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i VINÍCIUS DE CAMARGO BARROS O USO DO TAMBORIM POR MESTRE MARÇAL: LEGADO E ESTUDO INTERPRETATIVO CAMPINAS 2015

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VINÍCIUS DE CAMARGO BARROS

O USO DO TAMBORIM POR MESTRE MARÇAL:

LEGADO E ESTUDO INTERPRETATIVO

CAMPINAS

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Artes

VINÍCIUS DE CAMARGO BARROS

O USO DO TAMBORIM POR MESTRE MARÇAL:

LEGADO E ESTUDO INTERPRETATIVO

Dissertação de Mestrado apresentada a Pós-­Graduação do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Música. Área de concentração: Música: Teoria, Criação e Prática.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Augusto de Almeida Hashimoto

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO VINÍCIUS DE CAMARGO BARROS, E ORIENTADO PELO PROF. DR. FERNANDO AUGUSTO DE ALMEIDA HASHIMOTO. ASSINATURA DO ORIENTADOR ______________________________

CAMPINAS

2015

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Para Léia, Guilherme e Fernando com carinho.

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Agradecimentos Aos meus pais, Márcio e Marite, e meus irmãos, Murilo e Felipe, pelo apoio irrestrito sempre. Ao orientador Prof. Dr. Fernando Hashimoto pela confiança e pelas preciosas intervenções. Aos professores que integraram as bancas de qualificação, recital e defesa do mestrado, José Alexandre Carvalho, Budi Garcia, Leandro Barsalini e Carlos Stasi. A família Marçal (Armando e Niltinho). Aos amigos Rodrigo Morte, Guilherme Marques, Guca Domenico, Rodrigo Marinonio, Leandro Lui, Rogério Boccato, Deni Domenico, Nelton Essi, Rodolfo Arilho, Osvaldo Bigaram, Vana Gierig, Antonio de Almeida (Toniquinho) e Glaúcia Vidal que estiveram presentes desde o principio do me ajudando com o projeto. Aos meus professores Rui Carvalho (meu primeiro incentivador), Eduardo Gianesella, Luis Caldana, Luiz Guello (pela sugestão do tema), John Boudler, Carlos Stasi, Alberto Ikeda e Gersinho da Banda. A todos que gentilmente, sem medir esforços se dispuseram a participar com inúmeras contribuições, Barão do Pandeiro, Beto Cazes, Oscar Bolão, Paulinho Bicolor, Vitor Pessoa, Sérgio Barba, Danilo Moura, Teco Martins, Lua Lafaiette, Hélio Cunha. Mário Séve, Profa Liliana Bollos, Camila Bonfim, Fábio Prado, João Mauricio Galindo e Sérgio Freddi. A todos os entrevistados que muito contribuíram para essa pesquisa, especialmente Marcos Alcides da Silva (Esguleba) que nos apoiou e ajudou com as entrevistas e ensinamentos. A Contemporânea e seu diretor Roberto Guariglia. Carlo Careqa que nos introduziu a Chico Buarque, bem como Vinicius França, Mário Canivello pelos esforços em fazer essa intermediação.

, que se dispôs a entrar na fase final para ajudar com as entrevistas realizadas com Caetano Veloso e Chico Buarque. Aos amigos e companheiros de mestrado, Paola Albano, Nath Calan, Igor Brasil. Aos amigos e músicos excepcionais participantes desde sempre que enriqueceram meu sonho, Daniel Allain, Gabriela Machado, Rubinho Antunes, Fernando Corrêa, Sidnei Borgani, Marinho Andreotti, Wesley Vasconcellos, Luiz Guello, Danilo Moura, Nelton Essi, Deni Domenico e Leandro Lui.

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E ao Prof. Dr. Fábio Oliveira, amigo e conselheiro que muito me ajudou. Obrigado a todos que participaram direta ou indiretamente para finalização do trabalho.

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RESUMO

A presente dissertação investiga a atuação do músico Nilton Delfino Marçal (Mestre Marçal), tendo como enfoque sua performance como ritmista. Apesar da atuação de Mestre Marçal em vários instrumentos de percussão, essa pesquisa é delimitada somente a sua execução ao tamborim. O período que engloba essa pesquisa se encontra entre os anos de 1963 e o final da década de 1980. São discutidos alguns procedimentos musicais adotados pelo músico de forma recorrente, a serem tomados como aspectos distintivos em sua performance e, portanto, vistos como traços característicos de seu estilo. O cruzamento de dados provenientes de transcrições e análises musicais com dados oriundos da história oral, que compõe a base para esta discussão, tem por objetivo responder a hipótese central deste trabalho, que considera Mestre Marçal um dos principais pontos de contato entre duas gerações, uma relacionada com seu pai Armando Marçal e Bide, ambos da Turma do Estácio, e a outra relacionada posteriormente com a Turma do Cacique de Ramos.

Palavras-­chave: Mestre Marçal;; tamborim;; percussão brasileira;; estudo interpretativo;; performance.

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ABSTRACT

This dissertation deals with the musician Nilton Delfino Marçal (Mestre Marçal) with emphasis on his performances as percussionist. In spite of Mestre Marçal having a great career playing all kinds of Brazilian percussion instruments, this research is focused on his work with the tamborim. The period in which this research encompasses goes from

will be discussed and taken as a distinctive aspect of his performance and seen as characteristic of his style. The crossing of data provided by transcriptions and musical analyses with data collected through oral history serve as basis for this discussion. The main objective is to respond to the central hypothesis of this research, which considers Mestre Marçal to be one of the main links between two generations, one that includes his father, Armando Marçal and Bide, both from the Turma do Estácio, and the later one from the Turma do Cacique de Ramos.

Keywords: Mestre Marçal;; tamborim;; Brazilian percussion;; interpretative study;; performance.

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Lista de Ilustrações

Figura 1: Repique de anel. .................................................................................................................................. 7 Figura 2: Repique de mão. .................................................................................................................................. 7 Figura 3: Frase de tamborim em Making Memories, de Vana Gierig. ............................................................... 8 Figura 4: Capa do LP Batucada Fantástica, de Luciano Perrone. ..................................................................... 17 Figura 5: Capa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz. ........................................................................... 18 Figura 6: Contracapa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz. ................................................................. 18 Figura 7: Ampliação dos nomes dos ritmistas da gravação. LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz. ........... 19 Figura 8: Foto do desfile do Carnaval de 1969. Império Serrano. Fonte: Acervo O Globo. ............................ 20 Figura 9: Foto da cuíca de Mestre Marçal. ....................................................................................................... 22 Figura 10: Pelão com o presente de Mestre Marçal.......................................................................................... 22 Figura 11: Capa do LP Nira Gongo, do conjunto Os Baluartes. ....................................................................... 23 Figura 12: Capa do LP Marçal, de Mestre Marçal. .......................................................................................... 25 Figura 13: Capa do LP Recompensa, de Mestre Marçal. ................................................................................. 29 Figura 14: Capa do LP Senti Firmeza, de Mestre Marçal. ............................................................................... 30 Figura 15: Capa do LP Sem meu tamborim não vou, de Mestre Marçal. ......................................................... 30 Figura 16: Capa do LP A incrível bateria, de Mestre Marçal. .......................................................................... 31 Figura 17: Capa do LP Pela Sombra, de 1989, Mestre Marçal......................................................................... 33 Figura 18: Capa do LP Entre Amigos, de 1990, Mestre Marçal. ...................................................................... 34 Figura 19: Capa do LP Sambas-­enredo de todos os tempos, de Mestre Marçal. .............................................. 36 Figura 20: Logomarca do CIEP Mestre Marçal, Rio das Ostras. ..................................................................... 39 Figura 21: Tamborim com pele de cobra e cabo. ............................................................................................. 42 Figura 22: Tamborim com pele fixada por tachinhas metálicas. ...................................................................... 42 Figura 23: Tamborim sextavado com afinadores individuais. .......................................................................... 42 Figura 24: Modelo atual de tamborim. ............................................................................................................. 42 Figura 25: Duty Free, Aeroporto de Guarulhos. ............................................................................................... 43 Figura 26: Tamborins em exposição, Duty Free, Aeroporto de Guarulhos. ..................................................... 43 Figura 27: Tamburica com 8 tamborins. .......................................................................................................... 66 Figura 28: Notação para tamborim (BOLÃO, 2003). ....................................................................................... 68 Figura 29: Exemplo de escrita de complemento executado com os dedos percutindo a parte inferior do

tamborim. ................................................................................................................................................ 69 Figura 30: Exemplo de escrita do toque com a baqueta na pele. ...................................................................... 69 Figura 31: Exemplo de levada de Mestre Marçal com a notação utilizada. ..................................................... 69 Figura 32: Nota entre parênteses ou nota fantasma. ........................................................................................ 69 Figura 33: Levada utilizando notas fantasma. .................................................................................................. 70 Figura 34: Exclusão do toque na parte inferior do tamborim. .......................................................................... 70

......................................................................... 70 Figura 36: Grafia para toque virado. ................................................................................................................ 70 Figura 37: Escrita para tamborim virado. ......................................................................................................... 71 Figura 38: Tamborim tocado de forma tradicional ........................................................................................... 71 Figura 39: Tamborim tocado virado. ................................................................................................................ 71 Figura 40: Levada de teleco teco. ..................................................................................................................... 71 Figura 41: levada de teleco-­teco com o toque virado. ...................................................................................... 72 Figura 42: Frigideira utilizada no samba. ......................................................................................................... 72

........................................ 73 Figura 44: Toque no aro e pele simultaneamente. ............................................................................................ 73 Figura 45: Tamborins e cuíca. Egotrip. Blitz 3 (1985). 3:15-­3:22 (faixa 1 do CD). ........................................ 74 Figura 46: Final da música Egotrip (1985). Tamborins e surdo. 03:28-­04:18 (faixa 2 do CD). ....................... 75 Figura 47: Tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 1:00-­1:06 (faixa 3 do CD). ..................................... 76 Figura 48: Parte final de tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 4:22-­-­4:58 (faixa 4 do CD). ............... 77 Figura 49: Levada de Bateria. Alagados. Paralamas do Sucesso. .................................................................... 77 Figura 50: Parte de tamborim. Choros n. 6, Villa-­Lobos. ................................................................................ 81 Figura 51: Parte de tamborim. Variações Rítmicas, Marlos Nobre. ................................................................. 81 Figura 52: Diferentes maneiras de segurar o tamborim. ................................................................................... 82 Figura 53: Frase de tamborim agudo. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali compassos 7 a 42. ............ 86 Figura 54: Frase de tamborim médio. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali, compassos 9 a 42. .............. 86

x

Figura 55: Frase de tamborim grave. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.compassos 11 a 42. .............. 87 Figura 56: Frase de tamborim tocado na madeira. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali. ........................ 87 Figura 57: Frase do tamborim grave com mudança de acento. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali. .... 88 Figura 58: Manuscrito da partitura de Jobimniana, de Cyro Pereira.compassos 133-­138. ............................... 89 Figura 59: Frase de tamborim de teleco-­teco. .................................................................................................. 89 Figura 60: Entrada tamborim Jobimniana. Cyro Pereira .................................................................................. 91 Figura 61: Tamborins: Hércules e Dininho. Não é assim, 1993. 0:00-­0:09 (faixa 5 do CD). .......................... 95 Figura 62: Tamborins de Celsinho Silva. Domingo na Geral, 2002. 0:35-­0:47 (faixa 6 do CD). .................... 97 Figura 63: Microfone Sennheiser 421. ........................................................................................................... 102 Figura 64: Transcrição de Sandroni (2001a) da música Na Pavuna............................................................... 108 Figura 65: Introdução de Leva Meu Samba, 1941. 0:01-­0:10 (faixa 7 do CD)............................................... 109 Figura 66: Tamborim na entrada de voz, Leva Meu Samba, 1941. 0:11-­0:20 (faixa 8 do CD). ..................... 109 Figura 67: Introdução de Vira Esses Olhos pra Lá, 1943. 0:03-­-­0:13 (faixa 9 do CD). ................................. 110 Figura 68: Levada principal de Vira Esses Olhos pra Lá. 0:13-­1:09 (faixa 10 do CD). ................................ 110 Figura 69: Primeira variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:10-­1:14 (faixa 11 do CD). .......... 111 Figura 70: Segunda variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:43-­1:49 (faixa 12 do CD). .......... 111 Figura 71: Última variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:53-­1:58 (faixa 13 do CD).............. 111 Figura 72: Introdução, tamborim, Não diga a Minha Residência. 1944. 0:01-­0:10 (faixa 14 do CD). .......... 112 Figura 73: Tamborim, entrada de voz, Não diga a Minha Residência. 0:10-­0:20 (faixa 15 do CD). ............. 112

Não Diga a Minha Residência. 0:37-­0:47 (faixa 16 do CD). ......... 113 Figura 75: Final, tamborim, Não Diga a Minha Residência. 2:28-­2:38 (faixa 17 do CD). ............................ 113 Figura 76: Introdução, tamborins, Deixa Essa Mulher pra lá. 0:01-­0:10 (faixa 18 do CD). .......................... 114

Deixa Essa Mulher pra lá. 1:38-­1:43 (faixa 19 do CD). .... 114 Deixa Essa Mulher pra lá. 2:00-­2:05 (faixa 20 do CD). ................ 114

Figura 79: Variação de levada de tamborim, Deixa Essa Mulher pra lá. 2:21-­2:30 (faixa 21 do CD). ......... 115 Figura 80: Caixeta ou wood block. ................................................................................................................. 116 Figura 81: Tamborim utilizado na gravação de Tamborins, Batucada Fantástica (1963). ............................. 118 Figura 82: Primeira parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:12-­0:27 (faixa 22 do CD). ............................ 119 Figura 83: Segunda parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:27-­0: 41 (faixa 23 do CD). ........................... 121 Figura 84: Terceira Parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:42-­0:56 (faixa 24 do CD). ............................. 123 Figura 85: Robertinho Silva tocando tamborim. ............................................................................................ 124 Figura 86: Robertinho Silva tocando caxixis.................................................................................................. 124 Figura 87: Sapato de Trecê, entrada do tamborim, 1:13-­1:26 (faixa 25 do CD) ............................................ 125 Figura 88: Sapato de Trecê, segunda seção. 1:27-­1:40 (faixa 26 do CD). ...................................................... 126 Figura 89: Sapato de Trecê, terceira seção. 1:41-­1:52 (faixa 27 do CD). ...................................................... 127 Figura 90: Sapato de Trecê, quarta seção. 1:53-­2:05 (faixa 28 do CD) ......................................................... 128 Figura 91: Sapato de Trecê, final. 2:47-­2:59 (faixa 29 do CD). ..................................................................... 129 Figura 92: Introdução de Pára-­raio ................................................................................................................. 130

-­raio, melodia com percussão. 0:51-­0:57 (faixa 31 do CD). .......... 130 Figura 94: Exemplo de variações cadenciais de Pára-­raio. 0:57-­1:04 (faixa 32 do CD). ............................... 131 Figura 95: Melodia junto com aro e semicolcheias de Pára-­raio. 1:10-­1:23 (faixa 33 do CD). ..................... 132 Figura 96: Imparidade rítmica em Amor Barato. 0:08-­0:12 (faixa 34 do CD). .............................................. 132 Figura 97: Fraseado de imparidade rítmica. ................................................................................................... 134 Figura 98: Imparidade 7+9, tamborins, introdução de Amor Barato. ............................................................. 134 Figura 99: Introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:01-­0:08 (faixa 35 do CD). ......................................... 136 Figura 100: Repetição introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:08-­0:11 (faixa 36 do CD). ....................... 137 Figura 101: Parte final repetição, Vai Passar, Chico Buarque. 0:12-­0:15 (faixa 37 do CD). ......................... 137 Figura 102: Primeira variação cavaco e tamborim. Vai Passar. 0:45-­0:50 (faixa 38 do CD) ........................ 138 Figura 103: Segunda variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 0:49-­0:58 (faixa 39 do CD). ....................... 138 Figura 104: Terceira variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 1:38-­1:41 (faixa 40 do CD). ........................ 139 Figura 105: Uníssono de tamborins, Vai Passar. 2:46-­3:05 (faixa 41 do CD). .............................................. 140 Figura 106: Frase de tamborim, Coração oprimido. 0:41-­0:51 (faixa 42 do CD). ......................................... 141 Figura 107: Repetição frase de tamborim 2, Coração Oprimido. 1:06-­1:15 (faixa 43 do CD). ..................... 141 Figura 108: Final tamborins, Coração Oprimido. 3:03-­3:10 (faixa 44 do CD). ............................................. 142 Figura 109: Introdução, Esta Melodia, tamborins. 0:00-­0:06 (faixa 45 do CD). ............................................ 143 Figura 110: Tamborins em Esta Melodia, compassos 48 a 50. 0:53-­0:56 (faixa 46 do CD) .......................... 144 Figura 111: Tamborins uníssonos, Esta Melodia. 1:44-­1:47 (faixa 47 do CD) .............................................. 144

O Meu Guri. 0:18-­0:25 (faixa 48 do CD). ............................. 145

xi

Figura 113: Acentos do tamborim junto com a melodia. 1:10-­1:15 (faixa 49 do CD) ................................... 146 Figura 114: Exemplo do ritmo de cabula extraído de Oliveira (2008). .......................................................... 146 Figura 115: Variação de levadas de surdos. Fonte: Costa e Gonçalves (2012). ............................................. 147 Figura 116: Três tamborins. Fonte: Bolão (2003). ......................................................................................... 147 Figura 117: Três tamborins, O Meu Guri. 0:49-­0:57 (faixa 50 do CD). ......................................................... 148 Figura 118: Luna, Mestre Marçal e Elizeu gravando em estúdio. .................................................................. 148

...................................................... 149 Figura 120: Toque de aro e pele do fraseado de Mestre Marçal ..................................................................... 149 Figura 121: Levadas sem utilização dos aros. ............................................................................................... 150 Figura 122: Levadas de duo. Mestre Marçal e Luna. ..................................................................................... 150 Figura 123: Levadas do trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal. .......................................................................... 151 Figura 124: Variação de tamborins utilizadas por Luna, Elizeu e Marçal. ..................................................... 154 Figura 125: De Mamadeira, tamborins. 0:49-­0:59 (faixa 51 do CD). ............................................................ 155 Figura 126: Tamborins, Beto Cazes, Leviana. 0:01-­0:09 (faixa 52 do CD). .................................................. 157 Figura 127: Beto Cazes e Mestre Marçal gravando em 1986. Fonte: Arquivo Beto Cazes. ........................... 158 Figura 128: Transcrição de melodia e tamborins, Nas Asas da Canção. 1:13-­2:07 (faixa 53 do CD). .......... 161 Figura 129: Tamborins de São Mateus. .......................................................................................................... 163 Figura 130: Tamborins, Grupo Cadeira de Balanço. 0:10-­0:26 (faixa 54 do CD). ......................................... 165 Figura 131: Tamborins, chamada, Cadeira de Balanço. 0:45-­0:49 (faixa 55 do CD). .................................... 165

SUMÁRIO

Introdução 1

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional .................................................................. 11

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações Sobre seu Uso ....... 40

2.1. Os Tamborinistas .................................................................................................................. 48

2.1.1 Alcebíades Maia Barcelos Bide ............................................................................ 48

2.1.2 Armando Vieira Marçal ........................................................................................... 49

2.1.3 Bucy Moreira, Arnô Canegal e Raul Marques ........................................................ 50

2.1.4 Roberto Bastos Pinheiro .......................................................................................... 53

2.1.5 Elizeu Félix .............................................................................................................. 54

2.1.6 O Trio ...................................................................................................................... 55

2.2 O Tamborim na Escola de Samba .................................................................................... 60

2.3 O Tamborim Além da Escola de Samba e da Roda de Samba ........................................ 67

2.4 O Tamborim Utilizado na Música Contemporânea ......................................................... 81

2.5 O Tamborim na Orquestra ............................................................................................... 85

2.6 A Execução do Tamborim Por Outros Músicos Não Considerados Tamborinistas ........ 93

2.7 Técnicas de Gravação do Tamborim em Registros Sonoros da MPB ........................... 101

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um

Estudo Interpretativo ............................................................................................................................. 106

3.1 O Tamborim Antes de Mestre Marçal ........................................................................... 107

3.2 Traços Idiomáticos da Performance do Mestre Marçal ................................................. 117

Capítulo 4. O Legado ...................................................................................................................... 152

Considerações Finais ....................................................................................................................... 167

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 171

1

Introdução

Introdução

2

A presente dissertação investiga a atuação do músico Nilton Delfino Marçal

(1930-­1994), que ficou conhecido no meio musical como Mestre Marçal. Reconhecido

por suas contribuições como cantor, passista, compositor, diretor de bateria e ritmista,

Mestre Marçal é apontado neste trabalho como o principal ponto de contato entre duas

gerações de ritmistas1: 1) os anteriores a ele, vindos da turma do bairro Carioca do

Estácio, e que no final da década de 1920 desenvolveram uma nova maneira de tocar o

samba;; e 2) a geração responsável por consolidar uma variante do samba que aparece a

partir da metade dos anos 1970, e representada pelos músicos consagrados do Cacique

de Ramos2, segundo o pesquisador e compositor Nei Lopes (LOPES, 2003, p. 110).

A primeira geração foi a das primeiras gravações de discos no Brasil e dos

primeiros trabalhos nas rádios, que com o tempo foram mudando a programação. O

samba era proibido, mas tornou-­se entretenimento da classe média e com isso, muitos

cantores e cantoras foram levados a programas de auditório. Desta forma, conseguiam

patrocínios para manter suas estruturas, além de recursos para investimentos em

instrumentos e aparelhos de som, bem como para pagamento de músicos

acompanhantes.

De certa forma, esses programas contribuíram para o estabelecimento da

música popular. As rádios Nacional e Mayrinque Veiga, duas das mais poderosas do

Rio de Janeiro, empregavam a maioria dos músicos da época.

Neste trabalho serão estudados procedimentos musicais associados ao estilo

desenvolvido por Mestre Marçal no tamborim, que podem ser tomados como elementos

característicos de sua performance enquanto ritmista, bem como o legado que nos

deixou. 1 ritmista populares em conjuntos ou orquestras, geralmente executando apenas um instrumento, mesmo quando há

m ou alguns deles, como

2 Cacique de Ramos bloco carnavalesco fundado em 1961, no bairro de Ramos, Rio de Janeiro, tendo iniciado seus encontros musicais somente em 1970, debaixo de uma tamarineira, onde seus músicos faziam uma roda de pagode. Ali surge a primeira geração de compositores que não construíram suas carreiras dentro de escolas de samba, tais como Arlindo Cruz, Sombrinha, Zeca Pagodinho e Jorge Aragão. No entanto, o principal nome do pagode não se limita somente a um artista. Também oriundo do bloco, o Grupo Fundo de Quintal torna-­se a mais importante manifestação do gênero até hoje.

Introdução

3

Devido à extensa e diversificada carreira musical de Mestre Marçal e à

impossibilidade de realizar um levantamento completo e definitivo de gravações durante

o período dessa pesquisa, a pesquisa ficou delimitada à atuação de Mestre Marçal em

somente um instrumento: o tamborim e seu uso em diversos contextos musicais. Esta

decisão deve-­se à importância do tamborim para o samba, assim como pela contribuição

peculiar de Mestre Marçal no desenvolvimento do instrumento. O tamborim foi um dos

primeiros instrumentos de Mestre Marçal, bem como um dos mais utilizados em

gravações.

O tamborim tem função muito importante dentro do samba, seja num grupo

pequeno ou numa escola de samba. Na avenida, além das coreografias, o tamborim

executa difíceis trechos musicais devido à complexidade das frases, além da velocidade

atual das baterias, que exigem muita habilidade do ritmista. Numa formação menor, a

levada 3 do tamborim é um dos fios condutores da música. Cabe a ele a função de

marcar o padrão que identifica o samba. Um exemplo são as levadas do cavaquinho no

samba e até mesmo a levada que acabou servindo a João Gilberto, que a incluiu em seu

violão na Bossa-­Nova, A batida dele [João Gilberto] me

surpreendeu e era tudo o que queríamos para tocar o samba. Ele criou o estilo passando

a batida do tamborim para o violão

Assim, busca-­se verificar, através do levantamento de dados provenientes da

análise musical, combinados com informações coletada junto a fontes primárias,

especialmente oriundas de história oral, em que medida as contribuições musicais de

Mestre Marçal tiveram impacto sobre tal geração de ritmistas. A parte central da

pesquisa tem por finalidade realizar um estudo interpretativo sobre a performance

musical de Mestre Marçal em gravações de áudio, com foco no tamborim.

Mestre Marçal tornou-­se mais conhecido do público brasileiro a partir da

gravação do seu primeiro disco como cantor em 1978, numa homenagem ao seu pai,

3 -­harmônica, que caracteriza determinados acompanhamentos da melodia principal, constituindo fator básico de

. (TRAVASSOS, 2005, p. 18)

Introdução

4

Armando Vieira Marçal, e ao seu parceiro, o compositor e ritmista Alcebíades Maia

Barcelos, conhecido como Bide. Anteriormente a isso, Mestre Marçal já frequentava os

estúdios diariamente e havia trabalhado em rádio, televisão e bailes. Formou com

Roberto Bastos Pinheiro (Luna) e Elizeu Félix um dos trios de ritmistas que mais

gravaram nos últimos 40 anos e cuja principal marca era o famoso trio de tamborins.

Porém, seu reconhecimento ocorreu através de músicos, produtores, artistas e outras

pessoas ligadas ao samba. Após o primeiro LP autoral de 1978, Mestre Marçal gravou

outros sete discos. Como diretor de bateria da Portela, Mestre Marçal ganhou o maior

prêmio individual do carnaval de 1986, o Estandarte de Ouro. Na década de 1980,

integrou a banda de Chico Buarque e, paralelamente, continuou gravando com

regularidade em estúdios de gravação e trabalhando na orquestra da Rede Globo como

ritmista. Permaneceu na banda de Chico Buarque até 1994, ano em que veio a falecer.

Ainda que a percussão popular brasileira seja reconhecida mundialmente, há

uma grande lacuna nos estudos a respeito desse assunto. O mesmo ocorre com a

percussão erudita brasileira, como atesta o texto do professor Fernando Hashimoto:

Apesar da percussão popular brasileira ser respeitada e admirada no mundo todo, não acontece o mesmo com a percussão de concerto, ou erudita. O material histórico e documental é falho e escasso. Há poucos registros sobre sua história e poucos estudos sobre a produção de música para percussão no país. Esse primeiro espanto, com o tempo se transformou em indignação e em senso de obrigação pessoal que sinto na manutenção da história e da valorização da percussão sinfônica brasileira (HASHIMOTO, 2003, p. 8).

Até mais ou menos a década de 1970, Mestre Marçal, juntamente com

Bastos (Luna) e Elizeu, seu pai Armando Marçal e os músicos Bide, Bucy Moreira,

Arnô Canegal, Raul Marques, Heitor dos Prazeres, João Machado Guedes (João da

Baiana) e Angenor de Oliveira (Cartola) representavam os principais nomes da

percussão no samba. Deve-­se citar seus seguidores e companheiros das gerações atuais

de percussionistas, como José Belmiro Lima (Mestre Trambique), Ovídio Brito,

Marçalzinho (filho de Mestre Marçal) e Marcos Alcides da Silva (Esguleba) o qaul faz

um relato sobre o Mestre Marçal:

Introdução

5

E a gente, acho que todos, o rapaz aí que começou a tocar, eu, que tenho 51 anos de idade agora, que começou querer a ser batuqueiro, se inspirou no Marçal. O Marçal era uma pessoa importante;; além de ele ser um grande músico, era uma pessoa que dava chance de você poder ouvir ele tocar [...] Eu me inspirei muito no Mestre Marçal [...]. Mestre Marçal pra mim continua sendo o melhor ritmista do Brasil, é imortal, nunca vai sair da mente do brasileiro (SILVA, M., 2015).

Chico Buarque completa:

Conheci o Mestre Marçal nos estúdios da Polygram, no início dos anos 70. Ele formava com Luna e Elizeu o trio de ritmistas mais requisitado para gravações de samba. Não tenho certeza, mas acho que eles participaram da gravação de Apesar de você e Desencontro, lado A e lado B do meu primeiro disco na Polygram, um compacto simples. Antes de conhecê-­lo e de me encantar com ele pessoalmente, eu já o admirava como músico, sem contar que ele era filho do compositor Marçal, parceiro de Bide em maravilhas como Agora é cinza e A primeira vez (BUARQUE, 2015).

Conforme já observado, a escolha de Mestre Marçal como objeto deste

estudo deve-­se à grande diversidade de funções por ele desempenhadas ritmista de

estúdio, integrante de grupos atuante em shows, diretor de bateria de escola de samba, e

por ser uma referência unânime entre os músicos. Ao longo da pesquisa, observamos

uma escassez de material sobre Mestre Marçal, tanto em vídeo como em áudio,

principalmente no período de 1953 (sua primeira gravação em estúdio) até o final dos

anos 1960.

Um possível motivo dessa dificuldade pode ter relação com determinadas

gravações desse período em que se estabeleceu a Bossa Nova, em que a maioria das

situações, apresenta uma instrumentação básica em formato de trio (piano, baixo,

bateria). Quando havia percussão, era discreta. E até mesmo o baterista possuía uma

função de pouco destaque, sendo as vassourinhas sua maior companhia4. Os ritmistas

4 Escovinhas

extremidades de modo que na extremidade livre as pontas tendam a se afastar, tomando a forma de um

Introdução

6

continuavam trabalhando, mas não com grande frequência. Os bailes, shows e

programas de rádio ocorriam, mas essas gravações não eram regularmente registradas e

somente no final da década de 1960 e meados da década de 1970, podemos encontrar

nas gravações o ressurgimento da percussão.

Dentre as inúmeras gravações daquela época, uma chamou bastante atenção.

Trata-­se do primeiro disco de Cartola, de 1974, com produção de João Carlos Botezelli,

mais conhecido como Pelão, e gravado pelo selo Marcus Pereira. Nesse disco, a cuíca

de Mestre Marçal ganhou grande destaque.

Com o passar dos anos, a indústria fonográfica foi se desenvolvendo,

fazendo com que outros grandes ritmistas se destacassem juntamente com Mestre

Marçal. A essa nova maneira de tocar e à criação de novos instrumentos, cita-­se alguns

criadores, como Edmundo Pires de Vasconcelos, o Doutor, com o repique de anel5, e

Ubirany Felix Nascimento, com o repique de mão6. Os instrumentos encontram-­se

ilustrados nas Figuras 1 e 2, respectivamente.

S. Prokofieff [sic] ). Na música popular brasileira podem ser usadas percutindo

(FRUNGILLO, 2003, p. 120). 5 afinação grave e preso ao pescoço com um talabarte. Ao mesmo tempo que percutimos com uma das mãos a membrana inferior, com anéis ou dedais nos dedos da outra mão tocamos no corpo de metal do

(BOLÃO, 2003, p. 45). 6 Felix Nascimento, do grupo Fundo de Quintal, conta que, não havendo um instrumento disponível pra tocar, utilizou-­se de um tom-­tom de uma bateria que havia na casa. Mais tarde, num pagode na quadra do bloco Cacique de Ramos, encontrando-­se na mesma situação, começou a fazer ritmo num repique comum de escola de samba. Por causa da excessiva ressonância do instrumento, resolveu tirar a membrana de um dos lados, dando-­lhe, assim, a forma definitiva que hoje conhecemos. Colocado sobre a perna, o repique é per(BOLÃO, 2003, p. 51).

Introdução

7

Figura 1: Repique de anel.

Figura 2: Repique de mão.

Naquela época, como se pode observar em fichas técnicas encontrados em

trabalhos de samba, e mais tarde confirmado por músicos e técnicos, existiam músicos

especialistas em um único instrumento. Além dos já citados acima, vale destacar nomes

bastante comuns nas fichas técnicas, como por exemplo Beterlau no agogô, Geraldo

Bongô (que, apesar do nome, era especialista em congas ou atabaques), Wilson Canegal

no chocalho, Zeca da Cuíca, e Jorge José da Silva (Jorginho do Pandeiro), entre outros.

A motivação para realizar essa pesquisa teve início há dez anos, em

conversa sobre samba e especificamente sobre o tamborim, durante ensaios da

Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo, com o baterista e percussionista Roberto da

Silva (Robertinho Silva). O músico é um dos nomes consagrados da história da música

brasileira e reconhecido por suas significativas contribuições à banda do cantor e

compositor Milton Nascimento, bem como por trabalhos com João Donato e Egberto

Gismonti, assim como contribuiu muito na divulgação do uso em trio de tamborins

pelos músicos Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Robertinho Silva gravou vários discos

autorais.

Robertinho me mostrou, nesses ensaios, algumas das levadas de tamborim

que Mestre Marçal utilizava, as quais conheceu após conversa com Marçalzinho, filho

de Mestre Marçal. A partir desse momento iniciei uma busca por material sobre a

Introdução

8

utilização do tamborim, envolvendo tanto novos aprendizados como também acesso a

outras fontes, como por exemplo nessa busca conheci a obra de Bolão (2003), que é

escrita para trio de tamborim utilizando algumas dessas levadas.

De certa forma essa pesquisa inicial começou a interferir na minha atuação

profissional. No ano de 2005, participei da gravação do CD do grupo Comboio e para a

música Futebol de Chico Buarque, fiz um arranjo percussivo na entrada da obra

utilizando as três famosas levadas de tamborim, e ao final, uma batucada com diferentes

padrões de tamborins copiados de um samba-­enredo da Portela. Outra influência direta

de Mestre Marçal em meus trabalhos musicais, é a gravação do CD Making Memories

(2013), do pianista alemão Vana Gierig, em um contexto fora do samba, onde a diretriz

musical principal é realizar experiências envolvendo uma variedade de ritmos junto a

um trio de jazz sem que haja nenhum tipo de restrição à performance. No caso desse

trabalho, o tamborim aparece com uma dessas levadas na faixa homônima do CD, cuja

frase rítmica utilizada se encontra ilustrada na Figura 3 abaixo.

Figura 3: Frase de tamborim em Making Memories, de Vana Gierig.

A citada acima, muito usual no samba, era desconhecida por mim,

e a descoberta veio através de Robertinho Silva, que tinha Mestre Marçal como

referência habitual. Outras levadas tiveram o mesmo efeito, ou seja, a assimilação e

inserção em outros estilos musicais. Essa influência sobre sambistas fez com que eu

escolhesse Mestre Marçal como figura principal a ser estudada mais profundamente, de

modo a divulgar aos futuros percussionistas e ritmistas sua importância no cenário

musical brasileiro.

Em artigo escrito ao jornal Folha de São Paulo, publicado no dia 27 de

janeiro de 1988, Jorge Caldeira afirma sobre Mestre Marçal que seu trabalho tem, por

si só, uma função pedagógica que não deveria ser desprezada, ao menos em função do

Introdução

9

mercado potencial que representa o aprendizado e aperfeiçoamento dos muitos

sambistas deste país .

Em outro momento, o escritor Paulo Luna discorre:

Vinte e um anos depois de sua morte, já quase não se fala em Mestre Marçal e seus discos não foram reeditados. Para ter acesso à suas gravações é preciso uma atenta e dedicada pesquisa. Quando, na verdade, seus discos deveriam estar sendo tocados constantemente em emissoras de Rádio e Televisão, e seu nome reverenciado a cada carnaval, assim como os nomes de tantos outros sambistas relegados ao esquecimento. Mestre Marçal é uma lenda a ser contada e recontada por todos até o dia em que sua obra brilhe e seja cultuada na intensidade que merece (LUNA, 2015).

É oportuno destacar também a opinião do escritor Tárik de Souza a respeito

da importância que Mestre Marçal exerceu na percussão do samba no meio musical

Viola na dinastia do samba, Mestre

Marçal seria o duque do baralho, como o Ellington do jazz, um mestre dos timbres

inauditos. Senhor das misteriosas afinações de ganzás, cuícas, tamborins e surdos.

(SOUZA, 2003, p. 81).

Essa dissertação foi organizada da seguinte maneira: no Capítulo 1, realiza-­

se um levantamento da trajetória profissional de Mestre Marçal;; no Capítulo 2 e seus

subcapítulos, enfoca-­se o tamborim desde sua constituição física, incluindo uma

listagem sucinta do seu emprego em diversos contextos musicais;; o Capítulo 3 consiste

no estudo interpretativo de alguns procedimentos relacionados à performance de Mestre

Marçal no período em que a pesquisa foi delimitada. Esses procedimentos foram

organizados em: a) utilização de rim shot no tamborim;; b) o uso do tamborim fazendo

;; c) o uso do tamborim como solista;; d) tocando tamborim em duo;; e)

tocando em trio;; e por último, apresentamos as considerações finais.

Para discorrer sobre os procedimentos selecionados foram utilizadas

transcrições e análises musicais. Este material musical levantado a partir das

Introdução

10

transcrições foi confrontado com as informações coletadas junto a fontes primárias,

como por exemplo, uma série de entrevistas semiestruturadas realizadas com

importantes personagens do meio musical relacionados com a trajetória profissional de

Mestre Marçal.

11

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

12

Nilton Delfino Marçal, mais conhecido como Mestre Marçal, era o segundo

de uma tríade de percussionistas consagrados no cenário musical brasileiro (juntamente

com seu pai e seu filho). Nasceu no Rio de Janeiro, no dia 7 de setembro de 1930, no

bairro de Ramos, vindo a falecer no dia 9 de abril de 1994. Mestre Marçal era o segundo

de três irmãos;; Iara, a irmã mais velha, faleceu quando tinha 12 anos e o outro irmão,

Valdir, faleceu com um ano e meio de idade. Seu pai foi Armando Vieira Marçal,

compositor, ritmista da Rádio Nacional, lustrador de móveis e parceiro de Alcebíades

Barcelos, o Bide. Armando e Bide formaram uma das duplas de maior sucesso na

música brasileira, segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira

(2015). A terceira geração veio através do seu filho Armando de Souza Marçal,

conhecido como Marçalzinho. Considerado um dos percussionistas de maior destaque

na música brasileira atual, Marçalzinho tem um currículo invejável, tendo trabalhado

com os artistas internacionais Pat Metheny, Stefano Bollani e com praticamente todos

os artistas da nossa MPB, dentre eles João Bosco, Djavan, Gal Costa, Lulu Santos, entre

outros, segundo ainda o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (2015).

Como forma de esclarecimento ao leitor, ressaltamos que neste texto nomeia-­se Nilton

Delfino Marçal como Mestre Marçal. O nome Armando Marçal refere-­se ao seu pai e

Marçalzinho, a seu filho, Armando de Souza Marçal.

Mestre Marçal esteve próximo da música desde criança. Com sete anos,

começou a tocar tamborim e ganhou de presente uma cuíca feita por seu pai. Como o

próprio Mestre Marçal conta:

Eu comecei no samba com 9 anos de idade. Eu nasci em 30, em 39 eu comecei a militar no samba. Me lembro que meu primeiro ano de desfile foi na Escola de Samba Recreio de Ramos. Nessa época, o desfile era na Feira de Amostra. A feira de Amostra lá no Rio era onde hoje é o Monumento dos Pracinhas. Depois de lá, nós vínhamos pra Praça XI. Onde tinha o famoso Samba Duro. O cara ia buscar o outro lá fora, metia a perna no crioulo pra ver, tu ver aquela montoeira de pano no alto, era pra ver que o crioulo tava descendo. Era famosa a batucada, não existe mais, acabou (Entrevista de Mestre Marçal ao produtor Fernando Faro no Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

13

O ambiente musical da casa promovia o aprendizado. Todo final de semana,

Mestre Marçal ficava observando seu pai e Bide tocando e compondo;; conforme

o pagode em casa começava . Os

do samba da época, Paulo da Portela, Bucy Moreira, Carlos Galhardo, Gilberto Alves,

também frequentavam sua casa, e era no quintal que eram realizados os ensaios da

escola de samba. Além disso, Mestre Marçal ia sempre aos programas de rádio para

assistir a seu pai tocar (CABRAL, 2011, p. 400).

Uma história curiosa relatada por Mestre Marçal no programa Ensaio da TV

Cultura, mostra o caminho que ele iria trilhar:

Eu me lembro de uma ocasião... O coroa me deu um dinheiro para eu pagar a mensalidade da escola. E eu saí com o dinheiro para pagar a mensalidade. Cheguei na Rua das Missões e vinha descendo um bloco. Eu não tinha nada na mão. Entrei em uma casa de instrumentos e comprei um pandeiro, entrei no bloco e me desengomei, mas alguém

. escuta aqui, você foi na escola? Eu disse: . Você pagou a escola? Digo: pagueiCadê o recibo? Eu digo: perdi [risos] . Aí o bicho pegou... Alguém

que eu estava num bloco. Não tinha nada... Na rua, estou vendo a rapaziada ciscando no tapete, eu comprei um pandeiro e fui à luta também (Entrevista de Mestre Marçal ao produtor Fernando Faro no Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).

Mestre Marçal desfilou no Carnaval até 1942. Ao mesmo tempo, continuou

se aperfeiçoando em vários instrumentos de percussão, como o surdo e o pandeiro, além

da cuíca e do tamborim.

No dia 20 de junho de 1947, seu pai, então com 44 anos, foi à RCA Victor

para receber pagamentos de direito autoral e, dando um sorriso, caiu no sofá e morreu.

Mestre Marçal, que já havia perdido a mãe muito jovem, perdeu então o pai. Nesse dia

se desfazia a dupla Bide e Marçal, a qual tinha composto mais de 120 músicas. Bide

nunca mais compôs uma música sequer após a morte do parceiro. O que Bide fez em

realidade foi adotar Mestre Marçal como filho. Foi Bide quem conseguiu seu primeiro

emprego, tendo-­o indicado para o posto de seu pai na Rádio Nacional.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

14

Mestre Marçal foi testado, e aprovado, pelo baterista Luciano Perrone, e a

partir de então, Mestre Marçal passou a tocar ao lado de Heitor dos Prazeres, João da

Baiana, Bide, Tião, Caboré e Joça no pandeiro. Tocava nos programas de César

Augusto e Paulo Gracindo. Paralelamente, tocava com Herivelto Martins ou em

gafieiras, onde também cantava, segundo relata Cabral (2011, p. 401).

Luciano Perrone foi muito importante para Mestre Marçal: em primeiro

lugar por tê-­lo aceito na Rádio Nacional, seu primeiro emprego como músico

profissional, e em segundo lugar por proporcionar sua primeira gravação, em 1953.

Perrone nasceu em 08 de janeiro de 1908 e faleceu em 13 de fevereiro de 2001, e é

reconhecido por ser peça central no uso da bateria no Brasil, bem como pela execução

de música brasileira no instrumento. Perrone construiu uma carreira sólida, tocando em

cinemas, shows, realizando turnês e tocando em programas de rádio. Sua batida de

samba ficou notabilizada a partir de 1927, quando tocava na Orquestra de Simon

Bountman. Durante uma viagem, conheceu o maestro, arranjador e compositor

Radamés Gnattali, com quem trabalhou desde o início da Rádio Nacional. Conselheiro

de Radamés, Perrone fez sugestões que mudaram a concepção de arranjo no Brasil, e

suas sugestões, sem dúvida, ajudaram a mudar, pelo menos em parte, a concepção

musical da época. Não poderíamos deixar de falar de Luciano Perrone.

Perrone, baterista da orquestra, se esforçava em suprir o vazio causado pela falta de mais percussões e pediu ao maestro que transferisse a marcação rítmica para os instrumentos de sopro. Em atendimento ao companheiro, a partir de 1937, Radamés começou a utilizar desenhos rítmicos da percussão nos demais grupos de instrumentos da orquestra. Luciano narra com detalhes a história: Íamos, eu e Radamés, andando na Rádio Nacional, em direção à sala do

para os instrumentos de sopro a minha vida ficaria mais fácil na bateria. Quando chegamos na sala do Almirante, havia uns papéis de música na escrivaninha. Radamés pegou e foi logo escrevendo. No dia seguinte, no ensaio da rádio, os pistons, trombones, etc. estavam tocando dentro do ritmo do samba. Nas gravações, porém, o primeiro arranjo desse jeito foi me (OLIVEIRA & MARTINS, 2006, p. 181)

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

15

Logo após ter entrado na Rádio Nacional, Mestre Marçal foi convidado por

Luciano Perrone a fazer sua primeira gravação. No livro Escolas de samba do Rio de

Janeiro (CABRAL, 2011), seu autor, Sérgio Cabral, pergunta a Mestre Marçal se ele se

lembra de quando ocorreu a gravação: Claro que lembro. Foi um samba da Unidos da

Capela chamado Abre Alas, gravado por Jorge Goulart, na Continental, em 1953. Quem

me levou foi o baterista Luciano Perrone. Toquei tamborim. (CABRAL, 2011, p. 401).

Infelizmente, não conseguimos documentos que comprovassem outras

gravações realizadas por Mestre Marçal nesse período. Somente tem-­se a informação

dessa gravação por ter sido relatada pelo próprio Mestre Marçal.

A escassez de documentos sobre a vida de Mestre Marçal, aliada à falta de

informação nos encartes dos LPs da época, criam um hiato que deixa senão, uma

dúvida: Mestre Marçal atuou em diversas gravações nesse período ou não? Nesse

mesmo período pré bossa nova, houve grande produção musical de samba com Zé Keti,

Geraldo Pereira, Adoniran Barbosa e Nelson Cavaquinho. Logicamente que a percussão

se fazia presente, diferentemente das gravações do começo dos anos de 1930, em que é

difícil distinguir quais instrumentos foram utilizados. No período dos anos 1950 é

possível distinguir quais instrumentos de percussão foram empregados, apesar de não

haver informações sobre os participantes das gravações.

Na década de 1960, de acordo com nosso levantamento, encontramos

pouquíssimas gravações com a participação de Mestre Marçal. Duas dessas gravações

ocorreram com o mesmo grupo, Sambistas do Asfalto: uma de 1960, no disco Assim é o

Samba, e outra de 1967, no disco Sambistas do Asfalto, com Astor Silva (maestro e

arranjador) nos arranjos.7 Como dissemos anteriormente, não é possível identificar qual,

ou quais, instrumentos Mestre Marçal tocou nessa gravação. No ritmo estavam três dos

seus antecessores (Arnô, Bucy e Raul), que talvez tenham sido fonte de inspiração para

7 Disponível em: http://www.toque-­musicall.com/?p=159. Acesso em: 14/02/1984.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

16

o trio de tamborins de Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Completando a sessão, estavam

Gilberto na percussão e Wilson das Neves na bateria.

Segundo o levantamento realizado, uma das gravações mais importantes que

Mestre Marçal fez nessa década talvez seja justamente com Luciano Perrone. Lançado

em 1963, o LP Batucada Fantástica Vol. 1 de Perrone, este é um disco

exclusivamente de percussão e bateria, cuja capa é mostrada na Figura 4.

Esse disco contém 22 faixas com vários ritmos, e pode ser considerado uma

fonte riquíssima tanto para os percussionistas daquela época, quanto para os atuais.

Luciano foi acompanhado nessa gravação pelo grupo Ritmistas Brasileiros. Entretanto,

o disco não possui encarte com a ficha técnica dos participantes da gravação.

Marçalzinho, ouvindo a gravação, confidenciou que seu pai participou da

gravação desse disco tocando o tamborim na faixa número 5, chamada Tamborins

(MARÇALZINHO, 2014). Nessa música fica bem perceptível a maneira de tocar

tamborim de Mestre Marçal: a escolha de uma afinação mais aguda do que aquelas

constantes de gravações anteriores, e também o uso do toque com a baqueta no aro do

instrumento. Esses procedimentos se tornariam características marcantes da

performance de Mestre Marçal ao longo de sua carreira. Esse recebeu o Grande Prêmio

Internac , concedido pela Academia Charles Cros, de Paris, na França

(ROSALEME, 2000).

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

17

Figura 4: Capa do LP Batucada Fantástica, de Luciano Perrone.

Uma das poucas gravações na qual fica identificada claramente a atuação de

Mestre Marçal com destaque, é o LP Na Batida do Samba, s/d, de Alberto Paz, onde

Mestre Marçal inusitadamente aparece como timpanista. Em conversas informais com

ritmistas da velha guarda é possível perceber o orgulho ao comentar essa ousadia, de

colocar um instrumento de orquestra sinfônica, como os tímpanos, na avenida junto a

uma escola de samba. Não há informação exata de quando isso ocorreu, mas intui-­se

que foi em meados dos anos de 1960, como relata o Mestre Marçal:

Minha vida é a escola de samba. É um negócio assim, meio [...] vim vindo, vim vindo, vim vindo, passei pela Recreio de Ramos, Unidos da Capela, depois fundamos uma escola de samba em Olaria que saiu com o nome Esquina do Pecado, depois fui pro Império Serrano onde lancei os tímpanos, instrumento de orquestra sinfônica, lancei no samba (Entrevista de Mestre Marçal ao produtor Fernando Faro no Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).

A Figura 5 mostra a capa do LP de Alberto Paz, em que Mestre Marçal é a

figura inspiradora da capa, além de executar os tímpanos na gravação. Observando-­se a

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

18

capa do disco, nota-­se que as baquetas ilustradas na foto se parecem com aquelas usadas

na escola de samba para os surdos e não com baquetas tradicionais de tímpanos.

Figura 5: Capa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.

Figura 6: Contracapa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

19

Figura 7: Ampliação dos nomes dos ritmistas da gravação. LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.

Não podemos afirmar se essa gravação ocorreu antes ou depois da aparição

do instrumento em desfiles na avenida. À convite de Natalino José do Nascimento, mais

conhecido como Natal da Portela, Mestre Marçal mudou do Império Serrano para

Portela. Por um bom tempo ele permaneceu tocando tímpanos até se tornar o diretor de

bateria.

Conforme matéria do Jornal do Brasil O

Império será a sétima escola a desfilar, contando como trunfo para vitória sua bateria,

que virá com Marçal destacando-­se nos .

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

20

Figura 8: Foto do desfile do Carnaval de 1969. Império Serrano. Fonte: Acervo O Globo.

Marçal [...]tocou o mesmo tímpano sempre alugado à Rádio Nacional até

1977, quando ascendeu à direção da bateria da Portela. (matéria na Revista VEJA, 2 de

maio de 1979).

Ainda no final da década de 1960, é possível encontrar algumas gravações

com mais informações sobre os percussionistas. O LP Gente da Antiga, de Clementina

de Jesus, Pixinguinha e João da Baiana, conta com a presença não só de Mestre Marçal,

mas também de Luna e Elizeu. O produtor foi Hermínio Belo de Carvalho que, em

conversa, conta sobre o projeto desta pesquisa e sobre o trio de ritmistas:

Trabalho, aliás, que se faz mais do que oportuno. Costumo dizer que, sem esse trio [Luna, Elizeu e Marçal] e os conhecimentos de Elton Medeiros e Paulinho da Viola, dificilmente eu teria conseguido produzir os discos de Clementina de Jesus. Acrescente-­se outros nomes, por justiça: Maestro Nelsinho, e um trio imbatível de cordas: Canhoto, Dino e Meira (CARVALHO, 2013).

A crescente produção fonográfica dos anos de 1970 aumentou muito os

trabalhos dos músicos em geral. Wilson das Neves declara que nesse período eles

ficavam o tempo todo no estúdio (NEVES, 2014). Naquela época, eles trabalhavam por

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

21

períodos: das 9:00 às 15:00, das 15:00 às 21:00, e das 21:00 às 3:00, praticamente todos

os dias. Interessante notar que apesar das gravadoras terem seus músicos contratados, às

vezes, eles só sabiam com quem iriam gravar quando chegavam ao estúdio.

Nesse período, o nome de Mestre Marçal já era relevante nas gravadoras.

Ele trabalhou em estúdio com os mais variados artistas: Beth Carvalho, Alcione, Tião

Motorista, Jair Rodrigues, entre outros. É importante ressaltar que procuramos

diversificar e restringir os nomes de músicos e artistas com quem Mestre Marçal

conviveu, uma vez que em sua longa e rica trajetória, foram muitos os músicos e artistas

com quem conviveu.

Em 1972, em comemoração aos 50 anos de carreira, Luciano Perrone

gravou outro disco, Batucada Fantástica Vol. 3. Os tamborinistas desse disco eram

Luna, Elizeu e Mestre Marçal, que também tocou cuíca em Cuícas loucas. Nessa faixa,

com outro grande nome do instrumento, o Ministro

da Cuíca (José Santiago da Silva). O Ministro da Cuíca foi um dos maiores cuiqueiros

das décadas de 40 e 50 e um dos mais requisitados em estúdio. Participou de vários

filmes, dentre eles o longa Jangada, de Orson Welles. (Revista VEJA, 27/11/1971, Ed.

167)

Na faixa Tamborins Envenenados é possível ouvir todos os tamborins, cada

levad . Em um determinado momento, cada um deles tem um espaço

para fazer um solo improvisado. Curiosamente, o LP Batucada Fantástica Vol. 2 não

foi gravado por Luciano Perrone;; trata-­se de um LP com várias escolas de samba e não

está claro quem foram os responsáveis por essa gravação.

Uma das gravações mais comentadas, que sairia dois anos depois, em 1974,

foi o lançamento do primeiro disco de um dos maiores sambistas de todos os tempos,

Agenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola. Gravou seu primeiro disco pelo selo

de Marcus Pereira em 1974, pelo o qual ganhou vários prêmios. (CENTRO

CULTURAL CARTOLA, 2015)8 O disco foi produzido por João Carlos Botezelli, o

8 Disponível em: http://www.cartola.org.br. Acesso em: 09 jan. 2015.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

22

Pelão, que conta que precisou implorar para que Marcus Pereira gravasse o disco. Após

a gravação, Marcus Pereira reclamou com Pelão que latidos de cachorro tinham sido

vazados na gravação, mas quando foram ouvir, o no disco nada mais era que a

cuíca de Mestre Marçal. Em entrevista, João Carlos Botezelli nos disse: Esse cara

[Marcus Pereira] não entendia nada de música mesmo. (BOTEZELLI, 2014).

As Figuras 9 e 10 abaixo mostram a cuíca de barrica utilizada por Mestre Marçal

na gravação citada acima. Pelão nos relata que a ganhou de presente após

aproximadamente 10 anos de insistência, como presente de Mestre Marçal, e que a

guarda com grande carinho em seu escritório.

Figura 9: Foto da cuíca de Mestre Marçal.

Figura 10: Pelão com o presente de Mestre Marçal.

Em 1975, surge o grupo Partido em 5, liderado por Candeia. O grupo

gravou um disco com o mesmo nome, com a intenção de representar uma roda de samba

sem muitas pretensões, mas a recepção foi tão positiva que gravaram mais dois álbuns,

o primeiro dos quais foi gravado no mesmo ano de 1975. Mestre Marçal e Luna

participaram do sucesso desse projeto. No ano seguinte, vários ritmistas resolveram

criar o grupo Os Baluartes. Formado por Luna, Elizeu, Mestre Marçal, Doutor,

Marçalzinho e Toninho (cavaquinho), com produção musical do baterista Hélcio Milito,

gravaram o disco Nira Gongo.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

23

Devido ao grande nível de execução instrumental, essa raridade, depois de

muito tempo, foi disponibilizada na internet. Hoje em dia esse LP é tido como

referência para a nova geração de percussionistas/ritmistas. Marçalzinho relata sobre o

grupo:

A criação desse grupo foi uma vaidade que eles tinham, mas infelizmente não foi para frente. Ensaiavam toda semana e até fizeram paletó numa famosa alfaiataria de Ipanema para a capa do disco. Não chegaram a fazer nenhum show sequer. Como o conjunto não era sobrevivência para eles, acabou não dando certo;; talvez, se fosse o contrário, tivesse vingado (MARÇALZINHO, 2014).

Figura 11: Capa do LP Nira Gongo, do conjunto Os Baluartes.

Nessa aul de tamborins. Luna, Elizeu e

Mestre Marçal tocam com muita precisão e velocidade, não mais que Doutor, que

também gravou magistralmente o seu repique de anel, que acompanha o trio nessa

gravação. Os trabalhos em que o trio estava envolvido conferiam a eles bastante

liberdade criação, e possivelmente, por serem todos líderes do grupo, infelizmente esse

grupo não seguiu por muito tempo junto, não realizado nenhuma outra gravação além

desse primeiro LP.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

24

Em 1978, o produtor Fernando Faro teve a ideia de gravar o primeiro disco

solo de Mestre Marçal com o aval do então diretor da Odeon, Milton Miranda. Ele

escolheu para o disco Nelsinho do trombone e o Regional do Canhoto. Esse projeto

surgiu após Faro ter ouvido Mestre Marçal cantando num programa da TV Cultura, em

que cantava músicas de seu pai Armando com parceria de Bide. Para o coro foi sugerido

um grupo profissional: a sugestão era que Mestre Marçal convidasse os cantores

amigos, mas ele disse que faltava coragem para o convite. Faro acabou entrando em

contato com todos e, no dia em que apareceu o coro, Mestre Marçal ficou emocionado

com aquele que seria talvez o coro mais caro da história da música brasileira até hoje

(TACIOLI, 2002).

Nas décadas de 1970 e 1980, muitos discos relevantes tiveram a

participação de Mestre Marçal na percussão. Ele realizou gravações com artistas do

porte de Chico Buarque, João Nogueira, Milton Nascimento, Paulinho da Viola,

Martinho da Vila, Clara Nunes, Elton Medeiros, Dona Ivone Lara, Gisa Nogueira,

Gonzaguinha, Cristina Buarque, Miúcha, Paulo Cesar Pinheiro, Conjunto Nosso Samba,

Roberto Ribeiro, entre tantos outros. Importante relatar que os artistas citados acima

fizeram parte do coro do primeiro disco de Mestre Marçal.

Intitulado de coro milionário, esse grupo de artistas se recusou a receber

pela gravação. Todos, sem exceção, estavam ali para fazer uma homenagem ás

contribuições prestadas por Mestre Marçal em suas gravações. Realmente, ter músicos e

cantores desse porte em um disco que celebrou seus 30 anos de carreira, foi algo

fantástico para o Mestre Marçal (CABRAL, 2011, p. 402). Nesse disco, além de cantar,

Mestre Marçal toca tamborim, cuíca e surdo. A respeito dessa gravação, Chico Buarque

nos relata a lembrança daquele momento: Foi uma festa, éramos todos fãs e amigos do

Marçal. Nessa época eu já convivia com ele, viajava com ele por toda parte, ia com a

nossa banda comer feijão na casa dele em Pilares. O disco dele tinha esse clima de

confraternização. (BUARQUE, 2015).

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

25

Figura 12: Capa do LP Marçal, de Mestre Marçal.

Uma situação curiosa que ocorreu durante as gravações desse LP:

O Marçal trocava a letra. A Plimeira . Não, Marçal, é Primeira , então era refeito somente essa palavra. Marçal tinha esse problema com a troca do L pelo R. Isso ocorria quando vinha após uma consoante. Ele até recebeu um convite quando precisava de dinheiro para gravar um comercial para uma caderneta de poupança e a frase seria poupe na letra que será preta (ACERVO O GLOBO, 19 de janeiro de 1988)9.

Mestre Marçal já cantava havia muitos anos e, a respeito da demora em

gravar um disco, ele relata a Sérgio Cabral:

9 Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/busca/?tipoConteudo=artigo&pagina=2&ordenacaoData=relevancia&allwords=mestre+marçal&anyword=&noword=&exactword=&decadaSelecionada=1980. Acesso em: 28 ago. 2014.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

26

Há uns seis ou sete anos que venho pedindo pra fazer esse disco. Um dizia que ainda não era hora, que esperasse mais um pouco, outro alegava que a direção da casa era contra porque me conhecia como

Você há de convir que disco é um , justificavam os produtores que eu procurava

(CABRAL,1979, p. 35).

Antes da gravação de seu primeiro disco solo, Mestre Marçal participou de

gravações de música instrumental brasileira, fato diferenciado do foco de sua forte

ligação com artistas da MPB. A lista de gravações com cantores ligados ao samba já foi

bastante delineada nesse texto, mas a incursão de Mestre Marçal na música instrumental

(isentando o projeto de Luciano Perrone, em que havia somente percussão) pode ter

ocorrido antes de 1963, ano da gravação de Batucada Fantástica de Luciano Perrone,

apesar de não termos encontrado em nosso levantamento gravações antes de 1974. Um

exemplo dessa atuação, pode ser atestada no disco Guitarra Fantástica, de 1976, do

violonista paraense Sebastião Tapajós, que foi lançado somente no exterior e, pelo que

consta, não foi relançado aqui no Brasil. Merece destaque a música Samba em Berlim,

em que se sobressai o tamborim e a cuíca de Mestre Marçal, que foi gravada duas vezes

no final da música.

Outra gravação relevante é o LP Confusão Urbana, Suburbana e Rural, de

1976, um trabalho do saxofonista e clarinetista paulista Paulo Moura, que mostra grande

variedade rítmica. O destaque para Mestre Marçal está na faixa Dois sem vergonha, na

qual ele toca tamborim. Essa gravação é considerada um divisor de águas,

principalmente para a música instrumental brasileira devido à fusão de instrumentos de

origens completamente opostas, caso da cuíca co 10.

Ainda, outra gravação que merece ser lembrada é da música Equilibrista, do

disco Circense (1980), do pia de Luna, Doutor,

Robertinho Silva e Mestre Marçal dão um brilho todo especial. Logicamente, as

músicas que Mestre Marçal gravou eram todos sambas O coroa

10 Disponível em: http://www.institutopaulomoura.com.br/discos.html. Acesso em: 16/03/2015.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

27

só tocava samba e nem queria aprender a tocar outra coisa, só samba. Igual a chorão que

(MARÇALZINHO, 2014).

Nesse mesmo período, a cantora norte-­americana Sarah Vaughan, por

muitos críticos considerada uma das maiores divas do jazz, além de amante da música

brasileira, gravou um disco chamado O Som Brasileiro de Sarah Vaughan (RCA/BMG,

1978), produzido por Aloysio de Oliveira e Durval Ferreira. Ao encontrarmos o nome

de Mestre Marçal na ficha técnica da faixa Someone to light up my life (Se todos fossem

iguais a você), uma bossa-­nova, nota-­se que além de Mestre Marçal, constavam ainda

nomes de outros percussionistas, como Chico Batera, Ariovaldo e Luna. Nesse arranjo

não se ouve nenhuma percussão, trata-­se de uma balada com uma orquestra de cordas e

seção rítmica. Imaginando um erro de grafia, notamos que não há no disco nenhuma

utilização dessa formação. Na tentativa de descobrir uma possível falha de impressão,

ouvimos o restante do álbum, e de fato não encontramos esse tipo de formação em

nenhuma das outras músicas. Relato este fato para mencionar quão inexatas são as

informações contidas nesses encartes de LP encontrados.

De volta ao samba, no mesmo ano em que gravou o primeiro disco, Mestre

Marçal chegou ao cargo de Mestre de Bateria na Portela. Em 1978, Mestre Marçal que

era diretor da Bateria chega ao cargo de mestre e resgata parte da batida da escola.

Somente em 1980 é que divide o cargo com Mestre Quincas, ficando na escola até

198611.

A década de 1980 pode ter sido a que mais lhe deu exposição na mídia. Em

1980, começou a trabalhar na Orquestra da Rede Globo, na qual permaneceu por muitos

anos. Em 1982, foi convidado a integrar a banda de Chico Buarque de Holanda, mesmo

ano em que ganhou o título de Cidadão Samba do Rio de Janeiro.

Em 1984, participou de um projeto de Toquinho na Itália chamado

, show que mostrava uma síntese da história da Música Popular Brasileira.

Dentre os inúmeros convidados estavam Dominguinhos e Raphael Rabello, e Mestre 11 Disponível em: http://www.portelaweb.com.br/escola.php?codigo-­11&cod_cat=3. Acesso em 14/06/2015.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

28

Marçal tocava e cantava nesse show. Toquinho relata que na temporada ocorreu uma

coisa curiosa com Mestre Marçal:

Na época desse show, ele tinha de desfilar na Portela, onde era diretor de bateria, sob pena de o Franco Fontana (empresário) ser ameaçado de morte na próxima vez que pisasse no Brasil se não o liberasse. O Franco ficou apavorado: Você morre, simplesmente, da

O desfile da Portela era na segunda-­feira, e o Marçal já com idade. Domingo à noite, depois do show, uma limusine o esperava para levá-­lo ao aeroporto. Chegou segunda feira de manhã no Rio, desfilou pela Portela, e na terça-­feira estava em Roma para o espetáculo. E a bateria da Portela recebeu nota 10 (PECCI, 2003, p. 221).

Esse tipo de situação só poderia realmente acontecer com músicos da

grandeza de Mestre Marçal. Sua presença tornou-­se imprescindível em ambos os

contextos. Sete anos depois, em 1985, lançou pela Barclay o seu segundo álbum solo,

Recompensa, que chegou à marca de 20 mil cópias (Acervo o Globo. Ao Mestre com

carinho. Eliane Lobato 19 de janeiro de 1988. Segundo Caderno, pag. 6)12. Mestre

Marçal assina uma composição no final desse álbum, intitulada O bicho vai pegar. Na

música Peço a Deus, Mestre Marçal tem como convidado especial, para dividir os

vocais, o grande amigo Caetano Veloso. Caetano Veloso, em depoimento, fala um

pouco sobre o Mestre Marçal:

Eu conheci Mestre Marçal pessoalmente por causa do Marçalzinho, que é um grande percussionista, refinadíssimo [...] E o pai dele era o grande mestre e tal, que eu conhecia de nome e via às vezes [...] Era um homem espetacular, muito alegre, com uma mente viva. Nós fizemos uma coisa juntos, mais de uma coisa, mais seguramente, ele fez um álbum com uma faixa minha. Gravaram um vídeo pra passar na televisão [...] Entrei e cantei, me vestindo com escola de samba e tudo e ele muito engraçado e muito digno, de muita dignidade. Grande mestre do samba (VELOSO, 2014).

12 Disponível em: http://acervo.oglobo.com/busca/?tipoConteudo=artigo&ordenacaoData=relevancia&allwords. Acesso em: 20 dez. 2014.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

29

Figura 13: Capa do LP Recompensa, de Mestre Marçal.

Na capa do disco aparece Mestre Marçal à frente da bateria da Portela,

escola que no ano seguinte iria expulsá-­lo, mesmo tendo sido agraciado com o

Estandarte de Ouro do Carnaval de 1986. O presidente da escola Carlinhos Maracanã o

proibiu até mesmo de frequentar a quadra da escola. O Estandarte de Ouro é uma

premiação criada pelo jornal O Globo em 1972 para coroar os destaques dos desfiles das

escolas de samba do carnaval carioca.

Nesse mesmo ano, Mestre Marçal gravou mais um disco, Senti firmeza. Em

poucos dias o disco já tinha boas vendas. Talvez o tenha ajudado bastante, a inclusão da

música Facho da esperança na trilha sonora da novela Roda de fogo, da Rede Globo.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

30

Figura 14: Capa do LP Senti Firmeza, de Mestre Marçal.

Em 1987, já em outra gravadora, a Polydor, e tendo se tornado diretor da

Escola de Samba Unidos da Tijuca, onde ficou por dois anos, gravou o LP Sem meu

tamborim não vou, uma possível homenagem à música sucesso dos anos 1940 de

seu pai Armando Marçal com J. Portela.

Figura 15: Capa do LP Sem meu tamborim não vou, de Mestre Marçal.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

31

O ano de 1988 foi, sem dúvida, um ano muito especial para Mestre Marçal.

Nesse ano ele completou 40 aos de carreira e ninguém menos que seu fã declarado,

Chico Buarque, idealizou a homenagem à carreira de Mestre Marçal. O carinho que eles

tinham um pelo outro pode ser percebido nos calorosos elogios declarados por ambos

nas entrevistas. Chico resolveu fazer uma homenagem na casa de shows Canecão

localizada no Rio de Janeiro, onde Mestre Marçal, segundo ele próprio, jamais teria

pisado se não fosse por Chico. O show aconteceu no dia 17 de setembro e contou com a

presença de alguns dos grandes nomes da MPB, dentre eles Paulinho da Viola, Beth

Carvalho, Simone e Alcione, além, é claro, do próprio Chico. Marçalzinho esteve

presente e pôde tocar com o pai.

Com o LP Sem meu tamborim não vou, Mestre Marçal foi ganhador do 1º

Prêmio da Música Brasileira na categoria samba.13 Seu quinto disco solo, A Incrível

Bateria de Mestre Marçal foi lançado nesse mesmo ano de 1988.

Figura 16: Capa do LP A incrível bateria, de Mestre Marçal.

Esse disco foi lançado em vários países da Europa e também no Japão. A

única faixa do lado A, intitulada A Incrível Bateria, de aproximadamente 19 minutos, é

13 Disponível em: http://www.premiodamusica.com.br/historySite/show/2234 -­ Acesso em: 24 nov. 2014.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

32

uma parceria de Mestre Marçal com Durval Ferreira. Como Durval era o produtor e

arranjador do disco, pode-­se imaginar que foi ele quem sugeriu a variação e organização

dos solos dentro da obra e daí a sua coautoria.

Nesse mesmo disco há uma música que gerou um desentendimento entre

Mestre Marçal e o cantor Elymar Santos. Nesta época, Mestre Marçal estava movendo

um processo pelo uso indevido das bases da música Os Sertões, que foram utilizadas no

disco Missão Ato de Amor, de Elymar lançado dois anos depois pela Odeon, em 1990.

Mestre Marçal reclamou que nunca fora consultado sobre o uso do material e que não

recebera nada relativo aos direitos autorais. Elymar, por seu lado, alegou que tudo fora

feito dentro da lei e que o problema estava com a gravadora, a Polygram, que não havia

repassado o dinheiro ao Mestre Marçal. O próprio advogado de Elymar tratou de dizer

que fora feito tudo de acordo com a lei e que o Mestre Marçal deveria cobrar de sua

gravadora (Polygram), que, por sinal, já havia afirmado que o assunto estava encerrado

e que não haveria reembolso. Mestre Marçal acabou entrando na Justiça numa situação

em que não haveria necessidade alguma. Após esse episódio desagradável, ficou

sugerido que tomasse o assunto por encerrado14 (O GLOBO, 1990, p. 07).

Em 1989, já com uma nova gravadora (BMG/Ariola), Mestre Marçal gravou

Pela Sombra e, como de costume em seus discos, regravou um sucesso de seu pai, a

composição Não Diga a Ela Minha Residência. Assim, ele permaneceu gravando

músicas de seu pai, disco sim, disco não. As participações especiais aparecem em duas

músicas. Desalento é Chico Buarque, tendo como

destaque a maravilhosa cuíca que Mestre Marçal tocava com muita sutileza e elegância.

Essa música tinha um valor especial segundo o empresário de Chico, Vinícius França,

que recorda que era a música de abertura do show Francisco, de Chico Buarque.

(DOMINGUES, 2002) Outra convidada especial foi Alcione, uma das mais respeitadas

cantoras de samba, na belíssima canção Impossível Recomeçar, de Anésio, Wilson

Bombeiro e Vera Lúcia.

14 Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/busca/?tipoConteudo=artigo&ordenacaoData=relevancia&allwords=+mestre+marçal&anyword=elymar+santos&noword=&exactword=&decadaSelecionada=1990 Acesso: 28 out. 2014.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

33

O lançamento do disco ocorreu na famosa casa de shows People, no Rio de

Janeiro, com direção e roteiro de Paulinho da Viola.

Figura 17: Capa do LP Pela Sombra, de 1989, Mestre Marçal.

O sexto disco consecutivo de Mestre Marçal, Entre Amigos de 1990, o

sétimo de sua carreira e segundo pela BMG, trouxe uma novidade: Mestre Marçal

gravou uma música de sua autoria em parceira com o cavaquinista, cantor e compositor

Mauro Diniz, chamada Três palavras.

Eu gravava muito com o Mestre Marçal [...] Só dava ele, Luna e Elizeu. [...] Eu gostava muito dele. Mestre Marçal era músico de primeira qualidade. Uma vez a gente tava no estúdio e veio com ele com es você não bota uma segunda pra

, aí ele pegou e gravou (DINIZ, 2014).

Nesse mesmo LP, Marçal gravou uma música que se tornou importante

dentro do seu repertório, Leviana, grande sucesso de Zé Keti. Em agosto de 1991, o

disco já havia vendido 30 mil cópias segundo o jornal Folha de São Paulo de 24/08/91,

.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

34

Figura 18: Capa do LP Entre Amigos, de 1990, Mestre Marçal.

No mesmo ano foi lançado o disco de Chico Buarque Ao Vivo Paris Le

Zenith. Gravado em maio de 1989 e ganhador do Disco de Ouro, esse disco dá um

destaque mais do que especial ao Mestre Marçal.

Além de tocar, Mestre Marçal foi convidado a ir à frente do palco para fazer

dueto com Chico em duas músicas. A primeira, que se tornou imortal em sua voz, é Sem

Compromisso, de Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro, e a outra é Deixa a Menina, de

Chico. É possível encontrar na internet o vídeo dessa performance dos dois e é fácil

perceber a felicidade de ambos. É incomum ver um ritmista sair do fundo do palco e ir à

frente, ao lado do artista, para cantar e dançar. Antes mesmo de começar a cantar, Chico

chamou o Mestre Marçal para mostrar alguns passos de samba, dizendo ser um aluno do

Mestre . Chico dizia que quando Mestre Marçal estava ao seu lado, passava segurança

e que cada vez que cantava, ele interpretava de maneira diferente.

Na edição da Revista Veja de 03/10/1990, encontramos uma declaração de

que a participação de Mestre Marçal confere brilho especial a um LP em que a seleção

musical privilegia o samba e canções de amor .

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

35

Nesse mesmo ano, Mestre Marçal foi convidado a comentar o carnaval pela

extinta TV Manchete: Fez duras críticas ao desfile, aos sambas e também à falta de

técnica dos instrumentistas15. Em 1991, Mestre Marçal continuou comentando o

carnaval pela TV Manchete, mesmo tendo se envolvido em desentendimentos com

algumas escolas.

Para Mestre Marçal, a parte mais emocionante do carnaval daquele ano foi

o momento em que a bateria da Portela o reverenciou quando da passagem em frente ao

camarote onde comentava o desfile. Segundo o Jornal do Brasil, edição de 13/02/91,

ele se derramou em lágrimas.

O Carnaval de 1991 não foi bom para a escola de samba Caprichosos de

Pilares, e no ano seguinte, Mestre Marçal foi convidado a dividir o comando da bateria

da escola com Mestre Paulinho Botelho. Mas essa junção acabou não dando certo.

Havia divergências entre os dois e isso gerou muitas brigas. Mestre Marçal, após um

ensaio, foi vaiado na quadra da escola e, consequentemente, pediu demissão após três

meses de trabalho à frente da bateria16. Ele acabou voltando a comentar pelo terceiro

ano consecutivo o carnaval para a TV Manchete.

No ano de 1993, Mestre Marçal participou da gravação dos discos

Paratodos, de Chico Buarque, e Paulinho da Viola Ensemble Samba e choro negro

para um selo alemão, em que ele tocou cuíca num total de cinco faixas. Paulinho da

Viola recorda-­se dessa gravação e demonstra sua admiração pelo Mestre Marçal:

Ele já estava doente. Eu gravei um disco que é um projeto que não foi lançado aqui no Brasil. Esse disco foi escolhido por um grupo alemão e eu [fui escolhido] como artista brasileiro para fazer parte desse projeto [...] Cada país tinha um artista que representava, aí me escolheram. [...] Mestre Marçal veio como convidado na cuíca. Fizemos até uma foto juntos. Eu acho que essa foi uma das últimas

15 Fonte: Acervo O Globo. O novo disco do Mestre Marçal. 17 out. 1990, matutino. Jornais do Bairro, p. 23. Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-­ao-­acervo/?navegacaoPorData=199019901017>. Acesso em 23/ 07/2014. 16 Fonte: Jornal do Brasil, 14 fev. 1992. Marçal Deixa a Caprichosos Após Três Meses. Por Mariucha Monero.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

36

gravações que ele fez. Mas era uma pessoa muito generosa, muito exigente com ele mesmo e com os outros. Diretor de bateria também, ele era muito exigente. Era acima de tudo um excepcional instrumentista e ritmista (FARIA, 2015).

Após um hiato de três anos de discos solo, Mestre Marçal gravou aquele que

seria seu último disco. Pela gravadora Velas (1993), com produção de João Carlos

Botezelli (Pelão) e Argemiro Ferreira, gravou Sambas-­enredo de todos os tempos.

Figura 19: Capa do LP Sambas-­enredo de todos os tempos, de Mestre Marçal.

Pelão relatou que nas produções que fazia, sempre que podia, usava a

percussão de Mestre Marçal:

Mestre Marçal gravou o primeiro disco do Nelson Cavaquinho, em São Paulo, se sentindo muito homenageado por isso. Um belo cara. Enquanto isso, eu chegava no Rio. Se ele não entrasse nas gravações, que foram pouquíssimas ou nenhuma, eu botava o nome dele na relação dos cachês para serem pagos. Sacanagem, o cara vai perder gravação porque que eu estava no Rio e iria gravar tal hora, em tal estúdio. Pra eles era bom (BOTEZELLI, 2014).

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

37

Em 1994, Mestre Marçal se juntou ao filho Marçalzinho no projeto

chamado Percussão Brasil, para o CCBB do Rio de Janeiro. O título do trabalho de

ambos era Brasil, ritmo e percussão. (JB, 04/02/94) Talvez essa tenha sido a última vez

em que tocaram juntos. No dia 9 de abril de 1994, Mestre Marçal nos deixou. O

jornalista Sérgio Torres do jornal Folha de São Paulo noticia em 10/04/1994:

Mestre Marçal morre aos 64. O sambista Mestre Marçal morreu ontem, aos 64 anos, no hospital Mário Kroeff, na zona norte do Rio. Segundo parentes, Mestre Marçal sofria de câncer nos pulmões e problemas cardíacos. Ele vivia com a companheira Arlete. Mestre Marçal foi internado na tarde de anteontem. Ele estava em casa, no Engenho da Rainha (zona norte), quando começou a passar mal. No hospital, ele sofreu uma parada cardíaca, mas os médicos o reanimaram. A equipe médica não conseguiu recuperar Mestre Marçal após uma segunda parada cardíaca, e ele veio a falecer às 12h de ontem. O enterro está marcado para as 12h de hoje no cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap (zona norte). (TORRES, 1994).

[...] Marçal foi o maior ritmista de samba de todos os tempos disse o e Marçal, o samba

perdeu a elegâ ele tocava todos os instrumentos de percussão e tinha o sangue azul do samba correndo nas veias. [...] Cerca de 500 pessoas acompanharam o enterro. A cantora Gal Costa foi ao velório à noite e Paulinho da Viola esteve no cemitério de manhã (O GLOBO, 11 de Abril, de 1994).

Realmente isso foi uma perda irreparável para a percussão e para o samba

no Brasil. Até hoje Mestre Marçal é tratado pela maioria dos ritmistas como ídolo. Seja

numa roda de samba na periferia ou em lugares mais badalados, sucessos ficaram

imortalizados em sua voz, no trio de tamborins que tinha com Luna e Elizeu ou até

mesmo nas frases de elegância de sua cuíca. Ainda se fala muito do cantor e ritmista.

Homenagens nunca faltaram e possivelmente nunca faltarão.

Uma das homenagens póstumas mais destacadas é a que seu filho

Marçalzinho organizou juntamente com Moacyr Luz: um show realizado em São Paulo,

no SESC Pompeia, em homenagem a Bide, Armando Marçal e Mestre Marçal em 04 e

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

38

05 de agosto de 2006. Além de muitos convidados, o que mais chamou a atenção foi

sem dúvida a participação especial de Elizeu, o único remanescente do famoso trio de

tamborins, que, após relutar em voltar a tocar, não deixou de fazer parte dessa bela

homenagem. Esse repertório seria posteriormente gravado em CD com o nome de Sem

Compromisso pela Deck Disc em 2007.

No CD O Som Sagrado de Wilson das Neves (CID, 1986), o compadre de

Mestre Marçal, Wilson das Neves, o ritmista Mestre Trambique e Paulo César Pinheiro

gravaram uma música chamada Mestre Marçal, com as frases de efeito que Mestre

Marçal usava com bastante frequência. Essa música foi regravada pelo Grupo Semente

em 2014. Mauro Diniz, parceiro na composição de Três Palavras, também prestou sua

homenagem no CD Samba com Realidade, em 2000.

Dias após o falecimento de Mestre Marçal, Paulinho da Viola fez uma

homenagem no disco Bêbado Samba e no Festival Heineken Concerts (FARIA, 1994).

Em uma homenagem sensível e totalmente merecida, Paulinho voltou mais uma vez ao

palco para lembrar Mestre , relatou Carlos Calado para

a Folha de São Paulo em 13 de abril de 1994.

Oscar Bolão também prestou uma bela homenagem ao trio de tamborins.

Ele escreveu uma peça para três tamborins chamada Era Luna, Elizeu e Marçal, na qual

incluiu frases de tamborins que eram utilizadas por eles.

Em Rio das Ostras (RJ), foi inaugurado em 1994 o CIEP (Centros

Integrados de Educação Pública) Mestre Marçal, que faz parte de um programa de

educação do governo do Rio de Janeiro. Essa unidade foi mais uma das homenagens

prestadas a Mestre Marçal. Como se vê, as homenagens ultrapassaram o âmbito da

música.

Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

39

Figura 20: Logomarca do CIEP Mestre Marçal, Rio das Ostras.

Em 2014 fui convidado a participar do VI Encontro Internacional de

Percussão de Tatuí para apresentar uma palestra e um concerto. Ambos foram

direcionados à figura de Mestre Marçal. Além da homenagem aos 20 anos da morte de

Mestre Marçal, foram arranjadas especialmente para o evento as músicas Agora é

Cinza, que completou 80 anos em 2014, e A Primeira Vez. Ambas escritas pelo

arranjador, percussionista, pianista e violonista Lua Lafaiette (Anderson Lafaiette), com

arranjos para percussão e Big Band com duas das mais famosas parcerias de seu pai,

Armando Marçal, com Bide.

40

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e

Considerações Sobre seu Uso

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

41

Sobre a constituição física do tamborim temos inicialmente as seguintes

descrições:

TAMBORIM (s.m.) Instrumento de percussão. Tambor pequeno. Usado no

Brasil especialmente nas danças cantadas de origem africana: cucumbis, maracatus

(QUERINO, 1922, p. 58).

Morais Filho relata o tamborim como próprio das danças e manifestações dos

cucumbis (MORAIS FILHO, s.d., p. 158 manuscrito).

Afonso Cláudio, citado por Luciano Gallet, refere-­se ao instrumento traduzindo-­o

por adufe, um pequeno pandeiro quadrado com pele dos dois lados (GALLET, 1934, p. 60).

O tamborim também é descrito como um pequeno aro de metal ou acrílico

recoberto com pele em um dos lados e percutido com baqueta ou vareta de bambu ou madeira. É

instrumento indispensável na batucada e no samba. Mário de Andrade cita o verso de Paulo

tucada / Onde impera o tamborim , do samba Deixa a Nega Pená

(DICIONÁRIO MUSICAL MÁRIO DE ANDRADE).

Segundo Frungillo:

membr. perc., s.m., pl.= tamborins

fundido em todo o Brasil como

unidas numa das extremidades) como forma de aumentar a intensidade das batidas. Usado em conjuntos populares de samba é

esticada, produzindo som bastante agudo. Sua técnica de execução

de pulso (fazendo o instrumento chocar-­

segura o instrumento (FRUNGILLO, 2003, p. 332).

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

42

O tamborim e a cuíca não tinham o mesmo formato físico dos que

conhecemos hoje em dia. Com o passar do tempo, esses instrumentos, considerados

antecessores ao tamborim, foram se desenvolvendo, modernizando e encontrando uma

maneira singular de se adaptar ao estilo do samba. Nas Figuras 21 a 24 temos algumas

réplicas que retratam os diversos modelos de tamborins ao longo do tempo, até chegar

ao formato físico atual que pode ser visto na Figura 24.

Figura 21: Tamborim com pele de cobra e cabo.

Figura 22: Tamborim com pele fixada por tachinhas metálicas.

Figura 23: Tamborim sextavado com afinadores individuais.

Figura 24: Modelo atual de tamborim.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

43

Podemos ver também a opinião sobre a origem do tamborim de um dos

maiores ritmistas e grande pesquisador do samba, o músico Osvaldinho da Cuíca17: o

tamborim, na minha opinião, é derivado dos tambores orientais. Ele não foi uma

invenção, ele foi uma inspiração. O Brasil é um país muito novo, e os países orientais

são praticamente os pioneiros na questão da percussão universal .

Esse instrumento, que veio a ser uma inspiração na visão de Osvaldinho da Cuíca,

tornou-­se um dos mais populares no Brasil, sendo praticamente indispensável sua

presença em grupos ou rodas de samba, bem como nas escolas de samba.

Em visita a um dos maiores e mais importantes fabricantes de instrumentos

musicais no Brasil, A Contemporânea Musical, averiguamos que somente essa empresa

produz no período pré-­carnaval no Brasil (janeiro a março) por volta de 5.000

tamborins, sendo 2.000 destinados ao mercado externo, tendo Cingapura como o maior

consumidor. O tamborim é encontrado como souvenir em lojas de aeroportos no Brasil.

Figura 25: Duty Free, Aeroporto de Guarulhos.

Figura 26: Tamborins em exposição, Duty Free,

Aeroporto de Guarulhos.

Outra curiosidade relatada pelo diretor da Contemporânea, Sr. Guariglia,

relacionada ao mercado brasileiro, mas que não diz respeito ao contexto musical

profissional, é a demanda por parte de empresas que costumam fazer eventos

17 Neste trabalho, identificaremos Osvaldo Barro pelo seu nome artístico, Osvaldinho da Cuíca.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

44

corporativos para os funcionários, para os quais são contratados percussionistas para

ministrar uma aula (onde há interação com os participantes) e o instrumento comumente

sugerido é o tamborim. Em média a fábrica produz de 200 até 1.000 tamborins para esse

tipo de evento. Geralmente são confeccionados com o emblema da empresa e o custo

não é tão alto, devido à qualidade de material utilizado. Logicamente, esse tipo de

instrumento jamais servirá de apoio a um músico profissional, dada a qualidade geral do

instrumento.

Mesmo que por décadas o tamborim tenha sido utilizado especificamente no

samba, podemos perceber que, nos últimos anos, com o advento da crescente

globalização musical e experimentalismo, o tamborim é encontrado hoje em dia em

diversas categorias musicais. Nessa dissertação fazemos um levantamento abrangente

que inclui tanto a música contemporânea como o rock and roll.

Segundo Marianne Zeh (2006)

[...]Os tamborins eram quadrados e, para afiná-­los, foram esquentados com fogueiras de jornal antes de tocar. Cada ritmista saía com folhas de jornal no seu bolso e, às vezes, parava no meio do desfile para esquentar. A pele, ainda de couro, não era fixado ao aro com tarraxa como hoje, mas pregado (ZEH, p. 169, 2006).

forma:

Se fazia tudo manual, era quadrado, sextavado, oitavado, posteriormente passou a ser torneado de madeira de 3 polegadas, era menor que esses convencionais. Era madeira inteiriça, se derrubasse no chão, quebrava. Os tamborins de afinação mais fixa começaram a ser construídos primeiramente com 4 tarraxas, não dependendo mais das fogueiras e jornais (BARRO, 2014).

De acordo com o depoimento de Guariglia (2014):

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

45

O tamborim sextavado tinha muita demora em fabricar. O som não era bom, e enquanto se fazia um destes, do tradicional, eram trinta. Os tradicionais eram de madeira, metal e fórmica com 12 tarraxas para afinação. Para o mercado japonês, foi feita uma adaptação de

Isso credita-­se possivelmente pelo tamanho das mãos, e que também não influencia na qualidade do som do instrumento (GUARIGLIA, 2014).

Possivelmente o relato mais antigo sobre a utilização do tamborim no

carnaval seja o depoimento prestado ao Museu da Imagem e do Som (MIS) por João da

Baiana (João Machado Guedes, nascido no Rio de Janeiro em 1887 e falecido também

naquela cidade em 1974). Em um trecho desse depoimento, ele dá destaque ao

tamborim:

[...] na época o pandeiro era só usado em orquestras. No samba quem introduziu fui eu mesmo. Isto mais ou menos quando eu tinha oito anos de idade e era Porta-­

o era tamborim grande e de cabo (DICIONÁRIO CARVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, apud GIANESELLA, 2009, p. 155).

Logicamente não podemos nos esquecer de Alcebíades Barcelos, o Bide.

Cabral conta que foram os sambistas Bide e Bernardo, os criadores do tamborim. Bide

foi um dos fundadores da Deixa Falar. Segundo Cabral a

de samba, nunca foi escola de samba. Foi, na verdade, um bloco carnavalesco (mais

tarde, um rancho) no bairro de Estácio de Sá (CABRAL, 2011, p. 41). A Deixa Falar

foi muito importante para o desenvolvimento da percussão no samba. Foi ali, em 1928,

ano de sua criação, que surgiram o surdo e a cuíca.

O próprio Bide não tem certeza se foi ele que inventou o tamborim e o levou

para a escola de samba, como mostra a seguinte citação na entrevista dada a Cabral

(2011)

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

46

mesmo, sem bloco nem nada. Bem, o tamborim eu encontrei, eu não tenho certeza se fui

No entanto, algumas fontes da internet ainda insistem em creditar a

criação do tamborim a Bide.

Nas próximas seções desse capítulo, apresentamos alguns exemplos em que

o tamborim desenvolve um papel diferente daquele encontrado na atuação do tamborim

na roda ou escola de samba.

Primeiramente, na Seção 2.1, mencionamos alguns grandes tamborinistas,

que foram os primeiros a deixar um legado para o instrumento. Posteriormente, citamos

alguns grandes nomes de tamborinistas da atualidade com o intuito de traçar um

panorama dos instrumentistas, assim como fornecemos informações que possam servir

de fonte para possíveis pesquisas futuras.

Na Seção 2.2, abordamos alguns aspectos relevantes do uso do tamborim na

escola de samba.

Já a Seção 2.3 mostra o emprego do tamborim fora do contexto do samba,

em direção ao contexto da música pop (no caso, o pop-­rock brasileiro). Elucidamos,

através de transcrições das duas primeiras inserções da sua utilização, que isso ocorreu

através do filho de Mestre Marçal, o Marçalzinho. Em contexto semelhante, já no rock

americano, comentamos a introdução d mborins pelo percussionista

brasileiro Mauro Refosco. Ambos utilizaram o instrumento e a rítmica do samba no

rock.

Na Seção 2.4, mostramos a utilização do tamborim na música orquestral,

bem como em grupos de percussão e em duos de percussão, onde o enfoque está na

maior variedade de timbres possível.

Na Seção 2.5 diferentemente das outras, a

abordagem será a utilização do tamborim ao realizar um samba em um conjunto

orquestral. Os exemplos ocorrem em dois contextos diferentes, um mais direcionado à

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

47

escrita e outro de total liberdade de criação. Outro aspecto que destacamos é a relação

entre o tamborim e um instrumento que exerce uma função parecida dentro do samba, o

cavaquinho.

Para finalizar esse capítulo, iremos mostrar outro aspecto que muitas vezes

não é valorizado e que faz muita diferença no resultado final em produções musicais,

que é participação do técnico ou engenheiro de som. Para essa seção, foi entrevistado o

responsável por inúmeras gravações em que Mestre Marçal esteve presente e que estava

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

48

2.1. Os Tamborinistas

Faremos uma síntese em ordem cronológica de importantes músicos os

quais consideramos que deixaram um legado para a geração atual de percussionistas.

Com certeza, em um país de dimensões continentais como o Brasil, há um número

enorme de músicos e muitos deles podem ter influenciado gerações futuras de

tamborinistas. De modo a evitar qualquer equívoco ou omissão de informação, fica a

ressalva de que essa dissertação limitou-­se aos músicos atuantes nos Estados do Rio de

Janeiro e de São Paulo.

Há um problema no levantamento sobre a produção artística de um

determinado período de nossa história. O caso mais comum encontrado é a falta de

informação nas fichas técnicas contidas nos LPs, sem mencionar os casos em que elas

sequer existem ou contém informações inconsistentes. Muitas vezes aparecem os nomes

de vários percussionistas somente mencionados como ritmo, ou seja sem a divisão por

instrumento específico de percussão que cada um tocou nas gravações. Porém é

importante ter em mente que naquele período, diferentemente dos dias atuais, existiam

especialistas em cada instrumento, o que nos leva a identificar a correta distribuição de

instrumentos pelo naipe de percussão. A especialidade é tão latente que podemos

reconhecer as características de cada instrumentista ao analisarmos o áudio das

gravações.

2.1.1 Alcebíades Maia Barcelos Bide

Compositor e instrumentista, nasceu em Niterói em 25 de julho de 1902.

Aos seis anos, foi com a família para o Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Trabalhou

como sapateiro ao lado do irmão Rubem.

Em 1928, foi um dos fundadores da primeira escola de samba, a Deixa

Falar, ao lado de Ismael Silva, Baiaco, Brancura, Mano Aurélio, Heitor dos Prazeres,

Mano Rubens, Nilton Bastos e Mano Edgar. Foi, antes de tudo, um pioneiro na

instrumentação das baterias de escolas de samba. A ele se deve a introdução do surdo e

do tamborim no acompanhamento dos sambas

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

49

(DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA,

2015a).

No final da década de 1920, deixou a profissão de sapateiro,

profissionalizando-­se na música. Além de projetar-­se como compositor, Bide tornou-­se

um dos primeiros ritmistas brasileiros a gravar em disco. Ele participou na gravação de

Na Pavuna, lançada no carnaval de 1930. Cabral (2011, p. 53)

do lançamento de Na Pavuna , ele [Bide] estreava como tamborinista num estúdio de

gravação, integrando o conjunto Gente do Morro, que também fazia sua estreia em

Em outras gravações, Bide também tocou outros instrumentos de percussão,

como ganzá, surdo, e cuíca. Naquela época, muitos ritmistas faziam aparições em

filmes. Bide aparece tocando cuíca no filme Alô, alô, Carnaval, de 1936, em que a

cantora Aurora Miranda (irmã de Carmen) interpreta a música Molha o pano. Nessa

música, Bide faz um solo em dois tempos em um compasso de 2/4. No entanto, o

instrumento que ficou mais emblemático em suas performances foi certamente o

tamborim.

2.1.2 Armando Vieira Marçal

Lustrador de móveis, compositor, ritmista e vice-­presidente da Escola de

Samba Recreio de Ramos, Armando Vieira Marçal nasceu no Rio de Janeiro em 14 de

outubro de 1902 e faleceu em razão de uma parada cardíaca quando estava nos

escritórios da gravadora Victor, em 20 de junho de 1947. Segundo a lenda, morreu

rindo, pois sofreu o infarto logo após gargalhar de uma piada contada no estúdio

(AGENDA DO SAMBA-­CHORO, 2014).

De família pobre e infância difícil, cursou com dificuldade o primário e

iniciou-­se no ofício de lustrador de móveis, no qual se especializou, tendo trabalhado na

Casa Pratts e nos Hotéis Avenida, Rio Hotel e Vera Cruz, entre outros locais.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

50

Formou com Alcebíades Barcelos (Bide) uma das mais importantes duplas

de compositores da Música Popular Brasileira, além de serem considerados a maior

dupla de tamborins nos estúdios de rádio e gravação.

Primeiro de uma tríade de grandes ritmistas, Armando teve em sua família o

filho Nilton Delfino Marçal, mais conhecido como Mestre Marçal, e o neto Armando de

Souza Marçal (Marçalzinho), que não chegou a conhecer e que deu continuidade à

dinastia, representando-­a muito bem. Em fins dos anos de 1970, já era possível

encontrar o nome de Marçalzinho destacado em vários projetos.

Bide e Marçal, além de parceiros, compositores e ritmistas, foram

samba da Turma do Estácio.

2.1.3 Bucy Moreira, Arnô Canegal e Raul Marques

Esse trio, que podemos considerar contemporâneo de Bide e Marçal, foi

formado por aqueles que seguiram mais adiante com a carreira de compositores e

ritmistas, possivelmente o primeiro trio de tamborins do samba.

Bucy nasceu no Rio de Janeiro em agosto de 1909 e faleceu em 1984. Tinha

como avós maternos, Marciano Eduardo Moreira e Sophia Eduarda Moreira, e paternos,

João Batista da Silva e Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata.

Tia Ciata tornou-­se uma referência histórica por sua inserção na cultura

negra, e por fundadar o 1º Bloco Carnavalesco de Rua, o Rosa Branca, que saía na Rua

Visconde de Itaúna, rua que desapareceu com o surgimento da Av. Presidente Vargas.

Na casa de Tia Ciata reunia-­se grande número de artistas, entre compositores, cantores e

cronistas da época, como Taffy, João da Baiana, João da Mata, Cândido das Neves,

Catulo da Paixão Cearense, Donga, Marinho do Cavaquinho, Heitor dos Prazeres,

Mario de Almeida, entre outros.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

51

A casa e o quintal de Tia Ciata eram, segundo os estudiosos da cultura

brasileira, um autêntico reduto do samba18. O local também era frequentado pelo pai de

Bucy, excelente violonista. E foi no ambiente deste quintal cultural que surgiu Bucy

Moreira como sambista e compositor.

Considerado por todos, como excelente ritmista, Bucy foi contratado pela

Columbia e depois pela Continental para acompanhar cantores. Os ritmistas da

Continental eram Bucy, Osvaldo Caetano Vasques (Baiaco) e Cartola da Mangueira.

Além desse trabalho como ritmista, ele passou a integrar vários grupos no Brasil e fora

do país, apresentando-­se, por exemplo, no Uruguai, em 1947 e 1952. Lana Turner, que

Moreira. 19

Arnaud Canegal (Arnô) nasceu em 12 de janeiro de 1915 na cidade do Rio

de Janeiro, onde faleceu em 21 de março de 1986.

No início da década de 1940, integrou a orquestra do maestro Fon-­fon como ritmista, seguindo com o grupo em excursão pela Argentina e Uruguai. Participou de várias excursões com Zacarias e sua Orquestra. Trabalhou como ritmista da Escola de Samba de Herivelto Martins e do Trio de Ouro, em espetáculos no Cassino da Urca. Participou da

Brasil. Em 1942, seus sambas Só Você em parceria com Ari Monteiro, e Doce de Coco em parceria com J. Batista, foram gravados na Victor por Cyro Monteiro. (DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, 2015b)

Irmão de outro grande ritmista, o Wilson Canegal, Arnô também participou

de gravações com Pernambuco do Pandeiro (Hermeto Pascoal era o acordeonista nessa

gravação), com os Sambistas do Asfalto em Assim é o Samba (1960) e Sambistas do 18 Segundo Sandroni, a importância atribuída a Tia Ciata pelos cronistas do samba se deve especialmente a Pelo Telefone, que, embora tenha Donga com autor oficial, essa música teria sido na verdade uma produção coletiva gestada em sua casa, e considerado unanimemente como a primeira composição

ONI, 2001. p. 100). 19 Exposição, libreto e show musical, uma realização do Coletivo de Produção Cultural Aracy de Almeida e Família de Bucy Moreira, em parceria com a Arte Nova Produções Artísticas.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

52

Asfalto (1967), entre outros. Reiterando a ressalva sobre as fichas técnicas, observa-­se

no disco de Jamelão (Continental, 1980) a seguinte Marçal-­

Canegal. Também não

informa qual Marçal, se Nilton ou Armando. Esse tipo de registro foi observado

diversas vezes durante a pesquisa.

Raul Marques nasceu no dia 24 e agosto de 1913 no Rio de Janeiro (no

bairro da Saúde) e faleceu em 1991.

[...] Raul Gonçalves Marques teve a sua fase áurea como compositor nos anos 40: era de sua autoria cerca de oitenta por cento dos sucessos do cantor Jorge Veiga. Como ritmista, além de participar de gravações de disco, integrou vários grupos, como o Favela, criado pelo cantor Francisco Alves e que mais tarde, com a incorporação do Trio de Ouro, passou a chamar-­ rio de Ouro e Escola de Samba Pouco depois, Raul Marques participou de um grupo de sambistas liderado pelo grande compositor Geraldo Pereira. Não foi apenas como compositor que desfrutou dos benefícios profissionais que a ascensão das escolas de samba possibilitava. As gravadoras foram buscar no seio das próprias escolas os instrumentistas de que necessitavam para as gravações de samba. E Raul Marques foi um dos ritmistas mais requisitados, fazendo uma carreira tão longa quanto vitoriosa (História das Escolas de Samba Vol. 4, Som Livre)20 (informação disponível no BLOG RECEITA DE SAMBA, 2014).

Raul nos dá importantes informações sobre o contexto profissional de sua

época em entrevista a Cabral (2011, p. 349):

Cabral: Você começou a trabalhar desde cedo como ritmista de gravação?

20 Disponível em: <http://cliquemusic.uol.com.br/escolas-­de-­samba>. Acesso em: 15 abr. 2015.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

53

Raul: Muito cedo. Comecei a trabalhar com o Mister Evans, que era diretor artístico da RCA Victor. Trabalhei muito com o Simão Boutmann também. Gravei muito com a Carmem Miranda na Odeon. C: Quais eram as craques do ritmo, os caras que estavam em tudo que era gravação? Raul: O Bide, o Armando Marçal, o Valdemar Silva, o Bucy Moreira, eu mesmo, o falecido Chico da Marcelina, e o Baiaco de vez em quando. Os mais assíduos eram o Bide e o Marçal.

Até no cinema esse trio trabalhou junto. Em 1943, participam do inacabado

filme Jangada, de Orson Welles (não foi possível descobrir quais instrumentos

tocavam). Posteriormente, Raul (tocando tamborim), Bucy (também no tamborim) e

Arnô (tocando cuíca) participaram do filme Pif-­Paf, estrelado por Adoniran Barbosa e

Walter D Ávila (Cinédia, 1945).

Posteriormente ao trio formado por Bucy Moreira, Arnô Canegal e Raul

Marques, apareceu um dos mais famosos trios de tamborins, que era o trio formado por

Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Infelizmente, não encontramos vídeos dos três juntos em

nosso levantamento.

Luna, Eliz

levantamento

preciso e definitivo da discografia desse grupo de músicos é uma tarefa difícil. Em

primeiro lugar, devido à falta de ficha técnica dos discos e, em segundo lugar, devido à

enorme lista de gravações de que participaram desde os anos de 1950 até meados de

1990. Nosso intento não foi realizar nessa dissertação um levantamento extensivo e

completo das gravações que esse trio atuou.

2.1.4 Roberto Bastos Pinheiro

Roberto Bastos Pinheiro é mais conhecido como Luna. Com uma invejável

lista de participações em discos, é considerado até hoje pelos sambistas como um dos

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

54

maiores ritmistas do país. Infelizmente, além das fichas técnicas de discos, há muita

dificuldade em encontrar informações mais pertinentes sobre sua carreira e até mesmo

sobre sua data de nascimento e falecimento. Não foi possível encontrar muitas

informações sobre ele, seja por entrevistas ou por registros em vídeo. Podemos

constatar sua presença no Especial de Paulinho da Viola para a TV Tupi, realizado em

1981, com Marçal nos tamborins.

Talvez uma das últimas aparições dele tenha ocorrido no Heineken Festival

de 1993, tocando surdo com Rafael Rabello, e também acompanhando o mesmo artista

no programa Ensaio da TV Cultura, ao tamborim. Cristina Buarque supõe que a última

gravação de Luna tenha sido no CD Resgate (de Cristina Buarque) em 1990, lançado

para o mercado japonês, e depois relançado no Brasil em 1994.. Cristina relata que Luna

.

(BUARQUE, 2013)

Segundo Neves (2014), Luna tocava de tudo, até mesmo bateria. Em nossa

pesquisa encontramos somente um vídeo na internet onde Luna toca pandeiro em um

regional de choro21. Trabalhou na Rádio Mauá no grupo do violonista Cesar Faria

acompanhando cantores e calouros, onde se destacava Jacob do Bandolim e,

posteriormente juntamente com o mesmo Jacob, teve participações na Rádio Nacional

do grupo de Cesar Moreno.

2.1.5 Elizeu Félix

Elizeu nasceu em 14 de junho de 1924 no Rio de Janeiro e faleceu na

mesma cidade em 13 de fevereiro de 2009. Seu primeiro instrumento foi um pandeiro

fabricado por seu irmão22, o qual Elizeu atesta que o influenciou. Gravou com

praticamente todos os artistas importantes de sua época. Elizeu tocou com Humberto

Teixeira e Ary Barroso, entre muitos outros. Chegou a participar da banda de Paulinho

da Viola, tocando bateria ao lado de Seu Dininho, o então baixista da época. Seu último

trabalho profissional antes de sair da cena musical foi com Beth Carvalho.

21 Vídeo do YouTube https://www.youtube.com/watch?v=VFLWysjZZpY. Acesso: Junho 2015. 22 Não conseguimos obter o nome do irmão de Elizeu Félix.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

55

Desiludido, Elizeu se tornou flanelinha nas ruas do Rio de Janeiro, até ser

reconhecido pelo compositor Paulo César Pinheiro, com quem já havia gravado vários

discos e feito participações em algumas produções musicais. Diante da dificuldade de

Pinheiro em convencer Elizeu a voltar a tocar, a cavaquinista Luciana Rabello, esposa

de Pinheiro, foi ao encontro de Elizeu e, no ano de 2003, conseguiu que ele voltasse a

gravar e tocar. Após essa gravação, houve algumas participações de Elizeu em shows.23

(Acervo O GLOBO, 9 de junho 2003)

Em 2006, Elizeu foi convidado a participar do show de lançamento do CD

Sem Compromisso, de Marçalzinho e Moacyr Luz, que ocorreu no SESC Pompeia em

homenagem à família Marçal. Um momento ímpar em que os percussionistas mais

jovens puderam ver e ouvir, após muitos anos de reclusão, um dos principais

protagonistas da percussão brasileira. Diante das dificuldades financeiras e problemas

de saúde, Elizeu foi morar no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro, onde permaneceu

até sua morte.

2.1.6 O Trio

Luna, Mestre Marçal e Elizeu possivelmente se conheceram na Rádio Clube

do Brasil. A partir daí, nascia o trio de percussão que mais gravou no samba;; eles

praticamente moravam nos estúdios. Gravavam com Wilson das Neves na bateria,

que relata que as sessões de gravação começavam às 9 da manhã e duravam até as 3 da

manhã do dia seguinte, quase que diariamente. Wilson era quem fazia dobra de

tamborim (quando necessário) junto com o trio.

Os três brigavam bastante entre si. Há uma gravação em que os três não se falavam, mas tocaram olhando um para o outro. O respeito e afinidade entre eles eram enormes, quando um não podia, o outro não gravava o tamborim, mesmo conhecendo

O único que sentava na cadeira quando um não ia era o das Neves (MARÇALZINHO, 2014).

23 Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-­ao-­acervo/?navegacaoPorData=200020030609 Acesso: 03 mai. 2014.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

56

Sobre a performance do trio na gravação da música Tô Voltando no disco

Pedaços, de 1979, o músico Nelson Ayres relata: realmente não me lembro exatamente

qual dos três fez o tamborim solo. Imagino que tenha sido o Marçal, que era o líder. O

que me lembro perfeitamente bem é que parecia que o estúdio ia decolar (AYRES,

2013).

Mestre Marçal era o líder do trio. Geralmente, os produtores e arranjadores

ligavam para ele avisando das gravações. Não se sabe o porquê disso, mas pode ter sido

em razão da importância de Mestre Marçal ser um diretor de bateria, ou ainda por ser

Elizeu permaneciam tocando o mesmo padrão, Mestre Marçal ficava mais livre para

criar outras variações.

Quanto às afinações, em algumas gravações é possível reconhecer as

diferenças entre os três tamborins, podendo afirmar que na sua totalidade eram

utilizados couro animal, até mesmo depois do invento da pele de plástico. Nos anos de

1970, percebem-­se algumas mudanças na afinação dos tamborins, que costumavam ser

bastante graves até aquele momento. Já nos anos de 1980 a afinação dos tamborins

sobe, como de quase todos os instrumentos de percussão. Bolão (2014) relata como ele

Perguntado ainda

sobre a afinação, Oscar Bolão

som entre os tamborins .

Ao longo dos anos em que trabalhou com o trio, Wilson das Neves relata

nunca ter ouvido nenhum deles dizer algo sobre afinação ou sobre como tocar. Presume-­

se que, quando estavam afinando os instrumentos, cada um pensava num som que

combinasse com o que o outro percussionista estava afinando. Não havia nada pré-­

estabelecido, apenas decidido na hora, intuitivamente.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

57

Com relação à quantidade de variações rítmicas, Neves (2014) diz que

e gravando

todos os dias, seria lógico que novas ideias apareceriam. Eles também não tocavam

como nas escolas de samba, virando o tamborim. Sobre esse aspecto, veremos exemplos

disso posteriormente nessa dissertação.

O sucesso desse trio foi tão marcante que chamou a atenção de um

percussionista de Aruba, Michael de Miranda, o qual acabou gravando os três padrões

mais usuais do trio em um vídeo encontrado no YouTube. Por curiosidade, em contato

com o percussionista, ele relatou ter encontrado essa informação no livro Batuque é um

Privilégio, do baterista e percussionista Oscar Bolão. No documentário As Batidas do

Samba, Wilson das Neves exemplifica outra variação que ele credita a Mestre Marçal.

Encontramos durante a pesquisa, uma única aparição em vídeo desse trio, e

que foi realizada com Dona Ivone Lara, em 1976, na música Tiê, na qual nem todos

tocaram tamborim. Luna estava no surdo, Elizeu no tamborim e Mestre Marçal na cuíca.

Cremos que o livro de Bolão (2003), e posteriormente o vídeo de Wilson

das Neves, ajudaram muito novos percussionistas a conhecer um pouco da grandeza do

contraponto desses tamborins. Nas rodas de samba, quando há mais de um tamborim, é

Elizeu .

Apesar dessa grande identificação de variações d

creditar essa invenção a Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Bucy Moreira, Arnô Canegal e

Raul Marques já seguiam esse conceito, em que cada um toca

nas escolas de samba já se tocava dessa maneira.

Para não nos limitarmos somente a esses grandes nomes que serviram de

legado, e também com o intuito de divulgar nomes menos conhecidos dentro do cenário

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

58

musical atual, citaremos alguns músicos que representam, ou representaram, tão bem

esse instrumento, quer seja através de gravações ou de performance ao vivo.

No Rio de Janeiro:

Manacé José de Andrade (Manaceia, 1921-­1995): Velha Guarda da

Portela.

Otto Enrique Trepte (Casquinha da Portela, 1922): Velha Guarda da

Portela, trabalho autoral.

Wilson das Neves (1936): Elis Regina, Elizeth Cardoso, Chico Buarque,

trabalho autoral.

Robertinho Silva (1941): João Bosco, João Donato, Milton Nascimento,

trabalho autoral.

José Belmiro Lima (Mestre Trambique, 1945): Ney Matogrosso, Grupo

Semente, Elton Medeiros.

Humberto Cazes (1955): Camerata Carioca, Moacyr Luz, Fátima Guedes,

Baticum.

Armando de Souza Marçal (Marçalzinho, 1956): Paulinho da Viola,

Jorge Vercillo, Simone.

Celsinho Silva (1957): Paulinho da Viola, Nó em Pingo D água, Ney

Matogrosso.

Sidon Silva (1968): Pedro Luís e a Parede, Monobloco, Ney Matogrosso.

Em São Paulo:

Osvaldo Barro (Osvaldinho da Cuíca, 1940): Adoniran Barbosa,

Germano Mathias, Beth Carvalho, trabalho autoral.

Jorge Henrique da Silva (Jorginho Cebion, 1945): Eduardo Gudin, Vânia

Bastos.

Gerson Martins (Gersinho da Banda, 1969): Beth Carvalho, Monarco,

Carmen Queiroz.

Yvison Pessoa (1977): Beth Carvalho, Quinteto em Branco e Preto, Nei

Lopes.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

59

Julio Cesar Barro (1982): Osvaldinho da Cuíca, Germano Mathias,

Demônios da Garoa.

Edison Martins Junior (Teco Martins, 1974): Roberta Miranda, Art

Popular.

Certamente iremos cometer injustiças com alguns músicos que não

conhecemos ou esquecemos, mas apresentamos somente uma pequena lista de grandes

percussionistas que desempenham um grande trabalho no tamborim em São Paulo e no

Rio.

Vale registrar, de forma breve, dois outros momentos importantes para o

tamborim. Deocleciano da Silva Paranhos, o Canuto, e outro ritmista conhecido

somente pelo apelido de Andaraí foram os tamborinistas da primeira gravação em 1929

da música Na Pavuna, segundo Henrique Foréis Domingues, mais conhecido

popularmente por Almirante. João da Silveira, da União Parada de Lucas, foi eleito o

melhor tamborinista do carnaval de 1938, promovido pelo jornal A Pátria.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

60

2.2 O Tamborim na Escola de Samba

Sobre a atuação dos tamborins nas escolas de samba encontramos a seguinte

descrição:

O tamborim é a prima dona da bateria. É ele quem toca os famosos floreios, que fazem com que algumas escolas de samba se destaquem pela criatividade rítmica. Sempre guardando novidades debaixo da manga, os tamborins costumam dar shows à parte sob as cabines dos jurados. Os bons improvisadores no instrumento são os virtuoses do samba. Como o centroavante aparece mais aos olhos da torcida porque é ele quem faz os gols, o tamborim é um dos instrumentos favoritos da arquibancada, pois seu som, mais agudo que dos outros instrumentos de membrana, salta aos ouvidos. Por causa dessa necessidade de cantar alto, ele costuma ser percutido com baquetas que se ramificam em dois ou três pedaços. O teleco teco do tamborim é o cartão de visita de todas as modalidades de samba, e sua voz, improvisada, tem a ginga mais genuína: aquela que é guiada mais pela inspiração do sambista do que pela necessidade de manter o ritmo. (RODHIA -­ Projeto Cultural, Coordenação Ricardo Ohtake e texto João Gabriel de Lima, Instrumentos Musicais Brasileiros [198-­]).

Hoje em dia o mais importante é a velocidade e a quantidade de

intervenções que o tamborim faz. Quando se realiza uma busca textual na internet com

o termo tamborim, o que se encontra com maior frequência, com pouquíssimas

exceções, são vídeos e instruções de como se tocar o tamborim em escolas de samba,

não havendo menções aos princípios básicos do instrumento, ou seja, como se toca

numa roda de samba.

Segundo Cabral (2011, p. 96)

15 ritmistas,

em dia, a maioria das escolas sai com no mínimo 300 ritmistas.

Como afirmado anteriormente, o tamborim era quadrado, sextavado ou

oitavado, tocado com pele de animal, que alguns ritmistas dizem ser de gato, outros de

cabra, ou ainda de boi.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

61

Mestre Marçal comentou que o tamborim usava couro de boi, não couro de

gato, como afirmado por muitos sambistas. Para Mestre Marçal, o couro de gato seria

um mito. No seu depoimento ao pesquisador Carlos Didier, ele fala a respeito:

Couro de gato não tem resistência, é igual a papo de galinha. É um mito que existe no samba e que não é verdade. [...] Sempre foi couro de boi, que naquela época se chamava de raspa. [...] Para encourar, você molhava a pele, encostava no aro e dava duas tachas no mesmo lado, numa ponta e na outra. Puxava o couro e botava tacha em todo o lado oposto, bem preso. Para os outros dois lados, a mesma coisa. Quando o cara não queria deixar a tacha aparecendo, fazia, com o próprio couro molhada, um viés para cobrir. Botava em cima e dava uma tacha em cada ponto (DIDIER, apud CABRAL, 1996, p. 102).

Na fabricação de seus tamborins de couro, a fábrica de instrumentos

musicais Contemporânea utiliza a pele de cabra, que é mais fina do que a pele de boi.

O couro na época influenciou também a sonoridade, pois produz um resultado sonoro diferente do nylon utilizado hoje. Mudou também a baqueta, que era menor, com aproximadamente 10 cm, e de espessura de aproximadamente 3 mm, sem cabeça diferenciada, o que produzia um som mais aveludado. Atualmente a baqueta de tamborim é comprida, mede de 30 a 50 cm de comprimento, dependendo do fabricante, e o nylon que substituiu o bambu é flexível, resultando em um som semelhante a um estalo. Com a flexibilidade da baqueta, transformou-­se também a maneira de tocar. Antigamente, tocava-­se o tamborim de lado, a batida se encaixando no conjunto do restante da bateria. Havia improvisação, enquanto hoje o arranjo é padronizado. Nas palavras metralhadoras. (CABRAL apud ZEH, 2006, p. 170).

Osvaldinho da Cuíca (BARRO, 2014) relata que eram usadas várias

-­teco que era carioca, e variedade tem

que ter a síncopa, outro variando e pode ter outro dobrando. Além da afinação, e

adquiridas pelo trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal. O percussionista Edison Martins, ao

relatar suas experiências em escolas de samba, informa que, ao chegar à Mangueira, viu

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

62

o pessoal tocando o teleco-­teco rodado e outros tocando o carreteiro24 e que, por

coincidência, na escola paulista da Vai Vai tinham três fileiras, sendo que as duas

primeiras faziam o teleco-­teco. E continua relatando:

Quando cheguei lá já, no final dos anos 1980, começo dos anos 1990, já tinha esse som na minha cabeça. [...] Infelizmente não existe mais isso nas escolas, uma vez que andamento não permite mais esse tipo de variações. O que se percebe é uma enorme quantidade de variações, às vezes até exageradas, onde o naipe todo de tamborins toca em uníssono (MARTINS, 2014).

Mestrinel (2009) afirma que em São Paulo, essa levada foi primeiramente

introduzida na bateria da Nenê de Vila Matilde, assim como a ida do naipe de tamborins

para a frente da bateria.

No fim da década de 1980, o naipe de tamborim passa a ser posicionado à

frente da bateria. Joãozinho, antigo tamborinista matildense e dono da loja de

instrumentos Redenção, em uma conversa em seu estabelecimento, contou que antes o

tamborim era visto como um instrumento pouco impor

tocar na bateria o mestre mandava tocar um tamborim lá próprio

Joãozinho, juntamente com Betão e Dartgan (importantes tamborinistas da escola Nenê

de Vila Matilde), estavam introduzindo em São Paulo a maneira carioca de virar o

tamborim, que estava sendo desenvolvida a partir da bateria da Salgueiro (RJ). Eles

acharam que era injusto ficar no fundo da bateria e resolveram ir à frente durante um

ensaio. Mas o mestre e diretores não queriam aceitar e houve uma discussão que

culminou num embate físico. Finalmente, o tamborim conseguiu se manter à frente da

bateria e, depois da Nenê de Vila Matilde, outras escolas de São Paulo começaram a

e por todas as

24 consiste na execução de 4 notas (semicolcheias) por tempo (de semínima) com a movimentação do tamborim no eixo do braço. A primeira nota é tocada com a pele posicionada para cima, bem como a segunda, após a execução da segunda nota, o tamborim é virado, e a terceira nota é tocada com a baqueta incidindo na pele pelo lado oposto, desvirando o instrumento. A quarta nota é tocada com o tamborim

as subdivisões do pulso (MESTRINEL, 2009, p. 173).

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

63

principais baterias paulistanas (IBIDEM).

No Rio de Janeiro, uma das escolas de samba que deve seu prestígio em

grande parte devido à bateria é a Mocidade Independente de Padre Miguel, que também

é conhecida entre os sambistas como a bateria da paradinha de Mestre André. Na

década de 1990, a bateria ganhou outro destaque: a ala dos tamborins. O diretor de

bateria Jonas, cujo nome completo não nos foi possível determinar, foi um dos diretores

de tamborins que resolveu inovar, tornando-­se assim a ala mais famosa do carnaval

carioca.

Assumindo o novo cargo de diretor de tamborim, Jonas sentiu a vontade de inovar e criou a ala mais famosa do Rio. Quando assumiu

25

, mas,

junto com a letra, mas nos seus intervalos, num tipo de diálogo. Criou muito sofisticados que agradavam aos ritmistas e jurados

e, logo, foram copiados por outras escolas. Inovando sempre, Jonas criou mais do que um arranjo para um samba. No desfile, os tamborins tocavam .

Como mencionado acima, vários modelos de baquetas de tamborins foram

criados ao longo dos anos e hoje em dia ficou fixado como padrão, o modelo de baqueta

de plástico, seja ela com uma, duas ou três hastes. Algumas escolas preferem utilizar

somente o modelo com uma haste, com o desenvolvido de corpo mais largo no intuito

de não perder o volume e de ser menos cansativo comparado às demais hastes.

As características físicas das baquetas foram mudando com o tempo. No

início, eram pequenas e finas, depois vieram as de bambu, com recortes no meio para

ajudar na sonoridade, porém eram mais fáceis de quebrar. Isso fazia com que o ritmista

tivesse que andar com várias baquetas no bolso da calça para poder chegar ao término

25 iro e de outros instrumentos menores como cocalho e agogôs.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

64

madeira migraram para baquetas de bambu mais longas e maleáveis na década de 60, e

depois para material plástico, na década de 70. , apud Julio Cesar

Farias, p. 85).

Esse modelo novo de baqueta surgiu primeiramente com a intenção de se

encontrar um material mais resistente.

soluções com outros tipos de baqueta. Na escola de samba Imperatriz Leopoldinense, uma nova baqueta foi introduzida no final dos anos 70. Um dos ritmistas, responsável pelo naipe, procurou um material mais estável, porém flexível, que não quebrasse. Ele encontrou um

ao propósito: Arredondou as pontas, afinou um lado e cortou em 45 a 50 cm de comprimento (as anteriores mediam por volta de 30 a 35 cm). Por ser de uma vara só,

como usada na maioria das escolas, ela ficou conhecida como a baqueta típica da Imperatriz (ZEH, 2006).

O posicionamento e afinação dos tamborins variam de mestre para mestre.

A Mangueira, por exemplo, é uma escola que utiliza o naipe de tamborins posicionados

no corredor com 34 ritmistas desde 2007. Trouxe inovação em 2014, com a parada da

bateria, que ficou somente com os surdos de marcação, enquanto o resto da bateria

trocou seus instrumentos por tamborins. Por volta de um minuto, a bateria contou com

254 tamborinistas fazendo frases em uníssono, e com um efeito de LED nas peles que

ao serem percutidas se acendiam. Mestre Odilon Costa costuma intercalar as afinações

usando grave e agudo. Diz ele que, no resultado final, cria-­se a sensação de mais

ritmistas. Na Escola Unidos de Vila Maria, em São Paulo, o Mestre de bateria Rodrigo

Neves Alves (Mestre Moleza) usa afinação mais grave nos tamborins desde 2014.

A utilização dos tamborins mais graves pode ser favorável para distinguir de

forma mais clara com relação às caixas, que são bastante agudas;; podendo gerar maior

distinção entre ambos. Os tamborins estariam deste modo, num estágio intermediário

entre os instrumentos agudos (chocalhos, caixas e repiques) e graves (surdos).

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

65

De acordo com o Mestre Odilon Costa, em seu livro Batuque Carioca,

encontra-­se a seguinte informação:

A distribuição geográfica dos instrumentos de uma bateria varia de escola para escola, mas algumas regras parecem ser seguidas pela maioria delas. Os instrumentos leves (pandeiros, tamborins, chocalhos, cuícas, etc.) costumam vir na frente da bateria (COSTA, GONÇALVES, 2000, p. 14).

Uma invenção que acabou não dando muito certo, pelo menos na avenida,

borins. Foi criada a fim de possibilitar que uma única pessoa

pudesse tocar vários tamborins ao mesmo tempo, gerando maior massa sonora. Sua

primeira versão era uma estrutura de ferro com três tamborins de cada lado. Cada mão

tinha uma alavanca ligada a um cabo de aço, que ao ser acionada moviam as baquetas

de plástico na extremidade suspensas em frente ao instrumento. Assim, poderiam ser

tocados vários tamborins ao mesmo tempo.

Essa estrutura ficava presa na cintura, e talvez fosse incômoda devido ao

peso e também ao tamanho da fantasia utilizada durante o desfile. Infelizmente, não é

possível afirmar em qual ano e escola esse artefato foi utilizado. Mas, fora da avenida, é

foi aperfeiçoada, tornando-­se fixa numa estante, já não sendo mais necessário prendê-­la

ao corpo.

Algumas empresas de percussão já fabricam esse artefato, hoje podendo

chegar até 10 tamborins no total. O nome mais conhecido é tamburica, mas também já

ouvimos o nome de politamborim. Este último nome foi supostamente dado pelo

inventor26, que, quando foi registrá-­lo, descobriu já haver outro registro com o nome de

tamburica.

26 https://www.youtube.com/watch?v=v2huDDJx4NM

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

66

Figura 27: Tamburica com 8 tamborins.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

67

2.3 O Tamborim Além da Escola de Samba e da Roda de Samba

Na música brasileira, também podemos destacar o pioneirismo do

percussionista Armando Marçal (Marçalzinho). Vindo de família de sambistas, ele

aproveitou sua vivência no gênero e aplicou as características rítmicas e estilísticas do

samba em outros ritmos. Sua primeira experiência desse tipo foi em uma gravação com

o grupo de rock brasileiro Blitz, no começo dos anos 1980, na música Egotrip, do disco

Blitz 3, gravado pela EMI-­Odeon. Nessa gravação, Marçalzinho utiliza os instrumentos

de samba como tamborins, cuíca e surdos. Ele toca a levada do samba enquanto os

outros instrumentos da banda continuam tocando do mesmo modo da parte anterior da

música. A bateria mantém-­se na levada do rock com a tradicional caixa tocada

acentuada no segundo e no quarto tempo.

Antes de exemplificarmos as levadas de Marçalzinho através de transcrições

musicais, iremos discutir sobre a notação musical para tamborins, já que é um tema

bastante debatido de forma pertinente entre músicos e que não se encontra definido até o

momento.

A respeito da notação, Moita (2011, p. 139) discorre sobre o problema:

Mesmo depois de várias publicações abordarem o tema de diversas maneiras, as

publicações mais recentes ainda apontam problemas relacionados à notação para

instrumentos de percussão com som de altura indeterminada .

Utilizamos uma escrita já comum e de certa maneira consolidada para o

instrumento, que é a indicação dos toques realizados pela baqueta e dos toques

realizados pelos dedos embaixo da pele.

O tamborim é provavelmente o instrumento da seção rítmica com maior

liberdade na execução. Portanto, uma partitura ou transcrição de tamborim executada na

íntegra pode não ter efeito tão positivo no resultado final, como imaginado pelo

arranjador ou compositor. Usualmente, o ritmista pensa em formas distintas de tocar

quando insere o tamborim dentro de uma música, seja mantendo a levada, que é de

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

68

predominância do teleco teco, seja com suas variantes dentro de um contexto melódico,

seja improvisando.

A Figura 28, mostra um exemplo de notação utilizada por Oscar Bolão em

seu livro Batuque é um Privilégio (BOLÃO, 2003). Ele foi muito feliz ao desenvolver

uma forma de escrita na qual os toques realizados com os dedos são colocados na linha

inferior, ou seja recebendo grande importância, tanto quanto as notas tocadas através da

baqueta na pele que são escritas na linha superior da partitura.

Figura 28: Notação para tamborim (BOLÃO, 2003).

Partindo do conceito de Gianesella (2009, p. 168):

Dentro de uma linguagem baseada no idioma popular, a fluência é importante para a caracterização do estilo, portanto, um sistema que prioriza a anotação dos movimentos das mãos mais do que a sonoridade resultante pretendida, aumenta a complexidade da leitura e pode atrapalhar a performance (GIANESELLA, p. 168).

Partindo de uma pesquisa que se encontra ainda escassa, decidimos seguir

uma sugestão encontrada na dissertação de mestrado do baterista Hélio Cunha (2014),

que por sua vez, baseou-­se na escrita de Carlos Stasi para representar os sons de

platinela do pandeiro. As notas percutidas com os dedos na parte inferior do

instrumento serão representas com a figura da haste como no exemplo da Figura 29

abaixo. A diferença entre a que escolhemos com a de Cunha está na relação entre a

escrita que sugerimos para as notas percutidas na parte superior da pele. Permanecemos,

portanto, utilizando a figura da nota acima da linha. Diferentemente de Cunha, que

utiliza a nota na parte inferior.

Abaixo iremos exemplificar as duas maneiras de escrita.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

69

Figura 29: Exemplo de escrita de complemento executado com os dedos percutindo a parte inferior do

tamborim. Abaixo segue a sugestão para escrita do toque com a baqueta na pele.

Figura 30: Exemplo de escrita do toque com a baqueta na pele.

Dentro dessa proposta de escrita, ilustramos abaixo, uma forma mais ampla

de como ficariam alguns dos padrões característicos mais utilizados por Mestre Marçal.

Figura 31: Exemplo de levada de Mestre Marçal com a notação utilizada.

Quando executamos um toque com uma dinâmica extremamente baixa,

utilizaremos a cabeça de nota entre parênteses, comumente chamada de nota fantasma

(ghost notes), como mostram as Figuras abaixo.

Figura 32: Nota entre parênteses ou nota fantasma.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

70

Figura 33: Levada utilizando notas fantasma.

Na Figura 34 há um exemplo onde toques simples com a baqueta convivem

com o toque de dedos da parte inferior do tamborim.

Figura 34: Exclusão do toque na parte inferior do tamborim.

Sobre a maneira de Mestre Marçal tocar essa levada, faremos uma

observação importante. Talvez seja a levada mais utilizada nas escolas de samba, a

chamada levada de carreteiro. Mestre Marçal não utilizava o procedimento

tamborim para tocar essa levada, por isso manteremos essa forma de escrita.

Figura 35:

Para situações onde o ritmista toca a levada de carreteiro, iremos utilizar

uma outra grafia, na qual substituiremos a haste que representa o toque com os dedos na

parte parte inferior da pele, , como mostra a figura abaixo.

Figura 36: Grafia para toque virado.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

71

Essa mesma levada, ilustrada na Figura 35, quando tocada com o toque

, torna-­se a levada demonstrada na figura 37 abaixo.

Figura 37: Escrita para tamborim virado.

Nas Figuras 38 e 39 temos respectivamente a ilustração do toque regular e

gira sobre seu eixo voltando a

pele para baixo, enquanto a baqueta percute o tamborim de baixo para cima, no curso do

rebote do movimento da baqueta.

Figura 38: Tamborim tocado de forma tradicional

Figura 39: Tamborim tocado virado.

A levada de teleco-­teco por conta de suas inúmeras variações pode ser

interpretada de diversas maneiras. Na Figura 40, vemos a levada que é mais presente na

obra de Mestre Marçal, com o complemento do toque com os dedos na parte inferior do

instrumento.

Figura 40: Levada de teleco teco.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

72

Uma segunda variação é a levada característica tocada na frigideira27, conforme demonstrada na Figura 41.

Figura 41: levada de teleco-­teco com o toque virado.

Abaixo segue uma ilustração da frigideira com a baqueta.

Figura 42: Frigideira utilizada no samba.

Temos ainda o exemplo do tamborim sendo tocado executando-­se todas as

semicolcheias com a baqueta na pele com diferentes nuances de acentos dinâmicos. No

caso dos acentos, os dedos não abafam a pele, e para esse tipo de toque utilizaremos o

símbolo abaixo da nota específica. Quando executarmos o toque com baqueta na

pele abafada pelos dedos utilizaremos o símbolo + . Veja na Figura 43 um exemplo

desse caso.

27 -­ Frigideira pequena de metal, utensilio usado para frituras culinárias,

metal na mão direita (originalmente era utilizada uma faca). Além de percutir o instrumento com movimentos normais, foi desenvolvida uma técnica de rotação do cabo que permite a execução muito

receu (FRUNGILLO, 2014, p. 128).

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

73

Figura 43: Acentos com s toque

Por fim, ilustraremos a notação do tamborim quando ocorre o toque

simultâneo de aro e pele, conforme mostra a Figura 44 abaixo.

Figura 44: Toque no aro e pele simultaneamente.

Os outros instrumentos que aparecem nas transcrições contidas nessa

dissertação foram grafados da seguinte maneira:

Anexo ao texto dessa dissertação, há um CD contendo trechos de várias

músicas analisadas nesse trabalho. O intuito, além de trazer ao grande público o

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

74

conhecimento de uma fonte de áudio já selecionada e muitas vezes de difícil acesso, é

ilustrar de forma mais completa, as transcrições incluídas no texto. A indicação no

número da faixa, bem como a minutagem onde se encontra o trecho tratado dentro da

faixa, encontram-­se entre parênteses nas legendas das Figuras relacionadas, conforme

mostrado abaixo.

Figura 45: Tamborins e cuíca. Egotrip. Blitz 3 (1985). 3:15-­3:22 (faixa 1 do CD).

Na Figura 45 acima, ilustramos o primeiro exemplo a ser tratado aqui, e diz

respeito à inclusão dos tamborins no cenário pop-­rock brasileiro. Primeiramente,

borim e, na sequência,

a cuíca aparece com duas notas tocadas na região aguda do instrumento. A entrada da

.

Após quatro compassos de pausa, Marçalzinho retorna com os tamborins e

surdo, fazendo alusão ao surdo característico da escola de samba Mangueira, tocando

sempre no segundo ou no quarto tempo. Isso vai acontecendo aos poucos, com a entrada

em fade in28, enquanto a cuíca fica livre para improvisar. Após um determinado período

em que a melodia se repete várias vezes, a música segue com o propósito de fazer um

diminuendo para o final, ou um fade out29.

28 Fade in: recurso utilizado nos estúdios, onde através da mixagem o áudio pode fazer uma dinâmica crescente. 29 Fade out: recurso contrário ao fade in, em que o trecho musical mixado vai sumindo até desaparecer.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

75

Figura 46: Final da música Egotrip (1985). Tamborins e surdo. 03:28-­04:18 (faixa 2 do CD).

O segundo exemplo é extraído do disco Selvagem do grupo Paralamas do

Sucesso, lançado em 1986 pela EMI. Na ocasião, Marçalzinho aparece em três faixas.

Aqui exploraremos a música Alagados, que foi a única em que ele usou somente um

instrumento de percussão do samba, o tamborim, diferentemente do exemplo anterior

com a banda Blitz, em que se usaram mais instrumentos de uma batucada. Em ambas,

ele pensou o tamborim da mesma maneira, ou seja, tocar os três com afinações

diferentes sem virar.

[...] Depois de tantos hits inspirados no rock inglês, aumentava o interesse em se criar uma linguagem brasileira para o gênero. Os ritmos africanos e caribenhos invadiam a Europa sob o rótulo de world musicfórmulas desgastadas da new wave. E quando todos pensavam que as bandas daqui já tinham explicado o que era o rock ao brasileiro, os Paralamas resolveram confundir tudo30.

Na transcrição a seguir, ilustrado na Figura 47, o tamborim de Marçalzinho

nos faz lembrar as frases comuns utilizadas dentro da bateria de uma escola de samba.

Sobre essa gravação, Marçalzinho (2015) explica:

Foram 3 tamborins com afinações diferentes, fazendo o carreteiro sem virar. Foi uma idéia minha. Aquela onda Jamaica (ritmo das congas) do percussionista que tocava muito com o Steve Gadd, Ralph

30 Disponível em: http://osparalamas.uol.com.br/cds/selvagem-­1986/ -­ Acesso em: 06 mai. 2015.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

76

McDonald. E eu lembrei dessa levada e passei pra eles [Paralamas] essa levada e no refrão e no final eles perguntaram se eu tinha uma ideia. Ai eu pensei em Madureira. Pensei numa bateria. E ai eu posso tentar eessa onda dos tamborins. Voce ve que so tem conga, cowbell e tamborins. Três tamborins com afinações diferentes tocando carreteiro só que sem virar. Eu toco das duas maneiras, quando é essa onda de bateria eu toco virando. Quando é mais MPB se você vira a tendência é chocar. Porque ja tem a bateria, hit hat, ja tem a caixa, isso é a maneira mais limpa de você tocar um tamborim, sem virar. Mas quando a base é de ritmos mesmo ai toca virado. E com a Blitz a mesma idéia (MARÇALZINHO, 2015).

Figura 47: Tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 1:00-­1:06 (faixa 3 do CD).

Na parte final da música, podemos observar uma maior variação dessas

frases utilizadas no contexto da escola de samba. Enquanto Marçalzinho faz as levadas

conforme ilustrado na figura 48, a bateria continua com a levada de rock, conforme

mostra a figura 49.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

77

Figura 48: Parte final de tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 4:22-­-­4:58 (faixa 4 do CD).

Figura 49: Levada de Bateria. Alagados. Paralamas do Sucesso.

Para demonstrar a importância da possibilidade de inclusão da percussão

brasileira no pop-­rock nacional, citamos Marcos Esguleba, que se refere a Marçalzinho

como o grande representante dos ritmistas em outros contextos musicais além do samba.

Pra mim o melhor e maior percussionista/ritmista do Brasil é o Marçal [Marçalzinho] [...] Porque ele é da nossa geração, ele é sambista igual a gente, conseguiu abrir a porta pra gente pro rock. [...] Ele é

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

78

percussionista de tudo que se vê por ai, é nosso rei do samba igual a gente [...] Primeiro se fala em Armando Marçal [Marçalzinho], depois a gente. O pai [Mestre Marçal] deixou um cara para guiar a gente aí, [...] O melhor cara que tem no Brasil de percussão, sem sombra de dúvida (SILVA, M., 2015).

Deste modo, observa-­se que após as primeiras incursões de Marçalzinho em

gêneros distintos do samba, outros instrumentos típicos do samba, como a cuíca e o

reco-­reco, foram introduzidos em outros ritmos.

Percussionista radicado em New York desde 1990, Mauro Refosco foi um

dos primeiros a utilizar a tamburica no pop e no rock. Refosco foi para Nova Iorque

fazer mestrado na Manhattan School of Music em percussão clássica, e com o tempo foi

se tornando conhecido na música popular. Consequentemente, foi deixando a música

clássica de lado para trabalhar com grandes nomes da música popular americana.

Com sólida carreira, participou de trabalhos que vão desde o

acompanhamento da cantora Bebel Gilberto, até um grupo de forró Forró in the Dark,

que ele mesmo criou e que virou um sucesso na Big Apple. Mauro usa a tamburica em

grupos pop e, por muitos anos, tocou esse instrumento na banda do artista David Byrne,

ex-­membro do Talking Heads. Por três anos, também usou a tamburica em uma das

bandas de maior prestígio no mundo do rock, o Red Hot Chili Peppers. Refosco

comenta seu uso da tamburica:

A primeira situação em que eu a utilizei, que não fosse no contexto de música brasileira, foi numa turnê com o David Byrne em 2000/2001. Tinha uma música que nós tocávamos, um beat meio dance music, que no final da música, que era muito comprida, o meu roadie trazia a máquina [de tamborins] montada numa estante de prato e eu tocava alguns compassos do final dessa musica. O efeito sonoro e visual era muito legal, pois a plateia ficava primeiro supercuriosa em saber que porra era aquilo, e depois maravilhada pelo efeito sonoro e rítmico que produzia. Com o Red Hot Chili Peppers, eu levei ao estúdio quando fui gravar com eles. Como eram basic tracks, o input que eu tive foi maior do que se eu fosse chamado para fazer overdubs depois que os basic tracks estivessem prontos. Uma das primeiras músicas que

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

79

gravamos (aliás, era tudo gravado sem click e com poucos takes) foi a musica Maggie, que acabou virando o single do disco e chegou ao número 1 do Billboard Rock Charts. Maggie tem um ritmo meio New Orleans, DC Gogo vibe. Gravei tudo meio de improviso, [usei] um chequebalde, com cowbell fazendo uma linha bem tradicional de funk, nos chorus coloquei pandereta e na bridge da música a maquininha de tamborim foi o instrumento que mais casou com a vibe que tava rolando. Acabei gravando uma linha de samba reggae, na linha que a batera e o baixo estavam fazendo. Tive que botar um swing para encaixar com o jeito que eles estavam tocando, mas é realmente uma linha de samba. Como a banda é muito popular no mundo inteiro, muitas pessoas vêm me perguntar que instrumento é esse, pois todos ficam fascinados pela sua estética e efeito musical. Uso muito em gravações no meu estúdio e está sempre à mão (REFOSCO, 2014).

O grupo Pedro Luís e a Parede, sediado no Rio de Janeiro e integrado por

C. A. Ferrari, Celso Alvim, Sidon Silva e Mario Moura, se caracterizam por ser um

grupo que faz a junção de instrumentos do samba com outros ritmos. A partir de então,

nasceu o grupo Monobloco.

Essa ideia de pegar os instrumentos da escola de samba e tocar outros ritmos com ele já circulava no Rio de Janeiro, nos anos 90, com os grupos Baticum e Funk em Lata. Quando o PLAP [Pedro Luís e A Parede] foi convidado para fazer um workshop em 2000, no Sesc Vila Mariana, pensamos em pegar os instrumentos do samba e transpor para essa orquestração alguns grooves com o ritmo. Já no carnaval de 2001, rolou uma sensação muito bacana, pois conseguimos fazer um baile bem diferente, que passeava por vários gêneros da música brasileira31.

O Monobloco tem uma escola que ensina batucada e no carnaval, chegam a

colocar os alunos para tocar junto com os mais experientes. O grupo virou referência

entre as batucadas universitárias. Com grande sucesso, com muita frequência,

costumam lotar casas de espetáculo, com uma agenda repleta de shows no país e no

exterior.

O grupo é formado por 17 ritmistas liderados pelo percussionista Sidon

Silva, sendo 3 deles no tamborim.. No Monobloco, o tamborim é utilizado como uma

31 Dez vezes Monobloco. Guia da Semana. Disponível em: <http://www.guiadasemana.com.br/shows/noticia/dez-­vezes-­monobloco>.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

80

segunda caixa, respondendo àquela caixa de bateria que toca no segundo e quarto

tempos de um 4/4 (mais pop). Sidon disse que se juntou ao grupo, um especialista no

instrumento que veio da Mangueira, o Juninho, profundo conhecedor de muitos arranjos

para tamborim. A partir de então, começaram a desenvolver formas de tocar outros

gêneros. Por serem abertos à mudança todos podem oferecer sugestões. Nas músicas

32 também são utilizadas. Outros exemplos imitativos, como citações

musicais, são utilizados, como por exemplo, o tema principal do filme Missão

Impossível, ou refrãos de músicas do Red Hot Chili Peppers. Quando tocam frevo,

geralmente o tamborim dobra com o chocalho ou triângulo, ou ainda transportam uma

o tamborim.

Os tamborins são utilizados com afinação bem alta, e a baqueta que eles

utilizam é, na verdade, uma haste com misturas de plástico e outro material, cuja

combinação eles mantêm em segredo. A microfonação do grupo também é bastante

peculiar. Como seus shows são muito agitados, eles desenvolveram uma microfonação

ficando livres para maior mobilidade no palco, sem a necessidade de ficar somente num

lugar (SILVA, S., 2014).

Os padrões do tamborim de samba encaixam-­se muito bem com os padrões

de música pop. O exemplo mais utilizado pelos percussionistas pode ser aquele que se

tornou mais famoso entre nós, que é o carreteiro.

32 . Ao apresentá-­la em cena, Guarnieri era acompanhado por um trio de flauta (Neném), violão (Carlos Castilho) e percussão (Anunciação), já tendo a canção, na ocasião, a famosa introdução com o acorde de quinta diminuta sob a

< http://mpbartistas.blogspot.com.br/2006/07/upa-­neguinho.h>

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

81

2.4 O Tamborim Utilizado na Música Contemporânea

Depois de ter sido utilizado na orquestra sinfônica em 1926,

especificamente na obra Choros n. 6, de Heitor Villa-­Lobos, o tamborim foi utilizado

em algumas obras sinfônicas e foi sendo gradativamente mais empregado dentro do

repertório de grupos de percussão. Na figura 50, a escrita do tamborim foi mantida na

forma original da partitura com o intuito de apenas divulgar a utilização do instrumento

nesse contexto.

Figura 50: Parte de tamborim. Choros n. 6, Villa-­Lobos.

A primeira peça escrita para um grupo de percussão que utiliza o tamborim

é a Variações Rítmicas de Marlos Nobre, escrita em 1963 para seis percussionistas e

piano. Na figura abaixo apresentamos um pequeno trecho da parte de tamborim. O

toque deve ser executado como estiver escrito, utilizando baqueta tocando na pele

regularmente, não sendo necessária a utilização dos dedos na parte inferior do

instrumento e respeitando a intenção composicional do compositor.

Figura 51: Parte de tamborim. Variações Rítmicas, Marlos Nobre.

Além de obras para grupos de percussão, posteriormente podemos observar

peças escritas para trios, duos e solo de tamborim. Nessas obras, observa-­se muito do

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

82

que chamamos hoje em dia de técnicas estendidas. O tamborim passa a ser executado de

formas que irão além da tradicional que estamos acostumados a tocar, isto é, com uma

mão segurando o tamborim e a outra tocando com uma baqueta. Podemos observar na

Figura 52 algumas diferentes maneiras de segurar o instrumento.

Figura 52: Diferentes maneiras de segurar o tamborim.

Nessas obras, que classificamos como contemporâneas, o tamborim é

utilizado de forma a explorar intensamente suas potencialidades, com a maior amplitude

de timbres possível. É comum nessas obras encontrar a utilização de notação específica

para efeitos, utilização de gráficos como referência de execução. Quanto a mudança da

sonoridade regular do instrumento, encontramos recursos variados como por exemplo o

uso de fitas autocolantes no meio da pele. As técnicas também são variadas, como, por

exemplo, tocar com duas baquetas simultâneas, duas mãos com diversas regiões de

toque, utilização de abafamento com o corpo, entre outras técnicas instrumentais.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

83

Faremos uma explanação mais detalhada sobre esse aspecto, pois a forma de utilização

do instrumento se torna um pouco mais complexa.

Na obra Jegolino, de Carlos Stasi33, escrita para o Duo Ello, há um exemplo

da utilização de diferentes partes da mão para tocar o instrumento. Jegolino foi

composta em 2009 e tem sua estrutura dividida em duas seções. A primeira parte utiliza

dois tamborins e a segunda é escrita para zabumba e pandeiro tocado com um reco

reco34.

A primeira parte da obra é a que realmente nos interessa neste momento.

Essa seção começa em uníssono nos dois tamborins, que são tocados com as mãos, sem

utilização de baquetas. O compositor demanda o uso de tamborins com diferentes

tamanhos e afinações, em que ambos devem usar pele animal. A obra utiliza técnicas

não convencionais, como, por exemplo, percutir com a ponta dos dedos na borda do

instrumento, com o osso da mão no centro, raspar as unhas na pele enquanto embaixo se

aperta com a outra mão para gerar glissandos, tapas, entre outras técnicas.

Característica presente em suas obras, Stasi valoriza o uso do conceito de

é muito claro, podendo se distinguir todas as nuances. Predomina na obra um sentido

rarefeito, não dando uma sequência rítmica entre as passagens. Não é um samba, nem

uma referência (por causa dos uníssonos dos tamborins na escola de samba), mas tem

um impacto maravilhoso. Podemos destacar outras duas obras para tamborins: Três

Bambas de Lucas Rosa (2002) e Era Luna, Elizeu e Marçal, de Oscar Bolão (2003). A

obra de Lucas da Rosa, com duração de aproximadamente 8 minutos, utiliza diversas

técnicas estendidas para o instrumento como, por exemplo, toques em diferentes regiões 33 Carlos Stasi é professor de percussão na UNESP, onde dirige o Grupo de Percussão da UNESP PIAP;; é também compositor e membro do Duo Ello ao lado do percussionista Guello (Luiz Carlos Xavier Coelho Pinto), outro grande nome da percussão popular brasileira. Esse duo foi formado em 2000 e lançou seu primeiro CD, Link, em 2005. Stasi possui uma obra extensa para percussão nas mais diversas formações. 34 esquerda segura o pandeiro em posição vertical, ou seja, em pé. Essa mesma mão segura uma baqueta de plástico que passa sobre a pele do pandeiro desde a parte inferior até a superior. A mão direita segura um tipo de reco-­reco de superfície plana que raspa determinadas partes do pandeiro (aro, platinelas e a outra baqueta da mão esquerda apoiada sobre a pele) e também percute a pele e outras partes do pandeiro de distintas maneiras.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

84

tanto na pele como no aro do tamborim, diversos tipos de rulo executados com dedos,

modificação de sonoridade através do abafamento ou semi-­abafamento do instrumento

pelo corpo do próprio instrumentista. Na obra encontram-­se bem definidas as partes

onde as técnicas tradicionais do tamborim são aplicadas em uma linguagem típica do

samba, como também, em contraposição, possui partes onde o principal é a exploração

tímbristica do instrumento em uma linguagem contemporânea com relação ao estilo

composicional. A obra de Bolão é caracterizada por uma linguagem típica do samba e

suas peculiaridades.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

85

2.5 O Tamborim na Orquestra

Em um levantamento envolvendo o repertório orquestral brasileiro, não

encontramos obras que utilizem o tamborim como uma forma de tocar fora do contexto

em que é executado na música popular brasileira. Os dois exemplos apresentados são

obras em que tive oportunidade de tocar com um conjunto orquestral.

Primeiramente, mencionamos uma obra de Radamés Gnattali, reconhecido

principalmente pelos trabalhos dentro das Rádios Nacional e Mayrink Veiga do Rio de

Janeiro. A Rádio Nacional criou sua própria orquestra de música brasileira, em que,

dentre os abundantes arranjos, aparece o antológico arranjo de Aquarela do Brasil de

Ary Barroso, de 1939.

Gnattali escreveu em 1950/51 seu Concerto Carioca n. 1 para piano, violão

elétrico e orquestra, dedicado a Laurindo de Almeida. O quarto e último movimento

dessa obra, chamado de Samba, é o que tratamos aqui. Nesse movimento, o compositor

utiliza um grupo com doze percussionistas, dos quais seis estão nos tamborins. Radamés

escreveu três linhas diferentes de tamborins, sendo que cada dois percussionistas

executam a mesma frase.

No único registro encontrado com a Orquestra Sinfônica Continental, do

ano de 1965, podemos observar que a gravação está diferente da partitura. A bateria que

ouvimos não faz parte da partitura original. Não é de nosso conhecimento a razão da

inclusão da bateria em vez de outros instrumentos de percussão.

Essa mesma obra foi regravada no início de 2015 pela Orquestra Sinfônica

Municipal de Campinas, que respeitou a formação original da partitura, com seis

tamborins, surdo, caixa, pandeiro, dois reco-­recos e dois chocalhos. O autor foi

convidado a fazer parte do naipe de tamborins para essa gravação, e já no primeiro

encontro com os demais surgiu uma dúvida a respeito da interpretação da escrita.

A escrita utilizada pelo compositor necessita de um percussionista que tenha

familiaridade com a escrita para bateria. Ele optou por utilizar um sistema no qual o

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

86

O

numa bula de bateria, que se refere ao uso dos pratos de choque ou chimbal.

Ficou acordado entre o naipe de tamborins que os trechos em que surgissem

essas notações seriam interpretados aplicando o conceito de toque aberto e toque

abafado como descrito acima. Nas Figuras 53 a 55 apresentamos as três linhas de

tamborins que eram executadas sempre com repetição. Quanto à primeira levada,

demonstrada na Figura 53, ficou definido que os dois tamborins utilizados nessa frase

estariam com uma afinação mais aguda.

Figura 53: Frase de tamborim agudo. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali compassos 7 a 42.

A segunda levada, ilustrada na Figura 54, seria tocada com afinação média.

Figura 54: Frase de tamborim médio. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali, compassos 9 a 42.

A terceira levada, demonstrada na Figura 55, utilizou uma afinação grave.

Apesar de termos escrito somente dois compassos na Figura 55, a frase se desenvolve

continuamente como se fosse um deslocamento de três sobre quatro, onde temos duas

semicolcheias tocadas com baqueta mais uma pausa de semicolcheia, gerando um

deslocamento rítmico continuo.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

87

Figura 55: Frase de tamborim grave. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.compassos 11 a 42.

Em outra parte do concerto surgiu uma dúvida com relação à execução, pois

há uma indicação de toque na madeira do corpo do instrumento. Uma frase semelhante

ritmicamente com a primeira levada mostrada acima. Ver na Figura 56 a indicação de

toque na madeira.

Figura 56: Frase de tamborim tocado na madeira. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.

Em decisão conjunta com o maestro, ficou estabelecido que, ao invés de

tocar na madeira (o que causava certo desconforto), todos deveriam tocar na borda do

instrumento, na parte superior, percutindo na pele e no aro de madeira simultaneamente

(rim shot). Assim, os harmônicos se sobressaíam, de maneira similar ao que

caracterizava o estilo de tocar de Mestre Marçal.

Outra mudança ocorreu com a interpretação do terceiro tamborim (grave).

Ao invés de tocar somente os abertos e fechados, foi determinada a inclusão de um

acento a cada dois toques de baqueta, mudando assim a interpretação da levada. Essa

alteração corrobora com outra peculiaridade de execução ao tamborim de Mestre

Marçal, que iremos observar mais detalhadamente em outro capítulo. A

Figura 57 abaixo mostra a mudança. Tanto dos acentos como o da escrita

para a minha levada, dando ênfase à importância da utilização dos dedos na parte

inferior do instrumento.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

88

Figura 57: Frase do tamborim grave com mudança de acento. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.

Além dessa modificação, durante a gravação do Concerto n. 1, a levada de

três tamborins causou certo desconforto entre os solistas. As causas podem ter sido o

próprio distanciamento físico do naipe de percussão em relação aos solistas, ou até

mesmo uma dificuldade de compreensão das frases executadas pelo trio de tamborim.

Deste modo, nesses trechos, decidiu-­se pela adição do surdo para auxiliar no

acompanhamento.

Semelhante à Gnattali, o outro exemplo vem do maestro Cyro Pereira

pianista, compositor, arranjador, músico de rádio e TV, e que assim como Gnattali era

gaúcho. Cyro foi professor de arranjo do Departamento de Música da UNICAMP, e

membro fundador da Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo, onde

permaneceu por mais de 20 como compositor residente e maestro titular.

A obra que iremos tratar de Cyro chama-­se Jobimniana Fantasia e foi

composta sobre temas de Tom Jobim. Essa obra foi escrita para a Orquestra Sinfônica

Municipal de Campinas em 1980 e posteriormente acrescida de mais duas versões. A

que aqui ilustramos é a ultima versão escrita para a Orquestra Jazz Sinfônica, em que

tive oportunidade de trabalhar com o maestro por mais de dez anos, e onde, por diversas

vezes, tive o privilégio de tocar sua obra regida por ele próprio.

O trecho a ser comentado é exatamente aquele em que o tamborim é o

solista. O compositor deixa que o instrumentista execute o tamborim completamente à

vontade em todas as três versões da obra. A única diferença é a exclusão de um

compasso quando da entrada do tamborim, cuja mudança na partitura foi autorizada

pelo maestro Cyro Pereira.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

89

Neste trecho ocorre uma pausa para a orquestra toda: o compasso 133 é

seguido de um solo livre de cinco compassos, ainda na versão antiga, até a entrada da

melodia da tuba, com flautim tocando a melodia de Desafinado, como observado abaixo

na grade original escrita pelo arranjador.

Figura 58: Manuscrito da partitura de Jobimniana, de Cyro Pereira.compassos 133-­138.

O que chama a atenção nesses cinco compassos é o cuidado que se deve ter

com a frase melódica que seguirá. A levada demonstrada na Figura 59 é a mais usual e a

que todos comumente -­ .

Figura 59: Frase de tamborim de teleco-­teco.

Se a levada for tocada dessa maneira, no compasso 138 haverá um

Posteriormente, o atual regente adjunto da Orquestra Jazz Sinfônica, Fábio

Prado, responsável pelas digitalizações das obras do maestro Cyro Pereira, confidenciou

que, na ultima revisão, o arranjador permitiu a exclusão desse quinto compasso. Assim,

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

90

caso ocorresse a utilização dessa mesma levada, não haveria mais problemas, já que a

Segundo Gianesella (2012):

Após Villa-­Lobos, vários compositores já utilizaram os instrumentos brasileiros de percussão no contexto orquestral, mas poucos ousaram explorar mais profundamente seus recursos. Acreditamos que em virtude de um desconhecimento geral do idiomatismo desses instrumentos, e, portanto de suas técnicas e possibilidades sonoras, em geral os compositores limitam-­se a notar uma rítmica básica, deixando por conta dos percussionistas a execução da articulação apropriada, que realmente fará com que aquela notação simplificada soe musicalmente apropriada. Porém, ao fazer isso, o compositor está delegando ao percussionista uma grande responsabilidade, na esperança de que o intérprete tenha o conhecimento empírico necessário para realizar tal tarefa. Sabemos que mesmo no Brasil, a profundidade do conhecimento técnico e estilístico sobre muitos

brasileiro, o atabaque, o repinique, o berimbau, a cuíca, a alfaia, o tamborim etc. varia muito entre os percussionistas (GIANESELLA, 2012).

Devido a esse tipo de problema, o próprio maestro Fábio Prado, na

reorganização da grade, optou por inserir uma levada para o tamborim, visando auxiliar

um possível percussionista que não tenha familiaridade com a linguagem do

instrumento. Geralmente as obras do maestro Cyro Pereira são tocadas nas mais

variadas salas de concertos e não se sabe de antemão qual tipo de músico irá executá-­la;;

por isso, a preocupação com a inserção da levada. Porém, cabe ressaltar que é uma

sugestão que pode ser ou não seguida.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

91

Figura 60: Entrada tamborim Jobimniana. Cyro Pereira

Ainda, segundo Gianesella:

Portanto, confiar apenas na famosa ginga do percussionista brasileiro pode ser perigoso, tanto para o compositor, que pode ter sua música tocada de forma inapropriada, quanto para o intérprete, que muitas vezes não têm na partitura os elementos mínimos necessários para compreender a intenção do compositor. Além disso, no caso de uma obra dessa natureza ser tocada no exterior, provavelmente a parte da percussão seria tocada exatamente como escrita, ou seja, apenas a figura rítmica básica sem nenhuma articulação que lembre, mesmo que remotamente, o ritmo pretendido pelo compositor, como já foi testemunhado por diversas vezes (GIANESELLA, 2012).

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

92

Cyro sempre deu muita liberdade ao percussionista popular dentro da

orquestra. No entanto, quando ele realmente queria um determinado tipo de som, ele

escrevia a parte quase que na sua totalidade.

Essa é uma amostra sucinta de dois exemplos onde podemos perceber as

duas principais dificuldades de decisão interpretativa que surgem na interpretação de

instrumentos típicos brasileiros dentro da música orquestral: aquela em que o

percussionista fica à vontade para definir a execução do instrumento, e outra em que ele

deve /compositor escreveu. Mas é possível imaginar que

Radamés era aberto a mudanças dentro de sua orquestração, fato que pode ser atestado

pela inclusão da bateria que ocorreu na primeira gravação dessa obra.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

93

2.6 A Execução do Tamborim Por Outros Músicos Não Considerados Tamborinistas

Nesta seção, iremos relatar opiniões de alguns dos grandes músicos que não

têm o tamborim como primeiro instrumento, mas que tinham, ou têm com ele, uma

estreita relação de paixão e respeito, pois fizeram grandes registros com esse

instrumento em shows e gravações.

Especificamente trataremos de um baterista, um baixista, um pandeirista,

dois cavaquinistas e um cantor. A escolha desses músicos vem da admiração pelos

trabalhos que desenvolvem nas bandas dos cantores e sambistas Paulinho da Viola e

Zeca Pagodinho.

O primeiro a ser relatado entre eles chama-­se Hércules Pereira Nunes35, um

baterista com 61 anos de carreira profissional. Há muitos anos faz do grupo de Paulinho

da Viola. Nós o encontramos num show em que tocava tamborim, e não bateria como

de costume. Notamos a desenvoltura com que manuseava o instrumento, haja vista que

em sua discografia consta uma dezena de aparições no tamborim (BANCO DE

MÚSICAS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E CULTURA, 2015).

Ao relatar sobre a maneira de tocar tamborim, Hércules aproveita e faz um

depoimento sobre o Mestre Marçal.

Eu trazia a escola antiga em que me baseei e me baseei também na escola de Mestre Marçal, que é de um tempo antigo também. Só que ele era considerado um dos maiores ritmistas do Brasil. Mestre Marçal era um elemento fabuloso, muito amigo, muito brincalhão e foi uma perda não só para nós músicos, mas também para a música popular brasileira [...] Mestre Marçal foi uma figura imprescindível no mundo do samba (NUNES, 2015).

O segundo músico a que nos referimos é Dininho (Horondino Reis da

Silva), companheiro de Hércules na banda de Paulinho, seja no contrabaixo ou em dupla

de tamborinistas, em shows e gravações. 35 Disponível em: http://www.discosdobrasil.com.br -­ Acesso em: 18 abr. 2015.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

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Dininho toca com Paulinho da Viola desde 1970. Já tocou com João

Nogueira, Elton Medeiros, Rafael Rabello, entre outros. Ele relatou que seu primeiro

contato com a percussão foi com o pandeiro, aos 5 anos de idade, na Rádio Nacional,

onde seu pai (Dino Sete Cordas) tocava com Jacob do Bandolim. Dininho relembra seu

início como músico:

segundo pandeiro e me botava na mão. Ficava nós dois tocando junto. E aí o ritmo foi

um negócio muito forte desde pequeno. (SILVA, H., 2015).

Em alguns discos de Paulinho da Viola, encontra-­se uma grande quantidade

de faixas gravadas pela dupla, inclusive em algumas em que Mestre Marçal se faz

presente tocando cuíca. Dininho conta que, quando entrou na banda de Paulinho,

encontrou Mestre Marçal e seu parceiro Elizeu. Foi nessa oportunidade que ele,

observando, começou a aprender as levadas.

Então, muitas coisas eu fui vendo o jeito que ele tocava e como eles combinavam dois tamborins, as vezes três, para não embolar, para não ficar fazendo a mesma coisa. Eles tocavam cada um com uma batida diferente, sendo que essas três batidas se entrelaçavam. Aqueles três tocando [Luna, Elizeu e Marçal] davam a impressão de que tinha uns quinze tocando [...] Então, quando a gente ia gravar, que o Luna era incorporado, eu ficava vendo como eles faziam o tipo de batida e aí aprendi isso. Vendo assim, então, às vezes eu toco com eles aqui no conjunto (SILVA, H., 2015).

E a respeito da função do tamborim, Dininho a define desta maneira:

Eu acho que o tamborim é o que dá molho ao ritmo, é porque a maioria dos instrumentos de ritmo são aqueles instrumentos quase que

uma variação ou outra. Agora [...] eles têm várias, eu adoro tocar tamborim justamente por isso, para você ficar mais livre. Sempre respeitando aquilo que eu falei, senão fica um rolo miserável todo mundo tocando. Você não pode pegar três tamborins e todo mundo improvisar ao mesmo tempo, não dá [...] Aí, se você está sozinho, aí é outro negócio (SILVA, H., 2015).

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

95

Para ilustrar o idiomatismo da dupla Dininho e Hércules, iremos comentar

um pequeno trecho de uma gravação feita para um disco de Paulinho da Viola e

Ensemble, chamado Samba e Choro Negro. Trata-­se de um disco para um selo alemão,

num projeto em que convidavam artistas de diversos países e Paulinho foi o artista

brasileiro escolhido. A faixa escolhida, Não é assim, traz participação de Mestre Marçal

na cuíca.

Figura 61: Tamborins: Hércules e Dininho. Não é assim, 1993. 0:00-­0:09 (faixa 5 do CD).

Outro músico membro da banda de Paulinho da Viola, um dos fundadores

do grupo de choro Nó em Pingo D água e participante de tantos outros grupos, Celsinho

Silva (Celso José da Silva), é reconhecido por ser uma grande referência no pandeiro e

tem como influência o mestre e pai Jorginho do Pandeiro.

Celsinho pode ser ouvido tocando tamborim em diversas gravações. O que

chama a atenção foi a gravação do grupo Nó em Pingo D água em parceria com o

pianista e compositor Cristovão Bastos36, do ano de 2002, o CD Domingo na Geral

lançado pela Lumiar Discos.

36 Bem Transado, Clique Music UOL. Disponível em: <http://cliquemusic.uol.com.br/discos/ver/bem-­transado>. Acesso em: 14 jun. 2015a.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

96

A partir de então começamos a dar maior atenção à sua maneira de tocar o

tamborim. Celsinho comenta como foi o começo por sua admiração pelo tamborim:

Eu ia nas gravações que meu pai ia fazer. Eu sempre acompanhava meu pai e lá eu via o trio de Luna, Elizeu e Mestre Marçal tocando tamborim e gostei muito. Na verdade aprendi tudo ali. Tudo que eu sei fazer, de tocar aprendi vendo aquelas pessoas tocando, que era tudo ao vivo, todo mundo junto. E me apaixonei pelo tamborim, gosto muito de tocar. Aprendi aquelas levadinhas mais ou menos, tinham três levadas (SILVA, C., 2015).

Como constatado, Celsinho também menciona Mestre Marçal como

referência. Isso possivelmente deve-­se ao convívio de Celsinho com ele desde criança.

Seu pai, Jorginho, além de ter trabalhado com Mestre Marçal a vida toda, tinha com ele

uma grande amizade. E o que eu sabia era tudo em cima de Mestre Marçal, naquela

batida dele. Não é igual, não tenho pretensão nenhuma, mas eu tento fazer o melhor

possível da batida de Mestre Marçal [...]. Dei sorte de conhecer esses caras e aprender

[...]. Foi tudo vendo em gravação. (SILVA, C., 2015).

Nessa gravação, Celsinho gravou as duas linhas dos tamborins. A entrada

dos tamborins acontece logo após a introdução, por volta dos 35 segundos da faixa,

juntamente com a entrada da melodia. Na Figura 62, vemos a frase de início dos

tamborins.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

97

Figura 62:

Tamborins de Celsinho Silva. Domingo na Geral, 2002. 0:35-­0:47 (faixa 6 do CD).

Cabe mencionar também Oswaldo Cavalo (Oswaldo Muniz Góes de

Carvalho), cantor e ritmista que faz parte do coro da banda do cantor Zeca Pagodinho há

décadas. Participou por muitos anos de inúmeras gravações de sambas-­enredo para o

carnaval do Rio de Janeiro. Como corista, acompanhou também Dona Ivone Lara, o

grupo vocal As Gatas, MPB-­4, entre outros. Mais recentemente, podemos observar

Oswaldo auxiliando a percussão nos vídeos de Zeca Pagodinho, seja nos caxixis,

xequerê, ou tamborim.

Oswaldo faz questão de ressaltar o trabalho que realizou na banda de Mestre

Marçal e fala da influência deste, quando afirma:

Eu não sou percussionista, sou ritmista, sou vocalista. Tenho facilidade de tocar alguns instrumentos de percussão, até porque fui rodeado de nego bom pra caramba, então pra mim foi fácil tocar. O

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

98

tamborim é um instrumento que tem um encanto. E eu toquei com um cara chamado de Mestre Marçal e vi Luna e Elizeu tocar também [...] aquele trio era incontestável (CARVALHO, 2015).

Oswaldo também menciona algumas levadas que aprendeu vendo alguns

ritmistas tocarem, como os que integravam a bateria da Escola de Samba Imperatriz

Leopoldinense do Rio de Janeiro. Menciona ainda uma levada que aprendeu ouvindo de

Jorge Benjor, além do teleco-­teco. O cantor cita ainda que o tamborim tem várias

batidas, fui escutando, escutando e como você não lê nada, tem que prestar atenção em

tudo, ouvir o máximo possível em casa e tocar em casa também, pra poder fazer alguma

(CARVALHO, 2015).

Paulinho Galeto (Paulo Soares) é cavaquinista profissional há muitos anos.

Gravou com inúmeros grupos de samba, dentre eles Samba Som 7, Originais do Samba

e Exporta Samba, e há muitos anos é membro da banda de Zeca Pagodinho.

Paulinho menciona que aprendeu muito com os mais experientes, entre eles

Belôba (Carlos da Silva Pinto), um dos mais requisitados percussionistas de samba do

Rio de Janeiro e que, segundo Paulinho, é um grande tamborinista. A respeito da

percussão e da relação entre tamborim e cavaco, Paulinho afirma:

Percussão eu domino um pouco, tamborim, pandeiro, tantã a gente aprende, tu tá ali no meio e você respira isso. [...] o tamborim pra mim é a palhetada do cavaquinho, é minha mão direita, é certinho, não tem pra onde correr. O repicado que tu faz é o lance do tamborim da percussão, na minha opinião (SOARES, 2015).

Paulinho também tocou em shows e grav

com ele na Polygram a música Peço a Deus. Tive esse prazer. Eu sou um cara feliz.

(SOARES, 2015)

Alceu Maia é cavaquinista, violonista, arranjador, compositor e produtor

musical. Começou tocando violão e depois foi para o cavaquinho. Produziu Roberto

Ribeiro, Diogo Nogueira, Agepê, entre outros. Várias de suas composições já foram

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

99

gravadas por grandes nomes da música popular brasileira. Além disso, ele se diz muito

fã de Mestre Marçal.

Alceu diz que, quando começou a tocar profissionalmente como

cavaquinista, também começou a tocar tamborim num grupo de samba e conta que se

espelhava muito em certas gravações. Somente depois veio a saber que era Mestre

Marçal que tocava nessas faixas que ele estudava. Nas ocasiões em que tocava com esse

grupo de samba, havia momentos em que somente se fazia percussão para acompanhar

os dançarinos e, nesse momento, Alceu tocava tamborim, como disse ele.

A levada de cavaco de Alceu está muito explícita em nossos ouvidos, seja

em Vai Passar ou em Feijoada Completa, ambas de Chico Buarque, ou em Tô

Voltando, de Paulo César Pinheiro e Mauricio Tapajós, e imortalizada na voz de

Simone, somente para citar algumas canções. De volta ao tamborim, Alceu tece seu

ponto de vista sobre a relação de função musical entre tamborim e cavaquinho:

Eu vejo uma relação muito forte entre o cavaquinho e o tamborim. Tem muito material didático no YouTube de péssima qualidade [...] Mas tem coisa boa também. O estudante tem um material enorme na internet e tem que saber filtrar o que é bom ou ruim. Uma das coisas que muitos dos professores falam, e é uma coisa que quando eu dava aula eu falava muito pros meus alunos, é justamente a relação entre o tamborim e o cavaquinho (MAIA, 2015).

Assim como o fez Paulinho, Alceu chama a atenção para a levada do

tamborim de teleco-­teco, para que ambos façam a mesma levada e para que sejam feitas

as acentuações em cima disso. Também fala da importância do instrumento dentro de

um grupo ou uma gravação.

E o tamborim é aquele instrumento que não aparece na base de muitos instrumentos, quando você tem tantã, repique, surdo, reco-­reco, dois pandeiros, mas ele está ali. Ele dá aquele suingue do samba. Ele está com sua personalidade marcada ali. A personalidade marcante dele está fazendo presente ali naquela levadinha gostosa. Às vezes você tem o samba rolando, e você está numa mixagem, você tira o tamborim e muda o sentido todo do samba. Ele dá aquela divisão característica. [...] Um instrumento muito fácil de tocar mal e muito

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

100

difícil de tocar bem [...] Se você vai fazer uma levada de samba-­enredo, uma coisa que o pessoal chama de carreteiro é uma coisa. O teleco-­teco é outra, e quando você grava três tamborins, você tem cada um fazer sua batida certinha para não ficar embolado (MAIA, 2015).

Alceu também não deixou de mencionar Mestre Marçal:

Mestre Marçal primava pela elegância ao tocar, ele não tocava de qualquer maneira, ele não tocava assim, tipo, vou tocar para ganhar esse dinheiro. Ele tocava com o coração mesmo. Muito elegante, colocar bem as frases do tamborim ou da cuíca que ele tocava bastante. Eu tive a oportunidade de trabalhar com o Mestre Marçal na banda da Clara Nunes quando eu estava começando, em 1977/78. Ele sempre acolhia a galera mais nova, dando força e sempre com dedicação. Ensaio chegava na hora, era um cara muito pontual, também nessa coisa de profissionalismo mesmo. Sempre muito elegante mesmo, não só no tocar, mas como se vestir, como falar. Ele era muito querido por todo mundo e respeitado por sua competência e pelo jeito de tocar (MAIA, 2015).

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

101

2.7 Técnicas de Gravação do Tamborim em Registros Sonoros da MPB

Visando descobrir maneiras eficazes e comumente utilizadas para captar o

som do tamborim, procuramos especialistas em gravação, escolhidos tanto pela

experiência de gravação de samba, como também pelo convívio em estúdio com Mestre

Marçal.

Conhecido no meio musical como LC ou T Reis, Luiz Carlos Torquato Reis

é um dos mais requisitados engenheiros de som do Brasil. De família musical, seu pai

Norival Reis era um famoso técnico de som e cavaquinista (DICIONÁRIO CRAVO

ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, 2015b). Torquato Reis trabalha com

o sambista Martinho da Vila há décadas e com Fafá de Belém desde 1988.

T Reis foi responsável por desenvolver uma nova maneira de gravar o

samba a partir do disco Pé no Chão, de Beth Carvalho, com os músicos oriundos do

Cacique de Ramos, reduto de uma nova geração que apareceu com uma nova proposta

o pessoal do Cacique, que trouxe instrumentos de melhor qualidade e diferentes (REIS,

2015).

T Reis diz que dedicou sua vida profissional a pesquisar uma melhor forma

de captar o melhor timbre dos instrumentos de samba. Revela também que os

instrumentos de percussão eram de má qualidade, rústicos, e não tinham aparelhagem

para fazer uma captação adequada, e declara:

Aí, eu conversando com ela [Beth Carvalho] para pedir um tempo para a gravadora para nós podermos tentar captar melhor o instrumento. Compramos microfones melhores, tendo horas de estúdio para fazer um trabalho, ou seja, uma pesquisa do instrumento para tentar melhorar a qualidade do instrumento e tentar o melhor microfone para aquele instrumento. [...] E na primeira gravação que ela fez conseguiu um sucesso muito grande com Vou Festejar [...] Então, a partir daí, foi que começou a parte do samba a ser melhor gravada, melhor captada (REIS, 2015).

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

102

Sobre o pessoal do Cacique de Ramos, T Reis tem a seguinte opinião:

A turma do Cacique mudou o som do samba. O samba tem uma divisão, pós e antes do Cacique, que é muito diferente, a levada, a tocada. Antigamente não tinha tapa no pandeiro, era liso. Hoje não tem mais educação pra tocar com o swing de antigamente [...] A transformação do samba foi comigo, antes desse tempo era tudo sem muito peso, você pode observar isso (REIS, 2015).

T Reis gravou com todos os grandes ritmistas e Mestre Marçal foi um dos

que ele exaltou bastante como tamborinista e cuiqueiro. Sobre a utilização da

microfonação dos tamborins, ele ressalta a importância de gravar a batida dos dedos

embaixo da pele. T Reis resolveu captar o som, ao invés de colocar o microfone por

cima, por achar que a captação melhor era por baixo.

Sobre o desenvolvimento da gravação, T Reis afirma:

Isso foi uma parte importante da captação. A partir daí foi se desenvolvendo outros estúdios também, outros técnicos foram pegando a manha de captar o samba. [...] O som do instrumento era uma coisa, o que ia pro disco era outra totalmente diferente. Hoje em dia, com a tecnologia, com as pesquisas, ficou igual (REIS, 2015).

T Reis utiliza a mesma marca e modelo de microfone até hoje para fazer a

gravação embaixo do tamborim, que é um Sennheiser 421 ilustrado na Figura 62.

Figura 63: Microfone Sennheiser 421.

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

103

T Reis gravou em muitas ocasiões o trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal.

Sobre Mestre Marçal, ele diz que era uma pessoa muito séria, que tocava muito bem

tamborim e que, na cuíca, ele tinha um som imediatamente identificável . Diz que

sempre usavam pele animal nos instrumentos e que eram feitos de madeira com aro

bastante largo, pois não existia aro de metal naquela época. Sobre como gravavam,

afirma:

Sempre foi assim, eles iam, ouviam, combinavam a batida e o lugar que iam tocar. Não era sentar e sair tocando. Era uma coisa bem profissional mesmo. Bem pesquisada por eles. [...] Sempre gravavam por ultimo [...] Eles dividiam, cada hora era um para mudar a batida, que eu acho isso muito interessante. Principalmente no disco de Clara Nunes e no da Beth Carvalho. [...] Sempre couro e baqueta curta, levinha, que era o melhor toque na borda. Eles descobriram isso tudo. Os três sempre gravavam juntos e o Mestre Marçal no meio. Era o cabeça. [...] Eles dobravam muito [as levadas], principalmente quando tocavam o carreteiro. [...] Mestre Marçal era ídolo dos percussionistas.

(REIS, 2015).

Sobre a microfonação para os três tamborins, ele diz preferir utilizar um

para cada tamborim, para poder equilibrar o volume dos três. Se ele coloca um para

captar os três, aquele que se sobressai é o que toca mais forte. Somente quando tem

aquela levada de carreteiro, em que existe a virada entre a segunda e terceira

semicolcheia, é que ele utiliza uma microfonação em cima.

Ele também explica que a captação muda de acordo com o tipo de som que

se pretende ter no disco. Com pouca ambientação, ele deixa o microfone mais perto, ao

contrário, se a intenção é ter bastante ambientação, ele deixa o microfone mais longe.

Ainda sobre gravação, ele diz que antigamente havia tempo no estúdio para

se fazer pesquisa;; o músico gravava em três tons diferentes e escolhia depois, e com isso

as ideias fluíam com mais facilidade. Afirma que antigamente não havia tempo de errar,

havia muito profissionalismo, não havia clique (metrônomo) na música e o ritmista ia

junto, e os fones para gravação eram de má qualidade. Mas, mesmo com essas

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

104

adversidades, a qualidade musical era bem superior a de hoje. Hoje é tudo mais fácil, se

errou, volta, copia um compasso e dispensa o músico. Reis ainda afirma:

Hoje é um toque por canal, outro em outro. Hoje em dia tem muita facilidade, da gravar trezentos canais de tamborins se quiser. Aí você vai lá escutar o trabalho, não gosta muito. Vai escutar o de antigamente gosta mais, isso eu te garanto, muito mais legal [...] Gosto de gravar toda base junta. Os tamborins é por causa da sala eu não gravo junto, não cabe todo mundo junto. Por causa da grande quantidade de instrumentos de região grave (surdo, tantã, baixo, bumbo de bateria, repique de anel), o engenheiro tem que saber filtrar as frequências e não fazer como pessoas que não conhecem o samba e de pronto eliminam os graves. Se você fosse gravar o tamborim de Mestre Marçal hoje, o som seria outro. Ia ter a unha, o grave ia ser outro, ia ser uma batida mais fiel possível do que ele fazia na época [...] Muita coisa se perde, coisa de dedo, tapinha que nego dava se perde, antigamente a tecnologia não permitia essas mudanças (REIS, 2015).

Alceu Maia, atuando como produtor, disse que a gravação ocorria de acordo

com a sala. Havia salas bastante grandes em que era possível gravar varias percussões,

mas como hoje em dia os estúdios são pequenos, as percussões são acrescentadas

posteriormente.

Mesmo na época que a gente ia gravar três tamborins, eram gravados depois. Por um motivo de vazamento, para não vazar nos outros instrumentos, nos microfones dos outros instrumentos, e também porque você podia caprichar um pouquinho mais. Vamos nessa primeira parte fazer essa levada, na segunda fazer outra, ou fica só um tamborim na segunda parte [...] Acontecendo alguma emboladazinha entre os três, que era muito difícil, aí parava e emendava, que na época também era diferente. Você tinha que emendar de um certo lugar para frente. Hoje em dia você emenda três segundos antes, hoje é muito fácil (MAIA, 2015).

E sobre a gravação dos tamborins, ele compartilha da mesma opinião de T

Reis:

Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

105

Por incrível que pareça, hoje em dia você não consegue um trio de tamborins que tenha a disciplina que os três tinham [Luna, Elizeu e Mestre Marçal]. Difícil, hoje em dia você pode pegar três grandões, ótimos músicos de tamborins e passar pra eles: fulano faz essa batida, ciclano faz essa, e beltrano faz essa aqui pra ficar certinho. Mas eu acho que não rola disciplina da galera. Eu já ouvi várias tentativas de três tamborins, algumas bacanas, outras lamentáveis, de embolar direto (MAIA, 2015).

106

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

107

Este capítulo foi organizado com a intenção de expor dois tempos distintos:

1) o período anterior à atuação profissional de Mestre Marçal, com a identificação das

peculiaridades interpretativas que o tamborim apresenta no período que se inicia com o

lançamento de Na Pavuna, em 1930, até a primeira gravação de Mestre Marçal, que

ocorreu em 1953;; e 2) o período de atuação profissional de Mestre Marçal que se inicia

na década de 50 e vai até 1994, ano de sua morte o material utilizado para identificar o

idiomatismo da performance de Mestre Marçal ao tamborim foi baseado em uma

discografia selecionada, incluindo tanto o trabalho com artistas renomados da MPB

como seus LPs autorais.

3.1 O Tamborim Antes de Mestre Marçal

Apesar de termos na figura de Bide o protagonismo desse instrumento

durante esse período, justamente na primeira gravação do tamborim ele não se faz

presente, como atesta Sandroni (2001a, p. 9) em artigo sobre análise dessa canção:

Os intérpretes de Na Pavuna eram o Bando de Tangarás , jovens brancos de classe média do bairro carioca de Vila Isabel, capitaneados precisamente por Almirante. Mas a grande novidade na gravação do samba foi a utilização ostensiva de uma batucada no acompanhamento: era a primeira vez que se pretendia registrar em estúdio os sons dos batuques dos negros . É difícil saber a composição exata dessa batucada. Almirante, em seus depoimentos, fala de pandeiros, tamborins, cuícas, ganzás, surdos etc., que as escolas de samba utilizavam . Jairo Severiano fala de uma ampla seção de tamborins, cuícas, surdos, pandeiros e recos-­recos . Mas a audição da gravação não mostra conjunto tão diversificado. Como diz Cabral, destacam-­se o tamborim e o surdo, ou seja, o agudo e o grave . Também é possível identificar um som médio que deve corresponder ao pandeiro. De fato, quando Almirante detalha os participantes da gravação, fala de Andaraí, preto forte, tão compenetrado em seu instrumento que tocava tamborim de olhos fechados, como em êxtase ;; e de Canuto, também preto, lustrador de móveis e morador do morro do Salgueiro, também no tamborim aqui não tinha nada, eu coloquei (SANDRONI, 2001).

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

108

Sandroni (2001a) teve também o cuidado de transcrever e elucidar os

instrumentos de percussão presentes na gravação, mostrando que já havia duas levadas

de tamborins. Apesar disso, podemos observar que a função do segundo tamborim é

mais de reforçar a levada do primeiro do que ter uma levada individual.

Figura 64: Transcrição de Sandroni (2001a) da música Na Pavuna.

Os próximos exemplos apresentados nesse capítulo foram escolhidos

respeitando-­se o período já mencionado, assim como gravações em que o tamborim

estivesse em evidência. Outro fator importante que observamos é a falta de fichas

técnicas com os nomes dos músicos dessa época.

Por ordem cronológica, iniciamos nossa lista de músicas com um dos

grandes cantores e compositores sambistas das décadas de 1940 e 1950, Ataulfo Alves,

mineiro de Miraí. Leva Meu Samba foi um de seus maiores sucessos e também gravado

por outros grandes nomes da música popular brasileira. Composta em 1941, foi uma das

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

109

primeiras gravações dele como intérprete (DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA

MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, 2015c).

Uma característica da época era a afinação bastante grave dos tamborins, o

que fazia com que o tamborim, por vezes, se confundisse com a caixa da bateria, que às

vezes não utilizava a esteira, e sim, como o tamborim, a pele de couro animal.

Figura 65: Introdução de Leva Meu Samba, 1941. 0:01-­0:10 (faixa 7 do CD).

A transcrição mostrada na Figura 66 de Leva Meu Samba, que se refere aos

oito primeiros compassos da parte instrumental, já demonstra a levada básica a ser

utilizada em toda a música, tendo no último compasso a maior variação, uma

chamada para a entrada de voz a seguir.

Figura 66: Tamborim na entrada de voz, Leva Meu Samba, 1941. 0:11-­0:20 (faixa 8 do CD).

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

110

No trecho ilustrado na Figura 66 podemos perceber a repetição da levada.

Somente no compasso de número dez é que notamos uma pequena variação. Entre os

compassos 13 a 16, observa-­se uma frase que se repetirá diversas vezes até o final da

música.

Na sequência, apresentaremos a composição da dupla Bide e Marçal Vira

Esses Olhos pra Lá, do ano de 1943 e interpretada por Cyro Monteiro em LP lançado

pela gravadora Victor.

Já no terceiro compasso da introdução da música, ocorre um solo de

tamborim. A mesma frase se repete novamente no quinto compasso, como mostra a

Figura 67.

Figura 67: Introdução de Vira Esses Olhos pra Lá, 1943. 0:03-­-­0:13 (faixa 9 do CD).

A Figura 68 abaixo mostra a levada que será executada por quase toda a

música.

Figura 68: Levada principal de Vira Esses Olhos pra Lá. 0:13-­1:09 (faixa 10 do CD).

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

111

Semelhante ao que observamos em Leva meu samba foram encontradas em

meio à levada principal, algumas pequenas variações, mostradas abaixo. Na Figura 69,

vemos a primeira variação que ocorre na minutagem de 1:10;; na Figura 70 a segunda

variação;; e na Figura 71 a terceira variação, que é seguida pela levada principal, que

seguirá até o final da música.

Figura 69: Primeira variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:10-­1:14 (faixa 11 do CD).

Figura 70: Segunda variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:43-­1:49 (faixa 12 do CD).

Figura 71: Última variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:53-­1:58 (faixa 13 do CD).

O próximo exemplo é uma música também composta pela dupla Bide e

Marçal, Não diga a minha residência. Essa música foi um grande sucesso de Mestre

Marçal como cantor. Porém, Carlos Galhardo a gravou bem antes disso, em 1944, pela

RCA Victor, gravadora onde Galhardo começou a fazer parte do coro (DICIONÁRIO

CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, 2015d).

Nessa gravação encontramos uma forma diferenciada de utilização do

tamborim para época. Na introdução instrumental podemos observar uma nova levada,

mais precisamente para o trecho a partir do compasso 5, em que predominam as

semicolcheias, e que coincidem com a execução do pandeiro. Outro aspecto que merece

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

112

destaque na gravação é a utilização do tamborim numa afinação bastante grave.

Podemos chamar atenção para as frases de colcheias nos 4 primeiros compassos da

música. Nesse caso, o tamborim está fazendo uma frase de resposta e não uma levada.

Não há nesse caso a utilização dos dedos tocando a parte inferior da pele do

instrumento.

Figura 72: Introdução, tamborim, Não diga a Minha Residência. 1944. 0:01-­0:10 (faixa 14 do CD).

Em outro trecho da música, mostrado na Figura 73, ocorrem frases que

comumente não são encontradas em execuções características do tamborim.

Figura 73: Tamborim, entrada de voz, Não diga a Minha Residência. 0:10-­0:20 (faixa 15 do CD).

Na Figura 74, vemos um trecho em que uma variação daquela apresentada

na Figura 73 nos remete não a uma levada, mas sim a comentários , como pergunta e

resposta da frase anterior.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

113

Figura 74 Não Diga a Minha Residência. 0:37-­0:47 (faixa 16 do CD).

A Figura 75 abaixo mostra o final da música, em que a introdução

instrumental é repetida, mas observa-­se que as quatro primeiras frases são idênticas à da

introdução, apenas começando em lugares diferentes. Somente nos últimos quatro

compassos da música é que aparecem frases que lembram a síncope comumente usada

no samba.

Figura 75: Final, tamborim, Não Diga a Minha Residência. 2:28-­2:38 (faixa 17 do CD).

A última gravação que iremos citar como exemplo é outra composição de

Ataulfo Alves, intitulada Deixa Essa Mulher pra Lá. Foi gravada em 1952, também

pela RCA Victor.

A novidade nesta gravação é a inclusão de um segundo tamborim. Na maior

parte da música, os tamborins tocam em uníssono. A transcrição abaixo se inicia no

terceiro compasso, em que a levada principal aparece, já que nos primeiros dois

compassos os tamborins tocam juntamente com os acentos da melodia.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

114

Figura 76: Introdução, tamborins, Deixa Essa Mulher pra lá. 0:01-­0:10 (faixa 18 do CD).

Na Figura 77, temos um trecho da música no qual, após uma grande

sequência dos tamborins tocando em uníssono, ocorre uma série de perguntas e

respostas , como podemos observar a partir do terceiro compasso da figura abaixo.

Figura 77: Ta , Deixa Essa Mulher pra lá. 1:38-­1:43 (faixa 19 do CD).

Na próxima seção da música, retratada na Figura 78, essa conversa entre

os tamborins tem uma dimensão maior. Entre uma seção e outra, a levada principal

permanece.

Figura 78 Deixa Essa Mulher pra lá. 2:00-­2:05 (faixa 20 do CD).

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

115

Na última seção, a variação das levadas é maior, além de ser a primeira vez

em que podemos observar o acréscimo de acentos. Após essa seção, que agora conta

com oito compassos, a levada principal volta a ser como no começo da música,

seguindo assim até o final.

Figura 79: Variação de levada de tamborim, Deixa Essa Mulher pra lá. 2:21-­2:30 (faixa 21 do CD).

Importante registrar que durante o levantamento de obras que continham a

execução do tamborim selecionamos, à exceção da canção Na Pavuna, lançado em

disco em 1930, as outras quatro músicas citadas foram gravadas nas décadas de 1940 e

1950. Após analisar dezenas de gravações datadas da década de 1930, não foi

encontrada nenhuma que utilizasse o tamborim. As poucas levadas encontradas nesse

período que poderiam ser do tamborim, ou seja, possuíam características de frases

semelhantes às executadas no tamborim, foram gravadas com uma caixa de madeira,

que pode ser chamada de caixeta ou wood block, instrumento esse ilustrado na Figura

80 abaixo.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

116

Figura 80: Caixeta ou wood block.

Outro objeto de pesquisa foi o livro Samba de sambar do Estácio: de 1928 a

1931, de Humberto M. Franceschi, que foi relançado pelo Instituto Moreira Salles

(FRANCESCHI, 2010). Acompanha o livro, um DVD multimídia, que reúne 100

músicas. Ouvindo todas as músicas e na tentativa de encontrar mais exemplos,

constatamos apenas uma única música, a Homenagem, de 1940 de Carlos Cachaça na

interpretação de Cartola, O tamborim aparece em dois momentos da música e ambos

tocam a mesma levada de teleco-­teco com variações.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

117

3.2 Traços Idiomáticos da Performance do Mestre Marçal

Partimos agora para a identificação de um idiomatismo na performance do

Mestre Marçal, obtida através de transcrições oriundas de gravações selecionadas de

diversos períodos da vida profissional do artista.

Devido aos motivos explanados anteriormente, não iremos abordar a

primeira gravação devido à baixa qualidade do áudio. A primeira gravação de que

trataremos é a contida no LP de Luciano Perrone, intitulado Batucada Fantástica Vol. 1,

de 1963, ou seja, 10 anos após aquela que consideramos a primeira gravação utilizando

tamborim.

Nessa gravação podemos ter um panorama das principais características de

seu estilo, além da perceptível utilização dos dedos na parte inferior da pele. A faixa

leva o nome de Tamborins, possuindo aproximadamente um minuto de duração e

apresenta somente instrumentos de percussão, a saber: caixa com vassouras, surdo e

tamborim. Talvez a principal novidade na época tenha sido a utilização do toque com a

baqueta na parte superior da borda do corpo do tamborim (feito de madeira) percutida

simultaneamente com a pele esticada, gerando

execução se o aro de metal que exerce a tensão da pele estiver abaixo do corpo de

madeira. O corpo do tamborim utilizado pelo Mestre Marçal era de madeira e um pouco

mais largo em relação aos atuais, o que facilitava esse tipo de efeito.

Talvez se fosse gravado hoje em dia por algum outro ritmista, poderia ser

utilizada pele de nylon na gravação, opção que não existia na época. Mestre Marçal,

mesmo tendo vivenciado posteriormente esse advento (ele o usou na escola de samba),

jamais utilizou nylon em seus instrumentos pessoais. (MARÇALZINHO, 2014) Na

figura 81 o tamborim de Mestre Marçal utilizado na gravação de Tamborins.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

118

Figura 81: Tamborim utilizado na gravação de Tamborins, Batucada Fantástica (1963).

Arquivo pessoal de Marçalzinho

A música Tamborins possui no início um crescente de instrumentação. O

surdo toca uma colcheia em anacruse, o que chamamos comumente no samba de

, tem-­se a entrada da caixa executada com

vassourinha. O tamborim entrará somente oito compassos adiante.

Essa primeira seção, que podemos chamar de introdução, vai do inicio até a

entrada do tamborim solista e tem 12 compassos. Antes da entrada do tamborim, a caixa

já aparece com a levada que se pode destacar como elemento principal dessa música,

que é denominada dentro do samba de teleco-­teco, levada imprescindível a qualquer

batucada. Abaixo na Figura 82 iremos exemplificar a partir da entrada do tamborim,

compasso 13. A levada da vassoura na caixa está exemplificada de forma reduzida, uma

vez que o que nos importa nesse momento é a parte rítmica sobre a qual faremos as

análises.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

119

Figura 82: Primeira parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:12-­0:27 (faixa 22 do CD).

O surdo permanece com a mesma levada, do principio ao fim da música. O

diálogo nessa música está entre a caixa e o tamborim. A forma da música apresenta três

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

120

subseções. Denominamos esses primeiros 16

todos os compassos pares desse trecho, nota-­se que todos são exatamente iguais. Os

compassos impares nos remetem a variações do teleco-­teco, levada essa que servirá de

base para toda a obra. Destaca-­

característica bastante comum na performance do Mestre Marçal. Logo no início e no

compasso 17, há notas que estão in box por não ser possível ouvir os dedos percutidos

na parte inferior do instrumento.

Nos próximos 16 compassos após a parte A podemos constatar uma

, portanto

tamborim, executando um breve improviso. Denominamos assim, essa parte de B .

Ocorre uma frase que se repete incluindo algumas variações de timbre, que

nos remete a levada do agogô do ritmo de cabula, que é influência direta do candomblé.

Este trecho se encontra entre os compassos 33 e 34, e também nos compassos 37 e 3837.

De acordo com o depoimento de Wilson Das Neves para o documentário As

Batidas do Samba, as escolas de samba tinham forte ligação com o candomblé, cada

qual com seu orixá38, que tinham suas levadas características e estas foram incorporadas

às suas respectivas baterias. Essa mesma levada do agogô, porém aqui com variação de

timbres, pode ser encontrada no livro Ritmos do Candomblé39.

37 agogô no ritmo Cabula, antecedentes diretos do tamborim, presente no Samba de Roda da Bahia e do Rio

http://www.afreaka.com.br/notas/o-­candomble-­na-­musica-­brasileira. Acesso em 13/06/2015. 38 Divindade da religião iorubana, intermediária entre os devotos e a suprema divindade, inacessível ás súplicas humanas. Simboliza as forças naturais, e é lógico que suas atribuições sejam confundidas no entusiasmo dos fiéis. Os orixás residem na costa da África e, atraídos pelo cântico e ritmo dos tambores em sua honra, encarnam-­se, apossam-­se dos seus instrumentos vivos, médiuns, cavalos, intérpretes, falando, tomando o aspecto que tiveram na terra e ainda têm nas paragens onde vivem [...] Os orixás tem cada um, cânticos e ritmos dos tambores próprios, chamando-­os ou anunciando sua presença no candomblé. ( Cascudo, C. Luís. Dicionário do Folclore brasileiro. 10 ed.,2001;; p. 453. 39 Lulla Oliveira, Tania Vicente, Raul de Souza Ogan. Rio de Janeiro, 2008. p. 57.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

121

Figura 83: Segunda parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:27-­0: 41 (faixa 23 do CD).

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

122

Outra característica do fraseado de Mestre Marçal é encontrada nos

compassos de 39 a 41, que podemos denominar como uma hemíola40. Em outro trecho,

to usual no tamborim. Segundo Cunha (2014), esse efeito é

mais comum na caixa que normalmente chamamos de Buzz Roll41. Na música toda

aparece somente uma única vez no compasso 43. Veja a Figura 83.

Finalizando a música, podemos identificar a volta à parte

ressurge a levada de teleco-­teco e suas variações e com uma menor ocorrência de sons

40 Na teoria da música antiga, a proporção 3:. No Moderno sistema métrico, significa a articulação de dois compassos em tempo ternário, como se fossem três compassos em tempo binário. Costuma ser usada em danças barrocas, como a courante e a sarabanda, em geral imediatamente antes de uma cadência;; também aparece na valsa vienense (ZAHAR, J. Grove, Dicionário de Música. Ed. 1994). 41 O Buzz Roll também conhecido como Rulo de Press r Bolão, é um dos rudimentos mais importante da caixa clara. Como esse instrumento não tem uma grande sustentação sonora o Buzz representa uma forma eficaz de produção de notas longas. No caso da execução do samba esse era um recurso muito utilizado até a década de 1950 quando o ritmo era conduzido basicamente na caixa (CUNHA, 2014).

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

123

Figura 84: Terceira Parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:42-­0:56 (faixa 24 do CD).

Nas próximas duas músicas que abordaremos, observa-­se uma forma de

tocar não muito comum dos tamborinistas anteriores à Mestre Marçal, mas que é uma

característica dele. Marçal por vezes toca juntamente com a melodia ou com as frases

executadas na bateria. Trata-­se de um estilo mais fraseado, que acrescenta um sentido

a melodia ou com a bateria ou percussão.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

124

Sapato de Trecê é um samba médio, composto por João Nogueira e Nonato

Buzar, do álbum Bem transado, lançado no ano de 1983 pela gravadora RCA Victor. O

motivo da escolha dessa música é a utilização do tamborim juntamente com a bateria.

Normalmente, quando isso ocorre, seja em gravações ou shows, ouvem-­se

que poderá ocorrer entre a

frase executado no aro de caixa e com a que é executada no tamborim. O que não é

verdade totalmente se ambos são familiarizados com o vocabulário, como acontece

nesta gravação com Robertinho Silva e Mestre Marçal. Robertinho é reconhecido por

sua carreira como baterista e percussionista, tendo participado de inúmeras gravações

com o famoso trio de tamborins Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Gravou com eles em

produções de Egberto Gismonti e Milton Nascimento, entre outros. Robertinho gravou

vários CDs em carreira solo.

Figura 85: Robertinho Silva tocando tamborim.

Figura 86: Robertinho Silva tocando caxixis

Como mencionado, a função do tamborim não é a de permanecer numa

levada característica do samba e sim de dialogar com a melodia e ritmo, deixando para a

bateria o papel principal na condução da música.

Logo no início da música podemos perceber que o tamborim faz um diálogo

que complementa a melodia. A característica citada anteriormente de tocar a nota no aro

do tamborim já aparece logo no segundo compasso.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

125

Figura 87: Sapato de Trecê, entrada do tamborim, 1:13-­1:26 (faixa 25 do CD)

Na segunda parte da música, a bateria passa a utilizar a baqueta cruzada

sobre a caixa tocando o aro. Mestre Marçal toca exatamente as mesmas frases, com

compassos. O restante do fraseado é igual, e tem a função de complementar o desenho

rítmico da melodia ou a de preencher os trechos em silêncio ou pausas do grupo. Já a

bateria permanece na mesma intenção do fraseado de tamborim durante o mesmo

trecho.

Observando a partir do compasso 11 até 13, a frase executada no aro de

bateria nos remete à levada dos tamborins de escola de samba, que normalmente é

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

126

Figura 88: Sapato de Trecê, segunda seção. 1:27-­1:40 (faixa 26 do CD).

Nas duas subseções apresentadas, percebemos que a bateria é a responsável

pelo fraseado que supostamente seria do tamborim. O baterista e percussionista Márcio

Bahia, que participou de muitos trabalhos com Maria Bethânia, Hamilton de Holanda e

Roberto Menescal, foi por várias décadas membro do grupo do multi-­instrumentista

Hermeto Pascoal. Em depoimento a Bergamini (2014, p. 41), ele fala sobre a

importância do conhecimento da percussão pelo baterista:

Eu acho que nossos ritmos vêm todos da percussão, o que a gente faz é adaptá-­los para a bateria, mas eles vêm todos da percussão. Por isso eu acho super importante que o batera toque percussão. Eu não tocava tanto quanto depois que eu entrei para o grupo. Acho que o baterista que toca percussão, ele vê a bateria de um outro jeito, vê mais amplo, porque o universo da bateria pode ser muito restrito dependendo do jeito que você focaliza. Então, se você pensar a bateria como percussão, você tem várias possibilidades em cada peça individual, de explorar o timbre de cada uma, assim como juntas também. A coisa de tocar percussão mudou muito minha cabeça (BERGAMINI, 2014).

Na repetição desses oito últimos compassos, como demonstrado na Figura

89, a bateria reaparece nos compassos de 19 a 20 e executa a mesma levada que ocorre

nos compassos 11 a 13 (ver Figura 88), mas agora com o auxílio do prato nos acentos.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

127

Somente a partir do compasso 21 da música é que aparece o tamborim com frases

maiores e mais características do samba. Se excluirmos a primeira colcheia do

compasso 21, podemos caracterizar uma imitação da frase do aro de bateria. Na maior

parte do trecho, o tamborim continua com a função

Figura 89: Sapato de Trecê, terceira seção. 1:41-­1:52 (faixa 27 do CD).

Na volta da música para a parte A, as funções se invertem;; ver a Figura 90

abaixo. O tamborim passa a ser o condutor e a bateria (tocando no aro) passa a ter a

condutor, nos remete a uma maneira bastante utilizada até fins dos anos de 1960 e que

hoje em dia não é muito frequente nas gravações.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

128

Figura 90: Sapato de Trecê, quarta seção. 1:53-­2:05 (faixa 28 do CD)

Na quinta subseção, que é a parte final da música, podemos perceber como a

performance de Mestre Marçal ao tamborim se relaciona com a melodia. Sem esse

entendimento, não seria possível analisar com amplitude as levadas, pois sua função é

de interagir completamente com a melodia. Em sua dissertação de mestrado, Cunha

(2014) relata os conceitos desenvolvidos por Stanyek e Oliveira (2011) sobre a

interação entre os músicos de samba.

O primeiro exemplo do conceito de Stanyek e Oliveira, que se encaixa nessa

subseção é o de variação. Esse é o termo utilizado para descrever uma variação em que

o músico completa os espaços deixados pela melodia

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

129

Figura 91: Sapato de Trecê, final. 2:47-­2:59 (faixa 29 do CD).

A próxima música que analisaremos é Pára-­Raio, que é um samba de

andamento médio e que faz parte do primeiro LP de Djavan, A Voz, o Violão, a Música

de Djavan, lançado pela Som Livre em 1976. Nessa música, como na maior parte do

LP, não há especificação exata de qual instrumento cada ritmista toca. Neste caso são

três percussionistas: Mestre Marçal, Luna e Hermes. Aliás, descobrimos essa música

devido a uma sugestão do próprio filho do Mestre Marçal, que nos relatou a forma

diferente com a qual o pai tocou tamborim na música.

Como foi visto anteriormente em Sapato de Trecê aqui o tamborim de

Mestre Marçal assume quase a mesma função, exceto em alguns trechos em que ele

mantém as levadas um pouco mais contínuas. Na introdução instrumental, podemos

notar a interação do tamborim com o agogô, repetindo a levada a cada dois compassos.

Somente no último tempo do oitavo compasso percebe-­se a intenção de uma preparação

para uma nova seção.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

130

Figura 92: Introdução de Pára-­raio

Esse procedimento se torna muito recorrente durante a música toda. No

próximo trecho iremos abordar uma característica presente que podemos chamar de

e agogô.

Figura 93: Pára-­raio, melodia com percussão. 0:51-­0:57 (faixa 31 do CD).

O trecho acima é uma continuidade daquele mostrado na Figura 92,

portanto, podemos imaginar que houve uma preparação para uma nova seção. Stanyek e

Oliveira (2011) denominam isto como variações cadenciais, definidas como levadas

criadas com intenção de preparar uma conclusão.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

131

Figura 94: Exemplo de variações cadenciais de Pára-­raio. 0:57-­1:04 (faixa 32 do CD).

Essa cadência pode ser percebida nos compassos 21 e 22 com o mesmo

sentido, os acentos juntos do chimbal e tamborim. Na repetição da volta da melodia, a

Mestre Marçal, nesses oito compassos, executa o tamborim com suas

peculiaridades. Primeiro, os acentos no aro e na pele de couro e a utilização de grupos

de semicolcheias, como mostra a Figura 95.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

132

Figura 95: Melodia junto com aro e semicolcheias de Pára-­raio. 1:10-­1:23 (faixa 33 do CD).

A seguir vamos analisar os primeiros compassos da canção Amor Barato, de

Chico Buarque e Francis Hime, gravada em 1983 no álbum Almanaque. Mestre Marçal

teve nesta gravação a parceria com talvez alguns dos seus maiores parceiros: Luna,

Elizeu, Doutor e Wilson das Neves.

Na introdução da música surge o trio de tamborins nos primeiros oito

compassos. A cada dois compassos, acrescenta-­se uma voz de tamborim tocando a

mesma levada do já familiarizado teleco-­teco, sendo que nos compassos 7 e 8 não há o

acréscimo de um quarto tamborim. No trecho mostrado a seguir iremos elucidar a

melodia, isto é, o acompanhamento do violão com os tamborins.

Figura 96: Imparidade rítmica em Amor Barato. 0:08-­0:12 (faixa 34 do CD).

Utilizaremos este trecho para mostrar outra maneira de analisar as

subdivisões presentes aqui, que é o conceito de imparidade rítmica, também já tratada

por Sandroni, e por autores como Simhá Aron no seu livro Polyphonies et

Polyrhythmies. (2004) Sandroni cita o estudioso de música africana A. M. Jones, que

fez a seguinte comparação:

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

133

[...] a rítmica ocidental é divisa, pois se baseia na divisão de uma dada duração, como ensinam todos os manuais de teoria musical. Uma semibreve se divide em duas mínimas e cada uma destas em duas semínimas e assim por diante. Já a rítmica africana é aditiva, pois atinge uma dada duração através da soma de unidades menores, que se agrupam formando novas unidades, que podem possuir um divisor comum (é o caso 2 = e e 3 = e) (SANDRONI, 2001, p. 26).

A subdivisão da frase rítmica pode ser observada na notação acima da

partitura como 7+9+9+7. Nota-­se a antecipação do acorde na última semicolcheia.

Devido a essa entrada do violão, percebe-­se que a frase do tamborim irá também mudar.

Ressalta-­se a figura do compasso 10, que está diferente dos outros, dando a entender

que haverá uma mudança de fraseado, gerando, portanto, uma contrametricidade42. Se

mantivermos o

muito comum no meio popular quando há um desconforto entre melodia e ritmo.

Numa conversa informal com o engenheiro de som T Reis, ao ouvir esse

trecho, ele nos confidenciou que a mudança da levada dentro da música seria

complicada. Portanto, ele sugere que tenha sido feita uma pausa e os ritmistas entravam

com uma nova levada;; no caso, começariam ao contrário e se ajustariam com o fraseado

da melodia.

Sobre a imparidade no samba, Sandroni (2001) descreve que:

mas rítmicas das

levadas de tamborim, cuíca e agogô, por exemplo. Essa imparidade se dá pela divisão das oito semicolcheias de um compasso binário ou das dezesseis semicolcheias de dois compassos binários e grupos de dois ou três gerando grupos como (3+2+2) e (+3+2+2+2).

Geralmente a divisão pode estar nas somas de 7+9 ou na sua inversão, 9+7.

42 Esse termo serve para entender o deslocamento rítmico estabelecido no samba. Num compasso binário, onde 8 semicolcheias servem de base para o pulso de semínima. As semicolcheias impares (1,3,5,7) são denominadas de cometricidade e as pares de (2,4,6,8) de contrametricidade.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

134

Figura 97: Fraseado de imparidade rítmica.

Segundo Sandroni, esse padrão foi denominado pelo musicólogo Samuel

Araújo ciclo do tamborim ou padrão do tamborim . Foi também adicionado ao choro

samba, acabaram por estar entre os mais importantes mediadores na assimilação do

novo paradigma rítmico.

Em Amor barato, já na introdução, podemos pensar na imparidade 7+9.

Figura 98: Imparidade 7+9, tamborins, introdução de Amor Barato.

Pode parecer um pouco confuso em razão da última semicolcheia do

primeiro compasso fazer parte já da frase do segundo. Isso se dá pelo fraseado da

harmonia e melodia, como atesta Cunha (2014, p. 53):

O que deve ficar claro é que a imparidade se estabelece no fraseado do ritmo do samba através de seus instrumentos característicos. A execução desses instrumentos por agrupamentos de 2 e 3 subdivisões mantém relação direta com melodia e acompanhamento. Como a prática musical do samba é orientada por múltiplos pontos de referência, tanto o ritmo melódico pode influenciar o ritmo dos demais instrumentos como também ser orientado por eles. Independente da

como uma lógica rítmica e fraseológica tanto no ritmo harmônico como no ritmo melódico do samba.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

135

Já é nítida essa semelhança, mas não custa enfatizar o que Sandroni relata

sobre a aproximação dos ritmos brasileiros com os africanos. Portanto, a fórmula aditiva

está muito mais relacionada com a rítmica brasileira do que a divisa.

As próximas duas músicas escolhidas para análise são Vai Passar, de Chico

Buarque e Francis Hime, e Coração Oprimido, de Paulinho da Viola. Diferentemente de

Pára-­Raio e Sapato de Trecê, o principal foco aqui está em elucidar uma diversidade de

frases que estejam mais próximas da performance de um ritmista e das frases

características do Mestre Marçal.

Vai Passar foi gravada no ano de 1984 no disco Chico Buarque. Trata-­se de

um samba de andamento rápido, considerado um samba-­enredo, devido também às

levadas utilizadas pela percussão e cavaco. Nessa música o tamborim toca as levadas

mais à vontade, dentro do seu estilo mais tradicional. Na parte introdutória da música,

com repetição de oito compassos, percebe-­se que o tamborim na segunda repetição

exerce uma função mais de improviso, enquanto na primeira ele aparece mais restrito à

figura do teleco-­teco. No trecho mostrado a seguir na Figura 99, nota-­se também a

interação entre o acompanhamento do violão com os tamborins.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

136

Figura 99: Introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:01-­0:08 (faixa 35 do CD).

A característica do fraseado do Mestre Marçal já está presente no segundo e

quarto compassos no retorno da introdução, como mostra a Figura 100.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

137

Figura 100: Repetição introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:08-­0:11 (faixa 36 do CD).

Figura 101: Parte final repetição, Vai Passar, Chico Buarque. 0:12-­0:15 (faixa 37 do CD).

Nos trechos mostrados abaixo nas Figuras 102, 103 e 104, notamos uma

variedade de frases atuando como variações da levada. Novamente, é possível notar

nesses exemplos como o cavaco interage com o

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

138

Figura 102: Primeira variação cavaco e tamborim. Vai Passar. 0:45-­0:50 (faixa 38 do CD)

Figura 103: Segunda variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 0:49-­0:58 (faixa 39 do CD).

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

139

Figura 104: Terceira variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 1:38-­1:41 (faixa 40 do CD).

Como podemos notar nos exemplos acima, o cavaco tem uma pequena

variação dentro da levada do samba-­enredo, enquanto o tamborim está completamente

nte dessa afirmação, resolvemos perguntar ao próprio compositor

Chico Buarque se ele designava alguma função na hora de tocar ou gravar, já que o

eu para designar funções ao Mestre Marçal? O diretor musical podia instruí-­lo a entrar

Marçal canta, Buarqu

para o coro, e não me esqueço da sua participação em Vai passar. A certa altura, por

bastasse, ele ainda nos deixou o Marçalzinho. (BUARQUE, 2015)

Na parte final da música, em um determinado momento, onde já está

presente o coro adicionado a vários instrumentos de escola de samba, percebe-­se vários

tamborins tocando a levada em uníssono em meio à melodia. Geralmente, essa maneira

de interagir dos tamborins é associada à letra da melodia, logicamente quando se trata

do contexto de escola de samba.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

140

Figura 105: Uníssono de tamborins, Vai Passar. 2:46-­3:05 (faixa 41 do CD).

Coração Oprimido, de Paulinho da Viola, foi gravada no ano de 1979 para o

álbum Zumbido. Trata-­se de um samba de andamento médio, no qual o tamborim do

Mestre Marçal toca, na maior parte, variações da levada do teleco-­teco. Esse caso já

mostra outra característica da performance do Mestre Marçal, que são as frases com as

quatro semicolcheias na variação.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

141

Observamos um fato incomum em dois trechos recorrentes em Coração

Oprimido. Se recorrermos ao princípio da introdução da percussão nas gravações,

quando a maioria dos ritmistas dificilmente fazia variações, poderíamos encarar isto

com naturalidade. Porém, principalmente no caso do estilo do Mestre Marçal, essa

repetição dos oitos compassos é no mínimo curiosa.

Figura 106: Frase de tamborim, Coração oprimido. 0:41-­0:51 (faixa 42 do CD).

Figura 107: Repetição frase de tamborim 2, Coração Oprimido. 1:06-­1:15 (faixa 43 do CD).

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

142

Se direcionarmos a atenção para os três últimos compassos da música, onde

começa a nota longa do final da melodia, podemos perceber a frase do tamborim

indicando já uma resolução. Para Stanyek e Oliveira esse trecho se caracteriza como

uma chamada, mas nesse caso é uma chamada final, determinada pelos músicos.

Figura 108: Final tamborins, Coração Oprimido. 3:03-­3:10 (faixa 44 do CD).

A próxima música selecionada para análise é Esta Melodia, um samba de

andamento médio composto em 1951 por Bubú da Portela e Jamelão (José Bispo

Clementino dos Santos). Essa canção foi regravada várias vezes por grandes nomes da

música popular brasileira. A regravação à qual iremos nos ater é a de Cristina Buarque

no LP Prato e Faca, do ano de 1976, lançado pela RCA/Ariola, e relançado em 2004

em CD.43 Essa gravação foi a primeira que nos chamou atenção com relação à maneira

de tocar duas vozes distintas em dois tamborins.

Apesar de repetitiva, há diversos pequenos trechos que merecem ser

destacados. Podemos perceber com nítida precisão as diferenças (rítmicas e sonoras)

entre os dois tamborins. Aqui Mestre Marçal divide essa música com um dos seus

eternos parceiros, Elizeu. Sugere-­se que o tamborim mais grave era tocado por Elizeu, e

43 Discografia selecionada e organizada por Maria Luiza Kfouri e disponível em <http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/indice.htm>.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

143

a levada é a mesma que ele tocava com trio de tamborins, segundo Marçalzinho.

(MARÇALZINHO, 2014) Com relação à escrita, manteremos a mesma forma. A única

diferença será a inclusão de mais um pentagrama, inserindo a linha do tamborim mais

grave.

Essas duas levadas são bastante mencionadas como as utilizadas pelo trio

Mestre Marçal, Luna e Elizeu. Podemos observar essa menção em Bolão (2003), na sua

peça de tamborim Era Luna, Elizeu e Marçal, bem como na citação de Wilson das

Neves no documentário As Batidas do Samba.

Figura 109: Introdução, Esta Melodia, tamborins. 0:00-­0:06 (faixa 45 do CD).

Essas levadas serão bastante recorrentes dentro das gravações,

principalmente a da linha suplementar, utilizada no samba-­enredo. No caso de Esta

Melodia, a levada do primeiro tamborim não se faz da virada na terceira semicolcheia,

recurso utilizado normalmente. Segundo Marçalzinho, seu pai nunca utilizou o recurso

de tocar o tamborim virado (MARÇALZINHO, 2014).

Retomando nossa análise, veremos uma característica muito utilizada

quando temos dois tamborins tocando juntos. Podemos constatar a figura da hemíola

agora nas duas vozes. Nota-­se que, se fizermos uma comparação entre o primeiro

compasso do segundo sistema e posteriormente o segundo do primeiro, podemos

concluir que há uma imitação. Isso se percebe por um longo tempo dentro dessa seção.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

144

Essas frases da linha superior são recorrentes no estilo do Mestre Marçal, como

elucidado no exemplo da música Tamborins, na subseção B. A única diferença está na

variação dos timbres.

Figura 110: Tamborins em Esta Melodia, compassos 48 a 50. 0:53-­0:56 (faixa 46 do CD)

Na parte final da música, ocorrem várias repetições até um diminuendo

(fade out). Na segunda repetição, trata-­se da única vez em que ambos tocam em

uníssono. Isso nos remete a uma característica do instrumento nos dias atuais nas

escolas de samba (toque em uníssono), mesmo que num pequeno trecho. Isso, dentro do

conceito de Stanyek e Oliveira, é denominado de chamadas, que se incluem dentro de

seção de marcação. Essas chamadas, segundo os autores, servem como formas de

comunicação entre os músicos para finalizar ou começar uma seção. Neste caso um

recomeço da seção.

Figura 111: Tamborins uníssonos, Esta Melodia. 1:44-­1:47 (faixa 47 do CD)

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

145

Por fim, iremos analisar pequenos trechos da música O Meu Guri, de Chico

Buarque, do álbum Almanaque (1981). A primeira vez em que aparece o tamborim é

juntamente com a entrada da voz. Somente violão e flauta estão presentes durante

associar a essa levada do tamborim, pois é perceptível a interação entre a frase principal

(tamborim) com os complementos na pele da parte inferior (dedos). Não foi possível

ouvir os dedos nas colcheias in box do primeiro tempo.

Figura 112 O Meu Guri. 0:18-­0:25 (faixa 48 do CD).

O trecho mostrado na Figura 113 abaixo ilustra mais um conceito de

Stanyek e Oliveira, que foi denominado de imitação por variação. O músico deixa de

tocar a levada para tocar junto com a melodia. No caso abaixo, a melodia acentuada

fornece essa possibilidade ao músico para a imitação.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

146

Figura 113: Acentos do tamborim junto com a melodia. 1:10-­1:15 (faixa 49 do CD)

Os acentos tocados pelo primeiro tamborim aparecem exatamente junto com

a voz e cavaco tocando acorde de Si maior. O único lugar onde não acontece esse

Mi ligada ao terceiro compasso. Portanto, a partir desse momento o tamborim já retoma

a levada.

A última seção é a que elucida o famoso trio com Luna e Elizeu, no qual

cada um usava afinações diferentes. Mestre Marçal era o que usava a mais aguda. Isso

nos remete ao candomblé, em que os atabaques são de tamanhos e afinações diferentes.

O rum é o mais grave (atabaque maior), rumpi, o médio e o lé são agudos (menor), além

do agogô. Como exemplo, iremos ilustrar as três levadas da cabula, ritmo que deu

origem ao samba. A primeira linha é o agogô, a segunda, o lé, a terceira, o rumpi e a

última, o rum.

Figura 114: Exemplo do ritmo de cabula extraído de Oliveira (2008).

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

147

Outra semelhança em relação aos tamborins são as frases dos três surdos

utilizados na escola de samba, que, assim como os atabaques, são de afinações e levadas

diferentes.

Figura 115: Variação de levadas de surdos. Fonte: Costa e Gonçalves (2012).

Como primeiro exemplo da levada dos três tamborins, reproduzimos a

transcrição feita por Oscar Bolão durante uma seção de gravação que ele presenciou do

trio.

Figura 116: Três tamborins. Fonte: Bolão (2003).

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

148

Finalmente, a Figura 117 abaixo mostra outra variação que transcrevemos

dos três tamborins de Luna, Mestre Marçal e Elizeu.

Figura 117: Três tamborins, O Meu Guri. 0:49-­0:57 (faixa 50 do CD).

Figura 118: Luna, Mestre Marçal e Elizeu gravando em estúdio.

Os exemplos a seguir, Figuras 119 a 121, servem para ilustrar alguns dos

traços característicos de Mestre Marçal. Primeiramente na Figura 119 temos os

podem ser observados principalmente nas músicas Pára-­Raio

de Djavan e Sapato de Trecê de João Nogueira.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

149

Figura 119:

Na Figura 120, encontram-­se ilustradas três diferentes levadas com a

utilização d s em músicas como

Tamborins de Luciano Perrone, Vai Passar de Chico Buarque e Francis Hime, dentre

outras.

Figura 120: Toque de aro e pele do fraseado de Mestre Marçal

Na Figura 121 temos várias levadas de tamborim comumente tocadas por

Mestre Marçal de maneira mais tradicional, ou seja, sem a utilização de aros e sem os

comentários entre tamborins. Essas levadas foram mostradas por Marçalzinho durante

uma passagem de som.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

150

Figura 121: Levadas sem utilização dos aros.

Na Figura 122, em duo com Luna num programa com Paulinho da Viola

para a Tv Tupi nos anos de 1970. Mestre Marçal toca a primeira linha repetidamente,

enquanto Luna alterna as levadas.

Figura 122: Levadas de duo. Mestre Marçal e Luna.

Na Figura 123, um exemplo do trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal, que

Marçalzinho diz ter sido

do deslocamento dos acentos entre os tamborins dois e três. Marçalzinho disse que

Mestre Marçal tinha a função de manter a levada como mostra o tamborim um. Em

alguns momentos, Mestre Marçal parava de tocar essa levada para ficar improvisando.

Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

151

Figura 123: Levadas do trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal.

152

Capítulo 4. O Legado

Capítulo 4. O Legado

153

Mestre Marçal foi sem dúvida uma grande influência para muitos

percussionistas, ritmistas e até cantores brasileiros. O objetivo deste capítulo é fazer um

breve relato de alguns dos grandes ritmistas/percussionistas que tinham relação próxima

ao Mestre Marçal, seja através do convívio próximo, tocando ou gravando, seja por

conhecê-­lo somente através de gravações que serviram de influência e inspiração. Essa

influência será demonstrada através da identificação de traços idiomáticos da

performance de Mestre Marçal ao tamborim encontrados na execução dos músicos

citados a seguir.

A primeira música é de autoria do cantor e compositor João Bosco, artista

que teve em suas gravações a presença constante de Mestre Marçal. O título da música é

De Mamadeira do CD Malabarista do sinal vermelho, do ano de 2003, lançado pela

Sony Music. Nessa faixa os tamborins são tocados por Marçalzinho e também por

Robertinho Silva.

A influência de Mestre Marçal está aqui sintetizada em alguns poucos

compassos, valorizando a entrada dos tamborins, que ocorre no terceiro compasso da

volta da parte A, excluindo-­se assim a introdução do violão e voz, que na partitura foi

adaptada para trombone. O violão aparece numa levada que sugere batida de partido

alto e, neste caso, mantém a regularidade da levada transcrita. Logo na primeira parte da

letra A aparece o primeiro instrumento de percussão, que é o Tantã44.

Na sequência aparecem os dois tamborins, cada qual com sua própria

levada, acompanhando a melodia e o violão. A levada do tamborim da linha superior

indica que este ficará mais constante, ou seja, uma forma mais padronizada em cima da

levada do teleco-­teco como ilustrada nos compassos de números 5 a 8, como mostra a

Figura 123.

44 de

Capítulo 4. O Legado

154

Já no tamborim da linha inferior, observamos maior liberdade em relação à

interpretação que, no curto trecho mostrado na Figura 122 remete em uma das

variações utilizadas pelo trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal.

Figura 124: Variação de tamborins utilizadas por Luna, Elizeu e Marçal.

Nota-­se que no compasso de número 9 aparece a haste com x, que denota o

rim-­shot (pele e aro tocados simultaneamente), outro elemento característico do toque

de Mestre Marçal.

Capítulo 4. O Legado

155

Figura 125: De Mamadeira, tamborins. 0:49-­0:59 (faixa 51 do CD).

Percussionista profissional desde 1976, Humberto Cazes (ou, como é

conhecido artisticamente, Beto Cazes) tem uma carreira bastante sólida, seja em estúdio

de gravação, seja nos palcos, tocando com grandes nomes da música popular brasileira.

O próximo exemplo é uma gravação de 1996 do CD Zé Keti: 75 anos de

samba (último antes da morte do compositor), produzido por Henrique Cazes e lançado

pela gravadora Rio Arte Musical. A música que iremos ilustrar é Leviana, com

participação especial do cantor e compositor Wilson Moreira. Somente a introdução

será mencionada aqui, apesar de a levada reaparecer no final da música. Optamos pela

introdução devido à interação de outros instrumentos com os tamborins ser menor e de

melhor compreensão.

Capítulo 4. O Legado

156

Beto nos confidenciou tempos atrás, em conversa informal, que aprendeu

essas levadas com o Mestre Marçal durante um período em que estavam gravando

juntos.

E o meu interesse e minha admiração pelo trabalho do Marçal, Nilton Delfino Marçal, Mestre Marçal, começou mais ou menos em 1986. Minha aproximação com ele foi quando comecei a produzir com um pesquisador japonês, Katsunori Tanaka, que eu havia conhecido no Japão em 1985. Em 86 a gente começou a fazer uns discos de samba aqui no Rio. Fizemos um disco do Wilson Moreira, um do Nelson Sargento e outro da Velha Guarda da Portela. Nos discos do Wilson Moreira e Nelson Sargento, nós gravamos, eu gravava de pandeiro as bases e chamávamos sempre o trio dos grandes percussionistas de samba da época, Luna, Marçal e Elizeu, o trio mítico da percussão de samba, e eles botavam os complementos de percussão, tamborins, cuíca, agogô, etc. A gente gravava a base, eu de pandeiro, o gordinho de surdo e depois eles botavam as percussões. E eu ficava muito no estúdio olhando o trabalho deles, e tinha uma determinada batida que os três faziam que se completavam e dava pra perceber, ouvindo de uma gravação que eles tinham feito com o cantor Monarco na década de 70. (CAZES, 2015)

Os tamborins da gravação de Leviana foram usados com diferentes

afinações, o primeiro com a afinação bastante alta, enquanto o segundo tamborim tem

afinação média, ambos com pele de couro animal. Ouvindo a gravação em estéreo, em 2

canais separados, são perceptíveis as diferenças e a junções entre ambos.

Capítulo 4. O Legado

157

Figura 126: Tamborins, Beto Cazes, Leviana. 0:01-­0:09 (faixa 52 do CD).

Cazes descreve sobre a estrutura do trio de tamborins:

Capítulo 4. O Legado

158

Eu percebi nas gravações e na convivência com Marçal, Luna e Elizeu (os três tamborins mais clássicos do samba) que eles faziam uma célula. Geralmente dois desses tamborins faziam uma célula que era repetida e que era deslocada dentro do compasso. Elas começam em lugar diferentes essas células, que juntas se completavam espetacularmente [...] Uma iniciava no tempo e a outra no contratempo. Eles faziam isso instintivamente mas que dava um resultado muito incrível. Em termos de polirritmia e de complemento dentro do samba principalmente na gravação do samba enredo. [...] Fazer a introdução com essa rítmica e eu gravei com dois tamborins de couro, mas com afinações um pouquinho diferentes e gravando no estéreo em 2 canais bem separados para notar mesmo essa diferença dos dois e a junção. Tanto no começo da música como no final acaba fazendo essa composição rítmica, que, embora sendo com a mesma célula, ela deslocada dentro do compasso dá uma impressão espetacular. Eles faziam instintivamente, isso era uma coisa que o Mestre Marçal devia fazer desde que ele existia (CAZES, 2015).

Figura 127: Beto Cazes e Mestre Marçal gravando em 1986. Fonte: Arquivo Beto Cazes.

Marcos Esguleba e Mestre Trambique tocaram juntos na banda que

acompanhava Mestre Marçal. Músicos sempre presentes nas gravações de estúdios,

esses dois fazem dobradinha na percussão do Grupo Semente, cujo primeiro CD

homônimo foi lançado recentemente, e que com frequência acompanha a cantora de

samba Teresa Cristina. Neste CD do Grupo Semente aparece uma composição do

Capítulo 4. O Legado

159

Mestre Trambique em parceria com Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro. O nome

da música rende homenagem ao mestre titulo da música: Mestre Marçal.

Tomaremos como exemplo Nas asas da canção, composição de Dona Ivone

Lara e Nelson Sargento. A gravação é de 2001, do álbum Nasci pra sonhar e cantar, de

Dona Ivone Lara, para o selo Natasha Records. A participação de Esguleba e Trambique

aparece logo na introdução instrumental, onde há um diálogo entre os dois tamborins,

ambos utilizando pele de couro animal. O diálogo reaparecerá na entrada da voz de

Dona Ivone Lara. Ilustraremos o trecho em que somente estão presentes os tamborins,

juntamente com o surdo, a melodia e o acompanhamento do violão. Os tamborins neste

trecho são bastante perceptíveis, assim como em Leviana, pois a quantidade reduzida de

outros instrumentos ajuda no entendimento da execução.

Capítulo 4. O Legado

160

Capítulo 4. O Legado

161

Figura 128: Transcrição de melodia e tamborins, Nas Asas da Canção. 1:13-­2:07 (faixa 53 do CD).

Na transcrição ilustrada na Figura 126 é importante ressaltar que os

tamborins transcritos se referem somente ao primeiro retorno, ou seja, casa 1 na forma

Capítulo 4. O Legado

162

da canção. O que seria a repetição da letra A (começo da música) não está transcrito e,

portanto, os tamborins foram omitidos, somente retornando no segundo pentagrama da

segunda página (casa 2). Observa-­se aqui que somente no início e no final os tamborins

estão convencionados com a mesma frase.

Na zona leste da cidade de São Paulo, mais precisamente no bairro de São

Mateus, reduto de grandes sambistas e ritmistas, foi criado na década de 1990 o Trio de

Tamborins de São Mateus por Jorge Bernardino da Cruz (Jorge Neguinho), Gerson

Martins Dias (Gerson da banda) e Ivisson José Pessoa Bezerra (Ivisson Casca). Este trio

de tamborins pode ser ouvido nos discos do Quinteto Branco e Preto (grupo que ao

longo dos anos virou referência do samba em São Paulo, do qual Ivisson foi um dos

fundadores) e também do Berço do Samba de São Mateus e da cantora Beth Carvalho,

entre outros.

Gravado em 2001, Nome Sagrado é o CD da cantora Beth Carvalho,

lançado pela gravadora Jam Music em homenagem ao cantor e compositor Nelson

Cavaquinho. Dentre os ilustres convidados, está o Trio de Tamborins de São Mateus,

que Beth compara com a formação clássica, integrada por Luna, Elizeu e Mestre

Marçal45.

coisa

dentro daquela ideia que o trio fazia. Foi um marco na vida da gente de cada um de nós

como músicos Também sobre o convite de Beth Carvalho para gravar, Bezerra (2015)

o

talento e genialidade que eles tinham. A gente tentou da nossa maneira aqui reproduzir e

até hoje tenta fazer o trabalho que eles faziam. No caso do ritmo a gente se inspira

muito neles .

Durante uma sessão de gravação que participei com o Trio de Tamborins de

São Mateus, solicitei ao trio que reproduzisse as três inspiradoras levadas que eles

45Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/musica,beth-­carvalho-­canta-­nelson-­cavaquinho,20011009p6271>. Acesso em: 26 mai. 2015.

Capítulo 4. O Legado

163

utilizaram em gravações. No vídeo registrado, Ivisson tocou a primeira linha, mais

aguda, Jorge tocou a segunda, média, e Gerson, a terceira, no grave. A transcrição do

trecho se encontra na Figura 127.

Figura 129: Tamborins de São Mateus.

Bezerra relata claramente a influência musical que Mestre Marçal tem em

sua formação:

Mestre Marçal foi importantíssimo na minha vida, porque os discos dele influenciaram muito minha carreira musical, aprendi a escutar muito nos discos dele, aprender os sambas, as levadas, também a época do Carnaval quando ele era mestre de bateria, que via os desfiles pela Rede Manchete das baterias que ele comandava e a gente ficava maravilhado com a postura do Mestre Marçal e o respeito que todo mundo tinha. Então, é... Tenho um agradecimento a esse mestre porque ele foi essencial na minha vida e inspirou como sambista e como artista (BEZERRA, 2015).

Registramos aqui a admiração de Gerson, que sempre elogiou Mestre

Marçal informalmente:

Grande importância na minha vida, na minha formação como músico. Eu que desde criança já venho escutando aquelas gravações do Mestre Marçal. Ora tocando pandeiro, ora tocando cuíca, enfim, era um multi-­ritmista (sic). E um bom gosto nas frases, e tudo que tocava, tocava bem. Eu cresci nessa atmosfera do samba, ouvindo o Mestre Marçal. Quando eu tive o contato com o trio Luna, Marçal e Elizeu, através dos tamborins do disco do Partido em 5 e em várias outras gravações, fiquei encantado (DIAS, 2015).

Capítulo 4. O Legado

164

Um grupo de jovens músicos de São Paulo resolveu formar em 2011 o

grupo Cadeira de Balanço, cuja finalidade era desenvolver uma maneira diferente de

tocar o choro com roupagem mais moderna, segundo um dos membros do grupo, o

percussionista Rafael Toledo. No ano seguinte, gravaram o primeiro CD, com o nome

de Bagunça Generalizada.

Além de Rafael, o grupo conta com dois outros grandes talentos na

percussão: Léo Rodrigues e Douglas Alonso. Este trio é bastante requisitado para os

mais diversificados projetos musicais da cena paulistana. Completam o grupo o flautista

Enrique Menezes, o violão de sete cordas Gian Correa e Henrique Araújo,

cavaco/bandolim. Segundo Toledo:

Escutando no samba, não tem como você não se identificar com o que Mestre Marçal fazia, não se emocionar com o que ele fazia, tocando tamborim, cuíca, diversos instrumentos de percussão [...] Sempre que escutava eu ficava atento, tentando tirar o que ele fazia, as levadas que ele tocava, às vezes só com tamborim, ou com o trio com Luna e Elizeu. E isso é o que eu carrego na minha musicalidade. Daí pra frente eu tentei colocar no máximo possível das gravações que eu fazia e uma delas é num grupo chamado Cadeira de Balanço [...] Dentro desse disco, eu e os outros dois percussionistas, Léo Rodrigues e Douglas Alonso, resolvemos citar o trio de tamborim glorioso que foi Luna, Mestre Marçal e Elizeu, fazendo uma levada que eles costumavam fazer muito (TOLEDO, 2015).

A música a ser tratada aqui é O Mancebo, composta pelo acordeonista

Toninho Ferragutti. Após os oito primeiros compassos de introdução, os três tamborins

aparecem junto da primeira exposição da melodia, em uníssono com cavaquinho e

flauta. Rafael relata que foram definidas as afinações de acordo com a levada de cada

tamborim, como transcrito abaixo: o primeiro agudo, o segundo médio, e o terceiro

grave. A levada de carreteiro é encontrada na parte do segundo tamborim, na qual é

assinalado por um retângulo, e uma seta indicativa , o para o momento em que o

tamborim vira .

Capítulo 4. O Legado

165

Figura 130: Tamborins, Grupo Cadeira de Balanço. 0:10-­0:26 (faixa 54 do CD).

Como mostrado na Figura 129, nos compassos sete e oito, observa-­se que os

tamborins tocam em uníssono como se fossem uma chamada para retornar ao tema.

Figura 131: Tamborins, chamada, Cadeira de Balanço. 0:45-­0:49 (faixa 55 do CD).

Na volta ao tema dessa música identifica-­se outra influência de Mestre

Marçal. Observa-­se que dois dos três tamborins continuam mantendo uma das levadas,

enquanto o terceiro tamborim fica mais livre improvisando.

Como podemos observar nesses cinco pequenos exemplos, o legado deixado

pelo Mestre Marçal se estendeu por várias gerações: a geração de Mestre Trambique e

Robertinho Silva, nascidos na década de 1940, passando por Marçalzinho, Beto Cazes e

Marcos Esguleba. Todos esses tiveram convívio direto com o Mestre Marçal, no Rio de

Janeiro. Gerações posteriores receberam a influência indiretamente (através de discos

ou vídeos), como os paulistas da geração da década de 1970 do Trio de Tamborins de

Capítulo 4. O Legado

166

São Mateus, a juventude da década de 1980, bem como os percussionistas do grupo

Cadeira de Balanço.

.

167

Considerações Finais

Considerações Finais

168

O presente trabalho teve como principal questionamento o possível legado

da atuação de Mestre Marçal para sua geração posterior. Ao desenvolver a tarefa

principal dessa pesquisa, outros objetivos secundários foram se apresentando. Um

levantamento da trajetória profissional de Mestre Marçal de forma mais sistemática,

algo inédito até o momento, assim como um estudo sobre os principais tamborinistas do

eixo Rio-­São Paulo, se mostraram pertinentes e se traduzem em uma importante

contribuição desse trabalho.

Concluímos, ao final da pesquisa, que através da análise musical

comparativa entre o período anterior à atuação de Mestre Marçal e a geração

contemporânea e posterior, que essa influência e importância se confirmam.

Podemos perceber que Mestre Marçal exerceu um papel fundamental e foi

um elo entre as gerações de ritmistas aos quais esteve ligado. Exemplo importante são

seus antecessores, como seu pai e Bide, e seus contemporâneos Luna, Elizeu, Doutor e

Wilson das Neves, dentre outros. Posteriormente, ao utilizar em suas gravações os

ritmistas inovadores do Cacique de Ramos como Ubirany Felix Nascimento, Sereno e

Bira Presidente, Mestre Marçal alcançou uma nova geração de ritmistas, dentre os quais

se inclui Marcos Esguleba.

Esse elo, como pode ser observado, não nos remete a nenhum outro ritmista,

até mesmo aos seus contemporâneos. Uma evidência dessa influência única é uma

comparação entre a primeira gravação de Mestre Marçal como cantor e sua terceira

gravação. Enquanto na primeira estavam seus contemporâneos, como Doutor no repique

de anel, na terceira já estava o repique de mão de Ubirany Felix Nascimento.

Qual seria o diferencial entre Mestre Marçal e seus contemporâneos? Além

de ter desenvolvido uma maneira peculiar de tocar tamborim, sua visão ampla da

atuação musical e sua abertura para participar de diferentes projetos, fez com que ele

atingisse os diretores de bateria, os cuiqueiros e os ritmistas que viraram cantores.

Considerações Finais

169

No final deste trabalho, observa-­se que o papel de Mestre Marçal no samba

foi de fundamental importância, principalmente por ter vivido com várias gerações de

sambistas e ter desenvolvido uma maneira peculiar de tocar. Ao longo desta dissertação,

procuramos mostrar a extensão da sua influência e seu campo de atuação.

Mestre Marçal tocou com Luciano Perrone em rádio e gravações. Foi cantor

em bailes, mestre de bateria e comentarista de carnaval em televisão. De ritmista a

interprete de música inclusa em novela da Rede Globo. De passista e ritmista a

intérprete com Chico Buarque.

Classificar Mestre Marçal como um elo entre os músicos na história do

samba significa que ele se apropriou dos padrões de execução comuns até os anos de

1950, desenvolvendo-­os com requinte e originalidade, e posteriormente seu

idiomatismo ao tamborim serviu de referência para a geração posterior.

As transcrições que fizemos sobre sua performance nos serviram de

ferramenta para compreender e retratar a virtuosidade e originalidade de Mestre Marçal.

Algumas delas, utilizadas na dissertação, elucidam minuciosos pontos técnicos, outras

proporcionam uma idéia mais ampla de conceitos musicais empregados por Mestre

Marçal.

Ao longo da dissertação, foi possível fazer uma análise compreensiva,

partindo das performances e primeiras gravações e relacionando-­as com o legado que

seus traços idiomáticos característicos deixaram para gerações seguintes. É nítida a

contribuição de Mestre Marçal para o que ocorre hoje em dia na utilização do tamborim

como complemento melódico

O envolvimento com esse traço característico de Mestre Marçal já foi

assimilado, ultrapassando o samba e atingindo outros ritmos, em trabalhos que podem

ser encontrados no mercado.

Considerações Finais

170

O tamborim de Mestre Marçal também aparece em duo e em trio com seus

parceiros Luna e Elizeu, que tanto sucesso fizeram dentro das centenas de gravações. As

gravações desse trio também nos influenciaram na maneira de pensar diferentes linhas

para outros instrumentos e compreender a função que cumpriam em relação à

composição.

A utilização dos toques de aro com pele simultânea e as adaptações das

linhas de tamborins passaram com frequência a fazer parte do vocabulário musical,

independentemente do estilo, ajudando-­nos a inseri-­las em novos contextos criativos.

Gostaríamos de salientar que não tivemos a pretensão de obter conclusões

definitivas e nem de esgotar o assunto. Pretendemos, isto sim, que a pesquisa realizada

seja entendida como uma contribuição para a discussão dos problemas relativos à

percussão brasileira.

Temos certeza de que muitos outros trabalhos virão oportunamente para

enriquecer ainda mais o debate, acrescentando outras informações, abordagens e até

mesmo pontos de vista diferentes e contributivos.

171

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