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IV Encontro da ANPPAS
4 a 6 de maio de 2008
Brasília-DF
O papel da televisão brasileira na sensibilização
da população de baixa renda sobre os problemas ambientais
Camila Giorgetti
Pós-doutoranda/Procam-USP
Resumo
A pesquisa realizada junto ao PROCAM tem como um de seus principais objetivos analisar o
papel dos meios de comunicação na construção das representações ambientais, buscando
compreender a relação entre o modo como os habitantes do bairro do Campo Limpo, na periferia
de São Paulo, representam o rio Pirajuçara, e suas atitudes face o tema da água.
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Introdução
A consciência ambiental no Brasil e o embate das representações
ambientais no Brasil e no mundo
A questão ambiental no Brasil vem recebendo especial atenção de diversos setores da sociedade
brasileira, a ponto de se constituir em objeto de discussão permanente na mídia, na academia e
entre a classe política. Apesar de o tema suscitar controvérsias, sendo ainda em muitos locais
objeto de conflito, a mídia tem se esforçado para levar informação e colocar sob seus holofotes os
principais problemas ambientais que afetam o Brasil e o mundo. As questões ambientais foram ao
longo dos anos transformadas em prioridade pelos meios de comunicação e ganhando espaço
nas agendas dos políticos, até conquistarem um papel de destaque na arena pública. Hoje,
apesar dos conflitos na Amazônia, por exemplo, a sociedade brasileira está mais ciente da
importância da preservação do meio ambiente e da necessidade de encontrar respostas para
solucionar os problemas ambientais. Isso não quer dizer que tais conflitos tenham sido
amenizados, mas paralelamente à destruição da fauna e flora brasileira houve um aumento da
consciência ambiental em todo o país. O tripé “mídia, poder público e sociedade civil” (Damon,
2001) tem contribuído muito para a formação dessa consciência que, a cada ano, se encontra
mais fortalecida. A pesquisa “O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo
sustentável” constitui um dos trabalhos de maior envergadura sobre a formação e evolução dessa
consciência no Brasil. Segundo a autora, “Não há como negar que houve, nesta última década,
uma notável evolução no que se pode chamar de consciência ambiental no Brasil, e isto se pode
medir através de vários dados e indicadores que a pesquisa permite extrair. Por exemplo, cresce
o número de pessoas que acreditam que a preocupação com o meio ambiente não é exagerada
(de 42% em 1997 para 46% em 2001) e, também que a natureza é sagrada (de 57% em 1992
para 67% em 2001), e que os seres humanos não deveriam interferir nela.” (Crespo, 2001). Os
dados da pesquisa apontam para o retorno da valorização da natureza em substituição às idéias
de “escravização” e “exploração” que predominaram durante os três séculos de desenvolvimento
científico e tecnológico que marcaram o Ocidente, desde a época da Revolução Científica, que
inaugurando a Modernidade. “A natureza, [na opinião de Bacon], tinha de ser “acossada em seus
descaminhos”, “obrigada a servir” (...) Devia ser “reduzida à obediência”, e o objetivo do cientista
era “extrair da natureza, sob tortura, todos os seus segredos” (Capra, 1982). Esse pensamento
elaborado, naquele período, teve conseqüências enormes para a humanidade, sendo aplicado
tanto na Ciência como na vida do homem moderno. Porém, como revela a pesquisa, uma
mudança de perspectiva ocorreu no modo como a sociedade brasileira lida com as questões
ambientais. Tudo indica que para a grande maioria dos brasileiros a experiência da modernidade
implica no abandono progressivo da idéia de natureza como fonte inesgotável de recursos, da
qual é necessário extrair os meios para sobrevivência. Acompanhando o movimento de
reflexividade realizado em todo Ocidente - que consiste em um exame detalhado e uma
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autocrítica sem precedentes na história da humanidade das práticas e valores ocidentais – os
brasileiros parecem ter revisto sua postura face ás questões ambientais. Segundo Giddens, “a
modernização reflexiva também – e essencialmente- significa uma “reforma da racionalidade” que
faz justiça à ambivalência histórica a priori em uma modernidade que está abolindo suas próprias
categorias de ordenação.” (Giddens, 1995). Conseqüentemente, a natureza passou a ser
concebida –novamente, em conformidade à Idade Média- como algo sagrado. Esse movimento
realizado no plano das representações, aponta para uma ruptura com as idéias de
desenvolvimento e progresso que colaboraram para o processo de consolidação do sistema
capitalista em todo o Ocidente, baseadas na exploração dos recursos naturais com vistas à
maximização de benefícios e lucros.
Uma considerável transformação de valores se operou no mundo ocidental conferindo
centralidade à natureza no imaginário. Entretanto, a atitude dos Estados Unidos com relação ao
protocolo de Quioto e a questão do desmatamento na Amazônia, são exemplos de iniciativas que
comprovam a resistência e a dificuldade apresentada por vários países de agir de forma
consensual em torno da questão da preservação do meio ambiente. Nesse sentido, o fato de o
meio ambiente ocupar uma posição de destaque nos discursos e agendas dos diversos países
não significa que o embate entre as representações ambientais propaladas em todo o mundo
tenha sido encerrado. Ao contrário, o fosso constatado entre as representações e as práticas, no
plano macro, indica a origem essencialmente ideológica de tais representações. Contudo, é
inegável a evolução ocorrida no Brasil nessa área graças à preocupação da mídia em socializar
as informações a respeito do meio ambiente. Nos parágrafos que se seguem, será aprofundado o
importante papel que ela exerceu, na difusão das representações ambientais.
O papel da mídia na elaboração e difusão das representações
ambientais
No que diz respeito ao presente trabalho, importa ressaltar o papel da mídia no processo de
sensibilização da população brasileira sobre as questões ambientais. Em primeiro lugar, é
interessante observar o incessante trabalho de informação realizado. Um longo percurso foi
percorrido até as questões ambientais constarem como pauta permanente dos meios de
comunicação. Bourdieu afirmou em seus trabalhos a impossibilidade de a sociedade saber com
exatidão o que realmente leva os meios de comunicação a considerarem uma questão como
prioritária. (Bourdieu, 2002)
Ante as infinitas possibilidades que se apresentam ao jornalista, quais critérios são utilizados na
escolha dos temas que compõem a pauta da grande e pequena imprensa? Como explicar a
ascensão na mídia de determinados temas em detrimento de outros? Para responder a esta
pergunta poder-se-ia recorrer à subjetividade do pesquisador ou a critérios objetivos,
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mercadológicos e sensacioalistas, porém, tudo leva a crer que outros fatores de natureza
simbólica estão envolvidos na inserção de determinados temas na mídia. Segundo Bourdieu a
televisão [e demais meios de comunicação], constituem “um formidável instrumento da ordem
simbólica”, facilmente apreendida através das representações sociais. (Bourdieu, 2002)
Se de um lado as representações condicionam os conteúdos veiculado na mídia, de outro, a mídia
tem influência direta no conteúdo das representações sociais. Através da mídia é possível
acompanhar a evolução de determinados assuntos na sociedade. As representações sociais
orientam assim, as produções jornalísticas e a mídia, na medida em que o próprio jornalista ou
profissional de comunicação, compartilha os conteúdos do imaginário e participa da sua
construção. Por outro lado, a mídia influencia, através das representações as atitudes dos
indivíduos que compõem uma sociedade.
Importa ressaltar que muito antes do tema meio ambiente ser abordado com prioridade pela
mídia, ele percorreu, certamente, uma longa e conflituosa trajetória, marcada pelo embate das
representações ambientais. A consolidação de tais questões no imaginário social, é o resultado de
um longo processo histórico-social no qual foram determinantes a experiência e a vivência
ambiental de cada um, mas também a cultura. Não foi subitamente que o meio ambiente passou a
integrar os diversos conteúdos propalados pelos meios de comunicação: as representações
ambientais são também ideológicas (Sawaia, 2003), no sentido em que refletem visões de mundo
ancoradas em sistemas de crenças e valores.
É nesse sentido que se justifica um estudo das imagens acerca do meio ambiente,
difundidas pela mídia pois elas revelam a visão que a sociedade possui do tema meio ambiente e
a evolução do olhar lançado ao longo dos anos sobre esse tema. Além disso, segundo Moscovici,
“uma representação social é uma ‘preparação para a ação’, não somente porque guia o
comportamento, mas sobretudo porque remodela e reconstitui os elementos do meio no qual o
comportamento se manifesta. Atribuindo um sentido ao comportamento, consegue integrá-lo
numa rede de relações (...). Fornecendo ao mesmo tempo as noções, as teorias e as observações
que tornam essas relações estáveis e eficazes” (Moscovici 1984, p. 242).
Assim, a fim de compreender a atitude dos brasileiros em termos de práticas ambientais, é
necessário desvendar o que se passa no imaginário, no plano das representações. Porém, como
será discutido mais adiante, a passagem entre as representações e as atitudes, ou vice-versa,
não ocorre espontaneamente, de modo natural. O que se constata, na verdade é um hiato entre
elas, tanto a nível macro, quanto no que se refere ao microuniverso vivenciado pelos indivíduos.
As transformações nos meios de comunicação, inclusive a internet, promoveram uma
aproximação até mesmo dos cidadãos que vivem nos lugares mais recônditos e o mundo; o
desaparecimento das barreiras impostas pelo tempo e o espaço colaborou para diminuir a
distância que física e real que isolava as pessoas em seu quotidianos. No que diz respeito ao
meio ambiente, houve uma enorme difusão de novas idéias e valores, porém, como será discutido
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mais adiante, tudo leva a crer que as transformações operadas no imaginário não geraram
práticas capazes de promover mudanças profundas na relação homem-meio ambiente.
Convém ressaltar que o principal objetivo deste artigo é analisar o papel da mídia na construção
das representações ambientais e o modo como ela vem colaborando para a penetração de tais
representações no imaginário das populações de baixa renda que vivem na periferia da cidade de
São Paulo. Antes da apresentação dos resultados da pesquisa será de grande valia realizar o
estado-da-arte da literatura, a fim de definir com clareza os siginificados do conceito de
representação ambiental.
Os conceitos de percepção/representação ambiental: origem e
significados
A Psicologia Ambiental tem se preocupado em compreender os aspectos cognitivos envolvidos na
construção das representações ambientais, fruto da relação pessoa-meio ambiente. É importante
destacar que os psicólogos ambientais, de um modo geral, focalizam suas discussões no
processo perceptual, caracterizado pela interdependência entre a pessoa e o ambiente, o inside e
o outside, o sujeito e o objeto. Nesse sentido, buscam apreender os sentidos atribuídos ao
ambiente e as reações decorrentes do contato pessoa-ambiente, pois acreditam no papel
determinante que este exerce no comportamento humano. Suas análises enfatizam as emoções,
os sentimentos e os aspectos sensoriais envolvidos nessa relação. Por outro lado, a Psicologia
Ambiental tem a necessidade de explicar o ambiente como uma produção cultural, e, por isso,
inclui em suas discussões o papel do contexto. Seguem abaixo algumas contribuições para a
compreensão dos processos perceptivos.
Os estudos realizados por Heinstra, apontam o ambiente como “força motivadora”. Assim,
segundo essa acepção, os indivíduos evidenciam atitudes, valores, convicções e reações afetivas,
mais ou menos definidas com relação ao ambiente.” O ambiente é nesse caso fonte de afeto e de
atitude que instiga sentimentos e atitudes negativas ou positivas. (Heinstra, 1978) Ficher
considerou o ambiente físico e os objetos que o compõem como uma “construção social”. Em
seus trabalhos deixou claro que “o espaço possui não somente funções materiais como também,
valores sociais”. Assim, concordando com Heinstra ele definiu o ambiente como “um sistema de
estímulos que pode produzir, facilitar ou impedir uma conduta determinada.” (Ficher, 1989). No
que se refere a percepção do espaço, Ficher afirma que se trata de um processo através do qual
o espaço é percebido e reconstruído mentalmente e que se desenvolve em vários níveis:
“cognitivo, normativo e afetivo, que são inseparáveis e que constroem um modo privilegiado de se
conscientizar sobre o ambiente circundante.”
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A definição de percepção ambiental aparece nos trabalhos de Cassidy T. como o “modo através
do qual percebemos o contexto no qual moramos e que é também uma combinação de elementos
físicos e sociais). Esse conceito, segundo o autor, contrasta com o que ele denominou de
apreciação ambiental, “um elemento emocional ou avaliativo que explicita como nos sentimos em
relação ao meio ambiente”. (Cassidy T. 1997) O autor resume em três fases, o processo de
“filtragem” e “estocagem” dos elementos presentes no ambiente: 1. na primeira, “o ambiente
provê informações que são necessárias e importantes para o processo perceptual”. 2. na
segunda, “o ambiente dá forma ao processo perceptual, determinando o conteúdo da nossa
memória perceptual no processo de desenvolvimento”. 3. Finalmente, “a pessoa seleciona,
interpreta e dá significado à informação recebida e constrói um mundo fenomênico que não
considera o ambiente objetivo como determiante do comportamento.”
Segundo Cavalcante & Maciel, o conceito de percepção/representação ambiental é bastante
amplo, englobando uma série de significados: trata-se a grosso modo da apreensão da realidade
externa do entorno que segundo elas, “possui duas vias simultâneas: (...) por contato ou
estimulação dos órgãos do sentido pelo ambiente (...), [ou] pelas “influências e experiências do
sujeito”. (Cavalcante & Maciel, 2004). Parafraseando Heinstra, as autoras destacam a importância
do contexto, da memória e de outros mecanismos cognitivos, até mesmo as emoções, na
modulação do processo perceptivo. Segundo elas, o estágio final, denominado de percepto, “não
é mais uma simples cópia da realidade, mas sim uma construção individual realizada sobre a
estimulação externa. A essa construção e seu significado chamamos de representação”
(Cavalcante & Maciel, 2004)
A evolução das representações ambientais propaladas pela mídia e seu
impacto nas classes de baixa renda da periferia de São Paulo – estudo
de caso junto aos moradores do Campo Limpo (São Paulo-SP).
Os dados apresentados neste artigo correspondem ao resultado do pre-teste do projeto de
pesquisa “Meio Ambiente, Desigualdades e Representações Sociais”, desenvolvido no Procam,
dentro de uma proposta de pós-doutorado. Tendo como objeto de estudos a população que habita
o entorno do Rio Pirajuçara, o projeto busca compreender o modo como a população se relaciona
com o rio, através de um estudo das representações ambientais veiculadas no imaginário social
da região pesquisada. O papel da mídia na construção de tais representações constitui um dos
escopos do projeto. A população que compõe a amostra extraída para o pre-teste é moradora do
bairro do Campo Limpo enfrenta há décadas o problema da enchente do rio Pirajuçara. A Bacia
do Pirajuçara se estende por vários distritos do Município de São Paulo, atravessando bairros
nobres como Butantã e Morumbí e bairros periféricos, no qual é possível constatar hoje, uma certa
heterogeneidade, por causa da convivência de pessoas de renda média e baixa. A
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heterogeneidade sócio-econômica da ocupação urbana foi um dos fatores determinantes da
subdivisão da bacia do rio Pirajussara em dois setores: o inferior, abrangendo a bacia da foz até o
emboque com o ribeirão Poá, com características ocupacionais de média a alta renda, e o
superior, predominantemente de baixa renda. Em alguns pontos da Bacia, notadamente nos locais
onde se concentram as populações de baixa renda, nota-se que o Pirajuçara é mais poluído e que
os bairros por onde passa são mais suscetíveis a enchentes. A escolha do bairro do Campo
Limpo para realização do pre-teste se deu em função de o bairro apresentar um grande número
de domicílios de baixo padrão no qual vivem famílias em situação de alta vulnerabilidade que se
encontram fortemente expostas ao problema das enchentes, por morarem muito próximas ao rio.
A pesquisa em pauta tem como escopos: 1. verificar em que medida a televisão se constitui em
um importante meio para sensibilizar a população de baixa renda sobre os problemas ambientais.
2. verificar se as informações difundidas pela televisão exercem influência na relação dos
habitantes com o rio Pirajuçara 3. Desvelar o conteúdo das representações do meio-ambiente
veiculadas no imaginário das regiões analisadas. 4. Analisar as possíveis razões que levam
muitos moradores do Pirajuçara a adotarem uma atitude antiecológica em relação ao rio.
A complementaridade de técnicas quantitativas e qualitativas é o caminho ideal para alcançar os
resultados desejados. Assim, serão apresentados os resultados da pesquisa qualitativa, realizada
com 15 moradores do Campo Limpo em junho de 2007, e da pesquisa quantitativa, em
andamento, realizada com 20 moradores das regiões do Campo Limpo e Capão Redondo.
1-Perfil dos entrevistados:
Na amostra observa-se o predomínio de pessoas do sexo feminino, de diversas faixas etárias:
70% (20) dos entrevistados são mulheres (70%); 10% (20) dos pesquisados têm idade entre 18-
28 (20) anos; 35% têm 29-39 anos; 5%(20) têm 40-50 anos e 50%(20) mais de 50 anos.
Nota-se que o nível de escolaridade é baixo pois 50% (20) estudaram até o ensino básico, além
disso, a precariedade em termos de emprego e renda é acentuada uma vez que 65% (20)
trabalham no setor de serviços, com renda de 1 a 2 salários mínimos1, proveniente unicamente do
emprego e/ou do trabalho. Como consequência das transformações ocorridas no núcleo familiar,
predominam na amostra as famílias mononucleares, porém, são elevadas as porcentagens de
lares compostos por uma só pessoa, isto é, 35%(20); famílias mononucleares extensas, 20%(20)
ou monoparentais correpondem igualmente a 20% (20) da amostra.
1 Tomando-se como referência o salário mínimo que vigora desde 2008 no valor de R$417,00.
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2- A Influência dos meios de comunicação na percapção do meio ambiente
Como é possível verificar através dos dados abaixo, a leitura em comparação com a televisão
constitui um tipo de lazer/entretenimento ou fonte de informação com menor impacto entre a
população pesquisada. A pesquisa demonstrou que 60% (20) afirmam possuir o hábito da leitura,
25% (20) lêem raramente e 15% (20) nunca lêem, perfazendo um total de 40% que não possuem
esse hábito.
Pergunta: O que você lê?M – Jornal, bem difícilmente jornal. Mais página de esporte, música, essas coisas de música, assim...Pergunta: E livro você lê?M- Não. Pergunta: E televisão vc assiste?M – Sim.Pergunta: Bastante?M – Bastante. Pergunta: E que programa vc costuma ver?M – Mais esporte, ou filme, sei lá...
Importa resslatar que o hábito de leitura entre as pessoas entrevistadas restringe-se sobretudo às
revistas e raramente dizem respeito a jornais e livros.
Pergunta: Com que freqüência o Sr. lê, e o que o Sr. prefere ler?P- Ler eu leio pouco. Eu gosto mais de tv. Eu vejo nas revistas tudo o que parece bonito eu gosto de olhar, mas de ler eu não gosto de ler muito, não. Eu so gosto de ler livro de romance, so isso. Quando eu trabalhava, até 12 anos atrás todo dia eu comprava jornal, eu e o colega, um dia eu comprava...uma semana eu comprava, outra semana ele comprava. Nós líamos jornal o dia inteiro, na hora que nós estávamos parado nós estávamos lendo jornal. Agora eu relaxei.
Com relação à televisão, os dados revelam que 85%(20) assistem televisão frequentemente e
apenas 15% (20) assistem raramente ou nunca. A internet tem um alcance expressivo junto aos
entrevistados: 35%(20) acessam sempre a internet, porém, ainda predomina uma alta
porcentagem de 55%(20) que nunca acessou e 10% (20) que acessam raramente (20) O rádio
tem ainda grande alcance, pois é ouvido frequentemente por 80% (20) dos entrevistados; apenas
uma pequena porcentagem de 20% (20) não ouve rádio ou ouve raramente. A exposição diária
frente à televisão promoveu a absorção dos principais temas ambientais debatidos pelos meios de
comunicação; apesar do baixo índice de escolaridade dos entrevistados, não se nota dificuldades
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entre essa população, de manifestar sua opinião sobre os problemas ambientais. As pessoas re-
elaboram as informações passadas pela mídia, e conseguem transmiti-las sem dificuldades,
demonstrando domínio em relação aos temas. De um modo geral, os entrevistados acreditam que
as informações passadas pelos meios de comunicação são transmitidas de forma clara e objetiva.
A grande maioria, isto é, 65% (20) não tem dificuldades para compreender o conteúdo das
informações veiculadas, porém, 35%(20) não compreendem tais informações.
Pergunta: você achou que a informação foi transmitida de forma clara ou era meio difícil de entender?L – Ah, eu achei que foi transmitida de forma clara, bem clara...
Pergunta: Essas informações que vc vê na internet ou na televisão são claras?M – São difíceis de entender...
Entretanto, observa-se um desarranjo entre os discursos reproduzidos e as práticas ambientais
quotidianas. Mesmo cientes da importância da preservação do rio, os moradores da Bacia adotam
um comportamento predatório em relação a ele, transformando-o em um grande depósito de lixo.
Tanto no que diz respeito às representações ou às atitudes o percentual que representa a opinião
da população entrevistada é praticamente o mesmo: de um lado tem-se 75%(20) dos
entrevistados consideram que seus pontos de vista são influenciados pela mídia, enquanto
20%(20) acreditam que estes não sofrem influência, de outro, tem-se 75% (20) que consideram
que suas práticas são influenciadas pelas informações veiculadas pela mídia, enquanto apenas
5%(20) acreditam que não sofrem nenhuma influência.
Pergunta: você acha que essas informações mudaram o seu jeito de pensar?X – Acho que não mudou nada não...Pergunta: Não acrescentou nada?X - Não.
O desmatamento seguido do aquecimento global, aparecem como os principais problemas que
afetam o Planeta. Entre os entrevistados, 50%(20) acreditam que o desmatamento constitui o
problema mais grave para a população mundial, enquanto que 15%(20) acreditam que o problema
mais grave é o aquecimento global. Para cada uma das demais modalidades apresentadas no
questionário – emissão de gases, poluição do ar e outro – houve um percentual de 10% de
entrevistados que as consideravam um como o principal problema ambiental no mundo.
Pergunta: Vc poderia me citar um problema ambiental que afeta o mundo todo?X – Ué...carro demais...poluição no ar...produto químico...
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Pergunta: O Sr. poderia me citar um problema ambiental que afeta o mundo hoje?P – Nos temos um problema fortíssimo no Iraque. Aquilo lá é mais do que ambiental. Aquilo é mortal mesmo. Todos esses...o petróleo...faz parte do meio ambiente. Em todo lugar eles cavam, em todo lugar eles tiram...tudo o que fabrica, polui. Vai tudo para o rio. Tanto é que hoje quando você vê o nível de mortalidade de gente com câncer é enorme por causa do rio, uma gotinha passa um, passa para outro e pronto. Fica sujando tudo. Pergunta: Isso é no mundo inteiro?
P – É no mundo inteiro.
Pergunta: Qual seria um problema do meio ambiente que afeta o mundo todo hoje, vc lembra?L – Aquecimento global...
Quando questionados sobre a mudança de clima os entrevistados se posicionaram da seguinte
maneira: 55%(20) conhecem os problemas causados pela mudança de clima, 5%(20) conhecem
tais problemas mas não conseguem explicar com suas próprias palavras seu significado e 40%
(20) ainda não têm conhecimento sobre esse tema.
C – Vc já ouviu falar em mudança de clima?X – Sim...Lá onde tinha que estar frio está ficando quente...sei...C – E vc sabe o que causa isso?X – Tipo...camada de ozônio pode se dizer...os caras lá zuaram aí...tem uma cidade que tem esse problema...se vc ficar muito tempo no sol vai ter problema de pele...e não sei qual a cidade mas tem! Aí estão tentando consertar...tão arrumando não sei o quê para arrumar a coisa...não acha não?
Pergunta: E a questão da mudança de clima o Sr. sabe o que significa, o que é?P – Mexeram de mais no Universo. Se você plantar rosas você vai colher rosas, se você plantar espinhos, vai colher espinhos. Infelizmente, quem não foge paga.
Pergunta: E a mudança de clima, vc sabe quais são os problemas que causam a mudança de clima?L – Não.
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Quando questionados sobre o efeito estufa os entrevistados se posicionaram da seguinte
maneira: 55% (20) sabem o que é o efeito estufa, 25%(20) sabem o que é mas não conseguem
explicar com suas próprias palavras e 20%(20) não sabem o que isso significa.
C – Vc saberia me explicar o que é?X – Não ...é difícil...
C- O Sr. já ouviu falar no efeito estufa?P – Eu já ouvi falar, eu não sei muito detalhe mas já ouvi falar...é a temperatura do mundo...
Quando questionados sobre a biodiversidade 45%(20) dos entrevistados sabem o que significa
este termo, 20% (20) sabem o que é mas não sabem explicar e 35%(20) desconhecem esse
assunto.
C – E biodiversidade, vc já ouviu falar?L – Já ouvi, mas não sei o que é...
Aos entrevistados foi solicitado que fizessem uma auto-avaliação do nível de conhecimento que
eles detém sobre o meio ambiente. A maioria não se considera bem informada sobre o tema,
porém, em comparação com o resto da população, os entrevistados acreditam possuir um nível de
conhecimento maior.
Pergunta: Se vc fizer uma auto-avaliaçao, como vc diria que é o seu nível de informação sobre o meio ambiente?M – Acho que é pouco. Pergunta: E em relação à maior parte da população brasileira, vc acha que vc tem um nível de informação boa?M – Acho que boa...a maioria das pessoas nem liga...
Pergunta: E se vc fizer uma auto-avaliaçao do meio ambiente, vc acha que vc conhece muito, um pouco, nada ?X – Bem pouco...Pergunta: Mas em relação ao resto da população?X – Médio
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Tudo indica, que alguns idosos, migrantes, por causa do contato com a natureza experimentado
em sua terra natal são mais sensíveis às questões ambientais. A experiência é um fator
determinante para as atitudes em relação à natureza.
Pergunta: E o que o Sr. acha do seu nível de conhecimento do meio ambiente em geral? Perto das outras pessoas...P – Apesar de não poder fazer nada mas realmente eu tenho conhecimento para muita coisa disso ai, porque para quem morou na roça...pé de jaqueira, caju...Pergunta:Então essa relação, esse cuidado vem da infância?P - E com certeza...que nem porexemplo, dentro de casa, minha mãe me ensinava varrer a casa direitinho hoje eu continuo fazendo a mesma coisa...Pergunta: E o Sr. aprendeu a cuidar então da natureza quando o Sr. era criança?P – Lá trás ...eu gostava de plantar essas coisas...veio de lá...
3- As atitudes em relação ao meio ambiente
Com relação às práticas ambientais, nota-se que os entrevistados não assumem sua omissão em
relação aos problemas ambientais e apontam como práticas ambientais, atitudes relacionadas à
limpeza do espaço público e o cuidado com as plantas que possuem em suas casas. Assim, a
atitude mais comum entre essa população é jogar o lixo na lixeira: 60% (20) dos entrevistados
adotam esse costume em seu dia a dia; 15% molham as plantas (20); 10% (20) assumem que não
fazem nada para proteger o meio ambiente; 5% (20) procuram manter o ambiente sempre limpo e
10% (20) apontaram outras atitudes que não constavam no questionário aplicado.
Pergunta: E o que vc faz no dia a dia para colaborar com o meio ambiente?X – Pra colaborar...deitar e dormir...não sujo nada...
C- No seu quotidiano o que o Sr. faz para proteger o meio ambiente, no dia a dia?P – Eu faço tudo aquilo que eu posso fazer. Varrer a minha residência, minha garagem, lavar...faço a limpeza de casa, molho asplantas...C- O Sr. acha que o meio ambiente tem mais a ver com a limpeza?P – Também faz parte, né?
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Quanto à reciclagem do lixo, 75% (20) dos entrevistados afirmam que procuram reciclar o lixo
produzido em seus domicílios, e apenas 20% não adota essa atitude. Essa atitude em si,
representa um grande avanço em termos de práticas ambientais, uma vez que a amostra é
composta essencialmente por pessoas privadas do acesso à educação e à cidadania. Representa
também, uma vitória para os meios de comunicação, em particular a televisão, uma vez que
transformou a rotina e o quotidiano de tais habitantes.
Pergunta: E o Sr. já ouviu falar em lixo reciclado?P – Já.Pergunta: O Sr. recicla lixo?P – Deixo separado e ela passa para pegar. A prefeitura.
Pergunta: Vc mesmo já reciclou ou recicla o lixo?X – Não. Só carrego PET.Pergunta:E quem faz esse serviço no seu bairro?X – Ninguém...
Salta aos olhos, entretanto, a porcentagem de pessoas que jogam o lixo no rio. Entre os
entrevistados, 30% (20) assumiram ter jogado lixo no rio pelo menos uma vez e 70%(20) negaram
ter um dia adotado essa prática.
Pergunta: Vc já jogou lixo no rio?X – Vichi...direto...Pergunta: E por que vc faz isso?X – É um modo rápido...dá uma preguiça, depois eu me arrependo...
Pergunta: Vc já jogou lixo no rio?M – Algumas vezes...Pergunta: Por que vc acha que jogou lixo no rio?M – Ah, quando ta com raiva ...
4 - Representações do Rio Pirajuçara
No intuito de compreende as atitudes dos entrevistados em relação ao meio ambiente foram
abordas no questionário quantitativo questões refrentes às representações acerca do rio
Pirajuçara. De um lado, os entrevistados se submeteram a uma série de questões que tinham
como escopo apreender os elementos sensoriais envolvidos na sua relação com o rio. De outro,
haviam questões sobre os cuidados que ele suscita.
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Em relação aos aspectos estéticos e sensoriais, é possível perceber que a população tende a
pensar que o Pirajuçara é feio, sujo e cheira mal, sendo a feiúra o aspecto que as pessos mais
acusam em suas respostas. Aproximadamente 90%(20) dos entrevistados acreditam que o
Pirajuçara é feio. Para 25%(20) ele é muito sujo; para 55%(20) ele é um pouco sujo e para
10%(20) ele não é nada sujo, sendo que 10% (20) não responderam a esta pergunta. O cheiro
ruim do Pirajuçara incomoda 30%(20) da amostra pois essas pessoas acreditam que ele cheira
muito mal; para 65%(20) ele cheira um pouco mal e ninguém respondeu que o rio cheira bem,
porém 10%(20) da amostra não responderam a esta pergunta.
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É interessante notar que em relação ao afeto que as pessoas têm pelo Pirajuçara, há uma divisão
expressada na tabela abaixo:
Em virtude, certamente, dos problemas enfrentados por causa da enchente, os moradores do
Campo Limpo não se apropriaram do rio completamente, muitos permanecem indecisos sem
saber responder se o rio pertence à comunidade; outros afirmam que seria melhor ele não existir,
apenas 25%(20) da amostra alegou que se trata de um bem comum a toda população, e que por
isso merece o cuidado de todos.
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O fato de os moradores do Campo Limpo não terem desenvolvido afeto pelo Pirajuçara e o
sentimento de apropriação influi talvez na sua posição quanto ao destino do rio. A solução de
canalizar o rio para facilitar a circulação de automóveis é acolhida por 50% (20), enquanto que
40%(20) gostariam que ele servisse de lazer a toda comunidade.
A maioria dos entrevistados, isto é 55%(20) acredita que o contato humano é importante e
posiciona-se contra a restrição ao acesso ao Rio Pirajuçara. Isso indica um desejo manifesto dos
entrevistados de ter contato com o rio, apesar de todos os problemas que ele representa.
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Apesar de 30%(20) dos entrevistados jogarem lixo no rio, eles acreditam, em sua grande maioria,
que não somente os prórprios moradores do entorno do rio serão prejudicados com essa atitude
como também todo o Planeta. Isso aponta para o desenvolvimento de uma consciência ambiental
que tem como base os princípios de reciprocidade e inter-relação, essenciais para o
fortalecimento das atitudes de preservação do meio ambiente.
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A maioria dos habitantes do entrono do Pirajuçara acredita que eles mesmos são os maiores
culpados pela poluição do rio. Apenas uma minoria responsabiliza os poderes públicos, o que
torna a questão do lixo jogado no rio ainda extremamente complexa.
Conclusão
De um modo geral, é possível afirmar que é a televisão o principal meio de comunicação
responsável pela difusão de informações sobre o meio ambiente junto à população de baixa
renda. Em termos de representações, é possível observar nos discursos dos habitantes do Campo
Limpo que o seu nível de conhecimento acerca dos problemas ambientais é significativo,
sobretudo, porque são pessoas com baixo nível de escolaridade, que têm dificuldade para
compreender as mensagens transmitidas pela t.v. A televisão tem realizado um importante papel
na difusão das informações sobre o meio ambiente. Contudo, se houve um avanço em termos de
conhecimento constatado através dos discursos propalados, o mesmo não ocorre no que se
refere às práticas. Como explicar o comportamento antiecológico adotado pelos habitantes do
Campo Limpo? As imagens do rio, destacadas, neste artigo, confirmam a idéia de que houve um
aumento da consciência ambiental, e agora, com os resultados desta pesquisa é possível
confirmar a hipótese de que isso tenha ocorrido até mesmo na periferia. Tomando como exemplo
o rio Pirajuçara foi possível tirar algumas conclusões sobre a consciência ambiental. Algumas
pessoas entrevistadas no Campo Limpo apesar de se sentirem incomodadas com os odores, a
sujeira e a feiúra do rio, desenvolveram por ele um sentimento de afeto, a ponto de considerá-lo
como um um bem que pertence à toda comunidade. Além disso, é considerável a porcentagem de
pessoas que acredita que “os moradores não deveriam ser privados do contato com o rio”; “o rio
deveria servir de lazer para a comunidade”; o lixo jogado no rio prejudica os moradores de seu
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entorno e todo o Planeta” e que “os grandes responsáveis pelo lixo no rio são os próprios
moradores”.
A questão sobre o comportamento antiecológico adotado em relação ao rio, permanece em
aberto. A pesquisa realizada junto ao Procam, ainda em andamento, aprofundará este tema.
Segundo os dados coletados tudo indica que essas pessoas não se sentem parte do mundo, pois
enfrentam problemas de habitação, educação e saúde, que reforçam sua condição de “sub-
cidadãs”, em áreas socialmente segregadas. Conseqüentemente, ante a precariedade material e
simbólica enfrentada no quotidiano e o baixo nível de pertencimento manifestado, não
conseguem transformar as mensagens recebidas pela mídia e o conhecimento acumulado, em
uma atitude de defesa do meio ambiente. Nesse sentido, uma reforma muito mais profunda, que
vai além dos programas educacionais, necessita ser realizada: trata-se da distribuição de
oportunidades e da garantia dos direitos básicos de saúde, habitação e educação, que ainda não
se realizou por completo na periferia de São Paulo.
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