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O PROJETO DE MACRODRENAGEM DA BACIA DO UNA EM BELÉM (PA): CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE SOB A ÓTICA DO PLANEJAMENTO ESTRATÈGICO Sandra Helena Ribeiro Cruz 1 Pedro Paulo de Miranda Araújo Soares 2 André Luiz Santos Alves 3 RESUMO Este artigo apresenta uma discussão sobre o Projeto de Drenagem, Vias, Água e Esgoto das Zonas Baixas de Belém, o Projeto Una, cujas obras ocorreram na Bacia do Una entre os anos de 1993 e 2004. O projeto é caracterizado e avaliado em seus objetivos declarados em documentos oficiais e em relação aos benefícios sociais para a população pretendidos após a sua implementação. Em seguida, é questionado se este empreendimento foi capaz de representar a concepção do modelo de planejamento estratégico, que consiste em produzir as cidades para o mercado através de grandes projetos. PALAVRAS-CHAVE: Urbanização; Direito à cidade; Intervenções urbanísticas; planejamento estratégico. ABSTRACT This article presents a discussion about the Una Watershed Drainage Project, whose public works took place in the city of Belém from 1993 to 2004. First, the project is examined in terms of its official goals, mostly referred to social gains for the population of the Una watershed after it’s the conclusion of the project. Then, it is questioned if the project was capable of representing the urban planning model known as strategic planning, which consists in market based policies of shaping cities through large-scale projects. KEYWORDS: Urbanization; Right to the City; Infrastructure projects; strategic planning. 1 Assistente Social, Mestra em Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará, Doutora em Ciências Socioambientais pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA e docente Associada II da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] 2 Antropólogo, Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bolsista PNPD/CAPES e docente visitante no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] 3 Graduando em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará e bolsista de iniciação científica PIBIC/UFPA. E-mail: [email protected]

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O PROJETO DE MACRODRENAGEM DA BACIA DO UNA EM BELÉM (PA):

CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE SOB A ÓTICA DO PLANEJAMENTO ESTRATÈGICO

Sandra Helena Ribeiro Cruz1 Pedro Paulo de Miranda Araújo Soares2

André Luiz Santos Alves3

RESUMO

Este artigo apresenta uma discussão sobre o Projeto de

Drenagem, Vias, Água e Esgoto das Zonas Baixas de

Belém, o Projeto Una, cujas obras ocorreram na Bacia do

Una entre os anos de 1993 e 2004. O projeto é caracterizado e

avaliado em seus objetivos declarados em documentos oficiais

e em relação aos benefícios sociais para a população

pretendidos após a sua implementação. Em seguida, é

questionado se este empreendimento foi capaz de

representar a concepção do modelo de planejamento

estratégico, que consiste em produzir as cidades para o

mercado através de grandes projetos.

PALAVRAS-CHAVE: Urbanização; Direito à cidade; Intervenções urbanísticas; planejamento estratégico.

ABSTRACT

This article presents a discussion about the Una

Watershed Drainage Project, whose public works took

place in the city of Belém from 1993 to 2004. First, the

project is examined in terms of its official goals, mostly

referred to social gains for the population of the Una

watershed after it’s the conclusion of the project. Then, it

is questioned if the project was capable of representing

the urban planning model known as strategic planning,

which consists in market based policies of shaping cities

through large-scale projects.

KEYWORDS: Urbanization; Right to the City; Infrastructure projects; strategic planning.

1 Assistente Social, Mestra em Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará, Doutora

em Ciências Socioambientais pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA e docente Associada II da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] 2 Antropólogo, Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bolsista PNPD/CAPES e docente visitante no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] 3 Graduando em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará e bolsista de iniciação científica PIBIC/UFPA.

E-mail: [email protected]

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I. INTRODUÇÃO

A Bacia do Una é uma área geográfica que abrange 20 bairros da cidade de

Belém (PA)4. Trata-se de uma extensão territorial que abrange aproximadamente

60% do sítio urbano de Belém, com uma área de 36,64 km² e 397.339 habitantes

segundo o último senso do IBGE (2010). Até os anos 1990 a Bacia do Una era

comporta por uma grande quantidade de áreas alagáveis – cerca de 19% do seu

território – que foram ocupadas por populações de baixa renda (Trindade Júnior,

1997). Migrantes do interior do estado e até mesmo de outras áreas empobrecidas

da capital ocuparam terrenos úmidos e nas encostas dos igarapés que recortavam a

cidade, caracterizando a formação dos assentamentos precários conhecidos nos

termos locais como baixadas. Alguns dos bairros da Bacia do Una situados mais

próximo do centro da cidade como Fátima, Pedreira, Telégrafo e Sacramenta

também receberam estes contingentes populacionais.

Durante os anos 1990 até meados dos anos 2000 a Bacia do Una passou por

uma intervenção física que transformou substancialmente a paisagem urbana e o

modo de vida de seus habitantes. Tratou-se de um grande projeto de vias,

drenagem, esgoto e abastecimento de água chamado Projeto de Macrodrenagem da

Bacia do Una (PMU) ou, simplesmente, Projeto Una. Entre suas mais importantes

medidas, o Projeto Una aterrou áreas alagadiças, abriu ruas onde antes havia

pontes de madeira e, principalmente, criou um amplo sistema de drenagem e

acúmulo de águas pluviais formado galerias subterrâneas e quilômetros de canais

onde antes havia igarapés.

Este artigo discute este processo de transformação da Bacia do Una e seus

impactos ambientais, sociais e econômicos, dando destaque à redefinição dos usos

do solo urbano após a conclusão do PMU sob a perspectiva do modelo de

planejamento urbano conhecido como planejamento estratégico (Vainer, 2011). Este

modelo se caracteriza pela realização de grandes projetos urbanos para a

valorização da cidade para o mercado e também pela negação da política e do

direito à cidade (Lefebvre, 2001).

4 Entre estes bairros, 16 encontram-se integralmente na Bacia do Una: Barreiro, Benguí, Cabanagem, Castanheira, Fátima, Mangueirão, Maracangalha, Marambaia, Miramar, Parque Verde, Pedreira, Sacramenta, Souza, Telégrafo, Una e Val-de-Cans. Outros 4 bairros estão presentes na Bacia do Una de forma parcial: Marco, Nazaré, São Brás e Umarizal.

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O universo da análise comporta os bairros da Bacia do Una já citados nesta

introdução: Fátima, Pedreira, Telégrafo e Sacramenta. Os referidos bairros foram

escolhidos pela sua proximidade do centro da cidade, o que alimenta a hipótese de

que nesses espaços os processos de valorização do solo urbano, verticalização e

segregação socioespacial tenham sido mais intensos após a conclusão do PMU.

II. O PROJETO DE MACRODRENAGEM DA BACIA DO UNA

As origens do Projeto Una remontam à sua fase de estudos ainda na década

de 1980. Somente em 1993 o projeto é oficialmente iniciado com a assinatura do

contrato de financiamento entre o Governo do Estado do Pará e o BID – Banco

Interamericano de Desenvolvimento. Segundo Portela (2005), o PMU foi,

inicialmente, planejado para ser concretizado em quatro anos, com previsão de

término para dezembro de 1997, mas seu prazo foi prolongado para o final de 2002,

e depois prorrogado mais uma vez para 2004.

Os documentos oficiais publicados pelo Governo do Estado do Pará após a

conclusão do Projeto Una mostram que o PMU havia se caracterizado por dois

objetivos centrais (Companhia de Saneamento do Pará, 2006, p.25). O primeiro,

seria o de "solucionar o problema das inundações nas zonas baixas da bacia do Una

através da instalação de um sistema de drenagem eficiente". O segundo seria o de

prover "a todos os habitantes da Bacia do Una uma infraestrutura adequada em

termos de vias de acesso, cobertura das redes de água potável, esgoto sanitário,

drenagem pluvial e coleta de lixo", de modo a melhorar a qualidade de vida da

população. No mesmo documento (Companhia de Saneamento do Pará, 2006, p.20)

também constam alguns resultados estipulados e esperados após a conclusão das

obras do PMU, os quais seguem:

Aumento das ligações domiciliares às redes de esgoto construídas pelo

Projeto;

Com a paulatina despoluição e a descontaminação, a navegabilidade dos

canais permitirá a prática do lazer, de esportes náuticos e as atividades

produtivas de agricultura urbana;

Diminuição significativa do número de casos de doenças por veiculação

hídrica;

A expansão do nível de sensibilização quanto as questões ambientais criará

uma consciência crítica e coletiva que viabilizará o prolongamento da vida

útil das obras executadas e a preservação do meio ambiente;

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Incremento da ação participativa entre comunidade e poder público nas

discussões sobre políticas públicas.

A realidade, porém, mostrou-se contrária a estas expectativas. Pesquisas

recentes (Soares, 2015; Moraes, 2014) mostraram o desmonte das estruturas

políticas de sustentabilidade do Projeto Una. Em 2005, na primeira estação de

chuvas após a conclusão das obras do PMU, moradores de diversos pontos da

Bacia do Una experimentaram inundações provocadas pelo transbordamento dos

canais de drenagem. Estes episódios se repetiram pelos anos subseqüentes.

A causa dessas inundações relaciona-se à falta de manutenção técnica no

sistema de macrodrenagem da Bacia do Una (17 canais, 6 galerias e 2 comportas).

Há denúncias 5 do desaparecimento, má utilização e extravio do conjunto de

máquinas, veículos e equipamentos destinados a realizar a manutenção das obras

do PMU. Portanto, o êxito do PMU a longo prazo enquanto obra de engenharia é

questionável, na medida em que o assoreamento e perda de vazão dos canais, as

pendências de obras complementares e a exclusão de áreas do escopo de obras

tem impedido que o referido projeto atinja o máximo de sua funcionalidade,

principalmente no que diz respeito ao sistema de drenagem. No entanto o sistema

viário – outro dos sistemas implementados pelo PMU – foi capaz de incorporar as

baixadas da Bacia do Una à malha urbana através da abertura e pavimentação de

ruas e vias paralelas aos canais. É desse modo que, apesar das inundações que

ocorrem a cada ano, áreas antes desvalorizadas passam a ser vistas como fronteira

de expansão para o capital imobiliário.

II. A MACRODRENAGEM DA BACIA DO UNA SOB A PERSPECTIVA DO

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

O planejamento estratégico (Vainer, 2011) é um modelo difundido por

instituições multilaterais como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento),

responsável pelo financiamento das obras do PMU. O princípio central desta forma

5 Estas denúncias resultaram na instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal de Belém para investigação, na Bacia do Una, das irregularidades na cessão de maquinários, veículos e equipamentos da Prefeitura Municipal para empresas privadas (Belém, 2014). Existe ainda uma Ação Civil Pública Ambiental (Processo nº 0014371-32.2008.814.0301) contra a Prefeitura Municipal, o Governo do Estado e a COSANPA (Companhia de Saneamento do Pará) pela obrigação de fazer a manutenção técnica e periódica das obras do Projeto Una, assim como uma série de obras que ficaram pendentes após a dita conclusão do PMU (Pará, 2008).

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de planejamento é a competitividade dos territórios em sua capacidade de atrair

investimentos. É importante lembrar que as discussões em torno do PMU iniciam-se

na década de 80 já em um contexto neoliberal, onde as cidades passam a ser

percebidas como centros de dinamização da economia capitalista global. Essa visão

sobre as cidades incide na necessidade dos governos locais em produzir cidades

atrativas e competitivas, transformando a lógica do planejamento urbano em

estratégia de desenvolvimento na contemporaneidade (Vainer, 2011). Nesse

sentido, o PMU pode ser considerado como parte de um plano estratégico de

valorização da Bacia do Una.

A crítica a este a este modelo de planejamento se dirige ao projeto de cidade

o qual ele corrobora, sobretudo no que diz respeito às mudanças que ocorrem no

mercado imobiliário após a conclusão de grandes projetos como o PMU. Abelém

(1989), por exemplo, analisa que as intervenções realizadas pelo Estado, sob o

pretexto de melhorar as condições de vida das classes populares, significam apenas

um paliativo para as mesmas, pois na medida em que a urbanização avança sobre

as baixadas, estas se mostram como novas áreas serem incorporadas ao sistema

imobiliário. Portela (2005) também discutiu que a realização de projetos de

urbanização é seguida pela valorização imobiliária do local decorrente da

implementação de um grande projeto sob a perspectiva do planejamento

estratégico. Isso tem resultado no aumento das taxas e impostos e na ação

desenfreada da especulação imobiliária e, consequentemente, na expulsão das

camadas populares originárias e na substituição destas por um segmento de maior

renda, contradizendo, assim, as justificativas que nortearam a proposta de

intervenção do poder público. A autora observa ainda que no Projeto Una, além dos

interesses políticos, existiam os interesses econômicos, não só do governo, que

visava garantir o retorno de seus investimentos, como também interesses de

proprietários particulares, que viam no projeto uma maneira de valorizar as áreas,

até então esquecidas pelo mercado de imóveis. Desse modo, o discurso oficial

justificativa o projeto por seus benefícios sociais, mas na realidade estes assumem

papel secundário.

Para este artigo considera-se o pressuposto de que os investimentos

empresariais no ramo imobiliário tem se concentrado na verticalização de vários

bairros da capital paraense pela construção de torres residenciais, como tem se

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observado historicamente. Oliveira et. al. (2005) escrevem que nas décadas de

1950, 1960 e 1970 a construção de prédios concentrou-se em bairros como Nazaré,

Reduto, Umarizal e Batista Campos. A partir da década de 1980, os terrenos

centrais tiveram seus preços inflacionados, pois, suas ofertas atingiram níveis de

saturação. Agravando esta tendência, houve também neste período acentuado

crescimento populacional. Assim, a verticalização deixou de se concentrar nos

bairros centrais e dirigiu-se para os bairros do Marco e da Pedreira (Oliveira et al.,

2005). Cumpre ressaltar que as áreas destes bairros que passaram por

verticalização foram aquelas que não era baixas ou úmidas e que já na década de

1980 possuíam largas avenidas, alguns equipamentos urbanos e fácil acesso ao

centro.

Sobre as décadas seguintes à de 1980, os mesmos autores discutem que a

tendência é esse processo de verticalização se espalhar para áreas próximas ao

centro, como os Bairros do Telégrafo, da Matinha e da Sacramenta, todos

pertencentes de modo integral à Bacia do Una. Assim é importante a discussão do

processo de segregação sócio-espacial ocorrido nessas áreas que atingem de forma

agressiva as classes mais baixas quando o processo de verticalização aumenta

exponencialmente. O trabalho de Oliveira et. al. (2005) indica que o processo de

verticalização e a implantação de infraestrutura pelo Estado estão sempre em

diálogo. Tais processos implicaram em alterações físico-ambientais no sítio intra-

urbano, como por exemplo, aterros de planícies inundáveis, aberturas e

pavimentação de ruas, calçamentos, retificação de canais de drenagem e redução

das áreas verdes da cidade. Ou seja, quase todas as medidas propostas direta ou

indiretamente por grandes projetos de infraestrutura urbana como o Projeto Una.

Dez anos após declarada a conclusão do PMU sabe-se que os benefícios

secundários do projeto – os sociais – não tiveram continuidade. No entanto, resta

ainda o questionamento sobre o êxito do referido projeto nos termos do

planejamento estratégico, o que significaria ter disponibilizado, dentro do intervalo de

uma década, mais terras da Bacia do Una no mercado imobiliário, o que pode se

refletir no aumento da verticalização em determinados bairros.

Assim, para alcançar o objetivo deste artigo, isto é, discutir se o PMU foi bem-

sucedido sob a ótica do planejamento estratégico, é necessário considerar os

seguintes dados que mostram o nível de transformação do tipo de domicílio

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(apartamento, casa ou cômodo) em quatro bairros da Bacia do Una entre os anos de

2000 e 20106. O bairros escolhidos – Fátima, Pedreira, Telégrafo e Sacramenta são

aqueles nos quais se espera que os efeitos da urbanização estejam relacionados de

forma mais estreita à verticalização.

Tabela 1: Número de domicílios segundo o tipo no Bairro de Fátima em 2000 e 2010

Tipo de Domicílio 2000 2010

% %

Apartamento 157 5,45 243 8,09

Casa 2.701 93,72 2.754 91,56

Cômodo, Cortiços ou

Cabeça de Porco

24 0,83 8 0,27

Total de Domicílios 2.882 100 3.005 100

Fonte: IBGE, Senso Demográfico 2000/2010

No Bairro de Fátima houve um aumento pequeno no número de

apartamentos, ao mesmo tempo em que o número de casas também aumentou

timidamente. Observa-se que o aumento de apartamentos foi maior que o de casas.

Porém, o Bairro de Fátima em 2010 continuou sendo um bairro predominantemente

composto por casas (91,56%). O aumento do número de apartamentos seguiu o

aumento do total de domicílios do bairro sem que houvesse significativa diminuição

do número de casas ou de moraria em cômodos.

Tabela 2: Número de domicílios segundo o tipo no Bairro da Pedreira em 2000 e 2010

Tipo de Domicílio 2000 2010

% %

Apartamento 2.674 16,37 3.418 3,45

Casa 13.096 80,15 15.418 81,13

Cômodo, Cortiços ou

Cabeça de Porco

569 3,48 167 0,88

Total de Domicílios 16.339 100 19.003 100

Fonte: IBGE, Senso Demográfico 2000/2010

Na Pedreira, apesar de este ser um dos bairros onde se aponta a olho nu

uma considerável verticalização na última década, o aumento proporcional de casas

entre 2000 e 2010 foi maior que o aumento do número de apartamentos no mesmo

período, havendo também o aumento no total de domicílios.

6 A escolha deste recorte temporal se dá pela disponibilidade dos dados dos censos do IBGE de 2000

e 2010, bem como pelo fato de que cada censo coincide, respectivamente, com o momento anterior à finalização das obras do PMU e com o momento posterior à dita conclusão do projeto em 2005.

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Tabela 3: Número de domicílios segundo o tipo no Bairro do Telégrafo em 2000 e 2010

Tipo de Domicílio 2000 2010

% %

Apartamento 243 2,66 365 3,45

Casa 8.472 92,74 9.246 87,41

Cômodo, Cortiços ou

Cabeça de Porco

420 4,60 50 0,47

Total de Domicílios 9.135 100 10.578 100

Fonte: IBGE, Senso Demográfico 2000/2010

No Bairro do Telégrafo também foi notado o aumento no total de domicílios,

assim como o aumento no número de casas e apartamentos, estes últimos tendo

aumentado entre 2000 e 2010 em uma proporção menor em relação ao número de

casas.

Tabela 4: Número de domicílios segundo o tipo no Bairro da Sacramenta em 2000 e 2010

Tipo de Domicílio 2000 2010

% %

Apartamento 143 1,44 278 2,42

Casa 9.285 93,52 10.079 87,61

Cômodo, Cortiços ou

Cabeça de Porco

500 5,04 58 0,50

Total de Domicílios 9.928 100 11.504 100

Fonte: IBGE, Senso Demográfico 2000/2010

No Bairro da Sacramenta o aumento nos números de casas e apartamentos

também se elevou acompanhando o número do total de domicílios entre 2000 e

2010, embora o número de casas tenha aumentado em uma proporção maior do

que o número de apartamentos.

De um modo geral, nota-se que houve um adensamento nos bairros em

questão não apenas com a verticalização, mas também com a construção de casas.

Logo, embora estes bairros tenham disponibilizado terras para o mercado através do

PMU e recebido alguns investimentos imobiliários, estes não foram suficientes para

mudar substancialmente o perfil residencial e socioeconômico desses bairros. Entre

as mudanças mais significativas percebidas pela comparação entre os dados de

2000 e 2010 é a diminuição do número de casas de cômodo, cortiços e cabeças de

porco nos Bairros de Fátima, Pedreira, Telégrafo e Sacramenta. Este pode ser

considerado um dos efeitos positivos do Projeto Una, já que significa a redução do

número de assentamentos precários e aglomerados subnormais na região.

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Esta categoria do IBGE – o aglomerado subnormal7 – também é interessante

para examinar os resultados do PMU à luz do planejamento estratégico. No mapa

abaixo, os mesmos bairros aqui analisados aparecem representados pela sua

incidência de favelas ou baixadas baseada na intensidade de aglomerados

subnormais.

Mapa 1 – Aglomerados subnormais nos bairros de Belém em 2010

Fonte: GUSMÃO, Luiz Henrique Almeida. Avanço da verticalização em Belém/PA usando geotecnologias. In: ___ . Geografia e cartografia digital de Belém (Pará). Out. 2014. Disponível em:

<http://geocartografiadigital.blogspot.com/2014/10/o-avanco-da-verticalizacao-em-belempa.html>.

7 O IBGE define aglomerado subnormal como sendo um conjunto de domicílios com no mínimo 51 unidades

que ocupa, de maneira desordenada e densa, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e que não possui acesso a serviços públicos essenciais.

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Apesar das limitações do conceito de aglomerado subnormal e maior

afinidade dos autores deste paper com a categoria "assentamento precário"

(Cardoso et. al., 2011), o mapa acima segue na direção que os dados do IBGE vem

indicando no que diz respeito ao questionamento do êxito do PMU sob a perspectiva

do planejamento estratégico. No mapa, o Bairro de Fátima aparece como tendo

média intensidade de favelas ou aglomerados subnormais, enquanto que a Pedreira

apresenta baixa intensidade. Quando aos Bairros do Telégrafo e da Sacramenta,

ambos aparecem no mapa como tendo alta intensidade de favelas ou aglomerados

subnormais.

O mapa mostra como ainda existem áreas de ocupação irregular e com

deficiências infraestruturais em bairros nos quais ocorreu um grande investimento

em saneamento, drenagem e regularização fundiária através do PMU. Ao mesmo

tempo, a própria natureza do mapa apresenta limitações em representar as

experiências concretas dos habitantes desses bairros. Na Pedreira, o bairro que

aparece no mapa com baixa intensidade de favelas, os moradores ainda passam por

inundações mesmo em áreas que foram integralmente beneficiadas pelo projeto

(Soares, 2016). Isso indica como há na Bacia do Una áreas que foram urbanizadas,

mas que se encontram ao lado de canais que transbordam. Ou seja, além das

permanência de comunidades efetivamente favelizadas, ainda há os casos de áreas

que não correspondem à caracterização de favela, aglomerado subnormal ou

assentamento precário, mas que continuam a sofrer com os problemas de

inundação – e consequentemente esgoto – que são próprios de favelas ou baixadas.

IV. CONCLUSÃO

O Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una foi uma iniciativa de grande

porte executada pelas esferas Estadual e Municipal em Belém com o financiamento

do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Entre 1993 e 2004 foram

realizadas obras de infraestrutura urbana que, segundo os discursos oficiais, seriam

responsáveis pela melhoria da qualidade de vida da população de uma área que

abrange 20 bairros da capital paraense. No entanto, o abandono do projeto –

principalmente do sistema de macrodrenagem – após a conclusão das obras coloca

em risco o investimento nos benefícios sociais um dia oferecidos pelo PMU.

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No entanto, se considerado o PMU de acordo com os parâmetros do

planejamento estratégico – e da crítica a este modelo de planejamento – os

benefícios sociais estão sempre em segundo plano quando se trata de grandes

projetos de infraestrutura urbana. Em suma, a partir das reflexões de Vainer (2011),

é de se esperar que o planejamento estratégico não prepara a cidade para os seus

habitantes, mas para investimentos e para aqueles que podem consumir os espaços

à venda. Desse modo, o presente artigo questionou se o PMU foi bem sucedido

naquele que seria o objetivo primeiro do projeto, isto é, em promover a apropriação

da Bacia do Una por interesses empresariais.

A análise dos dados coletados pelo IBGE em quatro bairros – Matinha,

Pedreira, Telégrafo e Sacramenta – e a observação in loco das dinâmicas cotidianas

e das condições de vida dos habitantes desses bairros conduziram à seguinte

constatação: o tímido aumento proporcional no número de apartamentos em relação

à elevação do número de casas; a ausência de mudança no perfil residencial em

bairros próximos ao centro; as taxas de verticalização possivelmente aquém do

esperado; a permanência de aglomerados subnormais e assentamentos precários

no interior da Bacia do Una e as próprias inundações por transbordamento dos

canais levam à conclusão de que, mesmo do ponto de vista do planejamento

estratégico, o Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una não foi uma experiência

bem sucedida. Isso significa o referido projeto não consolidou a elitização dos

espaços mais valorizados da Bacia do Una pela sua proximidade do centro da

cidade, ao mesmo tempo em que seus habitantes continuam sofrendo com

deficiências na infraestrutura urbana mesmo após um investimento do porte do

Projeto Una.

REFERÊNCIAS

ABELÉM, Auriléa Gomes. Urbanização e remoção: por que e para quem? Belém: Centro de Filosofia e Ciências Humanas/NAEA/UFPA, 1988. BELÉM. Prefeitura Municipal. Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito com o objetivo de investigar indícios de irregularidades na transferência, para empresas da iniciativa privada, de veículos e equipamentos doados pelo Governo do Estado do Pará ao Município de Belém. Diário Oficial da Câmara, Belém, 19 dez. 2014. CARDOSO, Welson; CRUZ, Sandra H. R.; SÁ, Maria. E. R. de; . Indicadores socioespaciais

urbanos nos assentamentos precários em Belém/PA. In: Encontro Nacional da

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Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, 14. 2011. Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: ANPUR, 2011.

COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARÁ. Governo do Estado do Pará. Informaçõesgerais sobre o Projeto Una. Belém, 2006.

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