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59 Bahia Agríc., v.8, n. 1, nov. 2007 SOCIOECONOMIA Os desafios e as perspectivas de universalizar a ATER para a agricultura familiar na Bahia Ailton Florêncio dos Santos* Wilson José Vasconcelos Dias** *Mestre em Desenvolvimento Regional, Superintendente de Agricultura Familiar da SEAGRI, Salvador - BA; e-mail: [email protected] **Engenheiro Agrônomo, Especialista em Desenvolvimento, Diretor de Territórios da Superintendência de Agricultura Familiar da SEAGRI, Salvador - BA; e-mail: [email protected] Foto: Manuela Cavadas Acompanhando o movimento na- cional de restabelecimento da política pública de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), com o Governo Lula, a Bahia começa, com a posse do Governador Jacques Wagner, a enfrentar o problema da desestruturação deste importante serviço aos agricultores/as baianos, de- pauperada, ano a ano, pelos sucessivos governos pós-decadência e fechamento da Empresa Brasileira de Assistência Téc- nica (EMBRATER) e do Sistema Brasileiro de Assistência Técnica (SIBRATER). Este antigo arcabouço, mesmo for- talecido com base em um modelo de desenvolvimento não sustentável, vin- culado, em grande parte, à “Revolução Verde”, que concentrou renda, provocou a aceleração da migração campo-cidade, exauriu e poluiu os solos e criou favelas rurais, guardava, de per si, a presença do Estado no meio rural, onde, mesmo não conseguindo arregimentar forças para as transformações necessárias, fincou raízes e estabeleceu relacionamentos sociais capazes de absorver a mudança de pa- radigmas, vetores do real e desejado de- senvolvimento rural sustentável. O sinal maior do descaso foi o trata- mento dado a Empresa Baiana de Desen- volvimento Agrícola (EBDA), resultado da fusão da EMATER-BA e da Empresa de Pesquisa Agropecuária da Bahia (EPABA). Profissionais mal remunerados; patrimô- nio aniquilado; diminuição gradativa do quadro técnico somado a inexistência de uma política de atualização; absolu- ta falta de recursos para as atividades junto aos agricultores/as e; a dissonân- cia metodológica para o atendimento à agricultura familiar - categoria que vem, nos últimos anos, firmando-se como pú- blico prioritário da ação governamental - caracterizam o abandono e a falta de compromisso com este segmento da população que equivalem a quase qua- tro milhões de baianos e baianas. Ao lado disso, a política do Governo

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59Bahia Agríc., v.8, n. 1, nov. 2007

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Os desafi os e as perspectivas de universalizar a ATER para a agricultura familiar na Bahia

Ailton Florêncio dos Santos*Wilson José Vasconcelos Dias**

*Mestre em Desenvolvimento Regional, Superintendente de Agricultura Familiar da SEAGRI, Salvador - BA; e-mail: [email protected]**Engenheiro Agrônomo, Especialista em Desenvolvimento, Diretor de Territórios da Superintendência de Agricultura Familiar da SEAGRI, Salvador - BA; e-mail: [email protected]

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Acompanhando o movimento na-cional de restabelecimento da política pública de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), com o Governo Lula, a Bahia começa, com a posse do Governador Jacques Wagner, a enfrentar o problema da desestruturação deste importante serviço aos agricultores/as baianos, de-pauperada, ano a ano, pelos sucessivos governos pós-decadência e fechamento da Empresa Brasileira de Assistência Téc-nica (EMBRATER) e do Sistema Brasileiro de Assistência Técnica (SIBRATER).

Este antigo arcabouço, mesmo for-talecido com base em um modelo de desenvolvimento não sustentável, vin-

culado, em grande parte, à “Revolução Verde”, que concentrou renda, provocou a aceleração da migração campo-cidade, exauriu e poluiu os solos e criou favelas rurais, guardava, de per si, a presença do Estado no meio rural, onde, mesmo não conseguindo arregimentar forças para as transformações necessárias, fi ncou raízes e estabeleceu relacionamentos sociais capazes de absorver a mudança de pa-radigmas, vetores do real e desejado de-senvolvimento rural sustentável.

O sinal maior do descaso foi o trata-mento dado a Empresa Baiana de Desen-volvimento Agrícola (EBDA), resultado da fusão da EMATER-BA e da Empresa de

Pesquisa Agropecuária da Bahia (EPABA). Profi ssionais mal remunerados; patrimô-nio aniquilado; diminuição gradativa do quadro técnico somado a inexistência de uma política de atualização; absolu-ta falta de recursos para as atividades junto aos agricultores/as e; a dissonân-cia metodológica para o atendimento à agricultura familiar - categoria que vem, nos últimos anos, fi rmando-se como pú-blico prioritário da ação governamental - caracterizam o abandono e a falta de compromisso com este segmento da população que equivalem a quase qua-tro milhões de baianos e baianas.

Ao lado disso, a política do Governo

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Estadual para a agricultura na Bahia foi uma falácia: a região cacaueira aban-donada; o Semi-árido com focos de programas desarticulados entre si que mais serviram para transferir recursos a organizações sociais incipientes, e, cujo resultado, conforme atesta a auditoria do Tribunal de Contas do Estado, é pífi o em relação aos recursos aplicados; a Região Oeste sem infra-estrutura para escoar a produção; o Estado sem um programa integrado de agregação de valor à pro-dução e à comercialização, dentre outros aspectos.

Embora a Bahia agregue 14% dos agricultores/as familiares do Brasil, esta-belecendo-se como o Estado brasileiro que mais concentra esta classe, o refl exo da inoperância do Estado para as 625 mil famílias pode ser sentido na falta de sinergia com as políticas públicas do Governo Federal direcionadas a este pú-blico, uma vez que não foi encontrada na Bahia, a devida receptividade para, se-quer, a operacionalização mais efetiva do conjunto das ações em curso em todo território nacional. O crédito do Pronaf, por exemplo, nunca passou dos 7% de todo o valor aplicado no Brasil, a assis-tência técnica do Estado recebeu menos de 4% do montante nacional, os recursos para o programa de Garantia Safra não alcançou 2%, o PSH (Programa de Subsí-dio à Habitação voltado para a área rural) não chegou a 1% e no Programa de Infra-estrutura dos Territórios Rurais - mesmo sendo o que mais avançou no Estado por conta da intensa pró-atividade dos movimentos sociais em detrimento da ação governamental - alcançou pouco mais de 9% do total distribuído para o País. Outros Programas Federais como os de sementes, pesquisa, turismo rural, agroindústria, reordenamento agrário, capacitação e cooperativismo, foram, igualmente, insufi cientemente desenvol-vidos no Estado.

Ao mesmo tempo em que a crise na assistência técnica para a agricultura fa-miliar está estabelecida, há também um conjunto de potencialidades que preci-sam ser adequadamente utilizadas para a reversão da situação atual e execução de uma nova ATER, das quais valem elencar:

a ampliação continuada, ano após ano, dos recursos federais para as ações junto às famílias;

a instituição do selo combustível so-cial dentro da cadeia produtiva do biodiesel, que obriga as empresas produtoras do novo combustível, entre outras coisas, a prestar servi-ços de ATER aos agricultores/as fa-miliares;

a crescente contratação e ou no-meação de profi ssionais de ciências agrárias pelas Prefeituras Munici-pais, e;

a clara intenção do novo Governo da Bahia em privilegiar o atendi-mento a esta categoria, manifesta-da, inclusive, pela criação da Supe-rintendência de Agricultura Familiar (SUAF), no âmbito da Secretaria de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária (SEAGRI).

Tem-se assim, condicionalidades que favorecem a re-implantação de um sis-tema público de ATER no Estado, onde a distribuição de responsabilidades entre os diversos agentes (públicos e privados) leve em conta a necessidade de atingir um maior conjunto de agricultores/as, que contribua para promover a amplia-ção de um desenvolvimento com cida-dania, que tenha como diretriz a otimiza-ção dos recursos, o que necessariamente passa por entendimentos que impeçam cruzamentos de ações, de atuação na

a)

b)

c)

d)

mesma área, dentre outros aspectos.

Resta aos formuladores das políticas de atendimento a este segmento da po-pulação, saber aproveitar este momen-to histórico para catalisar e aglutinar as forças das três esferas de governo em conjunção com a iniciativa privada, dan-do um rumo mais próspero e digno aos homens e mulheres que habitam o meio rural da Bahia.

PRINCÍPIOS PARA A NOVA ATER

Cabe, enquanto princípios para a nova ação de ATER no Estado da Bahia, reafi rmar e acatar o que foi estabelecido, num processo de consulta democrática, conduzido pelo Departamento de Assis-tência Técnica e Extensão Rural (DATER), da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no Plano Nacional de ATER (PLANATER), devidamente ajus-tado, também a partir de um processo participativo que envolveu instituições públicas e organizações sociais da Bahia, no Plano Estadual de ATER, cujas dis-cussões ocorreram ao longo dos anos de 2004 e 2005 e estão registradas em docu-mentos do Conselho Estadual de Desen-volvimento Rural Sustentável - CERDS.

A defi nição da agricultura familiar como público estratégico e prioritário, o enfoque sistêmico e holístico, a agroeco-

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Agricultura familiar - prioridade da ação governamental atual

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logia como norteadora das ações, o foco na família e nas suas condições sócio-produtivas, a incorporação dos jovens e mulheres rurais, a organização da produ-ção, o uso de metodologias participati-vas, o resgate e a interação do conheci-mento dos agricultores, o fortalecimento da cidadania, a dimensão do rural para além das atividades agropecuárias, entre muitos outros elementos, vão ao encon-tro da nova ATER a ser desenvolvida cujo foco é a gestão da propriedade nos seus usos múltiplos.

Pressupõe, para tanto, a existência de profi ssionais habilitados, a formação de redes de prestadores de serviços em bases municipais e territoriais, o efetivo controle social das ações onde o prota-gonismo dos benefi ciários seja realmen-te respeitado e exercido através dos con-selhos paritários de gestão, a agregação de valor à produção em sistemas vertica-lizados e, sobretudo, o reconhecimento e esforço público para aportar um volume maior de recursos.

Requer permanente vínculo com o desenvolvimento rural sustentável, valo-riza a diversidade de atores (OGs, ONGs, Cooperativas, Instituições de ensino), considera a diversidade de benefi ciários - que inclui assentados da reforma agrária, extrativistas, pescadores, indígenas e qui-lombolas - e acentua a segurança hídrica, alimentar e nutricional como condição básica para a dinamização dos sistemas produtivos.

A síntese do processo de discussão no Plano Estadual de ATER deverá ser o parâmetro fundamental para o resgate dos caminhos a serem seguidos. Porém, será preciso completar o que fi cou au-sente na sua formulação, de modo que:

a EBDA seja reerguida para cumprir o seu papel;

seja distribuída responsabilidades entre os diversos agentes, públicos e privados, em torno da ATER ao ní-vel dos municípios e territórios;

estruturar o compartilhamento das in-formações do processo de trabalho;

defi nir e negociar com os agentes de

a)

b)

c)

d)

como se daria o fi nanciamento, e;

montar o processo de monitora-mento, supervisão e controle.

Sem a construção desses elementos, não há garantias de que não haverá agri-cultores/as sendo acompanhados por duas ou três instituições, publicas e/ou privadas (e ambas com recursos públi-cos) enquanto outros continuariam sem serem acompanhados.

A distribuição de responsabilidade facilita o monitoramento e a avaliação, facilita a mensuração, a verifi cação e a análise dos resultados. A ATER é um meio determinante, mas um meio para se al-cançar maiores níveis de produção, de agregação de valor, de conhecimento, de opções ao nível da família e da orga-nização. A ATER pode e deve também contribuir para a ampliação dos níveis de organização social.

Uma armadilha nos espreita: a rela-ção entre ATER e processo organizativo. Uma coisa é qualifi car as organizações, as lideranças, utilizando metodologias adequadas. Outra coisa é organizar, onde o técnico do Estado ou de outra institui-ção é o agente organizador. Não é esse o papel do Técnico da ATER. A quem cabe organizar, são as lideranças e suas es-truturas organizativas. Estas demandam qualifi cação para exercerem seu papel a contento.

Neste sentido, ao técnico/a do Esta-do cabe o papel de fazer ATER, de modo amplo, holístico, com tal qualidade que amplie renda e a cidadania. Mas esse pa-pel também é do técnico/a da ONG, da empresa, da associação, da federação, do sindicato que quiser captar recursos pú-blicos, seja diretamente através dos con-vênios ou via isenção fi scal. A abordagem organizativa está no conceito de cidada-nia, de escolha, de acesso, de respeito à representatividade. O viés organizativo é um componente do processo de traba-lho, cujo protagonista é a liderança.

Uma questão básica desse proces-so de entendimento sobre Princípios da ATER é que a magnitude da interdiscipli-naridade do trabalho junto ao agricultor familiar e suas demandas traz o desafi o

e)

de termos Técnicos e Técnicas cujo papel não mais será de dar resposta às necessi-dades de uma cultura: o cacau, o bode, o sisal, o café, o algodão, a mamona do biodiesel. O técnico do cacau deverá entender do sistema de produção local e regional, a diversidade e necessidade de diversifi cação da produção, da verti-calização. Ele deverá saber propor a dis-cussão, deverá ter mecanismos, postos a sua disposição, de apreender novos pro-cessos, mas ao mesmo tempo, deverá ter a iniciativa de procurar, propor, inserir-se em redes e discussões. Superar o “não vi, não sei” para dar lugar ao “vou procurar alguém que sabe e vou procurar saber também”, “vou trazer e vamos discutir ou fazer juntos”.

A idéia que está atrás do participativo, do levar em conta o saber do outro, não deve ser uma porta aberta para um diálo-go onde a realidade não seja modifi cada. O encontro de saberes não é estabele-cido para haver troca de informações. O intuito desse encontro é a construção de uma nova síntese, cujo resultado é um processo educativo onde a realidade será posta em causa, reafi rmando determina-dos elementos e mudando o que vier a ser necessário. A síntese não pode ser a continuidade, mas a mudança concreti-zada na melhoria das condições de vida do agricultor/a familiar, com elevação da renda, do IDH, da produção, da qualidade de vida.

PARÂMETROS METODOLÓGICOS PARA A UNIVERSALIZAÇÃO

A situação da ATER na Bahia é dramá-tica do ponto de vista do atendimento ao agricultor/a familiar. Insisti-se que existe uma ATER ofi cial no Estado em função da EBDA. No entanto, ela é assistemática, não consegue atender, onde estão situa-dos, os agricultores/as. O resultado mais evidente disso é o baixo volume de crédi-to captado pelos agricultores/as no Esta-do, tanto em níveis absolutos, como em níveis relativos por meio da ATER ofi cial.

No âmbito das organizações não-go-vernamentais, não há hipótese de terem

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a capacidade de suprir a demanda não coberta pelo Estado. Elas também não almejam isso enquanto missão e princí-pios. Há claramente a idéia de ação com-plementar.

No entanto, a realidade impõe que muitas organizações façam projetos de crédito, por exemplo, nas áreas onde não estão atuando. Também, devido à organização caótica da ação da ATER da EBDA em relação à distribuição espacial nos municípios, há organizações que se deslocam para as diversas comunidades dentro do mesmo município, muitas vezes, coincidindo com áreas que são de atuação da EBDA. Agrega-se a isso as ações das empresas de biodiesel que se preparam para fazer ATER, e neste pro-cesso, acrescenta-se a possibilidade de ter o cruzamento de ações na mesma área do técnico da ONG, da Prefeitura e da EBDA. Os movimentos, como FETAG, FETRAF e MST também captam recursos para fazer, diretamente ATER, complexifi -cando ainda mais o quadro.

A essa distribuição se agrega o fato de que não se persegue o que se pode chamar de ROTINA DO TRABALHO DE ATER, que vem a ser, uma distribuição de trabalho em acordo com a demanda do agricultor/a familiar e do sistema de produção (o que não signifi ca dizer a se-dimentação do status quo do sistema de produção utilizado, no sentido de que é necessário ampliar as possibilidades de aumento da produção, de diversifi cação, de benefi ciamento, de produtividade). De per si, signifi ca dizer que é necessário dar sistematicidade ao trabalho de ATER, o que implica em defi nir a quantidade e duração de visitas, de atividades de for-mação grupal, de intercâmbios, entre ou-tras atividades.

Sem prescindir da qualidade, a ob-servância da estratifi cação da agricultura familiar no Estado, induz a necessidade de defi nir referências apropriadas no sentido de se assegurar o atendimento o mais abrangente possível, tanto em quantidade de benefi ciários, quanto em localidades espaciais. Partindo da cons-tatação que existem mais de 70% de

famílias classifi cadas como do Grupo B do PRONAF e, portanto, na sua maioria, com áreas de terra muito pequenas, a ATER individualizada torna-se inadequa-da e inefi caz do ponto de vista do melhor aproveitamento dos investimentos.

O atendimento grupal precisa, nesta nova fase, ser efetivado. Contudo, deve absorver mecanismos inovadores de pla-nejamento e desenvolvimento das ativi-dades produtivas geradoras de renda e bem estar. No conceito de atendimento grupal insere-se a fi gura do agricultor/a multiplicador, que, escolhido pela co-munidade, dentro de critérios discutidos com todos, terá o papel de ser o respon-sável para animar as discussões e imple-mentação das ações técnicas e outras necessárias, utilizando a metodologia “de agricultor para agricultor”. Esta referência não está vinculada a idéia de “multiplicar o pensamento do técnico”, mas da inte-ração com efetivo protagonismo dos be-nefi ciários fi nais das ações de ATER.

A comunidade rural como centro da ação técnica de ATER somente assumirá responsabilidades se ela estiver conven-cida de que os caminhos defi nidos serão o melhor para ela e para cada família que a integra. Uma questão que parece ser acessória, mas que é de fundamental im-portância, é fi car claro de que em cada reunião ou visita, a comunidade deve indicar, conjuntamente, onde deve ser feita à próxima visita, reunião, discussão, aplicação de técnicas, etc. Isto, além de comprometer a família, a comunidade, dá a ela a exata dimensão de que o servi-ço de ATER é para a comunidade, para a família e são eles que, no diálogo, devem estabelecer a demanda e a agenda do técnico/a.

Por conseguinte, a referência do nú-mero de agricultores/as atendidos por cada técnico/a deve ser ajustada a esta realidade, passando-se a considerar, em substituição a quantidade de grupos ou produtores individuais, as comunidades rurais.

Neste contexto de trabalho é possível adotar a proposição, em maior escala, da metodologia já levada a efeito por muitas

organizações de ATS (Atendimento Téc-nico Sistemático), ATP (Atendimento Técnico Periódico) e ATE (Atendimen-to Técnico Eventual). Na ATS a comu-nidade recebe duas visitas por mês do técnico, sendo um dia e meio para visitas às propriedades e meio dia para a realiza-ção de atividades coletivas (cursos, ofi ci-nas e reuniões). Nos dois anos seguintes, a comunidade de ATS passa a ser de ATP, onde as visitas passam a ser bimensais, mantendo-se os dois dias. Já a partir do quarto ano, a comunidade passa a ser de ATE, quando as visitas, de mesma inten-sidade, passam a ser trimestral. Nessa al-tura, a interlocução cotidiana passa a ser assumida pelos agricultores/as multipli-cadores nas unidades produtivas destes e em atividades de monitoramento.

Por conseguinte, nesta metodolo-gia ATS / ATP / ATE, um/a técnico/a de campo pode atender a seis comunida-des no primeiro ano, com até 30 famílias cada, o que compromete doze dias úteis por mês, deixando os demais dias úteis para a elaboração de projetos, de dis-cussão estratégica, de lançamento das informações de monitoramento, para o atendimento na sede municipal, para auto-qualifi cação, para qualifi cação diri-gida aos agricultores/as técnicos e outros trabalhos internos de escritório. O mes-mo técnico passa a atender oito comu-nidades no segundo e terceiro anos e até dez comunidades a partir do quarto ano. Isto implica em iniciar o atendimento a aproximadamente 180 famílias, passan-do para 240 no segundo ano e chegan-do a 300 famílias a partir do quarto ano. Evidentemente, os parâmetros devem ser alterados quando a média de famílias por comunidade de alguns municípios e regiões forem destoantes.

Em paralelo, a metodologia basea-da nos Agentes Comunitários também e concomitantemente pode ser usada. Ela não é novidade pelo Brasil afora e em outros paises. Na América Latina, com apoio de instituições alemãs como Pão Para o Mundo, isso vem sendo aplicado com efi cácia. Na Amazônia Brasileira, também. Em muitos lugares ela funciona com outros nomes ou têm variações que

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se assemelham, a exemplo dos Agentes Multiplicadores de ATER, incluindo os AJATERs (Agentes Jovens de ATER), os ACRs (Agentes Comunitários Rurais) e os ADTs (Agricultores Difusores de Tecnolo-gias).

Com estes parâmetros, para alcançar uma cobertura de ATER para a agricultura familiar na Bahia próxima à universaliza-ção, será necessário um contingente de técnicos/as de campo de aproximada-mente 2600 profi ssionais. Para 2007 e 2008 pode-se organizar, com os recursos e contingentes já disponibilizados, na ordem de 2020 profi ssionais (conforme Quadro 1), o que signifi ca um número próximo a universalização, considerando a projeção de 80 técnicos/as nas me-todologias com AJATERs, ACRs e ADTs - estes normalmente vinculados a ONGs e Cooperativas de ATER - e 1940 na me-todologia ATS/ATP/ATE.

Torna-se salutar, contudo, localizar os desafi os com as decorrentes propo-sições de enfrentamento para viabilizar a integração destes vários agentes, sem evidentemente, ter a pretensão de esgo-tar o assunto:

a) Quanto aos prestadores de serviços de ATER das Instituições vinculadas à cadeia produtiva do Biodiesel:

O grande desafi o colocado aqui é o de como convencer as empresas integra-doras (que, por força do selo combustível social, são obrigadas a contratualizar a relação de fornecimento da matéria-pri-ma das plantas oleaginosas com os agri-cultores/as familiares com garantia de assistência técnica), a fazê-la dentro das metodologias preconizadas. À primeira vista, para estas empresas, parecerá ser um contra censo abrir mão do atendi-mento direto e focalizado no agricultor-fornecedor com esforço inclinado àquela produção específi ca (dendê, mamona, girassol, amendoim, etc.), para atender a “comunidade de agricultores/as” onde uns produzem e outros não a matéria-prima do seu interesse direto.

O primeiro argumento para ser usa-do junto as empresas integradoras é que a renúncia fi scal que possibilitou a inclusão da agricultura familiar como fornecedora da matéria-prima, foi das instituições públicas e, por conseguinte, a lógica é preservar e “ampliar” a inclusão. O segundo, e mais forte, é que as integra-doras não terão nada a perder porque o conjunto dos agricultores/as produzirá suas demandas a partir de um sistema organizado pelo Estado onde a soma dos contratos individualizados com ATER feito por elas, com a dos contratos com ATER custeada pelo Estado, atenderão seus pleitos em termos de quantidade de matéria-prima. Neste sentido, a proposta

Quadro 1Cobertura de ATER para a Agricultura Familiar: recursos necessários - Bahia, 2007

Especificação Quant.

Técnicos de campo da EBDA (773) e coordenadores (50) 723Técnicos de campo da CEPLAC (240) e coordenadores (40) 200Técnicos contratados pelas integradoras de biodiesel* 190Técnicos das Prefeituras Municipais (conforme explicitação adiante) 417Técnicos das ONGs, Movimentos Sociais e Cooperativas conveniadas com o GovernoFederal** (SAF/MDA)

50

Técnicos das ONGs, Movimentos sociais e cooperativas conveniadas com o GovernoEstadual*** (CAR/SEDIR e SUAF/SEAGRI)

140

Técnicos das ONGs e Cooperativas com apoio de Agências Internacionais*** * 100Técnicos das Organizações Sócias e Empresas conveniadas e ou contratadas peloINCRA/MDA e CODEVASF/MIN

200

Total (atual) 2020

* A serem ampliados em 2007 e 2008.**10 dentro da metodologia AJATERs *** 10 dentro da metodologia AJATERs e 50 na metodologia ACRs.**** 10 dentro da metodologia ADTs.

é que as instituições públicas, guardando o interesse pela universalização da ATER, atenderão gratuitamente agricultores/as fornecedores de matéria-prima do bio-diesel para “compensar” o atendimento dado pelas integradoras aos não produ-tores deste tipo de lavoura. Isto, de res-to, garante sustentabilidade ao sistema, o que é fundamental para as indústrias que demandam o fornecimento regular da matéria-prima.

Para fechar esta conta e justifi car o número de técnicos/as estimados, pode-se partir da situação atual dos contratos fi rmados pelas empresas Brasil Ecodiesel, Petrobrás e COMANCHE na Bahia, onde as três juntas pretendem integrar 70.200 agricultores/as familiares para obter uma área plantada de aproximadamente 210.600 hectares para o fornecimento de mamona, dendê, girassol, pinhão manso e amendoim para as suas fábricas. Desta maneira, tomando uma média otimista de três hectares por agricultor/as e con-siderando a relação técnico/produtor de 1/180, podemos concluir que a força técnica total disponibilizada será de 390 profi ssionais; portanto, 200 a mais que o quadro atual.

Já está em curso e com bom nível de aceitação, entendimentos para que estas empresas, ao invés de contratar e man-ter núcleos técnicos a elas vinculados, estabeleça parcerias com o Estado (sob a liderança da SUAF/SEAGRI) para que estes serviços sejam prestados e ordena-dos pela ação pública que, por sua vez, poderá optar em cada local, entre a ação da EBDA ou de uma Instituição Não Go-vernamental de ATER, desde que creden-ciada e supervisionada pelo Estado.

b) Quanto aos prestadores de serviços de ATER das Prefeituras Municipais:

Independente do propósito, a cons-tatação é de que praticamente todas as Prefeituras da Bahia, criaram Secretarias de Agricultura ou congêneres e contra-taram, via concurso ou nomeação de cargos comissionados, profi ssionais de ciências agrárias para atuar localmente.

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Outra constatação derivada é que esta força técnica não está satisfatoriamente aproveitada por não está engajada em processos mais amplos e direcionados de atendimento de ATER à população rural.

O desafi o neste caso é o de como atrair este grupo de técnicos/as para está nova proposta. A resposta pode vir com a contratualização, mediante adesão ao Programa, das Prefeituras Municipais, uti-lizando-se como ferramenta de negocia-ção, a contra partida local para a maior ou menor implantação da universaliza-ção da ATER no município. Por exemplo: um município que disponibilizar um técnico pode ter o serviço para 30% dos agricultores familiares e, na medida em que for disponibilizando mais, o Estado também proverá mais. Logicamente, es-tes parâmetros ainda carecerão de apri-moramento para conceber uma propos-ta a ser apresentada e negociada com as Prefeituras.

Outra forma de atrair as Prefeituras para investir na disponibilização de téc-nicos/as é a oferta de capacitação, cur-sos, acesso mais dinâmico aos agentes fi nanceiros para a obtenção de fi nancia-mentos e até, quando couber, veículos e computadores através do Programa de Infra-estrutura dos Territórios ou outro que venha a ser concebido pelo Estado. Não deve também ser descartada a pos-sibilidade de ofertar a coordenação dos serviços no município, sobretudo onde

não houver escritório e técnicos/as da EBDA atuando.

c) Quanto à reestruturação da EBDA:

Sem dúvida, o sucesso de qualquer iniciativa de implantação de um novo sistema de ATER na Bahia, dependerá da reestruturação da EBDA, na medida em que sediará nela, toda a coordenação e monitoramento do processo.

A primeira questão a corrigir são as pendências jurídico-trabalhistas e previ-denciárias que estão a inviabilizar a exis-tência da Empresa enquanto tal. Neste sentido, o Governo Wagner e a SEAGRI já estão encaminhando um processo em torno da resolução da questão. A partir disso, é necessário defi nir mecanismos voltados para corrigir as distorções sala-riais da equipe técnica. A este respeito não se pretende estender a discussão, na medida em que ambas as questões estão na pauta do Grupo de Trabalho que foi constituído com esta fi nalidade e espera-se que no curto prazo, possa haver uma boa solução para encerrar a crise.

Não será possível assumir a gran-de tarefa de coordenar, monitorar, fazer os serviços de ATER, estar estimulado para a qualifi cação, voltar a acreditar na Instituição e se dedicar com empenho às novas funções, sem corrigir as distor-ções históricas da remuneração dos/as

profi ssionais. Mas, é importante apenas salientar que nenhum programa de ATER poderá funcionar, dentro das dimensões aqui mencionadas se o conjunto dos profi ssionais que irão atuar nas diferentes frentes dentro da Rede que se pretende formar, tiver remunerações destoantes.

É obvio que a reestruturação da EBDA passa, também, por um leque de outras reformas que vai desde uma políti-ca mais forte de atualização, qualifi cação e re-qualifi cação da equipe técnica, ao aparelhamento da estrutura de atendi-mento com veículos, equipamentos de informática e móveis, sedes, etc.

O anúncio do Governo de 250 con-tratações ainda para este ano e de mais 750 ao longo dos próximos três, confor-me prevê o Plano Plurianual, indica clara-mente um novo caminho para a Empresa. Em decorrência desta pré-disposição do Governo, o MDA acena com a duplicação dos recursos para o custeio e investimen-tos da EBDA, passando dos R$ 3 milhões antes anunciados para R$ 6 milhões, fato que possibilitará a compra de 120 novos veículos e 200 computadores.

Acordos de prestação de serviços de ATER com o INCRA para os assentamen-tos rurais (são 52.000 famílias no Estado entre as 625.000), com a CODEVASF nos perímetros irrigados e com o Ministério da Integração para as áreas incluídas no Projeto de Revitalização do Rio São Fran-cisco, remete-nos, aliados à solução da crise dos salários baixos e questões traba-lhistas, a traçar um cenário próspero para a Empresa e para a agricultura familiar na Bahia.

d) Quanto aos prestadores de serviços de ATER conveniados com o Governo Estadual:

A Secretaria de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária - SEAGRI e a Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate a Pobreza - SEDES, ao lado da Companhia de Ação Regional – CAR têm condições de efetivar convênios que podem dispo-nibilizar, pelo menos, 140 técnicos para atuar diretamente com o atendimento de ATER para a agricultura familiar.

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No caso da SEAGRI, trata-se do redi-mensionamento de Programas como o Cabra Forte. Este Programa, até o fi nal de 2006, fez convênios com 18 Instituições, normalmente Associações Comunitáriase Cooperativas Agropecuárias, por onde se viabilizou a contratação de 313 téc-nicos/as, incluindo Agrônomos, Veteri-nários e Técnicos em Agropecuária. No entanto, a Superintendência de Agricul-tura Familiar - SUAF – que fi cou encarre-gada de dar continuidade a esse e outros programas, encontrou no orçamento de 2007, a metade dos recursos, compara-dos ao que foi efetivamente gasto em 2006.

Duas grandes questões estão coloca-das para o novo governo, que estão sen-do objetos de reversão no processo de reformulação do Programa Cabra Forte: a focalização do produto “cabra/abelha” e do atendimento individualizado em detrimento do atendimento à família e à comunidade e; a escolha de Instituições incipientes para a gestão, sem mesmo ter qualquer experiência anterior com a ATER. Ao lado destas questões, os recur-sos projetados nestes convênios para pagar os salários dos técnicos, reprodu-ziram o “arrocho” praticado pelo Estado junto aos técnicos da EBDA, com valores extremamente baixos.

Já no caso da SEDES, diante da condi-ção de ter herdado as funções da antiga SETRAS no que se refere a execução do Programa Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI (para o qual, anu-almente, o Estado provia recursos para a geração de emprego e renda das fa-mílias benefi ciárias do programa através de convênios com ONGs, os quais eram utilizados sob a modalidade principal de ATER), deve-se negociar para que a nova Secretaria reveja e amplie a abrangência de tal programa.

A SUAF, compreendendo a sua res-ponsabilidade, instalou um processo de convencimento e negociação de recur-sos de dentro do Governo para ampliar os serviços de ATER, o que culminou com importantes entendimentos com a Direção do Fundo Estadual de Combate

e Erradicação da Pobreza – FUNCEP, no sentido de obter alocação suplementar de recursos para a ATER realizada pela chamada Rede Credenciada e pela EBDA. O Fundo tem acenado com a disponibi-lização adicional de R$ 10 milhões para 2007, signifi cando em linhas gerais, a in-serção de mais 280 profi ssionais.

A CAR, por sua vez, está encarrega-da de desenvolver, a partir deste ano de 2007, o Programa Terra de Valor (Desen-volvimento de Comunidades Carentes) ao lado da reformulação também em cur-so do Programa de Combate a Pobreza Rural – PCPR (aqui na Bahia denominado de Programa Produzir), podendo prover, através de convênios com ONGs, a con-tratação de, pelo menos, 40 profi ssionais para atuar nos 32 municípios seleciona-dos. No diálogo já estabelecido com a CAR, a nova Direção tem efetivo interes-se e condições de se incorporar a esta dinâmica da Universalização, posto que o PRODUZIR e demais ações previstas, de-pendem essencialmente, da qualidade e quantidade do serviço de atendimento direto às famílias. Ademais, a simples ter-ceirização de serviços por parte de cada órgão, autarquia ou empresa pública, de modo fragmentado, de serviços para serem executados junto ao público alvo, difi culta o processo de monitoramento e coloca em risco as condições para se al-cançar os resultados planejados.

e) Quanto aos prestadores de serviços de ATER conveniados com o Governo Federal:

O Departamento de Assistência Téc-nica – DATER, da Secretaria de Agricultura Familiar – SAF, do Ministério do Desenvol-vimento Agrário – MDA, tem especial in-teresse na proposta de universalização, já que todo o esforço e trajetória na recupe-ração dos investimentos públicos a partir de 2003 para esta área, tem sido basea-da no incentivo à complementaridade, onde o Governo Federal tem investido mais onde os estados também investem.O orçamento do DATER/SAF/MDA tem aumentado ano a ano e os recursos estão

sendo carreados, em maior proporção, para os estados que estão recuperando seus sistemas públicos de ATER. Por con-seguinte, a Bahia, evidentemente, tem fi cado de fora e tem recebido um volu-me bem menor de recursos em relação à proporção de agricultores/as familiares existente.

A despeito da menor arrecadação de recursos federais para o serviço público de ATER através da EBDA, as instituições não públicas do Estado vêm ampliando a sua participação no uso dos recursos do DATER/SAF/MDA através de convê-nios, seja na modalidade de ATER, seja na modalidade de capacitação dos agricul-tores/as familiares.

Cabe assim, nesta nova empreitada de redimensionamento da ATER no Es-tado da Bahia, de um lado, a ampliação dos recursos para a EBDA na medida em que o Estado comprove estar também investindo na recuperação dos salários dos servidores, em novas contratações e na estrutura de trabalho, e, de outro lado, na ampliação, também, do número e va-lor dos convênios com as ONGs, para que se alcance um número maior de famílias atendidas.

Ademais, vem por aí os Territórios da Cidadania, onde a Bahia deve fi car em 2008 com quatro a cinco indicações e mais três em 2009. Isto quer dizer que o Governo Federal, através do MDA, apor-tará recursos adicionais para universalizar a ATER nestes locais no montante aproxi-mado de R$ 9 milhões em 2008 e R$ 12 milhões em 2009, quando certamente, boa parte deste dinheiro será direciona-do a EBDA.

f) Quanto aos prestadores de serviços de ONGs com o apoio de Agências da Cooperação Internacional:

Entre as principais ONGs do Estado que tem projetos de ATER a partir do fi nanciamento das agências da cooperação internacional, destacam-se o SASOP, IRPAA, FUNDIFRAN, MOC, APAEB, ASCOOB, CEALNOR, COOPERA, APPJ, Rede Pintadas, CAA, GARRA, IESB,

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CEDITER, CÁRITAS, EFAS, CEFAS e TERRA VIVA. Juntas, elas mantêm um quadro técnico próximo de 100 profi ssionais atuando em ATER.

Historicamente, houve certo distan-ciamento destas instituições com o go-verno estadual, sobretudo, em função das diferenças ideológicas que se refl e-tiam na condução dos programas onde o Estado ignorava completamente a presença e o trabalho das entidades, sal-vo raras situações. No sentido contrário, percebia-se, também, certo pré-conceito das ONGs para com o Estado na efeti-vação de atividades comuns e/ou inter-complementares.

O tempo novo, porém, é de inte-ração e, se as ONGs fi zeram isto muito bem em relação ao Governo Federal no seu relacionamento, em especial, com as Secretarias do Ministério do Desenvolvi-mento Agrário, sem perder sua identida-de e deixando claro que o serviço é de natureza pública, será, também, possível buscar a mesma sintonia com o Governo Estadual.

Há de se buscar, e a SUAF é a mais indicada para conduzir esta tarefa, o en-volvimento das ONGs na proposta de Universalização da ATER a partir dos mu-nicípios e territórios. Os acordos a serem fi rmados com as ONGs e Movimentos Sociais podem e devem ir além da dis-tribuição de comunidades rurais e unifi -cação da metodologia de atendimento, devendo trazer o compartilhamento de experiências na formação e qualifi ca-ção de técnicos/as, na agroecologia, no planejamento do desenvolvimento local com foco na propriedade e no fortaleci-mento das organizações como mecanis-mo fundamental de ampliação e fortale-cimento da democracia.

g) Quanto aos serviços de ATER prestados pela CEPLAC:

A situação com a CEPLAC indica ser mais confortável, já tendo passado por melhorias efetivas no primeiro mandado do Presidente Lula, avançando para a dis-cussão atual de institucionalização.

Do ponto de vista das prioridades, ainda que tenha o cacau como foco geral, desde o início do mandato do Presidente Lula, há uma clara inclinação da Institui-ção para atender prioritariamente a agri-cultura familiar, com uma abordagem voltada para a diversifi cação consorciada com a cultura do cacau e em sistemas de produção que preservem a Mata Atlânti-ca. Esse viés coloca a CEPLAC dentro de uma visão mais ampla em relação aos desafi os para a agricultura nos Territórios do Baixo Sul, Sul, Vale do Jequiriçá, Médio Rio de Contas e Extremo Sul da Bahia.

A CEPLAC já vem se envolvendo, como ator ativo, na elaboração de Planos Territoriais de Desenvolvimento Rurais Sustentáveis – PTDRS nos seis territórios, tendo em quatro deles, atuado como agente animador de todo processo. Por esta razão, mesmo ainda de maneira in-sufi ciente, já vem discutindo com as or-ganizações locais e demais órgãos gover-namentais, a estruturação de um sistema efi ciente de ATER como condição pre-ponderante para alavancar o desenvol-vimento local/territorial. Neste sentido, uma proposta de organização do sistema na direção da universalização tenderá a ser bem recebido e incorporado à prática da Instituição.

ATER COM PLANEJAMENTO E CONTROLE SOCIAL

Da mesma forma que houve uma concertação do PLANATER para o plano estadual, caberá uma discussão e ajuste nos territórios (os 26 territórios de identi-dade) e nos municípios. O primeiro, ten-do como referência as institucionalida-des territoriais - formais ou informais - e o segundo, tendo como referência os Con-selhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável - CMDRS. Em seguida, os dois colegiados de forma integrada, deverão aprofundar a discussão e elabo-rar os Planos Territoriais e Municipais de ATER. Nos municípios e nos territórios deve-se constituir, imediatamente, a par-tir do CMDRS, a Coordenação Municipal e Territorial de ATER, composta pelas ins-tituições que fazem o trabalho de ATER,

sendo coordenado preferencialmente pela EBDA.

Além de defi nir as diretrizes, os obje-tivos e a metodologia, os colegiados de-verão planejar e buscar consensos entre os atuais e potencias prestadores de ser-viços de ATER para homogeneizar a for-ma de atendimento e defi nir a divisão de tarefas que passa, necessariamente, pela vinculação de comunidades rurais às prestadoras dos serviços, não permitindo sombreamentos no inicio das ações e nas projeções. Será imprescindível, nessa fase, a participação efetiva de todos os agen-tes de ATER e, na medida do possível, os acordos fi rmados deverão ser selados em Contratos Municipais e Territoriais de ATER, onde todas as responsabilidades e atribuições dos parceiros devem fi car bem defi nidas, facilitando, com isso, o processo de monitoramento e avaliação. A pretensão é, em última análise, vincular cada grupo de seis a dez comunidades rurais ao atendimento de um Técnico/a de Campo, ou de 180 a 300 famílias.

Os Planos Municipais de ATER de-verão compor os Planos Territoriais de ATER e a soma destes, o Plano Estadual de ATER.

Uma das premissas básicas do con-trole social é a defi nição da agenda do técnico/a. Esta agenda, em sinal de res-peito e compromisso, deve ser aprovada, antes da primeira atividade a ser reali-zada, pelas organizações sociais que re-presentam os benefi ciários, uma espécie de câmara dos CMDRSs. Desta forma, a agenda do técnico/a deve ser publicada e, por conseguinte, acompanhada. Ao fi nal do mês o seu relatório, igualmente, deve, também, ser conferido e assinado, depois de analisado e aprovado. Não se trata de capricho ou criação de relações de subordinação, mas um processo edu-cativo que co-responsabiliza, envolve e profi ssionaliza o sistema.

Na prática, um Plano Estadual de ATER, conjugado aos planos Territoriais e aos vários Planos Municipais, devem ser elaborados a cada cinco ou dez anos. A cada ano, devem ser elaborados os Planos anuais com maior nível de detalhamento

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operacional, descrevendo as ações e, a cada mês, os Planos mensais descreven-do as atividades de campo (reuniões, cursos, visitas, intercâmbios, instalação de unidades, etc.), ordenando, assim, de baixo para cima, o planejamento.

A cada nível, indicadores específi cos deverão ser criados e perseguidos de modo que os impactos possam ir se acu-mulando do menor grau, onde se mede a efi ciência do serviço, ao territorial, onde se mede a efi cácia, até chegar no estadu-al, com a mensuração do impacto gera-do. Assim, os indicadores de resultado deverão ser construídos e consensuados localmente, a partir das referências no ní-vel territorial e estadual.

O SISTEMA COMUM DE CADASTRO, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO

Cada agricultor/a individualmente deverá ser cadastrado a partir do seu “perfi l de entrada” ou diagnóstico do marco zero. A SUAF, em conjunto com a

EBDA, fi cará encarregada de produzir um software, a ser alimentado de tempos em tempos pelos técnicos/as de campo.

Além dos relatórios de acompanha-mento da família e da comunidade, a cada dois anos, os cadastros serão atua-lizados com os marcos “um”, “dois” e assim por diante, onde se medirá a evolução ou progresso da família em relação a vários indicadores sócio-econômicos.

No formulário dos marcos “0”, “1”, “2” e assim sucessivamente, deverão constar um conjunto de informações pessoais, da propriedade, da produção, da renda, da alimentação, dos índices de produtivi-dade das culturas e criatórios, do acesso a serviços públicos de saúde, educação, água, energia e esgotamento sanitário, das relações sociais de gênero e da posse de eletrodomésticos, além do grupo do PRONAF a que pertence.

O sistema deverá ser aberto para consulta ao público, via internet, e deverá conter relatórios de execução dos Planos Municipais e Territoriais de ATER no que concerne ao cumprimento das metas fí-

sicas, das atividades e do impacto ou mu-danças na qualidade de vida das famílias e dos seus sistemas produtivos, fi rmados na sustentabilidade ambiental. Os dados devem ser agregados desde a unidade de produção familiar até o Estado, pas-sando pela comunidade, município e território. Nestas esferas intermediárias, devem, também, ser agrupados indica-dores sócio-organizativos, tais como o acesso coletivo aos serviços públicos, a implantação e o funcionamento de em-preendimentos comunitários, a criação e ou fortalecimento de instituições coope-rativas, entre outros.

O PAPEL DO CEDRS E DA EBDA

O Conselho Estadual de Desenvolvi-mento Rural Sustentável – CEDRS deverá ser a instância máxima de formulação, monitoramento e revisão periódica do novo sistema de ATER. Para tanto, uma Câmara Técnica específi ca deverá ser criada incorporando todas as instituições envolvidas e terá como fi nalidade produ-

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zir os instrumentos e informações para as discussões e deliberações do plenário do CEDRS. A coordenação da Câmara Técni-ca caberá a EBDA.

A EBDA, enquanto principal órgão de ATER do Estado assumirá toda a coorde-nação do sistema e terá, também, como principal atribuição, a formação das equi-pes técnicas segundo as referências do PLANATER. Em cada um dos territórios deverá ter dois técnicos/as encarregados especifi camente de organizar, apoiar o planejamento, monitorar e dar suporte às equipes técnicas no que concerne à qualifi cação, a metodologia de atendi-mento e a alimentação do sistema infor-matizado de controle, em interação per-manente com os colegiados territoriais. Estes dois técnicos/as serão, desta forma, integrantes dos núcleos técnicos dos ter-ritórios, fazendo a inter-relação do que é elaborado pelos colegiados territoriais com o desenvolvimento prático das ati-vidades de campo. Apoiarão, também, as discussões, o planejamento e o monito-ramento dos CMDRS do que diz respeito as atividades de ATER nos municípios.

Uma situação desejável é que em cada CMDRS, após a formulação do Pla-no Municipal de ATER, tenha uma comis-são local encarregada do monitoramen-to, das negociações com as entidades prestadoras dos serviços/fi nanciadoras e promoção dos ajustes necessários. O mesmo deverá ocorrer no âmbito dos colegiados territoriais, cuja comissão também acumulará a tarefa de acompa-nhar os CMDRS.

ARGUMENTOS PARA OS INVESTIMENTOS PÚBLICOS

Para situar a importância dos investi-mentos em ATER, é preciso considerar o papel estratégico da agricultura familiar no Estado, quer seja pela expressividade numérica onde as políticas de apoio po-dem refl etir nos indicadores sócio-eco-nômicos locais, dos territórios e do Esta-do, ou seja, pela possibilidade concreta de retorno direto para o próprio Estado, a partir da ampliação da arrecadação de

tributos com o esperado crescimento daprodução.

Vejamos então que:

O número total de propriedades ru-rais da Bahia se aproxima de 700.000 e destas, 625.000 são de agriculto-res/as familiares, o que corresponde a 89%. Este segmento responde por 76% da população economicamen-te ativa no campo e é a maior cate-goria de trabalhadores do Estado, com quase dois milhões de empre-gados;

A Bahia é muito mais rural do que se imagina: dos 417 municípios baianos, 377 (90%) tem população inferior a 50 mil habitantes e destes, 254 tem menos de 20 mil. Em 371 municípios (89%), a densidade de-mográfi ca é menor do que 80 hab/km2, considerada, em muitos países, como zonas tipicamente rurais. Em 231 municípios (55%), a população rural é superior à urbana;

Oito de cada dez empregos no meio rural vem da agricultura familiar e cada novo emprego gerado custa menos de R$ 3.500,00 de investi-mento público (incluído crédito). A renda per capita deste segmento é de R$ 93,02 contra R$ 162,00 da mé-dia geral do Estado, mas o nível de resposta de incremento de cada real investido é 155% maior;

As condições de vida mais degra-dantes estão na Agricultura Familiar: todos os indicadores de analfabetis-mo, precariedade de moradias, aces-so a energia elétrica e água potável, mortalidade infantil e expectativa de vida, apontam uma incidência bem maior entre os agricultores/as familiares quando comparados aos de outras categorias.

Existe, concretamente, um poten-cial para dobrar a renda média do setor quando forem estabelecidas a oferta sis-temática de assistência técnica que, por sua vez, tratará outros instrumentos de políticas públicas, tais como o crédito, que pode saltar da média anual de R$ 300 milhões para R$ 900 milhões, inje-

a)

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tados diretamente nas economias locais, gerando renda superior a R$ 6 bilhões.

Haverá, por conseguinte, refl exo di-reto no IDH e no PIB de cada município, na medida em que o montante de recur-sos destinados às atividades produtivas e fomentadoras da renda, ao lado das tec-nologias de produção a serem fomenta-das, comporão as condições efetivas de re-estruturação dos sistemas produtivos mais representativos e, portanto, com maior capacidade de respostas aos apor-tes públicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este documento não tem a preten-são de ser absoluto, mas, ao contrário, de abrir um debate em torno deste tema tão relevante para o desenvolvimento da Bahia. Mas tem a pretensão de ser instru-mental, sem abandonar a relação com os elementos teóricos em que se baseia. São opiniões pessoais dos autores que expressam de início (sabendo dos riscos da pressa em querer externá-las) as ques-tões que foram julgadas procedentes que apareceram no centro do diálogo iniciado entre o Governo Jacques Wag-ner e a sociedade e que, se o excesso não contribuir, ao menos foi tomado como importante o seu registro para subsidiar as novas formulações.

Está fácil perceber - e foi justamente esta a intenção - que não se trata de um documento refi nado, mas de um texto provocativo, sem maiores preocupações com a ordem e a forma. É assim, um material que deve originar outros mais detalhados e organizados. O objetivo é produzir comentários, convergências e divergências sobre ele. Há muito ainda por ser feito. Aí poderemos fi nalmente obter consensos que resgatem a digni-dade da agricultura familiar na Bahia.

No entanto, como homens e mulhe-res, com funções públicas no Estado e nas organizações sociais, uma obrigação nos acerca: a necessidade de, em tempo hábil, tirarmos os nós que atravancam o acesso de milhões a condições dignas de vida.