o trabalho colaborativo crÍtico como dispositivo...
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UIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
WIRLANDIA MAGALHÃES DEVENS
O TRABALHO COLABORATIVO CRÍTICO COMO DISPOSITIVO PARA PRÁTICAS EDUCACIONAIS INCLUSIVAS
VITÓRIA 2007
WIRLANDIA MAGALHÃES DEVENS
O TRABALHO COLABORATIVO CRÍTICO COMO DISPOSITIVO PARA PRÁTICAS EDUCACIONAIS INCLUSIVAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, com ênfase em Educação Especial: Abordagens e Tendências.
Orientadora: Profª Denise Meyrelles de Jesus
VITÓRIA 2007
WIRLANDIA MAGALHÃES DEVENS
O TRABALHO COLABORATIVO-CRÍTICO COMO DISPOSITIVO PARA PRÁTICAS EDUCACIONAIS INCLUSIVAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, com ênfase em Educação Especial: Abordagens e Tendências.
Aprovada em .....de outubro de 2007.
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________________ Profª Drª Denise Meyrelles de Jesus
Universidade Federal do Espírito Santo Orientadora
____________________________________________ Profª Drª Sônia Victor Universidade Federal do Espírito Santo
____________________________________________ Profª Drª Ivone de Oliveira
Universidade Federal do Espírito Santo
____________________________________________ Profª Drª Vera Lúcia Fialho Capellini
Universidade Estadual Paulista de Bauru
Dedico este trabalho a todos os educadores que estão empenhados em desenvolver práticas educacionais pautadas num trabalho colaborativo-critico, com vistas à ampliação do atendimento à diversidade de todos os alunos, independentemente de suas necessidades educacionais especiais.
Às minhas sobrinhas Ana Luisa e Maria Eduarda por existirem em minha vida.
AGRADECIMENTO
Ao Deus criador de todas as coisas e razão do meu viver, aquele que tem
direcionado meus saberes/fazeres. Deus de aliança e de promessas, Deus que
não é homem para mentir, e que me mostrou que tudo pode passar, tudo pode
mudar, mas sua palavra sempre há que se cumprir. A esse único Deus que tem
mostrado que posso enfrentar o que for, que Ele sempre lutará por mim. Todo
louvor, honra e glória seja para Ele, por tamanha gratidão e por tão grande amor.
Tu és o meu bem maior, Senhor!
A minha mãe, Iraci, por ter me concebido e me criado mesmo passando por muitas
dificuldades.
Ao meu esposo, Ademir Devéns, pelo apoio, companheirismo e até pelos
momentos em que cobrava que tivesse mais tempo para nós. Obrigada por tudo
que me ajudou a conquistar em minha vida. O sucesso é nosso!
A minha sobrinha amada, Patrícia Magalhães, pela força, pela ajuda que dispunha
nos momentos mais difíceis, digitando alguns dos meus trabalhos, inclusive esta
parte.
A minha irmã Alda Magalhães por entender minhas ausências e por,
carinhosamente, dispor do seu tempo para ouvir-me nos momentos felizes, mas,
principalmente, nas situações difíceis vividas no percurso deste trabalho. Eu amo
muito você, minha irmã.
A minha orientadora, professora Denise Meyrelles de Jesus, pela confiança,
disposição, dedicação e conhecimentos partilhados comigo. Com você vivenciei o
verdadeiro sentido da colaboração e reflexão. Aprendi a fazer pesquisa de forma
disciplinada. Que Deus possa, na sua infinita bondade, continuar a abençoar sua
vida.
Às professoras: Ivone Oliveira e Sonia Lopes Victor, pela disponibilidade e
contribuição durante o fazer deste estudo, e a Vera Lúcia Messias Fialho Capellini,
por com seu trabalho de doutorado ter contribuído significativamente para pensar
políticas públicas educacionais no município de Aracruz e, sobretudo, por ter
enriquecido minha pesquisa.
Às companheiras inesquecíveis Andressa, Lucyenne, Marcela, Rosalina, Renata e
Zínia que se tornaram minhas amigas. Obrigada pela troca e colaboração
fundamentais na construção deste trabalho.
À Eldimar, Graça, Luiz Vasconcellos, Alex, Zinéia pelos momentos de trocas e
descontração. À Marlene diretora da EMEF Abílio) e Silvia Pirola pelo apoio e
solicitude em todos os momentos que foram necessários.
Às minhas colegas de trabalho e amigas: Mônica Andréa Porto Louvem pelo apoio
à minha vida profissional e por ter me incentivado a buscar o caminho da pesquisa
e Elizete que, em momento de grande aflição, o Senhor a designou para cuidar da
minha casa e de mim enquanto escrevia.
Aos meus colegas de trabalho que entenderam e fizeram da minha “pouca”
disponibilidade de tempo algo proveitoso. Vocês - Adriana (pedagoga da equipe
multidisciplinar), Bete Borlini (coordenadora setor diversidade), Rita Galvão
(psicóloga) e Maria Gorete Moro (secretária de Educação) - contribuíram
significativamente para que eu pudesse concluir esta etapa. Também às demais
companheiras do setor de diversidade, MUITO OBRIGADA!
A todos os profissionais da escola pesquisada, em especial às professoras Ana
Lucia, Rosimere Morelato e Terezinha Lombardi.
A Geovana (diretora) e aos profissionais da equipe multidisciplinar Érika
(fonoaudióloga), Giovana (psicóloga), Laíne (assistente social) pela oportunidade
de compartilharmos nossas experiências e reflexões.
A Alina por sua sabedoria, cuidado e dedicação na leitura e revisão deste estudo.
A todos meus amigos e familiares que participaram desta trajetória e contribuíram
para que mais esta etapa da minha vida fosse concretizada.
A PROESP/CAPES pelo fomento financeiro concedido para a realização desta
pesquisa.
Mulheres e homens somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito. (Paulo Freire 1999)
RESUMO
Este estudo teve como objetivo analisar como vêm se instituindo o trabalho
colaborativo entre professores do ensino comum e professor de apoio e as
implicações das ações reflexivo-colaborativas na formação em contexto de sala de
aula, numa tentativa de entender em que espaço/tempo ocorre (se ocorre) e/ou
como ocorre o processo de reflexão/ação das práticas educacionais desenvolvidas
por eles no contexto escolar. Para tal, procura-se, por meio da pesquisa-ação
colaborativa, em simultaneidade com uma perspectiva de análise reflexivo-crítica,
instituir com o grupo escolar outros modos de sentir/ver/fazer acontecer práticas
educativas que atendam à diversidade de todos os atores e autores da instituição
escolar, preocupados com o processo de inclusão dos alunos que apresentam
necessidades educacionais especiais, dentre eles, aqueles com deficiência. Pela
via da formação continuada em contexto, busca investir em formação-intervenção
na sala de aula e no grupo de estudo com o conjunto escolar. O lócus da pesquisa
foi a Escola Municipal de Ensino Fundamental Deraldo Passos,1 no município de
Aracruz/ES. Os dados revelam que os profissionais da escola, ao assumirem uma
prática organizada por um trabalho colaborativo-crítico, num contexto de busca de
práticas pedagógicas inovadoras, mobilizam vários saberes
em seu trabalho, que são de natureza diversificada. Indicam que a adoção dos
profissionais pela formação continuada em contexto, suscitou-lhes: necessidade de
busca por novos conhecimentos que consideram de grande importância para
pensar práticas educativas que favoreçam o atendimento à diversidade de TODOS;
busca por troca de experiências e discussões acerca de práticas pedagógicas
diferenciadas; avanço na compreensão/problematização do espaço escolar como
espaço de constituição de saberes; entendimento de que o trabalho colaborativo-
crítico é fundamental para o desenvolvimento da política de inclusão dos alunos
com deficiência; reflexão sobre o planejamento e a organização sistemática do
ensino; necessidade de buscar diálogo entre teoria e prática e pensar a pesquisa
como potencializadora dos processos de ensino e aprendizagem.
1 Nome fictício.
ABSTRACT
The paper aimed at analyzing how the collaborative work between ordinary teaching teachers and supporting teachers and the implications of reflexive-collaborative actions in the formation in a classroom context is being instituted, in an attempt to understand in which space/time occurs (if it occurs) and/or how the process of reflection/action of educational practices developed in the school context takes place. To do so, it aims at, through the collaborative research-action, together with a perspective of reflexive-critics analysis, instituting with the school group other ways of feeling/seeing/making happens educative practices that cover the diversity of every actors and authors of the institution, worried with the students’ inclusion process that have special educational needs, among them, the handicapped ones. Through the continuing formation via in context, it invests in formation-intervention in the classroom and in a study group. The research locus was the Elementary Municipal School “Deraldo Passos”, in the district of Aracruz/ES. Data revealed that the school professionals when assuming a practice organized by a collaborative-critic work, in a context of searching for innovator pedagogical practices, mobilize a lot of knowledge in the work, which are diversified. It indicates that the adoption of professionals by the continuing formation in context, rouse them: the necessity to look for new knowledge considered to be really important to see educative practices able to favor the assistance to the diversity of ALL; it seeks through the change of experiences and discussions about differentiated pedagogical practices; advance in comprehension/discussion of the school space as a space of constituting knowledge; understanding that the collaborative-critic work is fundamental for the development of the inclusion of handicapped students policy; reflection on the planning and the systematic teaching organization; the necessity to dialogue between theory and practice and seeing the research as the reason for the teaching and learning processes. Keywords: Pedagogical inclusive practices. Formation in context. Collaborative work.
SUMÁRIO
1 CENÁRIO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL CONTEXTUALIZANDO O ESTUDO............................................................................................................15
1.1 PROFESSOR DE APOIO E PROFESSOR DA SALA REGULAR
ENTRECRUZANDO CAMINHOS, HISTORIAS E
CONHECIMENTOS EM BUSCA DE NOVOS SIGNIFICADOS...................26
2 CONSTRUINDO BASES TEÓRICAS.........................................................36 2.1 OS SABERES DOCENTES COMO ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
DA PRATICA DOCENTE............................................................................37
2.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA COMO DISPOSITIVO
PARA RETRADUÇÃO E VALIDAÇÃO DOS
SABERESDOCENTES...............................................................................52
2.3 A COLABORAÇÃO PARA ALÉM DO SENTIDO DE AJUDAS E
CONSENSOS: UM ESPAÇO PARA REFLEXIVIDADE.............................56
3 PESQUISAÇÃO COLABORATIVA: UMA ESTRATÉGIA METODOLÓGICA DE INTERVENÇÃO - FORMAÇÃO.................................................................................................68
3.1 PESQUISA-ÇÃO CONSTRUINDO PROCESSOS.......................................68
3.2 CAMPO DE INVESTIGAÇÃO/INTERVENÇÃO PARTICIPANTE
DA PESQUISA...........................................................................................76
3.2.1 Etapas do estudo..............................................................................78 3.2.1.1 1º Momento: planejamento coletivo....................................................83
3.2.1.2 2º Momento: o processo de reflexão-ação-intervenção
no planejamento individualizado........................................................83
3.2.1.3 3º Momento: o grupo de estudo/reflexão...........................................84
3.3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS ANALISES DE
DADOS: ALGUMAS ESCOLHAS E RECORTES......................................85
4 O CAMINHO PERCORRIDO DA PROPOSTA À PRÁTICA: A EXPERIÊNCIA DO 1º“B” E DO 5º“B”........................................................................................87
4.1 ALGUNS ESCLARECIMENTOS SOBRE AS ESCOLHAS...........................88
4.2 EXPERIÊNCIAS DE TRABALHO COM AS PROFESSORAS DAS
4.3 SALAS PESQUISADAS................................................................................90
4.3.1 Trabalhando na sala de aula da professora Mery....................................91 4.3.1.1 A relação entre a pesquisadora e a professora e o processo
de reflexão crítica.......................................................................................96
4.3.1.2 Os processos de mudança da professora da sala de aula e o
“contagio” da professora de apoio.............................................................99
4.3.1.3 Planejamento para direcionamento
das ações.................................................................................................103
4.3.1.4 Realização da avaliação pedagógica da turma em relação aos
seus processos de aprendizagens...........................................................103
4.3.1.5 Diário reflexivo: alguns recortes sobre o projeto “Trabalhando
a Diversidade por meio de Historias em Quadrinho” e os processos de
ensino e aprendizagem dos alunos.........................................................111
4.4 TRABALHANDO NA SALA DE AULA DA PROFESSORA
ESPERANÇA.................................................................................................119
4.4.1 O aprofundamento dos conhecimentos a respeito da história de vida dos alunos e suas aprendizagens............................................................. 125 4.4.2 O instrumento de investigação didática dos processos de
ensino e aprendizagem dos alunos: Que pistas nos trouxeram?........138 4.4.3 O conhecimento da vida profissional da professora............................. 143
4.4.4 A equipe multidisciplinar criando dispositivos para a concretização de redes de apoio na escola pela via da sala de aula............................151
4.4.5 O movimento de grupo de estudos/reflexão como instituição de espaços para reflexão/discussão da prática pedagógica contexto................................................................................163
4.4.5.1 O primeiro encontro...................................................................................165
4.4.5.2 O segundo encontro...................................................................................169
4.4.5.3 O terceiro encontro....................................................................................174
4.4.5.4 O quarto encontro......................................................................................176
4.4.5.5 O quinto encontro.......................................................................................189
5 EPÍLOGO...........................................................................................................193 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: O QUE FICA E/OU O QUE TEMOS A DIZER DO
PERCURSO FEITO?......................................................................................... 196 7 REFERÊNCIAS...........................................................................................201
O Constante Diálogo
Há muitos diálogos
O diálogo com o ser amado
O semelhante
O diferente
O indiferente
o oposto o adversário o surdo o possesso o irracional o vegetal o mineral
o inominado o diálogo contigo mesmo
com a noite com os astros os mortos as idéias o sonho o passado o futuro Escolhe teu diálogo e tua melhor palavra ou teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio dialogamos
(Carlos Drumond de Andrade)
“O que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar vazio de quem por ele passa indiferente”
(Mário Quintana)
Resistir:
Sonhar? Recuperar idéias anuladas
: esperança
solto fio
horizonte
livre traçar
As mãos empunham lápis
Sobre papéis tão finos
Ressentidos
Desarmados por enredos
Armaduras:
O bordado pode?
O avesso tem?
Outra história há?
Registro.
Traço.
Teia eu desfaço?
Nilma Gonçalves Lacerda – Manual de tapecaria
Nenhum de nós pode fazer as coisas mais importantes sozinhos. A parceria, [a reflexão-crítico] e a colaboração são o caminho para enfrentar todos os desafios (autor desconhecido)
Esse é um trajeto que dificilmente se pecorre sozinho. Mesmo os caminhantes solitários acabam se reunindo a outros peregrinos, porque a troca de experiências e a companhia são importantes... porque são várias as dificuldades do trajeto, para qual o preparo anterior nunca é suficiente. Por isso os peregrinos precisam tanto conversar uns com os outros, para contar seus feitos, principalmente para compartilhar do sentimento de conquista. Essa é a ousadia: superando-nos e às nossas inseguranças pela coragem de enfrentar o que ainda não conhecemos (Jussara Hoffmann)
Decidimos acreditar em nós mesmos, acreditar que somos capazes de mudar. A transformação precisa acontecer de dentro pra fora, num movimento contagiante. Queremos descobrir, conhecer, outras coisas em nós, pois estávamos na. mesma situação que os xulingos, mas hoje, esses pontinhos estão caindo, não precisamos mais de estrelas, pois as verdadeiras estrelas somos nós.
15
1 CENÁRIO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL: CONTEXTUALIZANDO O ESTUDO
Como colaborar para o ensino de alunos que apresentam necessidades educacionais
especiais (por deficiência) em classes comuns? Como contribuir para ressignificar as
práticas educativas em sala de aula? Tais perguntas vieram à tona, há dez anos, quando,
atuando como professora de apoio, nos deparamos com uma série de questões
relacionadas com o atendimento a diversidade dos alunos que apresentam necessidades
educacionais especiais no ensino comum.
Como professora, e entre professoras, vimos nascer a vontade, o desejo de
conhecer/entender, de perto, os processos pelos quais nos tornamos profissionais
capazes de movimentar nossas práticas em prol do favorecimento à diversidade de todos
os alunos e, dentre eles, aqueles que apresentam necessidades educacionais especiais
por deficiência.
Nesse contexto, surge a necessidade de refletir a respeito do que estamos
dizendo/pensando acerca do ser “diferente” “deficiênte”, “especial”. Devemos relativizar
(histórico e culturalmente), no tempo e no espaço, os conceitos que impomos ao outro,
pois, como nos lembra (JESUS, 2006, p. 49), “[...] educar na diversidade pressupõe
considerar a existência de movimentos sócio-históricos de constituição de sujeitos e a
complexidade de sociedades que marcam/constroem conceitos e concepções que se
configuram em Necessidades Educacionais Especiais (NEE)”.
Essas, dentre outras questões que nos cercam no dia-a-dia, nos acordam para a
necessidade de procurar diferentes explicações e formas de compreensão para os
múltiplos problemas que enfrentamos a todo o momento nos espaços escolares, que nos
remetem à necessidade de corrermos riscos, de nos aventurar no desconhecido, de buscar outras possibilidades de atuação.
16
Partindo dessa necessidade, esta pesquisa pretendeu aprofundar questões que estão
ligadas à trajetória de nossa vida profissional, primeiro, como professora de apoio,
pedagoga e, neste momento, no lugar de pesquisadora, que, sobremaneira, implicou a
decisão da questão de pesquisa. Nesse percurso, optamos por discorrer sobre as
políticas do município e, mais que isso, pensar essas políticas como forma de produção
de elementos constitutivos de mudanças significativas na escola pesquisada.
Pensando nos amplos desafios apresentados hoje no cotidiano escolar, no que se refere
à escola que atenda a todos os alunos, inclusive (e não se restringindo) aqueles com
necessidades educacionais especiais, concordamos com Bueno (2004 p. 6), quando nos
diz:
Se, por um lado, é verdade que a seletividade escolar se abate fundamentalmente sobre os alunos oriundos de classes populares, há uma população escolar que, por características próprias, apresenta dificuldades de escolarização: os alunos deficientes, muitas vezes transcendendo a origem social dos sujeitos.
Nesse sentido, Bueno apresenta-nos algumas reflexões que apontam para a necessidade
de profundas modificações no sistema de ensino, de políticas efetivas de educação
inclusiva que devem acontecer de forma gradativa, contínua, sistemática e bem planejada
para que não caiamos em armadilhas em que os alunos estejam nas salas de aula e não
sejam contemplados nas suas necessidades.
Pensando essas questões, algumas medidas políticas vêm sendo adotadas no município
de Aracruz que, paralelamente ao “crescimento” e às contradições vivenciadas pela
população brasileira a respeito do ensino para a população com deficiência no ensino
comum, inicia a história de atendimentos às pessoas com deficiência, marcada por várias
etapas.
O registro sobre o início do trabalho com alunos “considerados”1 da educação especial no
município data de 1996. Nessa etapa, “[...] a política nacional da Educação Especial
1 Naquela época, a demanda da Educação Especial era referente aos alunos com histórico de fracasso escolar e dificuldade de aprendizagem.
17
aparecia timidamente, mas influenciou sobremaneira para que as nossas discussões na
SEMED passassem para o plano da ação” (LOUVEM, 2005, p. 31). Esses primeiros
movimentos em prol de uma educação que favorecesse a diversidade no município de
Aracruz começaram a acontecer por iniciativa de uma pedagoga da Secretaria de
Educação que, sensibilizada por algumas questões relacionadas com alunos defasados,
incentivou no município a implementação desse serviço. Um trabalho que se pautou nas
lutas e na criação de possíveis “[...] sem batalhas [visíveis] – (complemento nosso) nem
duelos, mas pleno de tensões e conflitos a cada passo [...]” (MEIRIEU, 2005, p.19).
Nesse percurso, buscamos trilhar caminhos que nos situassem, auxiliassem nessa busca
e que nos ajudassem a lidar com as ambigüidades e com as mudanças nos contextos,
procurando atuar, como nos sugere Almeida (1994), aproveitando os espaços de
esperança, valorizando-os e acreditando que “[...] qualquer que seja a razão de sua
existência, tais espaços devem ser aproveitados estrategicamente. Eles oferecem
encorajamento às forças da justiça, mas não são suficientes por si sós [...]” devem ser
tomados públicos (McLAREN, 2000). Tais espaços devem ser construídos coletivamente,
para que de fato seja construída a identidade grupal.
Nesse processo, procuramos aproveitar as oportunidades que surgiram, usando-as como
ferramentas em favor da implementação de ações que minimizassem as desigualdades e
possibilitassem transformações, por acreditar ser, a partir desses pequenos espaços, que
poderíamos delinear movimentos que atendessem às aspirações daquele grupo social.
Dessa forma, o atendimento a alunos que apresentam necessidades educacionais
especiais (por deficiência) efetivamente teve início no município no ano de 1998, numa
escola do ensino regular, escolhida entre outras escolas localizadas na região da Sede no
município. É esse contexto, em que nos inserimos profissionalmente, que marca
diretamente nossa atuação como professora em classe especial, período também em que
tem início nossa trajetória de conflitos, tensões, enfrentamentos e buscas.
18
O que isso nos trouxe de novo à nossa vida? A resposta pode ser traduzida pelas
palavras de Paulo Freire (1998, p. 85, grifo nosso).
Na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar.
Nesta grande peripécia, que é o aprender, conhecer, sobreviver, vamos construindo
formas subjetivas de ser, pensar e agir, formas que não estão prescritas, mas que vão se
constituindo de diferentes maneiras a partir da realidade de diferentes contextos.
Paralelamente às nossas construções subjetivas, as ações da Secretaria Municipal de
Educação iam emergindo. Em frente ao desafio da complexidade dessas construções,
novos conhecimentos e recursos surgem. As ações tomam corpo a partir do princípio da
inclusão, ou seja, a constituição de uma escola democrática e de qualidade para todos.
No entanto observávamos, nas ações da grande maioria dos profissionais das escolas,
inclusive naquela em que atuávamos, práticas de exclusão.2 Procurávamos respostas e
esclarecimentos em seminários, palestras, dentre outros dispositivos que contribuíssem
para um avanço nessa caminhada.
Nessa busca, as possibilidades se abriram e foram produzindo marcas. Destacamos
marcadamente, nossa participação nos seminários Capixaba de Educação Inclusiva, 2 Os dois termos – integração e inclusão - têm sido apresentados pela literatura pedagógica como diferentes e indicadores de processo evolutivo. Nesse sentido, indicaria um momento histórico da educação especial (supostamente superado), no qual seriam defendidas as inserções do aluno com necessidades educativas especiais no ensino comum; porém essa inserção estaria associada a uma adaptação unilateral (aluno adapta-se à escola). O conceito de inclusão, por outro lado, evocaria a necessidade de transformação da escola para permitir o atendimento integrado de todos os alunos no ensino comum. Nesse caso, são defendidas as medidas profundas de alterações da escola na organização de ensino, colocando em discussão a necessidade de análises coletivas sobre o projeto pedagógico da instituição; questionando as alternativas didáticas consideradas ‘tradicionais’ e centradas no professor; propondo a revisão dos processos de avaliação (avaliação processual que considere o aluno como parâmetro de si mesmo); construindo dispositivos de apoio complementar ao atendimento no ensino comum, sem excluir o aluno de sua classe de referência; discutindo amplamente a necessidade de formação continuada de professores e demais técnicos que atuam escolas. Ou seja, a inclusão estaria associada a um processo de transformação que, em grande parte, podemos dizer ‘trata-se de uma educação de qualidade’ (BAPTISTA, 2003, p. 54).
19
acontecidos na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), nos quais nos
encontramos com autores, de início, e muito especialmente, Jesus (2005, p. 8) que diz:
“Se quisermos uma escola inclusiva, precisamos pensar com o outro, de um constante e
longo processo de reflexão-ação-crítica dos profissionais que fazem o ato educativo
acontecer”. Essa foi a nossa porta de entrada para o mundo acadêmico/científico que vem
influenciando nossas práticas pedagógicas. A partir daí, buscávamos embasamento em
vários outros autores que discutem o tema aqui pretendido, Baumel, Bueno, Góes,
Palhares, dentre outros.
Concomitantemente à nossa caminhada como professora de apoio no município,
acontecia a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais (das classes
especiais) para o ensino comum, passando a ser acompanhados na sala de recursos,
serviço cujo funcionamento teve início no ano de 2001, no município de Aracruz. Os anos
de 2001 e 2002 foram essencialmente importantes, visto que a trajetória do crescimento
das políticas educacionais do município voltadas para a inclusão dos alunos com
necessidades educacionais especiais (NEE) estava entrelaçada com nossa trajetória e
crescimento profissional, seja pelas vivências na escola, na sala de aula, seja pela própria
política de educação inclusiva defendida e/ou executada pela Secretaria Municipal de
Educação, pelo setor que responde pela Educação Especial no município.
Nesse sentido, vale ressaltar que foi exatamente nesse período que passamos a buscar,
enfaticamente, leituras que tinham como objeto alguns elementos relacionados com a
efetivação do trabalho de apoio especializado nas escolas do ensino comum,
especificamente no que se refere à dinâmica de atuação/intervenção dos professores de
apoio.
Assim, este estudo já vem se constituindo, na verdade, há alguns anos e agora se
configura como um dispositivo que esperamos contribuirá para pensar diferentes práticas.
Neste contexto de investigação, entendendo a inclusão como uma construção histórica e
coletiva, em que todos devem estar envolvidos, levamos as inquietações que trazíamos
20
do contexto escolar, como professora de apoio, para a Secretaria Municipal de Educação
(SEMED).
Tais inquietações implicavam refletir sobre a necessidade de investimento em políticas
eficazes de formação, condições de trabalho do professor, novas estratégias de ensino,
dentre outras questões, levando-nos a pensar como nos instiga Jesus (2002, p. 2), em:
“[...] um projeto que contribua no sentido de [...] criar ambientes em que diferentes alunos,
com os mais diversificados percursos de escolarização consigam participar, contribuindo
e experimentando sucesso”.
Assim, até o ano de 2003, o Sistema Municipal de Educação não tinha uma política de
inclusão, revelando-nos propostas ainda bastante tímidas, no que se refere ao
favorecimento da inclusão dos alunos que apresentam necessidades educacionais
especiais. Isso se mostra nos serviços de recursos educacionais3 ainda muito limitados,
questão que ecoava nas discussões dos profissionais da educação no município.
Partindo do princípio de que todas as crianças devem ser acolhidas, independentemente
de suas condições físicas, sociais, emocionais, lingüísticas, dentre outras, a SEMED,
representada pelo Setor de Educação Especial, no ano de 2004, redimensionou algumas
ações quanto ao atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais. Uma
delas foi a criação do Centro de Referência Educacional Multiprofissional (CREM), setor
que antes funcionava com uma pedagoga responsável pela Educação Especial no
município, passando, nesse ano (2004), a contar com uma equipe de profissionais de
várias áreas – Saúde (um psicólogo e um fonoaudiólogo); Educação (dois pedagogos e
uma psicopedagoga); e Serviço Social (um assistente social).
3 Quando nos referimos a recursos educacionais, estamos nos reportando a profissionais de apoios especializados específicos que pudessem atender a todas as escolas do município. Nessa época, existiam cinco professores de apoio (um que acompanhavam os alunos com deficiência visual, dois para apoiar alunos surdos, dois para alunos com deficiência mental), que não atendiam à demanda do município.
21
Nesse mesmo ano (2004), o município implementou o ensino colaborativo (entre
professores do ensino comum e professores de apoio), iniciando o trabalho com 12
professores de apoio com uma dinâmica diferenciada de atuação daquela já existente.
Nessa etapa, inicia-se um investimento significativo nos serviços de apoio especializado,
como nos mostra a tabela a seguir:
Tabela 1: Evolução dos serviços de apoio no município de Aracruz
20003 2004 2005 2006 2007
Classe Especial – 02
Sala de Recursos - 02
Classe Especial - 02
Sala de Recursos - 01
Prof. Ensino Colaborativo - 12
Equipe Multiprofissional - 01
Classe Especial - 01
Sala de Recursos - 02
Prof. do Ensino Colaborativo - 16
Equipe Multiprofissional - 09
Classe Especial - 01
Sala de Recursos – 02
Prof. Itinerante - 02
Ofic. Pedagógicas - 01
Prof. Ensino Colaborativo - 43
Equipe Multiprofissional - 16
Classe Especial - 00
Sala de Recursos - 03
Prof. Itinerante - 02
Ofic. Pedagógicas - 01
Prof. Ensino
Colaborativo - 00
Prof. Articulador - 40
Equipe Multiprofissional - 06
Fonte: PREFEITURA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE ARACRUZ, 2007
Vale ressaltar que, nos anos de 2005 e 2006, a partir de uma mudança político-
administrativo, a Secretaria Municipal de Educação de Aracruz, visando a atender aos
dispositivos legais relacionados com o atendimento educacional de alunos com
necessidades educacionais especiais, investiu num trabalho mais sistematizado para
essa população, em sua rede de ensino. O investimento político e o econômico em prol
de propostas educacionais inclusivas passaram a ter possibilidades palpáveis de
efetivação por meio de um trabalho voltado para a colaboração. Mesmo com tantos
investimentos, entendemos que a inclusão só poderá ser efetivada, no contexto escolar,
se as ações fossem refletidas e (re)pensadas com o conjunto da escola, a partir de
reflexões-críticas da prática e sobre a prática.
22
Assim, o trabalho dos professores de apoio se pautou em uma proposta de atuação em
que:
[...] dois ou mais professores possuindo habilidades de trabalho distintas, juntam-se de forma co-ativa e coordenada, para ensinar grupos heterogêneos tanto em questões acadêmicas quanto em questões comportamentais, em cenários inclusivos.[...] compartilham a responsabilidade de planejar e de implementar o ensino e a disciplina na sala de aula (CAPELLINI, 2005, p. 88).
Essa proposta consistia na realização de um trabalho em parceria, orientado por
perspectivas inclusivas, com o objetivo de promover educação que atenda a todos,
reconhecendo a urgência de oferecer recursos que acolham as necessidades básicas das
pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais (priorizando o
atendimento aos alunos com deficiência e com dificuldades acentuadas de
aprendizagem), mas, também, entendemos que muitos alunos não têm propriamente uma
deficiência, mas podem estar, momentaneamente, demandando atendimento específico.
Tal proposta não consistia em uma camisa-de-força, em que o aluno “incluído” no ensino
regular não pudesse sair da sala para um acompanhamento individual. No entanto,
embora o trabalho fosse proposto na sala de aula junto com os demais alunos, a escola
tinha autonomia para discutir alternativas de atendimento (dentro ou fora da sala),
conforme a necessidade do aluno, que deveria ser discutida e refletida com o conjunto da
escola.
Entretanto Louvem (2005, p.110-111) aponta, em sua pesquisa, que isso não acontecia:
“Na escola pesquisada, os profissionais não pareciam entender muito bem o proposto.
Em todas as salas de aula o formato do trabalho com os alunos era: o professor de apoio
com o aluno ‘incluído’ e a professora da sala dando aula para sua turma”.
Ainda de acordo com a pesquisa de Louvem, a falta de discussões na escola sobre o
trabalho colaborativo, especificamente sobre essa proposta da professora de apoio na
sala regular, acarretou alguns “desvios” em relação ao que foi sugerido pelo Setor de
23
Educação Especial, que, por mais que tentasse fazer um trabalho em colaboração,
provocando discussões com os profissionais da escola, para que eles mesmos
reconhecessem aquele trabalho como dela e não como do CREM, isso pouco aparecia na
prática.
Essas questões se revelam nas ações dos professores e demais equipes da escola,
fazendo-nos pensar, como nos aponta Eizirick (2001, p. 52), que
[...] práticas divisórias se instalam, bem como paradoxos se colocam e multiplicam, e, no lugar do sentido próprio da escola, que seria o de irradiar um processo de ensino-aprendizagem, significados se esvaziam; e, na perda de parâmetros, outros sentidos se recriam.
Como pedagoga da SEMED, responsável pela implementação e acompanhamento desse
trabalho no município, observamos que tais questões acentuaram o desejo de
aprofundamento das práticas desses profissionais na escola, revelando-nos a
necessidade de ajudar a pensar, refletir, significar e (re)significar o trabalho a partir de
uma outra lógica de ensino.
Sendo assim, buscamos, neste estudo, subsídios que nos auxiliassem na reflexão-crítica
dos problemas enfrentados por esses profissionais no contexto da escola. Procurávamos
também, entender o que está por trás da ação desse profissional na sala de aula, suas
reais dificuldades, tanto no que se refere ao campo de atuação quanto ao como, o quê,
quem e de que forma podem ser ajudados a organizar um ensino que atenda a todos.
Foi mergulhando nessas questões que surgiu o interesse de trabalhar numa abordagem
colaborativo-crítica. Nesse percurso de prática/pesquisa, pesquisa/prática, muitas
experiências foram se alinhavando, possibilitando a construção de novas/outras atuações.
Alguns/outros autores contribuíram para esses alinhavos ou construções e
(re)construções, como Mendes(2002, 2006) Capellini (2004), Almeida(2004) e, ainda, de
modo mais especial, Alarcão (2001, 2002, 2003), Bueno (1999, 2001), Barbier (1985,
2004), Jesus (2002, 2003, 2004,2005, 2006) Pimenta (2002) e Zeichner (1991,1997) e,
24
mais recentemente, Tardif (1991, 2000, 20002) quando propõe pensarmos a respeito dos
saberes mobilizados pelos professores no seu ensino.
Nesse percurso, na condição de pedagoga-pesquisadora (papéis singulares e ao mesmo
tempo tão plurais), imersa nas questões que envolvem o cotidiano escolar e, agora mais
precisamente na condição de pesquisadora, tentamos refletir mais profundamente o que
está sendo veiculado a respeito da prática (parceria) do professor de apoio e suas
relações com os professores da classe comum, bem como suas/nossas dificuldades para
atender à diversidade na sala de aula e o papel do professor de apoio nesse contexto.
Buscar entender essas questões requereu de nós, profissionais da educação, um outro
posicionamento diante das situações complexas do cotidiano escolar. Exigiu pensarmos
na lição que podemos tirar das coisas mais simples do cotidiano, como a lição do trecho
do filme4 “Fantasmas do Passado” (Ghosts of Mississipi), do diretor Rob Reiner, estrelado
por Alec Baldwin, Whoopy Goldberg, James Wood:
Um casal está se separando. Ela saindo de casa. Ele fica com os filhos. Ao se despedirem, ela, olhando para ele pergunta:
‘O que aconteceu conosco? Quando deixamos de nos amar?’
Ele responde: ‘As pessoas mudam’. ‘Então achas que eu mudei?’, pergunta ela.
E ele responde: ‘Não, acontece é que não mudou’.
Nesse contexto, pudemos promover o exercício de “[...] mudanças na forma de pensar a
si mesmo, os outros, os problemas, as questões” (EIZIRIK, 2001, p. 23) as posturas, que
repercutem no modo de ver, fazer, agir dos docentes. Nesse percurso, foi necessário
mudar o nosso próprio ato ou exercício de pensar. Foi primordial (re)pensar “[...] o pensar
[...] não somente para compreender, para buscar soluções, para encontrar saídas, mas
como possibilidade de procurar entradas, poros abertos, ou ainda, percorrer caminhos
[...]” (EIZIRIK, 2001, p. 23), mudar/transformar e, por que não, dançar ?”.
4 Trecho extraído do livro: Educação escolar: a aventura institucional, de Mariza Faermann Eizirik, 2001, p. 25.
25
Entretanto, pela própria especificidade/complexidade deste estudo, que procurou buscar
construir caminhos, alternativas para a inclusão de alunos no contexto escolar, a partir de
um trabalho pautado na colaboração-crítica, enfrentamos desafios, vivemos tensões,
corremos riscos, mas, mesmo passando por tudo isso, nos apropriamos do pensamento
de Freire (1998, p. 80), quando diz que “[...] não podemos continuar sendo humanos
quando fazemo-nos desaparecer em nós a esperança. Esperança de que professor e
aluno podem aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos
obstáculos”.
Nessa direção, esta pesquisa propõe investigar, pela via da pesquisa-ação, como vêm se
instituindo as práticas colaborativas entre os professores do ensino comum e professores
de apoio em uma escola de Ensino Fundamental.
Tendo em vista tal questão, delimitamos alguns objetivos específicos:
a) investigar e analisar a instituição do ensino colaborativo entre o professor do
ensino comum e das professoras de apoio na Escola Deraldo Passos;
b) analisar como são vividos/entendidos os papéis dos professores do ensino
comum e professores de apoio no conjunto da escola e as implicações dessa
forma de trabalho para o processo de inclusão dos alunos com necessidades
educacionais especiais no ensino regular;
c) verificar como a prática reflexivo-colaborativa pode influenciar no planejamento e
execução das práticas pedagógicas;
d) acompanhar e elaborar práticas pedagógicas nas salas de aula tanto com
professores da sala comum quanto com professores de apoio, instituindo e
experimentando novos dispositivos e alternativas no ensino que favoreçam a
inclusão;
d) analisar as implicações das ações reflexivo-colaborativas na formação na sala de
aula e no espaço escolar.
26
Para tanto, buscamos refletir sobre essas questões, apoiando-nos em vários estudos que
propõem mudanças de paradigmas acerca dos processos e movimentos necessários para
que a escola consiga proporcionar a inclusão de todos os alunos (não se restringindo a
um grupo de estudantes), bem como questões que dizem respeito, sobretudo, à formação
continuada de profissionais da educação.
Assim, esperamos que esta pesquisa contribua para avançar práticas pedagógicas no
que se refere ao conhecimento crítico produzido em cada contexto escolar.
1.1 PROFESSOR DE APOIO E PROFESSOR DA SALA REGULAR ENTRECRUZANDO CAMINHOS, HISTÓRIAS E CONHECIMENTOS EM BUSCA DE NOVOS SIGNIFICADOS
Em frente às questões relacionadas com os saberes específicos dos professores para
exercer seu ensino, nos deparamos com uma discussão que foi recorrente em nossa
pesquisa, que se refere aos saberes que devem/precisam ser disponíveis aos
professores, para que eles possam dar conta do atendimento à diversidade/complexidade
do ensino, especificamente no que se refere aos alunos que apresentam necessidades
educacionais especiais.
Buscamos refletir essa questão sob o prisma de alguns documentos que tratam da
formação de professores para o ensino na diversidade, como a Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) que, em seu art. 62, define que a formação de docentes para o ensino básico “[...]
far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena e em
universidade”. O item que trata da graduação plena permite que a formação de
professores, para a educação infantil e para as quatro primeiras séries iniciais do ensino
fundamental, seja oferecida “[...] em nível médio, na modalidade Normal”. Vale ressaltar
que essa questão é reafirmada nas metas que constam do Plano Nacional de Educação
27
“[...] não se pode descurar da formação de nível médio a qual será por muito tempo
necessária no País”.
As Diretrizes Nacionais Para a Educação Especial na Educação Básica (2001, p. 31) na
parte que discorre sobre as diferentes naturezas das ações, coloca que no âmbito
técnico-científico, os professores, para atuar com alunos que apresentam necessidades
educacionais especiais: o professor do ensino comum e o professor especializado em
educação especial, devem ser aqueles
[...] que comprovem que, em sua formação, de nível médio ou superior,
foram incluídos conteúdos ou disciplinas sobre educação especial e
desenvolvidas competências para:
I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a educação inclusiva;
II – flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento;
III – avaliar continuamente a eficácia do processo educativo;
IV – atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial.
O documento, referindo-se às competências necessárias ao professor especializado, traz:
São considerados professores em Educação Especial aqueles que desenvolvem competências para identificar as necessidades educacionais especiais para definir, implementar, liderar, e apoiar a implementação de estratégias de flexibilização, adaptação curricular, e práticas pedagógicas alternativas, entre outras [...] (p. 32).
No que concerne à formação do professor do ensino comum, o documento sugere que
devem ser oferecidas oportunidades de formação continuada, inclusive em nível de
especialização, pelas instâncias educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 2001).
A partir das questões trazidas neste trabalho, entendemos que a formação de
professores, numa perspectiva inclusiva, é o grande desafio que se coloca a todos, visto
que, em termos de políticas públicas educacionais, ainda há muito a se caminhar, no que
28
se refere à formação de professores para o atendimento a diversidade de todos os
sujeitos.
Desse modo, de acordo com Bueno (2000, p. 7), entre essa política de largo alcance,
deve-se incluir uma política de formação docente que:
[...] gradativo, contínuo e consistentemente invista num sistema de ensino que [...] envolva financiamento, organização técnica dos sistemas de ensino e melhoria das condições de trabalho docente (expressas por políticas de seleção, de carreira, de salário e de contrato de trabalho, e tantas outras).
Para o autor, parece haver um certo consenso entre os intelectuais e os formadores de
políticas nacionais, no que se refere à necessidade de pensar na formação dos
professores das primeiras séries do ensino fundamental em nível superior. No entanto,
vêem que nosso país ainda não dispõe de condições sociais, econômicas para sua
imediata implantação e que se constitui em uma série de questões.
Com vistas a fomentar o processo inclusivo para que de fato os professores consigam
atender à diversidade em sala de aula (BUENO, 2000), defende pelo menos dois tipos de
formação profissional:
a) dos professores do ensino regular com vistas a um mínimo de formação;
b) dos professores especializados nas diferentes necessidades educativas
especiais, quer seja para atendimento direto a essa população, quer seja para
apoio ao trabalho realizado por professores de classes regulares.
Nesse sentido, o autor chama a atenção para a importância de assegurar a formação
inicial dos professores em nível médio ou superior, considerando não só a formação do
generalista como, também, a do especialista.
29
Assim sendo, entre as necessidades que se colocam, a formação de professores, numa
perspectiva inclusiva, aparecem como fonte de preocupação:
Oferecer formação que possibilite analisar, acompanhar e contribuir para o aprimoramento dos processos regulares de escolarização, no sentido de que possam dar conta das mais diversas diferenças, entre elas as das crianças com necessidades educativas especiais; e [...] oferecer formação específica sobre características comuns das crianças com necessidades educacionais especiais, com expressões localizadas das relações contraditórias entre a sociedade em geral e as minorias (BUENO, 2000, p.14).
Entendemos que, ao mesmo tempo em que os princípios norteadores da educação
inclusiva devem estar voltados para o respeito/atendimento à diversidade de cada
criança, exige-se dos professores do ensino comum conhecimentos específicos sobre os
alunos, considerando suas especificidades.
Bueno (1999, p.15), entre outros autores, destaca a necessidade de uma melhor
formação e capacitação não só dos professores do ensino regular, mas também do
ensino especial, por acreditar que,
[...] à medida que, por um lado, os professores de o ensino regular não possuem preparo mínimo para trabalharem com crianças que apresentem deficiências evidentes e, por outro, grande parte dos professores do ensino especial tem muito pouco a contribuir com o trabalho pedagógico desenvolvido no ensino regular, à medida que têm calcado e construído sua competência nas dificuldades específicas do alunado que atende, porque o que tem caracterizado a atuação de professores de surdos, de cegos, de deficientes mentais, com raras e honrosas exceções, é a centralização quase que absoluta de suas atividades na minimização dos efeitos específicos das mais variadas deficiências.
Dessa forma, é imprescindível que os professores de apoio, em suas diferentes áreas de
atuação em Educação Especial, tenham formação “[...] que permita a ampliação de sua
visão para além das dificuldades específicas desta ou daquela deficiência”, mas,
fundamentalmente, valorizem suas potencialidades e possibilidades e, ainda, procurem
atuar considerando o contexto escolar em seu conjunto, de forma que possam contribuir
30
efetivamente para mudanças no contexto escolar, na busca de soluções, visando à
superação de processos de exclusão da mais variada gama de crianças.
Desse modo, consideramos como responsabilidade de todos (professor, pedagogo,
diretor, equipe de apoio) assumir os propósitos e condições da escolarização de todos os
alunos, independentemente de suas condições sociais e de alterações orgânicas, e/ou de
suas diferenças, sejam elas, de raça, gênero, étnica, lingüística, dentre outras.
Na conjuntura na qual se encontra a estrutura de formação dos professores,5 podemos
encontrar pesquisas que buscam fomentar propostas de trabalho colaborativo-crítico no
contexto escolar. Nessa perspectiva, destacamos algumas pesquisas realizadas no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo
(PPGE/UFES), na linha de Educação Especial, que vêm evidenciando a possibilidade de
reflexões coletivas como proposta para pensar ações que atendam à diversidade.
Os estudos realizados por Jesus (2002, 2003, 2004) analisaram, juntamente com os
profissionais das escolas, as práticas de educação inclusiva que vêm sendo
implementadas. A partir da formação continuada, do trabalho em equipe e da colaboração
entre pares, foram vivenciadas outras formas de ser e estar na profissão docente, a partir
da incorporação de práticas que considerassem a diferença e a inclusão.
O trabalho desenvolvido por Caetano (2002), com o objetivo de analisar as práticas
pedagógicas que vêm sendo utilizadas com alunos deficientes mentais que chegam às
séries finais do ensino fundamental, focalizou a necessidade de as escolas reformularem
em suas práticas, não somente com alunos que apresentam deficiência mental, mas com
todos os alunos que apresentam NEE que demandam ajuda e apoio. Nesse sentido,
sugere que a escola invista em formação continuada, considerando a necessidade de
5 A formação de professores no cenário brasileiro vem passando por discussões e redimensionamentos, a partir dos anos 70 e 80, quando a formação e a profissionalização de professores emergiram no quadro da reformas educativas (LIBÂNEO, 2002).
31
planejamentos coletivos com os profissionais do laboratório pedagógico; envolvimento
dos profissionais de todas as disciplinas; trocas de experiências com profissionais de
outras comunidades; construção de propostas que envolvam teoria e prática, dentre
outros.
A pesquisa desenvolvida por Gonçalves (2003) objetivou investigar as possibilidades da
prática coletiva na ação educativa da escola regular, no que diz respeito aos processos de
inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. Dentre os resultados
apresentados pela pesquisa, destaca a constituição dos serviços de apoio especializados
no município de Vitória, enfatizando a importância do trabalho coletivo entre os
profissionais da escola, professores da Educação Especial e professores de sala comum.
Além disso, salienta a urgência de investimento num processo sério de formação
continuada dos profissionais, para que consigam superar os problemas que emergem no
cotidiano.
Almeida (2004) investiga as práticas educativas dos profissionais de uma escola por meio
da pesquisa-ação crítico-colaborativa. Busca, pela via da formação continuada em
contexto, analisar as transformações da prática educativa, tendo como meta, “[...]
contribuir para o desenvolvimento profissional docente, a partir da construção da
autonomia”. A pesquisadora destaca a vivência e a colaboração com as professoras,
evidenciando a necessidade de pensar práticas inclusivas com o coletivo da escola, “[...]
onde todos são responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem de todos os alunos,
inclusive aqueles com necessidades educativas especiais [...]”. Além disso, o estudo
evidencia alguns aspectos que precisam ser considerados para a construção de práticas
educativas inclusivas: aprendizagem cooperativa; planejamento e organização sistemática
do ensino; manejo nas relações em sala de aula; flexibilização e adaptação curricular;
busca pela relação teoria e prática, dentre outros.
O estudo de Louvem (2005), desenvolvido por meio da pesquisa-intervenção de
abordagem socioanalítica, teve como objetivo analisar a instituição inclusão e outras que
atravessam as práticas escolares. Seu estudo chama-nos a atenção para as políticas
32
públicas de inclusão implementadas no município de Aracruz, para a urgência de
estabelecimento de ações coletivas e para a necessidade de pensar a colaboração que
está sendo efetivada entre os professores de apoio e a equipe multidisciplinar no contexto
escolar.
Victor (2005) e Oliveira (2007) destacam questões acerca da formação inicial e
continuada das professoras do Curso de Pedagogia, das Habilitações em Educação
Especial e Educação Infantil, chamando a atenção para os aspectos predominantes nos
discursos e práticas pedagógicas sobre a inclusão escolar da criança na educação
infantil. Buscam investigar, coletivamente, como e se ocorre a mediação pedagógica do
professor no jogo de faz-de-conta e como essa mediação pode se constituir como via
para a inclusão escolar da criança com deficiência. Essas pesquisas, além de outros
apontamentos, assinalam, como fundamental, a construção de ações coletivas como meio
de assegurar práticas escolares inclusivas.
Nessa mesma direção, encontramos outros Programas de Pós-Graduação pesquisas que
tratam da importância de tanto os professores de apoio, quanto os de o ensino comum
buscarem realizar um trabalho pautado em ações colaborativas, bem como do incentivo
de parceria entre a escola e famílias dos alunos com NEE e, sobretudo, investirem na
pesquisa de sua própria prática, para que tenham condições de responder às
necessidades educativas de todos os alunos, a partir da perspectiva de uma escola para todos.
Nesse sentido, Lopes (2002) investigou o percurso de formação de professores,
principalmente o modo como evoluíram profissionalmente e como estão desenvolvendo e
transformando sua prática pedagógica. O estudo foi desenvolvido em Escolas Municipais
no município de Teresina e teve como objetivo compreender como se realiza e como se
constrói o saber docente de professores das quatro primeiras séries do ensino
fundamental. Investigou e analisou a prática pedagógica de seis professoras que atuam
na sala de Apoio Pedagógico Específico, levantando a contribuição da formação
continuada nesse processo de construção. Dentre os resultados importantes, ressalta que
33
as professoras detêm um saber construído ao longo do desenvolvimento cotidiano de sua
prática profissional e que a formação contínua é importante para o aprimoramento de sua
prática docente.
Em Oliveira (2004), encontramos um trabalho que teve por objetivo caracterizar a
natureza da interação entre escola e família de crianças com necessidades educacionais
especiais (NEE) que freqüentam sala de recursos, a partir da concepção de pais e
professores. Os dados revelam que, na concepção tanto das professoras quanto dos
pais, a relação família-escola é importante, mas a avaliação deles é divergente. Constatamos que a interação entre a escola e a família de crianças com NEE, no contexto
abordado, é precária e insuficiente para promover um processo educacional satisfatório
das mesmas. Indica ainda a necessidade de aumentar a interação entre essas instituições
Cardoso (2005) analisou os rumos das políticas e serviços para Educação Especial no
município de Guaíba em 13 escolas de educação infantil e séries iniciais do ensino
fundamental, onde eram desenvolvidos o projeto de Educação Inclusiva, com a
participação de profissionais do Laboratório de Atendimento Pedagógico Interdisciplinar
(LAPI) e Sala de Recursos Pedagógica (SRP), para acompanhamento a alunos com
necessidades educacionais especiais. Os dados mostraram que o trabalho coletivo dos
profissionais de diferentes áreas atreladas à formação continuada com o conjunto da
escola contribuiu efetivamente para a adaptação, a sociabilização e a construção de
conhecimento desses sujeitos, privilegiando o atendimento à diversidade. A investigação
mostra que o trabalho em parceria possibilitou transformação da prática educativa,
abrindo, assim, oportunidades de construção de escolas inclusivas, que de fato caibam
todos.
Capellini (2006) pautou seus estudos no estudo da literatura científica de países mais
experientes em prática de inclusão escolar, que
[...] apontam o trabalho colaborativo no contexto escolar como uma estratégia em ascensão que tem se mostrado efetiva tanto para solucionar problemas diversos relacionados ao processo de ensino
34
aprendizagem quanto para desenvolver quanto para promover o desenvolvimento pessoal e profissional dos educadores.
Seu estudo teve como objetivo verificar as implicações do trabalho colaborativo entre o
professor do ensino comum e o professor especialista no contexto escolar. Os resultados
da pesquisa indicaram que o ensino colaborativo foi avaliado pelos pais, alunos e
profissionais da escola, como uma estratégia viável para o desenvolvimento pessoal e
profissional de todos os sujeitos, por possibilitar a todos os envolvidos práticas que
potencializam a inclusão escolar.
Ribeiro (2006), tomando como ponto de partida as abordagens teóricas provenientes da
Psicologia Cultural, e, mais especificamente, da dimensão dialógica da produção de
conhecimentos, destacou algumas concepções e práticas de professores do ensino
fundamental que atuam com crianças que apresentam necessidades educacionais
especiais. Os dados de sua pesquisa indicam que a inclusão escolar se constitui por um
conjunto de crenças e valores, os quais são expressos por meio do reconhecimento das
diferenças humanas, por concepções a priori relacionadas com o modo como a
deficiência e a identidade profissional dos professores é explicado e pela construção de
concepções e práticas que se dirigem para a possibilidade de reestruturação das formas
de intervenção pedagógicas.
As produções científicas sinalizam para a necessidade de estabelecer ações
colaborativas no contexto escolar, visando a construir/realizar, em conjunto com os
profissionais da escola (diretor, pedagogo, professor, pessoas externas, alunos, dentre
outros), movimentos que contribuam para o atendimento à diversidade de todos os
alunos, para direcionamentos necessários à formação continuada em contexto dos
profissionais que compõem e fazem a escola, num processo de reflexão-ação-reflexão
das questões cotidiana que acionem a relação teoria e prática; trabalho colaborativo e
práticas pedagógicas inclusivas.
35
Neste contexto, consideramos de grande relevância os estudos realizados, por vislumbrar
ações cotidianas que transcendem um fazer meramente instrumental, para além,
possibilitando-nos reflexões que contemplam a dimensão ideológica, política e social dos
profissionais da educação, no que concerne a uma educação que considere a
diversidade, como buscamos enfocar na nossa pesquisa.
36
2 CONSTRUINDO BASES TEÓRICAS
Para a organização de nosso referencial teórico, tomamos como referência os estudos de
Tardif (1991, 2002; Nóvoa, 1992, 1995), Perrenoud, (1993, 1996), Schon (1995) André
(1999, 2000), Monteiro (2004), que têm se debruçado sobre a questão dos saberes
docentes que os professores mobilizam quando ensinam, que tem orientado hoje boa
parte das pesquisas que servem de base para o ensino. Além disso, dialogamos também
com autores, como Alarcão e Pimenta que têm apontado aspectos e características de
seus trabalhos que representam, em nosso entender, contribuições bastante significativas
a respeito dessa temática.
Esses estudos têm mostrado a complexidade que se presentifica nas práticas
pedagógicas dos docentes em seus distintos e singulares locais de trabalho.
No Brasil a, temática “saberes docentes” aparece com mais força a partir da divulgação
de um artigo publicado na Revista Teoria & Educação, em parceria com Lessard e Lahaye
(ANDRÉ, 2006). O artigo apresenta considerações comuns sobre a situação dos docentes
em relação aos saberes, buscando identificar e definir os distintos saberes presentes em
suas práticas e as relações estabelecidas entre tais saberes e os professores. Em frente à
pluralidade/complexidade de sua composição, esse tipo de estudo passa a desafiar
muitos membros da comunidade acadêmica brasileira, por se tratar de um campo
relativamente novo, inclusive pela própria ciência da educação.
Ancorada teoricamente nas idéias de Tardif (2000, 2002) e de Gauthier (1998), que
discutem o campo dos saberes docentes, e nos estudos de Nóvoa (1992), que analisa a
formação de professores e a profissionalização docente, buscamos estruturar nossa
investigação em torno de três eixos de análise que se entrecruzam: o primeiro eixo diz
respeito aos saberes construídos pelos professores na sua prática docente e,
especificamente, sobre a aplicação desses saberes em sala de aula e no cotidiano
escolar; o segundo eixo trata do processo de reflexividade desses profissionais
37
organizado no trabalho colaborativo; e o terceiro e último eixo aborda o processo de
formação continuada e as condições de produção de conhecimento do professor nesse
processo.
Nossa intenção não é trazer respostas sobre esses aspectos, mas abrir possibilidades de
levantar mais questões acerca dos processos em que os professores deixam de exercer
sua profissão no modelo da racionalidade técnica e se tornam prático-reflexivos
construtores de suas próprias práticas.
Com a finalidade de trazer algumas proposições que foram surgindo ao longo de nossa
pesquisa, tentaremos, à luz das teorias, levantar possibilidades de pensar as questões
propostas.
Esta exposição será feita em momentos separados, por questão de organização didática
do texto, no entanto reconhecemos sua indissociabilização.
2.1 OS SABERES DOCENTES COMO ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA PRÁTICA
DOCENTE
O tema referente aos processos de constituição dos saberes da base profissional dos
professores é alvo crescente de estudos no âmbito das ciências da educação. Tardif
(2000), em seus estudos, chama a atenção para os conhecimentos, saberes que têm
orientado as práticas dos professores, a partir de reflexões críticas sobre os problemas
enfrentados pelos professores diante do trabalho pedagógico e, sobretudo, os modos
como os administram em sala de aula. Outros autores, ainda que acompanhando análises
voltadas para questões específicas, como as competências ou a identidade do professor
(PERRENOUD,1993, 1999), (NÓVOA,1991, 1992a, 1992b), ou a questão do professor-
38
pesquisador (ZEICHNER, 1993, 1997, 1998), também têm trazido discussões importantes
acerca dos saberes docentes dos professores e de seus processos de elaboração e
apropriação.
Nessa perspectiva, uma série de estudos e pesquisas têm procurado superar a relação
linear e mecânica entre o conhecimento técnico-científico e a prática na sala de aula,
proposta pela racionalidade técnica. Começaram a revelar que o professor, para além dos
limites e insuficiência da concepção técnica de ensino, tem buscado novos instrumentos
teóricos/práticos capazes de dar conta da complexidade da sala de aula.
Acerca dos conhecimentos elaborados e mobilizados durante a ação pelos professores,
Tardif (2000) expõe que a construção desses saberes é vista, pela literatura, como um
processo contínuo, composto por diferentes etapas (pré-formação, formação inicial,
iniciação à docência e formação permanente), das quais a formação inicial é a que
representa a fase mais importante na vida do professor, por ser esse o momento no qual
constrói os saberes que servirão de base para sua prática pedagógica futura.
A esse respeito, o autor, no seu livro: Saberes docentes e formação profissional, traz-nos
as seguintes questões:
Quais são os saberes que servem de base ao ofício de professor? [...] quais os conhecimentos, o saber-fazer, as competências e as habilidades que os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas escolas, a fim de realizar concretamente as suas diversas tarefas? Qual é a natureza desses saberes? Como esses saberes são adquiridos? [...] (TARDIF, 2000, p. 9).
A essas indagações, o autor nos coloca em frente a reflexões que evidenciam as
múltiplas fontes de aquisição desse saber e seus modos de integração no trabalho
docente.
39
Nesse sentido, diz que o processo de constituição dos saberes docentes é a priori uma
construção social, que se encontra na interface entre o individual6 e o social7, acrescenta,
ainda, que os estudos sobre os saberes não podem ser separados de outras dimensões
do ensino, do trabalho realizado diariamente pelos professores de profissão, nem
tampouco de outros contextos mais amplos do estudo da profissão docente, de sua
história recente e de sua situação dentro da escola e da sociedade.
Ao situar o saber do professor, o autor sustenta que esses conhecimentos são
configurados por seis importantes fios condutores.
O primeiro fio condutor está relacionado com a estreita relação com o saber e o trabalho
dos professores na escola e na sala de aula: são as relações mediadas pelo trabalho que
fornecem princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas. O segundo está
ligado à diversidade do saber, proveniente de várias fontes, com origem diversa, ou seja,
o saber dos professores é plural, compósito e heterogêneo, por envolver, no próprio
exercício da ação docente, conhecimentos e um saber-fazer de natureza diferente, que
denomina de: saberes da formação profissional, curricular, disciplinar e experenciais.
O autor concebe, como saber da formação profissional, o conjunto de saberes
transmitidos pelas instituições de formação de professores. O saber curricular
corresponde aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos, a partir dos quais a
instituição escolar faz uma seleção, categorização, apresentando-os como modelos da
cultura erudita. A expressão saberes disciplinares refere-se aos diversos campos do
conhecimento, integrados a universidades em forma de disciplina, por exemplo,
Matemática, História, Geografia, etc. Por fim, os saberes da experiência, que
6 O autor defende que o saber é uma construção individual por considerar que o saber dos educadores é o saber deles e está associado à pessoa, a identidade, sua experiência de vida e com sua história profissional (2002). 7 Social “[...] porque sua posse e utilização repousam sobre todo um sistema que vem garantir a sua legitimidade e orientar sua definição e utilização: universidade, administração escolar, sindicato, associações profissionais, grupos científicos “[...]. Em suma, um professor nunca define sozinho e em si mesmo o seu próprio saber profissional” (TARDIF, 2000, p. 11-12).
40
compreendem os saberes específicos dos professores em seu trabalho cotidiano e no
exercício de suas funções, a partir da incorporação individual e coletiva no seu “saber-
fazer e saber-ser”.
Retomando os fios condutores, o terceiro fio condutor discutido pelo autor é a
temporalidade do saber, em que reconhece o saber dos professores como temporal, uma
vez que o saber é adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira
profissional.
O quarto fio condutor é denominado a experiência de trabalho. Como fundamento do
saber, enfoca os saberes procedentes da experiência do trabalho cotidiano dos
professores, tomando essas experiências como alicerce da prática e da competência
profissional, visto que essa é condição para produção e lapidação de seus saberes
profissionais. Esses saberes são fundados na prática cotidiana do professor e
conceituados a partir da noção de habitus,8 proposta por Bourdieu.
O quinto fio condutor refere-se aos saberes humanos, que se manifestam como eixo
central que tem orientado as pesquisas do autor, por conceber o trabalho interativo como
fonte mobilizadora entre o trabalhador e seu objeto de trabalho. Considera que, por meio
da interação humana, os atores atuam juntos em busca de entendimentos que marcam e
definem suas relações.
8 Habitus, conceito elaborado por Bourdieu: “[...] sistema de disposições duráveis e transponíveis que integrando todas as experiências passadas funciona a cada momento como uma matriz de percepções de apropriações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças as transferências analógicas de esquemas [...]” (BOURDIEU, apud FENELON,2004, p. 32).
41
O sexto e último fio, saberes e formação profissional, expressa a necessidade de
repensar a formação, tendo como base os saberes anteriores adquiridos pelos
professores, considerando as diferentes realidades específicas do seu trabalho cotidiano.
Tendo como referência esses fios condutores, Tardif (2002, p. 36) define o saber docente
“[...] como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes
oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experiências”.
Nessa perspectiva, assinala que os saberes profissionais dos professores estão longe de
serem produzidos por eles mesmos, quando defende sua temporalidade, pluralidade e
heterogeneidade.
Observamos, nos estudos de Tardif (2002), uma certa particularidade e reconhecimento à
pluralidade e à heterogeneidade do saber docente e também a valorização dos saberes
da experiência que
[...] surgem como núcleo vital do saber docente, núcleo a partir do qual os professores tentam transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relações de interioridade com sua própria prática. Neste sentido, os saberes experienciais não são saberes como os demais; são, ao contrário, formados de todos os demais, mas retraduzidos, ‘polidos’ e submetidos às certezas construídas na prática e na experiência (TARDIF, 2002, p. 54).
Nessa caracterização, o saber oriundo das experiências aparece como eixo central por
ser referência fundamental no processo de produção de outros saberes pedagógicos.
Dentro desse contexto de informação e formação, os professores constroem seus
saberes e estratégias de ensino, que vão sendo lapidados e incorporados no seu trabalho
docente a partir de situações concretas vividas pelo/no/com o grupo escolar.
Buscando desvelar os saberes9 dos professores, Tardif (2002) e colaboradores chamam
atenção a para uma “[...] epistemologia da prática profissional” 10 dos professores,
9 “Damos aqui a noção de ‘saber’ um sentido amplo, que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes, isto, é, aquilo que muitas vezes foi chamado de saber, saber-fazer e saber-ser” (TARDIF, 2002, p. 255).
42
entendida como o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos professores
no seu trabalho cotidiano e no exercício de suas funções. De acordo com o autor, é
fundamental compreender como os saberes docentes “[...] são integrados concretamente
nas tarefas dos profissionais e como eles os incorporam, produzem, utilizam, aplicam e
transformam em função dos limites e dos recursos inerentes às suas atividades de
trabalho” (p. 256).
Nessa perspectiva, Linhares (2000 p. 36) corrobora o pensamento do autor, ao afirmar
que
[...] são múltiplas as fontes destes saberes, onde a formação escolar, pedagógica, continuada e exercida em serviço, articula-se com dimensões do vivido, fora da escola, com as experiências familiar, cultural, comunicacional, social e política. [...] estas práticas e concepções de saberes docentes, circunscritas aos conhecimentos e métodos já organizados, testados e referidos, deixam escapar o que subterraneamente alimenta a produção e a escolha destes temas e destas formas de ensino, ou seja, a própria concepção de saber e, portanto, de prática pedagógica.
Essas múltiplas fontes de saberes mobilizados pelos professores, no exercício de seu
ofício de ensinar, oferecem suporte às suas práticas docentes, permitindo-lhes manter
diferentes relações na sua rotina e esquemas de trabalho. Tardif (2002), ao analisar os
aspectos sociais e individuais do saber dos professores, no âmbito do ofício e profissão,
acrescenta que é impossível falar de saber sem relacioná-lo com os condicionantes e com
o contexto do trabalho, por acreditar que
O saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com suas experiências de vida e com a sua história profissional, com suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc.
(TARDIF, 2002, p 11).
10 Partilham dessa concepção de pesquisa vários autores: Gauthier (1991, 1993, 1998); Tardif et al. (1991 1999); Zeichner (1992); Perrenoud (1993 2001); Nóvoa (1992); Raymond (2000); Hargreaves, (2000); Linhares (2000); Ludke (2000).
43
Concordando com as idéias de Tardif, Nóvoa (1992) assinala que os estudos sobre os
saberes docentes estão entrelaçados à questão da profissionalidade do professor, por
entender que essa profissionalidade traz elementos específicos na ação docente, que
considera como o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e
valores que constituem a especificidade do ser professor. De acordo com o autor, o
conceito de profissionalidade docente está em constante elaboração.
Desse modo, entende que esse conceito, permanentemente, precisa ser considerado em
função do momento histórico concreto e da realidade na qual o sujeito está inserido, ou
seja, no contexto no qual os conhecimentos se dão.
Nóvoa, valendo-se de diversos estudos produzidos atualmente sobre o trabalho docente,
aponta que o saber necessário para ensinar não pode ser reduzido ao conhecimento do
conteúdo curricular e/ou disciplinar. Defende que, para ensinar, é preciso muito mais do
que simplesmente conhecer a matéria, mas implica a compreensão das interações entre
três níveis e contextos diferentes:
a) o contexto pedagógico, formado pelas práticas quotidianas da classe;
b) o contexto profissional dos professores, que elaboram como grupo um modelo de
comportamento profissional (ideologias, conhecimentos, crenças, rotinas, etc.),
produzindo um saber técnico que legitima suas práticas;
c) um contexto sociocultural, que proporciona valores e conteúdos considerados
importantes.
Entendida nessa lógica, a prática profissional dos professores deve ser analisada de
forma a considerar seu desenvolvimento pessoal (a produção da vida do professor), o
desenvolvimento profissional (a produção da profissão docente) e o desenvolvimento
institucional (a produção da instituição escolar).
44
Nessa direção, novamente nos apropriamos das discussões de Linhares (2004, p.18)
quando discorre que:
[...] os saberes, para manterem suas vitalidades, não podem isolar-se nem da história das escolas, nem muito menos das práticas sociais políticas e econômicas e, sobretudo, da vida dos aprendentes e dos ensinantes que, afinal de contas, alternam e confluem posições. Ora é um, ora é outro que ensina, mas ambos aprendem, compartilhando vida, desafios e saberes.
Concordamos com a autora que afirma que é sob o prisma de “escola aprendente” que
precisamos pensar a construção dos saberes docentes dos professores e também de
qualquer outro profissional da educação (reconhecendo-se as especificidades de cada
fazer), para que, efetivamente, consigamos o desenvolvimento de uma epistemologia da
prática. Assim sendo, novos/diferentes olhares se abrem em frente a perspectivas de
atuação dos profissionais da educação e aos estudos no campo educacional.
Em síntese, os autores defendem a tese de que os saberes dos professores são plurais,
provenientes de diversas fontes e esse é o ponto de referência para a profissão docente,
no entanto, reconhecem que esses saberes, para serem aprendidos e integrados na
prática do trabalho, levam tempo e requerem a compreensão de que nem todos os
saberes são diretamente ligados ao professor, como os saberes curriculares, disciplinares
e de formação inicial, por serem integrados às suas práticas no decurso do exercício de
suas funções.
Para tentar dar conta do pluralismo do saber profissional, Tardif (2002) consegue, precisa
e didaticamente, concatenar um modelo tipológico de identificação e classificação dos
saberes docentes, como constam no quadro a seguir:
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Saberes dos Professores
Fontes Sociais de Aquisição
Modos de Integração no
Trabalho Docente
Saberes pessoais dos professores
Família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato, etc.
Pela história de vida e pela socialização
primária
Saberes provenientes da formação escolar anterior
A escola primária e secundária, os estudos pós-secundários não especializados, etc.
Pela formação e pela socialização pré-profissionais
Saberes provenientes da formação profissional para o magistério
Os estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de reciclagem, etc.
Pela formação e pela socialização
Profissionais nas instituições de formação de professores
Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho
A utilização das “ferramentas” dos
professores: programas, livros didáticos, cadernos de exercícios, fichas, etc.
Pela utilização das “ferramentas” de
trabalho, sua adaptação às tarefas
Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola
A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares, etc.
Pela prática do trabalho e pela socialização profissional
Quadro 1 – Os saberes dos professores (conclusão)
Fonte: Tardif, (2002, p.63.)
Colocadas algumas concepções teóricas sobre os saberes docentes, consideramos
conveniente chamar a atenção para alguns pontos alertados pelos autores, no que
concerne ao uso do termo que muitas vezes tem sido generalizado e balizado por
algumas pesquisas.
46
Concordamos com Tardif (2002) e Gauthier (1998) quando argumentam que a noção de
saberes usadas nas pesquisas sobres formação de professores ainda não é clara, que é
preciso ter cuidado para, de um lado, não banalizar o saber e, de outro, elaborar
profundas teorizações que tentam transformar o professor em cientista. Conforme Tardif
(2002, p. 98) o saber docente cotidiano “[...] está constituído tanto pelo conhecimento
científico como pelo saber da experiência”, distinguindo os saberes docentes cotidianos
dos conhecimentos adquiridos em curso de formação inicial ou continuada, visto que, na
docência, existe uma multiplicidade de aspectos que precisam ser consideradas no
processo de formação de professores.
Nesse panorama, Tardif (2002, p. 234-235) destaca que os professores são “[...] atores
competentes, sujeitos ativos”, e que a prática deles não se limita a um espaço para
aplicação de saberes provenientes de teorias, como sugerem as teorias tradicionais de
ensino11, pelo contrário, são produtores de teorias, atores competentes, sujeitos do
conhecimento e devemos considerá-los como tal.
Por situar-se num contexto amplo e complexo, o estudo da profissão docente requer que
o pesquisador estabeleça uma estreita relação entre as teorias provenientes desses
saberes, a realidade escolar e as situações nas quais os professores estão inseridos, ou
seja, no seu contexto de trabalho.
Por considerar que “[...] o trabalho dos professores de profissão deve ser considerado
como um espaço prático específico de produção, de transformação e de mobilização de
saberes e, portanto, de teorias, de conhecimentos e de saber-fazer específicos ao ofício
de professor” (p. 234), Tardif compara seu trabalho com o do professor universitário ou o
11 A concepção tradicional de ensino defende a idéia de que há separação entre teoria e prática. Vê o professor como um sujeito que aplica na prática os conhecimentos adquiridos na teoria. De acordo com Tardif (20002, p. 235), na concepção tradicional do ensino, “[...] o saber está somente do lado da teoria, ao passo que a prática ou é desprovida de saber ou portadora de um falso saber baseado, por exemplo, em crenças, ideologias, idéias pré-concebidas, etc”. Além disso, ainda segundo essa concepção tradicional, o saber é produzido fora da prática (por exemplo, pela ciência, pela pesquisa pura, etc.) e sua relação com a prática, por conseguinte, só pode ser uma relação de aplicação.
47
pesquisador da educação, ou seja, considera-os como sujeitos do conhecimento, atores
que desenvolvem conhecimentos e autores que possuem sempre teorias, conhecimento e
saberes de sua própria ação.
Nesse contexto, atenta-nos para dois perigos que podem acometer as pesquisas sobre os
saberes dos professores: o primeiro está relacionado com o mentalismo que consiste na
redução dos processos mentais, baseando-se na atividade cognitiva, por exemplo,
representações, crenças, imagens, esquemas, etc. dos professores que têm inúmeras e
variantes ramificações (construtivismo, socioconstrutivismo radical, teoria do
processamento da informação); e o segundo corresponde ao sociologismo, que eliminaria
a contribuição dos atores na construção concreta do saber, privando-os de toda e
qualquer capacidade de conhecimento em situações de sua própria ação (TARDIF, 2002).
Desse modo, o autor argumenta que devemos evitar equívocos, quando nos referimos ao
saber social dos professores, pois o “social” não quer dizer o “supra-individual”, mas um
saber em que as relações individuais e sociais são construídas com o conjunto de sujeitos
na sala de aula, na escola e na sociedade. Chamamos a atenção para a necessidade de
considerarmos os lugares nos quais os atores atuam, as instituições que os formam e/ou
onde trabalham, seus instrumentos de trabalho, suas experiências e história pessoal de
vida, ou seja, situar o saber do professor na interconexão entre o individual e o social, e
entre o ator e sistema, para que possam construir entre o social e o individual.
A partir de agora, mostraremos algumas percepções das professoras sobre a constituição
do saber. Em uma das nossas conversas, uma professora nos disse: “Ao mesmo tempo
em que sinto segurança em minha prática, sinto que também me acompanha a sensação
de um não saber”.
Essa frase, retirada do depoimento da professora Esperança, nos chamou a atenção por
ser polissêmica e reveladora das formas de apropriação do saber, pelas professoras da
Escola Municipal Deraldo Passos. Diante das questões suscitadas, somos instigada a
48
refletir sobre a dimensão coletiva construída/entendida por elas sobre os saberes
docentes. De modo geral, a fala da professora leva-nos à reflexão de que tem consciência
de que sua prática pedagógica está num constante processo de transformação. Entre os
vários sentidos que produz essa frase, um deles é o da consciência do inacabamento e
da incompletude do conhecimento.
Tal consciência permite ao professor entender que ele é um sujeito que vive num
constante processo de aprendizagem, ou seja, um aprendiz em busca da construção de
novos conhecimentos. Ao posicionar-se como um sujeito que constantemente aprende, o
professor assume a investigação como estratégia para a elaboração do conhecimento. Ao
adotar a postura de aprendiz/pesquisador, o professor tem influência tanto nos alunos
quanto nos colegas de trabalho, como um modelo a ser seguido. Fazendo nossas as
palavras da professora Milli, “É bom poder saber que podemos contar com pessoas que
compartilham o que sabe, que têm experiências e leituras diferenciadas”.
Nesse sentido, corroboramos o pensamento de Nóvoa (1992, p. 25), quando nos diz que
a teoria nos fornece [...] indicadores e grelhas de leituras, mas o que o adulto retêm como
saber de referência está ligado à sua experiência e à sua identidade”.O autor recorre a
Dominice (1990, p.149-150), que destaca:
Devolver à experiência o lugar que merece na aprendizagem dos conhecimentos necessários à existência (pessoal, social e profissional) passa pela constatação de que o sujeito constrói o seu saber activamente ao longo do seu percurso de vida. Ninguém se contenta em receber o saber, como se ele fosse trazido do exterior pelos que detêm os seus segredos formais. A noção de experiência mobiliza uma pedagogia interactiva [sic] e dialógica.
Afirma ainda que “[...] não se trata de mobilizar experiências apenas numa dimensão
pedagógica” mas também implica a constituição de um quadro conceptual de produção de
saberes e da criação de redes de trabalho, ou seja, a construção de práticas de formação
no interior da escola, que tomem como referência as dimensões coletivas para a
produção dos saberes.
49
Sobre essa proposição, Zeichner (1998) centra sua análise na valorização do saber tácito
do educador e o vê como um prático reflexivo. Afirma que a produção de conhecimento
não se dá apenas na universidade, mas principalmente no contexto onde as experiências
se efetivam. Nessa perspectiva de valorização do saber tácito, vê, na escola e no
professor, elementos importantes no processo de mudança da escola e da sociedade, por
considerar que esses são imprescindíveis na construção de uma proposta de
emancipação social e de valores éticos, presentes na prática educativa.
Essa posição o situa ao lado de autores como Gómez e Sacristán (2000, p. 373), que:
[...] se manifestam abertamente defensores de trabalhar e desenvolver na escola e na aula uma proposta ética concreta de justiça, igualdade e emancipação social nos processos de ensino e nos programas de formação de professores.
Contudo destaca a complexidade e os problemas encontrados na escola, que exige dos
educadores respostas criativas e imediatas, desafiando-os, assim, a exercitarem os
saberes mobilizados por eles no exercício de sua profissão. Segundo os autores, esses
saberes, que emergem de suas práticas, vão sendo construídos e retraduzidos à medida
que buscam respostas às situações concretas de sala de aula, o que torna o professor um
prático reflexivo.
Comungando com o pensamento de Schon (apud NÓVOA, 1992, p.27), Gomes e
Sacristán defendem que é preciso investir positivamente nos saberes dos quais os
professores dispõem, pois os problemas da prática exigem que eles tomem decisões
complexas, “[...] num terreno de incerteza, singularidade e de conflito de valores”. Chama-
nos a atenção para o fato de que os problemas da prática dos professores não são
meramente instrumentais e que a lógica da racionalidade técnica, que contraria o
desenvolvimento de uma prática reflexiva, tende a legitimar a razão instrumental.12 Por
isso, diz que é preciso trabalhar na “[...] dinamização de dispositivos de investigação-ação
12 A razão instrumental mobiliza seus esforços para a racionalização do ensino, a partir da valorização dos saberes científicos e da não valorização dos saberes, das experiências e da prática dos professores.
50
e de investigação-formação” com os profissionais da escola, para que possam dar corpo à
apropriação dos saberes que são chamados a mobilizar no exercício de sua profissão.
Diante disso, entendemos que a prática da investigação/ação são movimentos que devem
ser constantemente mobilizados pelos professores, por possibilitar a “[...] articulação entre
a prática e a reflexão sobre a prática, e uma formação de tipo investigativo, que confronte
os professores com a produção de saberes pertinentes”, conforme Perrenoud e Elliott,
citados por Nóvoa (1992, p. 28, grifos do autor). Assim sendo, exige-se dos professores a
compreensão de que a investigação/ação deve ser compartilhada com outros membros
da escola e da comunidade, de forma que todos se apropriem de conhecimentos que
contribuam para a resolução de problemas que surgem no contexto escolar.
Tal entendimento tem nos auxiliado a entender que os saberes, além de se constituírem
mediante a investigação, constroem-se pelas experiências inovadoras, de práticas
alternativas na escola, da interação e colaboração dos seus membros, que envolvem
colegas de profissão, profissionais externos e famílias nesse processo.
Conforme argumenta Mery:
O educador precisa despertar nos seus alunos o gosto pela aprendizagem. À medida que vamos trabalhando com os alunos, vão nos ajudando a pensar outras coisas, outras referências. A leitura em família que adotamos com eles, por exemplo, foi algo que nos aproximou mais dos alunos e dos seus familiares. Poder compartilhar hoje com vocês [professores, pedagogo e equipe multidisciplinar], também é algo muito significativo (DIÁRIO DE BORDO).
As professoras Carmem e Esperança exprimiram suas idéias sobre esse aspecto.
Acreditavam que o comprometimento/envolvimento dos profissionais e das famílias no
desenvolvimento das ações coletivas da escola poderia disparar perspectivas
promissoras na construção dos saberes das professoras, conforme mostram os
comentários das professoras a seguir:
O envolvimento da equipe multidisciplinar nas questões que envolvem o ensino das crianças movimenta o trabalho do professor e, conseqüentemente, o conhecimento que ele precisa mobilizar para ensinar os alunos. Outra coisa, quando a família se envolve ou deixa-se
51
ser envolvido pelo professor, o trabalho flui, pois há uma troca entre escola e família. Além de o aluno adquirir mais conhecimento, ambos aprendem cada vez mais com a troca.
Quando estamos refletindo coletivamente a coisa é muito mais prazerosa, sabe, essas experiências que foram passadas [experiências de sala de aula da professora Esperança e Mery] trazem conhecimento pra gente [professor], que está em sala de aula, que muitas vezes vivencia problemas parecidos. Essas experiências, de sala de aula que na maioria das vezes ficam entre as quatro paredes da sala, estão conseguindo ajudar outros professores. Tá entendendo o que queremos dizer? Será que podemos continuar com essa prática mesmo depois da pesquisa?
Examinando a fala das professoras, “Será que podemos continuar com essa prática
mesmo depois da pesquisa?”, percebemos uma postura reflexiva que se constrói a partir
da prática colaborativo-crítica dos profissionais da escola e a tentativa de mudança na
relação dos professores com os familiares dos alunos. Os movimentos de mudanças, na
postura das professoras, sobretudo em relação à necessidade de busca por socialização
e troca de saberes, permite-lhes construir comunidades autocríticas de investigação, por
disparar um processo de trocas intersubjetivas ao longo de sua prática.
Considerando os diferentes percursos e vivências das professoras em relação aos
conhecimentos mobilizados durante todo o percurso de suas práticas em prol do
desenvolvimento e da aprendizagem dos alunos e da sua própria aprendizagem,
concordamos com Tardif, quando nos diz que a maior importância dos saberes da
experiência reside no fato de que eles podem funcionar como um “filtro” dos outros
saberes, na consolidação de um “novo saber”, ou seja, “[...] um saber formado de todos
os saberes retraduzidos e submetidos ao processo de validação constituído pela prática
cotidiana” (2002, p. 231).
Almeida (apud CAPELLINI, 2004, p. 70) afirma que a reflexão da própria prática tem sido
considerada, nos últimos anos, como um contínuo na atividade docente para a sua
qualificação profissional, por considerar que:
A idéia de desenvolvimento profissional permite redimensionar a prática profissional do professor, colocando-a como resultante da combinação
52
entre o ensino realizado pelo professor e sua formação contínua, as condições necessárias ao seu desempenho e a sua formação e a quebra de isolamento profissional que impede a transmissão de conhecimento entre os professores. Entendida dessa forma, a prática profissional implica então na atuação coletiva dos professores sobre suas condições de trabalho, incitando-os a se colocarem em outro patamar de compromisso com o coletivo profissional e com a escola [...].
O professor deve ser reconhecido como um profissional reflexivo, ou seja, criador de
estratégias de ensino. Nesse sentido, as professoras Esperança, Mery e Mily
reconhecem, que o trabalho docente deve ser baseado num contínuo de formação
pedagógica que deve ocorrer ao longo de sua carreira profissional, por apresentar
múltiplas dimensões que vão muito além dos métodos científicos, como consta no relato:
Acho que o professor sabe muito, e até busca estratégias para desenvolver seu ensino. A questão é que quando se vê desafiado a atender à diversidade [quando fala de alunos com deficiência] a coisa pega. Ensinar esses alunos tem seu ponto positivo e negativo. O positivo é que, você aprende muito. O negativo é que até você conseguir dar conta de aprender para ensinar, o ano já foi.(PROFESSORA MERY).
A gente perde e ganha, mas o perder que me refiro, é o tempo que o aluno ‘perde’ até o professor aprender. É por isso que defendemos que precisamos de ajuda, de colaboração de outros profissionais. Talvez com isso o que agente busca é ver mais ponto positivo que negativo e, na ansiedade, destaca-se o negativo. Mas com certeza o negativo também nos faz crescer como pessoa e profissional. (PROFESSORA MILY).
2.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA COMO DISPOSITIVO PARA A RETRADUÇÃO E
VALIDAÇÃO DOS SABERES DOCENTES
Em relação às múltiplas dimensões do trabalho pedagógico dos professores,
encontramos, no uso da expressão “ensinar esses alunos”, pontos positivos e negativos,
no que tange à extensão da complexidade de suas práticas. A expressão utilizada pelas
professoras revela a dimensão de um saber da experiência, que é marcado por suas
vivências cotidianas, pautados num fazer em que se presentificam tentativas, erros e
53
acertos. Para essas professoras, esses saberes da prática, muitas vezes, se justapõem
aos saberes ditos organizados e validados cientificamente.
Esse potencial captado pelas professoras é destacado por Zeichner, Sacristán e Tardif,
quando afirmam que os saberes teóricos não se limitam às produções das academias e
dos cursos de formação, ao contrário, são formados de todos os demais, porém
retraduzidos, polidos e submetidos às certezas construídas na prática e no vivido.
Como exemplo disso, citamos o pensamento de Tardif (TARDIF, 2000, p. 213), quando
diz que:
[...] os professores se referem também a conhecimentos sociais partilhados, conhecimentos esses que possuem em comum com os alunos enquanto membros de uma sala de aula. Nesse mesmo sentido, sua integração e sua participação na vida cotidiana da escola e dos colegas de trabalho colocam igualmente em jogo conhecimentos e maneiras de ser coletivos, assim como diversos conhecimentos do trabalho partilhado entre os pares, notadamente a respeito dos alunos e dos pais, mas também no que se refere a atividade pedagógicas, material didático, programas de ensino, etc.
Nessa direção, Nóvoa (1992) defende a idéia de que a escola não é um lugar no qual o
professor ensina, mas também é um lugar onde se aprende. O contexto da instituição
influencia o desenvolvimento pessoal e profissional do coletivo de professores. Por isso, o
autor enfatiza que a aprendizagem é um processo contínuo em nossa profissão, por
constituir-se dois pilares: a própria pessoa do professor, como agente, e a escola, como lugar
de crescimento profissional permanente. Enfatiza que não devemos perder de vista que estamos
passando de uma lógica que separava os diferentes tempos de formação, privilegiando
claramente a inicial, para a outra que percebe esse desenvolvimento como um processo contínuo.
Assim sendo, devemos considerar a formação docente como um ciclo que abrange desde a
experiência do docente como aluno (educação de base), como aluno mestre (graduação), como
estagiário (práticas de supervisão), como iniciante (nos primeiros anos da profissão) e como titular
(formação continuada). Segundo autor, esses momentos só serão formadores se forem objeto de
um esforço de reflexão permanente (NÓVOA, 1992).
54
Com respeito à formação continuada, a professora Mery reconhece a indissociabilidade
na relação entre teoria e prática e a necessidade de concebê-la como um contínuo,
conforme esclarece este trecho:
A prática e a teoria têm que andar juntas, pois o professor trabalha com seres humanos, que têm sentimentos, vivem em espaços diferentes e tem diferentes necessidades educacionais especiais. Não há dúvida de que precisamos estudar continuamente para darmos conta dos nossos alunos, mesmo aqueles que não têm deficiência. Precisamos exercitar a bendita reflexão de que os autores sempre falam. Deixo de fazer muitas coisa porque penso demais, me preocupo com o que faço, para que faço e que efeito está surtindo, sabe?
A reflexão da professora traduz uma postura que reflete a compreensão que tem acerca
de formação continuada como um espaço para a vivência de “[..] situações que
possibilitem a reflexão e a tomada de consciência das limitações sociais, culturais e
ideológicas da própria profissão docente” (GIMENO apud NÓVOA, 1992, p. 54) e do que
entende por necessidades educacionais especiais.13 Essa reflexão também evidencia um
processo de amadurecimento em sua formação, no que se refere ao procedimento de
atender à diversidade dos sujeitos que apresentam necessidades educacionais especiais
no seu processo de escolarização.
Na escola pesquisada, um aspecto marcante, na busca por formação em contexto, revela-
se a partir das experiências compartilhadas entre a equipe multidisciplinar e as
professoras da escola, que, desde o início da pesquisa, mostram um querer/fazer-se
pesquisadores nos seus processos coletivos de elaboração/construção do conhecimento.
Embora, em seus depoimentos, apontem a valorização do saber experiencial, os
professores não rejeitam o saber elaborado, pelo contrário, valorizam-no. A equipe
multidisciplinar, por sua vez, reintegra a importância de investir nos momentos para
13 Para conceituar necessidades educacionais especiais, respaldamo-nos em Bueno (2005, p.39) quando nos diz que o termo “necessidades educacionais especiais” não se restringe somente à população com deficiência, mas “[...] refere-se a todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem de suas capacidades ou de suas dificuldades de aprendizagem[...]. Assim, o termo “necessidades educativas especiais” abrange com certeza, a população deficiente mas não se restringe a ela. Tanto é assim, que seu princípio fundamental é de que as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras” (BUENO, 2005, p. 7).
55
reflexão/discussão das práticas pedagógicas, como mostram os relatos dos profissionais
da equipe multidisciplinar:
A formação continuada é um espaço que precisa ser instituído na escola, pois são nesses momentos de discussão que formamos e somos formados, ou seja, socializamos nossos conhecimentos e, ao mesmo tempo, aprendemos questões da pedagogia.
Precisamos de formação de caráter pedagógico para nós da equipe e também vejo para diretores que ainda não concebem na sua função elementos da Pedagogia. Parece-me que se preocupam mais com questões administrativas, organizacionais do que com as questões que envolvem os processos pedagógicos. Fico pensando que a formação dos professores, e a nossa, poderia se dar de forma mais contextualizada.
Temos o exemplo de que esse momento para reflexão de nossas práticas dá certo, de que é por ai. Esses encontros, por exemplo [encontros do grupo de estudo/reflexão] que passaram a acontecer a partir da pesquisa de Wirlandia poderia ser algo que estivesse acontecendo desde o ano passado.
A temática formação continuada foi bastante recorrente no discurso dos profissionais das
equipes multidisciplinares. Observamos que falaram de momentos para a reflexão das
práticas pedagógicas dos professores e se referiam à necessidade de buscar
conhecimentos que subsidiassem a sua própria prática. A necessidade de recorrer a
outras fontes de conhecimento aparece também nas falas da equipe multidisciplinar.
Nesse sentido, apoiamo-nos em Jesus (2006), quando nos diz que cada profissional
deve/pode articular conhecimentos teóricos e práticos de forma a considerar o
social/profissional, na busca por promover constantemente processos reflexivos sobre
suas concepções e atuações profissionais.
Assim sendo, entendemos que a dimensão complexa e plural presente nas falas dos
profissionais realça a necessidade de buscar entender as condições sociais de produção
em que vivem os professores e, sobretudo, pensar em como potencializar seus saberes,
considerando-os na sua subjetividade. Essas expressões nos fazem pensar na urgência
de aprofundar discussões na formação de professores e na formação de profissionais da
educação, de forma geral, sobre a indissociação teórico-prática, para que eles sejam
56
capazes de criar condições adequadas à escolarização de todos os alunos, incluindo
aquelas que apresentam necessidades educacionais especiais.
Nesse sentido, tendo em vista as peculiaridades dos conhecimentos produzidos pelos
professores no âmbito da sua prática e o reconhecimento dos profissionais das várias
dimensões que compõem seus fazeres, concordamos com Prietro (2006, p. 2-3):
O recomendável é que o planejamento da formação dos professores parta das necessidades elencadas pelo público alvo, reunidas, preferencialmente, em consultas diretas aos profissionais, e atenda aos propósitos estabelecidos pelo sistema de ensino.
Os cursos de formação inicial e continuada devem qualificá-los para analisar diversas situações que envolvem processos de ensino e de aprendizagem e para propor alternativas adequadas a cada uma delas, visando a garantir o direito de todos à educação de qualidade.
Para tanto, é necessário investir em políticas públicas de formação inicial e continuada
dos profissionais da educação, para que eles possam ter condições de construir caminhos
alternativos que lhes permitam responder positivamente às demandas imediatas e
contínuas de todos os alunos e, principalmente, daqueles que apresentam necessidades
educacionais especiais por deficiência.
2.3 A COLABORAÇÃO PARA ALÉM DO SENTIDO DE AJUDAS E CONSENSOS: UM
ESPAÇO PARA A REFLEXIVIDADE
Tomamos, como ponto de partida, a questão deflagrada pelo título acima. Assim sendo,
assumimos o trabalho colaborativo como algo muito além do sentido que nos sugere a
palavra, exigindo-nos problematizar o sentido mais amplo do significado de colaboração,
instigando-nos a pensá-la principalmente como um espaço favorável para ações
reflexivas. Quando somos instigados a refletir a respeito da matéria- prima dos processos
de reflexividade e do tipo de conhecimento que precisa ser aplicado no trabalho
57
colaborativo, logo nos vem a necessidade de pensar como são produzidos esses
processos no cotidiano do professor, no desenvolvimento de suas ações diárias.
A esse respeito, entendemos ser necessário retomar algumas falas das professoras
Esperança, Mery e Any,14 quando se referem aos saberes mobilizados pelos professores
no atendimento à diversidade, tendo como foco o trabalho colaborativo:
Quando comecei a trabalhar, achava que não fosse dar conta. Achava difícil lidar com a diversidade na sala de aula. À medida que fui me deparando com os problemas, fui buscando respostas a partir da troca com os colegas de trabalho, com a pesquisadora, com os livros que me emprestou pra ler e com a professora de apoio que é minha grande aliada, fui adquirindo saberes que foram complementando minha prática (PROFESSORA MERY).
No começo, não ficava muito à vontade com a professora de apoio na minha sala. Achava que a presença dela me constrangia, principalmente porque meus alunos eram indisciplinados e por não saber muito bem atender Katy [aluna deficiente mental] nas suas especificidades, mas à medida que vi que estava ali para me ajudar, e que a ajuda dela me fazia crescer como profissiona,l por ter mais experiência, fui me sentido mais à vontade (PROFESSORA ESPERANÇA).
Sabe, agente nunca pára de aprender. Tenho aprendido com meus filhos, com minha mãe, com meus alunos e também com meus colegas de trabalho.[trabalhar com Peticha foi e se pegá-la o ano que vem vai ser ainda um desafio] De tudo tiramos lições [conhecimentos] que nos servem para vida (PROFESSORA ANY).
Observamos, nos relatos das professoras, as conexões entre os saberes mobilizados por
elas, associados a práticas pautadas por um trabalho colaborativo-crítico, realizadas no
cotidiano, a partir de olhares prospectivos de superação de práticas tradicionais.
Trabalhar colaborativamente impõe às professoras uma série de desafios que nem
sempre são fáceis de serem superados, pois, no processo de constituição dos seus
saberes-fazeres, vivenciam movimentos de continuidades e rupturas (MEIRIEU, 2002)
que, naturalmente, vão sendo produzidos no desenrolar das práticas pedagógicas.
14 Professora de apoio.
58
Ao tratar do processo de constituição da prática pedagógica do professor, Capellini (2004)
coloca que parece claro que os professores, no seu cotidiano, precisam aderir a uma
atitude constante de práticas colaborativo-reflexivas sobre seu fazer, num processo de
repensar seu ensino, para que possam ir constituindo, no seu fazer, os saberes de que
precisam para seu fazer pedagógico.
A autora ressalta a necessidade de o:
[...] professor desenvolver a competência para tomar sua própria atuação como objeto de reflexão, tornando esse processo um componente fundamental de sua contínua formação profissional. Essa tematização da prática, como processo permanente de formação profissional, implica uma preocupação cotidiana de leitura no contexto do qual as ações pedagógicas propostas [...]. Essa leitura e reflexão são necessárias para que o professor tenha condições de avaliar permanentemente suas ações, tomando decisões sobre a melhor forma de intervenção [...] (p. 71).
Por meio da reflexão crítica sobre seu ensino, o professor passa a problematizar sua
prática, revendo constantemente suas ações em sala de aula. A partir desse olhar,
Zeichnner (1998) nos diz que a prática docente precisa ser analisada no contexto em que
se realiza. Desse modo, entendemos que a formação dos professores se dá
principalmente nos seus contextos de formação, por considerarmos, como nos sugere
Nóvoa (1992, p. 38), que:
[...] a formação não se constrói por acumulação de(cursos de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexão crítica sobre práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa e dar ‘status’ ao saber da experiência.
Diante disso, o autor argumenta que talvez fosse o caso de dar ouvido a afirmação de
Jennifer Nias (1992, p. 25), quando nos diz que “[...] o professor é a pessoa; e uma parte
importante da pessoa é o professor”. A partir dessa perspectiva, considera importante
investir numa formação em contexto que considere três eixos estratégicos: a pessoa do
professor, e sua experiência; a profissão e seus saberes e a escola e seus projetos, num
59
processo interativo e dinâmico que possibilite ao professor desempenhar seu papel de
formando e formador.
Nessa direção, Jesus, (2002, p.32) nos diz que muito se tem discutido a respeito da crise
de identidade dos professores, sem que se considere o quanto o paradigma processo-
produto, que ainda vigora em nossa sociedade, colabora para a intensificação da
“separação entre o profissional e o pessoal” e que “[...] o processo de transposição desta
atitude do plano científico para o plano institucional contribui para intensificar o controlo
[sic] sobre os professores, favorecendo o seu processo de desprofissionalização
(NÓVOA, 2000, p.15).
Em nossa pesquisa, essa questão se fez presente, principalmente, no que diz respeito
aos processos vivenciados pela professora Esperança que, tendo chegado recentemente
à escola, encontra-se em frente a uma complexa realidade no contexto de sala de aula e
da escola, que a desafia a experimentar situações novas de aprendizagem, ao mesmo
tempo em que a coloca à prova no desempenho de seu ofício, “[...] realçando a dinâmica
complexa de sua história pessoal e profissional” (JESUS, 2002, p.33).
Se, por um lado, o paradigma processo-produto contribui para reforçar o processo de
transposição desta atitude do plano científico para o plano institucional, contribuindo para
a intensificação do controle sobre os professores, favorecendo o seu processo de
desprofissionalização, por outro, reflete a necessidade de, cada vez mais, os professores
buscarem trabalhar colaborativamente, intensificando seus processos de constituir-se
profissionais críticos, capazes de assumir a tarefa de construir caminhos, contando com a
ajuda de outros, que os ajudarão a pensar e agir com o outro.
Sob esse prisma, Sacristán (1999, p. 105) diz:
Pensar e agir refletem um no outro. Quando essa distância é alcançada, o pensamento pode incidir sobre a ação, e a reflexão pode ser um mecanismo de aperfeiçoamento tanto dos esquemas e representações mentais como do saber fazer. Existe uma posição cada vez mais sólida
60
em torno do princípio de que o ensino será modificado e aperfeiçoado na medida em que os professores compreendam melhor o mundo das ações, fazendo aflorar e aperfeiçoando seus esquemas, ao mesmo tempo em que se aperfeiçoam como professores, e isto não será alcançado sem entender como os professores dão sentido à prática.
Nessa direção, os estudos de autores como (Pimenta, 2002 e 2005); Alarcão, (2001),
Jesus (2002 2004), Capellini (2004) Ainscow (1997), Porter (1997), dentre outros autores,
têm trazido contribuições significativas.
Pimenta (2005), no seu texto Pesquisa-ação crítico-colaborativa: construindo seu
significado a partir de experiências com a formação docente, nos faz refletir sobre o
processo de reconfiguração do sentido e do significado da pesquisa-ação como pesquisa
crítico-colaborativa. A partir de duas experiências de pesquisa, coloca que, para
compreendermos como se dá o processo do saber-fazer docente, é fundamental
estarmos junto ao professor, e que, a pesquisa colaborativa, tem esse objetivo, visto que
procura criar nas escolas uma cultura de reflexão crítica das práticas que são
desenvolvidas pelos professores, a fim de criar condições de parceria e colaboração entre
os docentes da universidade e os professores nos seus fazeres cotidianos, contribuindo
para a transformação de suas ações e práticas institucionais (ZEICHNER, 1993)
A questão de como se dá o processo de construção do saber-fazer docente ao lado da
reflexão sobre a formação do professor sustenta/fundamenta a temática vivenciada por
esse grupo de pesquisa. A autora, citando Kincheloe (1997, p.197), diz que essa temática
desvela a necessidade de “[...] pensar sobre nosso pensar, porque exploramos a nossa
própria construção da consciência, nossa auto-produção, mas, principalmente,
necessidade de compartilhar nossos pensamentos para engajar-nos em uma prática
pedagógica mais efetiva, mais educativa”.
Nesse sentido, passamos a pensar a prática da colaboração, para além dos sentidos de
“apoios e ajudas”, como uma ferramenta capaz de produzir movimentos de reflexividade.
Para tanto, é fundamental pensarmos na grande fertilidade que compõe o conceito de
61
colaboração. Essa fertilidade está no fato de que toda e qualquer atividade (co)laborativa
“[...] não é algo linear ou harmônica” (MONTEIRO, 2000, apud PIMENTA; MOURA, 2002,
p.124), pois a colaboração, vista nesse âmbito, vai além de práticas consensuais,
envolve, nos termos dos autores, “labor” intelectual.
Desse modo, apropriamo-nos da posição teórica da autora, quando discute a proposição
do professor reflexivo, baseando-se no princípio do sentido de “labor”15 trazido da
mitologia grega. Para embasar nossa atitude de pensar o trabalho colaborativo para além
de uma proposta de “ajudas e apoios”, sustentamos a necessidade de olhar os vários
vieses que perpassam a prática docente, quando somos chamados a “[...] pensar um tipo
de formação e ação docentes apoiados nos conceitos (a meu ver, digo de novo) férteis de
pesquisa colaborativa e ensino reflexivo” (MONTEIRO, 2001, p.126).
A autora traz a fertilidade que está implícita no trabalho aqui entendido como, trabalho
colaborativo-reflexivo.
Quando a autora analisa o termo labor, como uma “[...] atividade rica, por tangenciar a
própria condição humana” (124), abre espaço para o indivíduo pensar sua singularidade,
analisando-a com o outro e com o mundo, produzindo sentidos e significados a partir do
15 Pimenta, no seu livro: Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica (2002), inicia uma discussão voltada para o entendimento do termo “labor” a partir de estudos pautados na teoria grega, baseados no trabalho de Hesíodo, quando escreve um de seus poemas sob o título: Os trabalhos e os dias. Assim, em Hesíodo, o termo ergon significa trabalho – usado como atividade de guerra, usado também no sentido de produção, ligado à propriedade, riqueza, pressão. Podemos dizer que, no grego, trabalho é um tipo de ocupação com seus próprios negócios. Homero usa o termo no sentido de uma “façanha de guerra”. A palavra labor(ponos), do verbo pénomai, significa trabalho duro, faina. Em Platão significa um tipo especial de labor: o exercício do corpo. Em Heródoto, labor tem sentido de tensão, problema, dor, sofrimento. Hannah Arendt (1999) aponta uma distinção entre duas palavras que podem nos ajudar na conceitualização da prática reflexiva: a diferença entre labor e trabalho. Dewey afirma e Zeichner dá destaque à idéia de que a reflexão não pode ser reduzida a qualquer operação mental; requer “esforço consciente e voluntário” ou seja, tem método e intenção. Podemos dizer que a reflexão é um tipo de labor intelectual.
62
logus,16 que é ponto de referência para as análises que serão desenvolvidas neste
trabalho.
Dentro dessa leitura, os olhares para as nossas questões pedagógicas foram tomando
outras formas. Além de propor o trabalho colaborativo nesta pesquisa, interessamo-nos
também por analisar a reflexão proposta na atuação dos professores e de alguns
profissionais da escola, no que tange ao movimento de colaboração efetivada entre eles.
Passamos a buscar outras pesquisas que tinham como objeto alguns desses elementos
relacionados com o trabalho colaborativo-reflexivo na constituição das ações do
professor, como as publicações de Pimenta (2002). Nesse texto é realizada uma
discussão voltada para o conceito de professor reflexivo, no que tivemos a chance de
refinar nosso objeto de pesquisa, com os olhares focados em nosso problema.
Assim, iniciamos com Pimenta (2002), realizando uma análise sistemática interessante
sobre as raízes fundastes desse conceito, e também com Alarcão (2001) que nos ajuda a
pensar como o trabalho do professor pode ser reelaborado a partir da “reflexão sobre a
ação e na ação” com base em um trabalho pautado por práticas colaborativo-críticas.
Nesse sentido, Pimenta (2000, p. 44) discorre sobre a necessidade de se construir
escolas reflexivas muito mais que professores reflexivos. Por que a proposição de escola
reflexiva, ao invés de professor reflexivo? De acordo com a autora, por entender que a
idéia de professor reflexivo se baseia na: vontade, no pensamento, em atitudes de
questionamento e curiosidade, na busca da verdade e da justiça um ato próprio,
específico de cada ser humano (PIMENTA, 2002).
E a escola reflexiva, por tomar a dimensão de uma organização (escolar) que
continuamente pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, se 16 O lógus (reflexão), de acordo com a mitologia grega, é filho, produto da luta. Para a sabedoria mítica grega, a fala (logos) tem sua origem na luta, na discórdia, no conflito.
63
confronta com o desenrolar de sua atividade em um processo heurístico simultaneamente
avaliativo e formativo (ALARCÃO, 2001, p.25).
Assim sendo, para além de um ato individual e específico de cada profissional, a escola
reflexiva pressupõe a reflexividade do grupo que a constitui, dada a complexidade
presentificada na comunidade escolar em sua organização, requerendo a participação de
todos que ali atuam. Buscaremos, nesse sentido, discutir a idéia de escola reflexiva como
uma instituição que
Não é gestada, telecomandada do exterior, mas auto gerida, com seu projeto próprio, construído com a colaboração dos seus membros, sabendo para onde quer ir, avaliando-se permanentemnte na sua caminhada, contextualizando na comunidade que serve e interage,acreditando nos seus professores (ALARCÃO, 2003, p.38).
Partindo desse pressuposto, as ações coletivas são construídas com o conjunto de
profissionais que da escola fazem parte, visto que
[...] é neste local, o seu local de trabalho, que ele, [...] com os outros, seus colegas, constrói a profissionalidade docente. [...] a escola, esta tem de ser organizada de modo a criar condições de reflexividade individuais e coletivas (ALARCÃO, 2001, p.44).
Sendo assim, como contribuir com a escola para que ela tenha condições de criar
espaços de reflexividade? Pimenta (2002) destaca que é preciso garantir certas
condições no ambiente de trabalho escolar e nas relações entre o grupo de formadores
de educadores e de professores. É necessário aceitar que o professor precisa ter mais
controle sobre suas condições de trabalho. É preciso valorizar ações conjuntas, projetos
coletivos, capazes de modificar os contextos escolares, criando uma comunidade de
professores críticos, revendo as relações entre a universidade e as escolas,
reconhecendo e respeitando os conhecimentos práticos dos bons professores, vozes
ainda ausentes na literatura científica sobre o ensino (ZEICHNER, 1993, apud PIMENTA,
2002).
64
Nesse sentido, entendendo a escola como um lugar privilegiado de construção de
subjetividades coletivas, capaz de reforçar ou destruir concepções arraigadas a respeito
das diferenças, concordamos com Alarcão (2001, p.18) quando afirma:
O agir profissional do professor tem de ser, na atualidade [...] como entidade coletiva (e não como indivíduos isolados) tem de construir -se no diálogo do trabalho com os outros na sua ação de objetivos comuns. Nesse espírito, o professor deixa para trás o individualismo [...] e se assume como parte ativa de todo o processo.
Nessa linha de pensamento, Zeichner (1992, apud ALMEIDA, 2004) acredita que a prática
reflexiva como prática social só pode se realizar em coletivo, o que leva à necessidade de
transformar as escolas em comunidade de aprendizagem nas quais os professores se
apóiem e se estimulem mutuamente.
Nesse sentido, alguns autores vêm traçando conceitos a respeito da reflexividade, que
valem a pena aqui ressaltar, por serem fundamentais neste trabalho.
De acordo com McCarthy (1987, apud PIMENTA, 2002), refletir criticamente significa
colocar-se no contexto de uma ação na história da situação, participar em uma atividade
social e tomar postura ante os problemas. Significa explorar a natureza social e histórica,
tanto de nossa relação como de atores nas práticas institucionalizadas da educação,
como da relação entre nosso pensamento e nossa ação educativa.
Para Libâneo (apud PIMENTA, 2002, p. 55), reflexividade é uma característica dos seres
racionais conscientes; todos os seres humanos são reflexivos, todos pensamos sobre o
que fazemos. A reflexividade que vem do termo original latino “[...] ‘reflectere’ - recurvar,
dobrar, ver, voltar para trás, é uma auto-análise sobre nossas próprias ações”.
Assim, precisamos pensar o ato reflexivo como uma ação mais ampla, uma ação que se
constitui de formas variantes e desafiadoras de aprendizagem que se presentificam nos
atos desenvolvidos pelo ser humano.
65
Ainda discorrendo sobre o tema, Pimenta (2002) aponta que a mera reflexão sobre o
trabalho docente de sala de aula é insuficiente para uma compreensão teórica dos
elementos que condicionam a prática profissional, por acreditar que a formação passa
sempre pela mobilização de vários tipos de saberes: saberes de uma prática reflexiva,
saberes de uma teoria especializada, saberes de uma militância pedagógica
(PERRENOUD, 1993; ZEICHNER, 1993, apud PIMENTA, 1997). Também, conforme
Nóvoa (1992), o processo de formação crítico-reflexivo implica produzir a vida do
professor (desenvolvimento pessoal), produzir a profissão docente (desenvolvimento
profissional) e produzir a escola (desenvolvimento organizacional).
Nesse sentido e pensando nos enfrentamentos que tanto os professores da sala comum
quanto os professores de apoio vivenciam no complexo que é o cotidiano escolar, os
professores têm que repensar o seu papel e, ainda, para não se sentirem ultrapassados,
precisam urgentemente se recontextualizar na sua identidade e responsabilidade
profissional. Na mesma lógica das capacidades e das atitudes que pretende ajudar a
desenvolver nos alunos, o professor tem, também ele, de se considerar em um constante
processo de autoformação e identificação profissional (ALARCÃO, 2004).
Assim, consideramos a discussão da reflexividade como ponto fundamental na prática
educativo-colaborativa no contexto escolar, por entender ser o trabalho colaborativo
proporcionador de reflexividade e, também, por compreender, conforme nos explicita
Schon (apud PIMENTA, 2002, p.19),
[...] que uma formação profissional baseada numa epistemologia da prática, ou seja, na valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimento, através da reflexão, análise e problematização desta, não condiz com um conhecimento que precede da prática, mas que está implícito, interiorizado na ação”, a partir de práticas coletivas.
Entendemos que nenhum conhecimento é suficiente para responder à complexidade que
se presentifica no contexto escolar em frente a situações novas que se extrapolam no dia-
a-dia da escola. Nesse panorama, reportamo-nos às idéias de Alarcão (2001), que nos
66
diz que, ao estudar a atitude de práticas reflexivas, o professor deve atuar numa reflexão
na ação e, para além disso, numa reflexão sobre a ação.
No primeiro caso, o processo de reflexão dos profissionais se dá no desenvolvimento da
sua própria ação sem a interromperem (ALARCÃO, 2001). Nesse caso, o professor
estaria provocando uma discussão a partir da situação vivenciada. No segundo, a ação é
recuperada mentalmente a posteriori, para ser analisada. A reflexão estaria sendo
processada após a concretização da prática. Em ambas as situações a reflexão cede
normalmente lugar à reestruturação da acção [sic]. Com isso, abre perspectiva para a
valorização da pesquisa na ação, o que se configura numa prática característica de
profissionais pesquisadores de sua própria prática.
A idéia de o professor ser pesquisador de sua própria prática nos remete a pensar na
importância do investimento em pesquisas que nos ajudem a refletir criticamente sobre
formas de lidar com a diversidade dos alunos com necessidades educacionais especiais
e, possivelmente, com os demais profissionais imbricados nesse processo, pois,
corroborando o pensamento de Alarcão (2001, p. 25), entendemos que,
Se a escola como instituição não quiser estagnar, deve interagir com as transformações ocorridas no mundo e no ambiente que a rodeia. Deve entrar na dinâmica automarcada pela abertura, pela interação e pela flexibilidade. Nesse processo, encontrarão amigos críticos, desafios, propostas de colaborações. E nesse mesmo processo se desenvolverá.
Entretanto, a proposta de transformar as escolas em comunidades críticas encontra
obstáculos à sua concretização, devido às atitudes de resistência à mudança e à
burocratização do sistema (PIMENTA, 2005). Nesse sentido, temos observado que
essas atitudes de resistência mostram, por um lado, concepções construídas ao
longo da história que deixaram marcas profundas na prática do professor; por outro
lado, indicam um vácuo grande em relação à formação desses profissionais, no que
diz respeito ao atendimento à diversidade e ao compartilhamento (entendido
também como momentos conflitantes) de saberes/fazeres.
67
Sendo assim, a reflexividade passa a ter significado a partir das interações e das
transformações ocorridas no contexto. Nesse processo, está em jogo a capacidade e o
interesse dos profissionais de buscarem conhecimentos que lhes possibilitem atribuir
sentido à sua prática.
Seguindo essa mesma linha de pensamento, Jesus (2005) coloca que, se quisermos uma
escola que atenda à diversidade, uma escola inclusiva, precisamos pensar com o outro,
ou seja, agir com o outro. Precisamos de um processo longo e constante de reflexão-
ação-crítica em colaboração com os profissionais que fazem o ato educativo acontecer.
Assim entendida, a formação constitui não só um processo de aperfeiçoamento
profissional, mas também um processo de transformação da cultura escolar, em que
novas práticas participativas e de gestão democrática vão sendo implementadas e
consolidadas. Dessa forma, a formação de professores reflexivos configura um projeto
pedagógico emancipatório (KINCHELOE, 1997; PIMENTA, 1998, 1999, apud PIMENTA,
2002).
Assim sendo, podemos ressaltar que os trabalhos realizados/desenvolvidos com os
profissionais da EMEF Deraldo Passos desencadearam movimentos que deram fluência à
pesquisa proposta, possibilitando ao grupo escolar vivenciar processos colaborativo-
críticos dentro das possibilidades que o contexto e as dinâmicas de trabalho nos
permitiram. Os atos colaborativo-críticos entre os profissionais da escola têm muito a
contribuir para a fomentação de políticas públicas no município, “[...] que seguindo os
mesmos percursos da escola inclusiva, se constrói diariamente a partir dos saberes-
fazeres dos sujeitos envolvidos no ato educativo” (JESUS, 2006, p. 48).
68
3 PESQUISA-AÇÃO COLABORATIVA: UMA ESTRATÉGIA METODOLÓGICA DE INTERVENÇÃO-FORMAÇÃO
3.1 PESQUISA-AÇÃO: CONSTRUINDO PROCESSOS
Atualmente, alguns estudos vêm discutindo questões relativas à necessidade de
estabelecer ações colaborativo-reflexivo-críticas com o conjunto de profissionais no
contexto escolar. Nessa perspectiva, o grupo de pesquisa da educação especial do
Programa de Pós-Graduação em Educação-UFES tem buscado desenvolver estudos que
possibilitem tais ações com os profissionais da educação, pela via dos processos de
intervenção-formação.
Vários estudos do grupo de pesquisa (JESUS, 2002; JESUS et al., 2004; JESUS, 2005;
ALMEIDA, 2004; GONÇALVES, 2003; SOBRINHO, 2004; MARTINS, 2005; OLIVEIRA,
2007) têm evidenciado que, se quisermos mudanças significativas no contexto escolar,
principalmente no que se refere a mudanças nas práticas convencionais de ensino,
precisamos pensar com o outro, pensar a colaboração para além de uma prática
hamônica, consensual e linear, mas como uma dinâmica que se revela dos processos
coletivo-reflexivo-críticos de construção do conhecimento.
Nesse contexto, concordamos com o pensamento de Zeichner (1998), quando afirma que
um ensino de qualidade não se dá apenas na universidade, mas, principalmente, no
contexto das relações que se estabelecem na experiência do cotidiano escolar. Assim
sendo, entre os múltiplos desafios que se inserem no cotidiano escolar, deparamo-nos
com a necessidade de buscar ampliar nossos conhecimentos a respeito da dinâmica de
atuação e das relações estabelecidas entre o professor de apoio e o professor do ensino
69
comum no que tange à efetivação de práticas educacionais colaborativo-críticas no
cotidiano da escola e da sala de aula.
Dessa forma, a proposição de nosso estudo é contribuir para a reflexão crítica das
práticas pedagógicas no contexto educacional, a partir de um trabalho orientado pela
reflexividade e colaboração cotidianas, e isso exige do pesquisador consciência de que
nada está posto; tudo está por ser construído “[...] que proposições interpretativas
poderão ser feitas com prudência [...] trata-se de atribuir um sentido e não de impô-lo”
(ARDOINO, apud BARBIER, 2004, p. 97). Quando falamos da prática, estamos nos
referindo a estilos, modos, maneiras, jeitos, atitudes, mas também estamos falando de
problematização, de reflexão, autonomia, autoformação e emancipação.
Com o propósito de procurar caminhos que nos possibilitassem responder às questões da
pesquisa em curso e, também, a outras que surgiram no percurso do estudo, optamos
pela pesquisa-ação com ênfase no processo de investigação-formação que, de acordo
com Nóvoa (2000), facilita o processo de transformação docente e, conforme o
pensamento de Pimenta (1999), quando discute as idéias de Shon, o professor, tomando
sua própria ação como objeto de reflexão-crítica, a partir da reflexão na ação e sobre a
ação constrói sua profissionalidade docente. Ainda nessa perspectiva, a autora
argumenta que os professores sozinhos não conseguem refletir sobre sua prática, sendo
necessária a discussão em grupo, com um trabalho em colaboração. É nesse cenário que
pretendemos inserir a figura do pesquisador, que, no e com o coletivo escolar buscou
construir caminhos que possibilitassem ao grupo intervir no cotidiano escolar com toda a
complexidade que o envolve.
Teoricamente, buscamos apoiar-nos em Barbier (2004, p. 43), quando discute as
características da pesquisa-ação: “[...] Ela é efetuada pelos atores em situação e sobre a
situação destes. [...] a pesquisa-ação visa sempre mudança. [...] a mudança, quer dizer, o
vivente, implica existência de conflitos abertos entre as instâncias internas e externas [...]
no âmago dos indivíduos e dos grupos”.
70
A pesquisa-ação permite que pesquisadores e participantes juntos formem “[...] um grupo
sujeito na qual interagem os conflitos e os imprevistos da vida democrática. Nisso a
pesquisa-ação é eminentemente pedagógica e política” (ARDOINO apud BARBIER, 2004,
p.19). Conforme o autor, nesse tipo de pesquisa, não pode haver isolamento, separação
entre o individual e o grupal, pois os indivíduos (seres humanos) são sistemas
entrelaçados que, para funcionar, necessitam de constante articulação entre si.
Acrescenta, ainda, que por ser eminentemente de caráter participativo, requer para sua
efetivação, que todos os membros (que conhecem a realidade) se envolvam nos
processos de tomadas de decisões e discussões coletivas.
De acordo com os estudos de Franco (2005), não há, ao certo, informações sobre a
autoria desse tipo de pesquisa, contudo parece-nos ser unânime entre os autores
considerar que a pesquisa-ação tem suas origens nos trabalhos de Kurt Lewin (1946), por
ter sido ele o primeiro a publicar uma pesquisa empregando o termo num contexto de
pós-guerra, dentro de uma abordagem de pesquisa experimental, de campo.
Entretanto outra versão alternativa é a de Deshler e Ewart (1995), que indicam que a
pesquisa-ação foi empregada pela primeira vez por Jhon Collier, antes e durante a
Segunda Guerra Mundial. Outra versão para essa autoria, de acordo com Selener (1997),
é a de que Buckingham (1926), em seu livro Research for teachers (Pesquisa para
professores), defende um processo reconhecível como pesquisa-ação.
Para além de desvelar a origem desse tipo de pesquisa, o que importa nesse processo de
pesquisa, é que ela possibilita criar condições de reflexividade crítico-colaborativas,
facilitando o processo de transformação docente, tendo como essência a mudança na
prática pedagógica.
Nesse processo, buscamos condições para intervir, construir conhecimentos que nos
apóiem nos processos de inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais
no ensino regular. Entendemos que um processo apresenta uma polarização de
71
autonomia repleta de incertezas (FRANCO 2005). Ele não é estático, passivo, ao
contrário, é dinâmica, ativa, permitindo-nos construir, no tempo e no espaço, nossa
subjetividade. Assim, trata-se de um tipo de pesquisa que “[...] que não convém aos
‘mornos’ nem aloprados, nem aos espíritos formalistas, nem aos estudantes preguiçosos
[...] por levar o pesquisador por regiões de si mesmo que ele [...] não tinha vontade de
explorar” (BARBIER, 2004, p. 33).
Nessa busca, vale ressaltar que, ao assinalar sua dinamicidade, dialeticidade nos seus
diferentes campos de aplicação, a pesquisa-ação possibilita ao professor pesquisar sua
própria prática para aprimorar seu ensino e, em decorrência, a aprendizagem dos seus
alunos. A pesquisa-ação tem variedades distintas, que a levaram a ser descrita como “[...]
uma família de atividade”17 (TRIPP, 2005, p. 445).Na tentativa de explicitar o que
chamamos de “família de atividades”, trazemos a seguinte questão: de que pesquisa
falamos quando nos referimos à pesquisa-ação? Partimos do pressuposto de que, se
alguém opta por trabalhar com esse tipo de pesquisa, por certo deve ter a convicção de
que pesquisa e ação devem caminhar juntas quando se pretende a transformação da
prática. Assim sendo, “[...] a direção, o sentido a intencionalidade, dessa transformação
[foram os eixos] condutores dessa abordagem” (FRANCO, 2005, p. 4).
Nesse sentido, estaremos aqui realizando um passeio pelo que denominamos “família de
atividades” para explicar as diferentes conceituações em recentes trabalhos de pesquisa-
ação, por considerar ser uma via interessante para o trabalho aqui proposto.
Embora existam formas específicas e definições variadas de pesquisa-ação, estudos
recentes mostram que, no Brasil, há, pelo menos, três conceituações diferentes para esse
tipo de pesquisa.
A pesquisa-ação-colaborativa efetua-se:
17 A pesquisa-ação educacional, pela diversidade na compreensão e aplicação, passou a ser descrita como “[...] uma ‘família de atividades’ por seu caráter multiparadigmático entre os que fazem esse tipo de pesquisa” (GRUNDY; KEMMIS, 1982, p. 445).
72
Quando a busca de transformação é solicitada pelo grupo de referência à equipe de pesquisadores, a pesquisa tem sido conceituada como pesquisa-ação colaborativa, em que a função do pesquisador será a de fazer parte e cientificizar um processo de mudança anteriormente desencadeado pelos sujeitos do grupo (FRANCO, 2005, p. 4).
Esse tipo de pesquisa é muito utilizado por pesquisadores e docentes, a partir da
necessidade de buscar possíveis soluções para resolver determinados problemas.
Conforme (CARR; KEMMIS, 1988), é também uma forma de investigação crítica para a
educação e não sobre a educação.
Nessa mesma linha, Zelmeman (2004) destaca a vontade/necessidade do sujeito de
conhecer, como condição prévia, a construção do conhecimento. Nesse processo de
investigação da ação na ação, constituem-se formas singulares de atuação e
transformação.
Para a possibilidade de abrir vias para que caminhos sejam construídos por participantes
e pesquisador a partir da necessidade e incompletude de ambos, a pesquisa-ação torna-
se uma ferramenta necessária à transformação da prática pedagógica.
Assim, Kincheloe (1997, apud FRANCO, 2005, p. 4 ) afirma:
A pesquisa-ação, que é crítica, rejeita as noções positivistas de racionalidade, de objetividade e de verdade e deve pressupor a exposição entre valores pessoais e práticos. Isso se deve em parte porque a pesquisa-ação crítica não pretende apenas compreender ou descrever o mundo da prática, mas transformá-lo.
Como pesquisadora, procuramos considerar a voz do sujeito, sua perspectiva, seus
sentidos e suas implicações, não apenas e/ou simplesmente para registro e posterior
interpretação do pesquisador (é aí que entra o diferencial desse tipo de pesquisa), mas
para ajudar a pensar uma educação mais comprometida com a diversidade humana,
visando a incluir aqueles que, na sua trajetória histórica e cultural, vem sendo excluídos
73
desse processo. A voz do sujeito fez parte da tessitura18 do procedimento da
investigação.
Nesse caso, a metodologia não se faz por meio das etapas de um método, mas se organiza pelas situações relevantes que emergem do processo [...] uma pesquisa que não se sustenta na epistemologia positivista, que pressupõe a integração dialética entre o sujeito e sua existência; entre fatos e valores; entre pensamento e ação; e entre pesquisador e pesquisado (FRANCO, 2005, p.8).
Nesse sentido, de acordo com Zeichner (2003), é indispensável olhar atenciosamente
para o caráter e para a qualidade das colaborações em pesquisas. Pesquisa colaborativa
é um importante caminho para superar a divisão entre acadêmicos e professores, mas
não é qualquer pesquisa colaborativa que faz isso. Um exemplo disso é a pesquisa
denominada de pesquisa-ação estratégica. Esse tipo de pesquisa chega à escola com
seu “script pronto, em que a mudança é previamente planejada, sem considerar e/ou abrir
oportunidades para a participação dos sujeitos, e apenas o pesquisador acompanhará os
efeitos e avaliará os resultados de sua aplicação. Assim sendo, a pesquisa perde o
qualificativo de pesquisa-ação crítica.
Ainda que existam diferentes perspectivas, não se pode negar a relevância que a
literatura vem apontando a respeito das pesquisas colaborativas, por proporcionar tanto
ao pesquisador quanto ao pesquisado, possibilidade de enfrentar com seriedade os
problemas. “Á medida que, durante [a pesquisa], enfrento com seriedade os meus
problemas [...] ajudando-os na medida que eles podem me ajudar, pois também preciso
de ajuda” (BARBIER, 2004, p. 45).
Considerando esses aspectos, podemos destacar o caráter formativo dessa modalidade
de pesquisa, por possibilitar ao sujeito percepções acerca das transformações ocorridas
em si próprio e no seu processo de mudança. É importante ressaltar que, nesse processo,
tal metodologia assume o seu caráter emancipatório, por permitir ao sujeito, mediante as
suas participações conscientes, concretas, libertar-se de “[...] mitos e preconceitos que
18 Entendendo tessitura como um conjunto de vozes, sons de uma partitura.
74
organizam suas defesas à mudança e reorganizam a sua auto concepção de sujeitos
históricos” (FRANCO, 2005, p. 6).
Desse modo, a pesquisa-ação-crítica pode ser considerada como um instrumento que
exige a participação do investigador nas questões sociais que estuda, a partir das suas
necessidades (das condições que o coletivo considera), mas também exige que os
participantes da investigação se transformem em investigadores. Dessa forma, esta
pesquisa foi assumindo um caráter de pesquisa-ação-crítica.
A pesquisa-ação crítica deve gerar um processo de reflexão-ação coletiva, em que há uma imprevisibilidade nas estratégias a serem utilizadas. Uma pesquisa-ação dentro dos pressupostos positivistas é extremamente contraditória com a pesquisa-ação crítica (FRANCO, 2005, p.5 ).
Portanto investigar e contribuir para a mudança da prática educativa da professora de
apoio, das professoras das salas pesquisadas, da equipe multidisciplinar, bem como do
coletivo da escola, a partir da pesquisa e reflexão-crítica da ação pedagógica, pela via da
pesquisa-ação colaborativo-critica, constituiu-se o foco da nossa pesquisa de mestrado.
Baseada nesse aporte teórico-metodológico, pretendíamos buscar novos/outros olhares
para as práticas dos profissionais da escola, procurando criar rupturas com o que estava
posto, com o preestabelecido, abrindo brechas, atuando, como nos sugere Eizirik (2001,
p. 28), sob o poder das frestas, que,
Tal como fissuras nas paredes produzem movimentos e deslocamentos nos lugares assegurados, pressionando, movendo, abrindo sulcos, a princípio quase imperceptíveis e que, gradativamente, se transformam em buracos, abalam os alicerces, fazendo desabar estruturas, exigindo a construção de andaimes e, muitas vezes, de outras e novas paredes.
De tal modo, a proposta desta pesquisa foi justamente nos termos que Jesus (2002, p.7)
expõe: “Analisar como podem os professores significar e/ou ressignificar suas práticas a
partir de uma proposta de educação inclusiva na escola regular, tomando como cerne a
prática pedagógica e organizativa da escola”.
75
Ou seja, criar possibilidades de estabelecer reflexões colaborativo-críticas com o conjunto
da escola, a partir das experiências vividas na sala de aula, levando em consideração os
contextos sociais, culturais e históricos nos quais se inserem as pessoas com
necessidades educacionais especiais.
Trata-se, portanto, de uma pesquisa que buscou contribuir, no sentido de favorecer e
fortalecer a atuação do professor na sala de aula, bem como no contexto escolar, no que
se refere à educação do aluno com necessidades educacionais especiais na sala de aula,
para que ele se sinta capaz de construir novas alternativas de ensino, bem como novas
competências para ensinar.
Além da possibilidade de exercitar o pensamento e, conseqüentemente, as práticas dos
professores de apoio nas movediças fronteiras que atravessam o cotidiano escolar, no
que diz respeito à inclusão educacional dos alunos com necessidades educacionais
especiais no ensino regular, pelo menos dois indicadores justificam as nossas escolhas
teórico-metodológicas. O primeiro diz respeito aos questionamentos constantes dos
professores do ensino comum que afirmam que não dão conta dos alunos “incluídos”19
por não terem sido “preparados” para tal. Nesse processo de análise, é fundamental um
referencial teórico-metodológico que possibilite discutir a complexa dinâmica vivida pelo
grupo, buscando conhecer “[...] cada um e a todos: seus desejos, avanços, resistências,
potencialidades e limitações” (JESUS, 2002, p. 2).
O segundo nos fala da prática do professor de apoio que tem levantado discussões a
respeito do seu “saber/não saber” e também quanto ao seu “papel” na sala de aula. O
ponto central dessa discussão nos revela, ou pelo menos deveria nos revelar, os modos
pelos quais esse profissional tem atuado no conjunto da escola e da sala de aula. Para
analisar esse campo teórico, respaldamo-nos em autores que sinalizam ser os
professores de apoio um dos responsáveis, por atuar na escola, “[...] adotando formas de
trabalho consistente essencialmente na reforma da educação regular de forma a torná-la 19 Assim são chamados os alunos com necessidades educacionais especiais (por deficiência) que estão nas classes comuns.
76
abrangente” (AINSCOW, 1995, p. 27). Tal entendimento traz consigo a necessidade de
cada vez mais os profissionais da educação buscarem se comprometer com campos
teóricos que dêem sustentação às suas práticas em sala de aula, que ganham
significados a partir da representação cotidiana que lhes damos.
3.2 CAMPO DE INVESTIGAÇÃO/INTERVENÇÃO E PARTICIPANTES DA PESQUISA
Na área educacional, tem sido considerada cada vez mais importante a necessidade de
investir em pesquisas que considerem experiências e participação do professor como
parceiro nos estudos. De acordo com algumas pesquisas (CARR; KEMMIS, 1988;
PIMENTA; GARRIDO; MOURA, 2000; JESUS, 2000, 2002, 2005; ALMEIDA, 2004), a
pesquisa-ação colaborativa, com ênfase na investigação-formação, pode facilitar o
processo de transformação docente, por possibilitar a intersubjetividade entre aos
pesquisadores e pesquisados que, nas suas práticas tradicionais, ocupavam lugares
distintos, ou seja, lugar do saber (para o pesquisador) e do executor (no caso do
pesquisado).
Dentro desse contexto, Capellini (2004), citando Liberalli (2002); Giovanni (1994) e
Thiollent (1998), diz que a pesquisa-ação colaborativa visa à apreensão, análise e crítica
de contextos de ação com vistas à transformação. Conforme esses autores, o
pesquisador é visto como alguém que pode colaborar com os professores a partir da
valorização do saber e do saber fazer do professor, evitando, assim, a distância entre
teoria e prática.
Vislumbrávamos, desse modo, suscitar nos professores uma atitude de tomada de
decisões, em que eles pudessem “atuar em situação” (ALARCÃO, 2001), ou seja, criar
possibilidades de mudança em processo. No entanto, de acordo com Nóvoa (2000, p. 16),
77
atuar dessa forma é um processo carregado de lutas e conflitos no jeito que “[...] cada um
se sente e se diz professor”, trazendo à tona a subjetividade que o constitui como pessoa
e professor.
Assim, nosso campo de investigação/intervenção, neste estudo, foi a escola de Ensino
Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Aracruz Deraldo Passos.
Um dos requisitos básicos para a escolha dessa escola foi justamente o fato de ter
iniciado nossa vida profissional lá, atuando como professora de apoio, buscando parceria
e integração com os demais profissionais da escola, mesmo não tendo uma visão ainda
do que realmente consistia o “ser professor de apoio” e por ter sido a primeira escola da
Rede Estadual de Ensino no município a oferecer serviços de apoio a alunos com NEE
por deficiência, inicialmente, em classe especial para alunos surdos e deficientes mentais
e, posteriormente, no ensino regular.
Neste estudo, podemos dizer que a participação dos profissionais foi se constituindo a
partir dos movimentos realizados na escola, que se configuraram de duas formas: direta
(a partir do grupo referência), formado por:
a) uma professora de apoio que atuava nas duas salas de aula pesquisadas20;
b) duas professoras da sala de aula regular que tinham alunos com NEE por
deficiência em suas salas (uma delas manifestou interesse e a outra foi
convidada). Vale ressaltar que a sala do 1º ano B era constituída por 18 alunos
com faixa etária entre 7 a 9 anos, dentre eles, uma aluna com síndrome de dawn.
A segunda sala, 5º ano B, era composta por 29 alunos entre 10 a 15 anos, sendo
uma deficiente mental.
20 A professora de apoio atuava nas salas de aula do 1º e 5º ano B, por ter alunos com deficiência que demandavam de apoios contínuos. A mesma subdividia seus horários em antes e depois do recreio, três vezes por semana.
78
E indiretamente (a partir do envolvimento do grupo escolar), com base nos movimentos
do grupo referência, que passaram a envolver:
c) equipe multidisciplinar (psicóloga, fonoaudióloga e assistente social) nas salas
de aula, nos planejamentos e nos encontros dos grupo/discussão;
d) pedagoga da escola nos planejamentos individuais das professoras, além do
planejamento coletivo.
Além desse grupo, algumas professoras da escola passaram a reivindicar sua
participação/colaboração na pesquisa (Quadro 2).
Corpo docente/ Equipe de Apoio
Formação Experiências Profisionais
Idade
Professora regente 1ª “B”
(manifestou interesse)
Português/Inglês
Especialização em Administração Escolar
17 anos em sala de aula 34
Professora regente 5ª “B” (foi convidada)
Magistério Não tinha 32
Professora de apoio Pedagogia
Especialização em Psicopedagogia
10 anos em sala de aula 37
Equipe multidisciplinar Psicologia
Serviço Social
Fonoaudiologia
5 anos, sendo 2 na área da saúde e 3 em educação
3 anos em educação, incluindo estágio
30
25
24
Pedagoga pedagogia - 48
Coordenadora Pedagogia 31 anos, divididos em sala de aula e coordenação.
48
Quadro 2 – Caracterização dos profissionais em relação à formação, experiências profissionais e idade.
79
3.2.1 Etapas do estudo
O estudo foi conduzido em duas etapas ou fases não-lineares, mas que se constituem a
partir do contexto no qual se inserem.
1ª etapa: Delimitação do campo de pesquisa/contato com a escola
Contribuiu para a delimitação do nosso campo de pesquisa a nossa participação (como
pedagoga da Secretaria de Educação) nas discussões (formais e informais) na escola
pesquisada, o que evidenciava a necessidade de contribuir para a construção de práticas
educacionais inclusivas. Outro aspecto que influenciou consideravelmente nossa
definição para esse campo de investigação foi o interesse do grupo por discutir, buscar
alternativas que favorecessem a inclusão dos alunos no ensino regular. Também
consideramos o fato de a professora de apoio atuar como professora do ensino comum e
ser efetiva na escola, e também a demanda de alunos com necessidades educacionais
especiais.
Assim, no final do mês de julho, realizamos nosso primeiro contato com a escola, quando
procedemos à apresentação da proposta de pesquisa para o conjunto da escola. Esse
primeiro encontro teve como objetivo apresentar o estudo proposto, buscando discutir,
analisar e decidir, coletivamente prioridades de atuação na escola. Na oportunidade,
definimos com o grupo o cronograma (dias e horários) em que a pesquisadora estaria na
escola e, por extensão, nas salas que seriam pesquisadas.
Alguns princípios nortearam a definição pelas salas que iríamos acompanhar/pesquisar
como:
a) número de alunos com necessidades educacionais especiais por deficiência;
b) salas que tinham professor de apoio efetivos ou contratados;
c) salas que tinham professores efetivos na escola em sala regular;
d) interesse dos professores em participar da pesquisa.
80
Após esse contato, buscamos focalizar nossas atividades, observando e acompanhando
o cotidiano escolar, com a finalidade de nos inteirar das situações concretas da escola
(organização, funcionamento), das rotinas daquele cotidiano, dos planejamentos dos
professores, das dinâmicas das salas de aula, das relações estabelecidas pela professora
de apoio naquele contexto, bem como da dinâmica de atuação do pedagogo com os
profissionais da escola (especificamente com professores do ensino comum, a professora
de apoio21 e a equipe multidisciplinar).
2ª etapa: Observação e intervenção no cotidiano escolar
O processo de estudo aqui proposto teve em vista adotar uma metodologia que
proporcione a reflexão na ação e sobre a ação, por meio da investigação-formação que,
em Baptista (apud GONÇALVES, 2003, p. 5), tem como objetivo:
Reduzir as dificuldades associadas à integração de alunos com necessidades educativas especiais no ensino comum, qualificar os professores para o atendimento às diferenças e investigar possibilidades de desenvolvimento futuro de mecanismos de apoio às classes e docentes que vivenciam o cotidiano da educação inclusiva.
Assim, em busca desses objetivos, vislumbramos percorrer alguns caminhos que nos
possibilitassem pensar e refletir criticamente nossas práticas, numa ação constante de
mudança e transformação da prática, a partir das necessidades sinalizadas no contexto
escolar.
Esses procedimentos na escola deram-se sobre e com os indivíduos (professores, alunos,
pedagogo, diretor, dentre outros) em diversos ambientes, momentos e espaços, no
período de julho (2ª quinzena) a dezembro de 2006.
Nossa intenção era realizar, no contexto da sala de aula, um trabalho orientado por
práticas pedagógicas compartilhadas com os professores e demais profissionais que
21 No discurso dos profissionais, tanto da escola quanto da Semed, o Professor de Apoio (PA) faz parte da Equipe Multidisciplinar, porém, na prática, o trabalho de ambos ainda acontece desarticulado.
81
compõem o cotidiano escolar em seus mais diversos momentos. Estivemos
observando/atuando, diretamente, em duas salas de aula das séries iniciais do ensino
fundamental, que construíram conosco a pesquisa-ação-intervenção. Nesse processo, um
dos nossos desafios foi envolver a equipe multidisciplinar (psicóloga, fonoaudióloga e
assistente social) nos planejamentos ou pelo menos em alguns planejamentos coletivos
na escola. Um outro desafio foi conquistar, organizar,.instituir. um espaço-tempo para o
planejamento individual com o professor de apoio, o professor do ensino comum, o
pedagogo da escola e a equipe multidisciplinar.
Paralelamente às questões vivenciadas em sala de aula, propusemos aos professores da
escola, bem como aos demais profissionais que faziam parte desse contexto, um espaço-
tempo para socialização e estudo/reflexão dos processos vivenciados nas salas
pesquisadas. Para tal, utilizamos o estudo de caso dos alunos em questão, como
elemento disparador de processos de formação, por entender, como nos sugere Jesus
(2005, p.7), que
A construção do conhecimento por essa via oferece possibilidades a todos os sujeitos de verem a si próprios e os seus colegas como ‘solucionadores das questões coletivas’ que emergem no cotidiano, o que exige novos conhecimentos, competências e práticas.
Pretendíamos desenvolver esta proposta por meio de um processo que levasse em conta
as tensões/desafios que se presentificavam no conjunto da escola, a partir do
investimento em discussões, estudo, reflexões das questões-problema, a fim de analisar
possibilidades de atuação que favorecessem o processo de ensino-aprendizagem dos
alunos, a partir de um ensino orientado por perspectivas inclusivas. Para tanto, buscamos
suporte na literatura que tem estabelecido um diálogo crítico a respeito da atuação do
professor em prol do atendimento à diversidade dos alunos que apresentam
necessidades educacionais especiais.
Iniciamos nossas primeiras interações com os profissionais buscando conhecer cada
elemento que compunha o quadro da escola Deraldo Passos, com a finalidade de nos
inteirar dos seus medos, angústias, sucessos, insucessos, êxitos, embates, prazeres e
82
desprazeres. Pretendíamos alcançar uma visão ampla das situações gerais engendradas
naquele contexto.
Assim, buscamos promover, nos diversos momentos da pesquisa, freqüentes exercícios
de escutas, reflexões e proposições teóricas. Esses momentos foram essenciais por ter
nos possibilitado uma maior aproximação com o grupo que, de algum modo, nos ajudou a
entender, intervir no, (e com) o cotidiano escolar. Deixamos expresso que pretendíamos,
naquele primeiro momento, escutar as vozes dos profissionais que ali atuavam, por
entender que as vozes dos profissionais da educação precisam não somente ser
escutadas, mas, principal e fundamentalmente, ser ouvidas.
A esse respeito, Freire (1996) comenta que escutar é algo que vai além da possibilidade
auditiva de cada um. De acordo com o autor, escutar significa a disponibilidade
permanente, por parte do sujeito que escuta, para abertura à fala do outro, às diferenças
do outro. A verdadeira escuta consiste em encontrar espaços para a observação, trocas
de experiências, informações, discussões e reflexões – que – que estão impregnados de
subjetividades – e, que, ao contrário do que a própria palavra (escuta) sugere, também é
um espaço que possibilita a quem escuta exercer o direito de confrontar, discordar, de
posicionar-se diante do outro.
Desse modo, ao escutar22 os professores, abrem-se espaços para uma “tentativa” de
compreensão das questões vivenciadas na dinâmica das salas de aula escolhidas para a
pesquisa, bem como de todo o contexto escolar.
3ª etapa: Reuniões de grupo
22 Tomando o sentido “escuta” como abertura para a possibilidade de conhecer, interagir, construir, desconstruir, concordar, opor-se às questões vivenciadas naquele contexto.
83
Ciente de que a pesquisa-ação visa sempre à transformação da prática, que se modifica
continuamente em “espirais de reflexão e ação”, e que cada espiral inclui aclarar uma
situação prática do que se quer melhorar, esta proposta requer do grupo escolar e do
pesquisador uma participação23 coletiva.
Passamos, então, a investir nas reuniões de grupo que realizadas nos momentos de
planejamento individual com (professor de apoio, professores da sala, pedagogo e
profissionais de outras áreas), no planejamento coletivo com todos os professores e no
grupo de estudo/reflexão e outros tempos-espaços instituintes e instituídos com o grupo
escolar. Para efeito de organização didática do texto, iremos organizá-lo em momentos.
3.2.1.1 1º momento: planejamento coletivo
Visando a conhecer, para compreender melhor as relações que eram estabelecidas no
contexto da escola e as práticas de planejamento dos profissionais nesse contexto,
passamos a participar do planejamento coletivo que acontecia todas as terças-feiras no
horário das 17h às 19h. Esse momento representava a possibilidade de estar com todo o
grupo escolar, num movimento que permitia olhar, conhecer, para compreender com mais
clareza as reais necessidades e demandas daquela escola.
3.2.1.2 2º momento: o processo de reflexão-ação-intervenção no planejamento
individualizado
23 Barbier (2004), adotando o ponto de vista de Rilke, diz que não há pesquisa-ação sem participação coletiva. O termo “participação” (grifo do autor) é entendido epistemologicamente, em seu sentido mais amplo, como algo que não se pode construir “[...] sem que sejamos parte integrante, ‘actentes’ na pesquisa, sem que estejamos verdadeiramente envolvidos pela experiência, na integralidade de nossa vida emocional, sensorial, imaginativa, racional” (p.71). Para o autor a idéia básica na perspectiva desse tipo de pesquisa é o “[...] reconhecimento do outrem como sujeito de desejo, de estratégia, de intencionalidade, de possibilidade solidária” (p.71).
84
Pretendíamos, até o final do mês de dezembro, período de conclusão do estudo, realizar,
no mínimo, seis encontros com o grupo de professores das salas pesquisadas, professor
de apoio, pedagogo e equipe multidisciplinar (psicólogo, fonoaudiólogo e assistente
social) com o objetivo de discutir acerca das práticas pedagógicas dos professores no
processo de escolarização dos alunos, refletir sobre estratégias de ensino voltadas ao
atendimento à diversidade dos educandos, reelaborar os Plano de Ensino Individualizado
(PEI) dos alunos com necessidades educacionais especiais por deficiência, com as
professoras das salas pesquisadas, visando, a partir de tais discussões, a promover a
construção de práticas que atendessem à diversidade/especificidade dos alunos no
cotidiano da sala e da escola.
3.2.5.4 3º momento: o grupo de estudo/reflexão
Para socialização e estudo/reflexão dos processos vivenciados nas salas pesquisadas,
organizamos um grupo de estudo/reflexão na escola, no período de setembro a
dezembro, com uma hora semanal a cada encontro, no horário do planejamento coletivo
da escola.
As escolhas dos temas/discussão foram organizadas a partir da necessidade do grupo, ao
longo do processo de pesquisa. Para tal, utilizamos textos que fomentaram discussões
teórico-práticas a respeito de práticas educativas. Foi proposta ao grupo que, em todos os
encontros, fossem organizados registros das discussões, para serem lidos nos encontros
posteriores, retomando, assim, a reflexão daquele encontro. Além disso, a fim de
possibilitar aos professores refletirem sobre suas práticas, olhando a si mesmos e aos
alunos, foi proposto ao grupo a adoção do “diário reflexivo”, que, de acordo com André e
Darsie (1999, p. 33), “É um instrumento de avaliação e de investigação didática [...] que
revela a significativa contribuição na promoção de reflexão, de tomada de consciência do
próprio processo de aprendizagem e na investigação didática”.
85
Dessa forma, construímos nossos estudos com o cotidiano da prática pedagógica da
escola, junto com alunos e profissionais que fazem o ato educativo acontecer a partir da
produção e socialização de novos conhecimentos.
Em síntese, a proposta conduzida pelo pesquisador e acolhida pelos profissionais
configurou-se em: observação, acompanhamento e intervenções no cotidiano das salas
pesquisadas e no contexto escolar, participação nos planejamentos coletivos e individuais
dos professores e formação continuada com grupo/reflexão, pela via do trabalho
colaborativo-crítico, fatores que permeavam o processo de construção de ações mais
inclusiva.
3.3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS ANÁLISES DOS DADOS : ALGUMAS
ESCOLHAS... E RECORTES
Os dados foram analisados de forma qualitativa, a partir da construção de elementos de
análise que melhor retratassem a realidade vivida nos diferentes espaços da escola.
Baseamos nossas análises em estudos recentes que têm buscado desenvolver pesquisas
na área da educação, a partir da metodologia de natureza qualitativa, com foco nos
processos educacionais.
Nesse processo, foi considerada, para nossas análises de dados, a dinâmica vivenciada
por todos os atores sob um olhar constante para a complexidade dos processos vividos
pelos profissionais no decorrer da sua própria prática pedagógica.
Diante disso, como pesquisador externo, priorizamos as escolhas e/ou recortes do vivido,
elementos que emergiam das práticas colaborativo-reflexivas entre profissionais no
86
contexto escolar, inclusive da pesquisadora, nos movimentos que se foram constituindo
ao longo da pesquisa, pela via da investigação-formação.
Todos os processos observados e vividos foram registrados no diário de bordo e
passavam continuamente por uma pré-analise no percurso da pesquisa. Tivemos o
cuidado de transcrever todas as informações que constavam no diário de bordo e as
breves análises. Algumas informações, que considerávamos imprescindíveis para um
futuro aprofundamento de análise, eram organizadas e destacadas com a intenção de
identificar e enfatizar os possíveis recortes que seriam trabalhados com profundidade na
análise dos dados.
Desse modo, o corpus para análise dos dados foi disposto a partir da integração do
conjunto de informações obtidas no decorrer da pesquisa, por meio do registro no diário
de bordo, das observações nos momentos de planejamento coletivo e individual e dos
registros dos encontros do grupo discussão, dos registros no diário reflexivo da
professora, dos registros do diário de aula dos alunos e dos questionários utilizados com
os alunos.
Vale ressaltar que, nos momentos em que estávamos impossibilitada de realizar os
registros, a professora da sala de aula, a professora de apoio ou algum elemento da
equipe multidisciplinar assumia o papel de registrar.
Assim sendo, a integração de todos os dados possibilitou-nos analisar os processos de
criação/efetivação de momentos e movimentos de colaboração-crítica individual e coletiva
no cotidiano escolar, que apontaram a constituição de mudanças significativas nos
processos de ensino e de aprendizagem dos profissionais daquela instituição de ensino.
87
4 O CAMINHO PERCORRIDO DA PROPOSTA À PRÁTICA: A EXPERIÊNCIA DO 1º E DO 5º “B”
[...] A gente bate na porta e alguém abre, começa uma relação [....]. Essa relação agora existe e é a partir dela que se vai repensar a pesquisa. Esta relação que vai existir é que é pensada pelo pesquisador – que é quem, às claras ou às ocultas, determina o estabelecimento do pensar a pesquisa, determina como a pesquisa vai ser feita – não é inicialmente aquela pensada pelo pesquisador; eu diria que não é o pensar que determina a ‘transa’, mas é a ‘transa’ que determina o pensar (BRANDÃO, 1984, apud, FONTANA, 1996, p. 37).
Não há dúvidas de que, como grupo profissional, os professores compartilham de um
mundo comum,24 cercado por diferenças culturais que são integradas a cada indivíduo de
modo singular e, ao mesmo tempo plural, gerando, assim, outras/novas identidades
grupais. Nesse contexto, criam-se espaços, descobrem-se frestas, abrem-se portas, para
um trabalho desenvolvido entre indivíduos oriundos de diversas culturas, provenientes
tanto do meio universitário como do contexto real de prática familiar, escolar e do
trabalho. A partir do (re)conhecimento e da (com)preensão das diferenças culturais
existentes em nossas escolas e, conseqüentemente, em nossa sociedade, os professores
poderão realizar seu trabalho considerando a necessidade processada pelo/no/com o
grupo, buscando valorizar essas diferenças.
Dessa maneira, o saber se constitui com apoio nas experiências e vivências no cotidiano
escolar, por intermédio dos processos de trocas intersubjetivas e/ou entre os sujeitos que
vão constituindo suas relações – pesquisador e pesquisados, professor e aluno,
pesquisador e aluno, pesquisador e professor, aluno e aluno, professor e professor –
processos esses que não são lineares, mas que assumem movimentos, momentos,
configuração, espaços-tempos e modos de elaborações diferenciados que vão sendo
construídos com intercruzamentos de diversos saberes-fazeres pertencentes a todos e a
cada um e a partir dos conhecimentos que vão sendo produzidos por todos.
24 O sentido de “mundo comum”, pensado por nós, diz respeito ao espaço escolar com seu conjunto de relações e práticas que ocorrem no dia-a-dia.
88
4.1 ALGUNS ESCLARECIMENTOS SOBRE AS ESCOLHAS
Assumimos as salas do 1º ano “B” por ter uma aluna com Síndrome de Down e pela
abertura da professora, que iremos chamar de Mery, e o 5º ano “B”, na sala da professora
iniciante, que nomearemos de Esperança25 - por ter uma aluna deficiente mental.
Contudo, esse não foi o motivo pelo qual o grupo passou a fazer parte do nosso campo
de investigação.
Na oportunidade, foi programada a realização de seis encontros que transversaram todo o
contexto da pesquisa. Chamaremos esses encontros de movimentos de estudo/reflexão,
por terem sido designados para se discutir, intervir nos processos pedagógicos no
conjunto da escola, via formação em contexto, o que, de acordo com Nóvoa (2000), pode
facilitar o processo de transformação da profissão docente, tendo como cerne a mudança
das práticas dos professores.
Nesse contexto, o grupo sinalizou o grande desafio da escola: “os alunos do 5º “B”,
concebidos, até aquele momento, como os “piores” da escola. Pudemos perceber que as
práticas pedagógicas daqueles professores, bem como suas dificuldades estavam
associadas às concepções que tinham a respeito desses alunos. As professoras deixaram
expressas suas dificuldades em lidar com a heterogeneidade da sala de aula.
A partir dessa realidade, apoiamos-nos em Amaral (1998),, quando nos diz que as nossas
práticas têm muito a ver com a maneira como instituímos e olhamos esses sujeitos e que
o conjunto de idéias das quais nos apropriamos subjetivamente constituem preconceitos,
e pensar na educação especial passa por todo esse processo.
25 Nome fictício, mas que está ligado às tentativas do ser/fazer-se professora.
89
Buscamos guiar-nos, durante o processo de pesquisa, por caminhos que ajudassem o
professor a exercer o papel de auxiliar os colegas e os alunos, para que pudessem
entender a realidade em que se encontram, tendo como mediação o conhecimento, ou
seja, que pudessem pensar teoricamente as questões práticas da escola e da sala de
aula.
Comprometidos com esse propósito, alguns autores nos propõem reflexões que nos
ajudaram nessa caminhada, como Nóvoa (2001, p.14), quando afirma que “[...] mais
importante que formar é formar-se”, Cardoso, citado por Capellini (2004, p.78), quando
discorre que, na filosofia discute-se que, para ser prático, é preciso ser teórico. Essa
autora alerta para a importância de um olhar (a/para prática) que não seja simplista,
periódico, mas analisada teoricamente, ou seja, aquela que Marx chamou de práxis.
Nesse percurso, algo nos chamou a atenção no momento da escolha de uma das salas a
serem pesquisadas. Uma professora voltou-se para a pesquisadora com uma fala bem
enfática: “Quero fazer parte dessa pesquisa! Sei que vai ser um espaço de aprendizagem
para todos nós e, principalmente, para mim que tenho uma aluna com Síndrome de
Down”. Naquele momento, algo é ativado:
[...] aciona-se, assim, um diálogo mutuamente entre o pesquisador acadêmico e o professor pesquisador, com significativos avanços para todos os atores envolvidos: aos professores, que se aplicam em ver mais ampla e profundamente ajudado pelo pesquisador [...], ao pesquisador se abrem perspectivas de maiores e melhores aproximações do objeto investigado, desvelando ângulos novos de uma realidade multifacetada [...]. (ESTEBAN; ZACCUR, 2002, p. 15).
Para, além do diálogo estabelecido entre a pesquisadora e a professora, está o fato de
que a escolha da classe não foi aleatória, “[...] dependeu de uma ‘convergência’ de
interesses” (CAMPOS, apud FONTANA, 1990, p. 33) entre ambas as partes, em relação
às questões a serem estudadas, que são confirmadas no diário da professora:
Tudo começou no dia em que a Wirlandia apresentou o Projeto de Pesquisa. Ouvi atentamente sua explanação, percebi o quanto seria interessante sua proposta. Quando ela perguntou ao grupo quem gostaria de participar de sua pesquisa, não pude deixar de me oferecer.
O que me levou a esta atitude foi saber que poderia aprender muito com este trabalho e que teria mais uma pessoa para me ajudar a desenvolver o
90
cognitivo da minha Peticha.26 Eu já conhecia o trabalho da pesquisadora com os alunos especiais e tinha plena certeza de que a aprendizagem seria muito grande. É importante ressaltar que eu não tinha experiência com alunos especiais, tampouco com portadora da Síndrome de Down. Mas a minha relação com Peticha é maravilhosa, nos amamos e nos respeitamos.
Na perspectiva de um fazer pensado, indagado, compartilhado com os sujeitos que fazem
parte do processo, a pesquisa torna-se um instrumento gerador de alternativas para os
impasses vivenciados naquele contexto, por propiciar aos indivíduos o compartilhamento
de questões que eles mesmos fazem e partilham com o grupo.
Falando da estruturação do texto em si, pretendemos, nesta primeira parte, fazer um
exercício de reflexão e auto-reflexão a respeito da nossa chegada à escola pesquisada e
dos movimentos engendrados a partir daí. Tentaremos desenrolar todo o processo vivido
na escola, fazendo uma analogia ao metálogo de Bateson (1991),27 adaptado no texto
“Por que a diferença incomoda tanto?” (EIZIRIK, 2001).
Para nos referirmos a esses movimentos, partiremos do princípio da necessidade de um
diálogo sobre algo problemático em que os participantes se envolvem na elaboração do
tema, uma conversa que vai além de si mesmo (EIZIRIK, 2001). A idéia do metálogo nos
faz pensar nos movimentos da nossa pesquisa na sala de aula, que, como um piano, ao
ser tocado, gerou outros movimentos que fizeram soar em toda a escola, provocando
assim, outros movimentos.
26A professora contou-nos que a aluna costumava chamar a secretária da escola – que se chamava “Patrícia” – de Peticha. Assim, quando se referia à aluna “no grupo de professores”, identificava-a como Peticha, no intuito de não expor o nome da aluna. Essa questão se fez necessária porque a escola estava funcionando em um galpão aberto onde não se tinha privacidade. 27 BATESON, G. Pasos hacia uma ecologia de la mente: una aproximación revolucionaria a la
autocomprensión del hombre. Buenos Aires: Planeta/Carlos Lohlé, 1991. p. 27, apud Eizirik.
91
4.2 EXPERIÊNCIA DE TRABALHO COM AS PROFESSORAS DAS SALAS
PESQUISADAS
4.2.1 Trabalhando na sala de aula da professora Mery
Os momentos de sala de aula são inundados por situações interativas. Continuamente, professores e alunos entre si entram em contato das mais diversas formas, pois mesmo quando reina o silêncio, não cessam os olhares. Assim, em qualquer momento há mensagens sendo emitidas e recebidas, carregadas de múltiplos significados. Nesses processos dinâmicos [...] o professor, sem dúvida, ocupa um lugar particular nesse contexto. Como organizador e diretor das atividades escolares, está sempre na posição de confirmar o aluno como sujeito, devolvendo-lhe seu valor como pessoa aprendiz [...]. No entanto, também o aluno devolve ao professor mensagens importantes que o constituem e que lhe permitem aprender e imprimir mudanças em seu processo de desenvolvimento profissional e pessoal (TACCA, 2004, p. 101).
Ao dialogar com os professores, notamos que uma queixa era recorrente: a dificuldade de
ensinar em classes muito heterogêneas, dificuldade que se presentificava nas práticas da
professora-pesquisadora em todos os processos vividos em sala de aula, durante todo o
tempo do estudo. Assim, a partir da observação na sala de aula, pudemos constatar
(apesar do envolvimento, e comprometimento da professora com a aprendizagem de seus
alunos) a dificuldade de lidar com a diversidade, principalmente com a aluna Peticha,
mesmo numa situação privilegiada, no que diz respeito ao quantitativo de alunos em sala
(a turma era composta por dezesseis alunos). Atender à diversidade na sala de aula,
considerando cada um e a todos, ainda é um grande desafio para os professores, visto
que, em sua formação, foram “preparados” para trabalhar com o homogêneo, com o
aluno-padrão.
92
Na sala observada, a organização física das carteiras (em fileiras muito próximas,
encostadas em outras carteiras vazias) não permitia que o professor tivesse condições de
circulação entre os alunos.
No primeiro dia na sala de aula, a professora inicia a aula trabalhando uma atividade em que os alunos teriam que olhar as figuras e relacioná-las com as palavras correspondentes e depois falar o que sabiam sobre a figura a partir do que eles conheciam. Enquanto isso, no canto da sala, a professora de apoio trabalhava outra atividade com a aluna Peticha. A atividade consistia na aluna escrever o nome dela e também em realizar uma outra atividade com numerais, em que teria que fazer a correspondência destes de um a três. Vez ou outra observamos que a aluna balançava a cabeça, recusando-se a fazer a atividade, levantando-se freqüentemente, pedindo para fazer a atividade que as outras crianças estavam fazendo, sem êxito nas suas tentativas.
A aluna olhava para os colegas e tentava mexer com eles, numa atitude de provocação. Quando a professora de apoio percebeu que não tinha mais condições de prendê-la àquela atividade, perguntou à professora da sala: ‘Posso dar a ela agora a atividade que os outros estão fazendo?’ E a professora respondeu: ‘Pode, sim, pede para ela pintar os iguais’ (DIÁRIO DE BORDO).
Esse primeiro episódio nos trouxe elementos para o entendimento que as professoras
tinham do sentido de “lidar com as diferenças”, que era a de que alunos “diferentes”
precisavam ser tratados à parte. Por um lado, essa prática nos fez perceber que tanto a
professora de apoio quanto à da sala estavam preocupadas em “atender às
necessidades” da aluna; por outro, demonstrou concepções nas quais as diferenças “[...]
implícitas ou explicitamente devem ser ocultadas ou tratadas à parte” (MANTOAN, 2002,
p. 51). Ainda de acordo com a autora, essa maneira de agir remete, entre outras formas
de discriminação, “[...], à busca da ‘pseudo-homogeneidade’ nas salas de aula” para o
ensino ser bem-sucedido; remete, enfim, à dificuldade que temos de conviver com
pessoas que se desviam um pouco mais da média das diferenças, conduzindo-as ao
isolamento, à exclusão, dentro e fora das escolas.
Quando a professora da sala “autoriza” a professora de apoio a dar a aluna Peticha a
atividade que os demais colegas faziam, orientando que ela poderia pintar as figuras
iguais, ela traz um conhecimento (embora não o perceba) de que a aluna teria condições
93
de realizar a mesma atividade com o conjunto da turma, a partir de alguns ajustes que
considerassem os processos de aprendizado e desenvolvimento da aluna.
Essas contradições nos dizem de movimentos que acontecem diariamente nas nossas
escolas, em que os professores, muitas vezes, com o intuito de oferecer um ensino que
contemple as diferenças, caem em armadilhas da sua própria profissão. Embora muitas
vezes não saibam e/ou não se dêem conta disso, os professores, em suas salas de aula,
arriscam práticas pedagógicas que se aproximam de ações inclusivas.
Entendemos não ser esse um processo fácil, entretanto há que se pensar numa política
educacional de atuação que contemple a diversidade humana. Mais precisamente, há que
se pensar em projetos políticos-pedagógicos que estejam direcionados para a efetivação
de um ensino democrático e inclusivo. No dizer de Sacristán (1998), também há
necessidade de os docentes repensarem sua forma de atuação em sala de aula, pois
comungamos das idéias de Sanches (1996, p. 21), quando nos diz:
Da mesma maneira que um médico não pode dar o mesmo remédio a todos [...] também o professor não pode dar a mesma resposta a todos e a cada um dos seus alunos [...]. Este é um momento importante, tão importante que pode ser o sinal da diferença entre uma intervenção de qualidade, adequada, oportuna e pertinente, e uma intervenção feita ao acaso, em que uns aproveitam e muitos ficam pelo caminho.
No sentido de criar possibilidades, de vencer os desafios que surgem em sala de aula
com relação ao atendimento do aluno com necessidades educacionais especiais, alguns
estudos têm apontado que muitas são as dificuldades encontradas, como a resistência a
mudanças e a falta de recursos para se trabalhar.
No caso das questões vivenciadas neste estudo, as dificuldades estavam relacionadas
especificamente com o “saber” e com o “não saber” docente para lidarem com a
diversidade.
O “não saber” ou “não estar preparado”, pela falta ou incompletude desse “saber”,
permeou todo o processo do estudo nessa sala. No que tange a essas questões, no dizer
94
de Jesus (2004, p. 9), duas situações precisam ser pensadas: “Como chegamos a
constituir esse discurso de negação e, se os docentes ‘não estão preparados’, o que é
necessário para tal?”. Na base do nosso empenho nessa discussão, existe a crença de
que, pelos vieses do trabalho em equipe, da formação continuada em contexto, do
exercício do pensamento crítico-reflexivo e da prática de pesquisa, encontraremos
algumas respostas.
Com base nessas crenças, iniciamos nossa pesquisa na sala de aula, buscando atuar, no
dizer de Shon (2000, p. 17), nas “[...] zonas indeterminadas da prática a incerteza, a
singularidade e os conflitos de valores [que] escapam aos cânones da singularidade
técnica”. Nesse cenário, muitas coisas podem acontecer, e o dia-a-dia nos mostra bem
isso.
No primeiro dia da pesquisadora na escola, especificamente na sala (durante a aula) a
professora Mery demonstrava preocupação com o que a pesquisadora externa pudesse
“aprovar” ou “desaprovar” das suas práticas. Na sala, olhou para a (pesquisadora) e
disse: “Quero que me fale depois o que você achou da minha aula. Não vá embora antes
de conversarmos. Preciso saber como foi e em que preciso mudar”.
A postura da professora denunciava todo o tempo sua disponibilidade e seu interesse em
querer constituir-se de uma outra forma de estar na profissão, principalmente no que se
referia ao processo de inclusão de Peticha, deixando, explícito o querer ser/fazer-se
pesquisadora do seu próprio processo.
A esse respeito, com a finalidade de investir e potencializar o trabalho da professora, para
que a dimensão formadora (da pesquisa) atingisse um “[...] valor epistêmico, resultando
em aquisição de conhecimentos a disponibilizar em situações futuras” (ALARCÃO, 2003,
p. 50-51), buscamos refletir sobre o processo de pesquisa/ação, sobre nossa autonomia
em sala de aula, bem como sobre o atendimento à diversidade de todos os alunos,
sobretudo no que dizia respeito às práticas com a aluna Peticha.
95
Desse modo, optamos pela pesquisa-ação por ela possibilitar uma atuação em conjunto
com as professoras das salas de aula, compartilhando com elas o trabalho de pesquisa e
co-participando da configuração da prática por elas observadas e desenvolvidas. No
entanto, tínhamos consciência de que era um tipo de pesquisa que na sua
intersubjetividade, inevitavelmente leva tanto o pesquisador quanto o pesquisado para
regiões de si mesmos que eles, sem dúvida, não tinham vontade de explorar (BARBIER,
2004).
A pesquisa-ação, por ser uma ferramenta geradora de linhas de desvelamentos, aflinge e,
ao mesmo tempo subsidia. Conforme o autor, para efetuar esse tipo de pesquisa é
preciso disposição dos participantes para enfrentar com seriedade os problemas que
constituem o contexto a ser estudado. Acredita que, à medida que esses sujeitos podem
ser ajudados, nós (pesquisadores) também precisamos de ajuda e, assim, ambos são
instigados a mudanças. Assim, tanto o pesquisado quanto o pesquisador estariam sendo
desvelados à medida que, durante a pesquisa, ambos eram avaliados. (BARBIER, 1995,
2004).
As inquietudes fazem-se presentes em todos os momentos da pesquisa. Novamente, no
episódio a seguir, isso se presentifica: Logo que o sinal tocou, a professora retomou o
assunto: “Quero que você me fale o que não foi legal. Fiz certo, quando chamei a atenção
de Peticha? O que não tiver certo, por favor, me fale, seja sincera!”.
As questões destacadas sugerem-nos um repensar das práticas pedagógicas a partir do
coletivo, da necessidade de constituir espaços para formação e produção de
conhecimentos por intermédio do diálogo, da reflexão e de discussões COM, NA E
SOBRE a prática.
Desse modo, buscamos construir uma comunicação recíproca que foi sendo alinhavada
até o ponto em que tivemos a oportunidade de dizer à professora Mery que não
estávamos ali para aprovar nem dizer o que estava “certo” ou “errado”, mas para
96
JUNTAS, refletirmos a respeito dos processos de suas práticas pedagógicas avaliando e
experimentando “[...] novas ações com o objetivo de explorar os fenômenos recém-
observados, testar nossas compreensões experimentais acerca deles, ou afirmar as
ações que tenhamos inventado para mudar as coisas para melhor” (SHON, 2000, p. 34)”.
Nesse processo de querer fazer-se professora-pesquisadora, foi-se desenhando uma
professora que “acorre aos espaços onde se discute o processo de ensino-
aprendizagem”. (ESTEBAN; ZACCUR, 2002, p. 17). Nessa trajetória, tomamos
conhecimento de que a professora participava de várias atividades de estudo, tendo em
vista a formação do professor oferecidas na Semed,28 como o Praler,29 como o Profa,30
em busca de interlocutores” que a ajudassem a pensar as questões vivenciadas na
prática. A experiência da professora na pesquisa acentuava suas inquietações com suas
práticas em sala de aula, bem como acarretava um “mal-estar” advindo da presença da
pesquisadora na sala.
4.3.1.1 A relação entre a pesquisadora e a professora e o processo de reflexão crítica
Em uma ocasião de encontro de professores, a professora, num dado momento, virou-se
para a pesquisadora e disse: “Olha, preciso lhe falar, não estou me sentindo à vontade
com você na minha sala de aula. Qual seu papel na minha sala? Tenho dificuldade em
diversificar o ensino para Peticha”.
Nesse episódio, a professora deixa clara sua preocupação com a presença da
pesquisadora em “sua” sala de aula. Essa situação também gerou, na pesquisadora certa
inquietude. Nesse momento, como nos sugere Fontana (1990, p. 39), “[...] inicia-se um
jogo de imagens” tanto por parte da pesquisadora, pela necessidade de criar uma relação
28 Secretaria Municipal de Educação de Aracruz. 29 Programa de Apoio à Leitura e à Escrita. 30 Programa de Formação de Professores Alfabetizadores
97
harmoniosa e inteligível (em relação à pesquisa), quanto por parte da professora-
pesquisadora, pela necessidade de uma direção e ajustamento do trabalho desenvolvido
por ela na sala de aula.
Assim sendo, somos intimados a pensar na construção de uma relação equilibrada, em
que o diálogo é a base tanto para a manutenção/construção/transformação de práticas
educativas, quanto para subsidiar o trabalho dos professores, no sentido de ajudá-los a
pensar/resolver os problemas vivenciados por eles com o conjunto da escola.
Além desse episódio, isso se presentificava nos relatos da professora nos seus registros
diários, como consta da escrita encontrada:
Bom! Tudo estava indo bem, quando chegou a nossa querida pesquisadora. Ela veio de mansinho, sempre munida de muita teoria e sabedoria. No início, fiquei muito apreensiva e chequei até a reclamar, pois, logo de início, ela sugeriu o trabalho em multiníveis. Eu já trabalhava nessa linha de pensamentos, mas não era uma preocupação diária e não incluía a Peticha nessas atividades. Com ela, utilizava outras tarefas, de acordo com os objetivos traçados no PEI. Logo de cara, essa foi a minha mudança, pois Wirlandia me ofereceu uma apostila reforçada [mostrando a] necessidade de planejar em multiníveis, possibilitando a real inclusão da Peticha com a turma.
Nos primeiros dias me senti presa, meus planejamentos não fluíam, não conseguia pôr em prática o que eu queria. Passei a ser mais exigente e criteriosa com as atividades pensadas. Teve um momento que me deparei com o mesmo sentimento do início do meu casamento. O compromisso, a incerteza do outro, a necessidade do diálogo, o medo de fazer errado, a sensação de cobrança. Então, conversei com Wirlandia e lhe expliquei o que estava pensando. Foi nessa conversa que ela me indicou para leitura a dissertação de mestrado de uma aluna da UFES (um documento com quase 300 paginas). À medida que fui lendo, fui entendendo o papel da pesquisadora e me sentindo privilegiada em poder estar participando de um trabalho tão grandioso, que, ao mesmo tempo que é extremamente trabalhoso e também estimulante, é oferecedor de mudanças no pensar e no fazer educação.
A situação de inquietude e desconfiança perdurou até a terceira visita da pesquisadora à
sala de aula, ocasião em que ela levou uma dissertação, que tinha como pressuposto
metodológico à pesquisa-ação, para a professora ler. Essa atitude teve como objetivo
clarear, para a professora Mery, em que consistia a dinâmica de atuação da pesquisadora
98
naquele contexto. Inicia-se aí um movimento em que a prática interroga e atualiza a
teoria, que, por sua vez, interroga e atualiza a prática. Tal aproximação facilita o processo
dialógico entre professora-pesquisadora e pesquisador externo.
Dessa forma buscamos contribuir COM o professor no sentido de fazê-lo pensar uma
escola estimulada pelos desafios, sabendo que faz parte de uma complexidade. Nessa
linha, também possibilitamos ao outro realizar seus movimentos, respeitando suas
vivências, bem como seu tempo de elaboração dos processos vividos na dinâmica que se
presentifica no contexto escolar. Em nosso ponto de vista, o grande desafio foi aprender a
esperar o movimento do outro, o seu tempo de elaboração e a respeitar as elaborações
do outro, resistindo à tentação de impor-lhes o caminho que parecesse o melhor (EIZIRIK,
2001).
Em vários momentos do estudo, a professora Mery (2006) em seus depoimentos, refere-
se a essas questões.
Sabe, as coisas que conversamos sobre Peticha me fizeram repensar várias situações de sala de aula [...]. Olha, já tinha essa prática de refletir sobre minhas ações, mas agora está sendo mais freqüente. [...] quero ter uma prática seqüenciada, quero trabalhar considerando a diversidade dos alunos, mas acho muito difícil.
A nossa formação não deu conta de nos ensinar a lidar com o diferente. Tentamos refletir sobre o nosso fazer a partir do que sabemos, do que damos conta. [...] refletindo sobre tudo o que aconteceu, vejo as contribuições da pesquisadora na minha prática de sala de aula: ela me ofereceu o material que eu usei, me incentivou a utilizar o planejamento em multiníveis de forma sistemática, me faz sentir bem como profissional (valoriza o meu trabalho), me mostrou a importância de refletir sobre a minha pratica (já refletia, mas não por meio de registro) e, o mais importante, me faz crescer como profissional.
Nesses extratos, fica evidente a postura da professora como profissional que busca
refletir sobre sua própria prática, propondo-se a efetivar um ensino que contemple todos
os alunos nas suas diferenças. No entanto reconhecemos ser esse um processo difícil,
por requerer, de acordo com André (1999, p. 20), “[...] o acompanhamento individualizado
dos processos e dos percursos de aprendizagem”, e, segundo Ambrossetti (1999, p. 100)
“[...] a percepção dos diferentes interesses e necessidades” dos alunos, bem como, no
99
dizer de Perrenoud (apud PASSOS, 1999, p.109), da profissionalização do professor “[...]
para responder à complexidade das situações e às expectativas da sociedade em relação
à escola”.
Tomando como ponto de apoio as idéias de Porter (1994, p. 44), somos tentada a pensar
que,
[...] quando um professor sinaliza um problema ao grupo, os elementos da equipa [sic] sugerem um conjunto de soluções possíveis. Então, o professor pode escolher a solução que considere mais conveniente. Um ou mais elementos da equipa [sic] podem garantir um apoio continuado, caso for necessário [...].
Nesse cenário carregado de ambivalências e atravessamentos, cada dia faz-se
necessária a constituição de ações colaborativas que contemplem a produção de
conhecimentos como via de acesso para o fazer pedagógico, em prol do atendimento à
diversidade, no sentido de garantir práticas diversificadas em sala de aula a todos os
indivíduos, independentemente de suas diferenças sociais, culturais, cognitivas e
individuais, para que eles possam avançar nas suas aprendizagens.
4.3.1.2 Os processos de mudança da professora da sala de aula e o “contágio” da professora de apoio
O processo dialógico que, pouco a pouco, foi se desenhando nos permitiu visualizar os
contornos das relações que foram estabelecidas em sala de aula, bem como os
processos de mudanças que se constituíram e conduziram as ações docentes das
professoras e da pesquisadora.
100
A sustentação do trabalho com a professora envolvia uma dinâmica que compreendia o
movimento entre teoria e prática, num processo de ação-reflexão crítico-colaborativo das
situações vivenciadas por professores-pesquisadores de sua própria prática. Assim, fazia-
se essencial investir nos momentos de planejamento.
Nessa etapa, instituímos o planejamento individual31 com a professora Mery e, na medida
do possível, com a professora de apoio, tomando como referência as questões que
emergiam das práticas das professoras, das questões da sala de aula.
Nessa fase, a professora Mery estava bem envolvida na pesquisa, no entanto ainda
sentíamos que a professora de apoio não se sentia bem à vontade com a situação.
Percebíamos nela resistência em diversificar o ensino. Nesse sentido, concordamos com
Jesus (2002) quando afirma que, constantemente vivenciamos situações em que os
professores sinalizam a difícil tarefa de abrir mão da perspectiva da deficiência e do
modelo de prontidão na sala de aula, questão que já está tão arraigada nas escolas.
Assim sendo, o grupo de professores de apoio pode se constituir num grupo de
resistência e/ou oposição a propostas alternativas de escolarização e mediação do
processo de ensino para todos os alunos, considerando o projeto educativo para aqueles
com necessidades educativas especiais.
Assim, mesmo enfrentando conflitos, resistências e oposições (como em toda e qualquer
mudança), persistimos não somente no projeto para o desenvolvimento das aulas
diversificadas, como também na transformação das concepções e, conseqüentemente,
das práticas da professora, por considerar, conforme Jesus (2002) que um projeto de
intervenção aberto a mudança precisa passar por um processo de constante
transformações e movimentos que busque entender cada um e o grupo no seu conjunto.
31 A escola não tinha a prática do planejamento individual sistematizado. Na verdade, existia, no horário da aula de Educação Física, um espaço que seria destinado para isso, no entanto esse espaço não era utilizado para esse fim. As professoras o aproveitavam para separar material, rodar atividades, etc. A partir desse encontro, esse espaço passou a ser utilizado para planejar/refletir/discutir as situações concretas de sala de aula, graças ao projeto.
101
Nesse contexto, Meirieu (2002, p. 34) nos diz que, por um lado, é natural que os
professores passem por conflitos, tensões e resistências “[...], mas do outro, esses
conflitos deverão ser reconhecidos e servirem de estímulo à nossa inventividade e
capacidade de persistência”. Acreditamos que o próprio ato de opor-se e/ou resistir pode
ser um indicativo a ser analisado. Assim, com a concordância da professora da sala,
buscamos nos respaldar, teoricamente, em autores que nos ajudassem a fundamentar
nossas práticas, tentando envolver a professora de apoio nas nossas buscas.
Nesse sentido, concordamos com Alarcão (2003, p. 45), quando diz que “[...] é preciso
vencer inércias, é preciso vontade e persistência”. Apesar da “resistência” inicial da
professora (PA), tentamos criar um clima que nos possibilitasse uma maior aproximação
nos momentos de planejamento, para que ela sentisse necessidade de assumir,
sistematicamente, esse “compromisso pedagógico”.
Concordamos com Meirieu (2002, p.142-143), quando alerta para a necessidade de
trabalharmos as resistências:
Trabalhar com a resistência significa então [...] aceitar que o outro seja o que ele é [...], no entanto ‘trabalhar a resistência’ também é ‘resistir a essa resistência’, não abrir mão de nada daquilo que se acredita ser justo necessário para o desenvolvimento da criança [...] [significa] considerar [a pessoa] como um sujeito constituído capaz de me interpelar como igual.
Participar do planejamento era fundamental para o que nos propúnhamos fazer, pois
eram os únicos momentos que tínhamos para discutir nossas práticas, e disso não
abriríamos mão. Uma vez por semana, ocorriam os momentos de planejamento coletivo
e, no horário da aula de Educação Física, asseguramos nosso planejamento individual.
Nesse espaço, nossos primeiros momentos, que se davam com a professora Mery,
possibilitaram pensar nas situações vivenciadas na sala de aula com a aluna Peticha,
com o envolvimento de outros alunos e de profissionais da escola; posteriormente, foi a
vez da professora de apoio com, precisamente, três encontros.
102
Nesse percurso, iniciamos nossas discussões traçando os caminhos pelos quais
precisaríamos percorrer. Buscamos orientar nosso trabalho a partir da realização de
alguns procedimentos como:
a) planejamento para direcionar as ações;
b) avaliação pedagógica da turma em relação aos seus processos de
aprendizagem;
c) conhecimento das necessidades individuais e grupais dos alunos;
d) registros dos processos de ensino e aprendizagem do aluno e do professor por
meio do diário reflexivo.
O primeiro passo do projeto consistiu na discussão e planejamento para direcionar as
ações das práticas a serem desenvolvidas. Passamos a discutir o que, por quê, onde,
como e quando iniciaríamos com os alunos. A professora demonstrou estar muito
empenhada para desenvolver o projeto e isso estava presente em seu registro, onde
pudemos verificar os sentimentos mais expressivos dela em relação ao projeto:
Eu e a pesquisadora planejamos o Projeto na sexta-feira e hoje de manha foi ótimo! Acredito que o nosso trabalho vai ser muito divertido, produtivo e oferecerá excelentes oportunidades de aprendizagem. O projeto está bem esquematizado e isso me tranqüiliza. Wirlandia, como pesquisadora, está sendo uma super supervisora. E muito bom saber que tem alguém que se preocupa com o sucesso e com os problemas que, freqüentemente, são apenas do professor regente. Está sendo uma experiência muito diferente na minha profissão, apesar dos meus 17 anos de caminhada.
O projeto, inicialmente, foi discutido com a professora da sala, a professora de apoio e a
equipe multidisciplinar, obedecendo às seguintes fases (Quadro 3).
4.3.1.3 Planejamento para direcionamento das ações
103
Etapas do planejamento das ações
Quem fará Onde Quando Como Tempo/ Duração
Professora da sala
Professora de apoio
Pesquisadora
Pedagoga
Equipe Multidisciplinar
Sala de aula
Espaço da biblioteca
Três vezes por semana nos dias em que a pesquisadora estará na sala
Trabalhos em parceria
Durante o período de setembro a dezembro
Quadro 3 – Discussão das etapas a serem consideradas para o desenvolvimento do projeto
4.3.1. Realização da avaliação pedagógica da turma em relação aos seus processos de
aprendizagem
Nosso primeiro movimento foi no sentido da realizar uma avaliação pedagógica no
contexto da turma, buscando melhor entender as relações entre as formas de
aprendizagem que ali se presentificavam. Nossa ênfase recaiu sobre os processos de
aquisição da leitura e da escrita dos alunos da turma (Quadro 4).
Grupo Caracterização
Grupo A – 1 aluna Sua escrita ora é representada por garatujas, ora utiliza letras e números. Usa as letras de seu nome como repertório
Grupo B – 3 alunos Escreve uma letra para cada sílaba, utiliza letras que correspondem ao som da sílaba, às vezes só usa vogais e outras vezes consoantes e vogais
Grupo C - 5 alunos Representa sua escrita ora com uma letra para registrar a sílaba, ora escreve a sílaba completa. A dificuldade mais específica desse grupo é mais visível quando da representação das silabas complexas
Grupo D – 7 alunos Compreende o sistema de escrita faltando apropriar-se das convenções ortográficas, principalmente das sílabas complexas. Lê e interpreta textos
Quadro 4 - Levantamento dos processos avaliativos dos alunos
104
Desse modo, a partir das discussões que vínhamos realizando acerca das aprendizagens
dos alunos e da atuação docente como dispositivo potencializador dessas aprendizagens,
elaboramos o projeto com a professora Mery e a PA, como segue abaixo:
Projeto – Trabalhando a Diversidade Através de Histórias em Quadrinhos
Justificativa: As histórias em quadrinhos são divertidas, atraentes, envolventes e possuem um tipo de linguagem própria. Por isso, resolvemos estudar e produzir este e outros gêneros literários, propiciando maior contato com o mundo da leitura e da escrita, estimulando a imaginação, a interação entre as crianças, enfocando o convívio e o respeito à diversidade em vários aspectos.
Objetivos: - favorecer o desenvolvimento criativo dos alunos por meio de diferentes expressões;
- conhecer diferentes tipos de quadrinhos e outros gêneros literários;
- apropriar-se dos elementos que compõem as histórias em quadrinhos;
- desenvolver a capacidade leitora, escritora e artística;
- ampliar o vocabulário;
- refletir em grupo as diversidades entre as pessoas e todos os seres que compõem o meio ambiente;
- desenvolver a conscientização da preservação do meio ambiente;
- conhecer e respeitar as diferenças que existem em si, no próximo, bem como na natureza;
- reconhecer-se como parte importante de um grupo e colaborar para o seu bom funcionamento.
Metodologia: - conversa informal;
- exploração de cartazes, vídeos, gibis, softwares (jogos), música, livro didático, livro paradidático;
- dramatizações e simulações;
- produção coletiva e individual.
Produção final: Organização de coletânea individual com os trabalhos desenvolvidos com os alunos.
O que pode ser trabalhado com este projeto?
- comunicação e expressão: leitura, interpretação, produção e reescrita de texto, ortografia, pontuação;
- artes: desenho, pintura, dramatização, modelagem, música;
Tema transversal: diversidade, meio ambiente.
Projeto elaborado pela professora Mery e pela pesquisadora. (continua)
105
Projeto – Trabalhando a Diversidade Através de Histórias em Quadrinhos
Avaliação: A avaliação será realizada a partir dos conhecimentos adquiridos pelos alunos, sendo contínua e
processual durante todo o tempo de realização. Utilizaremos diversos instrumentos de registros,
como diário reflexivo (professor) e diário de aula (alunos), buscando acompanhar o desempenho
individual e coletivo de cada etapa do projeto que poderá ser reestruturado a partir das
necessidades e interesses da turma.
Projeto elaborado pela professora Mery e pela pesquisadora. (conclusão)
Em busca de alternativas educacionais, passamos a refletir sobre práticas que fossem
impulsionadoras da aprendizagem e, conseqüentemente, do ensino, práticas que
considerassem a todos, a partir de tentativas de promover reformas educacionais no
interior da escola. A necessidade de pensar e fazer essas reformas educacionais “[...] tem
como princípios básicos a atenção à diversidade, isto é, a vontade de promover um
ensino mais individualizado para todos os alunos, tanto para aqueles que apresentam
necessidades educacionais especiais, como para aqueles que não apresentam tais
necessidades [...]”, conforme Alcudia e Mantoan (2002, p.107).
Nesse contexto, buscamos a ativação das informações acerca dos processos de todos e
de cada um, com o objetivo de iniciarmos um processo de reflexão sobre os alunos. A
partir daí, passamos a pensar num projeto de ensino que possibilitasse a melhoria das
respostas educacionais dos alunos diante da diversidade de todos e de cada um.
Nesse ínterim, em conversa com a professora Mery, ela revelou que alguns alunos
haviam perguntado as razões pelas quais Peticha não realizava a mesma tarefa que eles.
Questionavam os motivos pelos quais não era exigido dela o cumprimento da tarefa. Os
colegas tinham uma boa convivência com a aluna, ajudando-a no que fosse necessário,
no entanto cobravam uma atitude da professora em relação ao cumprimento das
atividades pela aluna, mesmo que estas tivessem outro tipo de exigência. Muitas vezes, a
106
aluna estava realizando uma atividade e, do nada, parava e ia olhar os gibis que estavam
dispostos no cantinho da leitura.
Essa situação foi gerando um desconforto para as professoras até o ponto em que a
professora de apoio passou a trabalhar com a aluna para que ela também se envolvesse
com as questões que estavam sendo trabalhadas na sala. A aluna relutava, pois estava
acostumada àquele outro tipo de situação.
Como reflexo dessas situações, os alunos passaram a agilizar as tarefas para também
irem para o cantinho da leitura. Diante desses comportamentos, a professora percebeu o
interesse (da turma) por esse gênero (histórias em quadrinhos).
Com o conhecimento das situações ocorridas na sala de aula, no momento do
planejamento individual, buscamos discutir estratégias pedagógicas que contribuíssem
com o saber-fazer das professoras. Tentamos avançar na
compreensão/problematização/discussão das questões vivenciadas por elas, de maneira
que pudessem refletir sobre suas próprias práticas.
Nossa proposta se constituía em assegurar momentos para discutir as práticas
pedagógicas das professoras por intermédio de um processo de trocas intersubjetivas, de
atitudes individuais e coletivas do grupo escolar e, principalmente, do conhecimento das
questões relacionadas com os fazeres dos professores envolvidos na pesquisa.
Considerando as necessidades de aprendizagem de toda a turma e as questões
vivenciadas na sala em relação à aluna Peticha e aos interesses dos alunos, definimos
por discutir o projeto em multiníveis - Trabalhando a Diversidade por meio de Histórias em
Quadrinhos buscando enfatizar questões relacionadas com a diversidade dos alunos, com
apoio nas histórias em quadrinhos.
107
A partir daí, inicia-se o planejamento do projeto. Acreditamos que o planejamento
sistematizado das ações produz os mecanismos necessários para que o professor realize
seu ensino de forma consistente. Possibilita, também, um ensino que seja capaz de
atender às necessidades dos alunos e, principalmente, do professor, que, a partir de sua
prática pedagógica, reflete, avalia e, se necessário, altera-a continuamente.
Nesse sentido, o autor nos alerta para o fato de que o planejamento do ensino, de
maneira geral, busca responder a algumas questões que estão atreladas aos objetivos,
conteúdos, estratégias e propostas de avaliação que dizem respeito às seguintes
questões: Por que ensiná-lo? O que ensinar? A quem ensinar? Como ensinar? O que
esperar? Como avaliar?.
O projeto tinha como meta trabalhar um currículo com uma abordagem inclusiva, tomando
como referência a atenção à diversidade por meio de ensino em multiníveis.
Comungamos do pensamento de Porter (1994) quando nos diz que um currículo de
abordagem inclusiva é aquele que assegura a todos os alunos acesso a um ensino comum com
níveis diversificado, que atenda suas especificidades, proporcionando-lhes desenvolverem de
forma positiva.
Nesse percurso, sentimo-nos à vontade para desenvolver o projeto em multiníveis na sala
de aula porque a professora estava totalmente disposta a mudanças na sua prática,
investindo na aprendizagem de seus alunos. No entanto reconhecíamos as dificuldades
enfrentadas pelas professoras e tentávamos, nos momentos de discussão-reflexão,
contribuir para ajudá-las a pensar as questões/dificuldades vivenciadas na sala que,
freqüentemente, eram trazidas nos momentos de planejamento.
O projeto em níveis diversificados permite-nos a realização de um trabalho mais
personalizando para todos os alunos, independentemente de suas especificidades e da
série que estão cursando. De acordo com Rodrigues et al. (2002, p. 92) é um meio de “[...]
respeitar os diferentes ritmos e estilos de aprendizagem e os diferentes ‘níveis’
108
curriculares da classe [...]”, pois permite desenvolver “[...] metodologias que aumentem a
autonomia dos alunos e que facilite o aprender a aprender”.
Nessa busca, encontramos Porter (1994) que nos alerta para a utilização do ensino
diversificado como uma forma pelo meio da qual o aluno exprime a sua compreensão e
desenvolvimento de meios de avaliação que correspondam aos diferentes níveis de
desempenho.
O ensino diversificado, a nosso ver, nada mais é que a possibilidade de ajuste do
currículo escolar, a partir da consideração dos objetivos traçados para cada aluno, ou
seja, uma organização curricular inclusiva que leve em conta o plano individual e coletivo
de cada aluno.
Para a organização temática, ensino diversificado, buscamos nos subsidiar nos seguintes
autores: Porter (1997), quando traz, na sua produção, a discussão do que se considera
como “Caminhos para a Educação Inclusiva”; Wang (1994), quando discute o que se
considera como ajuda para que os alunos aprendam; Ainscow (1995), ao propor a
discussão “Educação para Todos: Como torná-la uma Realidade” no ensino regular;
André (1999), quando discute a pedagogia das diferenças em sala de aula; Pacheco
(2007), quando aponta alguns “Caminhos para a Inclusão” de todos os alunos; Ambrosseti
(1999), quando dialoga com “O Eu e o Nós: Trabalhando com a Diversidade na Sala de
aula; e Sanches(1996), ao considerar os “Apoios e Complementos Educativos no
Cotidiano do Professor” como suporte para o trabalho docente.
Assim, buscamos, nos planejamentos, sistematizar as atividades/intervenções que
iríamos realizar com os alunos. Nesse momento, verificamos que as fases 1, 2 e 3 foram
extremamente importantes por terem nos permitido um aprofundamento no planejamento
das etapas, nos conhecimentos acerca dos níveis de aprendizagem dos alunos e das
configurações dos agrupamentos para que, de posse desses conhecimentos,
pudéssemos realizar o planejamento das ações que iríamos desenvolver na sala de aula.
109
Concordamos com Stainback e Stainback (1999, p. 213), quando nos dizem que “[...] a
criação de uma rede de apoio [...] auxilia ao processo de aprendizagem tanto do aluno
que auxilia quanto do aluno que é auxiliado”, propiciando, assim, o fortalecimento das
práticas pedagógicas dos professores, possibilitando uma dinâmica de ajuda a todos e a
cada aluno nos seus afazeres, potencializando suas práticas e, conseqüentemente, suas
aprendizagens. De acordo com Zabala (apud PEREZ, 2002, p. 95) a maneira como as
aprendizagens são produzidas depende dos processos que são sempre singulares e
pessoais de cada um. Nesse sentido, ainda nos diz que as contribuições da ciência
pedagógica e psicológica para os processos de aprendizagem foram muito importantes e,
apesar de continuarem existindo diversas correntes e concepções para explicar esse
processo, há uma série de princípios com os quais todas as correntes estão de acordo.
Esses princípios estão intimamente relacionados com a necessidade de o professor
conhecer, entender e considerar que:
a) as aprendizagens dependem das características singulares de cada aluno;
b) as experiências prévias que cada aluno viveu ao longo de sua vida têm uma
grande influência na aprendizagem que realiza;
c) os processos de aprendizagem variam de acordo com as capacidades, as
motivações e os interesses de cada um.
A partir desses princípios, fomos convidada considerar a diversidade existente naquele
contexto, buscando inovar e implementar formas diferenciadas de intervenções, além de
um trabalho pautado em práticas colaborativas. Para tal, investimos na construção
interativa das ações em sala de aula, num trabalho que visava a uma divisão e
sistematização didática tanto no que se referia ao planejamento de conteúdos/atividades
adaptados à capacidade de cada aluno, quanto no que dizia respeito às formas de
atuação pautadas no ensino em colaboração.
Vale ressaltar que o projeto, em sua totalidade, contemplou doze encontros que
permitiram a realização de estratégias de intervenção juntamente com as professoras.
Assim, ao pensarmos em estratégias pedagógicas diferenciadas de ensino, passamos a
110
contribuir, efetivamente, para um pensar que retrata aspectos relevantes desenvolvidos
na sala de aula nos diferentes momentos da pesquisa.
A partir da compreensão dos diferentes processos, tanto do ponto de vista do ensino
quanto da aprendizagem, passamos para a outra fase, que foi o conhecimento das
necessidades individuais e grupais dos alunos (APENDICE)32.
A partir dos encontros que vínhamos realizando no planejamento individual, nos estudos e
nos momentos em sala de aula, surgiu a necessidade de trabalharmos considerando as
especificidades e os processos de aprendizagem dos alunos, o que implicou um trabalho
voltado para o reconhecimento do que já sabiam, e a potencialização desses para a
obtenção de novas aquisições, com base em variações que pudessem responder às suas
necessidades/especificidades dos mesmos.
Nesse sentido, buscamos realizar agrupamentos considerando os processos de Todos os
alunos e suas individualidades, no intuito de ajudá-los nas suas aquisições. Corroboramos
o pensamento de Porter (1994), quando nos diz que na prática, a maneira como se tem
lidado com os alunos nos seus diferentes processos de aprendizagem e as necessidades
de apoio podem agravar seus problemas ou contribuir com seu processo de
aprendizagem. Entendemos que todos os alunos precisam ser olhados/entendidos nas
suas necessidades, processualidades, no entanto há que se ter cuidado com a forma
como interpretamos e olhamos para as diferenças entre os sujeitos.
Nesse contexto, percebemos que,
[...] muitos são os alunos que apresentam dificuldades em seus processo escolares resultantes da forma como são caracterizadas as diferenças individuais, como é elaborada a informação e como esta informação é utilizada para ajudar a tomar decisões educativas (PORTER, 1994, p. 53).
32 CD ROM.
111
Nesse sentido, o autor nos acorda para a necessidade de reconsideramos que a maior
tarefa que se apresenta à escola hoje é criar ambientes de aprendizagem que fomentem
a equidade em relação aos resultados educativos para todos os alunos.
4.3.1.5 Diário reflexivo: alguns recortes sobre o projeto “Trabalhando a Diversidade por Meio de Histórias em Quadrinhos” e os processos de ensino e aprendizagem dos alunos
Achamos necessário trazer para o relato e análise das dinâmicas das relações na classe
alguns episódios registrados tanto no diário de bordo da pesquisadora externa, quanto no
diário reflexivo da professora Mery, por considerar que o leitor encontrará subsídios
necessários ao entendimento para as análises de tal categoria.
A idéia do uso do diário reflexivo foi proposta por Darsie (1996), por ocasião de um curso
de formação inicial de docentes, como um instrumento de “investigação didática”. Nessa
formação, a autora também revela a significativa contribuição desse instrumento para a
formação inicial e continuada dos professores, por possibilitar a “[...] promoção de
reflexão, da tomada de consciência do próprio processo de aprendizagem e na
investigação didática” (p.32) do professor e dos demais profissionais que fazem parte do
processo educativo.
Iniciamos o projeto perguntando aos alunos o que sabiam e o que entendiam sobre o
sentido de “ser diferente”. Eles disseram:
— Ser diferente é ter cabelo preto, loiro e outras cores.
— É ser deficiente, aleijado, é ser igual Peticha.
— É ter cor diferente. É ser pobre ou rico.
112
— É um gostar de uma coisa e o outro, de outra. Eu não como jiló, nem gosto de verdura.
— Professora, tem plantas e animais e coisas que são diferentes.
A professora procurava conduzir a conversa de forma muito prazerosa e autônoma. Em
determinado momento, um aluno falou: “Professora, não gosto de pessoas de pele
escura. Acho elas feias”. A professora levou a discussão para o grupo, tentando
proporcionar uma reflexão sobre a necessidade de superação de preconceitos, numa
tentativa de pensar, coletivamente, a importância do respeito e valorização das pessoas e
das coisas que são diferentes aos nossos olhos.
Propiciar esses momentos de reflexões nos possibilita, de acordo com Galivan, citado por
Almeida (2004, p.184), desenvolver a ”[...] capacidade de entender como uma mesma
situação pode ser vista de perspectivas diferentes”, permitindo que os alunos
compreendam que existe um mundo que é diverso, com seres, pessoas, coisas que são
necessárias para a nossa sobrevivência, justamente por se constituírem de uma forma
singular no seu jeito de ser, de existir, de conceber...
Logo após essa discussão, fomos assistir ao filme “Procurando Nemo”. Esse momento foi
fundamental por ter-nos possibilitado uma reflexão maior a respeito da necessidade de
entender/considerar o jeito de ser das pessoas e, mais, por passar uma lição bem
interessante de lutas e superações,
Começamos hoje o nosso Projeto Diversidade através das Histórias em quadrinhos. Eu estava ansiosa para começar.
Eles assistiram ao filme Procurando Nemo! O único aluno que não assistiu com interesse foi João Vitor. Ele se justificou dizendo que já tinha assistido (na verdade, há alguns dias ele se comporta com indisciplina na sala de aula).
Conversamos sobre o filme, mas não houve tempo para escrever a história. Só foi possível ilustrar.
Comecei a aula relembrando o filme com as crianças. Direcionei a conversa para as diferenças dos animais que aparecem no filme e as inseguranças vividas pelo personagem Nemo. Conversamos sobre os acontecimentos, discutindo o lugar ou o espaço e as mudanças na personalidade de Nemo [...].
A partir daí, começamos falar sobre as nossas diferenças. Eu falei que tenho problema de visão (uso óculos), Cláudio falou que é gordinho João
113
Vitor Scarpat falou que chupava dedo (outros também assumiram esta diferença), outros falaram que são magros. Hariadne disse que chupava chupeta. Fizemos um circulo no chão (todos com o livro didático aberto na página 185).
Lemos em voz alta as falas das crianças dispostas dentro dos balões, em que cada uma ressaltava uma característica que a tornava diferente no grupo (DIÁRIO REFLEXIVO DA MERY).
A professora tinha uma forma muito especial de conduzir o trabalho, procurava intercalar
a intervenção dos alunos com informações complementares. Percebiamos nela um
interesse muito grande em fazer da sala de aula um espaço de diálogo e reflexão,
proporcionando aos alunos a oportunidade de expor seus pontos de vista e a refletir sobre
eles.
Na produção do texto da história abordada, os agrupamentos foram organizados
considerando as proximidades em relação ao desenvolvimento na leitura e na escrita. Os
alunos eram motivados a trabalhar em dupla e, posteriormente, em grupo, pois, à medida
que interagiam com outros colegas, iam criando outros agrupamentos. Assim, essas
estratégias pedagógicas passaram a contribuir com a inclusão dos alunos que precisavam
de mais apoio, a partir do trabalho entre pares e do compartilhamento dos seus saberes
entre os colegas. Nessa etapa, as professoras de apoio e da sala e a pesquisadora
circulavam nos grupos apoiando os alunos no que fosse necessário. Alguns grupos
precisaram menos de assessoria, outros demandavam uma atenção maior dos
professores e da pesquisadora. A aluna Peticha precisava ser compreendida na sua
interlocução (por motivo de ter um comprometimento na linguagem). Peticha contribuía
com as discussões, contando o que absorvera da história assistida: Tinha um monte de
peixinho: um era assim... outro assim... desenhando os peixinhos na coletânea e
contando-os com os dedos.
Com isso, entendemos que a turma teve uma grande parcela de contribuição nesse
processo, por passar-nos a compreensão da importância em estabelecer relações com o
outro, num processo que se constitui um aprender e um ensinar que só podem ser
construídos colaborativamente.
114
Na aula seguinte, a professora retomou a história, aproveitando as produções dos alunos
oriundas de uma reescrita de textos de forma coletiva. A professora já tinha essa prática
de intervenção por conta da metodologia do projeto Profa que busca desenvolver a
reescrita de diferentes gêneros textuais a partir de várias versões. Na escrita coletiva, a
professora explorava a seqüência dos fatos ocorridos no filme, discutindo com os alunos
uma linguagem apropriada para a escrita, os significados das palavras e das situações,
entre outras questões.
Após a produção coletiva do texto (escrito no quadro), os alunos leram o texto com a
professora e depois copiaram nas suas coletâneas.33 Para Peticha, a professora copiou e,
depois, pediu-lhe para ilustrar.
No seu diário, a professora escreveu: “Penso que precisamos organizar melhor o tempo
para a oralidade, a escrita, as dinâmicas. Sinto que o tempo da oralidade está muito
extenso e isso deixa as crianças dispersas. Eu e a pesquisadora precisamos conversar”.
Por meio do diário reflexivo, pudemos tomar conhecimento, com maior profundidade, das
preocupações da professora em relação ao seu ensino, no que se refere aos processos
de aprendizagem dos alunos, às atividades desenvolvidas, aos tempos utilizados para
cada ação, bem como às decisões a tomar em prol do favorecimento das aprendizagens.
Percebemos que as questões que permeiam a sala de aula de Mery não se diferem de
outros contextos de sala de aula no entanto o uso do registro como instrumento de
avaliação e investigação didática, ou seja, um instrumento para orientar o planejamento
das ações dos professores, ainda é uma prática pouco vista nas nossas escolas.
O primeiro dia de aula teve uma grande repercussão entre os profissionais da escola, que
passaram a ter curiosidade em saber o que estava acontecendo. A presença desses
profissionais nos permitiu a realização de um trabalho multifacetado que só poderia ser
concretizado a partir de uma visão interdisciplinar, da conjugação de diferentes saberes 33 Foi organizada uma coletânea com as atividades desenvolvidas pelos alunos durante o projeto.
115
(educacionais, psicológicos, culturais, pedagógicos, entre outros) entre os profissionais,
que nos permitisse acompanhar/avaliar os processos de aprendizagens dos alunos e a
eficácia das intervenções didática.
Nesse episódio, o que nos chamou a atenção foi o fato de a psicóloga ter contribuído
significativamente com seus saberes, mediando as intervenções com base no tema
proposto. Outro fato foi a reflexão da professora em relação à sua responsabilidade, com
referência à aluna Peticha, entre outras questões que se fizeram:
Chegou o segundo dia do projeto e preparei um lindo cartaz com muitas ilustrações de crianças com diversas diferenças; nele escrevi, com letras coloridas, ‘Ninguém é igual a ninguém’ e Projeto ‘Diversidade Através das Histórias em Quadrinhos’ [...]. Na exploração do cartaz, as crianças falaram muitas coisas interessantes.
Fizemos a leitura do livro ‘Ninguém é iqual a ninguém’ com o auxílio do hepiscópio e com a ajuda dos alunos alfabéticos [...]. Os alunos se entregaram ao momento e se divertiram. Peticha não se conteve com a presença da psicóloga, assistente social e da pesquisadora: Ela pegou um livro e começou a contar a historia dos três porquinhos. O engraçado é que ela me imitava nos mínimos detalhes, isso me fez refletir mais uma vez sobre como é grande a minha responsabilidade (sou espelho o tempo todo).
Quando estavam faltando 25 minutos para o recreio, retomamos com a técnica da mão. Eles observaram os dedos, as unhas, as palmas das suas mãos e as dos colegas. Fizemos comparações, comentários e contornamos uma de suas mãos. A psicóloga pegou sua identidade para que todos observassem a digital e a sua importância. Conversamos sobre isso deixando bem claro a forma de identificar a pessoa, inclusive servindo como assinatura para as pessoas que não sabem escrever seus nomes. Giovana34 pegou a bucha de carimbo e todos os alunos deixaram suas digitais impressas na folha de atividade.
Por último, escrevemos coletivamente as observações feitas pelo grupo. Na verdade, eu queria maior crítica nos relatos, mas não consegui. Penso que ainda é cedo. Falar de diversidade é algo que tem de ser construído e eu não posso cobrar demasiadamente de uma turma de seis anos (DIÁRIO REFLEXIVO DA PROFESSORA MERY).
O “contágio” das experiências vividas para outros grupos possibilitou o envolvimento de
outros profissionais na sala, durante o desenvolvimento das atividades com as crianças. A
partir daí, pudemos analisar como as práticas colaborativas contribuem para o
favorecimento de um processo de ensino e aprendizagem tanto para os alunos quanto
34 Psicóloga.
116
para os profissionais da educação, pois favorecem a reflexão em equipe sobre as
possibilidades de atuação diante dos desafios encontrados na sala de aula.
Durante todo o processo de pesquisa, focamos nosso olhar nas atividades da professora
referentes às intervenções realizadas com Peticha, em relação ao conjunto da sala,
apoiadas pelo conhecimento teórico e pela discussão de propostas de trabalho no
momento do planejamento. Nesse sentido, concordamos com Nóvoa, citado por Jesus
(2004, p. 42), quando argumenta que o espaço escolar é o lócus da formação continuada,
pois, segundo o autor, a atualização e a produção de novas práticas de ensino só surgem
de uma reflexão partilhada entre os colegas.
Por fim, elegemos este último episódio, entre tantos, por acreditar que, no decorrer da
pesquisa, ele assinalou a importância do nosso papel na pesquisa e possibilitou-nos
avaliar também nossos processos com o conjunto da sala de aula:
Este dia será inesquecível. Eu nunca participei de uma aula tão rica. Hoje eu fui muito mais do que professora, eu fui aluna. Aprendi muito mais do que ensinei. Tudo o que se foi falando e vivido foi altamente importante para o crescimento pessoal de cada ser presente naquele local.
Começamos a aula com uma história em quadrinhos, ‘Dorinha, a nova amiguinha’. Eu li as falas dos balões e explorei as imagens projetadas pelo hepiscópio. As crianças ouviram atentamente. A única que se comportou com resistência foi a Peticha. Hoje foi o dia em que ela deu mais trabalho: falou alto retrucando Wirlandia e Ana, deitou no chão com pirraça, usou artimanhas para conseguir o que queria, etc.
Os outros alunos participaram e gostaram muito da história
Em seguida, organizamos um grande grupo e Wirlandia apresentou o alfabeto em Braile que ela trouxe confeccionado com Eva. Foi muito legal! Eu não conhecia quase nada sobre o assunto. Foi ótimo! As crianças participaram ativamente.
Wirlandia conduziu o trabalho de forma dinâmica. Apresentou o mapa do Brasil (confeccionado em alto relevo), livros com gravuras e palavras enormes para as pessoas com visão subnormal e a lupa para facilitar, livros escritos em Braile para as crianças manusearem e o Sorobã. Após a exploração dos materiais, escolhemos duas crianças, vendamos os olhos e oferecemos bengalas para eles se locomoverem. A experiência foi ótima! Os relatos foram impressionantes: ‘É muito ruim não enxergar!’; ‘É muito difícil andar assim’, Peticha participou.
Chegou a hora da exploração do alfabeto Libras. As crianças observaram as mãozinhas e formaram várias letras, observando as mudanças das
117
posições dos dedos. Para vivenciar a problemática da surdez oferecemos um DVD só com a imagem e sem o som. Foi um Deus nos acuda! Eles reclamaram, pediram para colocar o som, perguntando se aquilo era uma brincadeira, e alguns alunos se recusaram a ficar ali sem ouvir as falas dos personagens.
[...] Outra simulação foi a dos deficientes físicos: uma criança, com camisa de manga comprida, e de botão, tinha que desabotoar a camisa com as mãos imobilizadas. Wirlandia fez intervenção até as crianças chegarem à conclusão de que a colega precisava de ajuda para realizar a tarefa. Nesse momento, Peticha levantou e ajudou-a a desabotoar. Foi muito legal! Com o aluno João Vitor Scarpat o desafio foi diferente: ele ficou com as mãos e os pés atados, simulando uma pessoa com deficiência física e também com dificuldade na fala. Ele tinha que participar da apresentação de um trabalho em grupo sobre meio ambiente. Os colegas auxiliaram e apresentaram a atividade em conjunto. Quando Wirlandia o questionou sobre como ele se sentiu sendo ajudado pelos colegas, ele respondeu: ‘Eu fiquei feliz!’.
Acabando as simulações, começamos a atividade de escrita do próprio nome com o uso da reglete e da pulsão, utilizando o alfabeto Braile. Os alunos adoraram.
Após o recreio, terminamos a atividade do nome, exploramos o que aprendemos com o uso da reglete (numerais de 1 a 6, direita, esquerda, embaixo e em cima, seqüência, concentração, etc.
Apresentamos outros materiais utilizados com deficientes visuais: painéis com várias texturas (aproveitei para explorar qualidades contrárias como liso-áspero, macio-duro, fino-grosso) e quadros em forma de labirintos para guiar a ponteira.
Por último, eles assistiram ao DVD da turma da Mônica, agora com som e com o objetivo de divertir. Como dever de casa, nós pedimos às crianças uma lista dos personagens da turma da Mônica.
Refletindo sobre o que aconteceu hoje, só posso afirmar que a aula oportunizou excelentes situações de aprendizagem (DIÁRIO REFLEXIVO DE MERY).
Desse modo, pudemos perceber que a ação conjunta dos profissionais contribuiu para o
desenvolvimento profissional dos professores e para o crescimento dos alunos nos seus
diferentes aspectos; houve contribuição também com relação à possibilidade de uso de
diferentes estratégias, com a contemplação de atividades variadas, levando-se em
consideração as diferentes possibilidades dos alunos.
Nesse processo, procurávamos refletir sobre nossas ações com apoio nas intervenções
anteriores, num constante processo de ação-reflexão-ação que era reforçado no
118
planejamento. Para tanto, apropriamo-nos dos dizeres de Meirieu (2002, p.32), quando
nos diz:
Não digo que tudo isso tenha sido fácil. Não digo que não tenha enfrentado um pouco de dificuldade... Nem que não tenha me sentido mortificado (a) muitas vezes, criticando-me por não ter sabido agir... Digo simplesmente que compreendi um pouco melhor nessas situações... O que ocorre no ato educativo...
Vale ressaltar que o diário reflexivo, como instrumento de avaliação didática, teve uma
importância fundamental por ter sido utilizado como dispositivo para pensar as práticas
pedagógicas em sala de aula. Isso possibilitou à professora “[...] tomar consciência da
eficácia de seu ensino e poder constantemente reorganizá-lo tendo em vista a otimização
da aprendizagem de seus alunos” (ANDRÉ, 1999, p. 30) e de sua própria aprendizagem.
Ao longo do processo, que não finaliza aqui, achamos importante sempre considerar que,
na condição de professores, em nossas práticas, precisamos ter em conta:
a) a importância de conhecer o aluno, suas potencialidades e necessidades durante
todo o processo (percurso) de escolarização;
b) o conhecimento do modo, da maneira com que se aprende com mais destreza,
oferecendo desafios sempre acompanhados de informações que podem ajudar o
aluno a superá-los, ou seja, oferecer-lhe desafios sempre acompanhados de
motivações;
c) o reconhecimento da necessidade de envolver toda a equipe escolar nas
questões que dizem respeito aos processos de ensino e aprendizagem de todos
– alunos, professores e profissionais da educação;
d) a necessidade da busca de conhecimentos teórico-práticos para que possam
adaptar o ensino à realidade do aluno;
e) a importância de usar o recurso do registro como ferramenta para um repensar as
práticas pedagógicas;
f) o desenvolvimento de ações colaborativas com o conjunto da escola;
119
g) a necessidade de buscar parceria com a família, no decorrer do processo de
escolarização dos alunos;
h) o desenvolvimento da prática de planejar as ações.
Diante dessa realidade, acreditamos que, em nossa pesquisa, conseguimos contribuir
para um repensar das práticas pedagógicas da professora regente e da professora de
apoio que se constituíram pesquisadoras dos seus processos de ensino, por meio de
trocas intersubjetivas. A abordagem da prática reflexiva, pela via da pesquisa-ação-
colaborativa, possibilitou o engajamento de ações que se tornaram significativas no
desenvolvimento dos saberes e fazeres da professora-pesquisadora no cotidiano da sala
de aula e no contexto escolar.
4.4 TRABALHANDO NA SALA DE AULA DA PROFESSORA ESPERANÇA
Ao chegar à escola, deparamo-nos com discursos dos “alunos do não”. Os profissionais
da escola nos passavam a idéia de que o problema da turma estava nos alunos e não na
forma de desenvolvimento do ensino. Nesse contexto de apresentação do “quadro” da
turma, insere-se uma representação que, de modo geral, passou a influenciar o olhar da
professora em relação à turma.
Essas interlocuções nos possibilitaram conhecer a constituição da turma, que já vinha de
um histórico de reprovações, agregando-se a isso a falta de condições básicas de
moradia, saúde e alimentação. A turma era constituída basicamente de alunos, na sua
grande maioria, do próprio bairro, conhecido por apresentar um alto índice de pobreza,
violência e de consumo e tráfico de drogas. Também havia alunos de outras periferias. Na
sala da professora Esperança tinha uma aluna com NEE, sendo diagnosticada com
deficiência intelectual, de um total de 29 alunos. No entanto, de acordo com a escola, “os
outros” necessitavam muito mais de “intervenções”.
120
A apresentação da referida turma com esses parâmetros remete-nos a discussões que
têm sido freqüentes, conforme estudos dos pesquisadores: Amaral (1998), Bueno (2000),
Eizirik (2004), Jesus (2002), Sanches (2000) e que tratam da produção/exclusão de
alunos que apresentam necessidades educacionais especiais pelas escolas.
Nesse sentido, Amaral (1998, p.14) nos diz que todos nós sabemos (embora nem todos
confessemos) que, em nosso contexto social, “[..] a pessoa que foge do padrão de
normalidade sofre com a presença de preconceitos e discriminação, que a impede de
vivenciar não só seus direitos de cidadãos, mas de vivenciar plenamente sua infância”.
Ainda nos instiga a pensar sobre os conceitos que utilizamos para “decretar” que um
objeto, um fenômeno, alguém ou um tipo é diferente, e quando consideramos
“significativamente diferente”, por quais parâmetros nos guiamos?
Em referência ao “decretar”, apresentado por Amaral, algumas questões nos
acompanharam: o que levou aqueles profissionais a “decretar” aqueles alunos como os
“piores” da escola? O que, efetivamente, sabiam aqueles professores sobre os alunos do
5º B? Que critérios utilizavam para estabelecer tais parâmetros? E, ainda, quem os
define? Quem eram aqueles alunos? No intuito de não trazer respostas, mas de refletir
acerca das questões que se colocam, novamente nos apoiamos em Amaral (1998),
quando nos diz que as nossas práticas têm muito a ver com a forma que instituímos e
como olhamos esses sujeitos. Ainda esclarece que os conjuntos de idéias de que nos
apropriamos subjetivamente desembocam em preconceitos.
Nossos primeiros contatos com os professores e os alunos, eles nos apontaram a
necessidade de procurar enxergá-los, vê-los nas suas várias dimensões. Era preciso
pensar que, no universo escolar, existe um mundo a ser explorado, mas para conhecê-lo,
é preciso entender/crer que existem, dentro dele, outras dimensões que se apresentam
de formas variadas e que precisam ser conhecidas e exploradas, olhadas nos seus mais
diferentes ângulos.
121
Esses primeiros momentos com os professores e os alunos nos trouxeram algumas pistas
que nos possibilitaram pensar na urgência de investir na escola para que ela
reconhecesse a necessidade de trabalhar numa perspectiva inclusiva, buscando
[...] um modo de se constituir o sistema educacional que considera a necessidade de todos os alunos e que é estruturada em função dessas necessidades. A inclusão causa mudança na perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar somente os alunos [...] (MANTOAN, 1997, p. 121).
Tomando essas questões como princípios, buscamos nos aprofundar nos conhecimentos
pedagógicos da professora e em suas práticas em sala de aula, com a finalidade de
entender seus processos e suas necessidades, para que pudéssemos produzir, juntas,
conhecimentos sobre o processo de ensino e aprendizagem que favorecessem as
práticas no contexto escolar com todos os seus profissionais, num movimento de
aprender/saber/fazer-se sujeitos capazes de enfrentar o desafio de ensinar a todos por
meio de ações pedagógicas mais inclusivas.
Para desencadear esses movimentos na escola, partimos do pressuposto de que, para
analisar o processo educacional, não basta só conhecer e descrever a proposta
educacional, mas também é preciso buscar recursos teóricos que nos possibilitem sua
análise.
Dessa forma, procuramos em Nóvoa (1992) subsídios teóricos que nos ajudassem a
pensar a ação do professor. De acordo com esse autor, a prática pedagógica do professor
se personifica na ação, não a prescindindo, mas estando nela (conhecimento na ação), na
reflexão-na-ação, ou seja, a partir das ações já realizadas ou no exato momento em que
elas ocorrem e também na reflexão-sobre-a reflexão-na ação, ou seja, no momento em
que ocorre e após ocorrer a ação.
Assim, sustentamos a necessidade de olhar os vários vieses que perpassam a prática
docente, quando somos chamados a exercer e “[...] pensar um tipo de formação e ação
docentes apoiados nos conceitos (a meu ver, digo de novo) férteis de pesquisa
122
colaborativa e ensino reflexivo” (MONTEIRO, 2001, p. 126, grifo do autor), ou seja, no
trabalho do pensamento do professor a partir de sua prática cotidiana.
Nesse processo, conviver com o ambiente da sala de aula permitiu-nos mergulhar nas
relações estabelecidas entre os atores, conhecer os aspectos mais relevantes dos
processos vividos cotidianamente por eles.
Nos extratos que se seguem, traremos o modo como se configuravam as relações
naquele espaço, desde a organização da fila para a entrada dos alunos na sala de aula
até a atuação da professora durante a aula, que perdurou por um longo período na nossa
pesquisa.
No pátio, na hora da entrada, as crianças fazem fila. Meninos para um lado, meninas para o outro. Os alunos se empurram se batem e a coordenadora, junto com a professora, tenta controlar a situação. Após a tentativa de controle da situação, os alunos são autorizados a entrar para as salas uns atrás dos outros. Na entrada da sala, a cena continua... arrastam carteiras, cantam, xingam... A professora se mantém em pé, aguardando a atenção dos alunos para que pudesse iniciar a aula. Tendo em vista ser essa rotina diária, os alunos continuam conversando como se não percebessem que a professora aguardava.
A professora apresentava estar muito insegura, com medo, como havia relatado anteriormente. Chamou a atenção dos alunos e disse: ‘Olha! Sigam as minhas ordens! Me obedeçam! Vão sentar!’. Após dar as ‘ordens’, sem ser atendida, passou a palavra para a pesquisadora: ‘Você quer se apresentar para a turma?’ A pesquisadora se apresentou para a turma, bem como o objetivo de estar ali. Nossos primeiros momentos foram de conhecimento e adaptação. Receberam-me com muito entusiasmo e com uma série de perguntas a respeito da nossa presença na sala e tempo de permanência da pesquisa. Nesse movimento, antes de qualquer atitude da pesquisadora na sala, a professora disse ‘Se eu não gostar de você na minha sala, você não virá mais’. Nesse dia, a professora trouxe um bingo para trabalhar com os alunos. Como as carteiras estavam enfileiradas, dificultando o acesso aos alunos, à pesquisadora sugeriu a organização dos alunos em grupos. Mais uma vez o tumulto começou. A professora começou o bingo. Vez ou outra parava e dizia: ‘Vou parar o jogo e dar atividades para vocês’. A professora virou-se para a pesquisadora pela primeira vez e disse: ‘Ta vendo? Eles são assim, não tem jeito. Não sei mais o que fazer’. Virou-se pela segunda vez e perguntou o que fazer? Após observar a situação, a pesquisadora pediu para conversar com os alunos a respeito do que estava acontecendo naquele momento. Colocou que ambas (professora e pesquisadora) estavam chegando à escola e queriam conhecê-los melhor. A professora tentava uma maior aproximação com eles e, que quando pensou em levar
123
o bingo para sala, tinha a intenção de promover momentos de descontração, que aquele momento não deveria ser entendido como um momento em que alguém iria ‘perder’ ou ‘ganhar’ alguma coisa, mas um momento em que pudessem trocar experiências, compartilhar com os colegas, aprender a viver em grupo... . Os alunos se acalmaram, porém vez ou outra se mostravam insatisfeitos. Nesse episódio, pudemos observar que as brincadeiras promovidas pela professora não tinha uma intenção educativa, mas um fim em si mesmo. As atividades de educação e formação nesse momento passaram para o segundo plano.
Nesse sentido, o grande desafio foi o de trabalhar com a professora para que ela pudesse dar conta de atender à diversidade que ali se presentificava. Pensar em todas as situações de tentativas para ‘conquistar’ os alunos, de quebrar rótulos, de entender o que a turma precisava, de compreender os processos de ensino e aprendizagem, de pensar as questões de sala de aula, de como ajudar alunos e a si mesma se estendem durante todo o processo da pesquisa (DIÁRIO DE BORDO).
Diante das questões vivenciadas na sala de aula, identificamos algumas que se faziam
urgentes trabalhar com o grupo. Essas questões diziam respeito à inclusão/exclusão dos
sujeitos na escola e ao papel da escola nesse processo. Tudo isso nos diz da
necessidade de conhecer os alunos, seus processos de aprendizagem, bem como o
papel da escola nesse processo.
Para tanto, nossa atuação consistia em buscar entender que, como educadoras,
precisaríamos estar abertas a novas aprendizagens e experiências que nos ajudassem a
compreender os processos de ensino e aprendizagem na sala de aula e neles intervir.
Entender que teríamos que mobilizar saberes pedagógicos para lidar, como nos sugere
Merieu (2002, p. 146), com a “continuidade” entre as histórias daqueles sujeitos, de seus
“projetos” de vida, entre “sua inserção cultural e social e entre os “saberes que lhe serão
ensinados”, com a “ruptura” entre concepções arraigadas, certezas absolutas, desânimo
“ritos e violências”, “suspensão” dos julgamentos, das “imediaticidades dos
posicionamentos” e com os “riscos” que corre o “sujeito que aprende a se colocar em
cena sem recorrer à reprodução ou à imitação, “[...] do olhar dos outros que ameaça
aprisioná-lo, risco que a educação deve ensinar o sujeito a assumir [...]”
124
Tomando por base esses princípios, pensamos em alguns processos de in(ter)venções,
num movimento de ir à “caça” de alternativas e possibilidades de atuação para que fosse
possível atender, emergencialmente, às questões que se presentificavam com o conjunto
da turma.
Nesse sentido, concordamos com Oliveira (apud MARTINS, 2005, p.101), quando nos diz
que precisaríamos compreender as “múltiplas e diversas realidades” vividas nas escolas
por professores e alunos, bem como os “problemas reais” e mergulhar nesse cotidiano
para termos a oportunidade de buscar além das “marcas das regras gerais de
organização social e curricular”. A autora, ainda, nos alerta para a necessidade de
procurarmos encontrar outras “[...] marcas da vida cotidiana, dos acasos a e situações e
da história de vida dos sujeitos pedagógicos”.
Dessa maneira, passamos a mobilizar o grupo escolar para a necessidade de
investimento em redes de colaboração entre seus membros. Entendíamos que se fazia
urgente a construção dessa rede, que foi se constituindo a partir do diálogo, da relfexão e
do trabalho em equipe. Assim, pela via da formação-intervenção, buscamos investir no
planejamento das ações com a realização de alguns procedimentos que consistiram:
a) no aprofundamento dos conhecimentos a respeito da história de vida dos alunos
(dossiê dos alunos) e de suas aprendizagens;
b) no instrumento de investigação didática dos processos de ensino e aprendizagem
dos alunos;
c) no conhecimento da vida profissional da professora.
Vale ressaltar que os três movimentos discorridos acima aconteceram simultaneamente,
entretanto, para efeito didático da organização do texto, iniciaremos a escrita obedecendo
à ordem anteriormente citada.
125
4.4.1 O aprofundamento dos conhecimentos a respeito da história de vida dos alunos e de suas aprendizagens
Nosso primeiro planejamento consistiu na discussão/estruturação das etapas a serem
pensadas. Nossas discussões giraram em torno da necessidade de conhecer as
aquisições adquiridas e a possibilidade de investimento em novas descobertas.
Desse modo, com o objetivo de nos apoiar no conhecimento a respeito dos alunos no
que sabiam/sentiam/precisavam, realizamos uma entrevista reflexiva35 com eles. A
utilização de tal instrumento configurou-se num importante recurso, por possibilitar-nos
estar diante de um encontro de “[...] diferentes vozes, expressões e gestos, expressões
que revelam e refratam a realidade da qual fazem parte, em seus aspectos singulares e
totais, revelando o que há de social e o que há de individual”. (LACERDA, 2003, p. 5 ).
As questões das entrevistas foram organizadas contemplando as seguintes reflexões:
Entrevista com alunos
QUEM FARÁ QUESTÕES
Professora da sala
Professora de apoio
Pesquisadora
RECONHECENDO-ME COMO PESSOA
1. Quem sou eu?
2. O que gosto de fazer?
Quadro 5 - reflexões dos alunos – Entrevista com os alunos (continua)
35 De acordo com Szymanski (2004, p.15), “[...] a reflexividade [...] é a ferramenta que poderá auxiliar na tentativa de construção de uma horizontalidade [...]. Tem o sentido de refletir a fala de quem foi entrevistado, expressando a compreensão da mesma pelo entrevistador e submeter tal compreensão ao próprio entrevistado, que é uma forma de aprimorar a fidedignidade”, ou, como lembra Mielzinski (1998, p.132), “[...] assegurar-nos que as respostas obtidas sejam ‘verdadeiras’ – isto é, não influenciadas pelas condições de aplicação e conteúdo do instrumento”.
126
Entrevista com alunos
QUEM FARÁ QUESTÕES
ONDE
Sala de aula
IDENTIFICANDO A ESCOLA
QUANDO
Início da pesquisa
1. Do que gosto e do que não gosto na escola em que estudo?
2. Como gostaria que fosse?
3. O que posso fazer para ajudar a construir?
COMO
Por meio de questionário e problematização das respostas dadas.
Quadro 5 - reflexões dos alunos – Entrevista com os alunos (conclusão)
Assim, tentamos fomentar um conjunto de informações que nos possibilitassem discutir
idéias, sentimentos, expressões e opiniões em relação aos seus processos como pessoa
e estudante.
Essa primeira etapa de investigação foi fundamental para o processo de conhecimento
dos alunos, por permitir, conforme Meirieu (2002), um conhecimento mais aprofundado e
articulado aos saberes anteriores dos alunos e seu acesso a eles.
Todos os dados das entrevistas foram analisados por nós (pesquisadora professora e
equipe multidisciplinar) e representaram importantes espaços para pensar intervenções
com os alunos. Contudo optamos por trazer exclusivamente alguns episódios que foram
reincidentes e que nos chamaram a atenção.
No que se refere à escola, os alunos colocaram:
127
Gosto muito da escola, da merenda e da professora. Não gosto de matemática nem de Português, mas gosto de Geografia e de Educação Física (CARLI).
Não gosto de brigas. Acho que os alunos precisam respeitar a professora (NATAN).
Se a gente não fosse tão briguento, não tínhamos trocado tanto de professores (LILÁ).
Quero ajudar a escola ser um pouco mais diferente (BIA).
Gosto das tarefas que a professora passa no quadro (KATY).
No que diz respeito a eles mesmos:
Eu sou um pouco feliz. Meu pai gostava muito de mim do meu irmão e da minha mãe (BRUNO).
Sou feliz. Quero ajudar a escola para eu ter uma oportunidade na vida. Meu pai e minha mãe são separados (NANDO).
Quero estudar muito para ser alguém na vida (CHELLE).
Nosso propósito era aprofundar nossos conhecimentos a respeito dos alunos, para que
pudéssemos intervir nos seus processos, numa tentativa de construir outro “script”, de
“contá-los” de outra forma. Contar histórias não acerca do seu “não aprender”, não ser,
não estar, mas das suas outras/novas possibilidades de saber/fazer-se no mundo.
De acordo com Schaffer e Barros (2004, p. 59):
[...] uma determinada criança, num momento dado de sua história e da história, pode ser posta em xeque devido ao modo como ela é contada e/ou se conta – pelo numeral e/ou pelas palavras que a qualificam, quer transgeracionalmente, quer geracionalmente, quer na sala de aula, quer na cultura escolar de forma geral [...].
À medida que avançamos na prospecção dos modos de constituir-se
aluno/pessoas/grupo/sujeitos, percebemos a dimensão da nossa pesquisa como parte
integrante daquele grupo escolar.
128
O que os dados nos trouxeram? O que aprendemos sobre os alunos? Esses dados nos
deram a capacidade de realização de uma “[...] leitura atenta dos acontecimentos e sua
interpretação como meio de encontrar soluções mais adequadas” (ALARCÃO, 2003,
p.24), em frente às questões expostas pelos alunos. Revelou-nos que os alunos
acreditavam na escola e que a consideravam como uma via de acesso para a superação
dos desafios encontrados no seu cotidiano. No entanto, viam-se descaracterizados pelas
marcas que lhes foram atribuídas durante seus percursos na escola. Essas marcas diziam
respeito às representações negativas que os profissionais da escola projetaram sob
aqueles alunos. Também nos possibilitou conhecer cada aluno na sua subjetividade, o
que contribuiu para pensarmos nossas intervenções.
Concomitante à entrevista, iniciamos uma busca por informações com os profissionais da
escola (professores que tinham atuado com eles, professora de apoio, professor de
Educação Física, pedagogo e diretor). Nessa busca, os primeiros afirmaram ter sido difícil
conviver com os alunos durante o pouco tempo que ficaram naquela sala, enquanto a
segunda nos relatou as intervenções insuficientes por parte da última professora; a
professora de Educação Física reafirmou o que as primeiras haviam dito, enquanto o
pedagogo e o diretor reconheceram que a transitoriedade de professor acarreta a perda
de referência do profissional professor na concepção dos alunos. As informações
levantadas nos ajudaram a refletir “[...] sobre a dimensão dos seus atos que remete à
perspectiva de uma universalização possível dos princípios” (MEIRIEU, 2002, p. 207) que
inspiravam as concepções daquele grupo escolar a respeito daqueles sujeitos.
A idéia de buscar informações com o coletivo da escola nos pareceu ser uma alternativa
viável para conhecer um pouco mais os alunos em um tempo menor, uma vez que
perderam um tempo significativo nos seus processos escolares. No entanto tínhamos
consciência de que seria um grande risco, pois, “[...] ao reconhecer o outro em seu próprio
desejo”, ou seja, as representações que a escola tinha a respeito dos alunos, poderíamos
confiná-los naquilo que Kant, citado por Meirieu (2002, p. 202), chama de “patologia”.
Enfim, corremos o risco e assumimos um desejo maior: o de tentar imprimir um outro
retrato para aqueles sujeitos, naquela escola.
129
Nesse processo de avaliação e investigação didático-pedagógicas, encontramos uma
professora que nos informou que havia atuado com aqueles alunos e que, na “sua época”,
muitos deles conseguiram aprender e já demonstravam outro comportamento.
Procuramos conversar a respeito da aprendizagem dos alunos e conseguimos
informações importantíssimas que nos levaram a conhecer algumas possibilidades de
atuação com aqueles sujeitos, permitindo-nos ver o outro lado da moeda, ou seja, vê-los
como sujeitos de possibilidades.
Mostrar àqueles alunos que a educação, ao contrário do que se vê e se pratica, pode ser
um instrumento impulsionador da aprendizagem, permitiu-nos pensar, como nos sugere
Meirieu (2002, p.), que educar é possibilitar ao sujeito superar sua “patologia” para que
possa ter acesso a uma ‘prática’ pela qual ele pode livrar-se das ciladas de sua própria
subjetividade e das marcas que os “outros” lhe atribuem.
Dentro desse contexto, a equipe multidisciplinar também nos ajudou com informações
importantíssimas graças às experiências vivenciadas com alguns familiares dos alunos e
com seus vários saberes. Buscamos compartilhar com a professora da sala, a professora
de apoio, a equipe multidisciplinar e, quando possível, com a pedagoga da escola, o
trabalho de pesquisa e a co-participação da configuração na prática pedagógica por elas
desenvolvida.
Vale ressaltar que nosso objetivo também era analisar como aqueles sujeitos
foram/estavam sendo marcados e o que indicavam aquelas marcas. Talvez Eizirik (2001)
possa nos ajudar a entender um pouco mais, quando nos diz que à educação compete o
serviço de produção de “sujeitos” sociais, ou seja, a criação e reprodução, sem que
apareça nada de novo. Nessa dupla direção, podemos interrogar e nos interrogar: o que
estamos produzindo? Que “sujeitos” estamos construindo? O que entendemos por
produção? Que tipo de produção queremos? Como se recolocam nossos papéis de
educadores dentro desse momento histórico?
130
Essas questões nos levam a pensar que o processo de mudança produz sofrimento por
exigir uma tomada de atitude diante das questões que nos desajustam e nos
desestabilizam.
No processo de aprofundamento dos conhecimentos a respeito dos alunos, buscamos
mergulhar nas questões que se presentificavam na sala de aula, os conflitos, tensões e
desafios enfrentados ali por todos nós.
O clima da sala de aula continuava bem intenso. Expressões do tipo: “Vou pocar sua
cara”, “Seu filho de uma...” eram freqüentes entre os colegas da sala. Como reflexo
dessas relações conturbadas, os alunos tinham imensas dificuldades de trabalhar em
grupo.
Em frente a essa complexidade, a professora recusava-se a ministrar as aulas alegando
não ter segurança para assumir aquela turma com a pesquisadora na sala. Assim, a
professora, por dois dias consecutivos, levou as “atividades” para serem “passadas” para
os alunos e entregava-as para a pesquisadora, que, inicialmente, procurou trabalhá-las
tentando contextualizá-las.
Nesse sentido, Meirieu, (2002, p. 211) nos diz que esta é, sem dúvida, a expressão que
sintetiza e constitui o domínio próprio da tensão suspensão/risco, por permitir à
constituição do ser humano a emergência de um sujeito que se depara com uma situação
da qual não tem como escapar a não ser pela “coragem de começar”. A nossa presença
na sala de aula encorajava a professora a arriscar práticas que talvez, se estivesse
sozinha, não teria arriscado. De acordo com Ainscow (1997), uma estratégia que
considera útil é o apoio à experimentação na sala de aula, pela forma que encorajem a
reflexão sobre as atividades. O autor ainda nos diz que a chave para a concretização
dessa estratégia é o trabalho em equipe.
131
Em geral, considera, ainda, que essas equipes devem ser constituídas por grupos de
professores que possa explorar formas de desenvolver a sua prática, empregando
estratégias que favoreça todos os alunos. Em uma das nossas aulas, a professora trouxe
um texto intitulado: “A chave e o charuto”. O texto dava margem a uma discussão acerca
de tomadas de decisões, enfrentamentos, desafios e possibilidades de atuação no
mundo. Na discussão do referido texto, alguns alunos expressaram suas idéias de forma
bem crítica, explorando o tema proposto sempre fazendo relação com as situações
concretas vivida no nosso cotidiano. Os alunos trouxeram contribuições importantíssimas,
o que sinalizava seus interesses e motivações a respeito do tema proposto, ao mesmo
tempo em que representava uma fonte rica de experiências, de inspiração que nos
possibilitava conhece-los nas suas capacidades para a respectiva aprendizagem.
Não podemos ficar parados, temos que buscar construir nosso futuro! (ALEX).
Quando enfrentamos o mundo, corremos riscos. Podemos encontrar coisas boas e ruins! (KATY).
A chave significa o abrir e o fechar. Podemos permanecer parados ou tomar a iniciativa de abrir a porta (DELINE).
Precisamos estudar para termos uma boa profissão! (HUGO).
Nossos pais trabalham muito e ganha pouco. Temos que ajudá-los (EDUARDA).
A professora, por sua vez, busca ajustar seu ensino, sua sala de aula e suas respostas à
luz do feedback dos elementos da sua classe. A esse respeito Sanches (1996, p.49) nos
diz que:
[...] há que se evitar a mera repetição dos conteúdos, devendo estes, sempre que possível, ser concretizados e aplicados em actividades de aprendizagem que englobem situações práticas de aprendizagem que englobem situações práticas do quotidiano.
Nesse sentido, lançamos mão de Jesus (2002, p.9), quando nos orienta considerando
como de fundamental importância “[...] conhecer funções, papéis, atitudes de cada um e o
espaço ocupado por todos os envolvidos” para que, de fato, possamos intervir pela via da
formação e do trabalho em colaboração. Em determinados momentos, a professora
remete-se a ações que refletem a um querer fazer-se professora, mesmo em frente a
132
situações bem conflituosas na turma. Chama a atenção para a importância/necessidade
de praticar o currículo, desenvolvendo-o em forma de conteúdo (quando traz o texto para
ser trabalhado, tentando contextualizá-lo com os alunos). Nesse processo, atribui sentido
à sua prática docente em sala de aula, a partir de um diálogo travado com os alunos, que
justifica e interpenetra suas ações educativas.
Mesmo diante das complexidades até então enfrentados na escola, mostrava-nos, no seu
conjunto, que “[...] poder contar-se como sujeito, mesmo que seja contado nos dedos não
combina muito com o mito do insucesso escolar” (SCHAFFER; BARROS, 2003, p. 57).
Suas formas de querer, ser, fazerem-se outros alunos, traziam-nos pistas de que existiam
características favoráveis ao processo de ensino.
Por constituir-se a escola um lugar de vida, de aprendizagem, um espaço para a
constituição da cidadania, procurava dar oportunidade para os alunos falarem dos seus
sentimentos, desejos, insatisfações. Nesse sentido, uma das nossas intervenções com o
grupo consistiu no desenvolvimento de uma dinâmica que incidia na possibilidade de os
alunos falarem de seus sentimentos. Partimos para o enfrentamento de um desafio: os
alunos deveriam fazer um exercício no qual teriam que se concentrar para escutar/ouvir
alguns sons que até então eram considerados imperceptíveis. Depois, quando fossem
solicitados, poderiam falar.
Após alguns minutos, os alunos relataram:
Professora, senti meu coração pulsar, o sangue passando pelas minhas veias (DANIEL).
Senti a minha respiração acelerada e mais devagar (IRACI);
Ouvi os alunos correndo lá fora (HUGO).
O barulho das folhas sopradas pelo vento (KATY).
O barulho de alguém batendo o lápis em cima da mesa (MATHEUS).
Professora, depois que meu colega falou que ouviu as batidas do coração dele passei a me concentrar para ver se eu ouvia também (CLÁUDIO).
133
A constituição daquele espaço permitiu-nos conhecer uma fotografia diferente da
anteriormente apresentada. Nesse sentido, acreditamos em Schaaffer e Barros, (2003, p.
67-68), quando nos dizem que,
[...] toda fotografia, dependendo do momento, da luz, do lugar que é feita e do sujeito que fotografa, o resultado pode ser, por um lado, uma foto para a posteridade, na qual o sujeito se reconhece, ou então, por outro lado, uma foto que, com o tempo, vai-se esmaecendo, perdendo a cor, o brilho, e, principalmente a possibilidade o sujeito aí reconhecer-se [...].
A partir desse olhar, passamos a nos perguntar: o que representou aquele momento
inicial? O que pudemos ouvir/perceber a partir dele? Serviu como termômetro para indicar
o grau de sensibilidade daqueles sujeitos que até então eram vistos como insensíveis no
olhar daqueles que não conseguiam enxergar além das aparências.
O que isso trouxe de novo para nós? Talvez a possibilidade de querer enxergar outras
coisas que até então estavam imperceptíveis. O que pretendíamos com a escola? Não
queríamos mudar a escola da noite para o dia, mas aspirávamos a ser envolvida por ela
num movimento, que deveria partir dela. Como afirma Paulo Freire, (1996), não se muda
a cara da escola por vontade do secretário. Para mudá-la, é preciso envolver as decisões
político-administrativo-pedagógicas, os alunos, os auxiliares e os funcionários, os pais e
os membros da comunidade. É preciso envolver o elemento humano, as pessoas e, por
meio delas, mudar a cultura que se vive na escola e que ela própria inculca.
Em uma das nossas aulas, incluímos, em nosso trabalho, o planejamento a respeito dos
direitos e deveres do cidadão, tendo como objetivo trazer para o grupo reflexões a
respeito da necessidade de lutar por nossos direitos, mas também de cumprir nossos
deveres como cidadãos-cidadãs. A professora, ainda, sentia-se bastante insegura para
desenvolver o conteúdo proposto. Vale ressaltar que a pesquisadora, nos momentos
iniciais da pesquisa, assumiu a sala da professora nos três primeiros dias da pesquisa na
sala, integralmente, e, durante algum tempo, parcialmente. Víamos a necessidade de
romper com “círculo vicioso da impossibilidade” e passamos a investir em dispositivos que
encorajassem a professora a assumir seu lugar na turma.
134
Nesse ponto, tínhamos alguns conhecimentos acerca dos alunos, entretanto não
sabíamos o que já tinha sido trabalhado com eles (em relação ao currículo). Decidimos
desenvolver os conteúdos a partir do que era indicado na proposta curricular para aquela
série, também utilizando o livro didático adotado para eles. Contudo buscávamos investir
no planejamento das ações, considerando o que eles precisavam naquele momento.
O querer planejar da professora nos dizia da necessidade de se promover um ensino
sistematizado, uma organização efetiva dos conteúdos a serem trabalhados, mais que
isso, começávamos a sentir a importância de buscar conhecimentos teórico-práticos para
a efetivação do ensino.
Assim, procuramos, como nos sugere Meirieu (2002, p. 213) investir na “[...] pedagogia da
coragem”, que consistiu na necessidade de suspender qualquer sentimento de “[...]
ignorância, incapacidade ou medo, pela confiança, pela reserva do educador e pelo
‘acionamento’ dos dispositivos de formação”.
Víamos que era de extrema urgência pensar novas proposições, como nos sugere
Alarcão (apud JESUS, 2004, 12), assumindo, com ela,
[...] o papel de agente do desenvolvimento organizacional, que deve recorrer em simultâneo com o desenvolvimento pessoal e profissional [...], em colaboração com os vários setores [...] traduzindo-se numa melhoria da escola, se repercutam no desenvolvimento profissional dos agentes educativos e na melhor aprendizagem dos alunos.
Passamos a investir na professora, para que pudesse dedicar-se a tentar alguma coisa
que nunca se fez e que ainda não sabia fazer, no intuito de fazê-la pensar na
possibilidade de “criação” de outros “dispositivos pedagógicos” ainda não utilizados.
Tínhamos consciência de que precisaríamos considerar o tempo da pesquisadora, da
professora, da pesquisa na escola. Era preciso ouvir o outro, para que pudéssemos
captar palavras, frases, imagens, objetos, ou seja perceber/entender melhor o espaço-
tempo do outro com o outro. Por falar em tempo, chega a ocasião de a pesquisadora ir
para a Associação Nacional de Pesquisa em Educação (ANPED). O que significou a ida
da pesquisadora para a ANPED? Com certeza, a fala da professora representará bem o
135
que pode ter significado isso: “Não sei como vou ficar esse tempo todo sem você. O que
vou fazer?” “Tem tempo que não estudo, ai, meu Deus!”.
Em nosso retorno, encontramos uma situação de muitos conflitos e enfrentamentos. A
professora passava boa parte do tempo pedindo silêncio e ordem, restando pouco para o
trabalho com atividade de ensino-aprendizagem.
Essa postura nos diz de uma volta à concepção de um ensino ancorado em papéis
instituídos, disciplinarizadores, da normatização e do enquadramento. A esse respeito,
Eizirik (2001, p. 54) nos diz que “[...] o sistema esvazia nossa memória, ou enche a nossa
memória de lixo, e assim nos ensina a repetir a história ao invés de fazê-la”. Dessa forma,
As tragédias se repetem nas filas, cabeças atrás de cabeças. Caderno, lápis, borracha, caneta. Silêncio, exercício, prova, cabeça baixa, olhos baixos; psss... Disciplinarização do cotidiano, rotina enfileirada do tédio, escola com saber sem sabor e não podendo saber: do movimento, da alegria, do riso, da busca, do diferente. Porta fechada. Professora repreensão; psss... ouvidos de escuta. Professoras, conversa de participação, de integração. Tragédias da estaticidade, da imobilidade, do silêncio, do obrigar a calar, da imposição da fala, da prova, da avaliação; do prazo, da norma, da lei, de obrigação. Psss... a direção... secretaria... o sistema... grande determinação. Educação robótica EIZIRIK (2001, p. 54).
Procuramos refletir com a professora a respeito dessa ideologia, ao mesmo tempo em
que também tentávamos discutir com os alunos sobre suas responsabilidades como
cidadãos de direitos e deveres. Nesse ponto, apropriamo-nos das discussões baseada
em Galeano36 (apud EIZIRIK, 2001, p. 55), quando nos ensina que,
[...] somos um mar de fogueirinhas [...]. Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Alerta-nos para o fato de que não existem duas fogueiras iguais, o que existe são fogueiras de vários tamanhos, cores e formas diferentes. Assim, muitas das fogueiras expressam-se de maneira singular: com serenidade, despercebidas, destacadas, e que alguns não conseguem fazer-se enxergar não conseguindo assim exercer seu papel, no entanto existem aqueles que incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.
36 GALEANO, E. O livro dos abraços. Porto Alegre: L&PM, 1991. p.13.
136
Esse pensamento nos acorda para a seguinte reflexão: será que sabemos lidar com
essas diferenças? Sabemos como aproveitar o calor – da dúvida, da curiosidade que
queima que quer saber? Queremos, de fato, aprender a lidar com essas diferenças?
Aprofundarmo-nos nesses espaços possibilitou-nos entender que a escola deve ser um
ambiente aberto capaz de favorecer um ensino com segurança em que o risco seja
possível, o erro tolerado, as tentativas aceitas, sem gracejos, sem humilhações, nem
julgamentos definitivos (Eizirik, 2001). Também aprender a conviver com vários
sentimentos, como medo, insegurança, angústia, bem como de impotência, desânimo,
espanto, mas também desafio e superação.
Desse modo, acreditamos na figura do professor como profissional que precisa dispor de
conhecimentos que lhe permitam atuar em quaisquer situações cotidianas na sala de
aula. Contudo tínhamos consciência de que era uma decisão que deveria envolver o
conjunto da escola. Para tanto, precisaríamos investir em momentos de planejamento
com todo o grupo. Desse modo, tomamos (pesquisadora) uma decisão: a de que iríamos
tentar planejar com a professora e com a pedagoga (recém-chegada), nos momentos que
tivéssemos disponíveis, e iríamos, gradativamente, envolvendo o grupo escolar.
Investimos no planejamento sistematicamente, tendo a pedagoga como nossa parceira,
formando, assim, um triângulo de profissionais dispostos a ajudar-se.
As principais questões nessa sala de aula diziam respeito à possibilidade/necessidade de
os alunos serem mais que contados entre tantos, valorizados nos seus fazeres/ seres.
Nesse percurso, algumas questões novamente se apresentaram: não deveria a educação
revelar e fortalecer as diferenças e não as similaridades? Por que é tão difícil
entender/acolher o jeito de ser de cada um? O que causa estranhamento para os
profissionais do ensino é a dificuldade de aprendizagem dos alunos ou de “ensinagem” do
professor?
Assim, tão necessário quanto discutir as questões práticas de sala de aula entre os
parceiros, é buscar embasar essas práticas com teorias que ajudem a fundamentá-las
num processo contínuo de reflexão-ação-reflexão. Em um dos planejamentos com a
pesquisadora, a pedagoga, a professora e posteriormente, com a equipe multidisciplinar,
137
a professora Esperança dava-nos sinais de um conhecimento mais aprofundado dos
alunos. Relatava os momentos em que conseguia estar mais próxima às questões da vida
dos alunos, descobrindo, assim, possibilidade de negociação e de diálogo,
Sabe, esses momentos juntas me ajudou a querer conhecer mais meus alunos. Descobri coisas muito tristes a respeito de alguns. Sei o que eles estão passando porque também diz de mim. O João falou que a mãe traiu o pai, e que hoje mora com outro homem. Revelou-me outras coisas que não vou falar agora. O Pedro estava implicando com Lúcia, aí chamei a atenção dele e ele chorou. Aquele choro me incomodou. Perguntei o que estava acontecendo e, aí, conversamos. Olha, percebi que o que Marcelo precisa é de mais incentivo. Aos poucos estou conhecendo eles. Precisam de coisas diferentes. Preciso dar seqüência nas coisas, pois esses alunos estão sem referência (PROFESSORA ESPERANÇA).
Esse discurso anuncia o crescimento de Esperança. Exprime o valor que os momentos
coletivos representavam. Mostra que começava a entender os processos dos alunos,
suas dificuldades e possibilidades de superação.
Vale ressaltar que embora a professora de apoio estivesse na sala de aula três vezes por
semana, num tempo limitado, a mesma contribuiu significativamente com a professora
regente no sentido de ajudá-la a pensar no processo de inclusão/exclusão dos sujeitos
tidos como “indisciplinados”. Por algumas vezes nos deparamos com a professora de
apoio analisando os diferentes comportamentos dos alunos, tomando como base suas
histórias de vida. Entendemos que as ações e os campos interativos que foram sendo
estabelecidos entre as professoras da sala comum e professora de apoio influiu
diretamente no processo de ensino e aprendizagem dos alunos e nos seus próprios
processos de pensar e desenvolver o ensino para “aqueles” alunos.
138
4.4.2 O instrumento de investigação didática dos processos de ensino e aprendizagem dos alunos: que pistas nos trouxeram?
A idéia de utilizar o diário de aula surgiu da necessidade tanto da professora quanto da
pesquisadora de utilizar um instrumento que possibilitasse acompanhar os processos de
aprendizagem dos alunos, para que pudesse refletir sobre suas intervenções no contexto
da sala, em frente aos “dilemas” enfrentados com o conjunto da turma, não só no que se
refere à gestão prática de aula (em nível imediato), mas também em nível curricular e de
aprendizagem, ou seja, como recurso de pesquisa e avaliação dos processos de ensino e
aprendizagem tanto dos alunos quanto dos profissionais envolvidos naquele contexto.
A respeito do uso do diário, André e Darsie (1999) apontam que, a utilização desse
instrumento, como avaliação e investigação didática, contribuiu significativamente no
contexto de um curso de formação de professores. No entanto nos revela que pouco
ainda se sabe sobre o uso desse tipo de instrumento com crianças, porém já é possível
apontar alguns dos seus benefícios.
Assim, passamos a utilizar o diário de aula com os alunos por mostrar-nos ser uma boa
alternativa para acompanhar os processos de ensino e aprendizagem. No momento da
apresentação desse recurso, explicamos que poderiam utilizá-lo para anotar o que
pensavam a respeito das situações de aprendizagem ou não aprendizagem, ou seja, das
questões vivenciadas por eles em sala de aula.
Propusemos o uso do “diário de aula”, pensando em atingir alguns objetivos:
a) permitir aos alunos registrar/expor suas opiniões/reflexões acerca de suas
aprendizagens após cada aula;
b) promover momentos de reflexões a respeito das aulas, evitando que elas se
tornassem meros processos de recepção passiva de informações e/ou noções
conceituais;
139
c) possibilitar trocas de experiências entre os alunos;
d) acompanhar os processos de desenvolvimento dos alunos;
e) investigar e avaliar os processos didáticos do professor, no intuito de reformulá-
los, visando ao sucesso da aprendizagem dos alunos, dentre outros.
As reflexões desencadeadas pelos alunos nos permitiram obter informações acerca dos
processos de aprendizagem dos alunos e da eficácia do ensino que estava sendo
ministrado para eles.
O diário de aula constitui-se uma ferramenta de formação docente por permitir ao
professor pensar diferentes estratégias de ensino a partir do processo que Shon (1995)
designou como “reflexão –sobre a – ação” e “reflexão sobre a reflexão na ação”. O diário
de aula constitui-se uma dessas estratégias por associar à escrita a atividade reflexiva.
Desse modo, tentaremos mostrar alguns extratos que nos permitiram analisar o
desenvolvimento dos alunos nos seus diversos aspectos, servindo de base para a
reflexão das nossas práticas de ensino.
1º reflexão
Eu estou percebendo que ultimamente a minha turma estava atrapalhando todos ao nosso redor, mas, com a chegada da professora Terezinha e da Wirlandia, a nossa sala está mudando, principalmente eu, que aprendi a respeitar o próximo (GUGU).
Na sala de aula, no primeiro dia da escrita do diário, um aluno foi até a mesa da
professora e pediu que o deixasse escrever algo que gostaria muito de relatar. Esse
aluno era um dos que mais nos chamava a atenção por seu comportamento na sala. Após
escrever, virou-se para a professora e disse: “Olha, eu realmente acho isso que está
escrito aí!”.
Ao se deparar com o conteúdo do diário, a professora da sala se pôs a chorar, por
encontrar, naquele relato, o retorno do seu empenho, da sua dedicação e da sua própria
140
superação para os desafios enfrentados com a turma. No relato do aluno, ela encontrou
um indício de que a mudança estava ocorrendo e que já estava sendo percebida pelos
alunos. Nesse momento, tentamos entrar num nível mais profundo de compreensão do
significado da narração desse aluno, no sentido de entender seus afetamentos e
envolvimento no fato narrado.
2ª reflexão
Hoje, quarta-feira, eu fiz bagunça e não respeitei a professora e eu me arrependo disso, pois não queria fazer isso. Portanto, segunda-feira vou tentar melhorar de segunda-feira em diante (PEDRO).37
Nesse registro, o aluno trouxe uma reflexão realizada por ele a respeito da necessidade
de mudança de comportamentos. De acordo com Zabalza (1994), os diários de aula não
costumam aparecer como um simples refúgio de vivências, cujo sentido termina e se
completa na própria narração. Essa questão foi verificada no relato desse aluno que,
inicialmente, não nos inspirava muita confiança na sua narração por reincidir em
promessas de mudança. Pudemos sentir, gradativamente, a vontade/desejo de querer
fazer-se de outro modo. Em todos os relatos, parecia haver um sentimento de inquietude,
por parte dos alunos, de querer contribuir para a mudança de si mesmo e,
conseqüentemente, no contexto da sala.
3ª reflexão
O dia de aula hoje foi muito legal a gente estava revisando o dever para a prova a professora estava nos ensinando, quando todo o aluno estava fazendo a maior bagunça na sala, a professora falou se a gente ficasse fazendo bagunça ela ia dar a prova sem ajudar e ela falou para a gente não colocar apelidos (ALDA).
Esse momento representou para nós a preocupação da aluna em torno da importância
que atribuía à revisão dos conteúdos no seu processo de aquisição da aprendizagem. Via
essa prática da professora de forma muito positiva para seu processo de ensino.
37 Todas as falas dos sujeitos foram destacadas, considerando a melhor organização do trabalho.
141
Entretanto, mostra-se incomodada com o barulho da turma. Observamos que, a partir
desse episódio (que corresponde ao quarto na ordem no diário) os alunos começaram a
introduzir elementos dos seus processos de aprendizagem nos seus relatos, sem deixar
de reclamar do barulho, por ser algo em que ainda precisavam avançar.
4ª reflexão
Hoje veio a Wirlandia e a Ana Lúcia, nós fizemos Português e Matemática, eu fiquei feliz. Igor ficou em pé e a Vera disse que a gente vai ficar até cinco horas.Eu aprendi muito com a Terezinha. Nós escrevemos a lenda do Curupira e aprendemos a fazer o M.M.C. Eu mudei muito e quero que minha turma seja um incentivo para a escola. A turma já mudou bastante e irão mudar mais ainda. A Wirlandia disse que nós vamos fazer um DVD sobre o meio ambiente bem legais e apresentar a todos os alunos da escola. Hoje eu não me sinto excluída de nada. Hoje teve muitas conversas e muita bagunça e eu fico com raiva, pois eu me sinto a única chata (PATRÍCIA).
.
Ao ler o relato, a professora encontrou ali “um espelho da sua aula”. A aluna fez um
registro sobre as matérias que foram desenvolvidas na aula, expôs suas expectativas em
torno dos procedimentos de ensino ministrados e a possibilidade de a turma ser vista de
outra forma, a partir da exposição, para toda a escola, dos trabalhos realizados pela
turma, até então vistos como “os piores”. Apresentou-nos sua motivação com o ensino
desenvolvido e com a possibilidade de mudança no conjunto da turma, revelando-nos
sentimentos relacionados com um bem-estar, a um sentir-se incluída na sala e no
contexto escolar.
5ª reflexão
Eu sou Gui [apelido] ele estuda na escola Marechal Costa Silva na 4º serie, e quando começou o primeiro dia foi bom, depois que passou dois dias foi ruim, até trocou de professora e entrou outra e passou três meses trocou de professora,e passou dois meses trocou de professora e passou seis meses trocou de professora, e ela esta ainda ate no final do ano, e ela melhorou a turma 90% é esse foi bom e depois abaixou muito de 99% desceu 0% e aí foi ruim nós até perdemos de ver o filme , ir lá para fora, brincar de dominó, baralho, pular corda, fazer Educação Física, se fazer bagunça leva uma ocorrência, e se levar quatro ocorrências vai expulso da escola, depois nem uma escola te quer mais e isso é muito ruim. Por favor, não faça bagunça e hoje dois alunos
142
brigaram na sala de aula, Mateus e Pablo. Tchau, professora (CARLOS).
Nesse episódio, o aluno fez uma retrospectiva do primeiro semestre, deixando para nós
suas impressões (avaliação) do que significou ser aluno naquela sala, durante esse
período. Nesse sentido, permitiu-nos conhecer, detalhadamente, os tempos e espaços de
troca desses profissionais, levando-nos a refletir e questionar nossas práticas, permitindo-
nos elaborar hipóteses sobre a eficácia da nossa ação docente, principalmente quando
traz que a última professora melhorou a turma em 99%. Entretanto, volta a analisar o
retrocesso da turma em relação ao comportamento, evidenciando o medo de uma
possível punição para os colegas por parte da escola.
Pudemos observar que o diário, além de fornecer ao professor informações sobre alunos,
permitiu-nos avaliar se os objetivos das aulas estavam sendo atingidos. Também
possibilitou a todos uma reflexão do que estava acontecendo na prática cotidiana entre
aluno e aluno e professor e aluno, contribuindo, significativamente, para a realização de
intervenções que favorecessem a todos nos seus processos de ensino e aprendizagem.
Vimos, nesse instrumento, informações que, coletadas, nos possibilitaram enxergar:
a) mudança de comportamento e valores dos alunos;
b) interesse das crianças pelo diário;
c) avaliação do processo de aprendizagem dos alunos e da professora em relação
ao ensino;
d) sentimento de afetos e desafetos;
e) as marcas deixadas pela troca constante de professores;
f) os modos como cada um se apropriava da escrita, os erros encontrados que
puderam ser trabalhados com os alunos, dentre outras questões.
143
O diário dos alunos representou, para a professora e para nós, na condição de
pesquisadora, a possibilidade de conhecer os processos de aprendizagem dos alunos,
seus conflitos, tensões e desafios, a fim de ajudá-los a superar esses problemas. Desse
modo, o professor pôde refletir sobre suas práticas no seu próprio contexto de ensino e
reorganizá-lo.
No entendimento de Zabalza (2004), o investimento em propostas reflexivas na ação
didática possibilita ao professor libertar-se das certezas e atitudes comportamentais e
adquirir competência que lhe permita adaptar à prática o conhecimento resultantes da
investigação e desenvolver suas próprias investigações na sua própria sala de aula, ou
seja, permite ao professor desenvolver a investigação reflexiva dos dilemas encontrados
na sua prática pedagógica possibilitando desenvolvê-las e/ou reestruturá-las a partir da
adoção de novas perspectivas para resolver os problemas encontrados.
4.4.3 O conhecimento da vida profissional da professora
Para Stenhouse (apud MARIANO, 2006, p. 19), a importância da prática reside no fato de
ser ela a propicionadora da reflexão do professor, pois ele depende do seu conhecimento
profissional para elaborá-la. Ainda defende que a ação educativa é constituída de uma
singularidade. Dessa forma, considera a prática educativa como algo particular, composta
por indivíduos diferenciados em contextos que apresentam características únicas e
singulares.
Nesse sentido, ao longo da pesquisa, tentamos trazer algumas discussões acerca dos
saberes-fazeres que se fazem necessários para que, de fato, possamos dar conta de
atender a uma educação de qualidade para todos os alunos, entendendo esses saberes-
144
fazeres como algo inacabado que vão se constituindo em diferentes etapas da nossa
formação docente.
No que diz respeito ao processo de formação docente, Mizukami (apud MARIANO, 2006,
p. 44, grifos do autor) nos diz que “[...] não tem começo nem fim estabelecidos, a priori”. O mesmo autor ainda discorre que, de acordo com a literatura, o processo de
aprendizagem profissional da docência é visto como contínuo, composto por diferentes
etapas: pré-formação, formação inicial, iniciação á docência e formação permanente.
Em nossa pesquisa, o conhecimento da etapa de escolaridade da professora foi essencial
para o processo de nossas intervenções. Ao conversar com ela, verificamos que ela se
encontrava na fase inicial da sua formação (antigo Magistério), o que, associado às
questões vivenciadas na turma, fez-nos pensar na urgência de investir, nos momentos de
planejamento das ações, em reflexões que lhe possibilitassem de pensar em alternativas
de ensino capazes de atender a todos os alunos, oferecendo-lhes condições de ensino e
aprendizagem a partir de seus percursos e suas singularidades.
Dentro desse continuum, acompanhávamos a professora nos seus saberes-fazeres,
compreendendo que ela enfrentava, de acordo com Nóvoa (1999, p.66) um “choque de
realidade” e Tardif (2002), o “choque de transição” que, segundo os autores, caracteriza
por um processo de intensa aprendizagem, em que o professor passa pela transição do
ser estudante para o ser professor.
Segundo esses autores, é nesse período que os professores são acometidos por uma
grande sensação de insegurança. No início da carreira, lutam por estabelecer uma
identidade profissional e estratégias para reduzir o denominado “choque da realidade”,
numa vontade de mostrar sua capacidade de atuação, atrelada à fragilidade de sua
profissionalidade, sentimentos tão antagônicos.
Esperança assumia sua condição de novata, desenvolvendo seu ensino por unidades, de
forma bem fragmentada, compartimentada, sem ainda percebê-lo de forma mais ampla.
145
Diante da dificuldade para ensinar, associada à desorganização na sala, passamos a
investir no potencial (saberes existentes) da professora, bem como na necessidade de
busca de conhecimento acerca das disciplinas a serem ministradas, mesmo não sabendo
ao certo os conteúdos curriculares desenvolvidos anteriormente.
Esperança tentava extrair dos alunos o que já tinham estudado e o que tinham aprendido
no decorrer dos seis meses. Nesse percurso, lançamos mão de alguns autores, entre os
quais Tardif (2002) e Meirieu (2005), que consideram que o professor se encontra
mergulhado num contexto diverso permeado de tensões e desafios que lhe possibilita
intensas aprendizagens no seu agir profissional.
De acordo com esses autores, esse período de grandes tensões e aprendizagens
contribui, significativamente, com o professor por desafiá-lo a buscar conhecimentos
profissionais e equilíbrio pessoal.
Assim sendo, nos primeiros momentos, sentimos Esperança ansiosa por adquirir
conhecimentos que a ajudassem na prática, ao mesmo tempo em que percebíamos uma
certa insegurança na realização de suas atividades pedagógicas.
Embora fosse difícil estabelecer um diálogo com a turma, a professora tentava construir
uma outra lógica de relação, procurando considerar/entender a complexa dinâmica vivida
por aquele grupo, o que nos permitiu uma maior aproximação, apesar de a realidade,
naquele primeiro momento, trazer, para a pesquisadora, um sentimento de querer
distanciar-se dos alunos (por seus comportamentos) e da professora (pela situação de
novata no ensino e na escola). Considerando esse contexto de relações e de interações
dinâmicas e complexas, a implicação-distanciamento, supõe-se que o prático e o
pesquisador estejam convenientemente deslocados na relação, ou seja, possam estar
efetivamente co-presentes na situação que eles analisam (ARDOINO, apud BARBIER,
1985).
146
Desse modo, entendemos implicação como o:
[...] engajamento pessoal e coletivo do pesquisador em e por sua práxis científica, em função de sua história familiar e libidinal, de suas posições passadas e atual nas relações de produção e de classe, e de seu projeto sócio político em ato, de tal modo que o investimento que resulte inevitavelmente de tudo isso seja parte integrante e dinâmica de toda atividade de conhecimento (BARBIER, 1985, p. 120).
Essa atitude de aproximação-distanciamento pode parecer uma nuance, mas torna-se
fundamental ao processo. Esses sentimentos tomaram conta da professora e também da
pesquisadora. Em um dado momento no planejamento, a professora Esperança virou-se
para a pesquisadora e disse: “Que desespero foi a aula hoje! Não tenho vontade de vir
trabalhar, acho que vou desistir dessa turma! O que é isso! porque esses alunos são
assim? Acho que não quero ser mais professora”.
Nesse processo, cumpre destacar que, em alguns momentos, como pesquisadora,
também nos sentíamos impotentes e, de certa forma, desanimada com a situação
naquela sala. Sentimo-nos como a professora em muitos momentos: também precisando
de ajuda.
Nesse contexto, procuramos ajuda da professora orientadora do curso de mestrado.
Encaminhamos um e-mail destacando nossas angústias com as situações vivenciadas
em sala de aula, bem como com as questões que se presentificavam na escola, em
relação às baixas expectativas do grupo no que dizia respeito à possibilidade de mudança
da turma pesquisada e da capacidade da professora em promover essas mudanças.
Conforme solicitação já relatada, tivemos um retorno da professora orientadora que
consistiu na seguinte reflexão:
Minha querida, primeiro tenha clareza de que você não tem que virar a turma de ponta-cabeça de hoje para amanhã. Além disso, é tarefa de todos e um bom começo é discutir a questão com toda a escola e a partir de um trabalho em conjunto buscar ações coletivas. Conhecer a turma é fundamental. Aceite o desafio de pensar com a escola. Inclua a todos. Creio que o capítulo 5 do Pedagogia Entre o Dizer e o Fazer, poderá
147
ajudar. Leia, procurando encontrar frestas. Não há receitas, não caia nessa armadilha ou fogo de ‘quero ver se você é capaz’.
Nesse contexto, como pesquisadora, procurávamos ajudar a professora à medida que
também precisávamos de ajuda. Nesse movimento, tentamos dispor de nossos
conhecimentos teóricos/práticos que nos permitissem atuar em algumas situações
cotidianas da sala de aula.
Entretanto, sentimo-nos, muitas vezes, em nossas tentativas, com uma sensação de
fracasso porque os professores assumiam uma postura de meros executores de
conhecimentos científicos, como se fossem soluções instrumentais.
A professora orientadora nos deu pistas importantes que contribuíram, significativamente,
com aquele momento. Contudo entendemos que os professores ainda estão muito
distantes de usar o conhecimento científico a seu favor, elaborando-os e não
simplesmente adotando-os como meros consumidores daquilo que é produzido pela
ciência. Concordamos com Ardoino (apud BARBIER, 1985, p.127), quando nos diz:
A indiferença com que cada um considera o trabalho do outro é chocante num mundo onde o pesquisador, o especialista ou o escritor deveriam estar junto com o homem de ação, ou seja, com o militante. Pois uma reforma não pode ser promovida apenas de fora, no patamar das superestruturas e dos decretos institucionais, se não for também feita de dentro, pela aspirações daqueles que afinal vão efetuá-las.
Por outro lado, o autor questiona se nós, da academia, damos conta de fazer pesquisa-
ação, pelo fato da incompletude existencial do ser humano que, na medida em que ajuda,
também precisa ser ajudado.
Numa tentativa de buscar leituras que nos ajudassem a entender os sentimentos que
tomam conta da professora e também da pesquisadora, encontramos a pesquisa de
Mariano (2006) intitulada “A Construção do Início da Docência: um olhar a partir das
148
produções da Anped e do Endipe”, que traz uma vasta produção de trabalhos a respeito
do processo de aprendizagem profissional no início da docência.
A referida pesquisa, pautada nos estudos de Tardif, revela que o professor principiante
pode ser acometido por um conjunto de fatores: observação crítica de condutas
observadas nos pares, isolamento dos seus colegas, dificuldade em efetuar os
conhecimentos adquiridos durante a formação inicial, como também assumir uma
concepção técnica do ensino, pautando-se em uma educação exclusivamente bancária.
Em se tratando da dificuldade em efetuar os conhecimentos adquiridos durante a
formação inicial, Tardif (2002) alerta para o fato de que o começo da carreira é uma etapa
crítica na qual o professor passa por situações de questionamentos acerca de suas
experiências anteriores e faz ajustes que dependem das condições reais de trabalho.
Ao longo de nossa pesquisa na sala da professora, percebemos a ocorrência desses
aspectos citados por Tardif. A professora vivenciava situações em que se sentia isolada
nos momentos de planejar as atividades. Havia um enorme distanciamento entre as
professoras que trabalhavam com a mesma série e uma desarticulação de papéis entre a
pedagoga e as professoras da escola: a primeira limitava sua atuação a passar recados e
informativos; a segunda a rodar atividades para seus alunos.
A professora, diante desses comportamentos, isolava-se nos seus problemas e
dificuldades, o que a levava a assumir uma concepção técnica do ensino, pautando-se em
uma educação exclusivamente bancária, limitando seu papel a passar atividades,
cabendo aos alunos cumpri-las.
Essa postura nos dizia também da dificuldade de “[...] criar pontes entre disciplinas
diferentes, a situação de formação e a situação de trabalho entre os saberes escolares e
a vida pessoal e social do sujeito” (MEIRIEU, 2002, p. 21, grifo nosso).
149
Devido a essa necessidade da professora, passamos, enfaticamente, a discutir sobre a
urgência em investir em estudos e discussões que a ajudassem a avançar em suas
aprendizagens, para que assim pudéssemos ter condições de DESENHAR um outro
RETRATO da turma com apoio em conhecimentos que nos possibilitassem desenhar
outras formas de ensino. Nesse processo, passamos a nos perguntar:
Como podemos construir um outro cenário? Será que desconstruindo este que aí está?
Mas como desconstruir o cenário que aí está? Talvez retocando os lugares que estão muito desbotados!
Mas como saber onde mais precisa de reparos? Existem tantos lugares que precisam de acertos!
Talvez trazendo o quadro para que todos apontem onde mais precisa ser mexido.
É certo que esse caminho provoca ferimentos pela insegurança, pela quebra das certezas
e de normas estáveis. Mas quantas oportunidades se perdem de ampliar o conhecimento
pelo apego ao já sabido? Quantas possibilidades de criação e de imaginação não
levantam vôo pela censura prévia dos proibidos, dos não podes, dos esperados, dos
limites inscritos nas regras que tiveram origem em tempos que já se perderam? (Eizirik,
2001).
Nesse percurso, acreditamos que a abordagem da prática reflexiva, pela via da pesquisa-
ação colaborativa, desenvolvida neste estudo, possibilitou-nos um processo de trocas
intersubjetivas que nos ajudava no encontro de algumas respostas aos questionamentos
referentes aos processos de ensino e aprendizagem encontrados em sala de aula.
Dentro dessas leituras, os olhares para as nossas questões pedagógicas da sala
pesquisada foram tomando várias formas. Nesse percurso, encontramos novamente, em
Tardif (2002), algumas discussões que nos fizeram atentar para a realidade a qual
estávamos presenciando, quando ele discute o conjunto dos processos de formação e de
150
aprendizagem elaborados socialmente pelo grupo de educadores, por meio de seus
saberes docentes.
De acordo com esse autor, os saberes docentes dos professores dependem,
sobremaneira, das condições sociais e históricas nas quais os professores exercem sua
profissão. Assim, o autor defende que os processos de aquisição dos saberes docentes
se configuram por três importantes fios condutores:
a) o saber docente deve ser compreendido em estreita relação com o trabalho dos
professores na escola e na sala de aula;
b) os saberes são compostos por uma diversidade, sendo plurais, compósitos e
heterogêneos;
c) o professor, no saber-fazer, envolve conhecimento de diversas fontes, como os
saberes da formação profissional, disciplinares, curriculares e experiências.
Mediante essas questões, perguntávamos: qual o lugar do professor? De que saberes
dispõe? De quais ainda precisa dispor para que, de fato, consiga ensinar aqueles
alunos? Diante das questões que permeavam todo aquele contexto em relação aos
alunos do 5º “B”, o que precisa ser considerado no processo de ensino e aprendizagem
tanto dos alunos quanto da professora? Como devem se configurar essas relações no
interior da escola? Como lidar com a diferença, já que ela está ali e não vai desaparecer?
Por que esses alunos incomodam tanto?
Nesse sentido, lançamos mão do pensamento de Eizirik (2001), quando nos diz que
determinadas questões não se dirigem a respostas, impraticáveis num campo tão vasto e
complexo, contudo possibilitam exercitar o pensamento e, nesse processo, permite-nos
transitar por algumas categorias que possibilita -nos refletir sobre algumas situações que
se presentificam na sala de aula e que devem ser analisadas e discutidas com o conjunto
de profissionais no interior da escola.
151
Naturalmente, não teríamos como pensar em ajudar professora, alunos e escola, se não
tivéssemos conhecimento dos processos que envolviam a todos e passavam,
necessariamente, por questões de diversas ordens que iam do pessoal (crenças,
sentimentos, desejos, atitudes) ao profissional (oriundo da sua formação).
De forma geral, tínhamos o objetivo de mediar o desenvolvimento de ações que
contribuíssem com a professora para que ela pudesse desenvolver seus saberes
docentes (saberes da formação profissional, disciplinares, curriculares e experiências),
numa tentativa de colaborar, pois, para a superação das dificuldades que ela apresentava
ao efetivar seu ofício.
Para tanto, tínhamos a necessidade de buscar uma atuação que considerassem os
processos de aquisição dos saberes docentes como fios condutores das nossas ações.
4.4.4 A EQUIPE MULTIDISCIPLINAR CRIANDO DISPOSITIVOS PARA A
CONCRETIZAÇÃO DE REDES DE APOIO NA ESCOLA PELA VIA DA SALA DE AULA
Tendo em vista contribuir com a escola na construção de práticas que privilegiassem o
fortalecimento de ações colaborativas e do pensamento crítico-reflexivo dos profissionais
da educação, fez-se necessário investir num movimento de inserção da equipe
multidisciplinar no cotidiano das salas de aula.
Buscamos provocar movimentos-colaborativos em que a equipe multidisciplinar pudesse
pensar ações/intervenções em sala de aula, num processo de estar junto com o
professor.
152
A busca pela integração de saberes, tendo como foco a melhora da prática pedagógica
dos profissionais, aparece nos questionamentos da equipe multidisciplinar, por meio de
seus anseios em realizar um trabalho em conjunto com a equipe escolar, buscando, pela
reflexão, instituir espaços de diálogos com os professores e alunos, visando a adquirir
maior conhecimento/aproximação com eles.
Algumas falas das professoras traduzem esta intenção:
É essencial, para o trabalho, instituir redes de colaboração entre alunos, professores, e outros profissionais da escola. Entendemos que os professores precisam ser ouvidos nas suas necessidades, que, na maioria das vezes, está na dificuldade que apresenta em atender o aluno naquilo que ele precisa.
No nosso ponto de vista, os alunos projetaram uma grande expectativa na instituição desses espaços-tempos, por acreditarem que nesses espaços poderiam ser ouvidos/escutados/desvelados nas suas necessidades. O professor, por sua vez, aguardava-nos na expectativa de saber mais sobre o aluno, esperando de nós ajuda que antes não tinham.
Acompanhamos/criamos estratégias de intervenção junto aos professores que pudessem atender os alunos na sua diversidade, mas também que oportunizasse, novas formas de comunicação entre a equipe escolar. Entendemos que esse é nosso papel na escola.
Instituir rede de articulações colaborativas entre alunos, professores e equipe
multidisciplinar configura-se como essencial na concretização de práticas educativas
(JESUS, 2006). A equipe reconhece seu papel como profissionais que podem colaborar
com a escola no que concerne à implementação de propostas pedagógicas que atendam
aos diferentes alunos. Entretanto, sente-se desafiada a promover reflexões/inquietações
e, conseqüentemente, novas expectativas de atuação no grupo.
Nesse processo, a partir do alinhavo de várias conversas que direcionavam para a
necessidade de realização de ações que levassem em conta as “peculiaridades locais” de
cada um, ou seja, os diferentes contextos de sala de aula, buscamos (pesquisadora), pela
via do trabalho colaborativo-crítico, instituir outras/novas/ diferentes formas de atuação da
equipe multidisciplinar no trabalho cotidiano.
153
Nossa intenção era criar diferentes possibilidades de atuação com os profissionais no
contexto escolar, tomando como base as questões que apareciam continuamente nos
diferentes espaços-tempos. Buscávamos realizar movimentos com o conjunto da escola
no intuito de ajudar a pensar alternativas de atuação e possíveis direções.
O conhecimento das diferentes situações vividas por aqueles profissionais na sala de aula
e no contexto escolar no geral, atrelado aos vivenciados por todos e por cada um de nós
em relação a políticas públicas educacionais, nos impulsionava a querer “gestar” uma
outra proposta, que nos possibilitasse avançar/aprofundar os nossos conhecimentos
(JESUS, 2006). Tais informações/conhecimentos contribuíram para pensar pela via da
pesquisa-ação colaborativo-crítca outros modos de constituírem-se professores, alunos e
equipe multidisciplinar.
Para além dos momentos de denúncia, passamos a investir no processo de formação–
interveção com o grupo, propondo algumas alternativas para as questões apresentadas e
investido em ações concretas NA sala de aula, JUNTO ao professor, pensando e
colaborando com ele o FAZER pedagógico.
Assim, achamos necessário intensificar ações que possibilitassem:
a) participação da equipe multidisciplinar em projetos realizados pelo professor em
sala de aula;
b) intervenções com grupos de alunos.
Desse modo, um dos primeiros trabalhos apontado pela equipe multidisciplinar foi a
possibilidade conhecer as diferentes realidades e necessidades dos grupos. Os
profissionais iniciaram um trabalho na turma do 1º ano “B”, participando e colaborando
com o Projeto Trabalhando a Diversidade Através de Histórias em Quadrinho. Vale
ressaltar que esse movimento não foi planejado e aconteceu a partir da realização da
154
pesquisa na escola. Dentre as atividades que constituem aspectos do vivido,
discorreremos sobre uma que nos chamou a atenção.
Em um dos nossos momentos em sala de aula, a professora Mery desenvolvia uma
atividade na qual os alunos tinham que colocar em seqüência alguns fatos da história em
quadrinho. A aluna Peticha, sentada em sua carteira, tentava, junto à professora de apoio,
desenvolver a atividade proposta. Nesse momento, chegam os profissionais da equipe
multidisciplinar. A aluna levantou-se e direcionou o olhar para eles, manifestando muita
satisfação em tê-los ali. A pesquisadora acompanhava esses movimentos tentando
analisar as questões engendradas naquele espaço com a presença e colaboração dos
profissionais da equipe multidisciplinar na sala.
Em um determinado momento, a psicóloga procura a pesquisadora e diz: “Você viu o
comportamento da aluna Peticha? Parece que, com nossa chegada, ela está querendo
nos dizer Vocês estão aqui por causa de mim? Estão aqui para me ajudar? (grifo
nosso)”.
Nesse diálogo, a psicóloga alerta-nos para o fato de que a aluna estava se sentindo
importante, amada, valorizada nas suas produções por outras pessoas que não eram do
seu convívio, ao mesmo tempo em que nos ajudava a pensar sobre nossas
representações e percepções a respeito do processo de aprendizagem da aluna. Como
pesquisadora “externa”, partimos da crença de que, conforme Jesus (2006), a relação
direta dos profissionais da equipe multidisciplinar com aqueles que respondem pela
concretização das práticas pedagógicas (os professores) pode ser um espaço promissor
para a reflexão crítica das ações tanto dos alunos quanto dos profissionais responsáveis
pela efetivação do ensino.
A professora de apoio, em frente às análises da psicóloga, disse que a aluna, naquele dia,
estava mais acessível: “Nem sempre é assim. Não é fácil trabalhar com ela, pois é cheia
de vontades”. Em frente a essa questão, acreditamos que é preciso trabalhar com o
professor, para que ele consiga romper com certos “[...] preconceitos, aceitando ser
155
“desestabilizado, surpreendido, contradito [...]” (MEIRIEU, 2002, p.198). Por outro lado,
conforme Jesus (2006), exige das equipes pedagógicas, das equipes de gestão e das
equipes multidisciplinares atitude no que diz respeito a ações de colaboração-crítica, em
que todos sejam acolhidos/compreendidos em seus saberes-fazeres.
Contrariamente à situação anterior, a participação da equipe na sala de aula do 5º ano “B”
aconteceu a partir da discussão e da elaboração de um projeto que tinha como objetivo
sensibilizar o grupo de alunos para a importância da escuta na relação interpessoal,
proporcionando um despertar para o processo de construção de uma escuta sensível, ou
seja, da escuta de si mesmo e do outro.
No que diz respeito às tentativas de ações realizadas anteriormente no 5º ano “B”, a
equipe nos informou que havia tentado desenvolver um trabalho do qual não obtiveram
sucesso:
Essa turma para nós, também é um desafio. Tentamos desenvolver um trabalho lá, porém não fomos bem-aceitas. Fracassamos também por não termos conseguido vencer esse desafio. Mas agora com sua chegada [da pesquisadora] vamos tentar novamente (EQUIPE MULTIDISCIPLINAR).
A partir da conversa com a equipe multidisciplinar, fomos instigada a pensar com o grupo
algumas possibilidades de atuação. Nesse percurso, apropriamo-nos das palavras de
Manaschin (2003, p. 53), quando questiona:“[...] Por que não pensar que há dificuldades
no processo de ensino-aprendizagem e que professores, alunos e todos os aspectos e
pessoas envolvidas devem ser incluídas na busca de solução?”. Sabíamos que esses
enfrentamentos não aconteceriam de forma linear e sem conflito, ao contrário, encontram-
se imersos em contradições e desafios.
Assim, propusemos alguns movimentos que foram incorporados em dois momentos
simultâneos:
a) discussão das situações já vivenciadas pelos profissionais, busca por
conhecimento/entendimento das atitudes, experiências, percepções,
156
necessidades e possibilidades de envolvimento dos profissionais no cotidiano
das questões de salas de aula;
b) planejamento/discussão/elaboração do projeto “escuta” a partir de reflexões
sobre intervenção e ações a serem desenvolvidas nas salas.
Em um dos nossos diálogos, discutíamos situações que nos possibilitavam analisar
concepções, atitudes e percepções dos profissionais da escola a respeito do atendimento
à diversidade. Vislumbramos ações que desencadeassem mudanças nos nossos modos
de ver os alunos, nossas práticas, as pessoas, o ensino... Percebíamos que a equipe
conhecia bem as situações que emergiam naquele contexto, contudo, encontrava-se com
uma série de dificuldades para enfrentar os conflitos, em frente às impossibilidades de
articulação entre os profissionais da escola, no sentido de colaboração e efetivação de
propostas de educação inclusiva.
Uma das dificuldades apareceu na fala da diretora, quando nos disse:
Estamos aprendendo a nos acostumar com a idéia de sermos ajudados, pois sempre caminhamos sozinhos. Antes éramos o patinho feio do município. Por sermos da rede estadual nunca éramos convidados para nada e não tínhamos profissionais de apoio nem materiais para trabalhar. Hoje temos diferentes profissionais que podem nos ajudar pensar em diferentes áreas de conhecimento. Agora somos cisnes (grifo nosso).
A fala da diretora nos indica algumas questões que se referem à precariedade de
funcionamento do sistema estadual de educação e, conseqüentemente, da dificuldade
enfrentada para atender adequadamente a seu alunado, devido às condições precárias
de recursos humanos de materiais e espaço físico inadequado, à história da recente
municipalização da escola, à dificuldade de romper com posturas de trabalhos isolados na
escola e na sala de aula. Corroboramos com o pensamento de Mendes quando nos alerta
para a indissociabilidade entre a natureza do trabalho pedagógico no contexto escolar e
das possibilidades que as políticas oferecem para a concretização do trabalho. A esse
respeito ainda nos diz que “[...] tanto os problemas arrolados quanto suas soluções são
157
tanto de competência das políticas públicas quanto da produção científica, e dependerão
de uma articulação com os dois ramos de atividade” (MENDES, 2000, p. 67).
Um ponto bastante discutido pela equipe multidisciplinar foi o como realizar as
intervenções – com pequenos grupos. Com alguns alunos ou com todos da sala? E onde
(espaço físico). No que diz respeito a espaço físico, vale ressaltar que a escola estava
funcionando num local cedido (no galpão de uma igreja), porque o prédio de origem
estava em reforma. Diante dessa situação, o grupo chegou ao consenso de que poderia
ser num espaço “improvisado”. Decidimos que as intervenções seriam realizadas com
toda a classe em grupos de dez alunos.
Os encontros tiveram início no mês de setembro. No projeto, constava a intenção de
realizar no mínimo 12 encontros até o mês de dezembro, acontecendo uma vez por
semana. No entanto, no total, foram realizados seis encontros, com duração de duas
horas cada um, cujas abordagens emergiam a partir das necessidades elencadas pelos
alunos, bem como das reflexões e avaliações com o conjunto de profissionais que
lidavam diretamente com eles (pesquisador, professor da sala, professor de apoio, equipe
multidisciplinar...).
Durante os seis encontros, a equipe multidisciplinar trabalhou com atividades
diversificadas abrangendo o reconhecimento, no aluno, de suas potencialidades de
aprendizagem e suas particularidades como sujeito. A equipe multidisciplinar indicava a
necessidade de investimento na projeção de olhares prospectivos e de espaços para
produção coletiva, tendo como objetivo analisar o processo de subjetivação dos alunos
que tiveram desdobramentos para os professores. Algumas falas dos profissionais da
equipe multidisciplinar nos mostram isso:
Nos momentos de planejamento, em sala de aula e em outros espaços ‘possíveis’, tentávamos conversar um pouco sobre os processos de subjetivação dos sujeitos, refletindo um pouco sobre o entendimento do que estávamos chamando de subjetivação.
Muitas vezes, sentíamos que, apesar da aceitação do trabalho e de alguns discursos, as professoras ainda se mostravam bastante
158
descrentes da possibilidade de se fazer alguma coisa por aqueles alunos. Sempre repetiam que já haviam tentado ‘de tudo’. Então falávamos da possibilidade de ‘mais uma vez’ tentarmos construir espaços que possibilitassem ouvir/ver/enxergar/projetar outros alunos.
A professora da sala dizia estar cansada e bastante desanimada com a sala de aula e a escola como um todo. Atribuía o desânimo à ‘falta de interesse dos alunos para aprender’. Por isso, achamos importante investir num trabalho individual com a professora, buscando ouvi-la como pessoa e professora, mas também buscando ouvir a opinião do grupo antes de começarmos as atividades com os alunos.
Essas falas nos remetem a uma análise da relação pedagógica entre esses profissionais,
que nos fizeram pensar, conforme Jesus, (2004, p. 67) que talvez, naquele momento, eles
estivessem nos mostrando que “[...] havia o lugar de quem ensina, mas também o lugar
de quem também pode aprender”, a partir de trocas de conhecimentos diferenciados e de
práticas educativas bem-sucedidas. Evidenciava a necessidade de mobilizar/potencializar
no dia-a-dia diferentes experiências e “saberes” com o grupo escolar.
Antes de discutirmos as intervenções na sala de aula do 5º ano B, é preciso esclarecer
algumas questões que surgiram no decorrer da pesquisa, que estão relacionadas com
processos vivenciados pelos grupos escolares, no que se refere à primeira “pretensão
frustrada” de a equipe multidisciplinar desenvolver o projeto escuta.
Começamos por destacar que, em um dos planejamentos com os profissionais da equipe
multidisciplinar, tomamos, como ponto de partida, a discussão do projeto a ser realizado
na turma do 5º”B”. A equipe nos falou a respeito da mudança de nome do “Projeto
Escuta” para “Projeto Revisitando o 5º B”:
Mudamos o nome do projeto, apesar do objetivo do mesmo permanecer. É algo diferente não só para os alunos, mas também para nós. Afinal, não é a primeira vez que vamos tentar algo com aqueles alunos. É algo bem desafiador para nós também. Por isso achamos necessário mudar o nome para Projeto Revisitando o 5º “B” porque fala de algo que também não demos conta. Fala de nossas limitações/desafios/contradições e da necessidade de superá-las/transpô-las (EQUIPE MULTIPROFISSIONAL).
A análise crítica dos profissionais, acerca dos desafios enfrentados com a situação
encontrada na escola a respeito dos alunos do 5º B, nos levou a pensar na necessidade
159
de mais investimento na prática reflexiva que, de acordo com Freire (p. 40), “[...] se dá na
problematização de uma realidade “conflitiva” que “implica um novo enfrentamento dos
indivíduos com sua realidade” .
Nesse contexto, tentaremos discorrer sobre os movimentos da equipe multidisciplinar, na
consolidação de um trabalho colaborativo-crítico com alunos e professores, por meio do
Projeto Revisitando o 5º ano B.
O Projeto teve como objetivo inicial a escuta dos alunos, entretanto passou a ser também
uma oportunidade de trabalhar a escuta ouvida/entendida pelos professores SOBRE seus
alunos, ou seja, refletir sobre a reflexão que estava sendo feita pelos professores a
respeito dos alunos. À medida que se realizava um trabalho com os alunos, buscávamos
analisar como era interpretada essa escuta pelos professores, no processo de levá-los a
uma auto-reflexão sobre suas práticas.
Os episódios que se seguem mostram essas conexões:
A psicóloga havia trabalhado na turma do 5º ano uma história intitulada. ‘Os Xulingos’. A história tratava da história da construção de marcas e preconceitos, produzidos por uma sociedade que excluía o que fugia do padrão de normalidade (DIÁRIO DE BORDO).
A psicóloga, no momento do planejamento, leu a história para o grupo, tentando puxar a
discussão para os olhares e as ações que estavam direcionados para os alunos do 5º ano
B, e continua:
Os xulingos eram considerados uma gentinha feia, pequena, diferente dos outros. Uns tinham narizes bem grandes; outros olhos enormes. Alguns, eram altos e outros... Todos os dias os xulingos só faziam uma coisa: colocavam adesivos uns nos outros. Cada xulingo tinha uma caixinha com adesivos dourados, cinzentos, em forma de bola. Os mais bonitos [...] ganhavam estrelas [...], os mais feios ganhavam bolas cinzentas, os que tinham talento também ganhavam estrelas.
A partir da leitura da história, tentava trazer reflexões para o grupo com base nas
seguintes questões: será que, quando utilizamos o sistema de compensação (referindo-se
à prática realizada pela professora Esperança, por sugestão da pedagoga de dar estrelas
160
aos alunos como recompensa aos seus comportamentos), não estamos produzindo
marcas nesse sujeito? Será que não estamos reforçando os estigmas atribuídos a eles?
O debate provocado pela referida história permitiu ao grupo perceber a necessidade de
aprofundar uma reflexão a respeito das práticas com os alunos, e nos levou a pensar na
necessidade de “desmonte” do projeto38 de reforçamento desenvolvido naquela turma.
Nosso interesse era provocar inquietações no grupo, para que pudéssemos ressignificar
as práticas desenvolvidas.
Ainda a esse respeito, alguns dias após as discussões proferidas, a professora
Esperança, em um dos nossos encontros na sala de aula, disse:
Quero te contar uma coisa...Perguntei aos alunos se eles achavam que precisavam das estrelas [tinha um bom tempo que não lembravam delas] e o que realmente elas representavam e o que gostariam de fazer com elas. Sabe o que eles disseram? Que as verdadeiras estrelas eram eles, que não precisavam delas para nada e deram os encaminhamentos. Vamos usá-las para enfeitar nossas árvores de natal (PROFESSORA ESPERANÇA)
Quando a professora nos conta da intervenção que havia realizado com os alunos, mostra
que havia compreendido seu processo de atuação, mas também nos pareceu estar
dizendo que gostaria de flexibilizar suas práticas, entender os percursos dos alunos,
desenvolver práticas mais inclusivas que permitissem o desenrolar de um trabalho que
atendesse e considerasse a diversidade de todos.
Passando a impossibilidade, à construção de um outro fazer, a professora nos fez
entender que os movimentos estavam se fazendo e que novos discursos passaram a ser
produzidos por alunos e professores.
38 Em um dos planejamentos, uma das pedagogas sugeriu que a professora Esperança desenvolvesse um sistema de controle de comportamento com os alunos, utilizando pontuações. Durante um determinado período, os alunos que conseguissem se comportar “adequadamente” ganhavam estrelas, que passavam a valer pontos. Tais pontos davam direito a prêmios pelo bom comportamento.
161
A respeito dos discursos dos alunos, a psicóloga, juntamente com a professora da sala,
nos disse que a história trabalhada, de alguma forma, também havia afetado os alunos,
pois, ao perguntar como os xulingos haviam se libertado das marcas, um aluno
respondeu:
Eles decidiram acreditar que eram capazes. Assim como está acontecendo com nossa turma. Estamos acreditando na nossa capacidade, tentando enxergar o que temos de bom, tentando descobrir outras coisas em nós. Estávamos na mesma situação que os xulingos, mas hoje, esses pontinhos estão caindo, não precisamos mais de estrelas, pois as verdadeiras estrelas somos nós.
Com isso, entendemos que um dos objetivos da educação não é simplesmente efetivar
um saber na pessoa, mas promover seu desenvolvimento como sujeito capaz de atuar
como parte ativa dos processos de subjetivação associados à sua vida cotidiana
(GONZÁLES REY, 2001). Com base na mesma lógica, Freire (1996) afirma que uma das
tarefas da escola, como centro de produção sistemática de conhecimento, é trabalhar
criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade. Os autores
ainda nos acordam para a necessidade de o educador assumir seu papel como mediador,
provocador e produtor de conhecimento.
Nesse sentido, não há dúvida de que é a partir do (re)conhecimento como sujeitos
aprendentes e ensinantes que professores, alunos e outros profissionais que fazem parte
do projeto educativo podem se unir para um estabelecimento de relações que contribuam
para avanços significativos no processo de desenvolvimento para a aprendizagem.
Nesse mesmo processo, a relação estabelecida entre a psicóloga, a fonoaudióloga e a
assistente social foi fortalecida a cada encontro, revelando pistas que nos ajudaram a
entender/perceber/ouvir as diferentes vozes que ecoavam no complexo contexto escolar
que requer uma escuta que vai além da possibilidade auditiva de cada sujeito.
Cumpre destacar que, como pesquisadora, implicada com as questões da escola,
sentíamo-nos cada vez mais motivada e desafiada a potencializar o trabalho da equipe
162
escolar/multidisciplinar, no sentido de promover o estabelecimento do diálogo entre
professor, aluno, equipe escolar e equipe multidisciplinar.
Ao longo do processo de pesquisa/colaboração, fomos percebendo mudanças não só nas
práticas das professoras, mas, principalmente, nos modos de atuação da equipe
multidisciplinar nesse contexto.
Várias foram às intervenções da equipe multidisciplinar na sala de aula que nos ajudaram
a pensar na construção/reflexão/efetivação de práticas pedagógicas para todos os alunos,
a partir da observação, do monitoramento e da reflexão crítica dos processos de ensino e
aprendizagem efetivados na sala de aula. No entanto elegemos o episódio aqui relatado
por ter nos chamado a atenção para a dimensão do trabalho dos profissionais da equipe
multidisciplinar nesse contexto.
Assim, podemos dizer que os trabalhos realizados com os alunos desencadearam
movimentos que deram fluência à equipe escolar, isto é, possibilitaram aos envolvidos
desenvolver um processo reflexivo-crítico sobre suas ações na escola e na sala de aula,
bem como permitiram ao pesquisador e à equipe multidisciplinar organizar estratégias de
trabalho que provocassem processos auto-reflexivo-críticos com toda a equipe.
4.4.5 O movimento do grupo de estudos/reflexão como instituição de espaços para discussão da prática pedagógica em contexto
A tarefa de (re)inventar o cotidiano, a partir do conhecimento que se tem desse espaço-
tempo, é o grande desafio que se coloca quando pensamos numa proposta de ensino que
favoreça “a todos” os indivíduos.
163
Tal entendimento auxilia-nos na compreensão de que, na atualidade, para responder aos
problemas e dilemas no cotidiano escolar, exige-se “[...] do professor a consciência de
que sua formação nunca está terminada e das chefias e do governo, a assunção do
princípio de formação continuada” (ALARCÃO, 2001, p. 24). Requer a construção de
espaços e ações que integram a vida escolar: desafios enfrentados e a serem
enfrentados, expectativas, necessidades, interesses... Assim, tomando o cotidiano da sala
de aula como “palco”, mergulhamos na proposta de estudos/reflexão, como possibilidade
de investimento no processo de reflexão-crítico-colaborativa das práticas pedagógicas
dos profissionais.
Nesse sentido, buscamos investir numa proposta de formação continuada em contexto, a
partir do processo de trocas intersubjetivas, de análises das situações concretas de sala
de aula, por acreditar, como nos sugere Alarcão (2003, p. 41-48), que, “[...] nestes
contextos formativos com base na experiência, a expressão e o diálogo assumem um
papel de enorme relevância [...]”, proporcionando, assim, um “[...] triplo diálogo consigo
próprio, com os outros, incluindo o que antes de nós construíram conhecimentos que são
referência e o diálogo com a própria situação”. Dessa forma, a formação continuada
passa a ter uma dimensão sociopolítico-pedagógica por, de acordo com Nóvoa (2000),
facilitar o processo de transformação docente.
Nesse contexto, iniciamos a organização dos encontros com os temas que haviam sido
definidos com o coletivo da escola, a partir das demandas apresentadas. Nossa atuação,
portanto, era centrada na possibilidade de construir, junto com o grupo escolar, a
pesquisa-ação colaborativa como perspectiva epistemológica e metodológica (BASTOS,
apud JESUS, 2004, p. 39), por meio da produção de conhecimentos que contribuíssem
para identificação dos fundamentos teóricos de suas práticas, com vistas à possibilidade
de se repensar o ensino.
Conforme proposto no início da pesquisa, além dos momentos nas salas de aula e dos
nossos planejamentos individuais com as professoras, organizamos cinco encontros39
com o coletivo da escola, nos quais os membros da equipe multidisciplinar participaram 39 Esses encontros foram acontecendo mais intensamente, pois, à medida que as professoras iam se tornando mais autônomas, essas atividades passavam, gradativamente, a ser assumidas pela própria equipe escolar.
164
como mediadores do processo de formação continuada juntamente com a pesquisadora e
com as professoras das salas pesquisadas. As questões que emergiam, durante todo o
processo de estudo/reflexão, correlacionavam-se com os outros encontros, num processo
de encadeamento das discussões.
Procuramos nos organizar de forma que todos os profissionais da escola tivessem seu
momento de interlocução com o grupo, num movimento “autoformativo”.
Nesse sentido, buscávamos uma dinâmica de atuação que possibilitasse:
a) discutir a respeito dos processos de intervenções em sala de aula a partir de
alguns referenciais teóricos;
b) analisar as perspectivas teóricas que estavam conduzindo as práticas
pedagógicas dos professores, buscando confrontar as questões de sala de aula
com as teorias engendradas na discussão;
c) discutir/refletir sobre o processo de trabalho desenvolvido na escola com/pela a
equipe multidisciplinar40 e sobre a importância da constituição de momentos para
a integração desses trabalhos com o conjunto escolar;
d) realizar estudo de casos a partir de situações concretas de sala de aula.
4.4.5.1 O primeiro encontro
Nosso primeiro encontro aconteceu em setembro e teve como objetivo socializar as
dinâmicas vivenciadas nas duas salas pesquisadas. Iniciamos nossas discussões
trazendo a reflexão para a importância da constituição de momentos para a formação
continuada em contexto. Investimos na reflexão acerca da necessidade de buscar
constantes diálogos entre teoria e prática para que pudéssemos enfrentar os
40 Nesse movimento a equipe multidisciplinar assumiu o lugar de colaborador nas discussões do grupo/reflexão. Com seus diferentes saberes mediava as discussões no grupo escolar com a ajuda da pesquisadora,
165
desafios/tensões encontrados nas salas de aula em relação às respostas educativas que
os alunos precisam para aprender e aos conhecimentos que os professores precisam
saber para ensinar. O foco das discussões se deu para a necessidade de se trabalhar
com o os alunos, buscando pensar nas mudanças de que a escola precisa para que, de
fato, possa possibilitar um ensino que atenda a todos na sua diversidade.
Ao tratar sobre a formação continuada em contexto, a professora Mery colocou:
No meu ponto de vista a formação continuada em contexto nos fala da possibilidade de o professor entender-se como pessoa e como profissional por permitir confrontar suas experiências com os saberes advindos da teoria, estimulando assim a autonomia nas suas próprias práticas.
A professora, tomando como referência os conhecimentos da investigação de sua própria
prática, busca trazer reflexões acerca de suas experiências, enfatizado a importância
desses momentos como “[...] uma valiosa oportunidade de estimular a inventividade e de
descobrir meios para que a educação seja um lugar de partilha e não de exclusão”
(MEIRIEU, 2002, p. 34).
Nesse sentido, inicia-se o processo de socialização das questões vividas em sua sala de
aula.
Sabe, quero dizer que, no início da pesquisa, não fiquei muito à vontade com a pesquisadora na minha sala por, inicialmente, não ter entendido seu papel na minha sala. Agora quero compartilhar como a pesquisa me fez pensar meus processos e avanços e, também, como a experiência do diário reflexivo me ajudou a avançar nas minhas práticas com a aluna Peticha e com meus alunos de forma geral (PROFESSORA MERY).
Visando a compartilhar suas experiências com o grupo, a professora passa a relatar seus
processos em sala de aula, fazendo uma reflexão para o fato de que as práticas
pedagógicas dos professores estão relacionadas com as concepções que se têm em
relação ao trabalho colaborativo, diversidade, inclusão e, principalmente, de prática de
pesquisa.
166
A partir dessa reflexão, a professora Esperança passa a descrever e analisar seus
processos, expondo seus medos, inseguranças e dificuldades iniciais, mas também relata a
forma como conseguiu vencê-las a partir do trabalho em parceria com a pesquisadora e com
a equipe multidisciplinar. No relato da professora, novamente apareceu a importância
atribuída ao uso do diário reflexivo41 como um instrumento de avaliação dos processos
escolares dos alunos.
Nessa fase, vamos rompendo com as representações que foram percebidas ao longo da
pesquisa, passando a ver outras possibilidades enxergadas pelo grupo, que nos mostrava a
ampliação de suas formas de ver/enxergar os alunos, os processos de ensino, a escola...
Olha, quando peguei o diário de aula dos alunos e vi escrito que eles estavam percebendo mudança na turma chorei muito como estou fazendo agora. Sabe, a pedagoga me disse que eles tinham mudando em todos os aspectos e não só no comportamento. Senti-me como se tivesse superando muito além das questões de sala de aula, mas os meus próprios medos que vão muito além do profissional, mas que estão ligados a mim enquanto pessoa (PROFESSORA ESPERANÇA).
Essa experiência do grupo/reflexão nos possibilitou abrir espaços para os professores
verem a si mesmos, seus processos e refletirem a respeito de suas concepções, seus
modos de atuação, sua própria ação, que, em no nosso ponto de vista, “[...] dizem
respeito à articulação entre o pessoal e o profissional” (NÓVOA, 2002, p. 10). Também
despertou o interesse de outros profissionais para a reflexão acerca da constituição dos
olhares que são direcionados ao outro.
Nesse sentido, a psicóloga contribuiu dizendo: “Olha, muitas vezes a forma como
olhamos/percebemos os sujeitos dizem de nós mesmos, das nossas experiências e até
daquilo que não conseguimos enxergar”. A participação da psicóloga foi fundamental,
uma vez que proporcionou ao grupo refletir sobre a subjetividade dos olhares diante da
diversidade.
41 Instrumento de avaliação dos processos escolares, utilizados pelos alunos.
167
Nesse contexto, levantamos algumas questões fundamentais, que permearam toda nossa
discussão nesse encontro:
a) O que temos e como temos enxergado as coisas na escola?
b) Como ver o que ainda está/é invisível?
c) Como ler o que não é lido/visto?
d) Como vemos/lemos nossas práticas pedagógicas?
e) Como vemos a diversidade e o aluno com NEE? Como temos
atendido a essa diversidade?
f) Como estamos contribuindo para o atendimento desses sujeitos?
g) Como temos visto nossa atuação no interior da escola e da nossa
sala de aula?
Essas questões nos alertaram para a necessidade de refletirmos sobre os diferentes
saberes/olhares direcionados aos alunos, chamando-nos a atenção para o fato de que as
nossas práticas são influenciadas pelas nossas diferentes concepções de sujeito,
sociedade.... e que destas se originam as derivações de práticas diversificadas e/ou
modelo diferentes de atuação.
Com essas reflexões, as pistas foram aparecendo e marcando o cotidiano,
possibilitando, assim, um despertar do grupo para os olhares que são direcionados aos
diferentes sujeitos, que sempre estarão impregnado, com nossas concepções e pontos
de vista.
Em frente a essas discussões, novas questões foram surgindo como: que pistas
apareceram e não apareceram nas nossas reflexões? Quem elege essas pistas? O que
já é visível? Como podemos enxergar o invisível? E alguns profissionais disseram:
Olha esse momento aqui, por exemplo, é um espaço que pode nos ajudar a enxergar outras coisas, pois somos um grupo e temos pontos de vista diferentes que podem ser confrontado (ROSANA).
168
Não tinha, por exemplo, conseguido ver aquela imagem que Milli viu. É assim que acontece com o aluno, né? Não conseguimos sozinhos enxergar nosso aluno naquilo que ele precisa (ANA LUIZA).
Diante dessas questões, buscamos iniciar algumas interlocuções com o grupo, que nos
fizessem pensar na importância do trabalho em parceria e da formação em contexto. A
partir da formação-intervenção, pretendíamos trabalhar com o grupo na perspectiva da
autonomia profissional, como nos sugere Nóvoa (1991), criando espaços para o
movimento de formação continuada dos profissionais, da escola, buscando construir um
espaço que nos permitisse “[...] indagar sobre como fazer da sala de aula um lugar de
invenção, de imaginação e de encontros [...]” (MEIRIEU 2002, p.145) com a contribuição
de profissionais de diferentes áreas com seus diferentes saberes.
Nesse processo de reflexão a respeito da constituição de espaços para a (re)flexão das
ações educativas, a pedagoga, a diretora e as outras professoras da escola descreveram e
analisaram os processos de mudança da professora Esperança e da turma.
Ela mudou não só o comportamento dos alunos, mas também a si própria. Quando chegou aqui estava com os ombros caídos, agora, seu visual está diferente.
Passamos, então, a analisar os processos de mudança... Refletíamos com o grupo que os
processos de mudança diziam respeito a todos os profissionais da escola. Em frente às
questões colocadas a respeito da necessidade de investir na busca por mudanças de
pensamento, idéias, postura... valores pelo grupo, a professora do 2º ano colocou:
Minha turma é composta, na sua maioria, por alunos que ainda não foram alfabetizados, mas que estou tentando organizar o ensino a partir de um trabalho com pequenos grupos. Porém preciso ser ajudada como as professoras estão sendo, para que consiga caminhar com mais segurança. Tem coisas que agente não consegue enxergar sozinha, precisamos do outro para nos ajudar a pensar, mas ainda sinto que precisamos avançar muito nesse sentido (MILLI).
Entendemos que os estudos teóricos que realizávamos com as professoras traziam
inquietações, uma vez que, a partir das nossas discussões, elas passavam a refletir a
respeito de muitas ações que já realizavam e de outras que precisavam ser
potencializadas.
169
4.4.5.2 O segundo encontro
No encontro anterior, os professores haviam sinalizado sobre a importância de trabalhar
colaborativamente, principalmente quando foram abordados pela professora e pela
psicóloga sobre as questões das diferenças de concepções/visões e do trabalho em
parceria.
Desde o início da pesquisa, os profissionais enfatizaram a necessidade de mais integração
e planejamento nas ações escolares. A equipe multidisciplinar sempre colocava a
necessidade de mais articulação com o grupo nos seus fazeres em sala de aula.
Momentos antes do início desse encontro, a psicóloga havia colocado para a pesquisadora
a necessidade de trazer essa discussão para o grupo. No decorrer da conversa, ela nos
disse:
Precisamos pensar num trabalho mais integrado com os profissionais da escola. Sinto que a fragmentação do trabalho ainda acontece, apesar de tentarmos uma aproximação. Precisamos refletir com o grupo que tipo de colaboração está sendo realizada. A escola diz que a colaboração acontece, mas ainda temos muito a alcançar. Sinto a necessidade de interagir mais com o grupo e eles comigo (PSICÓLOGA).
Os professores das salas, por sua vez, diziam que precisariam investir em momentos
para discutir, a respeito dos processos escolares dos alunos com a equipe
multidisciplinar:
A equipe atende nossos alunos e não temos tempo para discutirmos a respeito. Precisamos Integrar nossas ações (PROFESSORA SALA.)
Seria muito bom se tivéssemos tempo para discutirmos as questões que dificultam tanto as aprendizagens dos alunos, quanto às dificuldades para atendê-lo adequadamente nas suas necessidades (PROFESSORA DE APOIO).
170
A equipe é muito boa. Tem contribuído muito conosco, porém ainda sinto falta de algo mais (PROFESSORA SALA).
Essas discussões nos fizeram reportar a questões semelhantes que apareceram na
pesquisa42 realizada pela UFES com os profissionais da equipe multidisciplinar em alguns
núcleos de atendimento.43 A referida pesquisa nos revela fortes tensões e conflitos vividos
no cotidiano escolar, que nos remetem a pensar sobre a necessidade de provocar uma
articulação maior dos profissionais da equipe multidisciplinar com a escola e vice-versa.
Tendo como ponto de partida os conflitos e as lacunas suscitadas pelo grupo, passamos a
refletir acerca da natureza da colaboração realizada pela equipe escolar, buscando
analisar a respeito do que temos/vemos e do que podemos construir/reconstruir,
significar/ressignificar com o grupo nesse sentido. Os questionamentos se desdobraram
em reflexões que nos possibilitaram pensar:
a) Que visão temos do trabalho em colaboração? b) Como pode o trabalho colaborativo contribuir para a construção de uma escola que
assuma a educação para a diversidade? c) Temos conseguido trabalhar colaborativamente com as questões relacionadas com
a diversidade em sala de aula? d) O que já sabemos? O que precisamos saber? Quem pode nos ajudar? e) Podemos pensar outra forma de dizer e fazer colaboração e a inclusão?
Essas questões levantaram algumas discussões entre os profissionais que alegavam falta
de tempo para todos estarem juntos. Quando pedimos para pensassem no aproveitamento
do tempo no horário do planejamento, por exemplo, disseram que tinha que ter alguém para
42 Pesquisa encomendada pela SEMED, intitulada: O trabalho das equipes multidisciplinares no município de Aracruz: avaliando em contexto, coordenada pela Drª Denise Meyrelles de Jesus, em 2006. 31Cada núcleo era composto por três ou quatro escolas, considerando sua localização.
171
puxar isso na escola. As professoras e os outros profissionais pareciam concordar com tal
afirmativa.
Com a proposta de problematizar/refletir sobre o tipo de colaboração realizada na escola,
passamos para a efetivação de uma atividade em parceria, que consistiu num trabalho em
grupo em que os professores tinham que refletir sobre as condições para que o trabalho em
colaboração acontecesse efetivamente.
Durante a discussão, os profissionais foram convidados a refletir e escrever sobre
alguns elementos que restringiam/facilitavam/limitavam a efetivação de ações para
um ensino mais inclusivo.
O quadro a seguir representa uma síntese do registro das discussões.
Elementos restritivos Elementos habilitadores Elementos a serem aprimorados
Tempo para planejamento
Falta de disponibilidade da para acolher o colaborador
Dificuldade para refletir sobre a pràtica
Falta maior planejamento
Falta de estudos, de
valorização profissional e de apoio dos pais
Planejamento referente ao assunto
Troca de experiências
Aprofundamento científico específico
Formação continuada
Trabalho em equipe
Troca de conhecimento sobre o mesmo tema
Predisposição para a mudança
Relação entre os profissionais (interação)
Relação escolar, família, comunidade
Visão do aluno como elemento integrante do conjunto escolar e não somente do professor
Visão do trabalho colaborativo entre diferentes profissionais
Aplicação prática
Momentos de estudos e de formação continuada
Valorização profissional
Planejamento
Quadro 6 - Elementos restritivos e facilitadores do trabalho colaborativo-reflexivo
172
Podemos perceber que, no quadro, encontram-se questões que, ao mesmo tempo, que
aparecem como habilitadores, também surgem como elementos a serem aprimorados,
por exemplo, os momentos de formação, o trabalho em equipe e os momentos de
planejamento.
Nesse processo, numa tentativa de criar possibilidades de atuação na escola para os
impasses colocados, realizamos uma dinâmica que denominamos “Imagem” que consistiu
na possibilidade de nos deslocarmos do ponto comum e passarmos a criar dispositivos
capazes de avançar por outras direções. Com isso tínhamos a intenção de trazer para o
grupo a possibilidade de um pensar a realidade de forma criativa, rompendo em grupo
com as dificuldades encontradas.
Quanto aos movimentos reflexivos construídos com o grupo nesse encontro, os
profissionais assinalaram que contribuíram para:
a) aprofundar o conhecimento das questões que inquietavam os profissionais no contexto escolar;
b) trocar experiências bem-sucedidas com o grupo, numa tentativa de motivar os profissionais a (re)pensarem sua atuação, tendo em vista o atendimento á diversidade e não a um aluno-padrão;
c) ampliar a visão que tinham do trabalho colaborativo; d) pensar uma escola que assuma/contribua a construção de uma
educação para a diversidade; e) analisar o que o grupo já sabia, o que os profissionais precisavam saber, o que e
quem poderia ajudá-los.
Nesse encontro, percebemos que as relações de confiança já tinham se estabelecido
fortemente no grupo escolar, no que dizia respeito ao trabalho do professor de apoio e da
equipe multidisciplinar, entretanto não poderíamos deixar de considerar que alguns
elementos apareciam como restritivos a serem aprimorados, principalmente no que se
referia à necessidade de investimento na relação escola e família, que apareceu
fortemente como um elemento restritivo nas relações do grupo.
173
Concordamos com Mendes (2005), quando nos diz que uma das mudanças mais
desafiadoras para os profissionais da educação na inclusão escolar é deixar de exercer
um papel que foi tradicionalmente individual e passar para uma atuação que exige
compartilhar metas, decisões, instruções, responsabilidade, avaliação de aprendizagem,
resoluções de problemas e gestão da sala de aula.
Autores como Wood (apud CAPELLINI, 1998), Frederico, Herrold e Venn (1999), Graden
e Bauer (1998), dentre outros, apontam o trabalho colaborativo como um exemplo
promissor de se efetivar um trabalho orientado pelo poder das equipes colaborativas, no
sentido de contribuir para a promoção de sentimentos de interdependência positiva,
desenvolver habilidades criativas de resolução de problemas e compartilhamento de
responsabilidades.
4.4.5.3 O terceiro encontro
Esse encontro consistiu na continuidade das discussões das questões colocadas
anteriormente pelo grupo, em relação ao trabalho colaborativo na escola, que teve como
desdobramento o levantamento de cinco eixos temáticos de trabalhos (formação
continuada, família, ações colaborativas, produção científica e práticas pedagógicas),
apontados pelo grupo como possibilidades de ações a serem desenvolvidas no ano de
2006, ampliando-se para o ano de 2007.
A proposta de trabalho, a partir dos eixos temáticos, evidenciam as preocupações centrais
desse grupo, em promover espaços para:
a) discussões de projetos voltados para atendimento à diversidade; b) inserção de todos os funcionários (ASG, VIGIA, BIBLIOTECÁRIA, SECRETARIA...)
em alguns debates sobre a escola e a educação; c) formação continuada em serviço; d) socialização de experiências significativas e bem-sucedidas; e) discussões de caso e planejamento coletivo com a equipe multidisciplinar;
174
f) interação com as famílias, mostrando a importância da sua participação nas atividades naescola;
g) produção de registros escritos das experiências vividas pelo grupo, dentre outros.
Nossa experiência, apoiada em diferentes autores (AINSCOW, 1997; PORTER, 1997;
AMBROSETTI, 1999; ALMEIDA, 2004; CAPELLINI, 2004; JESUS, 2002) mostra que
deveríamos trabalhar buscando instituir ações colaborativas na sala de aula e no contexto
escolar, criando condições de reflexividade-crítica individuais e coletivas, procurando
instituir novas/outras políticas educacionais.
Nesse sentido, buscamos contribuir com os profissionais tanto para pensar ações
colaborativas que se faziam emergentes no cotidiano escolar, quanto para pensarmos
possibilidades de atuação em frente à complexidade vivida naquele contexto.
Em relação ao eixo ações colaborativas, foi adotada, como metodologia de trabalho, uma
dinâmica em grupo para que os profissionais pudessem refletir a respeito do trabalho em
equipe. A proposta trazia para o grupo a possibilidade de se olhar e olhar o outro,
considerando os lugares ocupados por todos na equipe.
Para desencadear alguns movimentos de reflexão, os seguintes questionamentos se
fizeram necessários:
a) Onde eu me posiciono em relação ao trabalho em equipe? b) E os meus colegas de equipe? c) Como se vêem como grupo? d) O lugar onde você se posiciona está trazendo satisfação para você? e) E para o grupo? f) Onde você gostaria de estar? g) Quais as perspectivas inclusivas nesse grupo?
Tais questionamentos trouxeram desdobramentos que privilegiaram o diálogo-reflexivo
entre as pessoas envolvidas, abrindo, assim, canais para a análise e reflexões dos
conflitos e problemas vividos no cotidiano. Essas reflexões se direcionaram para a
175
possibilidade de buscar/pensar/instituir práticas pedagógicas que dessem conta de
garantir uma educação de qualidade para todos a partir de um projeto que se desse no
coletivo e também possibilitou um metaolhar em relação à posição de cada um e de
todos.
Vale ressaltar que, ao final desse encontro, os profissionais se ressentem da “falta” de
tempo para discutir temas/questões que consideram relevantes para seu ensino. Três
professoras manifestaram interesse de aprofundar a discussão/conhecimento a respeito
da Síndrome de Down, deficiência intelectual e hiperatividade. Acreditamos que esses
interesses tenham surgido pelo fato de essas três professoras terem alunos em suas
salas com essas necessidades especiais. Nesse encontro, foi sugerido que as
professoras que tinham alunos com Síndrome de Down e deficiência intelectual
pesquisassem sobre o assunto e trouxessem os casos escritos para discutirmos. A
psicóloga responsabilizou-se com a professora para trazer materiais que subsidiassem
as discussões a respeito do caso do aluno “dito hiperativo”.
4.4.5.4 O quarto encontro
Nesse encontro, tínhamos como meta discutir três casos: caso de Katy, aluna com
deficiência intelectual, o caso de Peticha, com Síndrome de Down e o caso do João,
aluno que a professora dizia ser hiperativo. Este último caso será abordado no quinto
encontro.
Assim, como combinado, as professoras Mery, professora de apoio e a equipe
multidisciplinar organizaram os casos e trouxeram para serem discutidos. Para a
organização didática, apresentaremos os três casos:
CASO 1
A professora sintetizou o caso Peticha:
A aluna Piticha ingressou na escola regular no início de março deste ano, [...] 9 anos de idade foi inserida no 1º ano com crianças de 6 anos.
176
No início ela se comportava de forma desobediente e completamente sem limites. Nos primeiros dias corria atrás dos colegas para pegar merenda, pedia comida, pegava biscoitos do chão e do lixo para comer (é uma característica da síndrome comer compulsivamente). [...] Seu problema não era socialização, pelo contrário, ela é espontânea e amável. Devido ter nove anos e nunca ter freqüentado a escola regular, e a família não acreditar na capacidade dela de aprender, a protegendo demais e não oferecendo limites no seu dia-a-dia, ela se comportava resistente a mudanças. Isto tornou o trabalho muito mais difícil.
[...] com a ajuda da equipe escolar e da pesquisadora Wirlandia desenvolvemos o projeto onde nosso tema era Diversidade. Muitas oportunidades de reflexão foram oferecidas e muitas conquistas foram alcançadas com o grupo. A aluna Piticha se comporta mais amigável, participa das atividades de acordo com os desafios possíveis de serem alcançados por ela (ensino em multiníveis) e já começou a respeitar algumas regras da sala. Sinto que agora ela está querendo aprender se sente feliz com as letras que consegue traçar (no início sua escrita era icônica) e está perto de escrever seu próprio nome. Penso que o maior desafio é estar envolvendo a sua família neste processo. É com muita tristeza que digo que não avançamos nada com esta instituição que deveria apoiar e ajudar esta menina tão especial nesta caminhada. Concordo com Alarcão (2003, p. 45) quando argumenta que ‘[...] é preciso vencer inércias, é preciso vontade e persistência’.
O que fazer com pessoas que não valorizam os acompanhamentos da psicóloga e da fonoaudióloga que são oferecidos pelo CREM? A menina tem sérios problemas de dicção devido à hipotonia, não escova os dentes e muitas vezes não almoça antes de vir para a escola. Como devemos agir? [...] fizemos o que foi possível para tornar o ambiente escolar mais significativo e agradável para Piticha. Erramos na tentativa de acertar e aprendemos mais do que ensinamos. A única certeza que temos é que o caminho é longo e cheio de desafios. Como disse MEIRIEU (202, p. 32) ‘Não digo que tudo isso tenha sido fácil. ‘Não digo que não tenha enfrentado um pouco de dificuldade [...] nem que não tenha me sentido mortificado (a) muitas vezes, criticando-me por não ter sabido reagir [...]. Digo simplesmente que compreendi um pouco melhor nessas situações [...] o que ocorre no ato educativo.’
A interlocução com a professora nos fez conhecer não apenas um pouco mais da vida da
aluna, dos seus processos de ensino e aprendizagem, mas também nos possibilitou
conhecer com mais profundidade o trabalho realizado pela professora de apoio, seus
conhecimentos, suas concepções e seu papel como colaboradora. Pudemos perceber
que nossa atuação nas salas e nos momentos de planejamento havia contribuído
significativamente para as reflexões acerca da necessidade de implementação de práticas
pedagógicas diferenciadas. Nesse ponto, sentimos uma grande mudança na professora
de apoio no que se refere ao processo inicial da pesquisa. Pudemos constatar, no texto
177
escrito pela professora, que sua mudança não ocorrera apenas nos seus processos de
olhar sua prática de ensino para a aluna Peticha, mas também em o seu próprio processo
de querer-ser pesquisadora, que permitiu que introduzisse elementos teóricos no seu
fazer pedagógico com conhecimentos teóricos/práticos, que passaram a influenciar,
sistematicamente, seu fazer educativo.
Nesse sentido, na perspectiva de uma educação transformadora, a formação continuada
de professores é vista como uma possibilidade que se traduz na interação professor-
aluno-sociedade, por articular o saber/ser nos (re)fazeres cotidianos. Desse modo, no
sentido de articular o trabalho acadêmico e os conhecimentos que fazem parte da prática
do professor, Tardif (2000, p.112) diz: “[...] seu trabalho cotidiano não é somente um lugar
de aplicação de saberes produzidos por outros, mas também um espaço de produção, de
transformação e de mobilização de saberes que lhes são próprio”. Entretanto, Nóvoa
(1995a, p. 28) nos alerta que “[...] o desenvolvimento profissional dos professores tem de
estar articulado com as escolas e seus projetos”. Assim, considera que a formação de
professores esteja entrelaçada no processo de transformação da escola, a partir da
produção e apropriação dos conhecimentos advindos da teoria e da prática, ou seja, da
práxis educativa.
Consideramos que os relatos da professora provocaram movimentos no grupo, de forma
que os educadores passaram a ter necessidade de aprofundamento das questões que
dissessem respeito ao ensino/aprendizagem “[...] de sujeitos em situação de
desvantagem e/ou saberes/fazeres educacionais que visassem intervir nos processos
educativos, tendo em vista colaborar para a superação” (JESUS, 2005, p. 2) de situações
concretas de sala de aula.
CASO 2
Iniciamos o estudo de caso referente à deficiência intelectual, chamando a atenção para
alguns dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) a respeito da população brasileira
178
que apresenta esse déficit intelectual44 e do próprio conceito trazido pelo MEC que
reforça o conceito reducionista para o ensino dessas pessoas.
A professora de apoio iniciou o diálogo dizendo:
Olha gente, trouxe o caso da Katy para nós discutirmos. Escrevi aqui o que sei dela. Talvez tenha deixado de colocar alguma coisa, mas estamos aqui para uns ajudarem os outros, não é?!. Ela tem 16 anos, é deficiente mental, porém lê, escreve e realiza algumas atividades de raciocínio lógico. No seu desenvolvimento, percebe-se que foi pouco estimulada pela família. Percebo que a aluna tem dificuldade para escrever e para articular sílabas complexas. Ela é acompanhada pela fonoaudióloga, porém não tivemos contato com a mesma.
Em frente à discussão iniciada a respeito do processo de aprendizagem de alunos com
deficiência mental, a professora Mily disse “Ouvi dizer que o trabalho a ser desenvolvido
com alunos que apresentam deficiência mental tem que ser tudo com material concreto
por eles não conseguirem abstrair”.
Uma das professoras reforça essa concepção: “É, faz sentido o que você falou, porque a
Katy demora muito para processar os dados. Precisa constantemente de apoio para
realizar as atividades. Tem que usar material concreto”.
A partir da fala da professora, pareceu-nos que ela dispunha de expectativas pouco
expressivas em relação à aprendizagem dos alunos. Essa concepção, muitas vezes, tem
limitado o ensino para as pessoas com deficiência por ainda não se considerar esses
sujeitos como alguém que tem potencial para sair do plano concreto do conhecimento. A
visão do “ensino especial” para menos tem ressaltado as “deficiências” e “limitado” as
reais potencialidades desses sujeitos.
44 De acordo com Januzzi (2004, p. 155), O Brasil, de seus 169.799.170 habitantes, 24.537.985 (14,48%) apresentam algum tipo de deficiência. Dentre estes, 291.544, ou seja, 5% apresentam deficiência mental.
179
Para além de pretender trazer a discussão a respeito da conceitualização, do diagnóstico,
dentre outros dispositivos relacionados com a deficiência intelectual, procuramos discutir
com o grupo alguns textos de Vigotsky, advindos de suas composições em Fundamentos
de Defectologia (1997).
Para desencadear as discussões, optamos pela leitura dos casos com o grupo, buscando
refletir a respeito de alguns processos de ensino e aprendizagem vivenciados com a
aluna Katy.
Vale ressaltar que as situações expostas foram vivenciadas pelo mesmo grupo de alunos
em processo de letramento (alfabetização), com professores diferentes. Abordaremos
agora dois registros extraídos da pesquisa de Alves45 que apresentaremos para reflexão
acerca de conceitos referentes a deficiência intelectual.
Registro 1
Numa aula de Artes Cênicas, uma professora trouxe para a turma uma atividade para trabalhar o conceito de dramaturgia. A professora escreve no quadro: ‘Dicionário Teatral (cont) letra D’, dispondo abaixo os seguintes conceitos (diretor, dicção, dramaturgia, dramaturgo) e os respectivos significados dicionarizados. Enquanto a professora escreve no quadro, Thiago copia e dita para Natasha.
Professora - Natasha, você pode se sentar ao lado de Thiago, que ele vai ler para você. Eu não vou ditar a matéria, porque é um resumo e vamos precisar dele no quadro [...].
Ao mesmo tempo em que copiam, conversam sobre vários outros assuntos. A maioria dos alunos demora a finalizar a tarefa que se estende por quase toda a aula. Vez ou outra, a professora dirige-se aos alunos, dizendo: ‘Terminaram?’; ‘Fiquem quietos. Com essa barulheira não dá para dar aula’. ‘Será que vocês podem parar de falar?’ Escutem, o barulho já está demais, assim vou apagar o que está no quadro e vocês não vão poder copiar, vão perder a matéria’. Os alunos parecem não ouvir a professora e continuam conversando, gritando, movimentando-se pela sala.
Thiago e Natasha conversam entre si. O ambiente da sala vai se tornando cada vez mais barulhento, os alunos realizam a tarefa de forma mecânica. A pesquisadora aproxima-se de Thiago e Natasha e trava uma comunicação com eles.
Pesquisadora: Para que vocês estão aprendendo essa matéria?
45 Pesquisa intitulada: Educação Inclusiva no sistema regular de Ensino: o Caso do Município do Rio de Janeiro, elaborado por Cristina Nancif Alves – Relatório em formato de PDF.
180
Natasha:- Ela já deu as outras letras [referindo-se às palavras iniciadas por A, e B].
Thiago -É a continuação.
Pesq.: O que é dramaturgia, Natasha?
Natasha - aproximando o olho do caderno, lê o que esta escrito.
A pesq - então, colocando o braço sobre o significado de dramaturgo, pergunta:’ O que é dramaturgo?’. Tanto Thiago quanto Natasha tentam olhar no caderno para responder. A pesquisadora insiste: ‘Não olhem, tentem lembrar’.
Pesq. - Vamos ver. O que é escrita?
Natasha - `É escrever!
Thiago - É uma forma de registrar.
Pesq. - E o que é escritor?
Natasha e Thiago - É quem escreve...
Pesq. - Então, sem ler, o que é dramaturgia?
Natasha - É a arte de escrever para o teatro (repetindo exatamente o significado dado pela professora). - Pesq: sem ler, o que é dramaturgo?
Natasha - Não sei.
Thiago - Não lembro.
Pesq. - E o que é cozinheiro? - Natasha.: Quem faz a comida.
Pesq. - E o que é dramaturgia?
Thiago - Escrever para ao teatro.
Natasha - Arte de escrever para o teatro.
Pesq: E o que é dramaturgo.
Natasha - Não! É quem escreve? Cara, nunca mais esqueço isso. Que fácil! Não vou nem precisar estudar para a prova.
A professora permanece sentada em sua mesa, esperando que todos acabem a cópia. Cinco minutos antes de terminar a aula, diz: ‘Estamos quase na hora. Na próxima aula a gente continua’. Pega suas coisas e sai.
Registro 1
A professora entra em sala, pede que os alunos se acalmem .Todos estão agitados, conversam, movimentam-se pela sala. A aula anterior havia sido a da situação 1).
Prof. - Abram o livro na página 122, capítulo 7. Hoje, nós vamos falar da relação entre religião e política, no regime capitalista. O que é religião para vocês?
Alunos: [muitas vozes ao mesmo tempo].
Prof. - Um de cada vez: Você, Sabrina.
181
Sabrina - È uma crença.
Thiago - É fé.
Marcelo - É aquilo que a gente acredita.
A professora vai apontando e ouvindo as respostas. Os alunos se agitam, todos querem falar, dar suas opiniões...
Prof..- Calma! Alguém nessa aula já ficou sem falar? História só se aprende pensando, falando. Todo mundo vai dar sua opinião, mas cada um na sua hora, porque senão não adianta, ninguém ouve ninguém. A religião trata de que questões?
Aluno 1.- Das coisas da alma.
Aluno 2 - Do espírito.
Aluno 3 - Na Igreja Ccatólica também tem pecado.
Aluno 4 - No Espiritismo tem carma.
Prof. - E que relação tem a religião com a política?
Thiago - Acho que tem toda, porque, dependendo da crença, eu não vou ter critica nenhuma.
Natasha - É, tem religião que deixa a pessoa toda bitolada.
Aluno 6 - É ! Eu tenho uma tia que acha que o marido bebe e apronta por causa do encosto, aí vive rezando e ele continua aprontando. Puxa! Não tem nada a ver, ele é malandro mesmo.
Aluno 7 - E minha irmã que agora entrou para a Assembléia. Não faz mais nada, ela era da pá virada, mas agora parece uma freira. Só que ela era superlegal, agora tá dedo duro, tudo ela conta pra mãe. Outro dia eu saí com uma amiga que minha mãe não gosta e ela contou e eu levei a maior bronca. Isso por acaso é legal? Ser fofoqueira é legal? Se tudo é pecado isso devia ser também.
Prof. - Ah! Vocês estão me dizendo que a religião interfere nas condutas dos homens, é isso? Vocês conhecem aquela musica chamada Romaria? ‘Sou Caipira, Pirapora, Nossa Senhora de Aparecida, ilumina a minha escura e funda o trem da minha vida...’
Alunos e professora cantam a musica, depois a professora lê a letra.
Prof. - O que acharam?
Natasha: Parece que tudo acontece porque Deus quer. Se o cara esta desempregado é porque Deus quis assim.
Aluno 8 - É se está doente, porque Deus quis. Não têm dinheiro... culpa de Deus.
Aluno - Por isso que os empresários se dão bem, porque o povo acha que eles têm dinheiro, porque Deus decidiu assim. Então, ninguém se revolta com a exploração.
Professora e alunos dão continuidade ao diálogo e a matéria vai sendo internalizada de forma crítica. Cada um revelar o que pensa confrontar-se com os outros. Outras músicas com relação ao tema são lembradas.
182
Prof. - Na página 124, tem um questionário, respondam em casa e tragam na próxima aula. Natasha, esse capitulo já foi ampliado?
Natasha - Já, a professora da SR-DV já me entregou.
Prof. - Ok. Então, agora, quero que vocês façam uma poesia, uma letra de música relacionando religião e política e tragam na próxima aula.
À medida que líamos os casos, os professores passavam a fazer referências a respeito
de suas práticas em sala de aula com os alunos com algum déficit. A professora
Esperança nos disse:
Lembrei-me de alguns momentos na sala de aula com a aluna Katy. Penso que deveria ter dado mais atenção para ela. Acho que falhei muito com ela, deveria ter realizado mais intervenções, mediado o ensino ou ter utilizado mais os colegas no sistema de monitoria. Ela é muito esforçada, sei que vai conseguir desenvolver mais se tiver ajuda no seu processo de aprendizagem. A professora de apoio, por sua vez, nos disse: ‘ Ela avançou muito. Tem dificuldade na escrita de palavras com sílabas difíceis. Me sinto, muitas vezes, angustiada por não ter conseguido ajudá-la muito mais, mas tenho certeza de que, se investirmos num trabalho em conjunto, iremos contribuir mais para sua aprendizagem. Ela precisa, além da escola, de ser inserida em outras coisas para que possa desenvolver outras habilidades’.
Alguns professores viravam-se uns para os outros e um deles disse:
Eu trabalho dessa [referindo-se à professora do segundo caso] forma, busco trabalhar a criticidade dos meus alunos. Às vezes queremos silêncio na sala, mas eles conversam sobre a matéria que está sendo discutida. É normal de sala de aula os alunos conversarem, mas tudo tem limite, né?!
Percebemos que os professores, quando se referiam às suas práticas, sempre
relacionavam ao ensino ministrado pela professora do caso nº 2. Diziam procurar
estabelecer seu ensino baseado no diálogo, na troca de conhecimentos e na
aprendizagem mútua. No entanto reconheciam que precisavam avançar nas questões
referentes à disponibilidade e ao conhecimento para “[...] enfrentar imprevistos [...] e
experimentar soluções diferentes [...]”, estabelecendo relações positivas com os alunos,
especialmente aqueles que revelam problemas de aprendizagem e/ ou de relação.
183
A professora Carmem fez sua análise trazendo a seguinte reflexão:
A professora do caso nº 1 baseou seu ensino na passividade e na transmissão de conhecimento. Nenhum aluno era estimulado nas suas aulas. Nesse tipo de ensino as relações pedagógicas são hierarquizadas, em que o professor se considera o centro do processo, e os alunos meros reprodutores dos conhecimentos produzidos pelo professor, não havendo, assim, interesse por parte dos alunos pela atividade, matéria desenvolvida.
Desse modo, passamos a refletir sobre as práticas do professor em sala de aula, que
muitas vezes tem levado a trabalhar conteúdos com os alunos com algum tipo de
deficiência, a partir do rebaixamento das metas e dos objetivos a serem atingido.
Trouxemos para o grupo alguns pressupostos dos estudos de Vygotsky (apud ALVES, )
que nos remetem a pensar num ensino para esses sujeitos pautados:
a) em uma visão mais positiva em relação às suas possibilidades de formação quando trabalha o conceito de compensação;
b) na construção de relações sociais e não em meras interações diretas com o meio físico;
c) nas condições de participação em várias esferas da coletividade, com as mesmas metas educacionais estabelecidas para crianças “ditas normais”;
d) na potencialização do pensamento abstrato ou generalizante desses sujeitos.
Nesse diálogo, os professores demonstraram querer adquirir conhecimentos que lhes
ajudassem a tornar seu ensino mais inclusivo, entretanto reconheciam que precisavam
unir esforços para a realização de um trabalho com ações mais planejadas, de troca de
conhecimento com seus pares, para que dessem conta de mobilizar seus saberes em prol
do desenvolvimento da aprendizagem dos alunos e de suas próprias aprendizagens.
Em se tratando de discutir a educação inclusiva, a deficiência intelectual, por se tratar de
uma área complexa, tem sido a mais polemizada. Não basta um simples diagnóstico para
184
a sua correta identificação, cabendo à escola pensar num ensino para essas pessoas que
privilegie seu potencial e não suas limitações.
Em seus diálogos, deixavam explícito que queriam discutir, propor, realizar e instituir mais
momentos nos seus processos de formação continuada, entretanto viam-se amarrados
aos tempos da escola.
Nesse momento, a professora Lena disse: “Tá vendo?! Não deu tempo de discutir o
terceiro caso. Queria saber um pouco sobre hiperatividade. Tenho um aluno que acho que
é hiperativo”.
Desde nosso primeiro momento com os profissionais da escola, o pouco tempo apareceu
como um obstáculo para a discussão de problemas relacionados comquestões do
cotidiano escolar. Mas de que tempo estamos falando? Do tempo das professoras, da
diretora, da pedagoga, da pesquisadora, enfim... os “nossos tempos”. Assim, como não
deu “tempo” concluir a pauta que havíamos combinado, o terceiro caso ficou para o
encontro seguinte junto com o tema avaliação.
CASO 3
Embora esse estudo tenha acontecido no último encontro, por questão de organização
didática do texto, optamos trazê-lo nesta ordem. Como dito, por motivo de “falta” de
tempo, não foi possível discutir o caso de João.
Nesse encontro, a equipe multidisciplinar assumiu o estudo, trazendo a discussão do caso
João.46
46 A equipe multidisciplinar achou conveniente trazer o estudo de um caso fictício para discutir a questão da hiperatavidade, pelo fato do caso do aluno Pedro, apresentado como protótipo de um aluno aluno hiperativo, não ter sido confirmado.
185
Inicia-se a leitura e discussão:
João tem sete anos, estuda numa escola pública, onde há equipe multidisciplinar. Foi encaminhado pela professora para avaliação, por apresentar baixo rendimento escolar, desatenção e agitação. Houve observação da criança em sala de aula, onde pudemos ver que o mesmo remexia-se na cadeira, falava demasiadamente, apresentava muita inquietação, interrompia constantemente. A aula parecia estar sempre a todo vapor, dificuldade em aguardar a sua vez e tem sempre muita pressa. Conforme informação da professora, o aluno evita tarefas que exigem esforço mental, distrai-se facilmente por estímulos alheios, perde as coisas facilmente, nunca termina o que começa, esquece muito rápido o que foi dito e não consegue prestar atenção a uma mesma coisa durante muito tempo.
A partir da apresentação do caso, a professora Milli se reportou logo a seu aluno Pedro,
tido como um aluno hiperativo:
Quero colocar para o grupo que tinha Pedro como uma criança hiperativa pelo comportamento que apresentava, mas agora sei que ele não é. Conversando com a psicóloga, chegamos à conclusão de que o aluno precisa de uma atenção diferenciada, mas não por apresentar hiperatividade, mas por ser uma característica dele esse comportamento. Fico pensando quantos alunos são considerados como hiperativos por não considerarmos seus processos (grifo nosso).
Essas questões trazidas pela professora nos falam de “[...] concepções, crenças e valores
que permeiam as atividades nas instituições educativas [...]” ( MACHADO, 2004, p. 5-6),
que requer pensarmos na necessidade de investimento na formação e integração de
diferentes saberes, visando à ampliação do repertório de estratégias utilizadas no
enfrentamento das dificuldades para melhoria do atendimento e ensino (complemento
nosso) de todos os alunos. Também nos falam da necessidade de trabalharmos com os
profissionais da educação para que eles possam ver outras possibilidades de atuação
com os alunos, a partir de uma visão crítica de sua prática.
186
Diante das questões colocadas pela professora, a psicóloga interveio dizendo:
Trouxe um caso típico de aluno que apresenta hiperatividade para confrontar com o caso Pedro, para tentarmos desmistificar certas concepções. Conversei com a professora Milli a respeito desse aluno, e, após observação em sala de aula, vimos que os ‘sintomas’ apresentados pelo aluno não preenchiam os critérios definidos pelo DSM-IV [Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais] que nos remeteram há concluir que a ausência de um quadro de TDAH.
E continua:
Por se tratar de um diagnóstico fundamentalmente clínico, precisamos lançar mão de outros instrumentos para uma melhor avaliação, como anamnese completa. Outro procedimento necessário para um diagnóstico completo é solicitar à professora que preencha a escala de TDAH. A parceria com a professora é fundamental, por estar com o aluno todos os dias. Pode nos ajudar a observar cuidadosamente os comportamentos descritos na escala TDAH e nos ajudar a preenchê-lo considerando, inclusive, o comportamento da criança em relação aos seus colegas da classe. No caso de João, é importante utilizar uma escala de stress infantil para avaliar depressão, uma vez que a criança vive num contexto familiar conflituoso, que pode estar contribuído para a manutenção dos sintomas de TDAH.
No relato da psicóloga, não muito diferente do que encontramos na pesquisa de Machado
(2004, p. 4), observamos que sua prática não está totalmente desvinculada de avaliações
psicológicas, “[...] baseada em padrões de normalidade criados por testes psicológicos”.
No entanto busca engendrar saberes da Psicologia nos processo de intervenção com as
professoras, num processo de tentativa de “[...]desconstrução de uma ‘psicologia
individualista’, proveniente de sua formação. Tal concepção tem ‘reforçado’ os sintomas
como fenômenos engendrados apenas pelo corpo do sujeito [...]” (p. 4-5). Nas
discussões, chama a atenção para a necessidade de estabelecimento de uma relação de
diálogo e ajuda mútua com a família e com o conjunto da escola, numa tentativa de
reforçar a necessidade de romper com posturas que robusteçam o sentimento de
impotência e de culpabilização pelo fracasso escolar desses alunos.
187
Machado (2004, p. 4) lança mão de conhecimentos da Psicologia para discutir algumas
características que são essenciais para a definição do quadro de TDAH. “Os sintomas de
agitação, desatenção e impulsividade aparecem juntos, são persistentes, freqüentes e
mais severos do que aquele tipicamente observado em outra criança da mesma idade e
nível de desenvolvimento”. Entretanto nos chama a atenção para o drama desses sujeitos
que considera como os “excluídos do interior” por, apesar de estar na escola, serem
excluídos nos seus processos escolares, porque a escola, intensifica a produção da
exclusão desses sujeitos (BOURDIEU, 1997).
Cumpre destacar que, ao analisarmos a dinâmica de atuação da psicóloga, percebemos
um movimento no sentido de querer colaborar com a escola para um pensar práticas
pedagógicas que valorizem o sujeito na sua subjetividade, considerando-o “no varejo, no
um a um”.
Esse movimento contribuiu para o fortalecimento do trabalho da equipe multidisciplinar na
escola, por mexer em pontos que possibilitaram trabalhar as concepções do grupo de
professores, “[...] buscando os pontos críticos dos quais as crises e contradições são
intensas” (MACHADO, 2004, p. 4) quando tratam do ensino a alunos com algum tipo de
limitação. Também favoreceu a criação de dispositivos de intervenções grupais que
possibilitaram pensar ações mais inclusivas com o conjunto de profissionais, no que se
refere ao atendimento à diversidade de todos os alunos.
Nesse sentido, corroboramos o pensamento de Alarcão (2001), quando nos diz que
devemos atentar para a importância do trabalho coletivo pautado numa relação horizontal
com os profissionais que se ocupam da tarefa de educar, por considerar que,
[...] em uma escola participativa e democrática [...] a iniciativa é acolhida venha de onde vier, por que a abertura às idéias do outro, descentralização de poder e o envolvimento de todos no trabalho em conjunto são reconhecidos como um imperativo e uma riqueza (ALARCÃO, 2001, p.20).
188
De acordo com Machado (2004), muito se tem ouvido falar na possibilidade de construção
de redes de apoio, quando somos chamados a pensar algumas direções em prol do
atendimento à diversidade dos alunos com necessidades educacionais especiais,
entretanto
Há que se ter um certo cuidado e desconfiança quando se estabelece a necessidade de certos olhares psicológicos para aquilo que acontece no interior das escolas públicas, nos quais, muitas vezes, os psicólogos analisam os professores e mantém em sua prática uma relação de poder desigual (p. 12).
Ressalta, ainda, que os diferentes saberes podem contribuir, significativamente, inclusive
para ajudar a pensar os processos de subjetivação que estão embutidos nas concepções
que engendram nossas próprias práticas.
Nesse sentido, Machado(2004) sugere algumas direções que considera essencialmente
necessárias, quando discute a parceria entre a saúde e a educação, no que diz respeito
ao trabalho com crianças com necessidades educacionais especiais:
a) a necessidade de montagem de estrutura de atendimento na qual as diferenças específicas de cada criança possam ser afirmadas, o que implica a subversão da lógica que tem dominado a clínica e a escola;
b) a discussão com o grupo de professores para refletir sobre a intensa mobilização que produz as deficiências secundárias – preconceito, medo da aproximação, receio dos pais das crianças ditas normais;
c) a construção de uma relação da saúde com a educação a qual não domine a busca de um diagnóstico individualizado no corpo da criança, e sim desenvolva um trabalho no qual os profissionais da saúde, juntamente com as educadoras, problematizem as práticas escolares.
A perspectiva de se trabalhar colaborativamente se mostrou promissora naquele grupo,
reforçando a tese de que muito mais de que uma “forma” institucionalizada de tarefas, o
trabalho colaborativo deve se constituir em grupo, nos comportamentos e atitudes que
permeiam as relações. Os sistemas educacionais devem assegurar todos os recursos,
“[...] inclusive tempo, dinheiro e apoio profissional” (MENDES, 2005, p.10).
189
4.4.5.5 O quinto encontro
No encontro anterior, o grupo decidiu por discutir/problematizar o tema avaliação. Essa
proposta surgiu a partir de uma questão levantada por uma das professoras, no final do
encontro: “Se não conseguirem atingir o que se pede para essa série, você acha que
devem seguir para outra série?”.
A partir da fala da professora, fomos chamados a refletir a respeito das concepções do
grupo sobre avaliação. Numa tentativa de provocar maior interesse pelo tema a ser
discutido, apoiamo-nos na leitura da história Quando a escola é de vidro, da autora Ruth
Rocha, utilizando uma dinâmica que nos ajudasse a dinamizar e conduzir a discussão.
A dinâmica permitia uma maior participação/expressão do grupo para questões que
pudessem ilustrar os processos vividos com os alunos. A atividade consistiu em os
professores modelar um suposto aluno que considerava um desafio, trazendo à tona
questionamentos e indagações referentes aos sujeitos representados simbolicamente
pelas modelagens.
Nesse diálogo, refletíamos a respeito de cada trecho da história, fazendo analogia às
nossas práticas e às concepções de avaliação.
Eu ia pra escola todos os dias de manhã e quando chagava, logo, logo, eu tinha que me meter no vidro É no vidro! Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um, não! O vidro dependia da classe em que a gente estudava. Se você estava no primeiro ano ganhava um vidro de um tamanho. Se você fosse do segundo ano seu vidro era um pouquinho maior. E assim, os vidros iam crescendo à medida em que você ia passando de ano. Se não passasse de ano era um horror. Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado. Coubesse ou não coubesse. Aliás, nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros. E pra falar a verdade, ninguém cabia direito.
190
Percebemos que, à medida que modelavam os “supostos alunos”, os professores
tentavam refletir a respeito de seus percursos e possibilidades, analisando seus
processos.
Nesse contexto, o diálogo e a troca assumem papéis de grande relevância à proporção
que o grupo reúne esforços para dicutir/refletir a respeito do tipo de avaliação que se
pratica na escola.
Essa é a Kaká. Ela fica de fora do vidro porque a recebemos de braços abertos, porque ela precisa de outras possibilidades
(PROFESSORA LENA).
Dessa escola de vidro o aluno tem que fugir. A criança quebra o vidro quando precisa de algo mais (PEDAGOGA DANI).
O aluno Cláudio teve um insight. Tem nos surpreendido (ZEZÉ).
Reprovar a Sulamita poderia representar para ela deixá-la no vidro pequeno. A impediria de crescer. Como poderia se sentir? (LILI).
Se considerarmos o nível que a Sulamita está, em relação à sua turma, ela ficaria retida, mas, se considerarmos seus progressos, ela precisa avançar (PEDAGOGA DANI).
Uma primeira questão que emerge dessas discussões é que a grande maioria dos
profissionais daquela escola considera a avaliação como um “[...] instrumento para a
identificação de novos rumos”. Entendiam que “[...] a avaliação deverá verificar a
aprendizagem não só a partir dos mínimos possíveis, mas a partir dos mínimos
necessários” (LUCKESI 1999, p. 43-44, grifo do autor).
191
A percepção do grupo a respeito dos diferentes processos de aprendizagem dos alunos
leva-nos a perceber que os profissionais daquela escola entendiam que deveriam pensar
a avaliação para além de médias, notas, números e estatísticas, que era necessário,
[...] enxergar suas múltiplas funções, num processo de olhar [...] os diversos fios que tecem o cotidiano escolar, as dobras que ocultam e revelam, as palavras que falam e calam que os diferentes processos dos alunos vão-nos indicando simultaneamente o esgotamento dos processos de negação, seleção e exclusão, e a emergência de possibilidades de ruptura com esses processos (ESTEBAN, 2003, p. 17).
No entanto questionam sobre a avaliação que ainda se pratica na escola, aquela que é
usada para fundamentar necessidades de classificação de alunos, em que são
comparados desempenhos e não objetivos que se desejam atingir (LUCKESI, 1999). Os
professores não estão satisfeitos (salvo exceções) com a avaliação que realizam. Em
seus discursos, parecem querer melhorar o processo de avaliação e, mais ainda,
consideram que, mudando a avaliação, podem melhorar a qualidade de ensino. Contudo
os desafios enunciados acerca de suas concepções sobre avaliação estavam
circunscritos, em sua maioria, entre o “dizer” e o “fazer”, necessitando, assim, de
“coragem para começar” (MEIRIEU, 2002).
Questionados sobre tais contradições, tentam discutir acerca dos julgamentos que a
escola (no seu conjunto) faz do aluno que não se encaixa no padrão exigido pela
instituição escolar, que está intimamente ligado a uma cultura instituída.
Nesse sentido, Perrenoud (2000 p. 22-23) aponta o fato de que, na escola, o julgamento
“acontece” independentemente (grifo do autor) do projeto pessoal do aluno. O fracasso é
sempre relativo a uma cultura escolar definida e, por outro lado, não é um simples reflexo
das desigualdades de conhecimento e competência, pois a avaliação da escola põe as
hierarquias de excelência a serviço de suas decisões. O fracasso é, assim, um julgamento
institucional.
Em frente a essa questão, a professora Mery nos diz:
192
Pensando nos alunos, pensamos que o vidro modela, delimita, como a avaliação para menos é classificatória. Mas, pensando em nós, professores, o sistema nos modela, nos limita quando nos cobra notas. A avaliação deve ser melhorada sim, mas dentro do conjunto maior (em nível de sistema,) porque em nível das práticas educativas do qual ela faz parte, estamos tentando fazer, mesmo com nossas limitações.
Percebemos que há no grupo um entendimento sobre a avaliação como instrumento que
contribuirá para a melhoria do ensino, e o desejo coletivo de mudança, mas há, também,
uma inquietação que se mostra bastante acentuada, quando as professoras colocam a
necessidade de essa questão ser vista num âmbito maior, ou seja, com relação às
políticas públicas educacionais municipais, estaduais e federais.
5 EPÍLOGO
A radicalização da política dos serviços do professor de apoio no município
Segundo Mendes (2006, p. 402),
[...] é necessário que se faça uma pesquisa mais engajada nos problemas da realidade e que tenham implicações práticas e políticas mais claras. Em contrapartida, é necessário também que o processo de tomada de decisão política privilegie mais as bases empíricas fornecidas pela pesquisa científica sobre inclusão escolar na nossa realidade.
Iniciamos com essa citação por ela nos convidar a refletir sobre a política educacional
implementada no município de Aracruz, no ano de 2007, para os professores de apoio,
que, a exemplo do que vem acontecendo com a política nacional de inclusão, têm
ignorado e desafiado o pressuposto de que uma política de educação inclusiva deve se
efetivar pela via de um processo de construção coletiva (MENDES, 2006) e não por
decisões isoladas.
193
A pretexto de promover educação inclusiva, a política de trabalho, para os professores de
apoio, foi radicalizada no município, a partir de decisões de um grupo da gestão
municipal, que substituiu esse profissional por “professores articuladores”, cujas
atribuições consistem em atender às escolas com intervenções a grupos de alunos
defasados, com dificuldades de aprendizagem, com deficiências nas salas de aula e
substituição de professores quando estes se dirigirem para a formação continuada em
serviço, dentre outras funções que lhes são atribuídas.
A primeira ação que indica a radicalização dos serviços desses profissionais refere-se à
forma como se imprigiu essa política nas escolas, ou seja, sem o envolvimento e a
participação da comunidade interessada no assunto. A segunda refere-se à necessidade
de se considerar a formação mínima dos profissionais para atuarem nos diferentes
contextos.
A atual proposta tem provocado inquietações nos diversos grupos (diretores, pedagogos,
professores articuladores e professoras das salas regulares) que têm demonstrado, por
um lado, não entenderem muito bem a proposta de trabalho para esses profissionais e,
por outro, insatisfações por esses professores articuladores não conseguirem atender,
minimamente, os alunos que apresentam comprometimentos severos que requerem um
olhar mais individualizado. Concordamos com Mendes (2006, p. 396), quando nos diz:
Sob a bandeira da inclusão são encontrados, na atualidade, práticos e pressupostos bastante distintos, os que garantem um consenso apenas aparente e acomoda diferentes posições que podem ser extremamente divergentes. Uma tomada de posição consciente dentro desse conjunto de possibilidades deve começar pelo entendimento que se tem acerca do princípio da inclusão escolar, lembrando que o termo assume atualmente o significado que quem o utiliza deseja.
Nesse sentido, entendemos ser necessária uma discussão mais aprofundada, no sentido
de refletir/discutir e redefinir práticas, pressupostos, posições que muitas vezes se
apresentam com a definição que melhor convém aos cofres públicos. Assim sendo,
estamos diante de um grande desafio: buscar realizar movimentos em prol da inclusão
194
educacional, observando certos cuidados, com definições mais precisas, a partir de
decisões tomadas no coletivo. Sem essas definições, como nos alerta a autora, podemos
correr o risco de permanecer na eloqüência, na infindável ponderação de que estamos
apenas iniciando um processo (MENDES, 2006).
Ou, como nos tráz Bueno (2000) quando diz que, embora devamos oferecer
possibilidades para que se rompa com o dualismo existente entre educação comum e
educação especial, ”[...] e é um avanço incluir a educação dos deficientes no âmbito do
fracasso escolar”, não devemos correr o risco de desconsiderar que existe um grupo de
alunos que demanda apoios e ajudas intensos na sua trajetória de vida. Desse modo,
precisamos ter cuidado para, em nome da inclusão, não excluirmos os sujeitos que estão
na escola, porém sem apoio para que possam avançar nas suas aprendizagens.
Enfim, ao analisarmos a política de trabalho dos professores de apoio no município de
Aracruz e no Brasil, podemos dizer que o futuro da inclusão escolar dependerá de um
esforço de toda a sociedade, que obriga uma revisão na postura de políticos,
pesquisadores, prestadores de serviços, familiares e indivíduos com necessidades
educacionais especiais, a partir da construção de metas comuns de trabalhos que
garantam uma educação de melhor qualidade para todos os sujeitos.
195
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O QUE FICA E/OU O QUE TEMOS A DIZER DO PERCURSO FEITO?
Torcemos que, pelo menos para a grande maioria dos profissionais que estiveram
envolvidos e que participaram desta pesquisa, direta ou indiretamente, tenha ficado a
necessidade de buscar, constantemente, realizar auto-reflexões dos processos
vivenciados com o conjunto escolar e, principalmente sobre práticas pedagógicas
efetivadas em sala de aula. Esperamos que muito mais que pensar “o que ensinar aos
alunos”, direcionem suas ações para pensar sobre os conhecimentos que precisam dispor
para potencializar a aprendizagem de todos. Esse posicionamento nos coloca na
condição de ensinante, mas, sobretudo de aprendentes, por possibilitar aos profissionais
verem a escola para além de um lugar de trabalho, mas como um espaço para
aprendizagem institucional e organizativa. Sob esse aspecto, Bolívar (1997), considera
que a organização aprendente qualifica não somente quem nela estuda, mas também
aqueles que nela ensinam.
Durante nossa pesquisa, essas questões se fizeram presentes e incitaram discussões e
reflexões que nos fizeram pensar que as organizações só aprendem por meio de
indivíduos que aprendem (BOLIVAR, 1997). Também nos possibilitou enxergar que a
196
aprendizagem individual não garante a aprendizagem institucional [organizacional], mas
que não há aprendizagem institucional sem aprendizagem individual (SENGE, apud
BOLÍVAR,1997, p. 82). Os diferentes olhares para essas questões nos possibilitaram
perceber que a competência na ação docente não está na aquisição de modelos nem no
aprimoramento de técnicas instrumentais, mas na dinâmica de buscar coletivamente
estratégias de intervenção, que implicam “[...] um sentido agudo de mediação e paciência,
uma arte da escuta” (BARBIER, 2004, p. 105) do outro, para o outro e com o outro.
Nossas vivências mostraram que, para criar espaços que direcionem para um trabalho
pautado em ações colaborativo-críticas com a comunidade escolar, é preciso incitar o
desejo, a vontade, o querer fazer dos vários sujeitos que compõem esse coletivo. Assim,
reafirmamos com Senge (apud BOLÍVAR,1997, p. 82):
As organizações só aprendem quando os indivíduos expandem continuamente a sua aptidão para criar os resultados que desejam, onde se criam novos e expansivos padrões de pensamentos, onde a aspiração coletiva fica em liberdade, e os indivíduos aprendem continuamente uns com os outros.
Tendo a pesquisa a perspectiva de potencializar as ações dos profissionais da escola,
para que eles pudessem pensar/buscar novos contextos de ensino-aprendizagem,
tomamos, como eixo central de trabalho, o desenvolvimento de ações nas salas de aula
com as professoras, buscando instituir espaços para investir em processos formativos
com todo o grupo escolar (equipe multidisciplinar, professores, diretor e pedagogo), em
diferentes momentos, por meio de abordagens que decorriam do movimento do próprio
grupo.
Acreditando na perspectiva de compreender/refletir as questões presentificadas naquele
contexto educacional, tendo como meta contribuir para a construção de novos possíveis,
buscamos nos respaldar, teoricamente, em autores (TARDIF, 1991, 2002; NÓVOA, 1992,
1995; PERRENOUD, 1993, 1996; SCHON, 1995; ANDRÉ, 1999, 2000; MONTEIRO,
2004), que têm se debruçado sobre a questão dos saberes docentes que os professores
197
mobilizam quando ensinam. Também em autores como Alarcão e Pimenta (2002) que,
em seus estudos, têm mostrado a complexidade que se presentifica nas práticas
pedagógicas dos docentes em seus distintos e singulares locais de trabalho, dentre
outros.
Apoiamo-nos, metodologicamente, na pesquisa-ação por esta constituir-se um ato político
que se dá no coletivo e por não se tratar de uma “[...] pesquisa-a-ser-seguida por-ação, ou
pesquisa-em-ação, mas pesquisa como-ação” Cooke (apud TRIPP, 2005, p. 10 -11). Esse
tipo de pesquisa, segundo Barbier (2004, p.14), obriga o pesquisador a implicar-se, uma
vez que “[...] não se trabalha sobre os outros”, e/ou para os outros, mas com os outros.
Nesse contexto, a professora de apoio/pedagoga/pesquisadora se envolve e é envolvida.
A professora, que há dez anos já apresentava um perfil de professora-pesquisadora,
revela-se agora mais intensamente como pesquisadora, procurando encontrar
possibilidades de construir possíveis naquele espaço escolar.
Diante disso, podemos considerar que, ao longo da pesquisa, foi possível construir
espaços de reflexividade com o grupo escolar, ficando a certeza de que, como
professora/pesquisadora colaboradora, paradoxalmente, colocávamo-nos no lugar dos
profissionais parceiros que, em vários momentos, sobressaíam-se ao pesquisador
acadêmico. Esses momentos de construção coletiva com os atores e autores da Escola
Deraldo Passos nos dizem da necessidade e da possibilidade de buscar realizar
intervenções que:
a) considerem os diferentes processos dos sujeitos aprendentes e ensinantes;
b) possibilitem espaços para interação com os profissionais, no sentido de “fazer
junto” e de “mostrar como” (SANCHES, 1996) realizar intervenções que
favoreçam a diversidade;
c) promovam reflexões que tragam pistas para melhor elaboração do
entendimento da diversidade e, conseqüentemente, para a melhoria das
práticas pedagógicas na sala de aula;
198
d) busquem potencializar o trabalho em equipe a partir de discussões que foquem
a superação das limitações de concepções fundamentadas na deficiência e
nas dificuldades encontradas no ensino para esses sujeitos;
e) possibilitem a formação continuada, com vistas a fomentar o desenvolvimento
de práticas educacionais mais inclusivas;
f) potencializem e ressignifiquem o papel do pedagogo, da equipe multidisciplinar
do professor de apoio no contexto escolar, como via possibilitadora da inclusão
de alunos com necessidades educacionais especiais;
g) criem espaços na escola para a reflexão que considere e potencialize os
saberes dos diferentes profissionais, além de espaços de criação, descobertas
e socialização de saberes;
h) ressignifiquem os momentos de planejamento, garantindo espaços coletivos
para a organização sistemática do ensino, discussões e encaminhamentos,
sem os quais não se pode pensar em educação inclusiva;
i) possibilitem movimentos de mudanças nas políticas públicas educacionais que
contemplem e considerem a diversidade dos sujeitos nas suas várias
dimensões;
j) incluam ações colaborativas com as famílias dos alunos que apresentam NEE,
no sentido do entendimento e da aceitação das diferenças;
k) valorizem a busca pela melhoria das práticas a partir da pesquisa e da relação
entre teoria e prática.
Além disso, o estudo evidencia que é preciso ultrapassar a dimensão mecânica do “fazer”,
ou seja, passar da dimensão que se utiliza mecanicamente o fazer pedagógico, para a
dimensão “saber é fazer”, que envolve múltiplas dimensões do ser professor e da ação
docente. Envolve o pensar e o agir coletivamente de todos os responsáveis pelo processo
de ensino e aprendizagem de todos os alunos e, dentre eles, os que apresentam NEE.
199
Ao pretender concluir este estudo, compreendemos a importância da realização de outros
trabalhos nessa linha de investigação, que nos tragam uma maior compreensão da
constituição dos saberes docentes dos profissionais da educação que precisam ser
colocados em prática no seu processo de desenvolvimento profissional. Saberes que,
regularmente, precisam ser retraduzidos e validados pelo conjunto escolar para que, de
fato, consigamos atender a todos, considerando a diversidade de cada um. Confessamos
que esta pesquisa nos trouxe inquietudes e inquietações que são próprias de trabalhos
dessa natureza. Trabalho restrito pelo tempo, mas validado por ter tido a oportunidade de
viver esta nossa primeira experiência como pesquisadora. Assim, podemos dizer que
todo o processo desta pesquisa diz muito de nós (pessoa e profissional), é um reflexo de
nossa história de vida, motivada por desafios e tensões, mas, principalmente, por
oportunidades, superações e aprendizagens constantes.
200
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