o papel do professor na producao de medicamentos...

5
19 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 11, MAIO 2000 RELATOS DE SALA DE AULA A seção “Relatos de sala de aula” socializa experiências e construções vivenciadas nas aulas de química ou a elas relacionadas. Produção de medicamentos fitoterápicos O uso de plantas que apresen- tam atividades medicinais é conhecido e propagado atra- vés da cultura e da tradição popular. No Nordeste do Brasil, grande parte dos habitantes da região usam o co- nhecimento de gerações para tratar de enfermidades e procurar manter-se sadios. Mas esse não é um fenômeno isolado. Calcula-se que 80% da popu- lação dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento são quase com- pletamente dependentes da medicina caseira, utili- zando plantas para as suas necessidades pri- márias de saúde (Braz- Filho, 1994). É no âmbito da medi- cina popular e no fabrico de medicamentos fitote- rápicos desenvolvidos pelo CEMPO —Centro de Educação e Medicina Popular, localizado na comunidade do Córrego do Jenipapo, em Recife - PE, que este trabalho se insere. Trata-se de uma tentativa de fa- zer um resgate dos saberes populares em química e, de alguma forma, procu- rar aprofundar o conhecimento e con- tribuir para uma melhoria da prática co- munitária. Para auxiliar os trabalhos em comunidade, foram tomados como referência alguns pressupostos teóri- cos da metodologia da pesquisa-ação descritos por Thiollent (1994). Nesse contexto, procurou-se investigar o tra- balho de saúde e medicina popular iniciado na comunidade por médicos, enfermeiros e agentes de saúde desde o início da década de 80, principalmen- te no que diz res- peito à produção de medicamentos fitoterápicos tais como tinturas, po- madas, xaropes e outros formulados, buscando-se inte- ragir com os parti- cipantes no referi- do processo, para uma contribuição mútua dentro dos binômios erudito e popular, ciência e cultura, ensino e aprendizagem, expandindo-se dessa forma os horizontes do papel do pro- fessor enquanto um educador na co- munidade. Aspectos teóricos-metodológicos Segundo Thiollent (1994), a pesqui- sa-ação pode ser aplicada a diversas situações e contextos como o da edu- cação, do serviço social, comunica- ção, práticas políticas, movimento sin- dical etc., sempre procurando resolver uma ação problemática digna de in- vestigação científica, abrindo ainda um leque de possibilidades de trabalho que podem ser encaminhadas através de uma tomada de consciência e/ou produção coletiva do saber. Mas esse tipo de pesquisa também incorpora o objetivo de busca de conhecimento, cujo resultado é decorrente da prática acima mencionada. Algumas limita- ções, no entanto, parecem ser ineren- tes à metodologia empregada e, de acordo com certas posições, o suces- so deste empreendimento está muito mais condicionado às qualidades pes- soais do pesquisador do que à própria metodologia em si. O excesso de iden- tificação colocado entre o pesquisador e os pesquisados pode trazer ainda uma carga de subjetividade muito grande, limitar ou até desviar as neces- sidades reais dos grupos para um me- ro entendimento psicológico (Azanha, 1992). 80% da população dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento são dependentes da medicina caseira, utilizando plantas para as suas necessidades primárias de saúde Petronildo B. da Silva, Lúcia Helena Aguiar e Cleide Farias de Medeiros O presente artigo relata uma investigação do trabalho de saúde e medicina popular realizado no CEMPO - Centro de Educação e Medicina Popular, em Recife - PE, usando a metodologia da pesquisa-ação. Buscando- se interagir com os participantes no processo e expandir os horizontes do papel do professor enquanto um educador na comunidade, foi investigada a produção de medicamentos fitoterápicos tais como tinturas, pomadas, xaropes e outros formulados. processos extrativos, pesquisa-ação, plantas medicinais

Upload: danglien

Post on 23-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

19

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 11, MAIO 2000

RELATOS DE SALA DE AULA

A seção “Relatos de sala de aula” socializa experiências e construções vivenciadas nas aulas de química ou a elasrelacionadas.

Produção de medicamentos fitoterápicos

Ouso de plantas que apresen-tam atividades medicinais éconhecido e propagado atra-

vés da cultura e da tradição popular.No Nordeste do Brasil, grande partedos habitantes da região usam o co-nhecimento de gerações para tratar deenfermidades e procurar manter-sesadios. Mas esse não é um fenômenoisolado. Calcula-se que 80% da popu-lação dos países subdesenvolvidos eem desenvolvimento são quase com-pletamente dependentesda medicina caseira, utili-zando plantas para assuas necessidades pri-márias de saúde (Braz-Filho, 1994).

É no âmbito da medi-cina popular e no fabricode medicamentos fitote-rápicos desenvolvidospelo CEMPO —Centro de Educação eMedicina Popular, localizado nacomunidade do Córrego do Jenipapo,em Recife - PE, que este trabalho seinsere. Trata-se de uma tentativa de fa-zer um resgate dos saberes popularesem química e, de alguma forma, procu-

rar aprofundar o conhecimento e con-tribuir para uma melhoria da prática co-munitária. Para auxiliar os trabalhos emcomunidade, foram tomados comoreferência alguns pressupostos teóri-cos da metodologia da pesquisa-açãodescritos por Thiollent (1994). Nessecontexto, procurou-se investigar o tra-balho de saúde e medicina populariniciado na comunidade por médicos,enfermeiros e agentes de saúde desdeo início da década de 80, principalmen-

te no que diz res-peito à produçãode medicamentosfitoterápicos taiscomo tinturas, po-madas, xaropes eoutros formulados,buscando-se inte-ragir com os parti-cipantes no referi-

do processo, para uma contribuiçãomútua dentro dos binômios erudito epopular, ciência e cultura, ensino eaprendizagem, expandindo-se dessaforma os horizontes do papel do pro-fessor enquanto um educador na co-munidade.

Aspectos teóricos-metodológicosSegundo Thiollent (1994), a pesqui-

sa-ação pode ser aplicada a diversassituações e contextos como o da edu-cação, do serviço social, comunica-ção, práticas políticas, movimento sin-dical etc., sempre procurando resolveruma ação problemática digna de in-vestigação científica, abrindo ainda umleque de possibilidades de trabalhoque podem ser encaminhadas atravésde uma tomada de consciência e/ouprodução coletiva do saber. Mas essetipo de pesquisa também incorpora oobjetivo de busca de conhecimento,cujo resultado é decorrente da práticaacima mencionada. Algumas limita-ções, no entanto, parecem ser ineren-tes à metodologia empregada e, deacordo com certas posições, o suces-so deste empreendimento está muitomais condicionado às qualidades pes-soais do pesquisador do que à própriametodologia em si. O excesso de iden-tificação colocado entre o pesquisadore os pesquisados pode trazer aindauma carga de subjetividade muitogrande, limitar ou até desviar as neces-sidades reais dos grupos para um me-ro entendimento psicológico (Azanha,1992).

80% da população dospaíses subdesenvolvidos eem desenvolvimento são

dependentes da medicinacaseira, utilizando plantaspara as suas necessidades

primárias de saúde

Petronildo B. da Silva, Lúcia Helena Aguiar e Cleide Farias de Medeiros

O presente artigo relata uma investigação do trabalho de saúde e medicina popular realizado no CEMPO -Centro de Educação e Medicina Popular, em Recife - PE, usando a metodologia da pesquisa-ação. Buscando-se interagir com os participantes no processo e expandir os horizontes do papel do professor enquanto umeducador na comunidade, foi investigada a produção de medicamentos fitoterápicos tais como tinturas, pomadas,xaropes e outros formulados.

processos extrativos, pesquisa-ação, plantas medicinais

20

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 11, MAIO 2000Produção de medicamentos fitoterápicos

Apesar de reconhecermos as críti-cas feitas por Azanha sobre as limita-ções da pesquisa-ação, há a crençasubjacente neste presente estudo deque o contato interpessoal entre inves-tigador e investigados, oportunizandoa estes últimos a possibilidade de re-fletirem sobre as suas práticas de vida,pode desencadear, no mínimo, umatroca de visões sobre as culturas eru-dita e popular e conseqüentementeuma produção coletiva de conheci-mento.

Uma outra questão levantada comrelação à troca de conhe-cimento, compartilhadapor Chassot (1990), versasobre o que a pesquisarealizada pode oferecerpara a melhoria do conhe-cimento embutido naspráticas de vida da comu-nidade pesquisada. Háuma necessidade social dese reverterem os benefí-cios aos sujeitos que ofereceram a suacontribuição. Ter consciência desse re-torno é um marco da ação transforma-dora. No entanto, essa transformaçãonão deve ser entendida como umamudança no fazer da comunidade mascomo um oferecimento de certas expli-cações para alguns porquês dessefazer.

O conteúdo metodológico anterior-mente descrito, de certa forma, já haviasido experimentado pela comunidadequando, no começo da década de 80,o médico Celerino Carriconde, junta-mente com o Conselho de Moradores,procurou criar uma consciência desaúde coletiva, tendo como ponto departida a realidade da comunidade,caracterizada pela falta de saneamentobásico, que refletia diretamente nasaúde da população. O trabalho prá-tico foi iniciado com um levantamentode como as pessoas usavam as plan-tas medicinais, registrando as espéciesmais usadas e suas respectivas indi-cações terapêuticas populares. Objeti-vou-se com isso a valorização da cul-tura popular, devolvendo-se à comu-nidade orientações que difundiram obom uso dos chás, infusos e lambe-dores; incentivou o cultivo das plantasmedicinais nos quintais das casas e

principalmente abriu um espaço per-manente de discussão política sobrea saúde do povo, espaço esse carac-terizado com a criação do CEMPO.

Tendo como referência as concep-ções teórico-metodológicas já apre-sentadas e os históricos da medicinapopular no bairro, esta pesquisa ini-ciou-se com entrevistas dos membrosdo CEMPO, de acordo com o que seentende por inserção participante. Ana-lisou fatores químicos interferentes noprocesso de fabricação de medicame-ntos caseiros e buscou ainda ele-

mentos de subsí-dios ao trabalhodo professor, en-quanto agenteeducador, naperspectiva holís-tica de que a pro-dução comuni-tária é uma fonteinesgotável deconhecimento e

aprendizagem.

Algumas explicações subjacentes àsatividades de fabricação demedicamentos caseiros

Apesar da simplicidade prática en-volvida, por exemplo em um chá, lam-bedor ou mesmo em uma garrafada,diversos mecanismos físico-químicoscomplexos estão presentes nos pro-cessos de extração, tais como difusão,osmose, pressão de vapor, cinética dereação etc. Os processos envolvidosna fabricação de medicamentos fitote-rápicos levam em consideração várioscuidados, recomendados por diversasfontes como Pedretti(1983) e Castellano(1981). Esses cuida-dos referem-se à iden-tificação, cultivo, co-lheita e secagem dasplantas medicinaisaqui apresentadas deforma sequenciadacomo ocorre na prá-tica comunitária doCórrego do Jenipapo.Porém, antes deapresentá-los, é con-veniente que algunsconceitos básicos

usados no contexto da fitoterapia se-jam esclarecidos.

Planta medicinal e princípios ativosUma planta medicinal é um vegetal

que produz em seu metabolismo natu-ral substâncias em quantidade e qua-lidade necessárias e suficientes paraprovocarem modificações das funçõesbiológicas, os chamados princípios ati-vos, sendo portanto usada para finsterapêuticos.

Alguns princípios ativos, no entanto,apresentam elevada toxidade, deven-do-se ter o cuidado de usá-los em con-centrações estritamente indicadas.

Extração de princípios ativosExtrair princípios ativos de uma

planta medicinal significa passá-los doseu estado natural dentro da célula ve-getal para um líquido (água ou solventeorgânico). Vários fatores como tempe-ratura e tempo de aquecimento influen-ciam para que se consiga a máximaconcentração de produtos naturais nolíquido extrator e, conseqüentemente,no medicamento a ser preparado.

Droga vegetalA droga vegetal é o produto resul-

tante do beneficiamento (secagem,limpeza, trituração) de uma planta me-dicinal qualquer. É a matéria-prima utili-zada na preparação dos medicamen-tos fitoterápicos.

Medicamento fitoterápicoO medicamento fitoterápico é

aquele fabricado a partir de uma drogavegetal, manipulado de acordo comtécnicas apropriadas e indicado no

Figura 1: Canteiro de plantas medicinais do CEMPO.

Uma planta medicinal é umvegetal que produz em seu

metabolismo naturalsubstâncias que provocammodificações das funções

biológicas. Essas são oschamados princípios ativos,

usados para finsterapêuticos

21

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 11, MAIO 2000

combate às disfunções orgânicas.

Atividades de fitoterapia realizadasno CEMPO

IdentificaçãoÉ o passo inicial e de extrema im-

portância para o bom uso das plantasmedicinais, que visa evitar erros deidentificação com outras plantas decaracterísticas semelhantes. Essaidentificação pode ser realizada em ní-vel científico e/ou em nível popular. Nocaso do CEMPO, muitas vezes, relacio-na-se com o modo popular de usar aservas medicinais e com a atividadeterapêutica popularmente difundida.

CultivoO habitat natural é o local mais indi-

cado para o completo desenvolvimen-to das plantas medicinais. SegundoCastellano (1981), nessas regiões asplantas concentram boa parte dos me-tabólitos secundários inerentes a ca-da espécie. No entanto, um local quepode ser utilizado como alternativapara o cultivo de plantas medicinais éo quintal das casas, surgindo dessaprática as conhecidas hortas comuni-tárias que, devido às suas condiçõesfísicas, são de pequeno porte. Na Fi-gura 1 é mostrada a horta comunitáriado CEMPO, feita de pequenos cantei-ros onde são cultivadas plantas comoa erva cidreira, confrei, alcachofra,mastruz, hortelã dentre outras utiliza-das no fabrico dos medicamentos.

ColheitaO princípio de preservação deve

estar presente sempre que se for cole-

tar as plantas medicinais. A colheitarealizada no canteiro das plantas obe-dece algumas recomendações refe-rentes às partes coletadas, formas decoleta e bom uso das mesmas, taiscomo:

• colher folhas, frutos e raízes deplantas mais velhas;

• não retirar todas as folhas;• escolher raízes superiores e se-

cundárias.A época da colheita é outro fator

muito importante que deve ser levadoem consideração para preservar osconstituintes químicos, pois nesse ca-so aspectos como a floração e a matu-ração das plantas e dos frutos alterama composição química e, portanto, aqualidade final do fitoterápico.

SecagemÉ um processo muito importante e

deve ser realizado logo após a colheitadas plantas. A Figura 2 mostra o localreservado no CEMPO para esta opera-ção. Apresenta-se seco e arejado, pro-

tegido da incidênciadireta dos raios solarese da presença de inse-tos pois as janelas sãorevestidas de redesmetálicas. Depois decoletadas, as plantassão colocadas em te-las feitas de arame emadeira e são revira-das continuamente pa-ra uma secagem maishomogênea. Umaplanta no seu habitatnatural possui cerca de75% a 85% de umi-

dade. Após o processo de secagemregistra-se um teor em torno de 10% a12%.

Manipulação de plantas medicinais eprodução de extratos empregadospelo CEMPO

Além dos cuidados com o cultivoem geral das plantas medicinais, é ne-cessário ainda que os medicamentosfitoterápicos, no final do processo, con-servem boa parte dos metabólitos se-cundários, provenientes de suas res-pectivas plantas. Para tal finalidade, amanipulação correta das plantas medi-cinais, o modo de preparo e o arma-zenamento dos extratos são de sumaimportância, uma vez que os consti-tuintes químicos aí presentes podemdegradar-se em um curto espaço detempo. Sendo assim, o Esquema 1 re-presenta as etapas de produção defitoterápicos caseiros, comentadas aseguir de acordo com a prática reali-zada no CEMPO.

As plantas, após a secagem, sãotrituradas, aumentando a superfície decontato e facilitando a extração dosprincípios ativos. Obtido o pó ou as par-tes trituradas, colocam-se as plantassob maceração em soluções apropria-das, obtendo-se com isso produtos co-mo tinturas, pomadas e xaropes.

Tem-se tinturas quando as plantassão colocadas em solução hidroalco-ólica; as pomadas são originadas daação da lanolina aquecida, e os xaro-pes são resultantes da decocção (de-cocto) ou da infusão (infuso) das plan-tas medicinais em água, com a adiçãofinal de açúcar na proporção de 1:1.

Com relação à conservação dos

Esquema 1: Esquema representativo do processo de fabricação de fitoterápi-cos empregado pelo CEMPO.

Figura 2: Secagem de plantas medicinais no CEMPO.

Produção de medicamentos fitoterápicos

22

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 11, MAIO 2000

fitoterápicos, o CEMPO observa cuida-dos que evitam a mudança da colora-ção dos medicamentos, a formação debolores e precipitados. A temperaturae o tempo de armazenagem são pró-prios para o fabrico de medicamentoscaseiros. Todos esses cuidados estãoresumidos na Tabela 1.

Discussão sobre o trabalho realizadona comunidade

Participamos, durante seis meses,de todos os aspectos que envolvem otrabalho de saúde, educação e medi-cina popular na comunidade do Cór-rego do Jenipapo, cujos esforços resul-tam na produção de fitoterápicos po-pulares e numa orientação para umaconsciência do bom uso das plantasmedicinais, acompanhan-do cada passo de toda adinâmica cultural enrai-zada nos participantes doCEMPO, enquanto agen-tes construtores da suaprópria história. Procurou-se, durante esse período,a interação, de forma maisefetiva, com o que é produ-zido na comunidade. Den-tro desse contexto foramrevelados vários elementos técnicos,culturais, sociológicos e políticos queampliam o papel do professor comoeducador integrado à sua comuni-dade, resultando daí frutos de trans-formação ao binômio ensino-aprendi-zagem.

Acreditando nessa concepção, oprofessor, partindo de conhecimentosformais, pode melhorar a prática coti-diana nas comunidades. Sendo assim,tomamos por base o trabalho de Xaviere Souza (1994), que, num estudo fito-químico comparativo dos extratos ve-getais comercializados na cidade doRecife, concluiram que muitos dessesprodutos apresentavam uma pequenaquantidade de metabólitos secundá-rios oriundos das respectivas plantasmedicinais. Atribuiram a esse fato di-versos fatores físico-químicos tais co-mo o mau acondicionamento das tin-turas, permitindo a incidência diretados raios solares, a temperatura desecagem das plantas acima dopermitido e o pH da água impróprio

para o fabricodesses medica-mentos. Investi-gamos essesmesmos fatoresnos processosextrativos deplantas medici-nais empregadospelo CEMPO. Al-guns problemasforam detectados

com relação ao pH da água (em tornode 4,2), proveniente de poços artesia-nos, usada para as preparações dosextratos. Recomendou-se, então, autilização de carbonatos e bicarbona-tos no eluente das plantas como formade elevar o pH a valores tolerados e

manter os constituintes quí-micos ativos preservados(Farmacopéia Brasileira,1959).

A relevância do trabalhodesenvolvido na referida co-munidade ainda transcendeimplicações educacionaiscom relação a conteúdoscurriculares para o ensinofundamental e médio. Nes-se caso, pode-se indicar al-gumas abordagens:

1. Os processos extra-tivos de plantas medicinaisbaseiam-se em diversosmecanismos físico-quími-cos tais como, difusão, di-luição, fatores cinéticos de

reação (temperatura, tempo de aque-cimento, superfície de contato, natu-reza do reagente), pressão de vapor,pressão osmótica etc. Esses conceitospodem ser trabalhados em sala deaula, dentro do ensino da química,através de pequenos experimentoscomparativos, utilizando-se o pó daplanta e a planta macerada. Observa-se, através da intensificação da cor datintura, em um dado tempo, qual o pro-cesso mecânico que dispersa mais osprincípios ativos no líquido extrator,verificando-se, assim, a influência dasuperfície de contato e discutindo-se,ainda, as idéias e os conceitos alterna-tivos trazidos pelos alunos sobre oassunto proposto.

2. Um outro enfoque recai sobre oestudo dos vegetais. Tal conteúdo po-de ser preenchido pelas plantas medi-cinais, abordando-se as suas caracte-rísticas físicas, partes empregadas pa-ra fazer determinado medicamentofitoterápico, indicações terapêuticas,relatos de experiências do uso daservas medicinais vividas pelos alunos,entre outras estratégias de ensino, como objetivo de socializar este importanteaspecto da cultura popular. Essa pro-posta é baseada no Projeto de Capa-citação dos Professores de Ciências eBiologia da UFPB, compartilhandoidéias de Diniz e colaboradores (1995).

Considerações finaisA comunidade tomou conhecimen-

to de que certos fatores físico-quími-cos, aqui descritos, podem prejudicar

Tabela 1: Conservação de fitoterápicos populares do CEMPO.

Material vegetal Prazo Recomendações Sinais de alteraçãode validade

Planta seca

Tintura

Infuso, decocto

Garrafada

Xarope

Pomada

ausência de coloração característica,presença de fungos e manchas

descoloração, presença de fungos

mudança de coloração, precipitaçãoacentuada

aroma e sabor desagradáveis, bolor

perda de cor e precipitação do material

presença de fungos eperda de coloração

manchas escuras, fungos

embalagens escuras

embalagens escuras

vidro âmbar

guardar na geladeira ouem local fresco

vidro âmbar

vidro âmbar, baixastemperaturas e boascondições de higiene

embalagens escuras

1 ano

6 meses

1 ano

24 horas

1 ano

3 meses

6 meses

Produção de medicamentos fitoterápicos

Por constituir-se numaprática fecunda e

extremamente dinâmica,dotada de certaspeculiaridades, a

fitoterapia oferececaminhos alternativos àterapêutica tradicional,

dotando seus participantesde um certo “poder”

23

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 11, MAIO 2000

os processos de extração de plantasmedicinais e que tais processos no ca-so são de relevante importância, poistodo o esforço de produção é concen-trado na preservação dos princípiosativos. Isso proporcionou uma aprendi-zagem coletiva significativa e umacerta apreensão do saber científico.

A fitoterapia, que é a atividade prin-cipal do CEMPO, é realizada dentro deum contexto social, histórico e políticomuito forte, que emergiu da cultura dopovo como respostas às precáriascondições de saúde do bairro. Porconstituir-se numa prática fecunda e

Produção de medicamentos fitoterápicos

Referências bibliográficas

AZANHA, J.M.P. Uma idéia de pesquisaeducacional. São Paulo: Ed. USP, 1992.

BRAZ-FILHO, R. Química de produtosnaturais: importância, interdisciplinari-dade, dificuldades e perspectivas. Quí-mica Nova, v. 17, n. 5, p. 405-419, 1994.

CASTELLANO, O. Introdução à fitotera-pia. São Paulo: Ed. USP, 1981.

CHASSOT, A.I. A educação no ensinoda química. Ijuí: Ed. Livraria Unijuí, 1990.p. 103-108.

DINIZ, M.F.F.M.; OLIVEIRA, R.A.G.;REIS, P.M.C.B. e XAVIER, L.S. Plantasmedicinais como instrumento didático nasescolas públicas. João Pessoa: UFPB

(relatório final de trabalho de iniciação ci-entífica realizado dentro do Programa“Plantas medicinais na extensão universi-tária”), 1995.

FARMACOPÉIA BRASILEIRA. São Paulo:Ed. I.G. Siqueira, 1959. v. 1, p. 474-476.

PEDRETTI, M. Chimica e farmacologiadelle piante medicinali. Milão: Ed. StudioEdizioni, 1983.

SILVA, P.B. da. Processos extrativos deplantas medicinais utilizados na fabricaçãode medicamentos fitoterápicos: uma abor-dagem interdisciplinar. Recife: UFRPE (Mo-nografia final para conclusão do curso delicenciatura plena em química), 1996.

THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Ed. Cortez, 1994.

XAVIER, H.S. e SOUZA, L.M.P. Estudofitoquímico de plantas comumente usadasna terapêutica tradicional do nordeste bra-sileiro. Recife: UFPE (trabalho de iniciaçãocientífica), 1994.

Para saber maisSERRANO, A.I.O. O que é medicina po-

pular. São Paulo: Ed. Brasiliense (ColeçãoPrimeiros Passos), 1985.

MATOS, F.J.A. Farmácias vivas. 2ª ed.Fortaleza: Ed. UFC, 1994.

SOUZA, M.P.; MATOS, M.E.O.; MATOS,F.J.A.; MACHADO, M.I.L. e CRAVEIRO,A.A. Constituintes químicos ativos de plan-tas medicinais brasileiras. Fortaleza: Ed.UFC, 1991.

extremamente dinâmica, dotada decertas peculiaridades, a fitoterapiaoferece caminhos alternativos à tera-pêutica tradicional, dotando seus parti-cipantes de um certo “poder”.

Cabe à participação popular, devi-damente organizada, reivindicar essedireito, estendendo assim as suas con-quistas, auxiliada e embasada por umcompromisso mais orgânico da ciênciacom as causas populares.

É nesse sentido que se torna rele-vante a participação do educador, que,envolvido com todo o contexto social,cultural e político próprio da comuni-

dade, parte da prática cotidiana deseus representantes e procura, emuma abordagem participativa e inte-grada, construir elementos que ressal-tem a cultura popular adaptando-os àsua prática pedagógica.

Petronildo B. da Silva, licenciado em química pelaUniversidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE),é professor de química na Escola Estadual JarbasPernambucano, em Recife. Lúcia Helena Aguiar,mestre em química orgânica pela UFPE, é docentedo Departamento de Química da UFRPE. Cleide Fariasde Medeiros, doutora em educação pela Universidadede Leeds, Inglaterra, é docente do Departamento deEducação da UFRPE.

Eventos

II Encontro Latino Americano deEnsino de QuímicaX Encontro Nacional de Ensino deQuímicaXX Encontro de Debates sobre oEnsino de Química

Estes encontros ocorrerão de 12 a15 de julho de 2000, na PontifíciaUniversidade Católica do Rio Grandedo Sul (PUCRS), em Porto Alegre - RS,como um único evento. Ainda quesejam muitos os espaços de aprendi-zagem e educação, a sala de aula ésempre um desafio, pois é nela queinteragem professores e alunos comseus sonhos, seus desejos e com suarealidade. Por isso, o tema central doevento será A educação em químicapela pesquisa: um desafio para a salade aula. Tem-se como objetivos: a)refletir sobre o papel da pesquisa e deseus princípios no processo de educa-ção em química e sua relação com asala de aula e outras instâncias de en-sino e aprendizagem; b) analisar a im-plicação destes aspectos na formaçãode professores de química a partir daexperiência e conhecimento no contex-

to de cada um dos participantes doevento.

O evento, que está sendo organi-zado por docentes da Faculdade deQuímica da PUCRS, terá conferências,mesas redondas, temas em debate(espaços de discussão sobre os temastratados nas mesas redondas), gruposde pesquisa (debates de trabalhos depesquisa), grupos de reflexão (refle-xões, em substituição a minicursos,sobre experiências e inovações desen-volvidas por professores na sua açãodocente), relatos de pesquisas (apre-sentações de trabalhos, tambémexpostos como painéis), além de visi-tas ao Museu de Ciências e Tecnologiada PUCRS, atividades culturais e noitesde autógrafos.

Maiores informações: http://www.pucrs.br/quimica/edeq2000.