o proninc que temos e o proninc que devemos ter · central nesse processo – afinal, o proninc...

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1 O PRONINC QUE TEMOS E O PRONINC QUE PRECISAMOS TER Antônio Cruz Renato Della Vechia Reinaldo Tillmann Tiago Nunes * Resumo O Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares, do Governo Federal brasi- leiro, constitui uma política social, uma política de desenvolvimento econômico, ou ambas as coisas? Como política pública, tem um caráter emancipatório ou compensatório? O presente trabalho analisa a configuração do programa, ensaia respostas a estas perguntas geradoras e propõe reformas com a intenção de readequar o programa às necessidades de desenvolvimen- to da economia solidária, esta sim vista como uma ação social emancipatória per si. Palavras-chave Economia solidária, incubadoras de cooperativas populares, PRONINC, política social eman- cipatória, política social compensatória No táxi, chegando à Esplanada dos Ministérios, em Brasília... “Veja só. Estas caixas de concreto, cheias de vida. De vidas que decidem milhões de outras vidas...” 1 Apresentação A Rede de ITCPs vem participando do Comitê Gestor do PRONINC desde a sua for- mação. Trata-se o Comitê Gestor de um espaço importante de construção de uma política pública que por sua vez busca ao mesmo tempo potencializar a economia solidária e trans- formar a universidade, colocando-a a serviço dos setores populares. * Antônio Cruz, doutor em economia aplicada, é professor da Universidade Federal de Pelotas e foi membro das ITCPs da UCPel e da Unicamp.Renato Della Vechia é mestre e doutorando em ciência política; Reinaldo Till- mann é mestre em desenvolvimento social e em educação; Tiago Nunes é mestre em sociologia jurídica; todos os três são professores da Universidade Católica de Pelotas e membros da sua ITCP (INTECOOP/NESIC/UCPEL). 1 A autoria da frase é da professora Maria da Conceição, da INCOOP-UFRB, em diálogo com um dos autores do texto. Nosso obrigado por contribuição involuntária.

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Page 1: O PRONINC QUE TEMOS E O PRONINC QUE DEVEMOS TER · central nesse processo – afinal, o PRONINC existe por elas e por causa delas. Aqueles que estão nas ITCPs, portanto, têm o dever

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O PRONINC QUE TEMOS E O PRONINC QUE PRECISAMOS TER

Antônio Cruz

Renato Della Vechia

Reinaldo Tillmann

Tiago Nunes*

Resumo

O Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares, do Governo Federal brasi-

leiro, constitui uma política social, uma política de desenvolvimento econômico, ou ambas as

coisas? Como política pública, tem um caráter emancipatório ou compensatório? O presente

trabalho analisa a configuração do programa, ensaia respostas a estas perguntas geradoras e

propõe reformas com a intenção de readequar o programa às necessidades de desenvolvimen-

to da economia solidária, esta sim vista como uma ação social emancipatória per si.

Palavras-chave

Economia solidária, incubadoras de cooperativas populares, PRONINC, política social eman-

cipatória, política social compensatória

No táxi, chegando à Esplanada dos Ministérios, em

Brasília...

“Veja só. Estas caixas de concreto, cheias de vida.

De vidas que decidem milhões de outras vidas...”1

Apresentação

A Rede de ITCPs vem participando do Comitê Gestor do PRONINC desde a sua for-

mação. Trata-se – o Comitê Gestor – de um espaço importante de construção de uma política

pública que por sua vez busca ao mesmo tempo potencializar a economia solidária e trans-

formar a universidade, colocando-a a serviço dos setores populares.

* Antônio Cruz, doutor em economia aplicada, é professor da Universidade Federal de Pelotas e foi membro das

ITCPs da UCPel e da Unicamp.Renato Della Vechia é mestre e doutorando em ciência política; Reinaldo Till-

mann é mestre em desenvolvimento social e em educação; Tiago Nunes é mestre em sociologia jurídica; todos os

três são professores da Universidade Católica de Pelotas e membros da sua ITCP (INTECOOP/NESIC/UCPEL). 1 A autoria da frase é da professora Maria da Conceição, da INCOOP-UFRB, em diálogo com um dos autores do

texto. Nosso obrigado por contribuição involuntária.

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As incubadoras, embora minoritárias no Comitê Gestor, têm, obviamente, um papel

central nesse processo – afinal, o PRONINC existe por elas e por causa delas.

Aqueles que estão nas ITCPs, portanto, têm o dever de compartilhar com os gestores

públicos o compromisso de desenvolver o programa, apresentando contribuições efetivas nes-

te sentido. Este é o objetivo deste texto: contribuir para o debate sobre o PRONINC – sua

realidade, seu desenho institucional atual, seus gargalos e a solução para eles. O texto, portan-

to, quer dialogar com aqueles que fazem parte desse processo: as incubadoras, os gestores

públicos e os empreendimentos de economia solidária.

Esta é a terceira versão deste texto. A Parte I foi apresentada à

Rede de ITCPs através de sua lista de emails, por seu então coordenador e um dos autores do

texto em 2009. A Parte II foi redigida e integrada à primeira parte como subsídio ao XV En-

contro da Rede de ITCPs, em 2010. Esta última e definitiva versão foi fruto do esforço coleti-

vo de seus autores e apresentada ao III Congresso da Rede de ITCPs (2011).

PARTE I – UM BALANÇO DO PRONINC

Como todos que trabalham com grupos populares sabem, há uma metodologia de di-

nâmica de grupos para planejamento coletivo que é conhecida como “FOFA”: ela parte de

uma avaliação grupal estratégica que identifica “fortalezas & oportunidades”, “fragilidades &

ameaças”. A apresentação de nossos argumentos seguirá uma linha similar.

Entretanto, devemos salientar que a perspectiva aqui apresentada assume uma inflexão

que não pretende “equilibrar” artificialmente a balança entre FOs e FAs. A Rede de ITCPs

considera que o PRONINC está ameaçado e que isto decorre de suas fragilidades, e que é

nosso dever contribuir para a superação desse quadro a partir da potenciação das fortalezas do

programa, que por sua vez abre oportunidades interessantes e importantes para si e para a

economia solidária.

1. A dinâmica de formação e consolidação dos grupos de economia solidária

Como indicam os estudos já publicados sobre a formação e a dinâmica dos grupos de

economia solidária, o processo de constituição dos empreendimentos não obedece aos mes-

mos ciclos atribuídos, por exemplo, à formação de empresas convencionais (como aquelas

incubadas pelas “incubadoras de empresas de base tecnológica”). As diferenças básicas entre

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a formação e a incubação de empreendimentos de economia solidária e a incubação de empre-

sas convencionais (incluindo as “de base tecnológica”) podem ser relacionadas como no qua-

dro abaixo, que embora evidentemente simplificado em relação à complexidade da realidade,

pode nos dar – grosso modo – uma idéia clara das diferenças concretas.

Quadro: Características comparadas da incubação – empresas convencionais e empre-

endimentos solidários

Fator de análise Empresa Convencional

(sob incubação)

Empreendimento Solidário

(sob incubação)

Motivação para empre-

ender

Ambição pessoal, busca de re-

conhecimento e de elevação ou

manutenção de padrão de vida;

valores que relacionam a me-

lhoria da condição material à

melhoria da vida individual.

Sobrevivência econômica ou

superação de condições materi-

almente precárias de existência;

valores que relacionam a me-

lhoria da vida à necessidade do

esforço coletivo.

Perfil do(s) empreende-

dor(es).

Elevado grau de escolaridade;

relativa acumulação prévia de

capital ou crédito relativamente

acessível; condições sócio-

econômicas satisfatórias; boa

expectativa em termos de proje-

tos futuros.

Baixo grau de escolaridade;

severas restrições em termos de

acumulação prévia ou de acesso

a crédito; condições sócio-eco-

nômicas insatisfatórias; incerte-

za generalizada sobre o futuro.

Ambiente econômico Instabilidade crítica, gerada

pelas incertezas de mercado.

Instabilidade crítica, gerada

pela síntese entre incertezas de

mercado e dinâmica complexa

dos processos grupais.

Cultura organizacional Valores consolidados em ter-

mos de papéis organizacionais,

com cisão clara entre:

concepção / execução;

liderança / subordinação;

propriedade / assalariamento;

implicação / alienação.

Processo gradual e conflituoso

de construção da cultura orga-

nizacional autogestionária, com

incertezas generalizadas sobre

todos os aspectos do empreen-

dimento e conflitos interpes-

soais derivados de outras cul-

turas organizacionais.

Dinâmica de mercado Mercados oligopolísticos, com

severas barreiras de entrada;

empreendimentos apostam em

nichos tecnológicos que, em

geral, dependerão de empresas

maiores para obter escala de

produção comercial.

Mercados oligopolísticos, em

que as barreiras de entrada são

acrescidas de obstáculos soci-

ais, políticos e culturais produ-

zidos por agentes internos e

externos ao mercado.

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Objetivo final do projeto

de incubação.

Consolidar a formação de uma

pequena empresa de perfil em-

preendedor-capitalista, que pos-

sa participar ativamente do pro-

cesso de acumulação ampliada

do capital.

Consolidar um empreendimento

coletivo e autogestionário, sus-

tentável (social, econômica e

ambientalmente), que promova

a cidadania e a consciência so-

cial-crítica.

Dinâmica do processo Apoiado pela estrutura material

da incubadora (prédio, estrutura

de logística, assessorias etc.), o

empreendedor assume parcial-

mente os riscos do projeto, mas

é soberano na tomada de deci-

sões.

Apoiado pela estrutura intangí-

vel da incubadora (conhecimen-

tos, formas de procedimento

etc.), os empreendedores preci-

sam conciliar relações internas

(marcadas por conflitos inter-

pessoais) e ações econômicas

(marcadas por graves insufici-

ências de capital) em um ambi-

ente hostil (mercado, Estado e

cultura capitalísticos), constru-

indo autonomia e autogestão.

Papel da incubadora Apoiar a empresa sob os aspec-

tos materiais (econômicos) e

imateriais (assessorias e consul-

torias). Trata-se de uma PRES-

TAÇÃO DE SERVIÇOS.

Desenvolver processos de for-

mação, junto aos empreendi-

mentos, de múltiplas dimen-

sões: social, política, tecnológi-

ca, econômica (assessoria e

formação). Trata-se de um

PROCESSO PEDAGÓGICO.

Elaboração dos autores

Isto significa que a formação e a continuidade de empreendimentos de economia soli-

dária (doravante EES) obedecem a relações e dinâmicas substantivamente mais INSTÁVEIS

que a formação e continuidade de empresas convencionais.

Por outro lado, a incubação de EES produz efeitos sociais substantivamente mais PO-

SITIVOS (do ponto de vista das práticas emancipatórias) que a incubação de empresas con-

vencionais por quê:

(a) atua junto aos setores mais pobres (porque mais explorados) da população economi-

camente ativa;

(b) ajuda a transformar as relações sociais em seu entorno, potencializando a constituição

de sujeitos coletivos, o que por sua vez potencializa a transformação dos trabalhadores

(indivíduos) em sujeitos sociais-históricos;

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(c) confronta o modelo sócio-econômico hegemônico de empresa, que está fundamentado

no princípio da prioridade da acumulação de capital (“viver para trabalhar, trabalhar

para ter”) e na heteronomia (sistema de hierarquias vinculado à propriedade do capi-

tal), opondo a esse modelo uma nova ética das relações dos homens entre si e destes

com a natureza (“trabalhar para viver, viver para ser”), e por isto produzindo conflitos

de toda ordem em função de sua contraditória sobrevivência em meio a um ambiente

hegemonizado por valores antagônicos a seus princípios ético-políticos;

(d) potencializa a elevação da consciência social dos trabalhadores, ao apontar para uma

utopia transformadora das relações sociais, para um projeto de emancipação dos traba-

lhadores.

2. Os modelos tecnocráticos pós-keynesianos de política social e o PRONINC

A incubação de cooperativas, no âmbito do PRONINC, é uma política social, uma

política de desenvolvimento econômico, ou é ambas as coisas? E se a considerarmos uma

política social, trata-se de uma política compensatória ou emancipatória?

Em termos de definição, compreendemos como política social as ações (públicas ou

privadas) que denotam estratégias de enfrentamento das questões sociais, isto é, dos processos

sociais que restringem a liberdade das pessoas e dos grupos sociais (pobreza, abandono, ex-

clusão, fome, violência, discriminação etc.). Como política de desenvolvimento econômico

pode-se compreender as ações (públicas ou privadas) que denotam estratégias de alavancagem

do crescimento econômico e da distribuição de seus benefícios num dado território, visando a

melhoria do bem estar de sua população.

Como políticas sociais emancipatórias, compreendemos aquelas que ensejam ou que

propiciam práticas sociais e econômicas que apontam para a superação da contradição entre a

produção social da riqueza, do conhecimento e da vida – de um lado – e a apropriação privada

e privilegiada destas esferas da sociedade. Como políticas sociais compensatórias, compreen-

demos aquelas que buscam reduzir o nível de conflito social, atuando no combate às disfun-

ções que resultam da estrutura social vigente, sem por em questão, entretanto, a própria estru-

tura que determina e condiciona os conflitos (DEMO, 1994).

Neste sentido afirmamos que as políticas públicas de apoio à economia solidária (do-

ravante PPAES) tendem a se constituir em políticas sociais emancipatórias e em políticas de

desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo, à medida que a economia solidária (por defi-

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nição) aponta para uma transformação em profundidade nas relações sociais de produção. Em

suma: são políticas que aspiram – ou devem aspirar – à construção da economia solidária co-

mo condição futura de outro modo de produção hegemônico, numa outra formação social.

Estamos convencidos de que a grande maioria dos gestores públicos da economia solidária,

incluindo a equipe que dirige a SENAES/MTE e aqueles que compõem o Comitê Gestor do

PRONINC2, compartilha desta perspectiva.

Entretanto, há que se diferenciar dois tipos de incidências sobre o PRONINC. Em

primeiro lugar, a diferença entre a visão predominante dos gestores públicos do Comitê Ges-

tor e a visão predominante no núcleo de poder do Governo Federal atual. Em segundo lugar, a

diferença entre a lógica estrutural-estruturante de uma política social compensatória e a de

uma política social emancipatória.

O fato de a SENAES estar lotada no Ministério do Trabalho, e o fato dos demais ór-

gãos públicos que formam o Comitê Gestor do PRONINC comprometerem uma parcela sen-

sível (ainda que pouco significativa) de seus recursos e esforços de política social para o pro-

grama, não apaga o fato de que a economia solidária (e a sua expansão) não foi uma priorida-

de ao longo do Governo Lula.

Um exemplo: a comparação entre os orçamentos de 2009 destinados às incubadoras de

empresas de base tecnológica e as ITCPs: R$ 400 milhões e R$ 20 milhões, aproximadamen-

te, respectivamente, quando a estimativa do número de postos de trabalho atendidos pelo pri-

meiro programa é de 6 mil, e pelo segundo programa de 34 mil3. Quaisquer outras compara-

ções entre impacto social (geração de trabalho e renda e outros), impacto formativo/educativo,

aliança entre projetos políticos táticos e estratégicos de transformação social etc. mostram que

o olhar dirigido à constituição de empresas convencionais tem prioridades mais que absoluta.

O mesmo se aplica ao grau de esforço do governo para a implementação de políticas fiscais

relacionadas ao setor ou para a constituição de um marco regulatório adequado: em que pese

os esforços da SENAES, não eram objeto de prioridade do governo federal.

2 O Comitê Gestor do PRONINC é formado por representantes de cada uma das redes incubadoras (Rede de

ITCPs e Rede Unitrabalho), da Rede de Gestores Públicos de ES e por instituições governamentais ou autárqui-

cas que são reconhecidas pelo Governo Federal como interessadas no tema: SENAES, FINEP, COEP, Banco do

Brasil, Fundação Banco do Brasil, ministérios da Educação, da Saúde, da Cultura, do Turismo, do Desenvolvi-

mento Social, do Desenvolvimento Agrário, da Justiça. 3 Nossa estimativa foi feita com base nos seguintes dados: (i) aproximadamente 200 incubadoras de base tecno-

lógica afiliadas à ANPROTEC (sua associação nacional), que incubam em média 10 empreendimentos, que

geram em média 3 empregos durante o processo de incubação; (ii) 64 incubadoras de cooperativa atendidas pelo

PRONINC, que atendem em média 10 empreendimentos que assistem, em média 54 postos de trabalho cada um

(levantamento informado pelo setor de acompanhamento do PRONINC, na SENAES/MTE).

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No caso específico do Comitê Gestor do PRONINC, por outro lado, não há dúvidas de

que se trata de um coletivo predominantemente comprometido com a idéia de conceber o pro-

grama como uma política social emancipatória e uma política de desenvolvimento econômico

diferenciadas. Entretanto, a chave de nosso questionamento é a seguinte:

A atual configuração do PRONINC é, de fato, de uma política emancipa-

tória (com tudo que isto representa) ou de uma política social compensa-

tória, fundamentada nos princípios pós-keynesianos de políticas públicas?

Para responder esta pergunta, evitando julgamentos de valor apriorísticos, que se en-

contram mais na esfera da especulação que da análise, faz-se necessário caracterizar o que são

“políticas compensatórias de viés „pós-keynesiano‟”.

Dentre os muitos elementos que as caracterizam, há três que são quase universais: (i) a

focalização do público beneficiário, contingenciada por limites orçamentários limitados por

prioridades de estabilização macroeconômica (política de metas cambias, fiscais e monetá-

rias); (ii) a descentralização/fragmentação da execução das políticas, e (iii) avaliação baseada

essencialmente da relação entre eficácia objetiva e eficiência econômica na utilização dos

recursos disponíveis (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

Essas características derivam do caráter intrínseco das políticas compensatórias, que

apontamos mais acima. Ou em outras palavras: sua intenção não é propiciar elementos estru-

turantes para a superação de uma contradição, mas “atenuar os efeitos das contradições do

sistema sobre a população-alvo”. No caso da economia solidária, a principal contradição do

emprego de políticas meramente compensatórias, certamente, diz respeito à potencialização

de empreendimentos não-capitalistas, formados por trabalhadores pobres, que aspiram dispu-

tar espaço em um mercado capitalista marcado por sólidas “barreiras de entrada”4, o que por

si só constitui uma ação social emancipatória.

No PRONINC, a focalização aparece à medida que os editais dos vários ministérios

definem e especificam grupos “prioritários” a serem atendidos, de acordo com tipos de ativi-

dades desenvolvidas: produção, beneficiamento e comercialização de produtos agroalimenta-

res (agricultura urbana e periurbana, familiar e ecológica); artesanato; construção civil; servi-

ços; cadeia produtiva do turismo; biodiesel e/ou fontes alternativas e renováveis de energia

(PRONINC, 2009, p.4); ou ainda: população vinculada ao Programa Bolsa-Família, pescado-

4 Para o conceito de “barreiras de entrada”, ver PENROSE (2007). Ele refere-se às dificuldades que qualquer

empreendimento (capitalista ou solidário) tem para ingressar em mercados específicos (ramos de negócios) de

caráter oligopolístico e que se referem à escala de produção, ao reconhecimento da marca, às relações de fideli-

dade de fornecedores e distribuidores em relação às firmas já estabelecidas etc.

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res artesanais etc. Na verdade, esta priorização não resulta de um levantamento a priori das

demandas estabelecidas, mas das prioridades de programas específicos de cada ministério,

formuladas a partir de metas originadas de diagnósticos de pesquisa sobre populações em ris-

co social, sem levar em consideração a demanda real que provém dos grupos em processo de

organização. E ao mesmo tempo, os recursos destinados ao PRONINC – como todos os de-

mais programas de política social – estão limitados por instrumentos de política econômica

cujas metas se referem aos indicadores macroeconômicos (inflação, juros e câmbio) e não a

indicadores sociais.

A descentralização e fragmentação do programa é sua característica mais visível: o

modelo de contratação por encomendas e editais específicos, atinente às demandas específicas

de cada órgão governamental, simplesmente ignora a diversidade, a riqueza e – sobretudo – a

dinâmica das diferentes formas de aparecimento e desenvolvimento dos EES. Este formato

não considera o fato de que a economia solidária nasce diretamente das aspirações e iniciati-

vas de centenas de milhares de trabalhadores associados, e não de programas de governo diri-

gidos a determinados segmentos sociais, mais ou menos “vulneráveis”.

A avaliação baseada essencialmente na eficiência econômica da utilização dos recur-

sos financeiros, em que os critérios são baseados na relação financiamento/número de empre-

endimentos incubados/número de trabalhadores “atendidos”, foi amplamente criticada durante

ambos os seminário de acompanhamento do PRONINC – setembro de 2008 e junho/2010, em

Brasília. Felizmente, este modelo de avaliação foi atenuando, ao menos em princípio, com a

introdução de indicadores qualitativos nos instrumentos de relatório que foram produzidos

seqüencialmente. Entretanto, o peso que os diferentes tipos de indicadores terão no processo

final de avaliação ainda não está claro e o estabelecimento de metas e prazos produz incerte-

zas críticas no interior das equipes de trabalho das incubadoras.

3. Fortalezas

O PRONINC representa um esforço que está na contramão da história das relações

entre universidade e sociedade no Brasil. Ele tem a repercussão que tem, embora ela não fosse

esperada por nenhum daqueles que o avaliavam desde uma perspectiva social e politicamente

conservadora e que pensavam que ele seria inócuo. Hoje, as incubadoras de cooperativas são

percebidas claramente e despertam debates apaixonados nos ambientes acadêmicos e isto não

é mero acaso: elas representam (junto com um grupo restrito de outros programas vinculados

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aos movimentos sociais) uma clara aliança entre setores populares organizados e setores aca-

dêmicos comprometidos com os interesses populares. E isto surge e se consolida justamente

quando o discurso tecnocrático dos anos 90 insistia na vinculação universidade-empresa.

Em algumas regiões, as incubadoras foram propulsoras da economia solidária, à medi-

da que os grupos de trabalhadores que buscavam organizar-se economicamente puderam en-

contrar o suporte necessário às suas aspirações. Em outras, a presença da universidade entre

os grupos serviu para consolidar projetos, articular iniciativas e até mesmo para difundir a

utopia transformadora da economia solidária.

As incubadoras, graças ao apoio do PRONINC, tiveram e continuam tendo um papel

importante na articulação do movimento político da economia solidária, no Fórum Brasileiro

da Economia Solidária e na própria formação da SENAES.

Além disso, as metodologias desenvolvidas nas incubadoras – e potencializadas pelo

debate acadêmico no interior das redes e das universidades – têm servido como baliza funda-

mental para experiências extra-universitárias. A própria formação das redes de incubadoras

denota uma preocupação e um esforço especial no sentido de aprimorar o trabalho desenvol-

vido e de contribuir de forma mais efetiva para economia solidária.

E tudo isto só foi e só é possível, na escala em que hoje se realiza, por conta da exis-

tência do PRONINC.

4. Fragilidades

Entretanto, o formato que se desenha atualmente para o PRONINC ignora a dinâmica

de formação e consolidação dos empreendimentos, bem como dos processos específicos ati-

nentes à incubação de EES, pois:

- desconsidera o prejuízo catastrófico que as constantes interrupções no fluxo de re-

cursos produz sobre as incubadoras e sobre os empreendimentos incubados;

- tende a construir seus objetivos a partir de planos de ação originados em outros pro-

gramas governamentais ou demandas sociais e políticas específicas (de órgãos e/ou

ministérios), sem atentar para a dinâmica própria da formação dos empreendimentos;

- ignora os tempos e ritmos da incubação, ao abrir a possibilidade de que se estabele-

çam prazos exíguos para processos de incubação, e/ou outras distorções metodológi-

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cas, adequando as necessidades sociais aos recursos disponíveis e, invertendo (portan-

to) a lógica do atendimento das necessidades dos grupos;

- estabelece metas e prazos para projetos de incubação que lidam com grupos instá-

veis e em condições sócio-econômicas geralmente críticas, e pretende avaliar a atua-

ção das incubadoras segundo estas metas e prazos – ignorando muitas vezes os condi-

cionamento criados pelos próprios atrasos governamentais na implementação dos con-

vênios;

- submete as equipes a um processo permanente de busca por recursos (o que lhes ab-

sorve um tempo precioso de trabalho), uma vez que a limitação temporal cada vez

mais restrita dos editais e encomendas coloca os técnicos em situação de incerteza (e

de stress) sobre seus futuros pessoais e profissionais.

- leva a um turn-over de quadros desgastante, que por sua vez determina uma descon-

tinuidade mais prejudicial ainda, em termos da perda da memória e do savoir-faire dos

núcleos e incubadoras, que repetidamente precisam recompor e requalificar suas equi-

pes.

5. Ameaças

A configuração atual do PRONINC ameaça precarizar o trabalho das incubadoras, o

que pode tornar inócuos tanto a sua ação quanto o próprio conceito de incubação de EES. Isto

poderá ocorrer na medida em que as possibilidades de atuação das incubadoras estiverem

condicionadas pela improvável conjugação (no tempo) entre oferta de recursos e demandas

específicas locais por incubação. Em outras palavras: se os grupos que solicitarem incubação

em cada localidade só puderem ser atendidos quando um determinado edital ou encomenda

específica for publicado, a quantidade de oportunidades de formação de empreendimentos

será superada pela quantidade de recusas de incubação pelas incubadoras.

Vis-à-vis, o formato que se desenha equivaleria à exigência de que uma incubadora de

empresas, para receber recursos, deveria produzir/atender a uma demanda “x” de idéias ino-

vadoras na área da metalurgia, por ano; ou que certo hospital público deveria atender “y” pa-

cientes com um determinada enfermidade a cada semestre. E que ambos, no caso de não “ob-

ter” a demanda especificamente determinada, deveriam suspender suas atividades e aguardar

os próximos editais. Enquanto isto, as idéias inovadoras que surgissem e que não se adequas-

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sem ao edital em aberto, deveriam ser arquivadas; e os pacientes de outras enfermidades, que

não aquela prevista no edital, deveriam procurar outra forma de tratamento...

6. Oportunidades

O PRONINC, para alcançar seus objetivos, deve garantir às incubadoras:

- perenidade em seu funcionamento, com fluxo contínuo de recursos que garanta o es-

tabelecimento de uma estrutura mínima (que eventualmente possa ser ampliada, se e quando

necessário, através de editais específicos, e que quando isto acontecer, que seja com prazos e

condições mínimas adequadas ao trabalho de incubação);

- flexibilidade em termos de metas e prazos, adequando o programa aos tipos diversos

de empreendimentos e de grupos com os quais lidam as incubadoras;

- constituição de critérios mínimos para a publicação de editais e de encomendas espe-

ciais, que devem ser realmente excepcionais, surgindo apenas à medida que uma demanda

emergente e ainda não atendida exigir um tratamento especial.

Estas são condições mínimas, que não comportam nenhuma exigência descabida, mas

que permitirão às incubadoras consolidarem-se como programas acadêmicos de um novo tipo,

capaz de continuar transpondo os muros das universidades em direção a uma demanda social

que secularmente desafia a academia a assumir uma nova postura diante da sociedade. Isto

garantirá a formação de uma massa crítica universitária comprometida com os valores da eco-

nomia solidária e de uma nova sociedade, estabelecendo uma ponte futura entre os setores

oriundos da universidade e os trabalhadores associados. Sobretudo, são condições que permi-

tirão apoiar e impulsionar efetivamente a economia solidária a partir de uma prática pedagó-

gica que, alicerçada nas experiências populares, saiba aliar o ensino, a pesquisa e a extensão

como ferramentas de síntese para um conhecimento novo e igualmente solidário.

PARTE II – O PRONINC QUE PRECISAMOS TER

Esta leitura do programa nos leva a avançar em direção a propostas concretas. Elas

não têm a pretensão de representar “soluções” para os problemas, mas têm, sim, a pretensão

de disparar o debate necessário para a construção de propostas coletivas de solução.

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Muitas vezes, os atores desse processo que não têm a responsabilidade de formular e

operar politicamente o programa (o que toca, naturalmente, aos gestores públicos) têm formu-

lado críticas e proposições que não se cristalizam na forma de documentos, impedindo um

debate público e sistemático. O objetivo desta parte do texto é contribuir com o debate dos

atores envolvidos.

8. Da lógica pós-keynesiana das políticas compensatórias à praxiologia das políticas so-

ciais emancipatórias

Se as políticas compensatórias atuam no sentido de atenuar funcionalmente os efeitos

da economia de mercado sobre as populações periféricas ao mercado, as políticas emancipató-

rias objetivam empoderar esses grupos sociais para que sejam capazes de compreender criti-

camente a sua situação social e construir coletivamente formas de transformá-la, tanto na sua

dimensão micro (a sua família, o seu bairro, o seu trabalho, a sua cidade...) quanto na dimen-

são macro-social.

Portanto, a formulação de uma política social emancipatória (especialmente aquelas

que dialogam com uma perspectiva de desenvolvimento econômico alternativo) não pode

partir das limitações intrínsecas do poder de Estado (limitações legais e orçamentárias, cons-

trangimentos político-partidários, condições de “governabilidade” etc.) para dirigir-se às ne-

cessidades dos grupos sociais. Evidentemente, tais limitações não podem ser ignoradas pelos

formuladores de política pública, mas o sentido de sua práxis precisa ser invertido. Em outras

palavras, é necessário partir das necessidades e demandas reais, concretas, efetivas dos setores

populares, buscando compreender como se poderia colocar o Estado a serviço dessas aspira-

ções se tais constrangimentos não existissem, e só então formular as mediações mínimas ne-

cessárias para com o aparato estatal, a fim de que se possa operar na máxima dimensão possí-

vel da perspectiva emancipatória dos programas.

Certamente, nossos parceiros que hoje se encontram no governo nos dirão “ora, mas é

justamente isto que fazemos. Veja o PRONINC, por exemplo: partimos das necessidades dos

empreendimentos e das incubadoras, para então dialogar com o resto do Governo”. Isto é

verdadeiro no que toca ao processo de constituição do Comitê Gestor do PRONINC, mas não

é verdadeiro em relação à efetividade do programa. A maioria dos membros governamentais

do comitê gestor, apesar de comprometidos com a construção de um programa avançado e

emancipatório, tem dificuldades em acompanhar atentamente a execução do programa, algu-

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mas vezes não compreende a sua complexidade e outras vezes considera sua participação na-

quele fórum uma exigência de trabalho que no mais das vezes lhe custa cumprir. De modo

geral, a atitude da equipes ministeriais (que estão fora do Comitê Gestor) para com o PRO-

NINC é: “o que este programa pode contribuir para a execução das políticas que o meu minis-

tério decidiu executar?”. Certamente, desta perspectiva pobre em relação ao PRONINC, à

economia solidária e às incubadoras, não pode nascer uma política social emancipatória. O

resultado concreto, ao contrário, é aquele que aparece na primeira parte deste texto: fragmen-

tação, descontinuidade, instrumentalismo.

É compreensível que no período de montagem do programa a SENAES estivesse obri-

gada a tolerar esta perspectiva. É sabido do esforço enorme que a sua equipe fez para sensibi-

lizar ministérios, para aproximar iniciativas, para granjear simpatia entre os quadros formula-

dores de outras políticas, em outros ministérios. Não nos cabe aqui conjecturar se as coisas

poderiam ou não ter sido de outra maneira. Mas o fato é que a atual coalizão de forças no go-

verno vai para o seu terceiro mandato e que a partir de agora as coisas precisam ser de outra

forma, ou as políticas públicas de apoio à economia solidária serão incapazes de superar o seu

viés compensatório. Caso isto não se resolva, o mais provável é que, no caso de um governo

subseqüente (a 2014) que não tenha compromisso com a economia solidária, toda esta acumu-

lação se dissolva5.

9. Superar a fragmentação e a descontinuidade

No caso do PRONINC é fundamental que o crescimento das iniciativas governamen-

tais destinadas a financiar projetos de apoio a EES esteja combinado a uma mudança de sen-

sibilidade em relação ao processo de incubação, tomando-o tal como ele se apresenta na práti-

ca, isto é, de forma dinâmica em relação à constituição das demandas e ao processo como um

todo. Isto significa que ao longo de dois ou três anos uma incubadora – dependendo de sua

capacidade instalada (número de técnicos, de bolsistas, de recursos materiais) – pode iniciar e

encerrar um número significativo de processos de incubação, sem que eles tenham como con-

5 Especialmente porque parece que o principal sinal saído das urnas da eleição de 2010 é que um quarto mandato

para a atual coalizão passa longe de estar assegurado – neste momento, pelo menos, talvez ele seja até imprová-

vel, dada a relação entre a pequena diferença de votos para a oposição e o desgaste natural de um governo de

doze anos. A perspectiva mínima de continuação de uma política de esquerda (de qualquer matiz) dependerá do

nível de consciência política que a população trabalhadora alcançar no próximo período, que lhe permita identi-

ficar o governo como “o seu governo” e que, portanto, precisa ser qualitativamente radicalmente diferente do

atual, muito mais inclusivo e participativo. E convém dizer que as políticas emancipatórias têm um sentido fun-

damental nesta acumulação social.

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clusão a consolidação de um EES. Ao mesmo tempo, embora a incubação seja um processo

que deva ter início-meio-fim (ou seja, ele não pode estender-se ad infinitum), não se pode

estabelecer um prazo rígido para o seu encerramento.

Isto resulta do fato de que a dinâmica dos grupos é determinada apenas em parte pelo

processo de incubação, já que o protagonismo é dos atores sociais. Em outras palavras: não há

incubação que garanta a consolidação de um EES se a dinâmica interna do grupo não apontar

nessa direção. Mas as demandas não podem ser atendidas se as incubadoras não existirem

como estruturas permanentes.

O resultado dos editais específicos de políticas ministeriais tem sido a formação ex

nihilo de grupos acadêmicos que se propõem a trabalhar com EES em função da oferta de

recursos, mas sem uma qualificação anterior, que desconhecem a dinâmica do processo de

incubação, ou (o que é igualmente grave), acabam sendo atendidos por incubadoras que reco-

nhecem o caráter equivocado do edital, mas que não têm alternativa, já que dependem dos

recursos para continuar existindo institucionalmente.

Por outro lado, as incubadoras não podem atender demandas específicas se elas só

existirem para as demandas específicas. Em outras palavras: um edital dirigido ao público do

Programa Bolsa-Família (PBF) só terá sentido se, prévia ou concomitantemente ao edital: (a)

houver grupos de trabalhadores do PBF dispostos a constituírem EES; (b) já existirem incu-

badoras atendendo outras demandas...

Podemos resumir nossa pauta, até aqui, da seguinte maneira:

Se a demanda por incubação é dinâmica e se obedece a fatores locais6, ao invés de

induzir a busca de demandas através de editais que desconhecem a demanda real, o que pre-

cisamos fazer é responder a um conjunto de perguntas que – pensamos – podem ser assim

sintetizadas:

(a) como garantir o funcionamento permanente das incubadoras?

(b) quais são os critérios de atendimento das demandas pelas incubadoras?

6 Isto é válido, inclusive, quando se trata de atender a “demandas induzidas”, que partem de ações de caráter

“territorial”. Seja quando uma ação social dispara a intenção de uma comunidade em constituir EES (de caráter

produtivo, cultural, de consumo ou até mesmo um banco comunitário, por exemplo), seja quando um processo

prévio de sensibilização de um determinado público (por exemplo: presidiários, portadores de sofrimento psíqui-

co, portadores de deficiência física etc.) leva à tentativa de construção de um EES. Em qualquer caso, são neces-

sários recursos e em qualquer caso a incubação pode começar e ser depois interrompida sem a consolidação de

um empreendimento (isto não quer dizer que a incubação “falhou”, mas que o processo simplesmente não alcan-

çou um dos objetivos previstos).

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(c) como garantir que os outros ministérios possam participar do PRONINC atenden-

do às suas demandas específicas, mas sem produzir editais desconectados da demanda real?

(d) como garantir que os recursos sejam destinados a incubadoras reais, que traba-

lham a partir de critérios adequados?

A construção de propostas que respondam a questões como essas é sempre um exercí-

cio muito complicado. De qualquer forma, não podemos nos eximir de apresentar alternativas

que permitam, ao menos, oferecer elementos para o debate.

(a) Como garantir o funcionamento permanente das incubadoras?

Considerando-as precisamente como aquilo que elas são: estruturas permanentes, ao

invés de projetos delimitados no tempo. É necessário que o programa garanta recursos em

fluxo contínuo, levando em consideração critérios pré-fixados, é claro. Por exemplo, é possí-

vel construir um cálculo de custo médio anual de uma incubadora e de designação de recursos

que leve em conta um mix de indicadores (população total do território atendido; presença de

EES no território; número médio e tipologia dos empreendimentos atendidos; tamanho e di-

nâmica do mercado regional; classificação de qualidade da incubadora7; contrapartida da ins-

tituição-sede; custos médios de deslocamento das equipes e outros). Assim, uma incubadora

não terá que “projetar” suas ações a cada dois anos, requalificando-se a cada período e cor-

rendo sempre o risco de ter descontinuidades em seu trabalho, mas terá que prestar contas dos

recursos utilizados e ser avaliada a partir de critérios previamente estabelecidos, que definirão

o montante de recursos a serem recebidos no próximo período.

(b) Quais são os critérios de atendimento das demandas e de funcionamento das incubado-

ras?

Uma vez que a demanda das incubadoras é determinada localmente e que este atendi-

mento deve atender a critérios previamente estabelecidos, é necessário que cada incubadora

produza um “projeto político pedagógico” (PPP) próprio, que possa ser reformado quando

necessário, mas que seja capaz de expressar as regras e métodos a partir dos quais funciona a

incubadora, e que esse PPP seja objeto de avaliação por parte do comitê gestor do programa

(que também precisa ser alterado na sua essência – ver item 11).

(c) Como garantir que os outros ministérios possam participar do PRONINC atendendo às

suas demandas específicas, mas sem produzir editais desconectados da demanda real?

7 Ver item 11.

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Uma vez que a estrutura permanente das incubadoras seja garantida através de fluxo

contínuo de recursos do fundo do programa, todo o processo de atendimento das demandas

específicas será simplificado, uma vez que os editais específicos vão produzir uma expansão

delimitada no tempo e no espaço em cada incubadora. Por isto, é necessário que toda deman-

da específica contribua para a sustentação da estrutura permanente das incubadoras. Esta pro-

posta não é nova e já foi formulada anteriormente pelo próprio Prof. Singer: a formação de

um fundo comum para o PRONINC, que seja formado pelos recursos destinados à sustenta-

ção das incubadoras e com recursos de contribuição (em proporções previamente definidas)

dos editais específicos.

Vamos a um exemplo disto. Digamos que a Secretaria de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial detecte um conjunto de demandas específicas de comunidades quilombolas

ainda não-atendidas por incubadoras. Antes de “sortear” o volume de recursos a ser ofereci-

dos e, assessorada pela SENAES ou pelo comitê gestor, a Secretaria deveria então delimitar o

volume da demanda por incubação e – com base nos custos médios já calculados – estabele-

cer o valor do edital específico a ser oferecido (por exemplo, R$ 500 mil para atender a de-

manda estimada). Ao estabelecer o valor do edital, a Secretaria já saberia que parte desse va-

lor (20%? 35%? 50%? – enfim, um percentual regulamentado) deverá ser destinado ao fundo

comum do PRONINC, que seria então parte do montante destinado às incubadoras no orça-

mento do ano subseqüente. A Secretaria deve saber que ao produzir um edital específico só

poderá concorrer a ele as incubadoras credenciadas pelo Programa – que têm um PPP aprova-

do e que se encontram habilitadas pela SENAES. E os ministérios devem saber que projetos

que envolvam a economia solidária deverão ter acompanhamento da SENAES, tanto quanto

as ações na área de saúde devem ser acompanhadas pelo Ministério da Saúde, por exemplo.

Isto significa que todos os recursos destinados a apoio de instituições de ensino superior a

EES devem passar por dentro do PRONINC.

Num outro exemplo, o próprio comitê gestor pode destinar uma parcela do fundo de

sustentação geral das incubadoras à realização de projetos inovadores em termos de incuba-

ção, que sejam desenvolvidos em anexo à estrutura normal da incubadora, e que sejam julga-

dos a partir de um edital específico.

Isto significa que estamos propondo uma “reserva de mercado de editais” para as

ITCPs? “Sim” ou “não” depende do que estamos considerando; o que proponho é assim como

é necessário ser hospital para atender pelo SUS, ser universidade para diplomar pessoas ou ser

agência de comunicação para fazer propaganda contratada pelo governo, estou propondo que

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é preciso ter formação e conhecimento em economia solidária e incubação de cooperativas

para receber recursos destinados a isso. Se existirem duzentas ITCPs credenciadas no Brasil,

tanto melhor; se existirem outras incubadoras e forem devidamente reguladas em seu funcio-

namento, também estamos de acordo.

(d) Como garantir que os recursos sejam destinados a incubadoras reais, que trabalham a par-

tir de critérios adequados?

Conforme já explicitado: as incubadoras devem funcionar como qualquer unidade

acadêmica universitária – devem ter um projeto político pedagógico (PPP) (que seja específi-

co para cada ITCP, é claro, de forma a atender a diversidade das incubadoras) e devem sub-

meter-se a critérios de avaliação institucional (desde que democraticamente discutidos com o

conjunto das incubadoras, com representantes dos empreendimentos e com gestores públicos).

Para isto, o Comitê Gestor do PRONINC deve ser reformulado. Ele precisa incorporar

de forma equilibrada o conjunto dos “tomadores de decisão implicados” (os stakeholders): os

gestores públicos/financiadores; as incubadoras (docentes, técnicos, estudantes); os represen-

tantes dos EES (suas entidades, mas também grupos já incubados e grupos sob incubação).

10. Ampliar o escopo das incubadoras e integrar as ações para fortalecer a economia

solidária

Há dois conjuntos específicos de ações de apoio à economia solidária que se encon-

tram dissociados do PRONINC e que por isto fragilizam a si mesmos, por um lado, e o traba-

lho das incubadoras, por outro lado: o financiamento dos empreendimentos e o financiamento

da pesquisa de tecnologias sociais adequadas à economia solidária. Mas há um elemento deste

processo que precisa ser retomado desde o ponto de vista da praxiologia a que nos propomos,

isto é, de partir dos fatos como eles se apresentam na realidade.

(a) Incubação e financiamento de EES

O primeiro fato parece simples e óbvio: “não adianta dar o peixe, é necessário ensinar

a pescar; mas não adianta ensinar a pescar se o pescador não tem linha nem anzol.” A incuba-

ção precisa estar associada a um programa de financiamento dos EES tanto quanto os pro-

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gramas de financiamento que já existem (que são acanhados, é verdade, mas existem) necessi-

tam que os investimentos sejam acompanhados tecnicamente8.

É necessário, portanto¸ que existam linhas de financiamento articuladas ao PRONINC,

que sejam capazes de atender a demanda por financiamento dos EES e ao mesmo tempo aten-

der a critérios que reduzam a incerteza de retorno por parte dos agentes financiadores9.

(b) Incubação de EES e desenvolvimento de tecnologias sociais

Por outro lado, há um reclamo, legítimo, por parte dos financiadores, de que a questão

da tecnologia não tem um tratamento adequado nos processos de incubação. De modo geral,

reconhecem que se desenvolvem e aplicam tecnologias sociais (TS) importantes na área das

ciências sociais aplicadas (TS-CS), mas que pouco se faz no desenvolvimento das ciências

naturais (TS-CN) aplicadas10

.

Ocorre que o período de incubação de EES em raras ocasiões se apresenta como ade-

quado ao desenvolvimento de TS-CN. E é simples explicar por quê.

O desenvolvimento de uma tecnologia social exige participação ativa dos atores soci-

ais (no caso, dos trabalhadores dos EES) no processo: na delimitação do seu objeto, no plane-

jamento da sua experimentação, na avaliação etc. Para tanto, os trabalhadores precisam domi-

nar as etapas iniciais da adequação sócio-técnica da qual são sujeitos11

. Pressupõe, pelo me-

8 Em um curso de formação em economia solidária desenvolvido pelo Departamento de Economia Solidária do

BNDES, por exemplo, esta era a principal preocupação dos agentes que participavam do curso: como o BNDES

poderia liberar recursos para empreendimentos que não detinham a condição técnica para operar investimentos. 9 A formatação de um programa auxiliar de financiamento para EES sob incubação precisa de um mutirão que

reúna gestores públicos, agentes de financiamento, incubadoras e EES. O uso combinado de ferramentas como o

aval técnico, o aval solidário, o seguro solidário e os bancos comunitários podem indicar caminhos importantes

para isto. 10

Utilizamos aqui, para tecnologia social, o mesmo conceito da RTS (Rede de Tecnologia Social) brasileira:

“tecnologia social compreende produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação

com a comunidade e que represente efetivas soluções de transformação social” (http//www.rts.org.br – acesso

em 22/10/2010). Há uma diferença, entretanto, e que nos parece importante, quanto às “áreas de conhecimento”:

chamamos de tecnologias sociais da área das ciências sociais aplicadas (TS-CS) para designar aqueles produ-

tos, técnicas e/ou metodologias relacionados aos processos de gestão, interação, relacionamento, transparência,

regulamentação etc. que se situam especialmente no campo dos orgwares necessários ao funcionamento dos

EES. Assim, são TS-CS: a educação popular, as várias formas de pesquisa-ação, as redes de EES, os bancos

comunitários etc. Usamos a expressão tecnologias sociais na área das ciências naturais aplicadas (TS-CN),

para designar aqueles produtos, técnicas e/ou metodologias que dizem respeito a outro tipo de conhecimento,

vulgarmente conhecido como “tecnologia” (sem adjetivos) e que dizem respeito à relação dos sujeitos sociais

com os recursos não-humanos, como por exemplo: hardwares e softwares livres ou solidários, técnicas de plan-

tio agroecológico, preservação e disseminação de sementes nativas, produtos da reciclagem de resíduos sólidos,

ferramentas “limpas” adequadas aos EES etc. 11

A adequação sócio-técnica pode ser compreendida em sentido similar à tecnologia social. Para Renato Dagni-

no, a AST é concebida “como um processo que busca promover uma adequação do conhecimento científico e

tecnológico, esteja ele já incorporado em equipamentos, insumos e formas de organização da produção, ou

ainda sob a forma intangível e mesmo tácita, não apenas aos requisitos e finalidades de caráter técnico, como

até agora tem sido o usual, mas ao conjunto de aspectos de natureza sócio-econômica e ambiental que constitu-

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nos, a incorporação do conhecimento das tecnologias já existentes, sejam elas convencionais

ou sociais, para – a partir daí – desenvolver inovações. Ao domínio desse conhecimento, de-

ve-se somar o tempo necessário para o desenvolvimento de um processo de pesquisa, com

todas as experimentações e ensaio-e-erros necessários.

Mas isto leva tempo e como é sabido, ao inverso, um processo de incubação de EES

tem pressa, e muita. Sua prioridade é viabilizar-se economicamente através da autogestão dos

trabalhadores. Portanto, o EES precisa utilizar-se da tecnologia já existente que seja a mais

disponível e próxima, e ao mesmo tempo adequada aos seus limites econômicos (especial-

mente quando não conta com linhas de financiamento integradas ao processo de incubação).

Normalmente, apenas depois de completar seu ciclo de incubação (ou pelo menos a maior

parte dele), é que se poderá desenvolver e finalmente utilizar uma inovação em TS-CN. É

claro que o início da pesquisa pode e deve realizar-se tão logo seja detectado o problema. E

tão logo se encontre a solução, mais facilmente o EES poderá alcançar sua viabilidade eco-

nômica.

Entretanto, os processos de incubação raramente conseguem dar conta de pesquisas na

área de TS-CN, pois os orçamentos dos projetos de incubação incluem atividades pré-

programadas e facilmente previsíveis, e o surgimento de uma demanda de pesquisa em TS-

CN, normalmente, demanda recursos não previstos na incubação: técnicos e/ou bolsistas es-

pecíficos; materiais de experimentação; instrumentos e ferramentas de laboratório etc. Além

disso, com raras exceções, o tempo de desenvolvimento de uma TS-CN é superior ao tempo

de desenvolvimento de um projeto de incubação específico.

Portanto, o surgimento de um problema tecnológico num EES e o desenvolvimento de

uma solução socialmente adequada, através de uma TS, exige um tipo de financiamento que

não é usual de parte das agências financiadoras de pesquisa (refiro-me ao CNPq e à FINEP).

Normalmente, os editais de pesquisa são publicados com grandes intervalos de tempo. Às

vezes não se exige do pesquisador uma relação concreta entre o projeto apresentado e deman-

das sociais efetivas (embora outras vezes sim, o edital exija a formalização da demanda por

um agente social ou econômico que justifique a realização da pesquisa, geralmente empresas

já estruturadas no mercado).

em a relação CTS (ciência, tecnologia e sociedade)”. Ele identifica seis “modalidades” (ou níveis) de AST, que

vão do uso da tecnologia disponível em EES (o mais simples) à incorporação de conhecimento científico-

tecnológico novo (mais complexo) (DAGNINO, 2002: p. 9).

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É muito importante, então, que os editais para desenvolvimento de TS estejam ade-

quados à realidade específica da incubação de EES. Por exemplo:

(i) editais específicos para o desenvolvimento de TS lançados em prazos menores e

pré-programados no tempo (por exemplo: a pré-programação do lançamento de seis editais –

um a cada quadrimestre, a cada dois anos...);

(ii) que os editais estejam vinculados ao PRONINC e que os projetos apresentados,

por sua vez, estejam vinculados a processos de incubação ou de pós-incubação de EES12

.

(c) Programas diferenciados de incubação e de pós-incubação

As demandas que chegam às incubadoras, evidentemente, são muito heterogêneas. Há

grupos em formação e grupos que, já constituídos, continuam necessitando de assessoria; há

demandas pontuais e demandas mais abrangentes; demandas em áreas específicas das TS; etc.

Mesmo os processos de incubação vêm se diversificando em relação à sua configura-

ção típica, que era o grupo de produção. Há o que alguns chamam de “incubação de comuni-

dades” ou “de territórios”, que pressupõe um trabalho integrado de um conjunto de atores

coletivos (de EES) numa organização em rede; há a incubação de redes, propriamente ditas,

formadas por empreendimentos de uma mesma cadeia produtiva ou ainda reunidos por uma

atividade comum (redes de comercialização, por exemplo).

Por fim e tão importante quanto esses exemplos, são as demandas de EES que já foram

incubados ou que, não tendo passado pela incubação, seguem demandando formação e asses-

soria, uma vez que fica claro a todos que esses são processos que não têm um final cronológi-

co: enquanto as organizações econômicas existem, elas necessitam permanentemente de for-

mação e de assessoria.

No modelo inicial da incubação, a idéia era que os grupos, uma vez consolidados e

viabilizados economicamente, deveriam arcar com os custos desse processo. A verdade é que

muitas empresas convencionais utilizam a estrutura das universidades ou de outras estruturas

que contam com recursos do poder público (como o Sistema S, por exemplo) para obter for-

mação e assessoria. Por que os EES não devem fazer o mesmo?

12

Outra proposição, ainda que bastante polêmica, mas que ouso apresentar: o desenvolvimento de um tipo de

patente especial que permita o uso do produto ou processo desenvolvido sem o pagamento de royalties por EES,

mas com o devido pagamento por parte de empresas convencionais que queiram utilizar a tecnologia desenvol-

vida.

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A SENAES vem patrocinando a formação de estruturas públicas de apoio aos EES,

como os CFES e os NEATES, que certamente são importantes e têm um papel a cumprir. Mas

por que não utilizar a estrutura das universidades para atender as demandas dos grupos não

incubados e potencializar a economia solidária a partir daí?

Isto significa que as incubadoras, para além de seus programas de incubação, podem –

se tiverem recursos para isto – desenvolver projetos de formação e de assessoria a empreen-

dimentos já consolidados, o que pode ser feito em escala diferenciada do projeto de incuba-

ção. Por exemplo, o desenvolvimento de projetos de TS pode ser realizado com a participação

de representantes de grupos diversos, para depois ser difundida nos grupos participantes13

.

Outro exemplo: projetos de campanhas publicitárias sobre a economia solidária e seus produ-

tos podem envolver um grande número de EES já consolidados e que têm recursos limitados

para este tipo de ação (isto é: não conseguem suportar ao mesmo tempo os custos de produção

e de veiculação da campanha, ou até mesmo nem um, nem outro). E assim por diante.

11. Novas formas de avaliação e de critérios de distribuição de recursos

A utilização de instituições para a avaliação externa do PRONINC tem sido uma fer-

ramenta importante para a melhoria do programa. Tanto a avaliação realizada pela FASE

(2005-2006) quanto a do IADH (2009-2010) tem permitido às incubadoras e aos gestores pú-

blicos um processo de reflexão importante sobre aquilo que estamos fazendo. Mas ainda não

temos critérios claros para a gestão do programa, propriamente dito, uma vez que as avalia-

ções são tensionadas pelos ministérios a estabelecer critérios de avaliação das incubadoras, e

não do programa – o que é o objeto efetivo de contratação do avaliador!

É evidente que as incubadoras precisam ser avaliadas e que a distribuição de recursos

não pode ser equânime. Qual o critério utilizado atualmente? O que determina o volume de

recursos que cada incubadora dever receber? Não há critérios estabelecidos sobre isto, porque

não há critérios de avaliação estabelecidos. Nem pode haver, se a avaliação se resumir a quan-

tidades de objetivos e metas alcançadas, como parecem querer, muitas vezes, certas perspecti-

vas tecnocráticas (de viés pós-keynesiano...) – número de empreendimentos, número de traba-

lhadores, número de oficinas, renda dos trabalhadores etc.

13

Se vários EES de reciclagem – digamos 5 grupos com 30 trabalhadores em média, cada um – precisa desen-

volver um processo para a reutilização de um material específico, por que não fazê-lo de forma conjunta? Seria

possível formar um grupo de pesquisa com pessoal da universidade e mais um ou dois trabalhadores de cada

grupo que realizem ensaios e repliquem as discussões do grupo de pesquisa nos seus EES.

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Algumas perguntas são básicas. Por exemplo:

- Uma incubadora que funciona num município de 100 mil habitantes e que atua num

raio de 50 km deve receber os mesmos recursos que uma incubadora que atua, sozinha, num

município de 2 milhões de habitantes e num raio de 300 km?

- Duas incubadoras que atuam em dois municípios distintos, com 2 milhões de habi-

tantes cada um, com raios de atuação iguais (digamos, de 300 km), devem receber o mesmo

recurso quando o SIES aponta uma densidade de 60 EES, com 6 mil trabalhadores no primei-

ro caso, e de 10 EES, com 500 trabalhadores no segundo caso? E qual o sentido da prioridade

neste caso – do território com maior demanda ou do território em que a pouca presença de

EES torna mais difícil o desenvolvimento dos valores da autogestão?

- Devem receber o mesmo recurso duas incubadoras que atuam em situações seme-

lhantes de território e densidade de demanda, mas em que uma das universidades não dispo-

nibiliza à incubadora nenhuma contrapartida, enquanto no outro caso há estrutura, corpo do-

cente e técnico-administrativo disponível?

Ora, se as incubadoras constituem unidades acadêmicas (de extensão, pesquisa e ensi-

no), por que não avaliá-las como qualquer outra unidade acadêmica – isto é, por comissões de

pares indicados pelo gestor público?

Para tornar clara a proposta: que se estabeleçam critérios transparentes, que sejam am-

pla e democraticamente discutidos por todos os envolvidos (incubadoras, gestores públicos,

EES); que as incubadoras passem por sistemas de credenciamento (ao invés de projetos isola-

dos julgados eventualmente); que as incubadoras sejam avaliadas com base em conceitos de

desempenho (como as avaliações da CAPES, por exemplo) e de critérios relacionados ao am-

biente de atuação (território, população, cultura etc.); que a avaliação seja realizada por co-

missões formadas por representantes de incubadoras, EES e gestores públicos, ainda que ori-

entadas por avaliadores externos contratados para organizar tal processo de avaliação; e fi-

nalmente: que a distribuição de recursos tome em consideração a avaliação pregressa tanto

quanto (ou até mais que) os projetos apresentados a cada período de renovação do credencia-

mento da incubadora.

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Concluindo: uma contribuição ao debate

O que foi dito aqui não tem nenhuma pretensão à “verdade”. Como foi posto desde sua

introdução, trata-se de uma contribuição ao debate. Reconhecemos que há, de nossa parte,

muita convicção em relação a essas posições. Mas estamos abertos ao debate, e o principal

objetivo, aqui, é dar o start de uma discussão que vem sendo feita de forma acanhada e pouco

sistemática.

É uma contribuição à discussão das incubadoras, dos gestores públicos e dos empre-

endimentos.

O PRONINC – estamos convictos quanto a isto – precisa mudar. Ele já acumulou ex-

periências e reflexões que lhe permitem mudar, de forma a alcançar outro patamar, que por

sua vez permita alavancar a economia solidária também a outro degrau.

Mudanças, como sabemos, dependem ao mesmo tempo de diálogo e de decisão, em

que se respeite o ritmo do diálogo, mas que não se espere eternamente por consensos que po-

dem não ser alcançados jamais. Convém, acreditamos, que o bom senso faça emergir o debate

e ao mesmo tempo equilibrar democraticamente os tempos da discussão e da implementação

das decisões e que, sobretudo, garanta a participação de todos os envolvidos no seu processo

de tomada de decisões.

Referências

BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política social – fundamentos e história.

São Paulo: Cortez, 2007.

DAGNINO, Renato. Adequação sócio-técnica, autogestão e economia solidária. Campinas:

2002. Disponível em <http://www.itcp.unicamp. br/drupal/?q=node/10>. Acessado em

23/10/2010.

DEMO, Pedro. Política social, educação e cidadania. Campinas/SP: Papirus, 1994.

PENROSE, Edith. A teoria do crescimento da firma. Campinas: Unicamp, 2007.

PRONINC, Comitê Gestor. Proposta de termo de referência. Brasília: arquivo eletrônico,

2009.