o rio tietê e o saneamento básico - marcelo teixeira

12
O Rio Tietê e o Saneamento Básico de São Paulo Marcelo Teixeira Arquiteto e Urbanista graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1999). Mestre e Doutorando em Ciências pelo Programa de Historia Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - FFLCH-USP. Docente do SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. Endereço: Rua Professor Rodolpho de Freitas, 355 - Vila Império – São Paulo - SP - CEP: 04406-000 - Brasil - Tel: (11) 5034-2666 – [email protected] Introdução São Paulo fincou suas bases entre rios e, entre eles o Tietê, grande rio, no nome de origem tupi, na extensão e na importância. Seu nome, oriundo do Tupi tem o significado de verdadeiro, no sentido mais amplo da palavra nos levando a entender seu importante papel na história da cidade, sempre esquecido ou tratado de forma secundária nas questões urbanas da cidade. Esse artigo procura iniciar um debate sobre o futuro desse rio, a partir da sua história e da história do Saneamento Público, e, quem sabe, traçar as potencialidades dele na São Paulo do século XXI. Breve História de um Rio. Mesmo nos primórdios de sua fundação, quando se implantava num triangulo entre o córrego Anhagabaú, o rio Tamanduateí a atual Praça João Mendes e se encontrar relativamente afastado desse rio, sua relação com ele sempre foi intensa. Como transporte, teve fundamental papel para a expansão da colonização levando as bandeiras em direção ao interior, facilitando o comércio e a comunicação com os novos povoados. “De longa data as crônicas municipais, estão de volta e meia, a falar no Rio Grande, no Anhembi e no Tietê. Caminho mais curto para Paranaíba, Carapicuíba, Ó, Guarulhos, Uruaí e Mogi, o rio ligava esses núcleos povoadores, facilitando o comércio e a vigilância das autoridades”. 1 1 Nóbrega, Humberto de Mello, História do Rio Tietê, 2 ed. São Paulo, 1978 p. 199.

Upload: marcelo-teixeira

Post on 25-Jun-2015

401 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Artigo apresentado no 11 Simposio Brasileiro de Historia da Ciencia sobre Urbanismo, São Paulo e Saneamento.Paper presented on the 11 Brazilian Science History Congress about Urban Design of São Paulo

TRANSCRIPT

Page 1: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

O Rio Tietê e o Saneamento Básico de São Paulo

Marcelo Teixeira Arquiteto e Urbanista graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1999). Mestre e Doutorando em Ciências pelo Programa de Historia Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - FFLCH-USP. Docente do SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. Endereço: Rua Professor Rodolpho de Freitas, 355 - Vila Império – São Paulo - SP - CEP: 04406-000 - Brasil - Tel: (11) 5034-2666 – [email protected]

Introdução

São Paulo fincou suas bases entre rios e, entre eles o Tietê, grande rio, no nome de

origem tupi, na extensão e na importância.

Seu nome, oriundo do Tupi tem o significado de verdadeiro, no sentido mais amplo da

palavra nos levando a entender seu importante papel na história da cidade, sempre

esquecido ou tratado de forma secundária nas questões urbanas da cidade.

Esse artigo procura iniciar um debate sobre o futuro desse rio, a partir da sua história e

da história do Saneamento Público, e, quem sabe, traçar as potencialidades dele na São

Paulo do século XXI.

Breve História de um Rio.

Mesmo nos primórdios de sua fundação, quando se implantava num triangulo entre o

córrego Anhagabaú, o rio Tamanduateí a atual Praça João Mendes e se encontrar

relativamente afastado desse rio, sua relação com ele sempre foi intensa.

Como transporte, teve fundamental papel para a expansão da colonização levando as

bandeiras em direção ao interior, facilitando o comércio e a comunicação com os novos

povoados. “De longa data as crônicas municipais, estão de volta e meia, a falar no Rio

Grande, no Anhembi e no Tietê. Caminho mais curto para Paranaíba, Carapicuíba, Ó,

Guarulhos, Uruaí e Mogi, o rio ligava esses núcleos povoadores, facilitando o comércio

e a vigilância das autoridades”. 1

1 Nóbrega, Humberto de Mello, História do Rio Tietê, 2 ed. São Paulo, 1978 p. 199.

Page 2: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

Segundo Caio Prado Junior, São Paulo era um “centro natural do sistema hidrográfico

da região”, formado pelo rio-tronco do sistema, o Tietê, acessível pelo Tamanduateí, e

pelos afluentes: Pinheiros, Cotia e Piracicaba2.

Mais tarde, quando São Paulo de Piratininga se aproximou de suas margens, o rio se

tornou o local onde se escondiam negros fugidos em suas matas, chamado por Nóbrega

de coiteiro3, lavavam-se roupas, tomavam-se banhos e os enamorados se encontravam

apaixonados. “Para as paulistanas que viviam numa época em que os sacis eram

considerados uma realidade temerária, as assombrações e os homens sem roupa eram

alguns dos perigos existentes nos rios e em suas margens... Por vezes, os dois casos

eram apenas um: homem sem roupa, coberto com um lençol. Entre pilhéria e o temor,

alguns rios foram motivo de críticas. Melhor evitá-los, sobretudo quando se era mulher

jovem e de boa família. Mas, visto de outro ângulo, os rios podiam, também, servir

como abrigo aos homens sem roupa ou sem lei” 4. Tornando-se, inclusive, muitos anos

depois, local de prática de esportes, natação e regatas.

Não obstante, enquanto, em todo o mundo, a higiene pessoal através do banho, as

necessidades fisiológicas e o destino dos dejetos eram questões tratadas separadamente

em termos de hora e lugar, ainda no Brasil, a higiene pessoal era resolvida nas casas de

banho e, para a maioria da população, especialmente os escravos e pobres, mas não

somente, nos banhos de rio. No mato, resolviam-se as necessidades fisiológicas. As

mulheres utilizavam os urinóis e os pequenos cômodos das latrinas, construída, muitas

vezes, sobre buracos que de tempos e tempos eram esvaziados, levando-se os resíduos

para bem longe – nas várzeas do Tamanduateí e Tietê.5

Os rios e a natureza, inclusive, nunca foram vistos como bens valiosos, necessários e

dignos de serem cuidados. Apesar das normas existentes e das pesadas multas aplicadas

a quem as desrespeitava, a população se desfazia de seus dejetos mesmo sendo eles os

principais meios de se obter água. Segundo Afonso A. de Freitas, 80% dos recursos

hídricos utilizados pela população eram oriundos diretamente, em 1860, dos rios, e não

dos chafarizes, e vendidas pelos aguadeiros, que percorriam a cidade com carroças

2 Prado Júnior, C. Evolução política do Brasil e outros estudos, 4 ed. São Paulo, 1963, p. 105. 3 Nóbrega, Humberto de Mello, op.citada, p. 137. 4 Sant`Anna, Denise Bernuzzi de, Cidade das Águas – Uos de rios, córregos e bicas em São Paulo (18822-1901), Ed. Senac, São Paulo, 2007. 5 Bueno, Laura Machado de Mello, O saneamento na urbanização de São Paulo. FFLCH-USP, São Paulo, 1994.

Page 3: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

repletas de pipas cheias de água6 e mesmo assim nunca se foi dada à devida atenção a

esse recurso.

A relação da cidade com seus rios sempre foi conflituosa. O Tietê, por exemplo, sempre

implacável, inundava toda a várzea, incomodando a população e as autoridades. Sua

pequena declividade e sua sinuosidade acabavam por dificultar o fluxo das águas e,

conseqüentemente, na estação chuvosa provocar seu transbordamento.

Tais infortúnios ocuparam grande parte dos séculos XIX e XX as pautas das autoridades

em busca de uma solução para as cheias, mas, sempre em segundo plano os problemas

de saneamento público. À medida que a cidade cresce, saindo de cerca dos poucos 21

mil habitantes em 1837 para cerca de 240 mil, os problemas também.

A partir de 1870, a capital paulista deixa de se tornar uma simples cidade comercial da

colônia para se tornar uma importante capital do café. Conseqüentemente a expansão

para as várzeas, atrás das indústrias, também ocorre, e junto com ela os esgotos que

começam, principalmente no inicio do século XX, a serem depositados no Rio Tietê.

Junta-se ao problema das enchentes a necessidade de se constituir um amplo sistema de

abastecimento de água para a capital. O primeiro sempre esteve presente de forma direta

na administração por interferir diretamente com a ocupação territorial da população. Em

1841, procedia-se o primeiro planejamento racional de obras visando o “encanamento”

do Tamanduateí, e, assim, se sucederam diversos estudos e providências, sempre

incompletos.

Em 1903, o Fiscal dos Rios José Joaquim de Freitas dirigira ao Secretário-Geral da

Prefeitura de São Paulo, um extenso memorial criticando o estado sanitário do rio Tietê

ressaltando a importância de acabar com “os espessos depósitos de lodo em

fermentação, exalando mau cheiro e cobertos de moscas e pernilongos que daí eram

atirados para o centro da cidade ou para os diversos arrebaldes, conforme a direção dos

ventos reinantes”.7

Somente em 1922 o assunto da retificação do Rio voltou de forma consistente quando o

então prefeito de São Paulo Dr. Firmino Pinto entrou em acordo com o Governador do

Estado que forneceu diversos estudos de intervenção. Em 1923 se inicia novos estudos

sob a tutela do Doutor Saturnino Brito, renomado engenheiro de saneamento público.

Brito apresentou em dezembro de 1925 seu projeto. A retificação do rio entre Guarulhos

e Osasco, sinuosíssimo, com cerca de 46 quilômetros, se reduziria a 26; a declividade

6 Freitas, Afonso A. de, Tradições e reminiscências paulistanas. Edusp – Itatiaia, São Paulo, 1985, p. 33 7 Nóbrega, Humberto de Mello, ap. cit., p. 205

Page 4: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

media, de 13 centímetros por mil metros, passaria a ser 25 da Penha à Ponte Grande8,

atual das Bandeiras.

Tal comissão se restabeleceu em 1927, quando alterou algumas bases e dirigido por

Saturnino definiu quatro pontos capitais: defesa contra as inundações periódicas e

aproveitamento das áreas alagadiças; navegação mais rápida e fácil entre os pontos

extremos da cidade; afastamento, para jusante das descargas dos esgotos, feitos em

locais de grande densidade demográfica sem depuração. A maior enchente de até então,

em 1929 deu novas informações ao novo diretor da comissão Dr. João Florence de

Ulhoa Cintra que acabou por modificar o plano de Brito. Previram-se novas pontes,

aumentaram a área de intervenção chegando à retificação até a jusante da grande curva

que o rio faz em Osasco, suprimiram as comportas, e inseriram duas grandes avenidas,

as marginais tudo financiado pelo loteamento das áreas remanescente.

A crise de 29 e a Revolução de 30 impediram a imediata execução e o plano de Cintra

só teve sua execução iniciada em 1938 pelas mãos do urbanista então prefeito Prestes

Maia sob coordenação do Engenheiro Lysandro Pereira da Silva.

Apesar da retificação, as enchentes continuam sendo problema para a cidade e sua

população e o Rio Tietê passou cada vez mais a se tornar apenas um esgoto a céu

aberto.

Essas questões referentes às enchentes foram tratadas separadamente do Saneamento

Público, havendo sua retificação ocorrida de forma alheia a esses problemas.

Breve História do Saneamento Básico de São Paulo

Até meados do século XIX, o abastecimento de água era feito ou através dos

aguadeiros, já citados, ou dos chafarizes que distribuía as suas águas aos escravos que a

buscavam para seus senhores.

O crescimento urbano, o surgimento dos primeiros bondes por tração animal (1872), a

substituição dos lampiões de querosene por gás (1872) e logo depois em 1888, a

instalação da primeira luz elétrica são alguns dos sinais de transformação da cidade. O

saneamento, por sua vez, também ensaiava suas transformações. As nascentes ao redor

do núcleo urbano já não abasteciam as necessidades dos paulistas bem como os rios

locais, como o Tietê, com suas águas insalubres, já poluídas.

8 Nóbrega, Humberto de Mello, Op. Cit., p. 205.

Page 5: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

Nesse cenário, já se iniciavam diversas discussões sobre o futuro da água em São Paulo.

Trazer água dos mananciais próximos, como a Cantareira, mais caro, ou filtrar e utilizar

o próprio Tietê, com maiores cuidados técnicos e sanitários, como propunha o

Secretário da Agricultura, Dr. Luiz Piza, em 1904.

Em 1877, nasce a Companhia Cantareira & Esgotos, para dotar São Paulo de água e

esgotos. Fundada por Clemente Falcão Souza Filho, Raphael Paes Barros e Antonio

Prost Rodovalho já inicia suas atividades sob suspeitas levantada pela imprensa. Mesmo

assim em 27 de novembro de 1878, as obras de construção do reservatório de água da

Consolação, abastecida pela Serra da Cantareira.

Já em 1882, tem se notícia do controle de incêndio no Hotel Espanha pelo recém

formado Departamento de Bombeiros que utilizaram como fonte de água os hidrantes

instalados pela companhia.

Em 1883, o Bairro da Luz se torna o primeiro bairro a se beneficiar do primeiro distrito

dos esgotos bem como do fornecimento de água com a ligação de 71 prédios. Esses

primeiros sistemas (alguns em funcionamento até hoje) eram mistos, coletando tanto as

águas pluviais quanto os esgotos.

Com o objetivo de forçar os munícipes a aderirem ao sistema da Companhia Cantareira,

esta mandou demolir os chafarizes que havia construído e mais os do Rosário e do

Carmo, construídos pelo Poder Público. Tais ações motivaram a população a se rebelar,

controlada apenas pela polícia, e, mais tarde, com forte oposição da imprensa que

denunciava constante falta de água, o Governo Estadual rescindiu o contrato de

concessão fundando em 1893 a RAE - Repartição de Água e Esgoto. A Cantareira não

cumpriu o firmado enquanto “O Estado em 2 anos estendeu a rede à metade do número

total de prédios servidos anteriormente pela rede da Cia Cantareira, que levou 10 anos

para ser constituída”.9 Saneamento não se mostrou lucrativo para o setor privado.

A RAE, em contrapartida da morosidade da antiga Cia. Cantareira e do rápido

crescimento urbano da cidade, ampliou as aduções e as ligações de água e esgotos

buscando outros mananciais como fonte. A partir de 1843, houve a expropriação de

542,8 hectares, isto é, quase toda a bacia hidrográfica das nascentes do ribeirão

Ipiranga, represando as águas na Água Funda, idéia essa abandonada logo depois devido

a crescente ocupação urbana do entorno.

9 Oseki, Jorge Hajime, Pensar e Viver A construção da Cidade: canteiros e desenhos de pavimentação, drenagem de águas pluviais e de rede de esgotos em São Paulo, Doutorado, FAU-USP, São Paulo, 1991, p. 13.

Page 6: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

Em 1898 foram executadas obras emergenciais para a captação de água do Rio Tietê na

altura do Belenzinho, sendo recalcadas para a zona baixa do Brás passando por galerias

filtrantes. Essa se colocava como primeira proposta sem a utilização dos mananciais, o

que provou grande manifestação da classe médica por considerar as águas do Rio Tietê

insalubres e responsáveis pela ocorrência do grande número de doenças no Brás.

“O Brás, por exemplo, era um bairro que apresentava a maior porcentagem de óbitos na

faixa etária de 0 a 5 anos, óbitos causados por moléstias ligadas ao aparelho digestivo:

gastroenterite, enterite e diarréia. As águas não tratadas do rio Tietê não podiam ser

inocentadas de contribuírem para isso”10. Sendo esse o primeiro conflito, senão um dos

únicos, segundo Ribeiro, entre a saúde pública e a engenharia sanitária, sugerindo

também o início de uma longa interferência do poder econômico das empreiteiras e da

Light no saneamento de São Paulo.

Nesse ano, a RAE passa a ser dirigida pelo Engenheiro Theodoro Sampaio, sendo

desvinculada, inclusive do setor de obras públicas que no ano seguinte, em relatório ao

Secretário de Agricultura, Alfredo Guedes afirma as impossibilidades de atender regiões

como Perdizes, Lapa, Água Branca, Cerqueira César e Vila Mariana devido ao

crescimento desordenado da cidade.

Tal relatório apenas adiantou uma crise que se instalaria em 1903, período de grande

estiagem que, junto com o acelerado crescimento urbano, levaria o Governo Estadual e

Municipal à diversas ações, entre as quais, a criação da Comissão de Obras Novas de

Abastecimento de Água da Capital .

Em 1907 foram barrados os ribeirões Cabuçu e Barrocada, que abasteciam a parte baixa

da cidade e em 1914 a implantação da primeira fase de adução do rio Cotia, a oeste de

Itapecerica, cujas águas eram levadas aos reservatórios do Jaguaré e Araçá que juntos

com o da Consolação e da Avenida 13 de Maio compunha o sistema de armazenamento

e com as adutoras de Cantareira, Guaraú, Cabuçu e, agora, o Cotia, fechavam o sistema

de abastecimento de água de São Paulo.

Nova crise assola a cidade, atingindo também as indústrias, em 1925 e a Comissão de

Obras Novas de Abastecimento da Capital, chefiada pelo Eng. Henrique Novaes

responde com a implantação da Adução de Rio Claro, gigantesca e polêmica obra que

consistia na construção de barragens, estações elevatórias, uma adutora de 80 km, 3

subdutoras que cortavam a cidade mais 4 reservatórios, o principal, Mooca e outros 3,

10 Ribeiro, Maria Alice Rosa, História sem fim... Inventário da Saúde Pública, Ed. UNESP, São Paulo, 1983.

Page 7: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

Lapa, Penha e Pompéia. Segundo Novaes tal empreendimento seria o suficiente para

atender a população até 1942, quando São Paulo teria 1,5 milhão de habitantes. Tal

incumbência ficou dividida entre a Comissão de Saneamento da Capital, encabeçada

pelo Prof. Theodoro Ramos responsáveis pelas obras da Adutora e a RAE pela

distribuição.

Outra discussão polêmica e demorada, também acalorada pela crise de 25, foi a inclusão

do reservatório de Guarapiranga nos sistema paulista de abastecimento. A Light,

empresa inglesa responsável pelo fornecimento de luz a São Paulo, apresentou o

“Projeto Serra”, concebido pelo Engenheiro Billings, no qual se mostrava a construção

da Represa do Rio Grande (Billings) com objetivo de regularizar a vazão da usina

hidrelétrica de Parnaíba (Edgar Souza).

Saturnino de Brito elaborou parecer favorável a adução do reservatório da Guarapiranga

encaminhado por Ramos a LIGHT como pedido de fornecimento de água de seu

reservatório, com resposta positiva e a imediata construção da adutora em direção a

Santo Amaro.

Em 1928, a LIGHT tem se “Projeto Serra” aprovado por decreto, lhe concedendo o

direito de “canalizar, alargar, retificar e aprofundar o rio Pinheiros e os afluentes Grande

e Guarapiranga, drenando, beneficiando e saneando os terrenos localizados nas

respectivas zonas inundáveis”11.

O Sistema de Abastecimento Guarapiranga, inaugurado em 1929, consistia em captação

e recalque até a Estação de Tratamento do Alto da Boa Vista, adução até a Elevatória da

Rua França Pinto, no sopé da Avenida Paulista. O investimento desse sistema foi, de

acordo com Savelli, de 9000 contos, pequeno próximo ao do Rio Claro, de mais de

130000 contos.12

Com Guarapiranga, o sistema de captação se mantém até os anos 60, ampliando-se

apenas as redes de adução e reservatórios.

A Revolução de 30 federalizou as decisões e os investimentos. A política cafeeira

paulista perdeu espaço e poder o que acabou afetando a política de saneamento local.

Em 1936, através de ato municipal a área urbana de São Paulo é definida e em 1941 se

definem a mesma como seu campo de atuação.

11 Decreto 4487, de 9 de Novembro de 1928. 12 Savelli, Mario, Histórico do Aproveitamento das Águas da Região Paulistana, Palestra ministrada no Instituto de Engenharia publicada na Rev. DAE, ano 25, nº 53, São Paulo, Junho de 1964.

Page 8: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

Em 1942, o engenheiro Plínio Withaker, então diretor da ERA, apresenta o Plano Geral

de Distribuição de Água e o Plano Geral de Coleta e Tratamento Depurador de Esgotos

para a Capital tornando-se uma marca a introdução de programas de longo prazo.

Withaker acreditava que se teria, com as devidas obras financiadas de forma racional

pela futura arrecadação, em até 10 anos um sistema de abastecimento digno de uma

capital como São Paulo, porém este plano se manteve inalterado até o fim da segunda

guerra.

Dependente tecnologicamente, de materiais e fornecedores internacionais, durante esse

período, a RAE só executou 3 sub-adutoras.

Mesmo com o fim da guerra, logo em 1945, a RAE abriu concorrências para novas

obras, mas não obteve sucesso, pois nem as empresas norte-americanas se apresentaram,

por greves, nem as francesas, ainda não reestruturadas.

Em 1948, as obras para a ampliação da Guarapiranga , a 2º etapa que incluía a ETA –

Estação de tratamento de água Alto da Boa Vista e um grande sistema, incluindo

interligações com outros sistemas, adutoras, reservatórios e elevatórios, começou a ser

utilizado em 1954, a partir de quando a maioria das obras dos planos de Withaker serão

executados.

Em 1954, a RAE é transformada em autarquia com a criação do DAE – Departamento

de Águas e Esgotos. Apesar do resultado da autarquia não ser o esperado, como nas

demais criadas, DER´s e DNER, o DAE conseguiu passar dos 1942 quilômetros em

1953 para mais de 5000 quilômetros em 1964.

Em 1958, a continuidade das obras permitiu às águas vencerem o espigão da Paulista,

podendo então abastecer a região norte da cidade, cruzando o Tietê.

A crise se agrava na década de 60. Novas propostas de aduções para o abastecimento da

região metropolitana fora da bacia hidrográfica do Tietê começam a se fortalecer

paralelamente a proposta de construção do chamado sistema Alto Tietê constituído da

somatória de propostas já apresentadas no decorrer dos anos 30 e 40 pelo RAE, DAE e

por outras diversas comissões de obras novas criadas no decorrer da história do

saneamento paulista quando se propõe a utilização dos afluentes da margem esquerda

do Tietê, a jusante de São Paulo, através do represamento dos Rios Ponte Nova,

Birittiba, Itapanhaú, Jundiaí, Itatinga e Taiaçupeba, porém agora com uma visão de uso

múltiplo dessas águas. Os reservatórios seriam utilizados para controle de enchentes,

abastecimento de água e irrigação.

Page 9: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

A década de 60, principalmente após o golpe de 64, foi marcado pelos grandes planos e

projetos cuja decisão era muito centralizada, porém com uma política gestora do setor

mais eficiente.

Em 1973, o Governador Laudo Natel promulgou a Lei 119 criando, como coroação

dessa política setorial focada na centralização do controle da execução de obras,

operação técnica e gerenciamento financeiro dos recursos de saneamento, a SABESP,

que funde diversos órgãos até então responsáveis, o COMASP, DAE, SANESP, SAEC,

SBS, SANEVALE e FSB13, presidida pelo Gen. Phelippe Galvão Bueno da Cunha.

A SABESP iniciou em 1975 atuando através de concessão em 3 municípios herdados do

DAE, sendo a Capital, Cotia e Embu, e atualmente atinge 366, atendendo 26,1 milhões

de habitantes.

Em 1975 assume Klaus Reinach que conseguiu, nos primeiros anos da SABESP, um

significativo aumento da rede de distribuição alavancado por programas de ligações

gratuitas que elevou de 3000 para 25000 pontos ligados à rede. Tal ação, contrária a

prática até então vigente pelas empresas anteriores que aguardavam os pedidos devido a

insuficiência de rede de distribuição e água para ser fornecida, teve como resultado,

além da ampliação do acesso à água, uma melhora significativa na imagem da empresa.

Outra ação, extremamente importante para a consolidação da SABESP, foi promovida

pelo então prefeito e ex-presidente da empresa, Reynaldo de Barros, que levou água as

Favelas através de convênio entre a Prefeitura e a SABESP.

A significativa ampliação da rede de distribuição colaborou diretamente na melhoria de

saúde da população diminuindo significativamente a mortalidade infantil na região

metropolitana de 94,38 (1973), 54,98 (1981) e 32,25 (1989)14, bem como a queda

continua de ocorrência de doenças infecciosas e parasitárias.

A SABESP procurou nos primeiros anos a ampliar ao máximo a rede captação e de

distribuição da água e posteriormente, principalmente na década de 80 até meados de 90

com a coleta e tratamento de esgotos atingindo atualmente 79% de esgoto coletado e

63% tratados.

13 COMASP – Comissão de Abastecimento e Saneamento de São Paulo, DAE – Departamento de Águas e Esgoto, SANESP – Saneamento do Estado de São Paulo, SAEC - Superintendência de Água e Esgotos da Capital, SANESB - Companhia Metropolitana de Saneamento de São Paulo, Fesb – Fomento Estadual de Saneamento Básico, SBS - Saneamento da Baixada Santista, Sanevale - Saneamento do Vale do Ribeira. 14 Bueno, Laura Machado, Op. Cit., p. 165

Page 10: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

Para aumentar esses índices e atingir suas metas de coleta e tratamento de esgotos, não

se viu outra alternativa que não passasse pelo Rio Tietê, o que levou ao lançamento do

Projeto Tietê .

Potencialidades do Rio Tietê no século XXI

O governo estadual lançou o Plano de Despoluição do Rio Tietê, chamado, como dito,

de Projeto Tietê. Em convênio com o BID, o projeto prevê:

• Plano Diretor de Esgotos da RMSP - uma programação de obras para coleta e

tratamento de esgotos.

• Plano de Controle dos efluentes industriais.

• A execução do rebaixamento da calha do Tietê entre a foz do Rio Pinheiros e a

Barragem Edgar de Souza.

• A Canalização do Rio Cabuçu e a construção das Barragens do Alto Tietê.

Apesar das diversas críticas que tal projeto sofre como sendo apenas “maquiagem”, ou

o falso alarde ecológico de despoluição do Rio, diversos estudos o apontam como um

rio “morto”, enfim, críticas comuns à obras grandiosas e polêmicas, como afirma

Bueno, “O projeto Tietê apresenta-se como uma colcha de retalhos – velhos projetos

engavetados – que tornam-se coerentes à luz do discurso ambientalista no Urbano. As

obras de drenagem e de esgoto, obras tipicamente de saneamento básico e urbanas, são

apresentadas à opinião pública como ação voltada ao renascimento do Rio Tietê.

Entretanto a meta incluída para as obras de esgotamento e tratamento é insuficiente para

mudar as características da sua água para a vida aquática”15, é importante relevar que

tais intervenções trouxeram a tona novas discussões mudando a percepção da população

para o problema bem como sua reação, trazendo-a mais próxima e de forma mais

engajada a questões do saneamento.

A paisagem urbana das margens dos rios Tietê e Pinheiros vem sofrendo mudanças

gritantes, mais visíveis no segundo devido a sua ocupação diferenciada, e de forma

paulatina no primeiro em virtude das obras do próprio Projeto Tietê, do Rodoanel e do

Metrô que terão seu impacto mais visível somente a longo prazo. Tais mudanças

15 Bueno, Laura Machado de Mello, Op. Cit., p. 183.

Page 11: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

acabam por interferir na maneira do paulistano enxergar sua cidade e, até mesmo,

respeitá-la.

Conclusão

Há, nos meios políticos, a máxima que obra enterrada não rende votos o que torna o

saneamento básico uma área pouco interessante ao poder público.

Porém, quando se interfere num símbolo como o Rio Tietê, há uma mudança gritante

em todas as referências da população, como se o poder público ressaltasse e avalizasse

sua importância, mostrasse de fato o interesse em mudar o panorama da cidade e que

está investindo e trabalhando para isso.

Em alguns casos, sabe-se notoriamente que não há mudança por parte da população se

não houver sinais claros de que algo já está acontecendo, e não só se baseando no

“vamos mudar”, no “vai acontecer”.

Assim sendo, o projeto do Rio Tietê, apesar das criticas inquestionáveis, ao meu ver, do

apelo político, da ineficiência técnica em relação ao saneamento e as enchentes, tais

mudanças já sinalizam uma luz no fim do túnel para ambas questões como para o

próprio rio e para o saneamento paulista.

Bibliografia:

Benévolo, Leonardo, História da Cidade, Ed. Perspectiva, São Paulo, 2003.

Bruno, Ernani Silva, História e tradições de São Paulo, Ed. Hucitec, São Paulo, 1991.

Bueno, Laura Machado de Mello, O saneamento na urbanização de São Paulo.

FFLCH-USP, São Paulo, 1994.

Campos, Candido Malta, Os Rumos da Cidade – Urbanismo e Modernização de São

Paulo, Ed. Senac, São Paulo, 2002.

Cullen, Gordon, Paisagens Urbanas¸ Edições 70, São Paulo, 2006.

Freitas, Afonso A. de, Tradições e reminiscências paulistanas. Edusp – Itatiaia, São

Paulo, 1985.

Motoyama, Shozo (Org.), Tecnologia e industrialização no Brasil – Uma perspectiva

Histórica, Ed. Unesp, São Paulo, 1994.

Page 12: O rio Tietê e o Saneamento Básico - marcelo teixeira

______________________, Prelúdio para uma História : Ciência e Tecnologia no

Brasil , EDUSP, São Paulo, 2004.

Nóbrega, Humberto de Mello, História do Rio Tietê, 2 ed. São Paulo, 1978.

Oseki, Jorge Hajime, Pensar e Viver A construção da Cidade: canteiros e desenhos de

pavimentação, drenagem de águas pluviais e de rede de esgotos em São Paulo,

Doutorado, FAU-USP, São Paulo, 1991.

Pinto, Alfredo Moreira, A cidade de São Paulo em 1900, Governo do Estado de São

Paulo, São Paulo, 1979.

Porta, Paula, História da Cidade de São Paulo, A cidade no império 1823-1889, Ed.

Paz e Terra, São Paulo, 2004.

Prado Júnior, C. Evolução política do Brasil e outros estudos, 4 ed. São Paulo, 1963.

Ribeiro, Maria Alice Rosa, História sem fim... Inventário da Saúde Pública, Ed.

UNESP, São Paulo, 1983.

Sampaio, Teodoro, São Paulo no século. XX e outros ciclos históricos, Ed. Vozes, São

Paulo, 1978.

Sant`Anna, Denise Bernuzzi de, Cidade das Águas – Uos de rios, córregos e bicas em

São Paulo (18822-1901), Ed. Senac, São Paulo, 2007.

Sant`Anna, Nuno, Metrópole, Coleção Departamento de Cultura, São Paulo, 1950.

Savelli, Mario, Histórico do Aproveitamento das Águas da Região Paulistana, Palestra

ministrada no Instituto de Engenharia publicada na Rev. DAE, ano 25, nº 53, São Paulo,

Junho de 1964.

Solia, Mariângela, Odair Marcos Faria e Ricardo Araújo, Mananciais, Região

Metropolitana de São Paulo, Governo do Estado de São Paulo, São Paulo, 2007.

Toledo, Benedito Lima de, São Paulo, três cidades e um século, Livraria Duas Cidades

Ltda, São Paulo, 1983.

_____________________,Prestes Maia e as origens do Urbanismo Moderno em São

Paulo, Empresa das Artes, São Paulo, 1996.

Periódicos

Revista DAE, Secretaria de Obras e Meio Ambiente, São Paulo/SABESP.