria e o programa da qualidade do Hospital? Exemplifique.

16. Qual a sua avaliação dos resultados, para o Hospital, da implantação do serviço de ouvidoria? (quem ganha e o que se ganha com a adoção destas novas formas de gestão)? De alguma forma as reclamações auxiliam a instituição a ter mais força política junto aos órgãos governamentais, quando do estabelecimento de políticas públicas de saúde?

17. E para os usuários, o serviço de ouvidoria trouxe algum benefício? (Quais; comente; explique).

18. Quais os benefícios do serviço de ouvidoria para os funcionários do Hospital de Fêmina?

19. Os funcionários do Hospital Fêmina, participam de reuniões ou outras formas de discussão que envolvam decisões sobre as reclamações oriundas do serviço de ouvidoria? (Quais; comente; explique). São realizadas reuniões com AMHF, AFHF e representantes de usuários?

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20. Como o Sr. avalia as condições de trabalho no Hospital Fêmina?

21. Como o Sr. avalia o atendimento prestado ao usuário pelo Hospital Fêmina?

22. Qual a sua avaliação da mudança no procedimento de marcação de consultas do hospital para a Secretaria Municipal de Saúde? (Os problemas foram solucionados? Exemplifique os problemas que ainda persistem).

23. O Sr. gostaria de fazer mais alguma observação sobre as respostas formuladas nesta entrevista?

Entrevistador:................................................................ Dia:................................................................................ Iniciou:------ -h/--------m - Terminou:-------- -h/--------------m

Diretorias clínica e administrativa do HCPA - (no momento da pesquisa)

Há quanto tempo o Sr. trabalha no Hospital de Clínicas? Há quanto tempo o Sr. ocupa a vice-presidência médica/administrativa do Hospital?

1. O que a vice-presidência médica/administrativa do Hospital faz no sentido de manter o compromisso da instituição, como instituição de excelência e referência cumprindo sua função social, face às pressões que sofrem os hospitais decorrentes da crise na área da saúde no Brasil?

2. Como é de conhecimento público, atualmente ocorrem muitos murmúrios e rumores sobre o atendimento nos hospitais públicos. O Sr. poderia comentar, específicamente em relação ao Hospital de Clínicas porque e como se constituem estes dizeres?

3. Como o Hospital toma conhecimento e o que faz em relação aos comentários sobre o atendimento prestado?

4. Estes comentários refletem os problemas institucionais de atendimento hospitalar? Quais os principais problemas do Hospital de Clínicas, atualmente?

5. Por que o Hospital de Clínicas decidiu, em 1994, centralizar as reclamações dos usuários em um só setor? Qual o clima institucional da época? (1984, primeiros passos na implementação do planejamento estratégico. 1993, consolidou o processo de implantação de um programa de qualidade. 1994, centralização das reclamações).

6. Pode-se considerar que o Hospital de Clínicas implantou um sistema de ouvidoria?

7. Que modificações ocorreram, no acolhimento das reclamações dos usuários do Hospital de Clínicas, após a implantação do sistema de ouvidoria?

8. Como o Sr. toma conhecimento das reclamações registradas por usuários no sistema de ouvidoria? (Reclamações de relacionamento, de procedimentos técnicos e outros)

9. O Sr. considera pertinentes as reclamações dos usuários sobre o atendimento do Hospital de Clínicas?

10. Como se realiza o trabalho do sistema de ouvidoria no hospital? (o SO investiga, as chefias e profissionais respondem, o serviço responde aos usuários)?

11. Houve alterações no funcionamento do hospital com a implantação do sistema de ouvidoria? Exemplifique.

12. As queixas dos usuários têm ajudado os vice-presidentes médicos/administrativos do Hospital de Clínicas no desempenho de suas funções? (Como, exemplifique?)

13. Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelo sistema de ouvidoria, desde sua implantação até o momento atual?

14. Qual a relação entre o sistema de ouvidoria e o programa da qualidade do Hospital? Exemplifique.

15. Qual a sua avaliação dos resultados, para o Hospital, da implantação do sistema de ouvidoria? (quem ganha e o que se ganha com a adoção destas novas formas de gestão)? De alguma forma as reclamações auxiliam a instituição a ter mais força política junto aos órgãos governamentais, quando do estabelecimento de políticas públicas de saúde?

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16. E para os usuários, o sistema de ouvidoria trouxe algum benefício? (Quais; comente; explique).

17. Quais os benefícios do sistema de ouvidoria para os funcionários do Hospital de Clínicas?

18. Os funcionários do Hospital de Clínicas, participam de reuniões ou outras formas de discussão que envolvam decisões sobre as reclamações oriundas do sistema de ouvidoria? (Quais; comente; explique). São realizadas reuniões com AMHCPA, ASHCLIN e representantes de usuários?

19. Como o Sr. avalia as condições de trabalho no Hospital de Clínicas?

20. Como o Sr. avalia o atendimento prestado ao usuário pelo Hospital de Clínicas?

21. Qual a sua avaliação da mudança no procedimento de marcação de consultas do hospital para a Secretaria Municipal de Saúde? (Os problemas foram solucionados? Exemplifique os problemas que ainda persistem).

22. O Sr. gostaria de fazer mais alguma observação sobre as respostas formuladas nesta entrevista?

Entrevistador:................................................................ Dia:................................................................................ Iniciou:--------h/--------m - Terminou:-------- -h/--------------m

Modelo 1.2-Diretorias Clínicas na época de instalação das ouvidorias hospitalares HF e HCPA

Diretoria Clínica na época de instalação das ouvidorias hospitalares HF

1. Conte sobre a sua história no Hospital Fêmina.

2. Qual o trabalho que realizava antes de tornar-se diretor do HF?

3. Como chegou a Diretor Técnico do HF? Por que aceitou a função de direção?

4. Quais os principais problemas com os quais se deparou como diretor do HF?

5. Conte sobre a história da implantação do Serviço de Ouvidoria no HF.

6. Como foi seu conhecimento do sistema de Ouvidoria na Inglaterra ?

7. Qual foi sua motivação de implantar este sistema no Brasil?

8. No seu artigo, o Sr. faz referências à ouvidoria como uma solução administrativa. Quais as formas de administração que orientaram a prática dos hospitais (em geral) e do HF (em particular) até o momento atual?

9. Quando implantou a ouvidoria no HF, por que não pensou em implantar o Programa da Qualidade Total, que vem, também, se impondo como modelo de busca da qualidade, desde os anos 90 ?

10. Qual o seu entendimento sobre a qualidade em saúde e a qualidade dos serviços de saúde?

11. Foi feito um projeto para a implantação deste serviço, submetido à aprovação do Superindente do GHC ?

12. Por que um médico para ocupar o cargo de Ouvidor?

13. Poderia fazer um comentário sobre a comparação entre o SO no Brasil e na Inglaterra (semelhanças e diferenças). Acompanhou a evolução, as inovações neste sistema naquele país?

14. Desde a implantação do SO até a presente data o serviço foi divulgado junto ao usuário? De que forma?

15. Qual a sua rotina de trabalho atualmente no HF ? Horas de trabalho? Quais as outras atividades que exerce como médico? Outros locais de trabalho? Horas de trabalho?

Entrevistador:................Data:..............

Diário de Campo

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Diretoria Clínica na época de instalação das ouvidorias hospitalares HCPA

Há quanto tempo o Sr. trabalha no Hospital de Clínicas? Em que período ocupou a vice-presidência médica do Hospital?

1. Por que o Hospital de Clínicas decidiu, em 1994, centralizar as reclamações dos usuários em um só setor?

2. Qual o clima institucional da época? (1984, primeiros passos na implementação do planejamento estratégico. (1993, consolidou o processo de implantação de um programa de qualidade. 1994, centralização das reclamações).

3. Antes da implantação do sistema de ouvidoria havia queixas dos usuários sobre o atendimento do Hospital de Clínicas?

4. Onde e como os usuários faziam as reclamações, antes do sistema de ouvidoria? (A quem se dirigiam os usuários? As reclamações eram registradas por escrito, encaminhadas, investigadas, eram respondidas? O quê mudou com a implantação da ouvidoria?)

5. A centralização das reclamações no Grupo de Pacientes Externos foi uma decisão tomada pela vice-presidência médica? Foram consultados outros profissionais? Quais?

6. Por que foi escolhido o Grupo de Pacientes Externos?

7. Que modificações ocorreram, no acolhimento das reclamações dos usuários do hospital de Clínicas, após a implantação do sistema de ouvidoria?

8. Pode-se considerar que o Hospital de Clínicas implantou um sistema de ouvidoria?

9. Relate o processo de implantação/centralização do sistema de ouvidoria no Hospital de Clínicas.

10. Foi pensado, na época, na implantação de um serviço de ouvidoria? Sim, não, por quê?

11. Como foi divulgado aos demais profissionais do Hospital que havia sido, ou seria criado, um sistema de ouvidoria?

12. Quem elaborou e o que foi feito em termos de normatização no que se refere à competência e procedimentos que orientariam a ação do coordenador do sistema de ouvidoria?

13. Como passou a ser realizado o trabalho do sistema de ouvidoria no hospital? (o SO investigava, as chefias e profissionais respondiam, o serviço respondia aos usuários?)

14. Como o Sr. passou a tomar conhecimento das reclamações registradas por usuários no serviço de ouvidoria?

15. Quais os principais problemas sobre os quais os usuários reclamavam?

16. Estes eram, de fato, os principais problemas do hospital, na época?

17. O Sr. considerou pertinentes as reclamações dos usuários sobre o atendimento do Hospital de Clínicas?

18. E atualmente quais são os principais problemas do Hospital de Clínicas, ou, os do serviço que o Sr. coordena?

19. Na sua gestão eram elaborados relatórios sobre as reclamações acolhidas pelo sistema de ouvidoria? Considera importante o relatório? Por quê?

20. O que poderia ser modificado, para que o sistema de ouvidoria possa melhorar o seu trabalho no acolhimento das reclamações dos usuários do Hospital de Clínicas?

21. Quais deveriam ser os critérios para a escolha do ouvidor (áreas do hospital, perfil, forma de escolha).

22. Qual deveria ser, na sua opinião, a forma mais indicada de escolha do ouvidor (indicação, eleição?)

23. A forma de escolha do ouvidor (indicação, eleição) interfere na sua autonomia? Comente.

24. O sistema de ouvidoria contribui para a resolução dos problemas detectados através das

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reclamações dos usuários? Comente as formas de resolução.

25. Houve alterações no funcionamento do hospital com a implantação do sistema de ouvidoria? Comente?

26. Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelo sistema de ouvidoria, ao longo destes anos de atuação?

27. Qual a relação entre o trabalho desenvolvido pelo sistema de ouvidoria e o trabalho realizado pelo programa da qualidade? Exemplifique.

28. Qual a sua avaliação dos resultados, para o hospital, da implantação do sistema de ouvidoria? (quem ganha e o que se ganha com a adoção destas novas formas de gestão)?

29. E para os usuários, o sistema de ouvidoria trouxe algum benefício? (Quais; comente; explique).

30. Quais os benefícios do sistema de ouvidoria para os funcionários do Hospital de Clínicas?

31. Os funcionários do Hospital de Clínicas participam de reuniões ou outras formas de discussão que envolvam decisões sobre as reclamações oriundas do sistema de ouvidoria? (Quais; comente; explique).

32. Como o Sr. avalia as condições de trabalho no Hospital de Clínicas?

33. Como o Sr. avalia o atendimento prestado ao usuário Hospital de Clínicas?

34. Qual a sua avaliação da mudança no procedimento de marcação de consultas do hospital para a Secretaria Municipal de Saúde? (Os problemas foram solucionados? Exemplifique os problemas que ainda persistem).

35. O Sr. gostaria de fazer mais alguma observação sobre as respostas formuladas nesta entrevista?

Entrevistador:-------------------------------------------------------- Dia:-------------------------------------------------------------------- Iniciou:------ -h/--------m - Terminou:----------h/--------------m

Modelo 2 - Ouvidores HF e HCPA

Modelo 2.1. Primeiro Ouvidor do HF

Há quanto tempo o Sr. trabalha no Hospital Fêmina? Durante que período ocupou o cargo de ouvidor?

1. Por que o Hospital Fêmina implantou o serviço de ouvidoria?

2. Na época em que foi criada a ouvidoria, como o Sr. ficou sabendo que seria criado este serviço no Hospital Fêmina?

3. Relate o processo de implantação da ouvidoria no Hospital Fêmina. (Alguns profissionais foram chamados a opinar sobre a implantação deste serviço, aqui no hospital? Exemplifique).

4. Antes da implantação do serviço de ouvidoria havia queixas dos usuários sobre o atendimento do Hospital Fêmina?

5. Onde e como os usuários faziam as reclamações, antes do sistema de ouvidoria? (A quem se dirigiam os usuários? As reclamações eram registradas por escrito, encaminhadas, investigadas, eram respondidas? O quê mudou com a implantação da ouvidoria?)

6. Como o Sr. veio a ocupar a função de ouvidor do Hospital Fêmina?

7. Como foi divulgado aos demais profissionais do Hospital que havia sido ou seria criado um serviço de ouvidoria?

8. O que foi feito em termos de normatização do serviço no que se refere à competência e procedimentos que orientariam a ação do ouvidor.

9. Em 1994 foi realizada a primeira reunião dos ouvidores do Grupo Hospitalar Conceição, tratando da rotina do serviço e a sua uniformização para as unidades do Grupo Hospitalar. Esta rotina chegou a ser implantada?

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10. Observei que nem todos os procedimentos da proposta de rotina foram seguidos, como por exemplo: anotação do número do leito do paciente, da unidade/internação, a assinatura do paciente, o livro de registros das reclamações. Por que não foi implantada a rotina, na sua íntegra?

11. O Sr. poderia relatar como era feito o seu trabalho como ouvidor do Hospital Fêmina.

12. O serviço de ouvidoria investigava as reclamações dos usuários do hospital? Comente as formas de investigação. E hoje?

13. As reclamações da áreas médica, técnica e administrativa seguiam os mesmos procedimentos de investigação e respostas aos usuários? Exemplifique.

14. Observei que muitas vezes a ouvidoria realizava reuniões com os reclamantes e o corpo clínico do hospital. Porque o mesmo procedimento não era realizado com as outras áreas do hospital?

15. As chefias e os profissionais respondiam ao serviço de ouvidoria quando solicitadas a fornecer explicações sobre o fato que gerou reclamação? Comente e avalie as formas de resposta. E hoje?

16. Em 1993 há uma correspondência sua, ao corpo clínico do HF, dizendo que em razão das dificuldades de respostas para retorno às partes reclamantes, a Ouvidoria daria um prazo de dez dias, depois dos quais seria agendada uma reunião entre os reclamantes e os médicos envolvidos. Porque foi necessária esta correspondência normativa?

17. Foram enviadas também correspondências para as chefias administrativas e técnicas do HF, também? Por quê?

18. Houve alterações no funcionamento do hospital com a implantação do serviço de ouvidoria? Exemplifique. 19. Quais os procedimentos adotados pela ouvidoria para a resolução dos problemas detectados através das reclamações dos usuários do hospital? Comente os procedimentos adotados. E hoje?

20. O serviço de ouvidoria respondia aos usuários do hospital sobre o procedimento adotado pela instituição para resolver o problema, que originou a reclamação? Comente as formas de resposta. E hoje?

21. O serviço de ouvidoria realizava e realiza ainda, relatórios de suas atividades? Considera importante o relatório? Por quê?

22. O Sr. encontrou alguma dificuldade no desempenho de suas funções como ouvidor? Exemplifique.

23. A forma de escolha do ouvidor (indicação, eleição) interfere na sua autonomia? Comente.

24. Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelo serviço de ouvidoria, desde sua implantação até o momento atual? Ele ouviu os funcionários, como era seu objetivo inicial? Sim, não comente.

25. Na sua opinião, existe relação entre o serviço de ouvidoria e o Programa de Qualidade do Hospital? Exemplifique.

26. Qual a sua avaliação dos resultados, para o Hospital, da implantação do serviço de ouvidoria? (quem ganha e o que se ganha com a adoção destas novas formas de gestão?)

27. E para os usuários, o serviço de ouvidoria trouxe algum benefício? (Quais? comente; explique).

28. Quais os benefícios do serviço de ouvidoria para os funcionários do Hospital Fêmina?

29. Os funcionários do Hospital Fêmina participam de reuniões ou outras formas de discussão que envolvam decisões sobre as reclamações oriundas do serviço de ouvidoria? (Quais?comente; explique).

30. Como o Sr. avalia as condições de trabalho no Hospital Fêmina?

31. Como o Sr. avalia o atendimento prestado, ao usuário, pelo Hospital Fêmina?

32. Qual a sua avaliação da mudança no procedimento de marcação de consultas do hospital para a Secretaria Municipal de Saúde? (Os problemas foram solucionados? Exemplifique os problemas que ainda persistem).

33. O Sr. gostaria de fazer mais alguma observação sobre as respostas formuladas nesta entrevista?

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Entrevistador:-------------------------------------------------------- Dia:-------------------------------------------------------------------- Iniciou:------ -h/--------m - Terminou:----------h/--------------m

Modelo 2.2. Segundo Ouvidor do HF

Há quanto tempo o Sr. trabalha no Hospital Fêmina? Durante que período ocupou o cargo de ouvidor?

1. Por que o Hospital Fêmina implantou o serviço de ouvidoria?

2. Na época em que foi criada a ouvidoria, como o Sr. ficou sabendo que o Hospital Fêmina havia criado este serviço?

3. Como o Sr. veio a ocupar a função de ouvidor do Hospital Fêmina?

4. Há normatização do serviço no que se refere a competência e procedimentos que orientam a ação do ouvidor?

5. Antes da implantação do serviço de ouvidoria havia queixas dos usuários sobre o atendimento do Hospital Fêmina?

6. Onde e como os usuários faziam as reclamações, antes do sistema de ouvidoria? (A quem se dirigiam os usuários? As reclamações eram registradas por escrito, encaminhadas, investigadas, eram respondidas? O quê mudou com a implantação da ouvidoria?)

7. O Sr. poderia relatar como era feito o seu trabalho como ouvidor do Hospital Fêmina.

8. O serviço de ouvidoria investiga as reclamações dos usuários? Comente as formas de investigação.

9. As chefias e os profissionais respondem ao serviço de ouvidoria quando solicitadas a fornecer explicações sobre o fato que gerou reclamação? Comente e avalie as formas de resposta.

10. Houve alterações no funcionamento do hospital com a implantação do serviço de ouvidoria? Exemplifique.

11. Quais os procedimentos adotados pela ouvidoria para a resolução dos problemas detectados através das reclamações dos usuários? Comente os procedimentos adotados.

12. O serviço de ouvidoria responde aos usuários do hospital sobre o procedimento adotado pela instituição para resolver o problema, que originou a reclamação? Comente as formas de resposta.

13. O Sr. encontrou alguma dificuldade no desempenho de suas funções como ouvidor? Exemplifique.

14. Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelo serviço de ouvidoria, desde sua implantação até o momento atual? Ele ouviu os funcionários, como era seu objetivo inicial? Sim, não comente.

15. Na sua opinião existe relação entre o serviço de ouvidoria e o programa da qualidade do Hospital? Exemplifique.

16. Qual a sua avaliação dos resultados, para o Hospital, da implantação do serviço de ouvidoria? (quem ganha e o que se ganha com a adoção destas novas formas de gestão?)

17. E para os usuários, o serviço de ouvidoria trouxe algum benefício? (Quais? comente; explique).

18. Quais os benefícios do serviço de ouvidoria para os funcionários do Hospital Fêmina?

19. Os funcionários do Hospital Fêmina, participam de reuniões ou outras formas de discussão que envolvam decisões sobre as reclamações oriundas do serviço de ouvidoria? (Quais? comente; explique).

20. Como o Sr. avalia as condições de trabalho no Hospital Fêmina?

21. Como o Sr. avalia o atendimento prestado ao usuário pelo Hospital Fêmina?

22. Qual a sua avaliação da mudança no procedimento de marcação de consultas do hospital para a Secretaria Municipal de Saúde? (Os problemas foram solucionados? Exemplifique os problemas que ainda persistem).

23. O Sr. gostaria de fazer mais alguma observação sobre as respostas formuladas nesta entrevista?

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Entrevistador:-------------------------------------------------------- Dia:-------------------------------------------------------------------- Iniciou:------ -h/--------m - Terminou:----------h/--------------m

Modelo 2.3. Terceiro Ouvidor do HF

Há quanto tempo o Sr. trabalha no Hospital Fêmina? Há quanto tempo ocupa o cargo de ouvidor?

1. Por que o Hospital Fêmina implantou o serviço de ouvidoria?

2. Na época em que foi criada a ouvidoria, como o Sr. ficou sabendo que o Hospital Fêmina havia criado esse serviço?

3. Antes da implantação do serviço de ouvidoria havia queixas dos usuários sobre o atendimento do Hospital Fêmina?

4. Onde e como os usuários faziam as reclamações, antes do sistema de ouvidoria? (A quem se dirigiam os usuários? As reclamações eram registradas por escrito, encaminhadas, investigadas, eram respondidas? O quê mudou com a implantação da ouvidoria?)

5. Como o Sr. veio a ocupar a função de ouvidor do Hospital Fêmina?

6. A forma de escolha do ouvidor (indicação, eleição) interfere na sua autonomia? Comente.

7. Há diferenças na condução do serviço, pelo fato do ouvidor ser oriundo da área médica ou da área administrativa, à qual o Sr. está mais afeto? Quais? Considera necessário o ouvidor sempre ser um médico?

8. Observei que ao assumir o cargo de ouvidor o Sr. propõs um projeto de rotinas e procedimentos que passaram a orientar a ação do ouvidor. A quem foi encaminhado esse projeto, para opinar sobre o mesmo?

9. Por que foi necessário repensar as rotinas do serviço de ouvidoria? As rotinas elaboradas em 1994, pelos ouvidores do Grupo Hospitalar Conceição, e as implantadas neste serviço até então, estavam superadas? Por quê?

10. Estas alterações foram propostas de forma autônoma pelo ouvidor, ou estão vinculadas ao grupo de ouvidores do complexo hospitalar?

11. Os ouvidores do Grupo Hospitalar Conceição realizam reuniões ou troca de informações sobre o trabalho realizado em cada hospital?

12. Observei que algumas rotinas foram modificadas, entre as quais, por exemplo, a marcação da entrevista, os procedimentos da pesquisa dos casos reclamados, a entrevista com os envolvidos nas reclamações, a consultoria e a decisão. O Sr. poderia comentar porque foram alteradas estas rotinas?

13. Quando o Sr. relata como será tomada a decisão sobre o encaminhamento final da reclamação, afirma que, em caso de mau atendimento, o ouvidor encaminhará o processo para o Chefe da Divisão correspondente. Em caso de possível erro técnico o ouvidor redigirá uma resposta ao reclamante, após submeter o expediente ao respectivo chefe de serviço. Por quê as diferenças de encaminhamento? Nos dois casos não ocorrem, também, a informação ao Chefe da Divisão e ao chefe de serviço e a resposta ao usuário?

14. O Sr. poderia relatar como é feito o seu trabalho como ouvidor do Hospital Fêmina.

15. O serviço de ouvidoria sempre investiga as reclamações dos usuários do hospital? Comente as formas de investigação.

16. Ele ouviu os funcionários, como era seu objetivo inicial? Sim, não comente. O serviço de ouvidoria atinge seus objetivos de ouvir as reclamações dos funcionários do Hospital? Comente.

17. As chefias e os profissionais sempre respondem ao serviço de ouvidoria quando solicitadas a fornecer explicações sobre o fato que gerou reclamação? Comente e avalie as formas de resposta.

18. Houve alterações no funcionamento do hospital com a implantação do serviço de ouvidoria? Exemplifique.

19. Quais os procedimentos adotados pela ouvidoria para a resolução dos problemas detectados através das reclamações dos usuários e dos trabalhadores do hospital? Comente os procedimentos

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286

adotados.

20. O serviço de ouvidoria sempre responde aos usuários, sobre o procedimento adotado pela instituição para resolver o problema, que originou a reclamação? Comente as formas de resposta.

21. O serviço de ouvidoria sempre fez e faz ainda, relatórios de suas atividades? Considera importante o relatório? Por quê.

22. O Sr. encontra alguma dificuldade no desempenho de suas funções como ouvidor? Exemplifique.

23. Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelo serviço de ouvidoria, desde sua implantação até o momento atual?

24. Na sua opinião, existe relação entre o serviço de ouvidoria e o programa da qualidade do Hospital? Exemplifique.

25. Qual a sua avaliação dos resultados, para o Hospital, da implantação do serviço de ouvidoria? (quem ganha e o que se ganha com a adoção destas novas formas de gestão?)

26. E para os usuários, o serviço de ouvidoria trouxe algum benefício? (Quais? comente; explique).

27. Quais os benefícios do serviço de ouvidoria para os funcionários do Hospital de Fêmina?

28. Os funcionários do Hospital Fêmina participam de reuniões ou outras formas de discussão que envolvam decisões sobre as reclamações oriundas do serviço de ouvidoria? (Quais? comente; explique).

29. Como o Sr. avalia as condições de trabalho no Hospital Fêmina?

30. Como o Sr. avalia o atendimento prestado ao usuário pelo Hospital Fêmina?

31. Qual a sua avaliação da mudança no procedimento de marcação de consultas do hospital para a Secretaria Municipal de Saúde? (Os problemas foram solucionados? Exemplifique os problemas que ainda persistem).

32. O Sr. gostaria de fazer mais alguma observação sobre as respostas formuladas nesta entrevista?

Entrevistador:-------------------------------------------------------- Dia:-------------------------------------------------------------------- Iniciou:------ -h/--------m - Terminou:----------h/--------------m

Modelo 2.4. Coordenador e assessor do GPE (na época de implantação do sistema de ouvidoria) HCPA

Há quanto tempo o Sr. trabalha no Hospital de Clínicas? Durante que período ocupou o cargo de coordenador/assessor do Grupo de Pacientes Externos (GPE)?

1. Considera o GPE como um sistema de ouvidoria e o cargo de seu coordenador como um cargo de ouvidor? Por quê?

2. Por que o Hospital de Clínicas implantou o sistema de ouvidoria?

3. Na época em que foi criada a ouvidoria, como o Sr. ficou sabendo que seria criado este sistema no Hospital de Clínicas?

4. Relate o processo de implantação do sistema de ouvidoria no Hospital de Clínicas. (Alguns profissionais foram chamados a opinar sobre a implantação deste serviço, aqui no hospital? Exemplifique).

5. Antes da implantação do sistema de ouvidoria havia queixas dos usuários sobre o atendimento do Hospital de Clínicas?

6. Onde e como os usuários faziam as reclamações, antes do sistema de ouvidoria? (A quem se dirigiam os usuários? As reclamações eram registradas por escrito, encaminhadas, investigadas, eram respondidas? O quê mudou com a implantação da ouvidoria?)

7. Como o Sr. veio a ocupar a função de coordenador do GPE, com a atribuição de ouvidor do Hospital de Clínicas?

8. Como foi divulgado aos demais profissionais do Hospital que havia sido ou seria criado um sistema de ouvidoria?

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9. O que foi feito em termos de normatização do serviço, no que se refere à competência e procedimentos que orientariam a ação do ouvidor.

10. O Sr. poderia relatar como era feito o seu trabalho como ouvidor do Hospital de Clínicas.

11. O sistema de ouvidoria sempre investigava todas as reclamações dos usuários do hospital? Comente as formas de investigação.

12. As reclamações da áreas médica, técnica e administrativa seguiam os mesmos procedimentos de investigação e resposta aos usuários? Exemplifique.

13. As chefias e os profissionais sempre respondiam ao sistema de ouvidoria quando solicitadas a fornecer explicações sobre o fato que gerou reclamação? Comente e avalie as formas de resposta.

14. Acha que atualmente esta situação se modificou? Por quê?

15. Por que o sistema de ouvidoria tinha, e tem até hoje, dificuldade em obter resposta por parte das chefias e dos profissionais?

16. O Sr. encontrou alguma dificuldade no desempenho de suas funções como ouvidor? Quais podem ser relatadas?

17. O sistema de ouvidoria realizava e realiza ainda, relatórios de suas atividades? Considera importante o relatório? Por quê?

18. Observei em seu relatório que o Sr. chama a atenção para problemas mais gerais como estrutura administrativa, capacidade da ouvidoria influenciar na resolução dos problemas assinalados, dar apoio gerencial e administrativo às chefias de serviço. Isto foi realizado, na época?

19. O Sr. acha que atualmente estes problemas foram superados? Por quê?

20. A forma de escolha do ouvidor (indicação, eleição) interfere na sua autonomia? Comente.

21. O Sr. considera viável e desejável a eleição ? Por quê?

22. Quais os procedimentos adotados pela ouvidoria para a resolução dos problemas detectados através das reclamações dos usuários e dos trabalhadores do hospital? Comente os procedimentos adotados. O sistema de ouvidoria contribui para a resolução dos problemas detectados através das reclamações dos usuários? Comente as formas de resolução.

23. O sistema de ouvidoria sempre responde aos usuários e trabalhadores sobre o procedimento adotado pela instituição para resolver o problema, que originou a reclamação? Comente as formas de resposta.

24. Houve alterações no funcionamento do hospital, com a implantação do sistema de ouvidoria? Quais podem ser comentadas?

25. Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelo sistema de ouvidoria, ao longo destes anos de atuação?

26. Qual a relação entre o trabalho desenvolvido pelo sistema de ouvidoria e o trabalho realizado pelo programa da qualidade? Exemplifique.

27. Qual a sua avaliação dos resultados, para o hospital, da implantação do sistema de ouvidoria? (quem ganha e o que se ganha com a adoção destas novas formas de gestão?)

28. E para os usuários, o sistema de ouvidoria trouxe algum benefício? (Quais? comente; explique).

29. Quais os benefícios do sistema de ouvidoria para os funcionários do Hospital de Clínicas?

30. Os funcionários do Hospital de Clínicas participam de reuniões ou outras formas de discussão que envolvam decisões sobre as reclamações oriundas do sistema de ouvidoria? (Quais? comente; explique).

31. Como o Sr. avalia as condições de trabalho no Hospital de Clínicas?

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32. Como o Sr. avalia o atendimento prestado ao usuário pelo Hospital de Clínicas?

33. Qual a sua avaliação da mudança no procedimento de marcação de consultas do hospital para a Secretaria Municipal de Saúde? (Os problemas foram solucionados? Exemplifique os problemas que ainda persistem).

34. O Sr. gostaria de fazer mais alguma observação sobre as respostas formuladas nesta entrevista?

Entrevistador:-------------------------------------------------------- Dia:-------------------------------------------------------------------- Iniciou:------ -h/--------m - Terminou:----------h/--------------m

Modelo 2.5. Coordenador e assessor do GPE (na época de realização da pesquisa) HCPA

Há quanto tempo o Sr. trabalha no Hospital de Clínicas? Há quanto tempo ocupa o cargo de coordenador/assessor do Grupo de Pacientes Externos-GPE?

1. Pode-se considerar que o Hospital de Clínicas implantou um sistema de ouvidoria?

2. Quais os motivos que levaram o Hospital de Clínicas a implantar um sistema (centralizar as reclamações), num só serviço do hospital?

3. Por que o GPE foi escolhido para acolher as reclamações dos usuários?

4. Na época em que foi criado o sistema (centralizadas as reclamações), como a Sr. ficou sabendo da implantação deste sistema no Hospital de Clínicas?

5. Relate o processo de implantação do sistema de ouvidoria no Hospital de Clínicas. (Alguns profissionais foram chamados a opinar sobre a implantação deste serviço, aqui no hospital? Exemplifique).

6. Antes da implantação do sistema de ouvidoria havia queixas dos usuários sobre o atendimento do Hospital de Clínicas?

7. Onde e como os usuários faziam as reclamações, antes do sistema de ouvidoria? (A quem se dirigiam os usuários? As reclamações eram registradas por escrito, encaminhadas, investigadas, eram respondidas? O quê mudou com a implantação da ouvidoria?)

8. Como foi divulgado aos demais profissionais do Hospital que havia sido criado um sistema de ouvidoria?

9. A partir da implantação (centralização) foram estabelecidas normas que orientariam a ação de acolhimento das reclamações? Quais?

10. O Sr. poderia relatar como é feito o seu trabalho com relação às reclamações registradas no GPE?

11. O sistema de ouvidoria sempre investiga todas as reclamações dos usuários do hospital? Comente as formas de investigação.

12. As reclamações das áreas médica, técnica e administrativa seguem os mesmos procedimentos de investigação e respostas aos usuários? Exemplifique.

13. As chefias e os profissionais sempre respondem ao sistema de ouvidoria quando solicitadas a fornecer explicações sobre o fato que gerou reclamação?

14. Comente e avalie as formas de resposta.

15. Porque o sistema de ouvidoria tinha, e tem até hoje, dificuldade em obter resposta por parte das chefias e dos profissionais?

16. Quais os procedimentos adotados pela ouvidoria para a resolução dos problemas detectados através das reclamações dos usuários do hospital? Comente os procedimentos adotados.

17. O sistema de ouvidoria sempre responde aos usuários sobre o procedimento adotado pela instituição para resolver o problema, que originou a reclamação? Comente as formas de resposta.

18. O Sr. encontra alguma dificuldade no desempenho de suas funções em relação ao sistema de ouvidoria? Comente.

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19. Sistematicamente são feitos relatórios sobre as reclamações acolhidas pelo sistema de ouvidoria? Para onde são encaminhados esses relatórios?

20. Considera importante o relatório? Por quê?

21. Observei em um relatório de 1994 que os principais problemas na época, no que se refere ao sistema de reclamações, eram a falta de uma estrutura administrativa, a capacidade da ouvidoria influenciar na resolução dos problemas e a falta de apoio gerencial e administrativo para as chefias de serviço. O Sr. acha que atualmente estes problemas foram superados? Por quê?

22. Quais deveriam ser os critérios para a escolha do ouvidor (áreas do hospital, perfil, forma de escolha).

23. Qual deveria ser, na sua opinião, a forma mais indicada de escolha do ouvidor (indicação, eleição)?

24. A forma de escolha do ouvidor (indicação, eleição) interfere na sua autonomia? Comente.

25. O sistema de ouvidoria contribui para a resolução dos problemas detectados através das reclamações dos usuários? Comente as formas de resolução.

26. Houve alterações no funcionamento do hospital com a implantação do sistema de ouvidoria? Comente?

27. Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelo sistema de ouvidoria, ao longo destes anos de atuação?

28. O que poderia ser modificado para que o sistema de ouvidoria possa melhorar o seu trabalho, no acolhimento das reclamações dos usuários do Hospital de Clínicas?

29. Qual a relação entre o trabalho desenvolvido pelo sistema de ouvidoria e o trabalho realizado pelo programa da qualidade? Exemplifique.

30. Qual a sua avaliação dos resultados, para o hospital, da implantação do sistema de ouvidoria? (quem ganha e o que se ganha com a adoção destas novas formas de gestão?)

31.E para os usuários, o sistema de ouvidoria trouxe algum benefício? (Quais? comente; explique).

32. Quais os benefícios do sistema de ouvidoria para os funcionários do Hospital de Clínicas?

33. Os funcionários do Hospital de Clínicas, participam de reuniões ou outras formas de discussão que envolvam decisões sobre as reclamações oriundas do sistema de ouvidoria? (Quais; comente; explique).

34. Como o Sr. avalia as condições de trabalho no Hospital de Clínicas?

35. Como o Sr. avalia o atendimento prestado ao usuário Hospital de Clínicas?

36. Qual a sua avaliação da mudança no procedimento de marcação de consultas do hospital para a Secretaria Municipal de Saúde? (Os problemas foram solucionados? Exemplifique os problemas que ainda persistem).

37. O Sr. gostaria de fazer mais alguma observação sobre as respostas formuladas nesta entrevista?

Entrevistador:-------------------------------------------------------- Dia:-------------------------------------------------------------------- Iniciou:------ -h/--------m - Terminou:----------h/--------------m

Modelo 3 - Entrevistas com Chefias HF e HCPA

1. Por que o Hospital HF/HCPA implantou o SO?

2.Como você ficou sabendo que o Hospital HF/HCPA havia criado um SO?

3. Antes da implantação do SO havia queixas dos usuários sobre o seu setor/serviço (Sobre o que reclamavam os usuários)?

4. Onde e como os usuários faziam as reclamações, antes do sistema de ouvidoria? (A quem se dirigiam os usuários? As reclamações eram registradas por escrito, encaminhadas, investigadas, eram respondidas? O quê mudou com a implantação da ouvidoria?)

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5. Atualmente, quais são os principais problemas que afetam o seu setor/serviço ?

6. Como você é informado das reclamações dos usuários sobre o seu setor/serviço, registradas no SO?

7. Atendendo à solicitação do SO, você tem investigado as reclamações dos usuários? (Como você faz? Explique, dê exemplos).

8. Constatado o problema, que medidas você adota para resolvê-lo?

9. Após a conclusão da investigação, você sempre responde ao SO? (sim, não, às vezes).

10. Em que casos você responde ao SO?

11. Em que casos você não responde ao SO?

12.Você considerou pertinentes as reclamações sobre o seu setor/serviço, registradas por usuários junto ao SO? (Sim, não, por quê ?)

13. Houve alterações nos procedimentos e rotinas do seu setor/serviço, com a implantação do SO? (Quais? explique; dê exemplos).

14. O SO contribui para a resolução dos problemas detectados através das reclamações dos usuários? (Comente as formas de resolução).

15. As queixas dos usuários têm ajudado às chefias de seu setor/serviço? (Como? Exemplifique.)

16. Qual a relação entre o trabalho desenvolvido pelo SO e o trabalho realizado pelo programa da qualidade? (Comente; dê exemplos).

17. Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelo SO?

18. Quais foram os resultados para o Hospital HF/HCPA da implantação do SO? (quem ganha e o que se ganha com a adoção desta nova forma de gestão?)

19. E para os usuários, o SO trouxe algum benefício? (Quais: comente; explique).

20. Quais os benefícios do SO para os funcionários do Hospital HF/HCPA?

21. Os funcionários do Hospital HF/HCPA, participam de reuniões ou outras formas de discussão que envolvam decisões sobre as reclamações oriundas do SO? (Quais? comente; explique).

22. Qual a sua avaliação da mudança no procedimento de marcação de consultas do hospital para a Secretaria Municipal de Saúde? (Os problemas foram solucionados? Exemplifique os problemas que ainda persistem).

23. Como você avalia as condições de trabalho no Hospital HF/HCPA?

24. Como você avalia o atendimento prestado ao usuário pelo Hospital HF/HCPA?

25. Você gostaria de fazer mais alguma observação sobre as respostas formuladas nesta entrevista?

Entrevistador:-------------------------------------------------------- Dia:-------------------------------------------------------------------- Iniciou:------ -h/--------m - Terminou:----------h/--------------m

Modelo 4 – Trabalhadores em saúde reclamados HF/HCPA

1. Segundo sua opinião por que o Hospital HF/HCPA implantou o SO?

2. Como você ficou sabendo que o Hospital HF/HCPA havia criado um SO?

3. Atualmente, quais são os principais problemas que afetam este setor/serviço do Hospital HF/HCPA?

4. Como você foi comunicado de que havia reclamações quanto a sua conduta registradas no SO? (Quem fez o comunicado? como fez? explique).

5.Você considerou pertinentes as reclamações quanto a sua conduta no trabalho?

6. A partir das reclamações e da investigação realizada pelo SO, houve mudanças na sua prática profissional? (Quais? comente).

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7. Quem responde ao SO no caso de reclamações sobre os funcionários deste setor/serviço? (O funcionário? a chefia? exemplifique.)

8. As queixas dos usuários tem ajudado os funcionários deste setor/serviço, no desempenho de seu trabalho? (Como? exemplifique.)

9. Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelo SO?

10. Qual a relação entre o trabalho desenvolvido pelo SO e o trabalho realizado pelo programa da qualidade? (Comente; dê exemplos).

11. Qual a sua avaliação dos resultados, para o Hospital, da implantação do SO? (Quem ganha e o que se ganha com a adoção destas novas formas de gestão?)

12. Quais os benefícios do SO para os funcionários do Hospital HF/HCPA?

13. Os funcionários do Hospital HF/HCPA participam de reuniões ou outras formas de discussão que envolvam decisões sobre as reclamações oriundas do SO? (Quais? comente; explique).

14. E para os usuários, o SO trouxe algum benefício? (Quais; comente; explique).

15. Como você avalia as condições de trabalho neste Hospital?

16.Com você avalia o atendimento prestado ao usuário por este Hospital?

17. Você gostaria de fazer mais alguma observação sobre as respostas formuladas nesta entrevista?

Entrevistador:-------------------------------------------------------- Dia:-------------------------------------------------------------------- Iniciou:-------h/---------m - Terminou:------------h/-------------m

Modelo 5 - Usuários reclamantes HF/HCPA

Dados pessoais: (dados anotados na folha impressa) Nome: Endereço: Fone:

1. Sexo: ( ) m ( ) f 2. Idade:-----------------------anos

3. Profissão: ---------------------------------------------------------------------------

4. O Sr(a), exerce trabalho profissional ? ( ) sim ( ) não

Em caso afirmativo, responda:

5. Onde: --------------------------------------- 6. Função: -----------------------

7. Quantas horas por dia ?-----------------------------------------------------------

8. Carteira assinada? ( ) sim ( ) não

9. Procedência:

( ) 1. Porto Alegre, bairro: ( ) 2. Outro município do RGS: ---------------------------------------------------- ( ) 3. Outro Estado: ------------------------------------------------------------------ ( ) 4. Outro País:----------------------------------------------------------------------

10. Escolaridade:

( ) 1. Não freqüentou escola ( ) 2. Primeiro grau inc. (freqüentou até 1ª, 2ª, 3ª ou 4ª séries ) ( ) 3. Primeiro grau inc. (freqüentou até 5ª, 6ª, 7ª ou 8ª séries) ( ) 4. Primeiro grau completo (concluiu a oitava série) ( ) 5. Segundo grau incompleto ( ) 6. Segundo grau completo ( ) 7. Terceiro grau (ensino superior) incompleto ( ) 8. Terceiro grau completo ( ) 9. Outros. Quais:------------------------------------------------------------------

11. Número de membros da família, além da (o) respondente:----------------

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12. Vive com cônjuge /companheiro ? ( ) sim ( ) não

13. Ocupação do companheiro:-----------------------------------------------------

14. Habitação:

1. Propriedade: ( ) própria ( ) alugada 2. Tamanho: número de peças na casa:-------------------------------------------- 3. Condições: banheiro na casa ? ( ) sim ( ) não

15. Renda média familiar em salários-mínimos (sm)

(não ler as alternativas)

( ) 1. 01 sm ( ) 2. De 02 a 03 sm ( ) 3. De 04 a 06 sm ( ) 4. De 07 a 09 sm ( ) 5. De 10 a 15 sm ( ) 6. De 15 a 20 sm ( ) 7. Mais de 20 sm

16. O Sr(a) procurou os serviços do Hospital HF/HCPA através de:

( ) 1. Sistema Único de Saúde ( ) 2. Convênio ( ) 3. Particular?

Queixa do reclamante: anotação sintética da queixa antes de realizar a entrevista (não ler para ele)

(nas questões abaixo deve o entrevistador marcar o serviço, os trabalhadores citados e o tipo de queixa, descrita pelo entrevistado e anotar seu relato, para depois, comparar com a reclamação registrada)

17. Tipo de reclamação :

18. Serviço ou setor:

19. Área:

Formulário/entrevistado Formulário/entrevistado ( ) ( ) marcação de consultas ( ) ( ) ambulatório ( ) ( ) recepção ( ) ( ) internação ( ) ( ) emergência ( ) ( ) outro? Qual:

20. Trabalhadores reclamados:

Formulário/entrevistado Formulário/entrevistado ( ) ( ) recepcionistas ( ) ( ) segurança ( ) ( ) médicos ( ) ( ) demais funcionários ( ) ( ) equipe de enfermagem ( ) ( ) outros? Quais:

Gravação

21. Faz tempo que o Sr(a) vem ao Hospital HF/HCPA tratar da sua saúde?

22. O Sr(a) registrou uma reclamação no Hospital HF/HCPA. Relate o que lhe aconteceu.

RELATO:

23. Em que setor do Hospital HF/HCPA o Sr(a) registrou sua reclamação?

24. Como o Sr(a)foi encaminhado para o SO, para fazer sua reclamação?

25. Como foi recebido para ser ouvido em suas reclamações?

26. O Sr(a) obteve resposta da reclamação registrada?

27.Como a resposta lhe foi encaminhada e o que dizia?

28. O Sr(a) ficou satisfeito com a resposta de sua reclamação? (Por quê? comente, explique).

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29.O Sr(a) teve oportunidade de voltar ao Hospital depois do atendimento que gerou a reclamação?

30. O Sr(a) notou alguma diferença, no seu atendimento, comparando o atendimento recebido na oportunidade da reclamação e agora?

31. Quais as mudanças no seu atendimento que podem ser relatadas?

32. O Sr(a) sabia que o setor onde foi reclamar é chamado pelo Hospital de SO?

33. O Sr(a) sabe o que significa um SO? (Explique)

34. Segundo sua opinião, quais teriam sido as razões que levaram o Hospital HF/HCPA a criar um SO?

35. Considera importante um SO em um hospital? (Por quê?)

36. Qual a sua avaliação do trabalho realizado pelo SO?

37. Qual a sua avaliação dos benefícios para os usuários, da implantação do SO? (Quais? comente; explique).

38. Quais os benefícios do SO para os funcionários do Hospital HF/HCPA?

39. E para o Hospital, quais seriam os resultados da implantação do SO? (Quem ganha e o que se ganha com a adoção destas novas formas de gestão?)

40. Como avalia seu atendimento no Hospital HF/HCPA?

41.Você tem alguma sugestão para melhorar o atendimento deste hospital?

42. Gostaria de fazer mais alguma observação sobre as respostas formuladas nesta entrevista?

Entrevistador:-------------------------------------------------------- Dia:-------------------------------------------------------------------- Iniciou:------ -h/--------m - Terminou:----------h/--------------m

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ANEXO B - Hospitais de Porto Alegre

QUADRO 1 – Tipos de Hospitais em Porto Alegre - 1999 UNIDADES prestadoras de atendimento pelo SUS TIPO DS

*1 LEITOs NATU

REZA ADMIN.

CONTR EXIST

01. HOSPITAL DE PRONTO SOCORRO DE POA C/ especialidades 008 104 104 1 MUNICIPAL

02. HOSPITAL NOSSA SRª CONCEIÇÃO C/ especialidades 005 1134 1134 12 FEDERAL

03. HOSPITAL FÊMINA S.A C/ especialidades 008 201 201 12 FEDERAL

04. HOSPITAL CRISTO REDENTOR C/ especialidades 005 294 294 12 FEDERAL

05. HOSPITAL DE CLINICAS PORTO ALEGRE C/ especialidades 008 573 624 5 FEDERAL

06. INSTITUTO DE CARDIOLOGIA C/ especialidades 008 149 164 11 PRIVADO

07. HOSPITAL ESC. PRESIDENTE VARGAS C/ especialidades 008 176 176 1 FEDERAL

08. HOSPITAL SANATÓRIO PARTENON Especializado 006 105 105 1 ESTADUAL

09. HOSPITAL SÃO PEDRO Especializado 006 130 130 1 ESTADUAL

10. HOSPITAL SÃO LUCAS DA PUC-RS C/ especialidades 006 321 451 11 PRIVADO

11. HOSPITAL INDEPENDÊNCIA LTDA C/ especialidades 007 105 105 7 PRIVADO

12. HOSPITAL DIVINA PROVIDENCIA Hospital Geral 004 130 162 12 PRIVADO

13. HOSPITAL DA CRIANÇA SANTO ANTÔNIO C/ especialidades 001 266 266 11 PRIVADO

14. HOSPITAL BENEFICÊNCIA PORTUGUESA C/ especialidades 008 40 78 11 PRIVADO

15. HOSPITAL PETRÓPOLIS C/ especialidades 008 90 90 7 PRIVADO

16. HOSPITAL VILA NOVA C/ especialidades 003 172 193 7 PRIVADO

17. ISCMPA POLICLÍNICA SANTA CLARA C/ especialidades 008 817 817 11 PRIVADO

18. ISCMPA HOSPITAL PAV.SÃO JOSÉ C/ especialidades 008 74 74 11 PRIVADO

19. ISCMPA HOSP. PAV. PEREIRA FILHO C/ especialidades 008 65 65 11 PRIVADO

20. HOSPITAL PARQUE BELÉM C/ especialidades 004 198 230 11 PRIVADO

21. HOSPITAL ESPIRITA PORTO ALEGRE Especializado 004 466 566 11 PRIVADO

TOTAL 5610 6029

UNIDADES não prestadoras de atendimento pelo SUS *2

HOSPITAL GERAL DE PORTO ALEGRE

HOSPITAL PENITENCIÁRIO

HOSPITAL IPIRANGA LTDA

HOSPITAL MAIA FILHO LTDA SERVIÇO DE ASSIST. .EDUC. .E READAP. AO MENOR LTDA

HOSPITAL BANCO DE OLHOS DE P.ALEGRE Fonte: SMS - Quantidade de Leitos -Hospitais que atendem SUS em Porto Alegre. *1- DS-Distrito Sanitário *2 Os hospitais listados em separado não prestam mais atendimento SUS. Por isso a Secretaria da Saúde de Porto Alegre não dispõe de dados sobre seu atendimento.

Conceitos de Natureza Jurídica (Ministério da Saúde)

01-Administração Direta da Saúde - Órgãos Governamentais de Saúde, da administração direta, em qualquer esfera administrativa

05-Administração Indireta – Empresa Pública – Instituição dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, Estados ou Municípios, criada por lei para exploração de atividade econômica

07-Empresa – Instituição dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio, para exploração de atividade econômica

11-Entidade Filantrópica – Entidade associativa civil de direito privado, sem fins lucrativos, que desenvolve atividade econômica beneficente de assistência social. Deve possuir o Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, sendo entretanto não obrigatório

12-Economia Mista – Instituição dotada de personalidade jurídica de direito privado, com participação do poder público e de particulares no seu capital e na administração, para a realização de atividades econômicas ou serviços de interesse coletivo outorgado ou delegado pelo Estado

Tipo de Unidade (Ministério da Saúde)

01 - Hospital Geral - Unidade Hospitalar que atenda pacientes nas especialidades básicas (Clínica Médica, Cirúrgica, Gineco-Obstetrícia e Pediatria)

02 - Hospital Especializado - Unidade que atenda em apenas uma especialidade. Este hospital só poderá cadastrar leitos na especialidade referida.

03- Hospital com Especialidade - Unidade que atenda outras especialidades, além das quatro especialidades básicas.

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295

ANEXO C - Hospital Fêmina

TABELA 1-Documentos existentes no Serviço de Ouvidoria do HF-1990-1998 Ano Reclamações de

usuários Reclamações de

funcionários Elogios Outros Total

1990 6 0 0 5 11 1991 40 10 0 20 70 1992 31 2 3 2 38 1993 43 4 6 3 56 1994 40 4 1 3 48 1995 39 3 2 0 44 1996 16 2 1 6 25 1997 29 2 0 4 35 1998 24 5 1 1 31

Total 268 32 14 44 358 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 2- Distribuição das reclamações por área - Hospital Fêmina-1990-1998 Ano 1990-1998 Área Nº de reclamações %

Ambulatório 26 9.0 Emergência 51 18.0 Marcação de Consultas 7 3.0 Recepção 34 12.0 Internação 118 43.0 Outras áreas 42 15.0

Total 278 100.00 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 3- Distribuição das reclamações por área/ano - Hospital Fêmina-1990 a 1998 Ano 1990 1991 1992 1993 1994 Área Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Ambulatório 0 0.0 4 11.0 1 3.0 9 20.0 0 0.0

Emergência 2 33.0 7 19.0 9 28.0 7 16.0 9 23.0 Marcação de Consultas 1 17.0 0 0.0 1 3.0 1 2.0 0 0.0 Recepção 2 33.0 4 11.0 8 24.0 8 18.0 4 10.0 Internação 1 17.0 18 48.0 9 27.0 17 39.0 18 44.0 Outras áreas 0 0.0 4 11.0 5 15.0 2 5.0 9 23.0

Total 6 100.0 37 100.0 33 100.0 44 100.0 40 100.0 Ano 1995 1996 1997 1998 Total Área Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Ambulatório 2 5.0 1 6.0 4 12.0 5 21.0 26 9.0 Emergência 4 10.0 5 28.0 4 12.0 4 17.0 51 18.0 Marcação de Consultas 2 5.0 0 0.0 2 6.0 0 0.0 7 3.0 Recepção 4 10.0 0 0.0 4 12.0 0 0.0 34 12.0 Internação 24 56.0 6 33.0 15 43.0 10 41.0 118 43.0 Outras áreas 6 14.0 6 33.0 5 15.0 5 21.0 42 15.0

Total 42 100.0 18 100.0 34 100.0 24 100.0 278 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

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296

TABELA 4 - Distribuição das reclamações por profissional - Hospital Fêmina-1990-1998 Ano 1990-1998

Profissional Nº de reclamações % Médico 170 67.0 Equipe de Enfermagem 37 14.0 Recepcionista e telefonista 31 12.0 Outros profissionais 17 7.0

Total 255 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 5-Distribuição das reclamações por profissional/ano-Hospital Fêmina-1990 a 1998 Ano 1990 1991 1992 1993 1994

Profissional Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Médico 3 60.0 26 67.0 19 54.0 37 70.0 17 71.0 Equipe de Enfermagem 0 - 6 15.0 6 17.0 5 9.0 3 13.0 Recepcionista e telefonista 2 40.0 5 13.0 7 20.0 9 17.0 2 8.0 Outros profissionais 0 - 2 5.0 3 9.0 2 4.0 2 8.0

Total 5 100.0 39 100.0 35 100.0 53 100.0 24 100.0

Ano 1995 1996 1997 1998 Total-94/98

Profissional Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Médicos 26 67.0 6 67.0 23 72.0 13 68.0 170 67.0 Equipe de Enfermagem 6 15.0 3 33.0 5 16.0 3 16.0 37 14.0 Recepcionista e telefonista 2 5.0 0 - 4 12.0 0 - 31 12.0 Outros profissionais 5 13.0 0 - 0 - 3 16.0 17 7.0

Total 39 100.0 9 100.0 32 100.0 19 100.0 255 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 6-Tipo de reclamação por estrutura e área do Hospital Fêmina-1990-1998 Estrutura/Área Amb Emerg Marc

Cons Recep Intern Outras

áreas Total %

Espera/cons. e recons. 2 2 4 1 0 0 9 25.0

Espera/baixa 0 3 0 0 0 1 4 11.0

Espera/exames 0 0 0 0 0 7 7 19.0

Encaminhamento outro hospital 1 1 0 0 2 1 5 14.0

Capacidade operacional 0 0 1 0 1 3 5 14.0

Não atendimento 1 0 1 0 0 0 2 6.0

Outros 1 1 0 0 0 2 4 11.0

Total 5 7 6 1 3 14 36 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 7-Tipo de reclamação por estrutura e profissional do Hospital Fêmina–1990-1998 Estrutura/Profissional Médico Equipe de

Enfermag Recepc Telefon Outros

Profis Total %

Espera/cons. e recons. 3 0 1 1 0 5 29.0

Espera/baixa 1 0 0 0 0 1 6.0

Espera/exames 1 0 0 0 0 1 6.0

Encaminhamento outro hospital 2 3 2 0 0 7 41.0

Capacidade operacional 2 0 0 0 0 2 12.0

Não atendimento 1 0 0 0 0 1 6.0

Outros 0 0 0 0 0 0 0.0

Total 10 3 3 1 0 17 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

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297

TABELA 8-Tipo de reclamação por estrutura, área e profissional do Hospital Fêmina-1990-1998

Estrutura área % profissional % Espera/cons. e recons. 9 25.0 5 29.0 Espera/baixa 4 11.0 1 6.0

Espera/exames 7 19.0 1 6.0 Encaminhamento outro hospital 5 14.0 7 41.0 Capacidade operacional 5 14.0 2 12.0 Não atendimento 2 6.0 1 6.0 Outros 4 11.0 0 0.0

Total 36 100.0 17 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 9-Tipo de reclamação por funcionamento e área do Hospital Fêmina-1990-1998

Funcionamento/Área Amb Emerg Marc Cons

Recep Intern Outras áreas

Total %

Falhas/comunicação 3 2 0 16 31 7 59 20.0 Falhas /relacionamento humano 12 21 1 15 37 0 86 30.0 Falhas/ procedimentos técnicos 11 27 0 4 71 20 133 46.0 Falhas/ presteza do serviço 2 1 0 1 4 4 12 4.0 Outros 0 0 0 0 0 1 1 0.0

Total 28 51 1 36 143 32 291 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 10-Tipo de reclamação por funcionamento e profissional do Hospital Fêmina-1990-1998

Funcionamento/Profissional Médico Equipe de Enfermag

Recepc Telefon Outros Profis

Total %

Falhas/ comunicação 38 6 16 4 1 65 20.0

Falhas/relacionamento humano 61 26 11 1 9 108 33.0

Falhas/procedimentos técnicos 110 17 5 0 8 140 42.0

Falhas/presteza do serviço 8 0 2 1 0 11 3.0

Outros 6 0 0 0 0 6 2.0

Total 223 49 34 6 18 330 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 11-Tipo de reclamação por funcionamento, área e profissional do Hospital Fêmina-1990-1998

Funcionamento área % profissional % Falhas de comunicação 59 20.0 65 20.0 Falhas de relacionamento humano 86 30.0 108 33.0 Falhas nos procedimentos técnicos 133 46.0 140 42.0 Falhas na presteza do serviço 12 4.0 11 3.0 Outros 1 0.0 6 2.0

Total 291 100.0.0 330 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

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298

TABELA 12-Distribuição das reclamações pelas áreas médica, técnica e administrativa do Hospital Fêmina-1990-1998

Áreas do Hospital Nº de reclamações % Área Médica 170 67.0 Área Técnica 37 15.0

Área Administrativa 31 11.0 Outras áreas 17 7.0

Total 255 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 13-Distribuição das reclamações pelo tipo de usuário reclamante do Hospital Fêmina -1990-1998

Ano 1990-1998 Reclamante Nº de reclamações %

Usuário 139 51.0 Familiar 122 46.0 Outros: amigos, acompanhantes 5 2.0 Não Identificado 2 1.0

Total 268 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 14-Distribuição das reclamações por sexo do usário reclamante do Hospital Fêmina -1990-1998

Ano 1990-1998 Sexo do reclamante Nº de reclamações %

Masculino 86 32.0 Feminino 173 65.0 Duas pessoas (F e M) 3 1.0

Não identificado 6 2.0

Total 268 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 15- Procedência do reclamante do Hospital Fêmina-1990-1998 Ano 1990-1998

Procedência do reclamante Nº de reclamações % Porto Alegre 150 56.0 Grande Porto Alegre 89 33.0 Interior Rio Grande do Sul 6 2.0 Outros Estados 0 0.0 Não Identificado 23 9.0

Total 268 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 16-Resposta Institucional ao reclamante do Hospital Fêmina-1990-1998 Ano 1990-1998

Respostas Total % Com justificativa do setor/serviço 221 83.0 Sem justificativa do setor/serviço 47 17.0

Total 268 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

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299

TABELA 17- Procedimento Institucional: encaminhamento interno das reclamações pelo serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina-1990-1998

Ano Total 1990-1998

SO encaminha para Nº de reclamações % Chefia 219 82.0 Profissional 23 9.0 Chefia e Profissional 17 6.0 Arquivamento 0 0.0 Sem registro do encaminhamento 9 3.0

Total 268 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 18-Procedimento Institucional: encaminhamento interno das reclamações pelo serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina-ano a ano-1990-1998

Ano 1990 1991 1992 1993 1994 SO encaminha para Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Chefia 3 50.0 34 85.0 26 85.0 39 91.0 30 75.0 Profissional 2 33.0 0 - 2 6.0 0 - 10 25.0 Chefia e Profissional 1 17.0 6 15.0 2 6.0 4 9.0 0 - Arquivamento 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - Sem registro do encaminhamento

0 - 0 0.0 1 3.0 0 - 0 -

Total 6 100.0 40 100.0 31 100.0 43 100.0 40 100.0 Ano 1995 1996 1997 1998 Total

SO encaminha para Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Chefia 34 87.0 14 88.0 24 84.0 15 62.0 219 82.0 Profissional 4 10.0 1 6.0 3 10.0 1 4.0 23 9.0 Chefia e Profissional 0 - 0 - 1 3.0 3 13.0 17 6.0 Arquivamento 0 - 0 - 0 - - - 0 0.0 Sem registro do encaminhamento

1 3.0 1 6.0 1 3.0 5 21.0 9 3.0

Total 39 100.0 16 100.0 29 100.0 24 100.0 268 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do HF, 1998

TABELA 19-Procedimento Institucional: resposta das chefias e profissionais ao encaminhamento do serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina-1990-1998

Ano Total 1990-1998

Quem responde ao SO Nº de reclamações % Chefia 176 66.0 Profissional 19 7.0 Chefia e Profissional 26 10.0

Total com resposta 221 83.0 Arquivamento 0 0.0 Sem registro do encaminhamento 9 3.0 Sem resposta ao SO 38 14.0

Total sem resposta 47 17.0 Total 268 100.0

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

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TABELA 20-Procedimento Institucional: resposta das chefias e profissionais ao encaminhamento do serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina-ano a ano-1990-1998

Ano 1990 1991 1992 1993 1994 Quem responde Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Chefia 3 50.0 30 74.0 19 62.0 29 67.0 24 59.0

Profissional 2 33.0 0 0.0 2 6.0 1 2.0 9 23.0 Chefia e Profissional 1 17.0 9 23.0 3 10.0 5 12.0 3 8.0

Total com resposta 6 100.0 39 97.0 24 78.0 35 81.0 36 90.0 Arquivamento 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - Sem registro do enc. 0 - 0 - 1 3.0 0 - 0 - Sem resposta ao SO 0 - 1 3.0 6 19.0 8 19.0 4 10.0

Total sem resposta 0 - 1 3.0 7 22.0 8 19.0 4 10.0 Total 6 100.0 40 100.0 31 100.0 43 100.0 40 100.0

Ano 1995 1996 1997 1998 Total Quem responde Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Chefia 26 66.0 10 63.0 21 73.0 14 58.0 176 66.0 Profissional 3 8.0 0 - 1 3.0 1 4.0 19 7.0 Chefia e Profissional 1 3.0 0 - 1 3.0 3 13.0 26 10.0

Total com resposta 30 77.0 10 63.0 23 79.0 18 75.0 221 83.0 Arquivamento 0 - 0 - 0 - 0 - 0 0.0 Sem registro do enc. 1 3.0 1 6.0 1 3.0 5 21.0 9 3.0

Sem resposta ao SO 8 20.0 5 31.0 5 18.0 1 4.0 38 14.0

Total sem resposta 9 23.0 6 37.0 6 21.0 6 25.0 47 17.0 Total 39 100.0 16 100.0 29 100.0 24 100.0 268 100.0

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 21-Procedimento Institucional: tempo de resposta das chefias e profissionais ao serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina-1995-1998

Tempo de resposta ao SO

1995-1998

Chefias - nº SO - nº Total % Resolvido na hora 4 11 15 14.0 1-15 dias 32 0 32 29.0 16-30 dias 9 0 9 8.0 + de 30 dias 2 3 5 5.0 Sem registro da data 15 5 20 19.0

Total c/resposta 62 19 81 75.0 Arq. e s/reg. do enc. - 8 8 7.0 Sem resposta ao SO 19 19 18.0

Total s/resposta 27 27 25.0 Total 108 108 100.0

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

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301

TABELA 22-Procedimento Institucional: tempo de resposta das chefias e profissionais ao serviço de ouvidoria do Hospital Fêmina-ano a ano-1995 a 1998

Ano 1995 1996 1997 Tempo de resposta

ao SO Nº % Nº % Nº %

Chef SO Total Chef SO Total Chef SO Total Resolvido na hora 1 6 18.0 1 6.0 1 3 14.0 1-15 dias 14 - 36.0 3 19.0 7 24.0 16-30 dias 2 - 5.0 2 13.0 5 17.0 + de 30 dias - - - 1 6.0 - 0.0 Sem registro da data 5 2 18.0 2 1 19.0 7 24.0

Total c/resposta 30 77.0 10 63.0 23 79.0 Arq. e s/reg. do enc. 1 3.0 1 6.0 1 4.0 Sem resposta ao SO 8 20.0 5 31.0 5 17.0

Total s/resposta 9 23.0 6 37.0 6 21.0 Total 39 100.0 16 100.0 29 100.0

Ano 1998 1995-1998

Tempo de resposta ao SO

Nº % Nº Total Chef SO Total Chef SO Nº %

Resolvido na hora 2 1 13.0 4 11 15 14.0 1-15 dias 8 - 32.0 32 0 32 29.0 16-30 dias 0 - 0.0 9 0 9 8.0 + de 30 dias 1 3 17.0 2 3 5 5.0 Sem registro da data 1 2 13.0 15 5 20 19.0

Total c/resposta 18 75.0 81 81 75.0 Arq. e s/reg. do enc. - 5 21.0 - 8 8 7.0 Sem resposta ao SO 1 - 4.0 19 19 18.0

Total s/resposta 6 25.0 27 27 25.0 Total 24 100.0 108 108 100.0

Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

TABELA 23-Qualidade das respostas ao Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina-1995 a 1997

Qualidade das respostas ao SO 1995-1997 % Justificativa 38 74.0 Identificação e justificativa 8 16.0 Advertência 4 8.0 Revisão ou reavaliação das normas de rotina 1 2.0

Total 51 100.0 Fonte: Serviço de Ouvidoria do Hospital Fêmina, 1998.

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ANEXO D - Hospital de Clínicas de Porto Alegre

QUADRO1- Especialidades de atendimento do Hospital de Clínicas de PA-1999 Anestesiologia Gastroenterologia Pediátrica Ortopedia e Traumatologia Cardiologia Genética Médica Otorrinolaringologia Cirurgia Cardiotorácica Ginecologia/ Obstetrícia Patologia

Cirurgia Gastroenterológica Hematologia Clínica Patologia Clínica Cirurgia Geral Hemoterapia / Banco de Sangue Pediatria Cirurgia Oncológica Imunologia e Alergia Pneumologia Cirurgia Pediátrica Mastologia Pneumologia Pediátrica Cirurgia Plástica Medicina Interna Psicologia Cirurgia Vascular Medicina Nuclear Psiquiatria Citopatologia Medicina Ocupacional Psiquiatria Infantil Clínica para Adolescentes Nefrologia Quimioterapia Colo-proctologia Nefrologia Pediátrica Radiologia Dermatologia Neonatologia Recreação Terapêutica Emergência Neurologia Reumatologia Endocrinologia Neurologia Pediátrica Serviço Social Enfermagem em Saúde Pública Nutrição Sexologia Epidemiologia Clínica Odontologia Terapia Intensiva Farmacologia Clínica Oftalmologia Tratamento da Dor Fisiatria e Reabilitação Oncologia Urologia

Gastroenterologia Oncologia Pediátrica Fonte: HCPA-Relatórios de gestão, 1997 e 1998.

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QUADRO 2-Formulário de Reclamações do HCPA

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TABELA 1-Documentos existentes no GPE do HCPA-1994-1998 Ano Reclamações de

usuários Elogios Total

1994 251 2 253

1995 249 3 252 1996 119 1 120 1997 110 1 111 1998 120 - 120

Total 849 7 856 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 2- Distribuição das reclamações por área - HCPA-1994-1998

Ano 1994-1998

Área Nº de reclamações % Ambulatório 319 36.0 Emergência 88 10.0 Marcação de Consultas 252 29.0 Recepção 42 5.0 Internação 69 8.0 Outras áreas 111 12.0

Total 881 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 3-Distribuição das reclamações por área/ano - HCPA-1994 a 1998

Ano 1994 1995 1996 1997 1998 Total Área Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Ambulatório 57 20.0 87 34.0 48 39.0 63 55.0 64 56.0 319 36.0

Emergência 27 10.0 29 12.0 11 9.0 10 9.0 11 9.0 88 10.0

Marc. de Consultas

148 53.0 73 29.0 24 20.0 3 3.0 4 3.0 252 29.0

Recepção 6 2.0 7 3.0 13 11.0 4 4.0 12 10.0 42 5.0

Internação 14 5.0 25 10.0 9 7.0 8 7.0 13 11.0 69 8.0

Outras áreas 27 10.0 29 12.0 17 14.0 25 22.0 13 11.0 111 12.0

Total 279 100.0 250 100.0 122 100.0 113 100.0 117 100.0 881 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 4-Distribuição das reclamações por profissional - HCPA -1994-1998 Ano 1994-1998

Profissional Nº de reclamações % Médico 325 49.0 Equipe de Enfermagem 48 7.0

Recepcionista 147 22.0 Telefonista 35 5.0 Secretários e Administrativos 96 14.0 Outros profissionais 20 3.0

Total 671 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

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TABELA 5 - Distribuição das reclamações por profissional/ano - HCPA -1994-1998 Ano 1994 1995 1996 1997 1998 Total

Profissional Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Médico 69 39.0 114 60.0 46 47.0 55 53.0 41 39.0 325 49.0

Eq. de Enfermag. 6 4.0 10 6.0 8 8.0 16 16.0 8 7.0 48 7.0

Recepcionista 32 18.0 39 21.0 29 29.0 18 18.0 29 27.0 147 22.0

Telefonista 19 11.0 7 4.0 8 8.0 0 0.0 1 1.0 35 5.0

Secretários e Administrativos

45 26.0 14 7.0 7 7.0 12 12.0 18 17.0 96 14.0

Outros profissionais 4 2.0 4 2.0 1 1.0 1 1.0 10 9.0 20 3.0

Total 175 100.0 188 100.0 99 100.0 102 100.0 107 100.0 671 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 6-Tipo de reclamação por estrutura e área do HCPA-1994-1998 Estrutura/Área Amb Emerg Marc

Cons Recep Intern Outras

áreas Total %

Espera/cons. e recons. 31 3 195 5 1 10 245 64.0 Espera/baixa 1 3 1 0 14 5 24 6.0 Espera/exames 16 1 2 0 3 9 31 8.0 Encaminhamento outro hospital

1 4 0 0 0 2 7 2.0

Capacidade operacional 5 0 1 0 0 4 10 3.0 Não atendimento 31 4 4 3 1 1 44 11.0 Outros 7 7 0 0 4 4 22 6.0

Total 92 22 203 8 23 35 383 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 7-Tipo de reclamação por estrutura e profissional do HCPA-1994-1998 Estrutura/Profissional Médico Eq. de

Enfermag Recepc Telefon Secret. e

Administ. Outros Profis

Total %

Espera/cons. e recons. 24 2 20 25 33 1 105 50.0

Espera/baixa 7 0 1 1 8 0 17 8.0

Espera/exames 18 0 0 0 3 2 23 11.0

Encam. outro hospital 2 1 0 0 0 0 3 1.0

Capacidade operacional 4 0 3 0 0 0 7 3.0

Não atendimento 26 0 11 0 3 1 41 19.0

Outros 9 2 2 0 1 2 16 8.0

Total 90 5 37 26 48 6 212 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 8- Tipo de reclamação por estrutura, área e profissional do HCPA -1994-1998 Estrutura área % profissional %

Espera/cons. e recons. 245 64.0 105 50.0 Espera/baixa 24 6.0 17 8.0 Espera/exames 31 8.0 23 11.0 Encaminhamento outro hospital 7 2.0 3 1.0 Capacidade operacional 10 3.0 7 3.0 Não atendimento 44 11.0 41 19.0 Outros 22 6.0 16 8.0

Total 383 100.0 212 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

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TABELA 9-Tipo de reclamação por funcionamento e área do HCPA -1994-1998 Funcionamento/Área Amb Emerg Marc

Cons Recep Intern Outras

áreas Total %

Falhas/comunicação 44 11 8 8 7 11 89 14.0

Falhas /relacionamento humano 82 24 8 21 11 24 170 26.0

Falhas/ procedimentos técnicos 95 31 10 6 30 30 202 32.0

Falhas/ presteza do serviço 81 25 19 3 16 28 172 27.0

Outros 2 2 0 0 2 1 7 1.0

Total 304 93 45 38 66 94 640 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 10-Tipo de reclamação por funcionamento e profissional do HCPA -1994-1998 Funcionamento/Profissional Médico Eq. de

Enferm. Recepc Telefon. Secret. e

Administ Outros Profis

Total %

Falhas/ comunicação 41 6 20 4 9 2 82 13.0

Falhas/relacionamento humano 68 18 63 3 18 6 176 29.0

Falhas/procedimentos técnicos 123 19 23 0 14 6 185 30.0

Falhas/presteza do serviço 90 15 38 2 15 2 162 27.0

Outros 5 3 1 0 0 0 9 1.0

Total 327 61 145 9 56 16 614 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 11-Tipo de reclamação por funcionamento, área e profissional do HCPA -1994-1998

Funcionamento área % profissional % Falhas de comunicação 89 14.0 82 13.0 Falhas de relacionamento humano 170 26.0 176 29.0 Falhas nos procedimentos técnicos 202 32.0 185 30.0 Falhas na presteza do serviço 172 27.0 162 27.0 Outros 7 1.0 9 1.0

Total 640 100.0 614 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 12-Distribuição das reclamações pelas áreas médica, técnica e administrativa do HCPA -1994-1998 Áreas do Hospital Nº de reclamações % Área Médica 325 49.0 Área Técnica 48 7.0 Área Administrativa 278 41.0

Outras áreas 20 3.0

Total 671 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

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TABELA 13-Distribuição das reclamações pelo tipo de usuário reclamante do HCPA-1994-1998

Ano 1994-1998 Reclamante Nº de reclamações %

Usuário 422 49.0

Familiar 373 44.0 Outros: amigos, acompanhantes 22 3.0 Não Identificado 32 4.0

Total 849 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 14-Distribuição das reclamações por sexo do usuário reclamante do HCPA-1994-1998

Ano 1994-1998 Sexo do reclamante Nº de reclamações %

Masculino 276 32.0 Feminino 540 64.0 Duas pessoas (F e M) 8 1.0 Não identificado 25 3.0

Total 849 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 15- Procedência do reclamante do HCPA-1994-1998 Ano 1994-1998

Procedência do reclamante Nº de reclamações % Porto Alegre 526 62.0 Grande Porto Alegre 188 22.0 Interior Rio Grande do Sul 79 9.0 Outros Estados 6 1.0 Não Identificado 50 6.0

Total 849 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 16-Resposta Institucional ao reclamante do HCPA – 1994-1997 Ano 1998-1994

Respostas Total % Com justificativa do setor/serviço 360 42.0 Sem justificativa do setor/serviço 489 58.0

Total 849 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

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TABELA 17-Procedimento Institucional: encaminhamento interno das reclamações pelo sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas-1994-1998

Ano Total 1994-1998

SO encaminha para Nº % Chefia 746 88.0 Profissional 9 1.0 Chefia e Profissional 1 0.0 Arquivamento 55 6.5 Sem registro do encaminhamento 38 4.5

Total 849 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 18-Procedimento Institucional: encaminhamento interno das reclamações pelo sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas-ano a ano-1994-1998

Ano 1994 1995 1996 1997 1998 Total SO encaminha para Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Chefia 191 76.0 228 91.0 107 90.0 107 97.0 113 94.0 746 88.0

Profissional 4 2.0 4 2.0 0 0.0 0 0.0 1 1.0 9 1.0

Chefia e Profissional 0 0.0 0 0.0 1 1.0 0 0.0 0 0.0 1 0.0

Arquivamento 51 20.0 3 1.0 0 0.0 1 1.0 0 0.0 55 6.5

Sem registro do enc. 5 2.0 14 6.0 11 9.0 2 2.0 6 5.0 38 4.5

Total 251 100.0 249 100.0 119 100.0 110 100.0 120 100.0 849 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 19-Procedimento Institucional: resposta das chefias e profissionais ao encaminhamento do sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas-1994-1998

Ano Total 1994-1998

Quem responde Nº de reclamações % Chefia 303 36.0 Profissional 5 0.0 Chefia e Profissional 52 6.0

Total com resposta 360 42.0 Arquivamento 55 6.5 Sem registro do encaminhamento 38 4.5 Sem resposta ao SO 396 47.0

Total sem resposta 489 58.0 Total 849 100.0

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

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TABELA 20-Procedimento Institucional: resposta das chefias e profissionais ao encaminhamento do sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas-ano a ano-1994-1998

Ano 1994 1995 1996 1997 1998 Total Quem responde Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Chefia 106 43.0 77 31.0 42 35.0 25 23.0 53 43.0 303 36.0

Profissional 1 0.0 2 1.0 1 1.0 0 0.0 1 1.0 5 0.0

Chefia e Profissional 5 2.0 11 5.0 7 5.0 20 18.0 9 8.0 52 6.0

Total com resposta 112 45.0 91 37.0 49 41.0 45 41.0 63 52.0 360 42.0 Arquivamento 51 20.0 3 1.0 0 0.0 1 1.0 0 0.0 55 6.5

Sem registro do enc. 5 2.0 14 6.0 11 9.0 2 2.0 6 5.0 38 4.5

Sem resposta ao SO 83 33.0 141 56.0 59 50.0 62 56.0 51 43.0 396 47.0

Total sem resposta 139 55.0 158 63.0 70 59.0 65 59.0 57 48.0 489 58.0 Total 251 100.0 249 100.0 119 100.0 110 100.0 120 100.0 849 100.0

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 21 - Procedimento Institucional: tempo de resposta das chefias e profissionais ao sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas-1994-1998

Tempo de resposta ao SO

1994-1998

Chefias - nº SO - nº Total % Resolvido na hora 4 27 31 4.0 1-15 dias 155 36 191 22.0 16-30 dias 39 3 42 5.0 + de 30 dias 17 1 18 2.0 Sem registro da data 58 20 78 9.0

Total c/resposta 273 87 360 42.0 Arq. e s/reg. do enc. - 93 93 11.0 Sem resposta ao SO 396 396 47.0

Total s/em resposta 489 489 58.0 Total 849 849 100.0

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

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TABELA 22 - Procedimento Institucional: tempo de resposta das chefias e profissionais ao sistema de ouvidoria do Hospital de Clínicas- ano a ano -1994-1998

Ano 1994 1995 1996 Tempo de resposta

ao SO Nº % Nº % Nº %

Chef SO Total Chef SO Total Chef SO Total Resolvido na hora 2 17 8.0 1 8 4.0 - 2 2.0 1-15 dias 32 32 25.0 46 4 20.0 19 - 16.0 16-30 dias 9 0 4.0 10 3 5.0 3 - 3.0 + de 30 dias 3 0 1.0 2 1 1.0 5 - 4.0 Sem registro da data 15 2 7.0 8 8 7.0 12 8 16.0

Total c/resposta 112 45.0 91 37.0 49 41.0 Arq. e s/reg. do enc. - 56 22.0 0 17 7.0 - 11 9.0 Sem resposta ao SO 83 - 33.0 141 - 57.0 59 - 50.0

Total s/resposta 139 55.0 158 63.0 70 59.0 Total 251 100.0 249 100.0 119 100.0

Ano 1997 1998 1994-1998 Tempo de resposta

ao SO Nº % Nº % Nº Total

Chef SO Total Chef SO Total Chef SO Nº % Resolvido na hora - - - 1 - 1.0 4 27 31 4.0

1-15 dias 24 - 22.0 34 - 28.0 155 36 191 22.0 16-30 dias 5 - 4.0 12 - 10.0 39 3 42 5.0 + de 30 dias 4 - 4.0 3 - 2.0 17 1 18 2.0 Sem registro da data 12 - 11.0 11 2 11.0 58 20 78 9.0

Total c/resposta 45 41.0 63 52.0 360 360 42.0 Arq. e s/reg. do enc. - 3 3.0 - 6 5.0 - 93 93 11.0 Sem resposta ao SO 62 - 56.0 51 - 43.0 396 - 396 47.0

Total s/resposta 65 59.0 57 48.0 489 489 58.0 Total 110 100.0 120 100.0 849 849 100.0

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

TABELA 23 – Qualidade das respostas ao Sistema de Ouvidoria do Hospital de Clínicas - 1998

Qualidade das respostas ao SO 1998 % Justificativa 52 82.5 Identificação e justificativa 8 13.0 Advertência 2 3.0 Revisão ou reavaliação das normas de rotina 1 1.5

Total 63 100.0 Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

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TABELA 24 - Especialidades reclamadas no Hospital de Clínicas -1994-1998 Especialidades Total de

Reclamações Especialidades Total de

Reclamações Ginecologia e Obstetrícia 86 Centro de Cirurgia Ambulatorial-CCA 5

Oftalmologia 85 Serviços Gerais 5 Neurologia 40 Limpeza e Higienização 5 Pediatria 33 Cirurgia Pediátrica 4 Psiquiatria 32 Oncologia 4 Otorrinolaringologia. 31 Neurologia Pediátrica 3 Medicina Interna 29 Nutrição 3 Reumatologia 26 Tratamento da Dor 3 Patologia Clínica (laboratório) 25 Marcação de Consultas 3

Ortopedia e Traumatologia 23 Grupo de Apoio Operacional 3 Fisiatria e Reabilitação 22 Mastologia 2 Urologia 21 Nefrologia 2 Endocrinologia 20 Patologia 2 Cardiologia 17 Psicologia 2 Gastroenterologia 16 Psiquiatria Infantil 2 Enferm. em Saúde Pública 13 Serviço Social 2 Radiologia 13 Cirurgia Cardiotorácica 1 Cirurgia Geral 11 Colo-proctologia 1 Cirurgia Vascular 10 Gastroenterologia Pediátrica 1 Ambulatório 10 Hematologia Clínica 1 Cirurgia Plástica 9 Medicina Nuclear 1 Pneumologia 8 Medicina Ocupacional 1 Hemoterapia/Banco de Sangue 5 Odontologia 1 Recepção 5 Vice Presidência Médica-VPM 1 Internação/CTI 5

Fonte: Grupo de Pacientes Externos do HCPA, 1998.

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ANEXO E - Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre

Tabela 1- Identificação dos casos registrados pela secretaria executiva do CMS durante o ano de 1998

Tipo de reclamação

Nº de reclamações

CMCE - demora e problemas na marcação 83 Solicitação/Encaminhamentos/Orientações 73 Reclamação do atendimento nas unidades municipalizadas 67

Solicitação de leitos 49 Mau atendimento nos serviços credenciados 42 Denúncias registradas à parte 35 Reclamação do atendimento nas unidades de origem municipal 25 Falta de medicamentos - especial 22 Ações de vigilância em saúde 20 Reclamação do atendimento nos PAM’s: IAPI, Santa Maria, Psiquiatria, Malcon, Comerciários

17

PSF’s 15 Caso social 14 Tabela do SUS 13 Remoção/transporte social 11 Falta RH na rede 10 Informação sobre o papel do CMS 10 Indícios de cobrança indevida nos serviços credenciados 05 Falta de medicamentos - básico 05 Horários dos profissionais médicos 03 Outros 40

Total 559 Fonte: Conselho Municipal de Saúde, Secretaria da Saúde de Porto Alegre, 1998. CMCE-Central de Marcação de Consultas e Exames Especializados. PAM’s- São as unidades ou centros de saúde, com atendimento Ambulatorial Especializado. IAPI- Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários. O centro de saúde ficou assim denominado devido ao bairro, IAPI, em que foi instalado. PSF’s- Programa de Saúde de Família RH-Recursos Humanos. CMS-Conselho Municipal de Saúde. SUS-Sistema Único de Saúde.

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Referências Bibliográficas

ABEL-SMITH, Brian. An introduction to health: policy, planning and financing. London, Longman, 1994. p. 3-18: Introdução.

AMARAL FILHO, Marcos Jordão T. do. O Ombudsman e o controle da administração. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1993. 302 p.

ARNSTEIN, Sherry R. A ladder of citizen participation. Journal of American Institute Planners, Chicago, v. 35, n. 3, p. 216-224. 1969.

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AUGUSTO, Maria Helena O., COSTA, Olavo V. A saúde como direito social: algumas questões. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 4, p. 113-118, 1993. Número Especial.

BACH, Fabíola. Hospitais lotados. Ineficiência dos postos castiga emergências. Zero Hora, Porto Alegre, 19 mar. 1999. p. 17.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70, 1979. 229 p.

BARROS, Elizabeth. Política de saúde: a complexa tarefa de enxergar mudanças onde tudo parece permanência. Texto apresentado no 1º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais em Saúde. Curitiba, nov. 1995.

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ZYLBERSZTEJN, Jacó. Correspondência ao Dr. Antônio Guilherme Rescoe Ferreira, do Hospital Municipal Odilon Behrens de Belo Horizonte. Responde à solicitação de informações sobre o serviço de ouvidoria recém implantado no Fêmina. Porto Alegre, 1º julho, 1991.